Cena 1: Uma Calamidade Que Interrompe Sonhos

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Cena 1: uma calamidade que interrompe sonhos

O Jardim das Oliveiras é um bairro da cidade de Rocha Branca, uma cidade de porte médio que
tem uma vasta área rural. Esse bairro teve sua dinâmica bastante alterada com a construção
de um conjunto residencial, que foi planejado para atender à única área de favela da cidade,
localizada às margens de um córrego e, por essa razão, é uma área de risco de alagamento.

Na época da remoção das famílias da favela para os prédios, ocorreu uma situação de
calamidade que alterou o que estava planejado. Aconteceu o seguinte, uma forte chuva
concentrada em outra área da cidade gerou um grave deslizamento de uma encosta, afetando
muitas famílias que tiveram suas casas destruídas ou interditadas. Diante desse desastre não
houve outra alternativa a não ser destinar a essas pessoas parte dos apartamentos recém-
construídos. Essa decisão gerou muitos protestos e conflitos, pois assim não foi possível remover
toda a favela, e um grupo de famílias lá permaneceu.

Ante os protestos, a Prefeitura sinalizou que logo as demais famílias também seriam removidas,
mas isso nunca ocorreu. Essa situação gerou frustração e animosidade entre moradores, o
sentimento de injustiça era geral, uns porque se viram sem saída, ante as perdas decorrentes
da tempestade, e outros porque deixaram para trás amigos e até familiares pela interrupção da
desocupação da área de risco.

As disputas se davam por qualquer razão. O convívio era muito conflitivo, e brigas ocorriam
por motivos banais. Os prédios tinham pouca separação entre um e outro, as janelas próximas
faziam com que inadvertidamente intimidades fossem partilhadas. Ademais, algumas pessoas
não se adaptaram às regras de condomínio, e os conflitos no interior dos prédios também eram
grandes.

Um evento trágico selou de vez a separação. Ana e João, dois adolescentes, ele morador
da favela, e ela uma das recém-chegadas, conheceram-se em um processo de seleção para
contratação de jovens aprendizes na biblioteca central da cidade, ambos foram aprovados
e logo se tornaram amigos, descobriram mais pontos em comum do que distâncias, adoravam
ler, gostavam das mesmas músicas e a cada dia permaneciam mais tempo na biblioteca do
que em qualquer outro lugar da cidade. Aos poucos se apaixonar foi inevitável, começaram
a namorar sempre mantendo em segredo essa relação. Falavam pouco dos conflitos que
separavam suas famílias e amigos, embora achassem excessiva a rivalidade, compreendiam
os sentimentos de injustiça.

Mas, a felicidade foi interrompida quando Ana engravidou. A reação na família de João foi
péssima, sua mãe ficou amargurada com o que representaria para seu filho, ter de assumir uma
criança na idade em que estava, desejava que ele fizesse faculdade, e tudo indicava que isso
aconteceria, nunca imaginou que o seu interesse pela biblioteca não fosse somente pelos livros.
Na família de Ana, a situação não foi diferente. A gravidez pareceu uma traição. Ana era uma
menina doce, inteligente, tinha muitas amigas e gostava dos amigos de seu irmão também. Mas
o segredo mantido gerou um misto de sentimentos entre as pessoas que amava; a gravidez
foi recebida com frustração e receio, a família de Ana achava que “aqueles favelados” não
poderiam ser boa coisa e com João não seria diferente, desejavam um destino melhor para ela.

Suas amigas se afastaram. Os amigos de seu irmão sentiram um misto de ciúmes e de raiva.
Resolveram então dar uma “enquadrada” no João, liderados pelo irmão de Ana. Numa noite,
aguardaram seu retorno para casa, eram 5 rapazes que passaram a intimidá-lo. João ficou muito
assustado e perdeu o equilíbrio, acidentalmente caiu e bateu a cabeça na guia e, tragicamente,
morreu.

Uma praça de guerra se armou, o velório de João foi evento de manifestação e repúdio aos
novos moradores. Os meninos envolvidos escaparam por pouco de um linchamento e foram
internados em unidade socioeducativa numa cidade vizinha, ficaram 3 anos fora da cidade.
A família de Ana a mandou para a casa de sua avó em Minas, de onde nunca mais voltou.
A mãe de João entrou em depressão profunda, recuperou-se um tempo depois, mas tem altos
e baixos, nunca quis conhecer o neto e tampouco Ana.

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