Ssoar-Omnia-2018-Gil-O Advento Da Animacao Digital

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O advento da animação digital: da animação 2D


tradicional ao 3D
Gil, Catarina

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Gil, C. (2018). O advento da animação digital: da animação 2D tradicional ao 3D. OMNIA - Revista Interdisciplinar de
Ciências e Artes, 8(1), 45-52. https://doi.org/10.23882/OM08-1-2018-E

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Catarina Gil1 Recebido: 15-01-2018


Aprovado: 15-02-2018 / Publicado: 28-02-2018

DOI: https://doi.org/10.23882/OM08-01-2018-E

O ADVENTO DA ANIMAÇÃO DIGITAL


Da animação 2D tradicional ao 3D

Resumo: O advento das novas tecnologias e a incorporação de técnicas digitais no processo de criação de um filme
animado contribuiu para uma alteração de paradigma no cinema de animação. Com base nas reflexões de Marshall
McLuhan acerca dos meios de comunicação e da tecnologia enquanto extensões do Homem, o presente artigo propõe
uma reflexão sobre essa mesma transformação. Nesse sentido, discorre-se sobre os significados associados ao termo
animação à luz do atual contexto digital em que se insere e de uma breve contextualização histórica. São analisadas
as principais diferenças entre a animação 2D tradicional e o 3D considerando os padrões estéticos e narrativos
instaurados pelos estúdios Walt Disney e Pixar. Paralelamente, discutir-se-ão as implicações do advento do 3D na
indústria da animação, refletindo-se acerca das possibilidades oferecidas pela introdução de ferramentas digitais na
produção de um filme animado.

Palavras-chave: Cinema de animação, 3D, digital, Disney, Mcluhan, Pixar.

THE ADVENT OF DIGITAL ANIMATION


From traditional 2D animation to 3D
Abstract: The development of new technologies and incorporation of digital techniques in the process of making an
animated film contributed to a paradigm shift in animation cinema. Based on Marshall McLuhan’s studies about the
media and technology as extensions of the man’s body, the present article proposes a reflexion concerning that trans-
formation. Regarding this, we explore the definition of animation in light of the actual digital context in which it be-
longs, supported by a brief historical contextualization. We analyse the main differences between traditional 2D and
3D animation, considering the aesthetic and narrative elements of Walt Disney’s Studios and Pixar Animation Studi-
os. Simultaneously, we discuss the implications of the beginning and evolution of the 3D in the animation industry,
contemplating the possibilities offered by the introduction of digital tools in the process of making an animated film.

Keywords: Animation cinema, 3D, digital, Disney, Mcluhan, Pixar.

1
Mestranda em Ciências da Comunicação: Cinema e Televisão pela Universidade Nova de Lisboa (Portugal)
([email protected])

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Introdução the cinema is movement – at its lowest physical lev-


“Animation is everything that people have called ani- el, the movement of lightwaves and soundwaves… it
mation in the different historical periods”, asseverava is the motion that speak to us.
Giannalberto Bendazzi. Se nos primórdios do cinema de
animação e na era pré-digital a designação do termo ani- De acordo com McLaren, a essência da animação resi-
mação se relacionava essencialmente com a ilusão ótica de na expressividade conseguida através da dinâmica
obtida através da gravação de imagens, fotograma a fo- entre fotogramas. Animação é a criação de vida onde es-
tograma, conferindo uma sensação de movimento, a uti- ta, numa primeira instância, não existe. É emoção. É o
lização de computadores para obter resultados similares sentimento oferecido pelo animador à sua criação e,
de modo substancialmente mais rápido veio transformar posteriormente, ao espectador. Em contexto contempo-
esta perceção. râneo, porém, no pleno fervilhar de uma era digital,
Partindo da premissa de Marshall McLuhan, ao com- quando se alude ao termo animação fala-se numa multi-
preender os meios de comunicação ou a tecnologia, co- plicidade de criações, desde filmes de animação, efeitos
mo extensões do Homem, seja a nível psicológico, físi- especiais, motion graphics, jogos para o telemóvel,
co, social ou intelectual, poderia afirmar-se que a computador ou internet, entre outras. Já Sébastien Denis
“explosão” do digital no universo cinematográfico cap- declarava: “Definir a animação continua a ser, pela pró-
turou o trabalho tradicionalmente manual dos animado- pria disparidade das técnicas e das filosofias pessoais do
res para o circunscrever às novas tecnologias. O compu- movimento e da vida que ela engendra, uma tarefa difí-
tador e todos os seus apetrechos, assim como os softwa- cil, e até impossível” (Denis, 2010, p.13), citando logo
res para eles disponibilizados, conduziram o cinema de de seguida Dick Tomasovick, o qual assevera que um
animação a dimensões cada vez mais complexas. Afir- dos traços identitários da animação é, efectivamente, a
mava Charles Solomon numa antologia de textos sobre dificuldade em se atribuir uma identidade. Contudo, tal-
The Art of the Animated Image: “Filmmaking has grown vez o verdadeiro desafio já não passe por definir anima-
so complicated and sophisticated in recente years that ção. Citando o animador Philip Kelly Denslow: “With
simple definitions of techniques may no longer be possi- the future digitalization of all media, all forms of pro-
ble. It may be unreasonable to expect a single word to duction will perhaps be as much animation as anything
summarize such diverse methods of creating images on else” (Pilling, 1997, p.4). O verdadeiro desafio talvez
film.” (Solomon, 1987, p.12) passe por compreender de que modo a utilização de fer-
Efetivamente, o termo animar, assim como as palavras ramentas digitais no processo criativo e a deflagração do
que deste derivam – animação, animado ou animador – 3D no meio cinematográfico vieram alterar a relação do
provêm do latim animare que significa “dar vida animador com a sua criação e a do espectador com o ci-
a” (Solomon, 1987, p.10) Contudo, esta designação pa- nema de animação.
rece insuficiente se considerados os múltiplos contextos
nos quais a animação se insere atualmente, quer digam Migração do papel para o computador
respeito ao contexto social, político, económico, estético O desenvolvimento da computação gráfica começou a
ou provenientes do próprio imaginário do animador. Se- despontar na década de 1960, no âmbito da aeronáutica
gundo a definição do animador Norman McLaren, cita- para aplicação em simuladores de voo (Goodman, 1987,
da por Solomon: p.102) e outros aparelhos tecnológicos destinados ao trei-
namento militar ou ao progresso científico. Todavia, é so-
Animation is not the art of drawings that move, but mente a partir dos anos 1970 que se desenvolvem softwa-
rather the art of movements that are drawn. What res capacitados a auxiliar o trabalho dos animadores, indo
happens between each frame is more important than de encontro à sua curiosidade em introduzir técnicas ino-
what happens on each frame. The basic substance of vadoras nos filmes de animação. Das experiências com o

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digital poderão destacar-se a conjugação entre a filmagem Efetivamente, as novas tecnologias resultaram num
real e o desenho animado – The Yellow Submarine (1968) impacto para diversas formas de arte e vieram desafiar
ou Who Framed Roger Rabbit (1988) – ou os efeitos es- uma vez mais a tentativa de definição do termo anima-
peciais, salientando-se nesta área os realizadores George ção. A incorporação de ferramentas digitais no processo
Lucas e Steven Spielberg com Star Wars (1977) ou E.T. de criação de uma obra e a tão gradual quanto repentina
(1989), respetivamente. Afirmava Solomon: passagem do papel, da pauta musical ou da tela de pin-
tura para o computador vieram transformar o cinema de
As interest in the technical aspects of film produc- animação e outras formas de expressão artística. Com
tion grew more widespread during the ‘70’s, viewers base nessa transmutação, Roger F. Malina, num artigo
became aware that “animation” actually described sobre a imagem e o cinema digitais, desdobra a sua
a wide array of frame-by-frame filmmaking tech- atenção, numa primeira instância, sobre o impacto da
niques, ranging from stop motion to drawing direct- utilização do computador em formas de arte já existen-
ly on film to photokinestasis. At the same time, so- tes como a música ou o cinema, afirmando:
phisticated new processes involving special effects,
computer graphics, motion control and video editing One of the problems facing the artist using comput-
made it increasingly difficult to determine the ers in pre-existing or traditional art forms is that the
boundaries between live action film making and ani- computer was not developed with the specific needs
mation. of artists in mind. The computer keyboard, mousse,
digitizing tablet are all inferior tools for drawing
De acordo com Solomon, através da introdução e compared to a piece of charcoal.
aperfeiçoamento de técnicas digitais a animação passou
a representar um vasto leque de processos digitais e a Segundo Malina, as ferramentas digitais poderão limi-
fronteira entre o cinema de animação e o cinema de ima- tar a visão e emoção do artista ao condensarem em si
gem real tornou-se cada vez mais ténue. Terá sido Tron mesmas uma série de propriedades intrínsecas a técnicas
(1982) de Steven Lisberger, segundo Denis, o pioneiro primitivamente artesanais como o desenho ou o domínio
na introdução da imagem de síntese (1) num filme de de um instrumento musical. O rato do computador ou a
imagem real, mas é o sucesso das produções do estúdio pen dos tablets adquirem a função de lápis, o monitor é
Pixar, nomeadamente Luxo Junior (1986) e Tin Toy uma nova janela de criação, adquirindo um estatuto si-
(1988), realizados por John Lasseter, a fomentar o mer- milar ao da folha de papel ou da tela de pintura, e o te-
cado do 3D. clado do computador metamorfoseia-se no teclado de
Pixar, fundada em 1979 como um segmento da Lucas- um piano ou nas cordas de uma guitarra. Aliás, Malina
film, a Graphics Group, torna-se uma companhia inde- observa nos artistas utilizadores de ferramentas digitais
pendente em 1986 quando é comprada por Steve Jobs. a capacidade de criação de trabalhos “that either is in-
Em 1995, o sucesso de Toy Story marcaria o declínio distinguishable from that made using painting techni-
comercial da animação 2D tradicional. Ainda hoje a ques or is equally successful artistically and aestheti-
imagem de síntese na animação “invade” as salas de ci- cally” (Malina, 1990, p.34). O computador, aliado a
nema com um êxito fenomenal entre os espectadores. uma panóplia de software, habilita qualquer artista ou
Dizia Sébastien Denis: “As técnicas digitais alteraram utilizador a produzir obras de génese especificamente
consideravelmente a relação dos espectadores com ela, e artesanal através de fiéis reproduções digitais das técni-
mudaram a própria produção a nível internacional. A cas tradicionais que lhes estão associadas. A criação de
imagem de síntese (o 3D) tornou-se, desde há alguns um desenho, por exemplo, é afastada de traços comuns à
anos, dominante, sinal aparente do fim das técnicas mais sua essência. O trabalho de um animador, usualmente
artesanais.” (Denis, 2010, p.9) assente na momentaneidade do traço, edificando, dese-

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nho a desenho, uma cena animada, pode agora ser com- O advento, triunfo e propagação do 3D
plementado ou totalmente gerado segundo um processo Anteriormente ao êxito do 3D no meio cinematográfi-
de construção e moldagem digitais. Erros são facilmente co, o 2D tradicional manteve-se durante um largo perío-
apagados, cores agilmente alteradas, jogos de luzes e do de tempo característico do mercado da animação. A
sombras eficazmente enquadrados... posterior ascensão da animação digital terá oferecido
De facto, o computador alcança de forma substancial- mudanças na relação do animador com a sua criação, na
mente mais rápida – e barata – o que tradicionalmente medida em que o trabalho por si desempenhado passou
seria feito por um animador num estúdio de animação. a ser mediado por programas de computador, não de-
De acordo com James F. Blinn, se determinada cena pendendo inteiramente das suas capacidades enquanto
não corresponde ao desejado, bastaria inserir os dados animador.
no computador para que este produzisse as alterações Por outro lado, o digital também transformou a relação
pretendidas (Solomon, 1987, p.89). As relações passam do espectador com o cinema de animação, pois apesar
a ser mediadas entre o Homem e a máquina, ao invés de da estrutura narrativa dos filmes ser praticamente idênti-
permanecerem ao nível da interação social, de humano ca, a animação 2D tradicional e 3D diferem nas estraté-
para humano. Existe no digital uma projeção de capaci- gias utilizadas para o emprego desses mesmos modelos
dades humanas. Dizia McLuhan: “all technologies are narrativos. Enquanto filmes de animação tradicionais
extensions of our physical and nervous sys- como A Branca de Neve e os Setes Anões (Walt Disney,
tems” (McLuhan, 1964, p.90) e “Any extension, 1937), Mr. Bug Goes to Town (Fleisher Studios, 1941)
whether of skin, hand, or foot, affects the whole ou La rosa di Bagdad (Ima-Film Productions, 1949),
psychic and social complex” (McLuhan, 1964, p.4). O apelam a uma abordagem dramática, aliviada pela comi-
rato do computador passa a ser uma extensão da mão, o cidade de personagens secundárias, nos filmes em 3D,
monitor uma extensão dos olhos, o computador uma ex- tais como Toy Story (Pixar, 1995), Shrek (Dreamworks,
tensão do cérebro e a tecnologia, em geral, torna-se 2001) ou Ice Age (Blue Sky Studios, 2002), não só é
uma extensão do Homem. “A tecnologia digital e a cri- instaurado um novo paradigma estético apelando cons-
ação de softwares especializados contribuíram para que tantemente ao gag (2) visual e narrativo, como se alude
os artistas pudessem avançar em direção à almejada au- a preocupações específicas da sociedade contemporâ-
tomatização do processo produtivo” (Ribeiro da Cruz, nea. Nota-se uma diferença significativa entre a estética
2006, p.43). contemplativa dos filmes 2D, num apelo constante à
Não obstante, de acordo com James F. Blinn, apesar emoção do espectador, contrariamente ao cinema de ani-
das técnicas digitais permitirem alcançar o mesmo objeti- mação 3D, baseado fundamentalmente em estratégias de
vo mais rapidamente do que se obteria convencionalmen- humor e reforçando “uma representação burlesca da rea-
te, através de lápis e papel, “the instructions given to the lidade.” (Ribeiro da Cruz, 2006, p.112)
computer must be more detailed and precise than those Terá sido o estúdio Pixar um dos maiores impulsiona-
given to human assistants” (Solomon, 1987, p.89). Em- dores do sucesso do mercado 3D justamente por a sua
bora já se desenvolvam investigações e testes no sentido primeira longa-metragem de animação em 3D, Toy Story,
de elevar determinados softwares à simulação da perso- ter quebrado com a opção estética, narrativa e dramática
nalidade de uma personagem, gerando automaticamente tradicional de Walt Disney. Apesar de os dois estúdios
as suas reações perante diversas situações e aproximando trabalharem representações de mundos imaginários numa
o trabalho do animador ao de um realizador de cinema base antropomórfica, nas produções de Walt Disney o re-
em filmagem real, o computador ainda é só e apenas uma al e imaginário geralmente fundem-se, enquanto na Pixar
máquina. É, portanto, mecânico. Na atual conjuntura, o os dois mundos convivem num misto de comicidade e
computador funciona meramente como extensão do ani- ironia. “A própria organização do mundo imaginário é
mador e não como cerne do âmago criativo. criada à semelhança dos humanos: os bonecos de Toy

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Story se reúnem em assembleia; Nemo é um peixe que gura de génio do marketing” (Denis, 2010, p.198). É
quer ir à escola; Sulley é um monstro cuja rotina inclui ir num universo dinâmico, em constante comunicação com
ao trabalho” (Ribeiro da Cruz, 2006, p.85) ao passo que outros meios artísticos e culturais, que o cinema de ani-
nos filmes de Disney Dumbo é um elefante de circo; mação adquire novas dimensões. Já não são apenas fil-
Bambi é um veado que vive na floresta; os 101 dálmatas mes, são um mercado mundial capturado pelo potencial
são animais de estimação... É, para além disso, evidente das novas tecnologias.
a predominância de personagens antropomórficas nos fil-
mes de animação 3D – note-se Finding Nemo (Pixar, Possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias
2002), Kung Fu Panda (Dreamworks, 2008), Rio (Blue Embora o cinema de animação 3D tenha atingido um
Sky Studios, 2011) ou Zootopia (Disney, 2016) – onde o tremendo sucesso, colocando o 2D tradicional numa di-
espectador consegue reconhecer características especifi- mensão nostálgica, ainda acordada nas recordações de
camente humanas em elementos da natureza, objetos ou infância de alguns espectadores, a animação tradicional
animais. “Mainstream computer-animated films have ul- prevalece, sendo, em diversos casos, complementada
timately been subsumed into a broader creative anthropo- com tratamento digital. Cartoon Saloon, um estúdio ir-
morphosis” (Holliday, 2016, p.247). O recente percurso landês, nomeado para um Óscar da Academia com o fil-
da animação digital está, de facto, fortemente interligada me Song of the Sea (2014), é um exemplo da intercala-
com tais reproduções antropomórficas da realidade co- ção entre técnicas tradicionais com programas de edição
mandadas pelo gag. digitais. Thomas Moore, um dos fundadores do estúdio,
Finalmente, se questionarmos qual a base do recente e em entrevista sobre Song of the Sea dizia: "We used a
contínuo sucesso dos filmes de animação produzidos em hybrid of new and old techniques to create a traditional
CGI, Sébastien Denis responde que a chave do êxito en- look, as I believe traditional 2D animation has a timeless
tre o público adulto poderá relacionar-se, efetivamente, appeal that can be watched even 20 years from now
com o uso recorrente de humor sofisticado ou com du- without seeming dated".
plo sentido, afastando-se dos padrões estéticos e narrati- Também o animador George Griffin referia de que
vos de Walt Disney, considerados infantilizantes. Relati- forma os avanços tecnológicos representavam uma pro-
vamente aos mais jovens, Denis acredita poder dever-se, messa aos animadores, esclarecendo: “cheap software
entre outros fatores, à semelhança entre a estética dos (…), intuitive graphic tablets, digital delivery systems
filmes de animação 3D com os jogos de vídeo (Denis, for a variety of sites – all converge to enhance produc-
2010: 193-194). Aliás, num artigo sobre a convergência tion and presentation” (Furniss, 2012, p.191) Conclu-
entre o universo dos jogos de vídeo e o cinema, Keith B sões, já analisadas por Philip Kelly Denslow num artigo
Wagner e In-gyoo Jang utilizam como exemplo Wall-E sobre como as novas tecnologias, permitiram aos artistas
(2008) da Pixar e Wreck it Ralph (2012) da Walt Dis- ter acesso a uma panóplia de ferramentas digitais a um
ney, analisando a evolução da animação no modo como preço acessível e utilizá-las em prol das suas necessida-
se foi interconectando com outros meios, nomeadamen- des criativas:
te com o âmbito dos jogos de vídeo. Afirmam: “What
cinema and gaming now find in common with 3-D com- Technology does hold out hope for independent
puter animation, amongst other things, is a platform for artists to gain access to sophisticated tools as com-
cultural expression that now overlaps and enmeshes puters and digital reproduction become more and
itself in all three forms of visual media” (Wagner e more economical. Visions of small-scale investment
Jang, 2016, p.131). leading to large-scale access to markets using tele-
O êxito da animação 3D faz-se acompanhar por uma communication networks, the aesthetic possibilities
lógica económica que extrapola o seu suporte, daí o tre- of replication and manipulation of existing or cre-
mendo sucesso de Walt Disney, “incontestavelmente fi- ated material in the digital realm, and the popular-

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isation of an animator’s personal vision are all Slumberland (1905), muito rítmica e cinematográfica.
parts of an optimistic scenario. Although digital No título, a subtil substituição da letra “e” em message
imagery is leading us to a preoccupation with the pelo “a”, oferece pistas sobre o efeito alienatório dos
realistic representation of ideas, at the same time media e da tecnologia no Homem. McLuhan provoca o
these images are less fixed and more malleable leitor, fá-lo questionar-se, auxiliando-se de uma constru-
than ever before. ção imagética e textual que pode associar-se à ágil cons-
trução de sequências fílmicas animadas através de um
Apesar da era digital ter brindado o cinema de anima- computador e ao ritmo frenético a que a informação cir-
ção com um mar de possibilidades até então nunca expe- cula atualmente na dita Aldeia Global.
rienciadas, Denslow questiona-se até que ponto uma cria- Numa diferente abordagem, esta igualmente evidenci-
ção continuará a pertencer ao animador se grande parte ada por Malina, o computador poderá ser encarado co-
dela for definida por um computador. Nesse sentido, pon- mo um auxiliar na concretização de ideias até então
dera ainda se os criadores dos softwares não teriam parte nunca alcançadas devido à limitação tecnológica. A ma-
do crédito naquela animação. A facilidade de partilha e leabilidade das ferramentas digitais oferece a qualquer
distribuição na internet, igualmente evidenciada por Grif- aspirante a possibilidade de realizar um filme de anima-
fin, institui inevitavelmente uma rede de conexões entre ção, algo impensável no início do século XX. “A possi-
animador, programador, realizador, utilizador e afins. Es- bilidade de fazer mais no mundo virtual tornará mais
tabelece-se assim um paralelismo com o conceito de Al- eficientes os mecanismos do nosso mundo físi-
deia Global, desenvolvido por McLuhan, com o intuito co.” (Schmidt e Cohen, 2013, p.24) Embora seja mais
de explicar como as novas tecnologias e o fervilhar da era fácil desenhar o primeiro fotograma de uma animação
digital reduzem o planeta ao estatuto de aldeia, onde o em papel, o computador facilita o processo que daí ad-
mundo, de alguma forma, estaria interligado. Atualmente vém e, portanto, aludindo às reflexões de James F.
este conceito é facilmente aplicável tendo em considera- Blinn, o seu verdadeiro encanto comparativamente às
ção o grandioso fluxo de informação estimulado pela in- técnicas de animação convencionais está precisamente
ternet, a facilidade de comunicação com qualquer pessoa no facto de este acompanhar o animador, passo a passo,
em qualquer parte do mundo, a rapidez de deslocação e, em direção a situações cada vez mais complexas e cati-
recuperando as reflexões de Roger F. Malina, os próprios vantes (Solomon, 1987, p.92) o que, gradualmente, alte-
softwares disponibilizados para o computador que colo- rará a forma de pensar do Homem.
cam qualquer um em contacto com o cinema, a fotogra-
fia, a pintura, a música… No atual contexto contemporâ- Uma nova forma de pensar
neo, bastaria ter acesso a um computador e à internet para Presentemente, o pensamento humano é dominado pe-
se realizar um filme de animação. la linguagem. Aliás, na teoria de Marshall McLuhan, a
Na composição do seu último livro, The Medium is the linguagem é um meio (ou uma tecnologia) por ser uma
Massage (1967), construído em parceria com o ilustra- extensão da consciência humana. Ela representa ideias,
dor Quentin Fiore, McLuhan debruça-se exatamente so- pensamentos e emoções. McLuhan confere, de facto,
bre os efeitos das novas tecnologias e dos meios de co- grande importância ao desenvolvimento da linguagem
municação no Homem. Através de uma compilação de humana quando escreve: “It is the extension of man in
textos e imagens dispostos caoticamente ao longo de speech that enables the intellect to detach itself from the
160 páginas, o filósofo ilustra o modo como o desenvol- vastly wider reality. Without language… human intelli-
vimento da tecnologia molda a sociedade e a sua perce- gence would have remained totally involved in the ob-
ção sobre o mundo. A composição dos diferentes ele- jects of its attention.” (McLuhan, 1964, p.79) Para o fi-
mentos apresenta-se ao estilo de uma banda-desenhada lósofo, a linguagem foi a chave para a evolução de ex-
que, embora fragmentada, é, tal qual um Little Nemo in tensões tecnológicas como a escrita, por exemplo, a qual

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representou uma evolução na tecnologia da linguagem e Considerações finais


alterou o modo de pensamento até então vigente. A es- O leque de possibilidades disponibilizado pelo cres-
crita auxiliou ao desenvolvimento e cimentação da me- cente desenvolvimento tecnológico tornou-se imenso,
mória, tornando-se uma extensão desta e do discurso. repercutindo-se nos mais variados sectores. O cinema de
Transpondo o olhar de McLuhan para o universo da animação que “é, antes de mais, cinema” (Denis, 2010,
animação digital, compreendendo a tecnologia como p. 7), foi uma das áreas atingidas pelo brotar da pós-
uma extensão das nossas faculdades biológicas e do modernidade, expandido as suas potencialidades criati-
computador como uma extensão do nosso cérebro, dizia vas a uma dimensão que atualmente extrapola o meio ci-
James F. Blinn: nematográfico.
As novas tecnologias proporcionaram um crescimento
Consider making outlines for a paper and re- exponencial no universo da animação a nível estético,
arranging the topics as new ones come to mind. narrativo e social, maturando-a enquanto uma técnica
Now consider the same thinking process applied to cinematográfica cada vez mais complexa e absorvida
pictures. Often people draw doodles or sketches to nas suas idiossincrasias. Assim como a década de 1930
help them think. The technology of fast computer an- retratou o auge das produções Disney, embebidas numa
imation will enable thinkers to re-arrange and refor- completação visual estética e narrativamente dramática,
mat their thoughts with the same ease. It is ease of o cinema de animação vive outro momento de glória
use and quick feedback that makes this process use- com o sucesso do 3D, impulsionado pela irreverência de
ful. Computers are now just reaching this threshold Pixar, a qual se ergueu em força em produções inovado-
of usefulness. ras e completamente digitais. “In the contemporary era,
animation both constitutes a particular, and a distinctive
De acordo com as reflexões de Blinn, o computador form of cinema and operates as a language of expression
poderá, tal como a escrita, reformatar o modo de pen- in a range of diverse forms” (Nelmes, 2012, p.230).
sar do Homem à medida que é desenvolvido e experi- Animação talvez já não seja passível de uma definição
enciado o seu potencial técnico e criativo. Embora os comum no meio cinematográfico, mas aporta agora em
filmes de animação 3D sigam no caminho da estagna- si uma panóplia de variações em diversos âmbitos – ci-
ção, ao estarem dominadas pelo mercado, a sua quali- nema experimental, arte contemporânea, jogos de vídeo,
dade técnica é indubitavelmente aprimorada a cada no- televisão… – que a enriquecem como técnica e a valori-
va produção. O cinema de animação continuará o seu zam enquanto campo de investigação. Retomando a ci-
processo de transformação ao ritmo das exigências da tação inicial de Giannalberto Bendazzi, “Animation is
era digital, transportada pelo crescente desenvolvimen- everything that people have called animation in the dif-
to tecnológico. Se hoje Walt Disney é relembrado pelo ferent historical periods”.
sucesso da animação 2D tradicional na década de
1930, Pixar ficará na história como responsável pelo NOTAS:
triunfo do 3D no novo milénio. Inevitavelmente, o Ho- (1) - Imagens de síntese são imagens em 3 dimensões
mem verá a sua linguagem sofrer um novo processo de geradas por computador, vulgarmente designadas por
evolução social, cultural e histórico, da mesma forma CGI (Computer-Generated Image).
que sucedeu com a invenção da escrita e com o pro- (2) - Gag é um termo inglês que se refere a piada, efeito
gresso da eletricidade. cómico.

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Referências bibliográficas
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Furniss, M. (2012). Animation: Art and industry. Leicester: John Libbey Publishing Ltd.
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Omnia vol. 8(1), fevereiro 2018 • e-ISSN: 2183-4008 • ISSN: 2183-8720 • Páginas 45-52

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