Técnica de Negociação e Mediação

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Técnica de

Negociação e
Mediação

Prof. Roberto Ferreira de Macedo

Indaial – 2022
1a Edição
Elaboração:
Prof. Roberto Ferreira de Macedo

Copyright © UNIASSELVI 2022

Revisão, Diagramação e Produção:


Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI

C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI.


Núcleo de Educação a Distância. MACEDO, Roberto Ferreira de.

Técnica de Negociação e Mediação. Roberto Ferreira de Macedo. Indaial - SC:


Arqué, 2022.

222p.

ISBN 978-65-5466-193-5
ISBN Digital 978-65-5466-194-2

“Graduação - EaD”.
1. Técnica 2. Negociação 3. Mediação

CDD 658.31
Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679

Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Olá, acadêmico!

Neste livro será apresentada a disciplina de Técnica de Negociação e Mediação.


Para tanto, foi definido um plano de desenvolvimento que busca estabelecer uma
sequência lógica do tema. A disciplina tem como objetivo capacitar profissionais para
atuar tecnicamente na negociação, mediação e demais métodos adequados de solução
de conflitos, bem como nos mais variados setores, tanto em instituições privadas e
administração pública quanto no terceiro setor.

A proposta é que o egresso do curso seja um profissional com sólida formação


interdisciplinar, ética e humanística, capacidade de interpretação e diagnóstico, domínio
dos fundamentos da negociação e da mediação e conhecimento jurídico necessário para
aplicação das técnicas adequadas aos mais diferentes casos e situações. Que tenha
um perfil conciliador e habilidade para aplicação do diálogo não violento. Restaurador e
pacificador complementam as qualidades profissionais do egresso.

Na Unidade 1, abordaremos a relevância jurídica e social dos conflitos, bem


como os conceitos, objetivos e as distinções relacionadas a ele. Ganham importância
os métodos alternativos (autocompositivos) de solução de conflitos (notadamente a
negociação, a conciliação e a mediação), por serem mais acessíveis, céleres, informais,
econômicos e estrategicamente inclinados à pacificação.

Em seguida, na Unidade 2, estudaremos as técnicas de negociação que podem


ser utilizadas para potencializar as transações (pactos, acordos) quando existir algum
tipo de divergência (desacordo, conflito) entre determinadas pessoas físicas (partes), ou
mesmo na presença de sociedades empresárias (pessoas jurídicas).

Por fim, na Unidade 3, aprenderemos um pouco mais sobre as técnicas


de mediação, destacando os materiais disponibilizados pelo Conselho Nacional de
Justiça. Traremos também dos aspectos gerais da mediação de conflitos e da justiça
restaurativa, mergulhando no universo complexo e multifacetado dos direitos humanos,
da educação para a paz e não violência.

Desejamos a você um ótimo estudo e que, ao finalizar o seu curso de graduação,


consiga aplicar na prática, desenvolver e aprimorar ainda mais os seus conhecimentos,
alcançando novos objetivos e vencendo desafios em sua trajetória profissional.

Prof. Roberto Ferreira de Macedo


GIO
Olá, eu sou a Gio!

No livro didático, você encontrará blocos com informações


adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento
acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender
melhor o que são essas informações adicionais e por que você
poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações
durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais
e outras fontes de conhecimento que complementam o
assunto estudado em questão.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos


os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina.
A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um
novo visual – com um formato mais prático, que cabe na
bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada
também digital, em que você pode acompanhar os recursos
adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo
deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura
interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no
texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que
também contribui para diminuir a extração de árvores para
produção de folhas de papel, por exemplo.

Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente,


apresentamos também este livro no formato digital. Portanto,
acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com
versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

Preparamos também um novo layout. Diante disso, você


verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses
ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos
nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos,
para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os
seus estudos com um material atualizado e de qualidade.

QR CODE
Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e
dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes
completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você
acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar
essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só
aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos.
ENADE
Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um
dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar
do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!

LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conheci-


mento, construímos, além do livro que está em
suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem,
por meio dela você terá contato com o vídeo
da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa-
res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de
auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que


preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


SUMÁRIO
UNIDADE 1 - O CONFLITO: ABORDAGEM, AUTOCOMPOSIÇÃO E RESOLUÇÕES................ 1

TÓPICO 1 - CONFLITO: RELEVÂNCIA JURÍDICA E SOCIAL..................................................3


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................3
2 HETEROCOMPOSIÇÃO.........................................................................................................3
2.1 A CULTURA LITIGANTE DE TRATAMENTO DOS CONFLITOS: A HETEROCOMPOSIÇÃO.........8
2.2 A ESPIRAL DO CONFLITO................................................................................................................... 10
RESUMO DO TÓPICO 1.......................................................................................................... 12
AUTOATIVIDADE................................................................................................................... 13

TÓPICO 2 - AUTOCOMPOSIÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE


PROCESSO CIVIL E NA LEI DA MEDIAÇÃO....................................................... 17
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 17
2 PRINCÍPIOS DA NEGOCIAÇÃO, DA CONCILIAÇÃO E DA MEDIAÇÃO............................... 17
2.1 O PODER JUDICIÁRIO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.................................................22
2.2 AS NOVAS ESTRUTURAS QUE AMBIENTAM A AUTOCOMPOSIÇÃO .......................................23
3 PRINCÍPIOS DA NEGOCIAÇÃO, DA CONCILIAÇÃO E DA MEDIAÇÃO...............................27
RESUMO DO TÓPICO 2.......................................................................................................... 31
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 32

TÓPICO 3 - NEGOCIAÇÃO, MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO JUDICIAL.................................. 35


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 35
2 NEGOCIADOR, MEDIADOR E CONCILIADOR................................................................... 35
2.1 SETORES DOS CENTROS JUDICIÁRIOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E CIDADANIA
(CEJUSC)................................................................................................................................................ 37
2.2 NEGOCIAÇÃO, CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO: APROFUNDANDO CONHECIMENTOS.............43
2.3 O MEDIADOR E O CONCILIADOR: FUNÇÕES, OBJETIVOS E REGRAS ...................................44
2.3.1 Hipóteses de exclusão do cadastro nacional de conciliadores e mediadores – artigo
173 do Novo Código de Processo Civil.................................................................................. 47
3 REMUNERAÇÃO DOS CONCILIADORES E MEDIADORES............................................... 49
3.1 AS CÂMARAS PRIVADAS DE CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO.........................................................49
3.2 ORGANOGRAMA DA CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO JUDICIAL ENDOPROCESSUAL..............50
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................... 52
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 53

TÓPICO 4 - SITUAÇÕES ESPECIAIS....................................................................................57


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................57
2 SITUAÇÕES ESPECIAIS E MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL.................................................57
2.1 AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO E SESSÃO DE MEDIAÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
(LEI Nº 13.105/2015).............................................................................................................................58
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................. 63
RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................... 65
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 66

REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 68
UNIDADE 2 — TÉCNICAS DE NEGOCIAÇÃO.........................................................................73

TÓPICO 1 — NEGOCIAÇÃO COMO PROCESSO.....................................................................75


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................75
2 MÉTODO DE NEGOCIAÇÃO DE HARVARD.........................................................................76
3 ELEMENTOS DA NEGOCIAÇÃO.........................................................................................79
3.1 COMUNICAÇÃO..................................................................................................................................... 79
3.2 RELACIONAMENTO............................................................................................................................ 80
3.3 INTERESSES......................................................................................................................................... 81
3.4 CRIATIVIDADE......................................................................................................................................82
3.5 POSSIBILIDADES.................................................................................................................................83
3.6 PERSUASÃO.........................................................................................................................................83
3.7 COMPROMISSO.....................................................................................................................................83
4 ETAPAS DA NEGOCIAÇÃO E SUA IMPORTÂNCIA............................................................ 84
4.1 PREPARAÇÃO........................................................................................................................................85
4.1.1 Levantamento de interesses....................................................................................................85
4.1.2 MASA e ZOPA...............................................................................................................................86
4.1.3 Informação...................................................................................................................................87
4.1.4 Opções e Comunicação............................................................................................................87
4.2 CRIAÇÃO .............................................................................................................................................. 88
4.2.1 Interesses comuns.................................................................................................................... 88
4.2.2 Ganhos mútuos.........................................................................................................................89
4.3 NEGOCIAÇÃO........................................................................................................................................89
4.4 FECHAMENTO...................................................................................................................................... 91
4.5 RECONSTRUÇÃO DAS RELAÇÕES.................................................................................................. 91
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................... 93
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 94

TÓPICO 2 - NEGOCIAÇÃO COMO PROCESSO DA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS..................97


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................97
2 ESCOLAS DE MEDIAÇÃO...................................................................................................97
3 TEORIA DA ANÁLISE TRANSACIONAL..............................................................................99
4 LIDANDO COM AS OBJEÇÕES.........................................................................................100
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................103
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................105

TÓPICO 3 - NEGOCIAÇÃO, MEDIAÇÃO, CONCILIAÇÃO E ARBITRAGEM.........................107


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................107
2 MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS...............................................107
2.1 NEGOCIAÇÃO.......................................................................................................................................108
2.2 MEDIAÇÃO.............................................................................................................................................111
2.2.1 Princípios da mediação............................................................................................................115
2.3 CONCILIAÇÃO......................................................................................................................................116
2.4 ARBITRAGEM.......................................................................................................................................119
2.4.1 Princípios da arbitragem.........................................................................................................121
2.5 HABILIDADES E FORMAS DE COMUNICAÇÃO........................................................................... 122
2.6 CULTURA DE PAZ ............................................................................................................................. 124
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................126
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 127

TÓPICO 4 - ÉTICA E ETIQUETA NA NEGOCIAÇÃO.............................................................129


1 INTRODUÇÂO....................................................................................................................129
2 ÉTICA ..............................................................................................................................129
2.1 ETIQUETA NA MESA DE NEGOCIAÇÃO.......................................................................................... 132
RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................135
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................136
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................138

REFERÊNCIAS.....................................................................................................................145

UNIDADE 3 — TÉCNICAS DE MEDIAÇÃO............................................................................149

TÓPICO 1 — MANUAL DE MEDIAÇÃO JUDICIAL DO CONSELHO


NACIONAL DE JUSTIÇA.................................................................................. 151
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 151
2 MANUAL DE MEDIAÇÃO JUDICIAL DO CNJ................................................................... 151
2.1 A INICIATIVA DA ELABORAÇÃO DO MANUAL DE MEDIAÇÃO JUDICIAL DO CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA ................................................................................................................... 152
2.2 A ESTRUTURA DO MANUAL DE MEDIAÇÃO JUDICIAL DO CONSELHO NACIONAL DE
JUSTIÇA .............................................................................................................................................. 154
2.3 A MODERNA TEORIA DO CONFLITO E A POSSIBILIDADE DE EDUCAR A SOCIEDADE.....160
3 CURSO DE FORMAÇÃO DE INSTRUTORES: NEGOCIAÇÃO,
MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO...........................................................................................163
3.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO CURSO DE FORMAÇÃO DE INSTRUTORES:
NEGOCIAÇÃO, MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO................................................................................. 163
3.2 ASPECTO TEÓRICO DO CURSO DE FORMAÇÃO DE INSTRUTORES: NEGOCIAÇÃO,
MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO – PARTE I ........................................................................................ 165
3.3 ASPECTO PRÁTICO DO CURSO DE FORMAÇÃO DE INSTRUTORES: NEGOCIAÇÃO,
MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO – PARTE II E ANEXOS....................................................................168
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................170
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................171

TÓPICO 2 - CURSO DE MEDIAÇÃO JUDICIAL................................................................... 173


1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 173
2 CURSO DE MEDIAÇÃO DE FAMÍLIA ................................................................................ 173
2.1 INTRODUÇÃO E VISÃO GERAL DA MEDIAÇÃO DE FAMÍLIA ..................................................... 173
2.2 TEORIA DE FAMÍLIA........................................................................................................................... 175
2.3 MODERNA TEORIA DO CONFLITO APLICADA ÀS QUESTÕES DE FAMÍLIA........................... 179
2.4 MEDIAÇÃO DE FAMÍLIA.....................................................................................................................181
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................184
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................185

TÓPICO 3 - CURSO DE MEDIAÇÃO PENAL, CÍRCULOS RESTAURATIVOS


E JUSTIÇA RESTAURATIVA............................................................................187
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................187
2 CURSO DE MEDIAÇÃO PENAL, CÍRCULOS RESTAURATIVOS
E JUSTIÇA RESTAURATIVA.............................................................................................187
2.1 INTRODUÇÃO E VISÃO GERAL DO CURSO DE MEDIAÇÃO PENAL, CÍRCULOS
RESTAURATIVOS E JUSTIÇA RESTAURATIVA ......... 187 2.2 PROCEDIMENTO DA MEDIAÇÃO
VÍTIMA-OFENSOR...............................................................................................................................190
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................192
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................193
TÓPICO 4 - JUSTIÇA RESTAURATIVA, MEDIAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO
DE CONFLITOS................................................................................................195
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................195
2 JUSTIÇA RESTAURATIVA................................................................................................195
2.1 JUSTIÇA RESTAURATIVA – ASPECTOS ESSENCIAIS E A VISÃO SISTÊMICA....................... 196
2.2 RESOLUÇÃO CNJ Nº 225/2016: DIRETRIZES DO PROCEDIMENTO RESTAURATIVO E
FLUXO NO ÂMBITO DO PODER JUDICIÁRIO................................................................................ 199
3 MEDIAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DE CONFLITOS ........................................................ 203
3.1 A MEDIAÇÃO, O MEDIADOR E OS VALORES CONSENSUAIS .................................................. 203
3.2 A TRANSFORMAÇÃO DOS CONFLITOS ....................................................................................... 206
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................210
RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................ 217
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................218

REFERÊNCIAS.....................................................................................................................221
UNIDADE 1 -

O CONFLITO: ABORDAGEM,
AUTOCOMPOSIÇÃO E RESOLUÇÕES
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• estudar o que é o conflito, qual a sua relevância jurídica e social, especialmente em


razão da noção de Estado e Contrato Social;

• compreender como os conflitos são tratados sob a ótica heterocompositiva e


autocompositiva;

• analisar os princípios que regem a Negociação, a Conciliação e a Mediação sob o


enfoque do Novo Código de Processo Civil e da Lei nº 13.140/2015 (Lei da Mediação);

• entender os conceitos relacionados à Negociação e à Mediação;

• compreender as características e diferenças entre Negociação, Mediação e


Conciliação;

• analisar e identificar a aplicabilidade, tanto da Negociação, quanto da Mediação e


da Conciliação, na solução de conflitos juridicamente tutelados, judicializados e não
judicializados;

• construir uma visão crítica sobre as potencialidades da Negociação, da Mediação e


da Conciliação;

• compreender a Negociação e a Mediação como métodos alternativos de solução de


controvérsias e conflitos.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 - CONFLITO: RELEVÂNCIA JURÍDICA E SOCIAL


TÓPICO 2 - AUTOCOMPOSIÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E NA LEI DA
MEDIAÇÃO
TÓPICO 3 - NEGOCIAÇÃO, MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO JUDICIAL
TÓPICO 4 - SITUAÇÕES ESPECIAIS

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

1
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 1!

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2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 -
CONFLITO: RELEVÂNCIA JURÍDICA E SOCIAL

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, abordaremos pontos que se relacionam à construção de
conhecimentos específicos e gerais sobre a temática proposta, de forma que você tenha
as ferramentas adequadas para iniciar seus estudos sobre as técnicas de negociação
e mediação e demais áreas do conhecimento que guardam relevante associação.

Tratar desse tema é tarefa que necessita de toda uma base conceitual sobre
noções fundamentais do conflito, pois não podemos estudar o que é negociação
e mediação e nem suas relações com outros campos do conhecimento sem antes
compreendermos o que é o conflito e quais são suas fontes.

O conflito é inerente às relações humanas, funda a nossa existência, pois somos


seres de relação, portanto, estamos no mundo convivendo com outros humanos. O
conflito deve ser compreendido como um processo intrínseco à vida e, quando percebido
como algo positivo, torna-se um elemento de desenvolvimento pessoal, social, político
e educativo.

2 HETEROCOMPOSIÇÃO
A Ciência Jurídica e Social (estudo do Direito), enquanto reflexo da sociedade,
fundamenta a sua existência a partir das formas com que administra o conflito, tendo
em vista que a presença desse é uma constante nas relações humanas. Ou seja, o
Direito existe para que possamos não apenas viver em sociedade, mas, especialmente,
conviver de forma harmônica.

Conforme aponta a professora Fabiana Marion Spengler (2010, p. 242), o conflito


está e se fará presente na sociedade de forma permanente. Conceituá-lo é um desafio
que vem sendo enfrentado ao longo do tempo:

[...] de fato, a noção de conflito não é unânime. Derivado do antigo


latim, a palavra conflito tem como raiz etimológica a ideia de choque,
ou a ação de chocar, de contrapor ideias, palavras, ideologias, valores
ou armas. Por isso, para que haja conflito é preciso, em primeiro
lugar, que as forças confrontantes sejam dinâmicas, contendo em si
o sentido da ação, reagindo umas sobre as outras (SPENGLER, 2010,
p. 242).

3
A partir de uma visão mais conservadora, o conflito pode ser compreendido como
algo negativo, traumático, devastador, ameaçador e que pode levar a uma escalada de
violência desmedida e incontrolável.

De acordo com o filósofo e sociólogo francês Julien Freund, não é possível


eliminar o conflito de forma definitiva das relações sociais, pois ele não é um fenômeno
estranho ou patológico. O referido autor conceitua conflito como sendo “o enfrentamento
voluntário entre dois seres ou grupos da mesma espécie que manifestam, uns a respeito
dos outros, uma intenção hostil, geralmente com relação a um direito” (FREUND, 1995,
p.58). Nessa toada, ficam excluídos desse conceito os acidentes, como no exemplo do
homem que tropeça numa pedra.

Freund (1995) também apresenta uma distinção entre colisão e conflito,


explicada através do seguinte exemplo prático:

[...] o choque involuntário entre ciclistas não pode ser considerado


conflito, pois se trata de uma colisão, ainda que essa situação possa
vir a gerar um conflito, porque pode provocar uma manifestação
agressiva em pelo menos uma das partes envolvidas. Diante disso,
pode-se constatar que a ‘intenção conflitiva’ é o mais relevante e
pode se manifestar de forma individual ou coletiva, não importando,
para fins conceituais, o tamanho do grupo ou coletividade envolvida.

Buscando o significado do termo “conflito” no dicionário Michaelis (2022),


encontramos algumas conceituações pertinentes a nossa matéria, destacando-se,
dentre elas:

1. Falta de entendimento grave ou oposição violenta entre duas


ou mais partes; 2. fato que ocorre entre autoridades judiciárias e
administrativas, quando cada uma delas se julga, ao mesmo tempo,
competente para deliberar sobre determinado caso (conflito de
atribuições); 3. choque entre os interesses pessoais e as obrigações
do cargo que o indivíduo ocupa (conflito de interesses); 4. questão
sobre competência entre juízes ou tribunais da mesma jurisdição
(conflito de jurisdição); 5. divergência entre as leis de diferentes
Estados ou jurisdições quanto aos direitos do mesmo indivíduo
(conflito de leis); b) divergência entre as leis atuais de um país e
as que anteriormente regiam a mesma matéria (conflito de leis); 6.
dissídio entre empregados e patrões por desacordo de interesses,
infringência das leis etc. (conflito de trabalho).

Os conflitos a serem abordados no nosso estudo são os que ocorrem entre seres
humanos, pessoas. Vários autores fazem essa diferenciação em relação às intempéries
cotidianas.

Em um passado longínquo, nas sociedades primitivas, as demandas (desavenças,


conflitos) eram solucionadas por meio do exercício da força de um dos conflitantes
(da parte vencedora), que impunha a solução ao seu oponente (parte adversa). A isso
denomina-se “exercício arbitrário das próprias razões” ou “autotutela”. Em casos

4
excepcionais, o ordenamento jurídico brasileiro autoriza a autotutela. São exemplos:
legítima defesa (artigo 25, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código
Penal); apreensão do bem com penhor legal (artigo 1.467, I, da Lei nº 10.406, de 10 de
janeiro de 2002 - Código Civil); desforço imediato no esbulho (artigo 1.210, § 1º, do
Código Civil).

De forma diversa, a moderna teoria dos conflitos aponta que esses podem
ter um caráter educativo, construtivo, na medida em que revelam a necessidade de
mudanças, de novas oportunidades, que levam às reflexões e reconstruções, evitando,
dessa forma, acomodação e conformismo. Entende-se que os conflitos podem ser
vistos sob uma ótica positiva, exatamente por estimular transformações.

Dentro desse contexto, o foco do nosso estudo é o tema dos conflitos nascidos
nas diversas relações sociais (relações humanas) e que podem ser submetidos não
só à apreciação do Estado-Juiz (situações juridicamente tuteladas), como também
aqueles que podem ser solucionados por meio de técnicas de negociação e mediação
extrajudicial.

É importante ter em mente que relações jurídicas tuteladas são aquelas relações
da vida social, disciplinadas pelo Direito, traduzidas na máxima de que “a cada Direito
corresponde uma obrigação” e vice-versa. Justifica-se, ainda a relevância do estudo
dos conflitos na medida em que percebemos que a própria ideia de Estado e de contrato
social foi gestada a partir da concepção e manejo das relações conflitivas.

Vejamos, exemplificativamente, a relevância do conflito sob a ótica de três


autores contratualistas clássicos: Hobbes, Locke e Rousseau. Na visão de Thomas
Hobbes, o homem embrutecido, irracional e egoísta viveria em permanente estado
de natureza, caótico e desorganizado, no qual haveria a predominância de disputas
constantes pelo poder. Para Hobbes (2000), o conflito é um estado permanente de
guerra, sendo onde “o homem é o lobo do próprio homem.”

Nesse contexto, não haveria espaço para a sociedade civil. Hobbes percebe
como estado de guerra aquele em que a competição travada pelo ganho fazia da
única preocupação a própria sobrevivência, assim como a desconfiança que conduz a
permanente luta por segurança e o desejo idealizado de uma boa reputação levariam
os homens ao conflito constante. Significa dizer que no estado de natureza os homens
fazem a sua própria justiça, enquanto no Estado institucionalizado o administrador é um
terceiro, alheio aos interesses dos envolvidos. Quanto à forma de vida, Hobbes enfatiza
que no estado de natureza haveria permanente caos, desorganização e a prevalência
da vontade do mais forte, como resultados inequívocos da administração dos conflitos
pelos indivíduos.

O contrato social surge, para Hobbes, como um pacto em favor do terceiro,


firmado entre os indivíduos que, com o intuito de preservação de suas vidas, transferem
a outrem não partícipe (homem ou assembleia) todos os seus poderes. O autor descreve

5
o Estado como um “Deus mortal” a quem os indivíduos devem a paz e a defesa de suas
vidas, utilizando-se da figura mitológica do Leviatã. Por isso, para Hobbes, o Estado
contratualista prepondera centralizado e autoritário e seu modelo determina uma
obrigação política vertical entre cidadão e Estado. Os resultados da administração do
conflito seriam a segurança e a paz social, ou seja, não existe aqui a ideia de direitos,
pois esses somente surgirão a partir do Estado soberano e absoluto, em troca dessa
suposta segurança e pacificação social.

Já John Locke, considerado como o arquiteto do Liberalismo, vislumbrava


limites no Estado soberano, que não tinha um poder absoluto sobre tudo e todos, mas
apenas um poder restrito. O preço da paz para Locke era muito diferente do defendido
por Hobbes. Locke acreditava que na vida em natureza existia certo domínio racional
das paixões e dos interesses:

[...] assim, no estado de natureza, um homem adquire um poder


sobre o outro; mas não um poder absoluto ou arbitrário para tratar um
criminoso segundo as exaltações apaixonadas ou a extravagância
ilimitada de sua própria vontade quando está em seu poder; mas
apenas para infringir-lhe, na medida em que a tranquilidade e a
consciência o exigem, a pena proporcional a sua transgressão, que
seja bastante para assegurar a reparação e a prevenção. Pois estas
são as únicas duas razões por que um homem pode legalmente ferir
outro, o que chamamos de punição (LOCKE, 1994, p. 85).

O contrato social, segundo Locke, é firmado a partir do reconhecimento


de que existem direitos pré-sociais (direitos naturais) a serem reforçados no Estado
contratualista e que estabelecem os limites da ação do soberano. Haveria um duplo
contrato: o de associação, quando se constitui a sociedade civil e o de submissão,
instituidor do poder político, que não pode, no entanto, violar direitos naturais. Além
disso, o Estado deve oportunizar que os cidadãos usufruam, da melhor forma possível,
dos direitos naturais fundamentais, levando-se em conta que o conceito de propriedade,
para Locke, é amplo e inclui, além de bens materiais, a vida, o corpo, a liberdade (SANTOS,
2011, p. 135). Locke preserva e consolida tais direitos, onde, ao soberano, não é facultado
o cometimento de excessos (STRECK; MORAIS, 2000).

Com relação ao pensamento de Jean-Jacques Rousseau, ele percebeu


no ser humano uma solidariedade que não era vista por seus antecessores e que o
poder não poderia ser exercido por um único déspota, mas, sim, pela maioria. Por isso,
o preço que se pagava para a resolução do conflito e para se viver em paz era aquele
escolhido pela maioria. Aqui se tem o início dos ideais democráticos. Para Rousseau, o
homem transforma-se ao passar do estado de natureza para o estado social. No estado
de natureza, o homem é solitário, independente, ocioso, seus sentidos limitam-se a
suas necessidades. Ele não tem consciência da sua natureza humana até que o instinto
venha a ser substituído pelo sentimento de justiça. Nesse aspecto, Lenio Luiz Streck e
José Luis Bolzan de Morais ponderam que:

6
[...] somente assim, quando a voz do dever substitui o impulso físico,
e o direito substitui o apetite, o homem, que até então se havia
limitado a contemplar-se a si mesmo, se vê obrigado a atuar segundo
outros princípios, consultando com sua razão antes de escutar as
suas inclinações (STRECK; MORAIS, 2000, p. 42).

Privar-se das vantagens da natureza conduz o homem ao desenvolvimento de


suas faculdades intelectuais, ao enobrecimento de seus sentimentos e à elevação de
sua alma. Rousseau acreditava na construção de um vínculo entre os homens, quando
esses optaram por renunciar aos seus interesses próprios em favor do interesse comum,
da coletividade.

No Estado contratualista de Rousseau, a administração dos conflitos não deve


obedecer aos desígnios do Leviatã (como em Hobbes), nem mesmo ser pautado por
rigorosos limites (como em Locke), mas, sim, segundo os princípios e regras estabelecidos
pela vontade geral. A vontade geral não é simplesmente a da maioria, ela é o que a
maior parte genuinamente considera como sendo o melhor para todos. Portanto, se
comparada à vontade individual, a vontade geral é mais abstrata e de maior dificuldade
de interpretação. Cabe ao soberano (seja ele um homem ou uma assembleia), identificar
e interpretar o conteúdo da vontade geral no momento de administrar conflitos. O
Contrato Social adquire legitimidade não só por garantir os direitos naturais dos homens
(vida, liberdade, propriedade), mas também por buscar os valores morais presentes na
vontade geral.

Entretanto, as convergências entre as ideias de Hobbes, Locke e Rousseau


ocorrem, principalmente, em dois momentos. Primeiro, quando concordam que
abandonar o estado de natureza, a partir da construção da sociedade civil, e, para tanto,
estabelecer o contrato social, é um caminho sem volta (SANTOS, MENEZES, 2010, p.
6). E, segundo, quando eles argumentam que a administração dos conflitos, em um
Estado contratualista, traz benefícios à sociedade, em oposição ao modelo do estado de
natureza, em que eles são administrados de forma pulverizada pelas partes envolvidas.
De outra banda, conforme Boaventura de Sousa Santos e Maria Paula Menezes (2010,
p. 6), as divergências estariam centradas no fato de que Hobbes privilegia o princípio do
Estado, Locke, o do mercado, e Rousseau, o da comunidade.

ATENÇÃO
A que ideias o termo “conflito” nos remete? Qual seu significado? Qual a última
vez em que você enfrentou um conflito? No dia de hoje, você teve algum?
No seu lar, local de trabalho, no trânsito? De que forma você reage diante de
uma situação de conflito? Em diversas situações, quando estamos em conflito,
percebemos alterações físicas, transpirações, raiva, muda-se o modo de agir e
de pensar, ou seja, a divergência provoca transformações internas em cada
um de nós, no nosso cotidiano. O conflito está presente em todas as relações.
Como nós o vemos?

7
2.1 A CULTURA LITIGANTE DE TRATAMENTO DOS CONFLITOS:
A HETEROCOMPOSIÇÃO
Tanto para Hobbes quanto para Locke e Rousseau, conforme destaca Spengler
(2010, p. 279), “o contrato social que fez nascer a República e com ela a democracia
determinou o surgimento de regras de racionalização das disputas, objetivando cessar
a violência e o caos”. Dentro desse contexto, e considerando que conflito é inevitável,
pois inerente à vida em sociedade, concluímos que o Estado assume a responsabilidade
ou o poder/dever de “resolver” os conflitos.

Trilhando esse caminho, confrontamo-nos com um questionamento muito


importante: como o Estado brasileiro, por meio da sua estrutura de poder social e o seu
sistema jurídico, lida, administra, trata os conflitos que constantemente surgem na vida
em sociedade?

Dentro da nossa proposta de estudo e considerando que o mediador, o


conciliador ou o árbitro são profissionais com habilidades para negociações de conflitos
judiciais e extrajudiciais, neste momento vamos nos ater às questões que podem ser
levadas ao Poder Judiciário, que estão sob o véu do Direito na esfera Cível. Por isso,
logo pensamos no Processo Civil. O Código de Processo Civil de 1973 (Código Buzaid),
embora atendesse às situações conflituosas na época em que surgiu, mostrou-se pouco
eficiente para lidar com o aumento da complexidade dos conflitos hoje experimentados.
Por exemplo, quando da edição do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973) não
se pensava em direitos do consumidor, inversão do ônus da prova, litígios de massa,
dentre outros. O conjunto de reformas que foram feitas ao CPC de 1973, visando garantir
o acesso do cidadão à justiça, ficou conhecido como o movimento da "justiça social”.

Um nome de bastante destaque dessa verdadeira “onda renovatória” é o do


jurista Mauro Cappelletti, que influenciou até mesmo a inclusão de artigos que tratam
exclusivamente da matéria na Constituição Federal Brasileira de 1988, possibilitando
que os economicamente hipossuficientes passassem a ter acesso ao sistema judicial
não mais como réus, mas, sim, como autores. Como exemplo, pode-se citar o artigo
98 da Constituição Federal, que prevê a criação dos chamados Juizados Especiais nos
âmbitos Federal e Estadual. A consolidação deste ideal veio com a Lei nº 9.099/1995, que
substituiu os juizados de pequenas causas (Lei nº 7.244/84) e pela Lei nº 10.259/2001,
que criou os juizados na esfera federal.

Também não se pode deixar de mencionar a Emenda Constitucional nº 45, que


inseriu na Constituição Federal de 1988 a necessidade de ser assegurada a razoável
duração do processo e a adoção de meios aceleradores das demandas (art. 5º, LXXVIII,
da CF/88, in verbis: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”)
para evitar que o ingresso – assegurado a todos – também implicasse eternização da
demanda.

8
Todas as reformas sofridas pelo Código de Processo Civil de 1973, inclusive
as relativas à antecipação de tutela, que visam otimizar o processo ao conceder o
direito pleiteado antes mesmo do fim da demanda, reforçam a ideia de que o mesmo
se consolidou enquanto instrumento que permite ao sujeito alcançar o bem da vida
almejado.

Todavia, o processo judicial como conhecíamos até a publicação do Novo


Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015), sempre esteve
consolidado em premissas de solução de conflitos denominadas heterocompositivas
ou adversariais. Significa dizer que foram idealizadas determinadas formas para que
um terceiro, denominado juiz, por delegação estatal, resolvesse a situação e indicasse
com quem estaria a razão. Situação semelhante acontece com a arbitragem, regida
pela Lei nº 9.307 de 23 de setembro de 1996 e Lei nº 13.129 de 26 de maio de 2015. Em
ambas as situações, a decisão é imposta por um terceiro. No que se refere à jurisdição,
tanto a validade da decisão quanto a autoridade do magistrado prolator independem da
aceitação das partes envolvidas no conflito.

ATENÇÃO
Aqui se faz necessário chamar a atenção para uma questão de nomenclatura:
muitos doutrinadores ainda se referem ao Código de Processo Civil de 2015
como "Novo CPC". Isso já não é mais aceitável e serve apenas como forma de
comparação com o antigo CPC, de 1973, ou com outras Leis surgidas na mesma
época. O correto é nos referirmos como Código de Processo Civil de 2015.

Fato é que, ao concentrar o monopólio da jurisdição mediante a delegação


de tarefas ao Poder Judiciário, adota-se o modelo gestado por Thomas Hobbes de
transferência de direitos e prerrogativas. Ou seja, ao mesmo tempo em que o cidadão
perde a autonomia com relação ao enfrentamento do conflito, tem garantida a paz, pois
a vingança e a violência privada e ilegítima são contidas e/ou detidas. Ocorre que, essa
sistemática acaba por transformar os conflitantes (litigantes) em meros espectadores
(ouvintes). Nas palavras de Spengler (2010, p. 284):

[...] vemos o tratamento e a regulação dos litígios serem transferidos


ao Judiciário, esquecidos de que o conflito é um mecanismo
complexo que deriva de uma multiplicidade de fatores, que nem
sempre estão definidos na sua regulamentação, portanto, não é só
normatividade e decisão.

E mais: o fenômeno social observado a partir da década de 1990, chamado de


explosão de litigiosidade, acabou por demonstrar que o modelo heterocompositivo ou
adversarial não vem dando conta da crescente demanda experimentada em todos os
tribunais do país.

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INTERESSANTE
Quanto maior a imposição e coercitividade de uma decisão, maior a sensação
de injustiça. A lógica heterocompositiva (vigente no Código de Processo Civil
de 1973) trazia a ideia de que, presente um conflito e ajuizada uma demanda,
ao final do processo restaria um vencedor x um perdedor, sendo impossível a
coexistência de dois ou mais ganhadores.

2.2 A ESPIRAL DO CONFLITO


Os conflitos se iniciam de maneira simples, em situações corriqueiras, muitas
vezes de pequeno valor, mas que acabam desencadeando outras situações sucessivas
e cada vez mais graves, principalmente quando não tratados de forma adequada.

Na concepção do professor Morton Deutsch (1973, apud AZEVEDO, 2016, p. 56)


e de autores como Rubin e Kriesberg (apud AZEVEDO, 2016, p. 54), o modelo escala
de conflito ou espiral de conflito se apresenta quando há um progressivo aumento em
relações conflituosas, resultante de um círculo vicioso de ação e reação. Cada reação
torna-se mais severa do que a ação que a precedeu e cria uma nova questão ou ponto
de disputa.

Para ilustrar melhor o enunciado, tomemos como exemplo a seguinte situação


prática:

[...] em dia de congestionamento no centro de grande da cidade


brasileira, um motorista sente‑se ofendido ao ser cortado por outro
motorista e sua resposta inicial consiste em pressionar intensamente
a buzina do seu veículo. O outro motorista responde também
buzinando e com algum gesto descortês. O primeiro motorista
continua a buzinar e responde ao gesto com um ainda mais agressivo.
O segundo, por sua vez, abaixa a janela e insulta o primeiro. Este,
gritando, responde que o outro motorista deveria parar o carro e ’agir
como um homem. Este, por sua vez, joga uma garrafa de água no
outro veículo. Ao parar em um semáforo, o motorista cujo veículo foi
atingido pela garrafa de água sai de seu carro e chuta a carroceria do
outro automóvel (AZEVEDO, 2016, p. 54).

Na situação prática descrita, observa-se que o conflito se desenvolveu em


uma espiral de agravamento progressivo de condutas divergentes, a partir de um fato
corriqueiro e banal. No caso concreto, se houvesse a presença de alguma autoridade de
trânsito ou de segurança pública nas redondezas e que presenciasse ao menos o último
ato, este poderia originar um procedimento no Juizado Especial Criminal, gerando sérios
problemas aos envolvidos. Anote-se que, quanto mais distante da causa originária,
maior a intensidade do conflito, dificultando na mesma proporção a tarefa de solucioná-
lo. Na medida em que a espiral do conflito segue avançando, já não se sabe mais quem
ou o que lhe deu causa.

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Um negociador ou mediador capacitado tecnicamente e com a sensibilidade
apurada para impor uma iniciativa autocompositiva, auxiliando as partes a identificarem,
em meio a esta sequência de reações, os motivos originários do conflito, demonstrando
as sérias consequências que uma simples questão poderia trazer a ambos, certamente
teria sucesso na interrupção da escalada de reações negativas (suspendendo a espiral
do conflito). A correta utilização das técnicas de negociação e mediação não só evita a
escalada da espiral do conflito, como também transforma o processo de resolução dele
em algo construtivo, educativo, fortalecendo a relação pessoal preexistente.

É atribuição do negociador e do mediador oferecer um cenário propício, capaz de


estimular as partes no desenvolvimento de soluções criativas que permitam a composição
dos interesses aparentemente contrapostos, sem nenhum tipo de delegação de culpa,
buscando, dessa forma, não só a abordagem de questões juridicamente protegidas,
como também toda e qualquer questão que esteja eventualmente influenciando a
relação social dos envolvidos.

DICA
A Câmara Mediadores do Sul estrutura-se a partir de um grupo de mediadores
judiciais e extrajudiciais, certificados pelo Tribunal de Justiça/RS (TJRS) e pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com habilidades, atitudes e ferramentas
essenciais, que visam mediar processos entre indivíduos, grupos e equipes
por meio da facilitação da comunicação e do entendimento. Disponível em:
https://www.mediadoresdosul.com.br/. Acesso em: 20 set. 2022.

11
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• O que é o conflito, suas raízes históricas, conceitos e abordagens e qual a sua


relevância jurídica e social para a sociedade moderna, especialmente a partir da
noção de Estado e Contrato Social, trazida pelos principais autores contratualistas
clássicos.

• Em que aspectos o modelo heterocompositivo se diferencia do autocompositivo,


percebendo que ambos podem e devem coexistir, desde que, sempre que possível,
seja aplicada a solução pacífica e consensual dos conflitos.

• Identificar a legislação relacionada às técnicas de negociação e mediação,


notadamente ao que se refere à Resolução nº 125 do Conselho Nacional de
Justiça, ao Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) e à Lei de Mediação
(Lei nº 13.140/2015).

• O fenômeno social observado a partir da década de 1990, denominado de explosão


de litigiosidade, acabou por demonstrar que o modelo heterocompositivo, ou
adversarial, não vem dando conta, sozinho, da crescente demanda experimentada
em todos os tribunais do país.

12
AUTOATIVIDADE
1 No formato tradicional de prestação jurisdicional, as partes aguardam do Estado-
juiz uma solução imposta, pronta, previsível e fundada na lei. De outra banda, na
conciliação, mediação e negociação busca-se reconquistar a habilidade pessoal
de diálogo entre os envolvidos no conflito, fazendo com que abandonem a postura
submissa e passem a agir como atores principais no enfrentamento de suas
divergências. Essa mudança de conduta implica maior comprometimento com a
solução encontrada e fomenta uma alteração comportamental social. Sobre os
métodos alternativos de solução de conflitos, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Rousseau deu início aos ideais democráticos ao estabelecer que a administração


dos conflitos deve obedecer à vontade geral, no que for melhor para todos.
b) ( ) A partir de uma visão mais conservadora, o conflito pode ser compreendido
como algo construtivo, positivo, capaz de operar transformações.
c) ( ) De acordo com o filósofo e sociólogo francês Julien Freund, é possível eliminar
o conflito de forma definitiva das relações sociais, pois não se trata de algo
estranho ou patológico.
d) ( ) Ao concentrar o monopólio da jurisdição, delegando tarefas ao Poder Judiciário,
adotou-se o modelo gestado por John Locke de transferência de direitos e
prerrogativas.

2 A explosão de litigiosidade, que sobrecarregou e tornou o Poder Judiciário lento


e ainda arraigado às suas velhas estruturas, demonstrou a necessidade de maior
utilização dos métodos alternativos de resolução de conflitos, a partir da vigência da
Lei de Mediação – Lei nº 13.140 de 26 de junho de 2015 –, do Código de Processo Civil
(CPC) – Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – e da Resolução nº 125 do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ).O enfoque principal foi a racionalização dos procedimentos,
visando observar o princípio constitucional da razoável duração do processo, para
garantir o acesso à Justiça e à ordem jurídica justa. Com base no que foi abordado
sobre a Teoria Geral do Conflito, analise as sentenças a seguir:

I- A lógica autocompositiva traz a ideia de que, quanto maior a imposição e


coercitividade de uma decisão, maior a sensação de injustiça.
II- O fenômeno social chamado de eclosão de litigiosidade, acabou por demonstrar
que o modelo heterocompositivo ou adversarial é o mais indicado para frear a
espiral de conflitos.
III- A correta utilização das técnicas de negociação e mediação não só interrompem a
espiral do conflito, como também pode transformá-lo em algo construtivo para as
partes envolvidas.

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Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 A “Moderna Teoria do Conflito” trouxe uma mudança de perspectiva a respeito do


conflito. Por vezes, acreditamos que o conhecemos, mas não percebemos como ele
opera nas entrelinhas. O conflito pode ter um caráter transformador, de mudança.
Pode ser uma oportunidade de moderação, de diálogo, de atenção, de desenvoltura,
de otimismos, de consciência verbal e de racionalidade. Através de uma nova ótica
do conflito se pode buscar soluções diferentes, resoluções de velhos problemas.
De acordo com o conteúdo estudado sobre a relevância jurídica e social do conflito,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) As pessoas capazes de contratar poderão valer-se de métodos autocompositivos


de solução de conflitos, a exemplo da arbitragem, nos litígios relativos a direitos
patrimoniais disponíveis.
( ) A mediação é exercida através da figura do mediador, um terceiro neutro e imparcial
que não sugere ou impõe qualquer solução, somente contribui com as partes para
que encontrem, elas mesmas, o desfecho para o conflito.
( ) Conciliação, negociação e mediação podem ser compreendidos como métodos
autocompositivos, onde o terceiro neutro e imparcial opera somente para auxiliar
as partes a achar a solução mais equilibrada e adequada.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) F – V – V.
c) ( ) V – F – V.
d) ( ) F – V – F.

4 Nas sociedades primitivas, a forma encontrada para resolução dos conflitos era a
autotutela, em que ocorria o sacrifício total do interesse de uma das partes pelo uso
da força da outra parte, ou seja, a própria parte (individualmente) procurava assegurar
o seu interesse impondo (coercitivamente) a solução do conflito sobre o oponente. A
partir da ideia de conflito é que se formou a própria concepção de Estado (contrato
social). Disserte sobre a relevância do conflito sob a ótica de Thomas Hobbes.

5 O Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) teve como justificativa e fundamento


a necessidade de adaptação da lei à realidade do Brasil, despontando a orientação
principiológica que busca concretizar o princípio da razoável duração do processo
e da celeridade processual, desburocratizando os procedimentos e priorizando

14
a efetiva solução da lide, conferindo primazia às decisões de mérito, tendo como
pano de fundo balizador a conciliação e a mediação. Dessa forma, a legislação civil
brasileira passou a prever a hipótese de autocomposição, ao permitir, por exemplo,
que o possuidor esbulhado obtenha de volta a posse de seu bem, por sua própria
força (reintegração de posse), contanto que o faça logo. Nesse contexto, disserte
sobre a autocomposição a partir do exemplo proposto.

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16
UNIDADE 1 TÓPICO 2 -
AUTOCOMPOSIÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL E NA LEI DA MEDIAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
No tópico anterior, estudamos o que é o conflito e procuramos analisar o seu
significado e a sua relevância jurídica e social, especialmente em razão da noção de
Estado e contrato social. Buscamos compreender como os conflitos são tratados sob a
ótica de uma cultura litigante e heterocompositiva e quais as consequências da espiral
do conflito quando não tratada adequadamente.

Na sequência da disciplina Técnica de Negociação e Mediação, apresentamos


o nascimento de uma nova cultura de pacificação social, de reconhecimento do
direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e respeitadas as
suas peculiaridades, consolidando a autocomposição (notadamente, a conciliação, a
mediação e a negociação) como mecanismo adequado de resolução de conflitos.

Ao final, veremos que a Autocomposição abarca a Negociação (Linear), a


Conciliação (Sugestão), a Mediação (Facilitação) e a Justiça Restaurativa (Colaboração).

2 PRINCÍPIOS DA NEGOCIAÇÃO, DA CONCILIAÇÃO E DA


MEDIAÇÃO
O Brasil é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto
de São José da Costa Rica), que é o principal instrumento para a implementação dos
Direitos Humanos no âmbito da OEA (Organização dos Estados Americanos). Editado
em 1969, foi ratificado e promulgado pelo Brasil no ano de 1992 - o Congresso Nacional,
mediante o Decreto nº 27, de 26/5/1992, aprovou o seu texto, sendo que o governo
brasileiro, em 25 de setembro do mesmo ano, depositou a respectiva Carta de Adesão
à apontada convenção. Com a ulterior publicação do Decreto nº 678/1992, o Pacto de
San José foi promulgado e, finalmente, incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro.
Desse modo, apesar de a garantia do devido processo legal pressupor o rápido desfecho
do litígio, o direito à duração razoável já estava contemplado em nosso sistema jurídico
mesmo antes da EC nº 45/2004, dada a evidente compatibilidade de regramentos, em
particular, pelo artigo 8º, 1, do referido Pacto de San José:

17
Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e
dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para
que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil,
trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

O legislador pátrio, por meio da Emenda Constitucional nº 45, acabou inserindo


o inciso LXXVIII no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, com a seguinte redação:
“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração
do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Seguindo a
mesma premissa que norteou as regras dos artigos 5º, inciso LV, e 93, incisos IX e X, da
Constituição, no sentido de garantir, respectivamente, a ampla defesa e o contraditório,
a motivação das decisões e a publicidade do procedimento tanto na esfera judicial
quanto na administrativa, o texto constitucional passou então a contemplar a garantia
do processo, judicial e administrativo, sem dilações indevidas. Assegurou, igualmente, a
implementação de meios que garantam a economia e a celeridade processual (OAB-PR,
2019, p. 8-9).

O ser humano desfruta de uma tendência, que lhe é intrínseca, qual seja, a
de conviver em comunidade, associado a outros indivíduos, tendo Aristóteles (2006,
p. 20) apontado que “o homem é um animal político, que nasce com a tendência de
viver em sociedade”. Cada indivíduo necessita dos demais para sua própria existência,
conservação e aperfeiçoamento, pelo que a sociedade não é uma composição volátil,
mas uma necessidade natural do homem. Quem contempla um agrupamento social
percebe que ele reflete, aos olhos do observador, os seres humanos com as suas
necessidades, os seus interesses, as suas pretensões e os seus conflitos.

De um lado, temos o ser humano com os seus desejos e interesses e, de outro,


os bens materiais com a sua utilidade. O interesse e a utilidade provocam o desejo do
homem pelo usufruto dos bens da vida. Surge nesse contexto, o conceito de interesse,
muito debatido em âmbito doutrinário. O interesse individual se revela quando a posição
ou situação favorável à satisfação de uma necessidade pode determinar-se em relação
a um indivíduo, de forma isolada - exemplo: o uso de um imóvel residencial, pois cada
pessoa tem a liberdade para ter um lar para si. O interesse é coletivo quando a situação
favorável à satisfação de uma necessidade se revela em relação a várias pessoas,
analisadas em conjunto - exemplo: o uso de uma grande via rodoviária de comunicação,
pois essa não pode ser construída para a satisfação da necessidade de um só indivíduo,
mas somente para suprir as carências de várias pessoas.

A existência dos interesses coletivos explica a formação dos agrupamentos


humanos, demonstrando que a satisfação de muitas das necessidades humanas não
pode ser obtida isoladamente, fazendo com que os indivíduos se agrupem, dando
surgimento à família, à sociedade civil, às corporações, aos sindicatos, às associações,
ao Estado, dentre outros. Como os bens são finitos, de forma diversa das necessidades
humanas que são ilimitadas, surge entre os indivíduos interesses divergentes, embates

18
que representam um conflito de interesses, divergências essas que se revelam inevitáveis
nas relações sociais. Sucede um conflito entre dois ou mais interesses, quando a posição
ou situação favorável à satisfação de uma necessidade exclui ou limita a posição ou
situação favorável à satisfação de outra necessidade. As carências dos indivíduos
crescem com maior velocidade do que a expansão de bens, e, consequentemente, a
limitação dos bens crescem com maior velocidade do que os próprios interesses dos
homens. Nesse sentido, os indivíduos se deparam, frequentemente, com o impasse
entre duas necessidades e sobre qual deve suprir e qual deve descartar.

O conflito intersubjetivo de interesses ou, simplesmente, conflito de interesses,


inclina-se a desaparecer, ser absorvido dentro das relações sociais cotidianas,
entretanto, se isso não ocorre, fazendo com que as partes opostas entrem em disputa
por determinado bem da vida, decorre daí uma pretensão, que pode ser resistida pela
outra parte, ou não. Nesse sentido, quando a parte cujo interesse deveria ser subordinado
se opõe a essa subordinação, revela-se a resistência à pretensão, também chamada de
oposição a uma pretensão.

O litígio, ou lide, nada mais é do que um conflito de interesses caracterizado pela


pretensão de uma das partes e pela resistência a essa pretensão pela outra parte, ou
seja, conflito de interesses = pretensão resistida ou insatisfeita.

A lide deve ser resolvida para que não seja comprometida a paz social e a
própria estrutura do Estado, pois o conflito de interesses é o germe de desagregação da
sociedade (ALVIM, 2016, p. 20–25).

Ocorrendo um conflito de interesses, pode o mesmo ser solucionado por


vontade das próprias partes opostas ouvia decisão imposta por terceiro. No primeiro
cenário, sucede uma solução parcial do conflito por opção das próprias partes, e, no
segundo cenário, resulta uma solução imparcial do conflito, por ato de um terceiro
neutro, que não é parte. São formas parciais de resolução dos conflitos a autodefesa
e a autocomposição, e formas imparciais, o processo e a arbitragem, sendo essas as
possíveis desembocaduras de um litígio.

A palavra “autodefesa” é composta pelo prefixo “auto”, que significa “próprio”, e


pelo substantivo “defesa”, traduzindo a defesa que alguém faz de si próprio. Esse método
de resolução dos conflitos é apontado como o mais primitivo, em tempos remotos,
quando inexistia, acima dos indivíduos, uma autoridade competente para decidir e
impor sua decisão aos conflitantes, sendo que a única forma de defesa individual, ou
em grupo, era através da força bruta contra o oponente, impondo seu interesse.

Casos típicos de autodefesa podem ser enumerados no direito contemporâneo,


como por exemplo: a legítima defesa, no âmbito penal; o desforço incontinenti
(imediato), no âmbito civil; o direito de greve, no âmbito trabalhista. À medida que os
indivíduos foram percebendo que os bens – pela sua importância e limitação, e pela

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sua quantidade e qualidade – não justificavam uma disputa em que se poderia perder
tudo, a razão e o bom senso prevaleceram sobre o uso da força bruta, ocorrendo uma
evolução para forma de resolução dos conflitos denominada “autocomposição”.

A palavra “autocomposição” é a integração do prefixo auto, que significa “próprio”,


e do substantivo “composição”, que equivale à solução, resolução ou decisão do litígio
por obra dos próprios litigantes. O Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa Michaelis
assim define a autocomposição: “processo de conciliação e resolução de interesses
conflitantes por meio de acordos ou compromisso das partes, sem a intervenção de
autoridade judiciária''. (MICHAELIS, 2022).

A autocomposição desponta como uma solução voluntária, pois traduz atitudes


de renúncia ou reconhecimento a favor da parte oposta. Nesse sentido, observe os
seguintes exemplos: quando “A” desiste de exigir o pagamento de seu crédito por “B”;
quando “B” aceita fazer concessões para quitação de uma dívida; ou quando a vítima
de uma ofensa à honra perdoa o seu ofensor, todas são situações que comportam
autocomposição. Ela segue presente nos ordenamentos jurídicos modernos, sendo
consentida e até estimulada, como ocorre na transação em âmbito civil e no perdão do
ofendido, na seara penal. É possível que a autocomposição ocorra de forma anterior à
propositura da ação judicial ou no decorrer da mesma e pressupõe que o litigante porte
a faculdade de disposição sobre o direito material discutido, já que, quando se trata de
direitos indisponíveis (interesses intransigíveis, que não podem ser objeto de transação),
ou nas hipóteses em que a lei obriga a via processual, não existe espaço para a aplicação
modalidade autocompositiva – razão pela qual os métodos autocompositivos são mais
comuns nas esferas cível e trabalhista.

Com a evolução da sociedade, os indivíduos passaram a perceber o valor de outro


método, onde a solução do conflito era confiada a uma terceira pessoa, desinteressada
da disputa, dando surgimento à arbitragem facultativa.

No início, a arbitragem foi implantada de forma voluntária, sendo exercida pelos


sacerdotes após solicitação dos litigantes, pois se acreditava, nessa época, devido à
formação mística desses povos, que eles tinham ligações com os deuses e as suas
decisões seriam manifestações vivas da vontade divina. Posteriormente, a solução dos
conflitos passou a ser levada aos anciãos do grupo, acreditando-se que a experiência de
vida e o conhecimento sobre os costumes dos antepassados os capacitavam a melhor
decidir os conflitos. Por demonstrar resultados satisfatórios, a arbitragem deixa de ser
facultativa e passa a ser obrigatória, sendo a alavanca que fez surgir o processo judicial
como última etapa relacionada aos métodos de resolução de conflitos.

Na via processual, a lide é decidida por uma terceira pessoa, o magistrado,


representante do Estado investido de jurisdição, imparcial e equidistante dos interesses
das partes. O magistrado (juiz) não possui interesse direto naquilo que constitui objeto

20
da disputa judicial, tendo atribuição de aplicar o direito objetivo ao caso concreto,
assegurando a cada um o que é seu. No processo, a lide é resolvida a partir dos critérios
estabelecidos pela legislação, mediante aplicação teórica e, supostamente, com justiça.

Vimos até aqui que existem ferramentas heterocompositivas e autocompositivas


de acesso à justiça. Fala-se de autocomposição quando as partes envolvidas em uma
situação conflitiva assumem a responsabilidade da decisão que tomam, de forma
consensual, ao escolher encerrar determinada situação litigiosa por meio de um acordo
(transação), de uma desistência (renúncia a direito), da submissão (reconhecimento
jurídico do pedido), dentre outras formas. Em tese, não há de se falar em coação,
imposição ou constrangimento em relação aos indivíduos envolvidos.

A Autocomposição abarca a Negociação (Linear), a Conciliação (Sugestão), a


Mediação (Facilitação) e a Justiça Restaurativa (colaboração). As partes possuem maior
controle (Negociação/Facilitação/Sugestão/Colaboração):

X ---------------------------- Y X—----------------------- Y
NEGOCIAÇÃO / NEGOCIAÇÃO M
MEDIAÇÃO / FACILITAÇÃO
C
X—----------------------- Y X—----------------------- Y
CONCILIAÇÃO / SUGESTÃO JUSTIÇA RESTAURATIVA = COLABORAÇÃO

São três as modalidades de autocomposição:

1. Acordo ou Transação – quando as partes consideradas “titulares” do(s)


direito(s) pleiteado(s) solucionam o conflito por meio de concessões recíprocas;
2. Renúncia ou Desistência – é o ato de vontade (unilateral) abdicativo, de
abandono de direito (despojamento), por iniciativa do titular;
3. Aceitação ou Submissão – quando uma das partes opta por reconhecer o
direito da outra, guiando-se, a partir daí, em total concordância com tal reconhecimento.

Como já aventado, na autocomposição, o terceiro não decide, cabendo às partes


envolvidas encontrar os meios adequados para resolver o seu conflito. Ademais, nos
procedimentos autocompositivos, não se vislumbra ganhadores ou perdedores, pois o
objetivo é a preservação ou restauração do diálogo e dos vínculos rompidos mediante
um resultado que respeite os interesses de ambas as partes.

A negociação, a conciliação, a mediação e a justiça restaurativa são exemplos


de procedimentos autocompositivos. Na heterocomposição, o procedimento se
desenrola mediante a presença de um terceiro protagonista e imparcial, que pronuncia
uma decisão final para o conflito posto. Esse terceiro imparcial não busca auxiliar e não

21
representa nenhuma das partes em conflito. A jurisdição e a arbitragem representam os
principais procedimentos heterocompositivos, sendo que o terceiro neutro e imparcial
comprometido pode ser indicado (arbitragem) pelas partes ou imposto (jurisdição) pelo
Estado. Esse terceiro possui a prerrogativa (poder/dever) de resolver o conflito (decidir/
julgar) e sua decisão vincula ambas as partes. Os métodos heterocompositivos são
também identificados como adversariais, isto é, as partes opostas podem sair vitoriosas
ou derrotadas (ganhador x perdedor). Esse é um dos aspectos (talvez o principal) que
difere a heterocomposição da autocomposição.

2.1 O PODER JUDICIÁRIO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE


1988
O final da década de 1970 e o início da de 1980 marcam o princípio do processo
de redemocratização do Brasil, com o fortalecimento da oposição, com a Emenda
Constitucional n. 11/78 restaurando as competências do Poder Legislativo, com a Anistia
de 1979 e com as Emendas números 25 e 26, que previam a eleição direta para a escolha
de presidente da República e a convocação de Assembleia Nacional Constituinte,
instalada em fevereiro de 1987 e que culminou com a denominada Constituição cidadã
de 1988.

Sendo democrática e liberal, a Constituição de 1988, que sofreu forte influência


da Constituição portuguesa de 1976, foi a que apresentou maior legitimidade popular.
Com relação à organização dos poderes, foi retomada a teoria clássica da tripartição
de “Poderes” de Montesquieu. Diferentemente do regime anterior, buscou-se um
maior equilíbrio, especialmente pela técnica dos “freios e contrapesos”, abrandando a
supremacia do Executivo, que imperava.

Em relação ao Poder Judiciário na Constituição Federal de 1988, nos termos


do artigo 92, são os seguintes órgãos: Supremo Tribunal Federal; Conselho Nacional de
Justiça (EC n. 45/2004); Superior Tribunal de Justiça; Tribunal Superior do Trabalho (EC
n. 92/2016); os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; os Tribunais e Juízes do
Trabalho; os Tribunais e Juízes Eleitorais; os Tribunais e Juízes Militares; os Tribunais e
Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. A Constituição Federal de 88 criou o
Superior Tribunal de Justiça (STJ), Corte responsável pela uniformização da interpretação
da lei federal em todo o Brasil, sendo órgão de convergência da Justiça Comum. Nesse
sentido, o STF passou a cuidar de temas predominantemente constitucionais. A EC n.
45/2004, Reforma do Poder Judiciário, trouxe importantes modificações.

Ao longo desses quase 34 anos de vigência, a Constituição Federal de 1988


recebeu 125 emendas em seu texto original, além de seis emendas constitucionais de
revisão editadas em 1994. Uma das alterações de maior relevância para o Judiciário
encontra-se às vésperas de completar 18 de sua edição – a Reforma do Poder Judiciário,
instituída pela Emenda Constitucional (EC) 45, de dezembro de 2004, que promoveu

22
importantes inovações no sistema de Justiça brasileiro, especialmente na aplicação
de instrumentos que têm por objetivo dar transparência e eficiência às suas decisões.
Dentre elas, destacam-se a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a
adoção do instituto da repercussão geral dos recursos extraordinários.

O CNJ atua em diversas áreas de interesse da sociedade, como o aprimoramento


da aplicação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), o estímulo à não judicialização,
o incentivo à conciliação e à mediação, a promoção de políticas públicas referentes ao
sistema carcerário, a elaboração anual de panorama do Poder Judiciário e a atuação
em programas para melhoria da eficiência da Justiça. Também estimula a adoção dos
processos eletrônicos. Muitas dessas inovações têm como objetivo garantir a razoável
duração de processos judiciais e administrativos, outra demanda instituída pela EC 45.

A morosidade da Justiça, amplamente conhecida e criticada, apresenta-


se como uma das grandes mazelas do Judiciário desse começo de novo século.
Atualmente, muito se fala na busca da efetividade do processo em prol de sua missão
social de eliminar conflitos e fazer justiça. Em algumas situações, a demora causada
pela duração do processo e sistemática dos procedimentos pode gerar total inutilidade
ou ineficácia do provimento requerido. O tempo constitui um dos grandes óbices à
efetividade da tutela jurisdicional, em especial no processo de conhecimento, pois
para o desenvolvimento da atividade cognitiva do julgador é necessária a prática de
vários atos, de natureza ordinatória e instrutória. Isso impede a imediata concessão
do provimento requerido, o que pode gerar risco de inutilidade ou ineficácia, visto que
muitas vezes a satisfação necessita ser imediata, sob pena de perecimento do mesmo
direito reclamado.

Nesse sentido, a EC n. 45/2004, ampliando os direitos e garantias fundamentais,


estabeleceu, no artigo 5.º, LXXVIII, que a todos, no âmbito judicial e administrativo, são
assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade
de sua tramitação. O princípio constitucional da celeridade processual é também
um direito humano prescrito em normas internacionais. Nesse caso, se determinado
processo venha a ter observado todas as regras processuais, com exceção de que foi
moroso, lento, não observou o princípio da celeridade, logo, esse processo não é devido
legalmente. Por fim, destaca-se o Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015)
com importantes instrumentos de celeridade e consideráveis avanços.

2.2 AS NOVAS ESTRUTURAS QUE AMBIENTAM A


AUTOCOMPOSIÇÃO
O Direito deve acompanhar as transformações sociais de determinado povo,
em dado momento cultural e histórico. Em tempos de ânimos acirrados no campo
político, ativismos judiciais das Cortes Superiores, que deixam de respeitar os princípios
democráticos e as escolhas legítimas pelo voto da maioria dos brasileiros, somados à

23
pandemia do Coronavírus e outros fatores, a crise do Poder Judiciário ficou explícita.
Novos contextos trouxeram novas situações e novos conflitos, causando uma verdadeira
“explosão” de demandas, sobrecarregando um Judiciário lento e ainda arraigado às
suas velhas estruturas.

O sistema processual vigente tornou-se ineficaz devido à crise que o Poder


Judiciário enfrenta, não conseguindo prestar tutela jurisdicional adequada e atender
satisfatoriamente aos litígios, deixando evidenciado o fomento aos mecanismos
alternativos.

Dessa forma, a busca por meios alternativos de soluções de conflitos se tornou


impositiva a partir da vigência da Lei de Mediação – Lei nº 13.140 de 26 de junho de
2015 –, do Código de Processo Civil (CPC) – Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – e da
Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tendo como enfoque principal
a racionalização dos procedimentos, visando observar o princípio constitucional da
razoável duração do processo, para garantir o acesso à Justiça e à ordem jurídica justa,
respeitando o devido processo legal.

Dedicado a gerenciar os motivos da abundância de demandas e não somente


os seus efeitos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução nº 125, de
29 de novembro de 2010, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento
adequado de conflitos de interesse no âmbito do Poder Judiciário Nacional e dá
outras providências. Trata-se de uma política pública que visa estimular o tratamento
consensual de conflitos por meio da conciliação entre as partes, garantindo os meios
para sua efetivação como ferramenta de pacificação social.

A Lei de Mediação (Lei nº 13.140 de 26/06/2015), bem como a Lei nº 13.105/2015


(Novo Código de Processo Civil), fortaleceram o conceito de que não se pode apenas
vislumbrar a desobstrução do Poder Judiciário, deve-se ir mais adiante, isto é, encontrar
um mecanismo democrático, amplo, não violento e permanente, preventivo de outros
litígios. Dessa forma, alicerçam-se como escolha dos conflitantes a negociação
implementada por meio da conciliação e da mediação, que são ferramentas de
autocomposição de resolução de conflitos.

No entendimento do psicólogo e pesquisador em resolução de conflitos Morton


Deutsch:

[...] pode-se dizer que o modelo autocompositivo se vale de


mecanismos que tornam o processo de resolução de disputas em
algo construtivo. Partindo-se da ideia de que o conflito é inerente
às relações sociais, e por isso inevitável, tem-se que o modelo
autocompositivo busca potencializar a contribuição positiva do
conflito, pois pode proporcionar crescimento pessoal, profissional e
organizacional (DEUTSCH, 1973 apud AZEVEDO, 2016, p. 28).

24
Retomando o que vimos até o momento, podemos compreender que o
modelo heterocompositivo adotado pelo Código de Processo Civil de 1973, embora se
dirigisse à pacificação social, enfrentava o conflito como um fenômeno meramente
jurídico, assim dizendo, desumanizava-o, diluindo as emoções das partes conflitantes.
Tratava unicamente dos interesses juridicamente tutelados. Excluía todos os aspectos
relevantes do conflito que não tinham importância jurídica. De acordo com Deutsch:

[...] o método heterocompositivo funciona como mecanismo ou


processo destrutivo de resolução de disputas, porque leva ao
enfraquecimento ou rompimento da relação social preexistente,
baseado na lógica do ganhar x perder, que incentiva a disputa e a
polarização, como se os interesses dos envolvidos no conflito não
pudessem coexistir (DEUTSCH, 1973 apud AZEVEDO, 2004, p. 29-98).

O nascimento de uma nova cultura de pacificação social, de reconhecimento


do direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e respeitadas
as suas peculiaridades consolidam a negociação, a mediação, a conciliação e a justiça
restaurativa como novos mecanismos de resolução de conflitos agregados à sistemática
processual civil. A partir disso, nasce uma nova lógica: a lógica do ganhar x ganhar (hoje
popularmente conhecido como ganha x ganha).

Esses novos mecanismos de resolução de conflitos fazem parte de uma


construção social, prevista no II Pacto Republicano de Estado, cuja finalidade é tornar
o sistema de justiça mais acessível, ágil e efetivo. Firmado em 13 de abril de 2009,
representa o compromisso assumido pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário
brasileiros de fortalecimento da negociação articulada através da mediação e da
conciliação, agilização e simplificação dos processos judiciais.

Aqui devemos nos atentar para algo relevante: é sempre necessário aplicar
uma interpretação conjunta do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), da Lei
de Mediação (Lei nº 13.140/15) e da Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça.
A Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça, que está em vigor desde 29 de
novembro de 2010, dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado
dos Conflitos de Interesses no âmbito do Poder Judiciário. É importante considerar,
aqui, que até a data de hoje já existem duas Emendas (nº 01/2013 e nº 02/2016), além
de outras Resoluções (nº 290/2019; nº 326/2020 e nº 390/2021) que consolidam o texto
da Resolução nº 125/2010, tornando-o compatível com o sistema legal vigente no que
diz respeito ao emprego das formas autocompositivas de metabolização de conflitos.

Além de instituir a política pública de tratamento adequado de conflitos de


interesses, a Resolução nº 125 do CNJ tem por objetivo organizar e uniformizar, em
âmbito nacional, os métodos consensuais de solução de conflitos que sejam capazes de
impactar de forma quantitativa e qualitativa a prestação jurisdicional. Tal legislação faz
alusão expressa à mediação e à conciliação como instrumentos hábeis de negociação
na redução da litigiosidade, seja evitando o ingresso de novos processos através da

25
prévia solução de conflitos e interesses, seja oportunizando a diminuição de recursos,
cujo elevado número deve-se, em tese, à insatisfação das partes com as decisões
judiciais.

De acordo com Grinover, Watanabe e Lagrasta Neto (2013, p. 3), a Resolução


nº 125 foi publicada com propósitos ligados “aos esforços no sentido de melhorar o
desempenho e a funcionalidade da justiça, colocando-se, portanto, numa dimensão
inspirada em motivações que foram chamadas eficientistas”. Ela criou os Núcleos
Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemecs) e os Centros
Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs), de Primeiro e Segundo Graus,
previstos no § 2º, do artigo 8º, da Resolução nº 125 do CNJ.

Existe a mesma previsão no artigo 24 da Lei nº 13.140/2015 e artigo 165 da Lei


nº 13.105/2015, nestes termos,

[...] os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual


de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências
de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas
destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.

Para melhor compreendermos a estrutura criada pela legislação mencionada,


elaboramos o seguinte diagrama, que deve ser compreendido de forma hierárquica e
vertical (de cima para baixo):

Figura 1 – Nupemecs e Cejuscs

PRESIDÊNCIA DOS TRIBUNAIS



NUPEMECS

Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos



CEJUSCS DE 1º E 2º GRAUS
Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania

Fonte: a autora

Resumidamente, podemos dizer que os Nupemecs são responsáveis pelo


planejamento, manutenção e aperfeiçoamento das ações voltadas à implementação da
conciliação e da mediação no âmbito dos Tribunais. Haverá um Nupemec por Tribunal e
a quantidade que se fizer necessária de Cejuscs para atender a todos os jurisdicionados.
Por exemplo: cabe ao Nupemec instalar os Cejuscs e promover programas de
capacitação, treinamento e atualização dos magistrados; capacitação, treinamento e
atualização dos servidores, conciliadores e mediadores – sempre com foco nos métodos
autocompositivos de resolução de conflitos.

26
Os Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais têm autonomia para dispor sobre
a composição e organização dos Cejuscs, desde que observem o que é ditado pelo
Conselho Nacional de Justiça (é o que dispõe o artigo 165, § 1º, da Lei nº 13.105/2015).

O artigo 7º da Resolução nº 125 do CNJ estabelece o prazo e a composição dos


Nupemecs e o artigo 8º traça as diretrizes dos Cejuscs (Centros Judiciários de Solução
de Conflitos e Cidadania), responsáveis pela realização das sessões de mediação e
audiências de conciliação que ficam a cargo de mediadores e conciliadores.

IMPORTANTE
Uma questão terminológica a ser observada é que sempre que se falar em
Conciliação, utiliza-se o termo “Audiência” e quando se tratar de Mediação
recorre-se, preferencialmente, ao termo “Sessão”.

Conciliação = Audiência
Mediação = Sessão

Os magistrados só atuam nos Cejuscs como coordenadores, e cabe a eles a


sua administração e supervisão. As decisões do magistrado coordenador do Cejusc são
limitadas à esfera não contenciosa. Houve, na nossa opinião, uma alteração das regras
de competência não expressas no Novo Código de Processo Civil, posto que, dentre os
vários considerandos que justificaram a criação da Resolução nº 125 do CNJ, encontra-
se a que faz menção à criação de novos juízos especializados em resolução adequada
de conflitos. Por exemplo: o juiz coordenador do Cejusc, no exercício da coordenação,
não poderá julgar, designar audiência de instrução e julgamento, indeferir a inicial ou
sanear os processos a ele encaminhados para fins de realização de sessão de mediação
ou audiência de conciliação. Não obtida a composição, o magistrado deverá devolver os
autos ao juízo, ou vara de origem, que o remeteu.

3 PRINCÍPIOS DA NEGOCIAÇÃO, DA CONCILIAÇÃO E DA


MEDIAÇÃO
Os princípios ou “compromissos” da conciliação e da mediação não podem
ser lidos de forma isolada e não estão restritos ao Novo Código de Processo Civil (Lei
nº 13.105/2015). Por isso, elaboramos um quadro comparativo trazendo também os
princípios dispostos na Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015) e na Resolução nº 125 do
Conselho Nacional de Justiça, da seguinte forma:

27
Quadro 1 – Princípios

LEI Nº 13.105/2015 LEI Nº 13.140/2015 RESOLUÇÃO Nº 125 DO CNJ


ARTIGO 166 ARTIGO 2º ANEXO III, ARTIGO 1º
Imparcialidade Imparcialidade Imparcialidade
Confidencialidade Confidencialidade Confidencialidade
Autonomia Autonomia Autonomia
Informalidade Informalidade Independência
Independência Busca do consenso Decisão informada
Decisão informada Boa-fé Competência
Respeito à ordem pública e às
Oralidade Isonomia
leis vigentes
Empoderamento
Validação
Fonte: a autora

No decorrer da nossa exposição, vamos analisar cada um desses princípios,


destacando a necessidade de que os mediadores e conciliadores os tenham em mente
de forma permanente.

O princípio da confidencialidade vincula-se à garantia de que o mediador/


conciliador não atuará em eventual processo judicial no qual os conflitantes venham
a se envolver ou se já estejam envolvidos, nem influenciará o magistrado que atuar
no feito (SPENGLER, 2014, p. 87). Portanto, o mediador/conciliador não poderá atuar
nem como advogado, testemunha, perito ou assistente técnico, o que garante aos
litigantes a possibilidade de um diálogo franco, pois nada do que disserem no ambiente
da mediação poderá ser utilizado contra eles. Os artigos 30 e 31 da Lei nº 13.140/2015
trazem exceções ao dever de confidencialidade, facultando a divulgação de informações,
desde que haja consenso entre as partes.

Entende-se por decisão informada aquela tomada por quem se submete


ao processo mediativo ou conciliatório, desde que plenamente informado quanto aos
seus direitos e ao contexto fático no qual está inserido. Quanto a esse princípio, ganha
especial relevância o papel do advogado, na medida em que cabe a ele orientar seus
assistidos a respeito das consequências jurídicas das decisões que estão tomando.
Não está dentre as atribuições dos mediadores e conciliadores advertir ou apresentar
estratégias jurídicas aos mediandos e conciliandos, já que as suas atividades não se
confundem com as dos advogados.

28
Ou, como explica Spengler (2014, p. 88):

[...] o princípio diz respeito ao direito de todos os participantes


das sessões de mediação receberem informações quantitativas e
qualitativas acerca da composição que estão realizando, de modo a
não serem surpreendidos por qualquer consequência inesperada da
direção ou proposta pela qual optaram.

Imparcialidade, para Christopher Moore (1998, p. 55-56), está ligada à ideia de


“ausência de tendenciosidade ou preferência em favor de um ou mais negociadores,
de seus interesses ou das soluções específicas que eles estão defendendo”. Embora
o autor admita que ninguém pode ser inteiramente imparcial, afirma que tanto a
imparcialidade quanto a neutralidade significam que os mediadores e conciliadores
devem ter a capacidade de separar suas opiniões pessoais quanto ao resultado da
disputa do desempenho de suas funções. Para Moore, deve-se insistir no uso das
técnicas necessárias para que as partes tomem suas próprias decisões, sem favorecer
indevidamente qualquer uma delas.

Ainda com relação ao princípio da imparcialidade, a mediadora de conflitos


Tânia Almeida (2014, p. 248) propõe a “imparcialidade ativa” no sentido de que o
mediador/conciliador busque, a cada momento e de forma incessante, manter-se
equidistante dos mediandos/conciliandos e das suas respectivas narrativas. Explica a
mediadora que:

[...] preservar equidistância dos mediandos se traduz em cada


uma das atitudes e intervenções de um mediador – dedicar igual
tempo e qualidade de escuta a todos os envolvidos; oferecer-lhes
intervenções semelhantes em número e em qualidade; dedicar-
lhes tratamento pareado em termos de acolhimento, são exemplos
teóricos a serem aplicados na prática (ALMEIDA, 2014, p. 248-249).

O princípio da independência e autonomia está vinculado à ideia de


emancipação do sujeito. Além de significar que os mediandos/conciliandos têm o poder
de interromper o processo autocompositivo a qualquer momento, se assim desejarem,
vincula-se à ideia de que a mediação e a conciliação têm objetivos para além da
normatividade (SPENGLER, 2014, p. 91).

O respeito à ordem pública e às leis vigentes significa que a informalidade


não pode ser confundida com falta de técnica ou método, ou abandono aos princípios
fundamentais da ordem jurídica e respeito aos bons costumes (SPENGLER, 2014, p.
91). De acordo com a professora Lília Maia de Morais Sales (2010, p. 4), informalidade
significa “ausência de forma única premeditada de processo de mediação”. Para o
professor Petrônio Calmon (2013, p. 115), “embora não existam formas rígidas de mediar/
conciliar, são empregados métodos com rigor científico, elaborados e permanentemente
estudados.” Veremos como isso torna o diálogo mais produtivo desde que os mediadores/
conciliadores não assumam uma postura dominadora e/ou impositiva.

29
O princípio do empoderamento está ligado à ideia de que, além de mobilizar
seus próprios recursos, os mediadores e conciliadores são ensinados a empregar as
potencialidades do processo de mediação e conciliação para ajudar os conflitantes a
desenvolver suas próprias capacidades para atuar nas mais diversas circunstâncias,
não apenas no caso imediato, mas também nas situações futuras. Os conflitantes
ganham com isso um grande senso de autorrespeito e autoconfiança, o que representa
o empoderamento do processo de mediação e conciliação.

Nesta mesma linha, Spengler (2014, p. 91) aponta que o empoderamento está
ligado ao caráter pedagógico da mediação, no sentido de que desperta a capacidade
individual dos mediandos de enfrentarem seus próprios conflitos, “a partir da experiência
vivida do âmbito da mediação”.

A certeza da privacidade e não julgamento leva os envolvidos no conflito


a não temer as oportunidades de explicarem-se e humanizarem-se uns aos outros.
Nesta cena, acompanhados de mediadores e conciliadores habilitados a melhorar a
comunicação interpessoal, as partes frequentemente descobrem que podem sentir e
expressar graus de compreensão e interesse pelo outro, sentimentos que vão além dos
seus desentendimentos. Enfim, o modelo autocompositivo precisa se valer de recursos
que levem em conta que, por detrás de cada processo, existe um drama humano,
multidimensional e mais profundo que a relação jurídica na maioria das vezes expõe.

30
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• O modelo adversarial (heterocompositivo) desumaniza o conflito, afastando as


emoções dos conflitantes e excluindo os aspectos que não possuem relevância
jurídica, sendo um dos principais motivos para a elaboração de um novo Código de
Processo Civil.

• O modelo autocompositivo se vale de mecanismos que tornam o processo de


resolução de disputas algo construtivo, educativo e sociologicamente relevante,
partindo da ideia de que o conflito é inerente às relações sociais e, por isso, inevitável.

• A autocomposição está centrada na potencialização da contribuição positiva do


conflito, tendo como foco o seu caráter transformador, no sentido de que ele pode
proporcionar crescimento pessoal, profissional e organizacional aos conflitantes

• Os fundamentos da autocomposição, certificando-se que a mediação deve ser


aplicada para auxiliar os litigantes que possuem algum vínculo prévio, demonstrando
que podem compreender as questões (necessidades) e interesse em jogo no conflito
e que o mesmo pode ser solucionado de forma pacífica.

31
AUTOATIVIDADE
1 O CNJ é o órgão responsável pela formulação da Política Judiciária em caráter geral
e nacional, possuindo as atribuições que estão previstas no artigo 6º da Resolução
CNJ n. 125/2010. Estabelece diretrizes para implantação e fiscalização da Política
Pública em todos os Estados. Entre elas, incluem-se o estabelecimento de conteúdo
programático mínimo para a capacitação de magistrados, servidores, mediadores,
conciliadores e demais facilitadores em métodos consensuais de solução de
conflitos e a edição do código de ética desses profissionais. Cabe ao CNJ também a
interlocução política com entidades públicas e privadas, como forma de incentivo ao
uso dos métodos consensuais de solução de conflitos.

Sobre os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs), assinale a


alternativa CORRETA:

a) ( ) Os Cejuscs abrangem três setores: pré-processual, processual e de cidadania.


b) ( ) Os Cejuscs são unidades do Estado (Poder Executivo) responsáveis pela
realização das sessões de mediação e audiências de conciliação.
c) ( ) Nos Cejuscs, poderão ser mediados e conciliados, de forma total ou parcial,
conflitos que versem sobre direitos disponíveis e indisponíveis.
d) ( ) Os Cejuscs são responsáveis pelo planejamento, manutenção e aperfeiçoamento
das ações voltadas à implementação da conciliação e da mediação nos âmbitos
dos Tribunais.

2 A mediação, a conciliação e a negociação são formas pacíficas de solução de


conflitos por meio das quais um terceiro neutro e imparcial intervém em um processo
negocial, com a finalidade de resguardar as partes no alcance da autocomposição. A
esse terceiro não é dada a função de resolver o problema, como ocorre, por exemplo,
na arbitragem, que se enquadra como método heterocompositivo. Com base nas
definições abordadas ao longo do tópico, analise as sentenças a seguir:

I- O método heterocompositivo funciona como mecanismo ou processo construtivo


de resolução de disputas porque leva ao fortalecimento ou recomposição da
relação social preexistente.
II- O conciliador tem uma participação mais ativa no processo de negociação,
podendo sugerir soluções para o litígio.
III- Na mediação extrajudicial, o mediador deve ser pessoa capaz, que guarde
confiança das partes e tenha conhecimento técnico para fazer mediação, não
necessitando apresentar vínculo com conselho, entidade de classe ou associação,
ou nele estar inscrito.

32
Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 Hoje, no Brasil, existe um constante estímulo à autocomposição. Por meio da


Resolução nº 125, o Conselho Nacional de Justiça passou a ser competente para
elaborar e organizar programas com o propósito de oportunizar ações de incentivo
à autocomposição de litígios e à pacificação social, por meio da conciliação, da
mediação, da arbitragem e da negociação. A leitura completa dessa resolução é
fortemente indicada para todos que pretendem atuar profissionalmente na mediação
de conflitos e demais espaços que necessitem da aplicação de técnicas de mediação
e negociação. Sobre os métodos consensuais de soluções de litígios, classifique V
para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A conciliação é indicada para pessoas que mantinham um vínculo anterior,


autorizando o conciliador a propor soluções.
( ) A arbitragem é considerada um método heterocompositivo, e o árbitro pode ser
qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.
( ) O mediador não propõe soluções aos litigantes e atua, preferencialmente, nas
controvérsias em que houver vínculo primário entre as partes.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – V – V.

4 Na autocomposição, o conflito é solucionado a partir dos interesses (da vontade),


que se opera através da concordância natural e espontânea de ambas as partes, que
cedem mutuamente em prol de um desfecho pacífico. O próprio Código de Processo
Civil de 2015 (Lei nº 13.105/2015) assevera, no seu artigo 3º, § 2º, que “o Estado
promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos''. Disserte sobre
as modalidades de autocomposição.

5 “O Direito deve acompanhar as transformações sociais de determinado povo, em dado


momento cultural e histórico. Em tempos de ânimos acirrados no campo político, ativismos
judiciais das Cortes Superiores, que deixam de respeitar os princípios democráticos
e as escolhas legítimas pelo voto da maioria dos brasileiros, somados à pandemia do
Coronavírus e outros fatores, a crise do Poder Judiciário ficou explícita. Novos contextos

33
trouxeram novas situações e novos conflitos, causando uma verdadeira ‘explosão’
de demandas, sobrecarregando um Judiciário lento e ainda arraigado às suas velhas
estruturas”. Nesse cenário, disserte sobre as justificativas principais que fundamentam a
utilização dos métodos autocompositivos.

34
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -
NEGOCIAÇÃO, MEDIAÇÃO
E CONCILIAÇÃO JUDICIAL

1 INTRODUÇÃO
Depois de estudarmos a relevância jurídica e social do conflito e a grande
importância da autocomposição, chegou o momento de introduzirmos os principais
aspectos da conciliação, da mediação, da negociação e da justiça restaurativa.

O propósito deste tópico é analisar os conceitos, diferenças, princípios e


demais aspectos relevantes da conciliação, da mediação, da negociação e da justiça
restaurativa, bem como os objetivos de cada um dos institutos mencionados, permeados
pela legislação nacional vigente.

É importante destacar que tudo aquilo que for aplicável às técnicas de conciliação
e mediação também é válido para as técnicas de negociação e justiça restaurativa.
Portanto, quando nos referirmos à conciliação e mediação, automaticamente, estamos
também falando de negociação e justiça restaurativa.

2 NEGOCIADOR, MEDIADOR E CONCILIADOR


Partindo do disposto no artigo 165, § 2º da Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo
Civil), podemos conceituar a conciliação como “um processo breve, autocompositivo,
de tratamento pacífico de conflitos, em que as partes confiam a uma terceira pessoa
(nominada conciliador), neutra, responsável por aplicar as técnicas adequadas para
aproximá-las e orientá-las na construção de um acordo”. A conciliação é utilizada nos
casos em que não existe vínculo prévio entre as partes, sendo atribuição do conciliador
(possui autorização para), dentre outras, apresentar recomendações (sugerir) para que
o conflito caminhe em direção à resolução pacífica.

A mediação, por seu turno, está prevista no artigo 165, § 3º, da Lei 13.105/2015
(Código de Processo Civil). O Manual de Mediação Judicial, disponibilizado pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), trata o conceito de mediação como:

[...] um processo autocompositivo segundo o qual as partes em


disputa são auxiliadas por uma terceira pessoa, neutra ao conflito,
ou um painel de pessoas sem interesse na causa, para auxiliá-las a
chegar a uma composição. Trata-se de uma negociação assistida ou
facilitada por um ou mais terceiros, na qual se desenvolve processo
composto por vários atos procedimentais pelos quais o(s) terceiro(s)
imparcial(is) facilita(m) a negociação entre pessoas em conflito,

35
habilitando-as a melhor compreender suas posições e a encontrar
soluções que se compatibilizam aos seus interesses e necessidades
(YARN, 1999, p. 33)

Podemos conceituar a mediação como um processo que se divide em várias


etapas ou fases e é, ao mesmo tempo, complexo e flexível. Os conflitantes (mediandos)
são auxiliados por um terceiro (mediador) a restabelecer os canais dialogais e,
consequentemente, chegar a um acordo. Esse terceiro, capacitado especificamente
para mediar, dispõe de estratégias e ferramentas que levam os litigantes a compreender
quais são os seus reais interesses, para que eles, por si sós, tomem as decisões que
melhor atendam às suas necessidades. Importante: o mediador não está autorizado a
fazer sugestões de composição do litígio.

Embora existam muitas linhas ou escolas de mediação (exemplo: mediação


transformativa, circular narrativa, linear, dentre outras), tem-se que em todas elas,
durante o processo mediativo, são considerados aspectos que ultrapassam a esfera
jurídica e atingem as origens do conflito (o que chamamos de lide sociológica).

O artigo 165, § 3º, do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), regula
a atuação do mediador, conferindo a ele as demandas específicas em que as partes já
possuem relação prévia. É objetivo do mediador trabalhar para a restauração do diálogo,
de forma que as partes consigam, por si próprias, soluções consensuais que tragam
benefícios mútuos. A relevância da mediação está em colocar as partes como atores
principais da demanda, que devem assumir o gerenciamento do seu próprio conflito
ativamente, aprimorando as técnicas aplicadas nas relações não contraditórias. O
Manual de Mediação Judicial do CNJ (2016, p. 148), trata das etapas da mediação, da
seguinte maneira:

1. Início da mediação (apresentações e explicações sobre o processo mediativo).


2. Reunião de informações (após ouvir os conflitantes o mediador faz as perguntas
necessárias para entender o conflito).
3. Identificação das questões, interesses e sentimentos envolvidos.
4. Esclarecimentos das controvérsias e dos interesses.
5. Resolução de questões.
6. Registro das soluções encontradas.

NOTA
Apresentação à resolução adequada dos conflitos, que inclui uma série de
métodos capazes de solucionar conflitos, destacando-se a arbitragem, a
conciliação, a mediação e a negociação. Todas as informações referentes
a cursos, capacitação, aplicação das técnicas de negociação e mediação
estão no Manual de Mediação Judicial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Disponível em: https://bit.ly/3STUcqv. Acesso em: 20 set. 2022.

36
2.1 SETORES DOS CENTROS JUDICIÁRIOS DE SOLUÇÃO DE
CONFLITOS E CIDADANIA (CEJUSC)
Conforme o artigo 10 da Resolução nº 125 do CNJ, cada unidade dos Centros de
Solução de Conflitos e Cidadania deverá contar com três setores:

• setor de solução de conflitos pré-processual;


• setor de solução de conflitos processual;
• setor de cidadania.

Vamos analisar a competência de cada um desses setores:

No setor de solução de conflitos pré-processual, são realizadas audiências


de conciliação e sessões de mediação, provocadas, exclusivamente, pelos conflitantes
e/ou seus procuradores. Ou seja, há necessidade de que uma pessoa, física ou jurídica
e/ou seu procurador, compareça diretamente ao CEJUSC e relate a situação conflituosa
que está enfrentando. Ela será orientada por um servidor, com formação específica
em métodos autocompositivos e, se for do seu interesse, poderá dar início a um pré-
processo, que provocará o agendamento – ou de uma audiência de conciliação ou de
uma sessão de mediação. Os envolvidos no conflito serão convidados para esses atos,
e, havendo acordo, o mesmo será homologado e se tornará um título executivo judicial.
Em não havendo, o pré-processo será arquivado.

Já os conflitos que são discutidos no curso dos processos judiciais são


resolvidos no setor de solução de conflitos processuais. Conforme o § 3º do artigo
3º e o artigo 139, inciso V, ambos do Novo CPC (Lei nº 13.105/2015), tanto a mediação
quanto a conciliação podem ocorrer a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição,
e deverão constantemente ser estimuladas, assim como outros métodos de solução
consensual de conflitos por todos os atores da cena jurídica.

É importante destacar que as sessões de mediação e as audiências de conciliação


podem ocorrer em dois momentos distintos e ganham nomenclaturas específicas:

1. Mediação ou conciliação pré-processual = antes do ajuizamento do processo


judicial;
2. Mediação ou conciliação processual (ou endoprocessual) = no curso do processo
judicial.

Lembre-se de que mesmo sendo pré-processual, se realizadas no âmbito do


Poder Judiciário, a mediação ou a conciliação não deixam de ser judiciais.

Nos Cejusc, poderão ser mediados e conciliados, de forma total ou parcial,


conflitos que estejam na esfera de disponibilidade dos litigantes. Em se tratando de
direitos indisponíveis, conforme artigo 3º da Lei 13.140/2015, a aplicação dos métodos

37
autocompositivos se restringirá aos aspectos que admitem transação. Por exemplo:
numa situação em que se discutem alimentos a uma criança, nenhum dos pais
pode abdicar do direito que o filho tem com relação à verba alimentar. Porém, podem
transacionar a respeito dos valores, vencimento, formas de pagamento, periodicidade,
dentre outros.

ATENÇÃO
Sempre que houver acordo envolvendo direitos indisponíveis, porém
transigíveis, deverá ser oportunizada a intervenção do Ministério Público,
antes da homologação do acordo pelo magistrado, conforme disposto no §
2º do artigo 3º da Lei 13.140/2015. A Resolução nº 118/2014, do Conselho
Nacional do Ministério Público, regulamenta a Política Nacional de Incentivo
à Autocomposição no âmbito do Ministério Público e dá outras providências.

Segundo Marinoni e Mitidiero (2011, p. 326):

Direito Indisponível é aquele que não se pode renunciar ou alienar.


Os direitos da personalidade, previstos no artigo 11, da Lei nº
10.406/2002 (Código Civil) e aqueles ligados ao estado da pessoa,
são considerados direitos indisponíveis. O direito da Fazenda
Pública, quando arrimado em interesse público primário, também o
é. Já o direito da Fazenda Pública com esteio no interesse público
secundário não é indisponível.

Exemplos de Direitos Indisponíveis fornecidos por Streck et al. (2016, p. 508):


“ações de estado, ações envolvendo guarda, educação e alimentos dos filhos, ação
rescisória”.

No setor de cidadania, são realizadas atividades de cunho educativo e


preventivo. Como exemplo, as oficinas de parentalidade, também conhecidas por
oficinas de pais e filhos ou oficinas de pais e mães. Trata-se de um programa educacional
interdisciplinar desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que visa auxiliar
na reorganização familiar, especialmente nas situações de conflito pós-divórcio. Objetiva,
ainda, preservar o afeto existente entre os conflitantes, especialmente com relação aos
filhos que, via de regra, sofrem as piores consequências da ruptura dos laços familiares.
As oficinas podem ser presenciais ou a distância, na modalidade on-line, acessadas no
site do CNJ. Quando presenciais, cada oficina tem a duração de aproximadamente três
horas, e a sua dinâmica inclui, além de palestras, a exibição de vídeos que possibilitam
a reflexão quanto ao exercício da parentalidade. É importante, ainda, destacar que as
oficinas não trazem ônus às partes envolvidas no litígio, pois é isenta de custas.

De acordo com o que foi estudado até aqui, podemos afirmar que atuam nos
Cejuscs os seguintes profissionais:

38
Juiz(a)* coordenador(a) e, se necessário, um juiz adjunto – artigo 9º da Resolução
nº 125 CNJ;

• Servidor(es)*;
• Conciliadores*;
• Mediadores*;
• Advogados**;
• Defensores Públicos**;
• Membros do Ministério Público;
• Membros da Advocacia Pública.

* Profissionais que, para exercerem suas atividades nos Cejuscs, necessitam


realizar treinamento e capacitação em resolução de conflitos por meio dos métodos
autocompositivos. Soma-se a isso a necessidade de terem um perfil específico, pois
trata-se de um trabalho focado no cidadão, usuário dos serviços prestados pelo Poder
Judiciário.
** Encontra previsão no artigo 334, § 9º, da Lei nº 13.105/2015 (Código de
Processo Civil).

DICA
O Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Servidores do Poder
Judiciário (Ceajud), integrante da estrutura organizacional do Conselho
Nacional de Justiça, tem a missão de coordenar e promover, com os
tribunais, a educação corporativa e o desenvolvimento das competências
necessárias ao aperfeiçoamento de servidores para o alcance dos objetivos
estratégicos do Poder Judiciário. O Ceajud é o responsável pelo portal EAD
do CNJ e oferece cursos e treinamentos a servidores do poder judiciário
e à população de uma forma geral, em seus ciclos de cursos abertos.
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/eadcnj/. Acesso em: 27 ago. 2022.

A Lei nº 13.140/2015, conhecida como Lei de Mediação, entrou em vigor em 25


de dezembro de 2015 e, conforme consta no seu artigo 1º, “dispõe sobre a mediação
como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de
conflitos no âmbito da administração pública”.

Ocorre que o Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105 de 16/03/2015),


embora tenha sido promulgado em data anterior à Lei de Mediação, entrou em vigor
posteriormente (18 de março de 2016), conforme a redação do artigo 1.045 da Lei
mencionada, nestas palavras: “Art. 1.045, da Lei 13.105/2015: “Este Código entra em
vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial.”

39
No mesmo sentido, o Pleno do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que o
novo Código de Processo Civil (CPC) deveria entrar em vigor no dia 18 de março de 2016.
A questão foi levada à apreciação do colegiado pelo ministro Raul Araújo, presidente
da Segunda Seção do tribunal. O Pleno, de forma unânime, interpretou o artigo 1.045
do CPC para definir a questão. O artigo dispõe que “este código entra em vigor após
decorrido um ano da data de sua publicação oficial”. O novo CPC foi publicado no dia 17
de março de 2015 (STJ, 2016).

Temos, portanto, a seguinte situação:

Quadro 2 – Aplicação de normas

ESTATUTO DATA DA DATA DA ENTRADA ARTIGO DE


LEGAL PROMULGAÇÃO EM VIGOR LEI
Resolução do
Nº 125 29/11/2010 29/11/2010 Artigo 19
CNJ
Novo Código de
Lei 13.105 16/03/2015 18/03/2016 Artigo 1.045
Processo Civil
Lei de Mediação Lei 13.140 26/06/2015 25/12/2015 Artigo 47

Fonte: a autora

Considerando que a Lei de Mediação e o Novo Código de Processo Civil são


normas da mesma hierarquia, há que se buscar uma solução legal para as situações
em que elas entrarem em conflito uma com a outra. A questão não é pacífica. Como já
exposto, a Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015), embora posterior ao Novo Código de
Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), entrou em vigor em data anterior ao Novo CPC.

A solução apontada por Zulmar Duarte (2017) é a de que, em sendo a Lei de


Mediação posterior e de caráter especial, haveria a subtração da norma geral naquilo
que elas divergem. Assim, no entender do mencionado autor, as disposições do Novo
CPC estão revogadas naquilo que conflitem com a Lei de Mediação.

Não podemos deixar de mencionar o entendimento de outros autores, como de


Flávia Tartuce, que invoca a tese do diálogo das fontes e reconhece a possibilidade de
coexistência das Leis de Mediação e do Novo Código de Processo Civil. Refere a autora
que, “em caso de dúvida quanto à aplicação de normas de um ou outro instrumento
normativo, o intérprete deverá conduzir sua conclusão rumo à resposta que mais se
coaduna com os princípios da mediação” (TARTUCE, 2015, p. 268-269).

Uma hipótese de aparente conflito entre o disposto na Lei de Mediação e o


Novo Código de Processo Civil é a questão relativa à obrigatoriedade da mediação. O
artigo 319, VII, do Novo Código de Processo Civil, estabelece como um dos requisitos
40
da petição inicial a indicação da opção do autor pela realização ou não da audiência
de conciliação ou mediação. A Lei de Mediação, por sua vez, refere nos artigos 3º e
27º que o emprego da mediação não está na esfera de disponibilidade da parte, não
é uma mera faculdade, sendo imperativa a designação de sessão de mediação. Esses
dispositivos ainda devem ser integrados a um terceiro, o artigo 695 do Novo CPC, que
prevê a realização de mediação e conciliação no âmbito dos processos de família de
forma impositiva: “o juiz ordenará a citação do réu para comparecer à audiência de
mediação e conciliação”.

Em nosso entendimento (cientes e respeitando interpretações em contrário),


acreditamos que a melhor solução aplicável ao caso concreto se encontra na Lei de
Mediação. Ao prever, no parágrafo segundo do artigo 2º, que ninguém será obrigado
a permanecer em procedimento de mediação, a Lei nº 13.140/2015, no nosso ponto
de vista, estabelece a obrigatoriedade do mediando/conciliando de comparecer à
primeira sessão ou audiência agendada, para familiarizar-se quanto aos métodos
autocompositivos. Poderá não aderir a eles, posto que regidos pelo princípio da
voluntariedade, como estudaremos a seguir. Porém, deixar de atender a intimação para
comparecer à primeira sessão/audiência, sem justificar sua ausência, equivale a fechar
os olhos para uma nova realidade, a dos métodos autocompositivos.

Feitas tais considerações, passamos à análise quanto à forma que o Novo


Código de Processo Civil institucionaliza a autocomposição. Iniciamos mencionando
os parágrafos 2º e 3º do artigo 3º do Novo CPC (Lei nº 13.105/2015), que estimulam a
solução consensual dos conflitos através da mediação e da conciliação, sem excluir
“outros métodos de solução consensual” por todos os atores da cena jurídica: juízes,
advogados, defensores públicos, membros do Ministério Público. Importante referir que
a opção pela autocomposição pode ocorrer em qualquer momento ou fase processual,
inclusive quando este se encontrar na fase recursal (Segundo Grau). Essa conclusão
decorre da redação expressa trazida pelos artigos 139 e 932 do Novo CPC (Lei nº
13.105/2015).

Este arcabouço jurídico decorre da regra insculpida na Constituição Federal


de 1988, em especial no artigo 5º, incisos XXXV e LXXVIII, segundo a qual deve ser
assegurado a todos o direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e em tempo razoável.
Ocorre que o legislador reconhece que nem sempre a forma adequada de resolução dos
conflitos é a jurisdicional. Assim, não exclui o emprego da arbitragem (art. 3º, § 1º) e nem
de “qualquer outro método de solução consensual”.

Com relação à atuação do Ministério Público, precisamos ter em mente a


existência da Resolução nº 118/2014 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP),
que integra a Política Nacional de Incentivo à Autocomposição.

No âmbito da advocacia, temos que os procuradores das partes precisam


pautar suas condutas conforme o disposto no Código de Ética e Disciplina da OAB.
Trata-se da Resolução nº 02/2015 de 19 de outubro de 2015, que elenca, no parágrafo

41
único do artigo 2º, os deveres do advogado. Dentre eles está o estímulo à conciliação e à
mediação como meio preventivo ao litígio (inciso VI). Ainda com relação aos honorários
advocatícios, prevê o artigo 48 ser vedado, em qualquer hipótese, a diminuição
de honorários contratados em razão de a solução do litígio ter-se dado através dos
mecanismos adequados de solução de conflitos. No mesmo sentido dispõe o parágrafo
único, do artigo 4º, do Anexo III da Resolução nº 125, nestes termos:

[...] o mediador/conciliador deve, preferencialmente, no início da


sessão inicial de mediação/conciliação, proporcionar ambiente
adequado para que advogados atendam o disposto no artigo 48, §5º,
do Novo Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do
Brasil. (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16).

Importante mencionar a referência feita no Novo Código de Processo Civil, com


relação a “outros métodos” de solução consensual de conflitos além da mediação e da
conciliação, possibilitando a conclusão de que foi acolhido, pelo nosso ordenamento
jurídico, o Sistema Multiportas (Multi-door Dispute Resolution). Ou seja, para cada tipo
de litígio haveria uma “porta” de ingresso apropriada, e não apenas a que dá acesso aos
métodos heterocompositivos. Por fim, temos que outro exemplo de solução de litígios
de forma não adversarial é o da Justiça Restaurativa. Regulamentada pela Resolução
nº 225 do Conselho Nacional de Justiça, de 31 de maio de 2016, constitui um conjunto
de métodos e técnicas que tem por objetivo conscientizar os litigantes com relação aos
múltiplos fatores relacionais, sociais e institucionais motivadores de conflito.

IMPORTANTE
Podemos afirmar que a utilização dos métodos autocompositivos encontra
três justificativas principais, quais sejam:
1. Pacificação objetiva – no método heterocompositivo (processo
judicial), a decisão é imposta e o resultado é apenas a “pacificação
social” (pois, em face da sociedade, o conflito foi solucionado).
Entretanto, nem sempre existe a pacificação entre as partes
envolvidas (atores principais do conflito), dado que uma das partes não
ficará satisfeita (perdedor x ganhador). Ainda é possível que ambas as partes
restem insatisfeitas, como ocorre nos casos de sucumbência recíproca.
2. Política – a denominada “justiça participativa” é aquela que autoriza a
participação das próprias partes envolvidas no conflito (atores principais)
em conjunto dos conciliadores e mediadores. Quando a sociedade é
convocada a participar e a atuar, verificamos os atributos característicos da
denominada “democracia participativa”.
3. Funcional – a utilização das ferramentas autocompositivas tem potencial
para aliviar o acúmulo de trabalho dos Tribunais Judiciais. Na medida em
que, para cada tipo de conflito existe um meio adequado de solução, fica
autorizada a utilização da Justiça Estatal ou de outros métodos (alternativos)
pelas partes, o que ocorre, via de regra, por intermédio de um especialista
no tema do conflito ou matéria controvertida, o qual facilitará o processo de
mediação e conciliação e a busca pela solução pacífica.

42
2.2 NEGOCIAÇÃO, CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO:
APROFUNDANDO CONHECIMENTOS
Na etapa anterior, refletimos sobre o conflito, sua relevância jurídica e social.
Compreendemos também em que aspectos o modelo heterocompositivo se diferencia
do autocompositivo.

Discorremos sobre o modelo adversarial ou heterocompositivo e constatamos


como o ordenamento jurídico processual anterior ao novo Código de Processo Civil
se dirigia à pacificação social enfrentando o conflito como um fenômeno meramente
jurídico. Ou seja, desumanizava o conflito, afastando as emoções dos conflitantes e
excluía os aspectos que não tinham relevância jurídica.

Utiliza-se de instrumentos que convertem a demanda destinada à solução


adversarial em algo positivo, levando-se em conta que o conflito é próprio dos
relacionamentos humanos, isto é, inevitável. Dessa forma, a autocomposição está
direcionada a fomentar a construção positiva do conflito, objetivando destacar a sua
natureza transformadora, ou seja, demonstrar que o conflito pode ser utilizado para fins
pedagógicos, propiciando amadurecimento pessoal às partes envolvidas.

Abordamos alguns artigos do Novo Código de Processo Civil relacionados às


práticas autocompositivas e estabelecemos, especialmente a partir da análise do artigo
165, diferenças entre a conciliação e a mediação.

Percebemos que a conciliação está voltada, preferencialmente, para as situações


em que os conflitantes não têm laços prévios, enquanto a mediação se destina a auxiliar
os litigantes que possuem algum tipo de vínculo entre si a compreender as questões
(necessidades) e interesse em jogo no conflito.

Analisamos alguns dos princípios gerais que regem a mediação e a conciliação


previstos no Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), na Lei nº 13.140/2015
(Lei de Mediação) e na Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça.

Sendo assim, é chegado o momento de irmos além. Por isso, aprofundaremos


nosso estudo sobre Mediação e Conciliação. Para melhor compreendermos os pontos a
serem abordados, precisamos lembrar sempre três questionamentos: onde, como (ou
de que forma) e quando.

Ou seja, vamos refletir sobre o juízo competente para a realização das sessões
de mediação e audiências de conciliação e quais os objetivos do mediador e conciliador.
Entenderemos a forma pela qual o processo conciliatório mediativo se desenvolve e o
que está reservado aos juízes, promotores, advogados, partes e terceiros interessados
dentro da órbita da autocomposição.

43
Na sequência, estudaremos o momento processual reservado à mediação e
conciliação, por meio de um organograma que permite visualizar e fixar as regras trazidas
pelo Novo Código de Processo Civil sobre a matéria. Também faremos uma análise das
questões relativas à mediação familiar.

Por fim, ingressaremos nas hipóteses que chamamos de “situações especiais”,


além da mediação nos processos de família e extrajudicial.

2.3 O MEDIADOR E O CONCILIADOR: FUNÇÕES, OBJETIVOS E


REGRAS
Passamos a analisar, agora, a forma como acontece a conciliação e a mediação.
Vale lembrar que o conciliador atuará, preferencialmente, nos casos em que não houver
vínculo anterior entre as partes, conforme redação artigo 165, § 2º, da Lei nº 13.105/2015
(Código de Processo Civil), tendo a liberdade de sugerir soluções para o litígio, mas
jamais utilizando-se de qualquer meio de constrangimento ou intimidação para que as
partes conciliem.

O mediador, por sua vez, atuará preferencialmente nas situações que existam
relações continuadas entre os litigantes. Por exemplo: nos casos de divórcio, alimentos,
nas relações de vizinhança, nas dissoluções de micro e pequenas empresas em que
os sócios são familiares ou não, dentre outros. É atribuição do mediador apoiar as
partes no entendimento dos problemas e preferências que estão postos no conflito
com o propósito de retomar o diálogo, de forma que os interessados, espontaneamente,
indiquem as respostas amigáveis que reproduzam proveitos mútuos. Nesse sentido,
recomenda-se a leitura do artigo 165, § 3º, da Lei nº 13.105/2015, nestes termos:

[...] O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que


houver vínculo anterior entre as partes auxiliará aos interessados a
compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que
eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por
si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

Conciliadores e mediadores devem agir de acordo com os princípios, ou diretrizes


– “compromissos” – estabelecidos tanto no artigo 166 da Lei nº 13.105/2015 quanto na
Resolução nº 125 do CNJ e na Lei 13.140/2015 (Lei de Mediação).

As regras relativas ao exercício da prestação jurisdicional, assim como da


mediação e conciliação, estão relacionadas à necessidade de atender a garantia
constitucional da imparcialidade, extraída do disposto no artigo 5º, XXXVII, da
Constituição Federal de 1988. A Carta Magna, ao prever a impossibilidade de existir
juízo ou tribunal de exceção, impõe a regra de que nenhum magistrado, mediador ou
conciliador pode ter qualquer tipo de interesse pessoal no resultado da demanda. A
igualdade de tratamento das partes no curso do processo judicial está assegurada

44
também no artigo 7º da Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil). Em razão dessas
disposições, o legislador expressamente reconhece estar assegurada a imparcialidade
nas hipóteses de impedimento e suspeição, previstas no artigo 144 e seguintes da Lei
nº 13.105/2015.

Para avançarmos, é importante relembrar a diferença entre suspeição e


impedimento.

As hipóteses de impedimento previstas nos artigos 144 e 147 da Lei nº


13.105/2015 são de cunho objetivo, aplicáveis a todos magistrados, desembargadores,
ministros, conciliadores e mediadores em sentido amplo (lato). Nas situações previstas
nos mencionados artigos, a proibição de atuação no feito é absoluta, mesmo que o
julgador, conciliador e/ou mediador, na sua consciência, sinta-se capaz de atuar com
isenção. Existe uma presunção absoluta de parcialidade. Trata-se, inclusive, de matéria
não sujeita a preclusão, que pode ser alegada a qualquer momento e em qualquer grau
de jurisdição.

Já a suspeição (no singular) está relacionada a circunstâncias subjetivas, que


podem comprometer, mesmo que de forma involuntária, a isenção do juiz, mediador ou
conciliador. O Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) trouxe uma ampliação
de hipóteses de suspeição naquilo que diz respeito especificamente à amizade íntima
ou inimizade. Pelo antigo Código de Processo Civil (Código Buzaid/1973) a suspeição
estava restrita à relação entre julgador e partes. Agora, ela foi estendida aos advogados.
Importante mencionar que “amizade íntima” é conceito que remete a um vínculo forte,
que vai além da mera convivência profissional, estando evidenciado, em tese, pelo
noivado ou compadrio, assim como pela visitação frequente de um à residência do outro.
Todas as hipóteses de suspeição estão elencadas no artigo 145 da Lei nº 13.105/2015.

IMPORTANTE
Agora vamos pensar em um exemplo prático: digamos que você é mediador
judicial. Nessa condição, é designado para atender um determinado
processo, encaminhado para o Cejusc. O feito diz respeito a um conflito
entre vizinhos. Na sessão de mediação, você constata que nenhuma
daquelas pessoas fazem parte do seu círculo de amigos e/ou parentes.
Ocorre que, à medida que eles vão relatando os fatos, você descobre que um
dos mediandos havia previamente procurado o escritório de advocacia onde
você exerce suas atividades profissionais e a situação havia sido discutida
entre você e seus colegas de trabalho. Você havia, inclusive, redigido uma
minuta, com orientações jurídicas, endereçadas ao mediando que procurou
o escritório. Ou seja, inequivocamente, você já tinha tomado conhecimento
da situação, mesmo sem ter tido contato direto com os mediandos. Ainda
que o mediando não tenha contratado o escritório de advocacia, sua isenção
está comprometida e, por isso, deve se declarar suspeito para atuar no feito,
conforme disposto no artigo 145, inciso II, do CPC.

45
Com relação à capacitação dos mediadores e conciliadores, prevista no artigo 167,
§ 1º, da Lei nº 13.105/2015, cumpre esclarecer que ambos deverão realizar cursos teórico-
práticos, ministrados pelos instrutores dos Tribunais e/ou de entidades credenciadas
aos respectivos Nupemecs (Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução
de Conflitos) certificados pelo Conselho Nacional de Justiça. As diretrizes curriculares
dos cursos encontram-se no Anexo I, da Resolução nº 125 do Conselho Nacional de
Justiça.

Os cursos são divididos em dois módulos/etapas: o teórico e o prático. Além da


aprovação no curso teórico, o estágio supervisionado (módulo prático) constitui requisito
indispensável para o exercício da função de mediador e conciliador judicial. A formação
continuada consiste na participação em grupos de estudo, palestras, workshops e
demais atividades correlatas à matéria que contribuam para o aperfeiçoamento do
profissional.

IMPORTANTE
A capacitação busca suprir demanda por conciliadores na Justiça Federal. O
objetivo do curso Formação de Conciliadores (parte teórica) é capacitar pessoas
para atuarem como conciliadores na Justiça Federal e no desenvolvimento
da Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado de Conflitos. A ideia
surgiu por conta da carência de conciliadores para atuarem na Justiça Federal.
O curso foi promovido pelo do Conselho da Justiça Federal (CJF), seguindo as
diretrizes da Resolução CNJ n. 125/2021, e ganhou o Prêmio Conciliar é Legal
de 2022 na categoria Instrutores de Mediadores e Conciliadores.
Fonte: MARTINS, T. Curso de capacitação busca suprir demanda por
conciliadores na justiça federal. Agência CNJ de Notícias. Brasília, 12 ago.
2022. Disponível em: https://bit.ly/3UXauki. Acesso em: 20 set. 2022.

A supervisão dos candidatos a conciliador e mediador judicial, assim como a


formação continuada, ficam a cargo dos Nupemecs e/ou das escolas credenciadas. O
parágrafo 2º, do artigo 12, da Resolução nº 125 do CNJ prevê, expressamente, haver
necessidade de aperfeiçoamento permanente dos mediadores e conciliadores, bem
como avaliação do usuário.

Importante mencionar que, em razão do disposto no artigo 11, da Lei 13.140/15


(Lei de Mediação), exige-se que o mediador, judicial e/ou privado, seja graduado há pelo
menos dois anos em curso de graduação de instituição reconhecida pelo MEC. Esse
requisito temporal não se aplica ao conciliador, que pode atuar antes mesmo de concluir
a graduação, desde que tenha recebido a adequada capacitação.

46
Conforme decisão do Conselho Nacional de Justiça – SEI nº 0007324-
12.2016.2.00.0000:

Conclui-se que, nas hipóteses reguladas pela Resolução nº 125/2010,


não só não são necessários os dois anos de graduação para o exercício
da atividade de conciliação como é permitido que estudantes ainda
em formação exerçam tal função desde que realizem o curso de
capacitação descrito no Anexo I da referida Resolução, ou, quando
não o fizerem, sejam supervisionados por professores capacitados.

A conclusão do ensino médio não possibilita a atuação junto ao Cejusc. É


necessário ser estudante, ainda que em formação, de curso de nível superior.

Não é exigido que os profissionais que trabalham com as técnicas


autocompositivas tenham formação em Direito. Incentiva-se a participação das mais
variadas áreas do conhecimento humano, em razão de que a mediação e a conciliação
surgem como espaços que valorizam o saber e a experiência dos conflitantes. Concluída
a formação e considerados capacitados, conciliadores e mediadores judiciais serão
certificados e poderão requerer as suas respectivas inscrições no cadastro nacional e
no cadastro do Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional a que estiverem vinculados
e/ou que pretendam atuar. É o que dispõe o artigo 167, § 1º, última parte, da Lei nº
13.105/2015; artigo 12 da Lei 13.140/2015 e artigo 6º, VIII, da Resolução nº 125 do CNJ.

2.3.1 Hipóteses de exclusão do cadastro nacional de


conciliadores e mediadores – artigo 173 do Novo Código de
Processo Civil
A atuação dos mediadores e conciliadores judiciais é permanentemente
fiscalizada pelos juízes coordenadores de Cejuscs e pelos usuários, conforme disposto
no § 2º do artigo 12, da Resolução nº 125 do CNJ. Poderão ser excluídos do cadastro
nacional os conciliadores e mediadores que agirem:

• com dolo ou culpa na condução da conciliação ou mediação;


• com inobservância dos princípios (compromissos/deveres) previstos no artigo
166, §§ 1º e 2º, do Novo CPC, especialmente a confidencialidade (o teor de todas
as informações produzidas no curso da conciliação ou da mediação não pode ser
usado para outro fim, senão o que for expressamente deliberado pelas partes) e o
dever de sigilo (vedação de divulgação acerca de fatos ou elementos oriundos da
conciliação ou da mediação; impossibilidade de servirem como testemunha e/ou
informantes);
• em procedimento de mediação ou conciliação, mesmo estando impedido ou
suspeito, conforme disposição do artigo 148, inciso II, combinado com artigo 149, do
CPC. As hipóteses de impedimento e suspeição que se aplicam aos conciliadores e
mediadores estão previstas nos artigos 144 e 145 do CPC.

47
O Código de Ética dos conciliadores e mediadores, bem como a normatização
quanto a responsabilidades e sanções que podem ser impostas aos mencionados
profissionais, encontram-se no Anexo III da Resolução nº 125 do CNJ.

A avaliação contínua feita pelos usuários dos serviços prestados pelo Poder
Judiciário, prevista no § 2º, do artigo 12, da Resolução nº 125, se dá mediante o
preenchimento de ficha de avaliação, disponibilizada aos jurisdicionados no término das
sessões de mediação ou das audiências de conciliação.

ATENÇÃO
Na mediação e na conciliação judicial, há menos liberdade de escolha do
mediador/conciliador por parte dos litigantes, embora ambos estejam
sujeitos à prévia aceitação das partes. O consenso quanto ao mediador e/ou
conciliador não significa poder de escolha.

É importante lembrar que as partes do processo devem estar assistidas por


advogado ou defensores públicos (artigo 26 da Lei 13.140/2015), ou advogados parceiros,
que poderão atuar de forma pro bono. Conforme o § 1º, do artigo 30, Resolução nº
02/2015, que aprovou o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB, 2015):

[...] Considera-se advocacia pro bono a prestação gratuita, eventual


e voluntária de serviços jurídicos em favor de instituições sociais sem
fins econômicos e aos seus assistidos, sempre que os beneficiários
não dispuserem de recursos para a contratação de profissional.

A lei não impõe a permanência contínua do advogado nas sessões de mediação


e audiências de conciliação. No entanto, ele tem o poder/dever de prestar a assistência
constante ao seu constituído, sendo viável, inclusive, o reagendamento das sessões de
mediação ou audiências de conciliação em que as partes chegaram a um acordo, se
por acaso o procurador, por motivo justificado, não possa se fazer presente. O advogado
é um dos responsáveis pelo princípio da decisão informada, posto que poderá alertar
seu assistido quanto às consequências jurídicas das hipóteses de entendimento que
surgirem no curso do processo de mediação e/ou conciliação. E mais, sua atuação será
de especial relevância na formalização do acordo, já que, como conhecedor do direito
material, traduzirá os interesses e sentimentos trabalhados no curso da autocomposição
para a linguagem jurídica.

A única situação em que não é exigida a assistência de advogado é na hipótese


de pré-processo que trate de direitos disponíveis, discutindo valores inferiores a 20
salários mínimos, em razão do disposto nas Leis dos Juizados Especiais – Leis nº
9.099/1995 e 10.259/2001.

48
3 REMUNERAÇÃO DOS CONCILIADORES E MEDIADORES
A regra geral é de que tanto a mediação quanto a conciliação não acarretem
ônus processuais para as partes quando elas forem beneficiárias da assistência judiciária
gratuita, conforme disposto no § 2º do artigo 4º da Lei 13.140/2015. O artigo 169 da Lei
nº 13.105/2015 dispõe sobre a possibilidade de os conciliadores e mediadores serem
remunerados a partir de uma tabela, a ser fixada pelo respectivo tribunal, seguindo
parâmetros ditados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O artigo 169, § 1º, da Lei nº
13.105/2015 não exclui a possibilidade da mediação e conciliação por meio de trabalho
voluntário, observada a regra trazida pela Resolução nº 125 do Conselho Nacional de
Justiça.

A inovação trazida pelo Código de Processo Civil de 2015 está relacionada à


possibilidade da criação de cargos de mediador e/ou conciliador, a serem providos
mediante concurso público de provas e títulos, conforme disposto no artigo 167, § 6º, da
Lei nº 13.105/2015.

3.1 AS CÂMARAS PRIVADAS DE CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO


As câmaras privadas de conciliação e mediação são pessoas jurídicas
constituídas especificamente com a finalidade de realizar conciliações e mediações,
e/ou promover a capacitação dos candidatos a mediador e conciliador, desde que
devidamente credenciadas no CNJ e nos Tribunais, na forma do § 1º, do artigo 167, da
Lei nº 13.105/2015. Sujeitam-se ao cadastro geral e devem também realizar sessões
de mediação e audiências de conciliação de forma gratuita, conforme determinação
expressa do artigo 169, § 2º, da Lei nº 13.105/2015.

A Seção III-B, da Resolução nº 125 do CNJ trata das Câmaras Privadas de


Conciliação e Mediação. Sua regulamentação encontra previsão no artigo 12-C, incluído
pela Resolução nº 326, de 26.06.2020. Os termos de entendimento relativos aos
acordos celebrados nas câmaras privadas de mediação poderão ser apresentados para
homologação em juízo. O foro competente será aquele em que tramitaria regularmente
o processo (se fosse judicializado), e o juízo é do Cejusc.

Ainda com relação à competência, importa referir que, em se tratando de litígio


cujo processo esteja em grau de recurso, os meios autocompositivos poderão ser
empregados pelo Cejusc de segundo grau e, obtido o acordo, caberá ao Desembargador
Relator do feito homologar a autocomposição das partes, conforme determina o artigo
932, inciso I, da Lei nº 13.105/2015 (CPC). Na hipótese de o acordo ter-se realizado em
câmara privada de conciliação e mediação e existir, concomitantemente, processo
judicial tramitando em grau de recurso, o desembargador relator do feito também será
competente para homologação do termo de entendimento.

49
INTERESSANTE
A tecnologia adotada pela empresa Mediato Consultoria, que é uma
Câmara Privada de Mediação e Conciliação, entidade apta a utilizar
métodos consensuais de solução de conflito, foi a mais efetiva nas soluções
extrajudiciais em reclamações formalizadas perante o Procon. De acordo com
os números apresentados pela Mediato, menos de 1% das demandas não
conseguiu solução e foi direcionada à Justiça.
Fonte: BANDEIRA, R. Empresa de mediação soluciona mais de 16 mil conflitos
durante a pandemia. Agência CNJ de Notícias. Brasília, 2022 Disponível em
https://www.cnj.jus.br/empresa-de-mediacao-soluciona-mais-de-16-mil-
conflitos-durante-a-pandemia/. Acesso em 12 ago. 2022.

3.2 ORGANOGRAMA DA CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO JUDICIAL


ENDOPROCESSUAL
Agora é hora de entender sobre o momento processual em que acontece a
conciliação e a mediação judicial. Estando preenchidos os requisitos essenciais da
petição inicial, previstos no CPC, e não sendo o caso de improcedência liminar do pedido,
a conciliação e/ou mediação tem as seguintes regras gerais:

• A audiência de conciliação ou sessão de mediação deve ocorrer, preferencialmente,


antes da apresentação da defesa, o que estimula a solução consensual dos conflitos.
Retoma a ideia de que a decisão judicial é a ultima ratio.
• Nos processos em que a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não
sendo o caso de improcedência liminar do pedido, será designada audiência de
conciliação ou sessão de mediação (no prazo máximo de 30 dias), sendo que o réu
deve ser citado com antecedência mínima de 20 dias.
• Poderá haver mais de uma audiência de conciliação ou sessão de mediação, se
isso for necessário para oportunizar a composição. O espaço entre uma e outra não
poderá exceder dois meses.

Portanto, conforme a regra do artigo 334, da Lei nº 13.105/2015, não sendo


caso de improcedência liminar do pedido, o juiz recebe a inicial e designa audiência de
conciliação ou sessão de mediação. O autor é intimado para a audiência de conciliação
ou sessão de mediação na pessoa do seu advogado. Antecedência mínima de 30 dias
para a audiência/sessão. Dessa forma, o réu deverá ser citado pelo menos 20 dias antes
da solenidade.

É importante referir que as partes podem instituir um “acordo de mediação ou


conciliação extrajudicial prévia obrigatória, até mesmo com a correspondente previsão
de exclusão da audiência de conciliação ou sessão de mediação prevista no artigo 334,

50
da Lei nº 13.105/2015” e/ou “pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou
sessão de mediação prevista no artigo 334, da Lei nº 13.105/2015” – conforme redação
do Enunciado 19 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC).

Destaca-se também que os prazos determinados pelo artigo 334 do Novo CPC
não se aplicam aos processos de competência dos Juizados Especiais, sem prejuízo da
adoção de técnicas de mediação e conciliação, consoante previsão do Enunciado 509
do FPPC.

O artigo 334, § 7º, da Lei nº 13.105/2015, autoriza a realização de audiência de


mediação e conciliação por meio eletrônico, ou seja, fica autorizado, na forma da lei, a
audiência, por exemplo, por meio de videoconferência.

O prazo contestacional fluirá da data do protocolo do pedido de cancelamento da


audiência de conciliação ou sessão de mediação, conforme prevê o artigo 335, inciso II do
CPC. Ou seja, o réu é citado e intimado (artigo 303, II do CPC) para participar da audiência
de conciliação ou sessão de mediação. Somente se frustrada a autocomposição é que
fluirá o prazo contestacional. Para alguns autores, aqui estaria a prova de que o CPC,
efetivamente, aposta nos meios alternativos à resolução dos conflitos, enaltecendo-os.

51
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• As características, diferenças, vantagens e desvantagens estabelecidas entre o


modelo autocompositivo e o modelo heterocompositivo de solução de conflitos, e
em quais situações devem ou não devem ser utilizados.

• Os conceitos, diferenças, princípios e demais entendimentos pertinentes da


conciliação, da mediação e da negociação, bem como os objetivos de cada um dos
institutos mencionados, abastecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro.

• Alguns dos princípios gerais que regem a mediação, a conciliação e a negociação,


previstos no Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), na Lei nº 13.
140/2015 (Lei de Mediação) e na Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça.

• A importância de uma visão crítica sobre as potencialidades da conciliação e da


mediação, assim como as funções, objetivos e regras a serem observadas pelo
conciliador e pelo mediador a partir da legislação nacional vigente.

52
AUTOATIVIDADE
1 A conciliação e a mediação, bem como a negociação, são procedimentos que se
estabelecem na pacificação e no consenso entre as partes envolvidas em dado
conflito. Buscam, primeiro, neutralizar o ânimo de litígio, para depois proporcionar
que as partes manifestem a intenção de deliberar, pacificamente, sobre a divergência
posta, acompanhadas de um terceiro neutro e imparcial, que terá a missão de obter
uma solução. Sobre as disposições trazidas pelo Novo Código de Processo Civil (Lei
nº 13.105/2015), assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Admite-se a aplicação de técnicas negociais, com o objetivo de proporcionar


ambiente favorável à autocomposição.
b) ( ) Anteriormente, os métodos consensuais de solução de conflitos eram
denominados “autotutela”, sendo hoje conhecidos como “Métodos Negociados
de Pacificação de Conflitos”
c) ( ) A conciliação e a mediação são pautadas pelos princípios da interdependência
das partes, da imparcialidade do terceiro, da autonomia da vontade, do segredo
de justiça, da oralidade, da formalidade e da decisão escrita.
d) ( ) Exige-se que o árbitro, o negociador, o conciliador e o mediador, judicial e/ou
privado, sejam graduados há pelo menos dois anos em curso técnico ou de
ensino superior.

2 O modelo autocompositivo se vale de mecanismos que tornam o processo de


resolução de disputas algo construtivo, partindo da ideia de que o conflito é inerente
às relações sociais, e por isso inevitável. Assim, a autocomposição está centrada na
potencialização da contribuição positiva do conflito, tendo como foco o seu caráter
transformador, no sentido de ele pode proporcionar crescimento pessoal, profissional
e organizacional aos conflitantes. Com base nas funções, objetivos e regras a serem
observadas pelo mediador e pelo conciliador, analise as sentenças a seguir:

I- Conciliadores e mediadores são auxiliares da justiça e aplicam-se a eles as mesmas


hipóteses de suspeição e impedimento aplicáveis aos magistrados.
II- A supervisão dos candidatos a conciliador e mediador judicial, assim como a
formação continuada, ficam a cargo dos membros e servidores do Ministério
Público.
III- As câmaras privadas de conciliação e mediação são pessoas jurídicas constituídas
especificamente para realizar conciliações e/ou mediações e/ou promover a
capacitação dos candidatos a mediador e conciliador, desde que credenciadas no
CNJ e nos Tribunais.

53
Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 Chama atenção o destaque dado pelo Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015)
aos métodos alternativos de resolução de conflitos, como a arbitragem, a conciliação,
a mediação e a negociação. São formas de evitar/resolver a lide, promovendo a
solução amigável do conflito de interesses e o desafogo do Judiciário. As chamadas
formas alternativas de resolução de conflitos e a promoção e utilização dos métodos
alternativos de resolução de conflitos são aspectos marcantes do Código de Processo
Civil. Dessa forma, ficou estabelecido que é permitida a arbitragem, na forma da lei e
que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos e
que a conciliação, a mediação e outros métodos deverão ser estimulados por juízes,
advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso
do processo judicial. De acordo com as disposições trazidas pelo Código de Processo
Civil sobre a audiência de conciliação e sessão de mediação, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Qualquer pessoa pode atuar como mediador extrajudicial, desde que seja capaz,
goze da confiança das partes e seja tecnicamente capacitada para fazer a mediação.
( ) O termo de entendimento referendado por mediador ou conciliador extrajudicial,
credenciado pelo Tribunal, constitui título executivo judicial.
( ) A mediação extrajudicial pode acontecer por convenção ou iniciativa das partes ou
por previsão contratual.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V - F - F.
b) ( ) V - F - V.
c) ( ) F - V - F.
d) ( ) F - F - V.

4 Depois de saber distinguir a conciliação da mediação, deve-se ingressar no estudo


dos princípios que as regem. Esses não podem ser lidos de forma isolada e não estão
restritos ao Código de Processo Civil, estando também dispostos na Lei de Mediação
(Lei 13.140/2015) e na Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça. Aponte
quais são os princípios mais relevantes e disserte sobre um ou mais de um deles.

5 As Comissões responsáveis pela gestação e elaboração do Novo Código de Processo


Civil (Lei nº 13.105/2015) se esforçam para a solução consensuada entre as partes
envolvidas em conflitos. O termo conciliação vem referido nada menos do que 37

54
vezes; a referência à mediação, 39 vezes; a lembrança à arbitragem ocorre em 12
oportunidades. A mediação está prevista no artigo 165, § 3º, da Lei 13.105/2015 (Código
de Processo Civil). O Manual de Mediação Judicial, disponibilizado pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), também trata do tema de forma mais aprofundada. Nesse
contexto, disserte brevemente sobre o conceito de mediação.

55
56
UNIDADE 1 TÓPICO 4 -
SITUAÇÕES ESPECIAIS

1 INTRODUÇÃO
Chegamos ao último tópico da disciplina de Técnicas de Negociação e Mediação.
Faremos uma análise das questões relativas à mediação familiar.

Posteriormente, ingressaremos nas hipóteses denominadas de “situações


especiais”, aquelas em que há litisconsórcio, ilegitimidade de partes, alegação de
incompetência, produção antecipada de prova, manutenção e reintegração de posse.

A Unidade se encerra com a abordagem da mediação extrajudicial e no âmbito


da esfera pública.

2 SITUAÇÕES ESPECIAIS E MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL


O artigo 3º, da Lei nº 13.105/2015 (CPC), apresentou os denominados “métodos
alternativos de resolução de litígios'', que introduzem a negociação, a mediação, a
conciliação e a arbitragem.

O Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105/2015) foi bastante inovador


em relação ao Código de 1973 (Código Buzaid) ao estabelecer a obrigatoriedade da
realização de audiência de autocomposição. Mais ainda, apresentou um conteúdo
bastante amplo sobre a conciliação e a mediação, o que alterou significativamente a
estrutura do procedimento comum.

Ademais, nas ações sobre Direito de Família, consoante disposição do artigo 695
do novo CPC (Lei nº 13.105/2015), houve a determinação para que o mandado de citação
contenha somente os dados para audiência de conciliação ou mediação, devendo estar
desacompanhado da petição inicial, objetivando, dessa forma, dar relevo e prioridade
aos acordos e ao exercício de defesa.

De forma diversa do que ocorreu no CPC de 1973, o Código de Processo Civil de


2015 conferiu uma seção inteira aos conciliadores e mediadores judiciais, colocando no
artigo 334 a parte procedimental da audiência de conciliação ou sessão de mediação.

Em um passado não muito distante, as alternativas consensuais de solução


de conflitos eram denominadas “meios extrajudiciais”, sendo hoje conhecidos como
“Métodos Adequados de Solução de Conflitos” (Masc).

57
Os Métodos Adequados de Solução de Conflitos oferecem algumas vantagens
quando comparados com o processo judicial comum, já que ampliam a possibilidade de
acesso e promoção de justiça aos cidadãos (observando o princípio constitucional do
acesso à justiça, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988).

A conciliação e a mediação, bem como a negociação, são procedimentos que


se estabelecem na pacificação e no consenso entre as partes envolvidas em dado
conflito. Buscam, primeiro, neutralizar o ânimo de litígio, para depois proporcionar que
as partes manifestem a intenção de deliberar, pacificamente, sobre a divergência posta,
acompanhadas de um terceiro neutro e imparcial, que terá a missão de obter uma
solução.

A Lei nº 13.140/2015 (Lei de Mediação) indica certas regras procedimentais


adicionais. Os artigos 14 a 20 da Lei determinam que a mediação se considera iniciada
na primeira reunião, tendo de ser lavrado um termo final quando for pactuado o acordo,
ou, se chegaram à conclusão de que não se justificam novos esforços para a obtenção
de consenso, seja por declaração do mediador ou por manifestação de qualquer das
partes.

IMPORTANTE
A Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil) faz referência expressa
à Negociação, a partir do que dispõe o artigo 166, § 3º, nestes termos:
“Admite-se a aplicação de técnicas negociais, com o objetivo de proporcionar
ambiente favorável à autocomposição”. Significa dizer que, em se tratando de
direitos disponíveis (aqueles que possuem natureza econômica e que podem
ser transacionados) podem as partes (desde que plenamente capazes)
estabelecer as regras procedimentais que irão regular o litígio, até mesmo
naquilo que diz respeito à utilização dos métodos consensuais.

2.1 AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO E SESSÃO DE MEDIAÇÃO


NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI Nº 13.105/2015)
O Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu inovações em relação aos
códigos anteriores, determinando a previsão de uma audiência prévia à contestação,
conduzida por terceiro, cujo foco é a tentativa de conciliação e/ou mediação.

O artigo 334, da Lei nº 13.105/2015 determina que:

[...] se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o


caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência
de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30
(trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias
de antecedência.

58
Duas observações procedem em relação a esse dispositivo: se a petição for
considerada inepta, será concedida a possibilidade de emenda, ou o pedido será julgado
liminarmente improcedente – nesse caso, não haverá a designação da audiência de
conciliação ou da sessão de mediação. Por outro lado, estando a petição inicial plena, o
juiz da causa determinará a citação do réu.

Os parágrafos 4º e 5º, do artigo 334, da Lei nº 13.105/2015 apresentam um


relevante esclarecimento, nestes termos: "§ 4º. A audiência não será realizada: I -
se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição
consensual; II - quando não se admitir a autocomposição". Pode-se concluir que basta
a declaração de uma das partes para que seja realizada a audiência/sessão. Fica então
consignado que o pronunciamento de apenas uma das partes é suficiente para a
realização da audiência de conciliação ou sessão de mediação, ao passo que, para que
seja dispensada a audiência/sessão se faz necessário o pronunciamento expresso de
ambas as partes, consoante disposição, do § 5º, artigo 334, do CPC.

A Lei nº 13.140/2015 (Lei de Mediação), no seu artigo 2º, § 2º, determina que
ninguém fica obrigado a permanecer no procedimento de mediação. Dessa forma, a
realização da audiência poderá ser obrigatória, contudo, a qualquer uma das partes é
facultado retirar-se do procedimento a qualquer instante.

Artigo 334, § 5º, da Lei nº 13.105/2015: “O autor deverá indicar, na petição inicial,
seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada
com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência”.

Como vimos, o Réu pode aceitar a mediação e/ou a conciliação ou alegar


preliminares. A partir disso, temos alguns desdobramentos:

• O prazo contestacional só fluirá da data da última audiência de conciliação ou


da sessão de mediação quando uma das partes não comparecer ou, ambas
comparecendo, não houver autocomposição (é o que estabelece o artigo 335, I, do
CPC/2015.
• CRÍTICA: Haveria aí uma antecipação das teses defensivas?
• As partes devem comparecer acompanhadas de advogados ou defensores públicos.
• Qualquer uma das partes pode deixar de comparecer e constituir representante,
por meio de procuração específica, com poderes para negociar ou transigir (é o que
estabelece o artigo 334, § 10º, do CPC/2015;
• CRÍTICA: seria apropriado, para fins de mediação, fazer-se representar por procurador,
considerando que as partes envolvidas no litígio é que são as protagonistas do
processo mediativo?
• Podem ser marcadas mais de uma audiência de conciliação ou sessão de mediação,
não excedendo o prazo de dois meses da data da primeira, quando necessário
para que as partes cheguem a uma composição (é o que estabelece o artigo 334,
parágrafo 2º, do CPC/2015).

59
Litisconsórcio passivo ou ativo: havendo desinteresse de um dos
litisconsortes, não resta obstaculizada a realização da conciliação ou da mediação,
conforme disposição do artigo 334, § 6º, do CPC/2015, ou seja, havendo litisconsórcio, o
desinteresse na realização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes.

Estímulo à autocomposição: vislumbrando respeitar o princípio da celeridade


processual, a Lei nº 13.105/2015 fomenta, a todo tempo, as tentativas de conciliação/
mediação, inclusive a realização de sessões por meios eletrônicos. Importa referir que tais
audiências são procedimentos obrigatórios e anteriores à manifestação de defesa por
parte do réu, onde, o não comparecimento desse caracteriza ato atentatório (desrespeito)
à dignidade da justiça, sendo passível de aplicação de multa. Nesse sentido, observa-se
a redação do Enunciado 273, do Fórum Permanente de Processualistas Civis:

Ao ser citado, o réu deverá ser advertido de que sua ausência


injustificada à audiência de conciliação ou mediação configura ato
atentatório à dignidade da justiça, punível com a multa do art. 334, §
8º, sob pena de sua inaplicabilidade.

A autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por sentença (é o


que estabelece o artigo 334, parágrafo 11º, do CPC/2015). A sentença homologatória
do termo de acordo forma título executivo judicial. Em havendo negativa do
juiz, deverá esta ser motivada e fundamentada unicamente na ofensa aos princípios
estabelecidos na Resolução nº 125/2010 do CNJ.

Réu aceita a mediação, mas alega na contestação sua ilegitimidade: o


Código de Processo Civil de 2015 não trouxe a previsão expressa de cancelamento
da audiência de conciliação e/ou sessão de mediação. Todavia, existe a faculdade de
oitiva do autor no prazo de 15 dias para, querendo, alterar a petição inicial visando a
substituição do réu.

Réu aceita a mediação, mas alega na contestação incompetência


absoluta ou relativa (artigo 340, do CPC/2015).

Inovação: é possível protocolar a contestação no domicílio do réu, consoante


disposição do já citado artigo 340 do CPC.

Também existe a previsão expressa de suspensão da audiência de conciliação


ou sessão de mediação, conforme disposição § 3º, do artigo 340 do CPC/2015.

Produção antecipada de prova: pode ser admitida sob o argumento de que


ela viabiliza a autocomposição ou outro meio adequado de solução do conflito, segundo
previsto no artigo 381, do CPC/2015.

Reintegração de posse: litígios coletivos, situações de posse velha (mais de


ano e dia), comportam mediação antes da análise da liminar, conforme prevê o artigo
565 do CPC/2015.

60
Programas de autocomposição (mutirões): podem ser instituídos pelo
Poder Judiciário e implicam suspensão de prazos durante a execução do programa.
Importante: os Tribunais devem fixar data de início do programa e data da finalização
com antecedência. É o que estabelece o parágrafo único, do artigo 221, combinado com
artigo 313, inciso VIII, ambos do CPC/2015.

Mediação ou conciliação on-line: tornou-se possível a partir do disposto no


artigo 334, § 7º, do Novo CPC (a regulamentação deve ser feita pelo CNJ) e também
encontra previsão na Lei de Mediação.

Das ações de família – artigos 693 a 699 do CPC: os processos de família


refletem as importantes mudanças que ocorrem na vida das pessoas, dessa forma,
é salutar que sejam mantidas ou até criadas novas relações de cooperação entre os
envolvidos, principalmente quando tratam de interesses de crianças e adolescentes.

Na década de 1990, o Comitê Europeu de Direito de Família considerou a


mediação familiar como o mecanismo mais adequado e eficiente na resolução de
conflitos de questões relativas às disputas familiares. Dez anos depois surge a Diretiva
2008/52/CE, do Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia, com a finalidade
de gerar importantes mudanças no sistema de solução de conflitos e na cultura jurídica
dos países que compõem a comunidade europeia. Dentro desse espírito de qualificar o
sistema jurídico, o novo Código de Processo Civil brasileiro incentiva a composição do
litígio de forma consensualizada.

Aplica-se, obrigatoriamente, a autocomposição nos processos de:

• divórcio;
• separação;
• reconhecimento e extinção de união estável;
• guarda;
• visitas;
• filiação.

Nas ações de alimentos, aplicam-se no que couber, observado o procedimento


próprio (parágrafo único do artigo 693 do CPC).

A principal diferença do emprego dos métodos autocompositivos nos processos


de família diz respeito à obrigatoriedade de realização de audiência de conciliação
ou sessão de mediação, independentemente da aquiescência das partes. Haverá
a intervenção obrigatória do Ministério Público, antes da homologação de eventual
acordo, naqueles casos que englobam os interesses de incapazes (§2º, do artigo 3º, da
Lei 13.140/2015).

61
Mediação Extrajudicial: está regulada pela Lei nº 13.140/2015, especialmente
nos artigos 21 e seguintes e pela Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça,
artigos 12-C e seguintes, introduzidos pela Emenda nº 2 de 08/03/2015.

Quem pode atuar como mediador extrajudicial: a partir dos seguintes


requisitos cumulativos, todo cidadão que possua capacidade civil plena, ampla confiança
de ambas as partes envolvidas no conflito e a comprovada capacitação técnica está
habilitado para atuar como mediador extrajudicial, ainda que não seja integrante de
Conselho Profissional, Entidade de Classe ou Associação de Mediadores. Na mediação
extrajudicial, as partes gozam de total liberdade na escolha do mediador.

A mediação extrajudicial pode acontecer:

1. por convenção entre os envolvidos no conflito;


2. por iniciativa de um dos envolvidos no conflito;
3. por previsão contratual.

O termo de entendimento referendado por mediador ou conciliador


extrajudicial, credenciado pelo Tribunal, constitui título executivo extrajudicial,
conforme disposição do artigo 784, IV, do CPC.

Por fim, é importante registrar que as possibilidades de mediação e conciliação no


âmbito da esfera pública estão previstas no artigo 174 do Novo CPC e a autocomposição
de conflitos em que for parte pessoa jurídica de Direito Público encontram resguardo
legal no artigo 32 e seguintes da Lei nº 13.140/2015.

Depois de tudo o que vimos até aqui, podemos perceber que as propostas do
Novo Código de Processo Civil são arrojadas, pois alteram não apenas o rito processual,
mas também a forma como percebemos o conflito.

Há necessidade de irmos além e, por isso, convido você a fazer com afinco as
autoavaliações, a buscar as leituras recomendadas, bem como dedicar total atenção às
questões propostas.

ATENÇÃO
A cláusula de eleição de foro através da Arbitragem (Tribunal Arbitral) é
uma novidade importante trazida pelo Novo Código de Processo Civil (Lei nº
13.105/2015) que está sendo muito utilizada nos pactos contratuais atuais.
Nesse sentido, observa-se a redação do artigo 3º, parágrafo 1º, que trata
expressamente do tema, nestas palavras: “É permitida a arbitragem, na forma
da lei.”

62
LEITURA
COMPLEMENTAR
AFINAL, A MEDIAÇÃO DEU CERTO NO BRASIL?

Mírian Queiroz

Para falar sobre o uso do método autocompositivo no país, é necessário


apresentar um pequeno contexto histórico da via alternativa. Apesar de ser considerada
relativamente nova, ela foi incluída no Código de Processo Civil por meio da Lei 13.140/2015,
conhecida como Lei de Mediação. A mediação e os outros métodos autocompositivos
não são ferramentas jurídicas novas no mercado. De acordo com o Guia de Conciliação
e Mediação, do Conselho Nacional de Justiça, a mediação surgiu nos Estados Unidos,
no final da década de 1970.

A pesquisa do CNJ ainda revela que o movimento criado na América do Norte


influenciou o legislador brasileiro. Quase 20 anos depois, a conciliação foi reconhecida
como uma alternativa para a solução de controvérsias prevista pela Lei dos Juizados
Especiais (Lei 9.099/95), mas só com o Marco Legal da Mediação o procedimento teve
grande destaque — afinal, tornou-se obrigatório na fase pré-processual. Apesar de
ser uma conquista significativa no cenário jurídico, a mediação e os outros métodos
autocompositivos ainda têm desafios pela frente.

Primeiramente, é preciso ter em mente que para consolidar a mediação é


necessário uma mudança cultural, e isso pode levar anos para que realmente ocorra.
Há um grande esforço por parte do CNJ e, até mesmo, de personalidades jurídicas ao
incentivarem o uso e disseminarem os métodos autocompositivos. Em 2020, quando
ocorreu o início da pandemia do coronavírus, as vias alternativas ganharam destaque
novamente. O então vice-presidente do STF, ministro Luís Fux, recomendou que as
empresas solucionassem os transtornos gerados durante o surto de coronavírus fora
dos tribunais de Justiça.

A sugestão do ministro é válida, tendo em vista que mais de 75,4 milhões


de processos aguardam uma decisão no Poder Judiciário. Outro ponto importante
para análise na recomendação do ministro é que sabiamente ele não indicou a
mediação judicial, pois o intuito do procedimento é garantir agilidade nas tratativas,
ou seja, os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) ficariam
sobrecarregados com a enxurrada de ações. Diante desse cenário, é importante
destacar a atuação das câmaras privadas de conciliação e mediação, que atuam como
um braço para o Poder Judiciário, que não tem capacidade para dar vazão ao grande
volume de ações.

63
Para consolidar a mediação no Brasil é necessário realizar uma força-tarefa entre
empresas privadas, advogados e sociedade. As instituições privadas podem utilizar a
mediação de maneira preventiva, evitando o surgimento de novos processos judiciais,
ou para finalizar ações que estão em tramitação, reduzindo o número de causas que
estão na fila aguardando uma decisão. Como consequência, as empresas terão redução
de custos (já que as lides possuem dispêndios), celeridade (o acordo extrajudicial pode
ser realizado em até uma semana), confidencialidade (o procedimento é totalmente
sigiloso), imagem positiva no mercado (já que oferecerá aos clientes solução rápida e
que realmente atenda a necessidade do consumidor) e redução do desgaste emocional.

Já os advogados são peças fundamentais no processo de difusão dos


métodos autocompositivos. Além de esclarecer questões jurídicas, esse profissional
deve apresentar a melhor solução para os clientes. Lembrando que o advogado não
será prejudicado em relação ao pagamento dos honorários e nem perderá mercado ao
incentivar um acordo extrajudicial conforme dispõe o Código de Ética da OAB em seu
artigo 48, parágrafo 5º: "É vedada, em qualquer hipótese, a diminuição dos honorários
contratados em decorrência da solução do litígio por qualquer mecanismo adequado
de solução extrajudicial". Cabe à sociedade estar mais aberta às negociações e mais
atenta ao uso adequado do Poder Judiciário. Afinal, existem causas que precisam de
mais atenção dos magistrados, como os casos de trabalho análogo à escravidão, por
exemplo.

Respondendo ao questionamento que está no título do presente artigo,


a mediação está avançando no Brasil. Algumas empresas estão reconhecendo
os benefícios da via alternativa, buscando incluir o procedimento para melhorar a
experiência do usuário e contribuindo com as boas práticas jurídicas atuando assim
como empresa amiga da Justiça. Contudo, é necessário gerar mais debates, trocas de
experiências e buscar referências, inclusive internacionais, para aperfeiçoar a mediação
no país.

QUEIROZ, M. Afinal, a mediação deu certo no Brasil? Revista


Consultor Jurídico, São Paulo, 29 de março de 2022.
Disponível em: https://bit.ly/3V9ZiBc Acesso em: 31 ago.
2022.

64
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu:

• A negociação, a conciliação e a mediação são procedimentos que se consolidam


na resolução pacífica e no consenso entre as partes envolvidas em determinado
conflito, restando, ao final da demanda, duas partes satisfeitas com o resultado
obtido, extinguindo, dessa forma, a manutenção das adversidades originárias.

• A aplicabilidade da negociação via mediação, bem como da conciliação, sob o


enfoque do Novo Código de Processo Civil, da Lei de Mediação e da Resolução nº
125 do CNJ, na solução de conflitos juridicamente tutelados, judicializados ou não.

• As possibilidades de aplicação das técnicas de negociação, mediação e conciliação


no âmbito da esfera pública e sobre a autocomposição de conflitos em que for parte
pessoa jurídica de Direito Público.

• As propostas do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) são arrojadas e


atualizadas, pois alteram não apenas o rito processual, como também a forma de
compreender as características do próprio conflito.

65
AUTOATIVIDADE
1 Analise a seguinte situação hipotética: Janete, 33 anos, trabalhava como garçonete
na Casa Noturna “No Stress”, sendo dispensada sem motivo justificado pelo
proprietário Rui. Muito contrariada com a situação, Janete propôs uma ação em face
de Rui, deixando de declarar na petição inicial se pretendia ou não que fosse realizada
audiência de conciliação ou sessão de mediação. Recebendo a inicial, o juiz da causa
determinou a referida audiência conciliatória, dando ciência às partes. Rui respondeu
ao juízo manifestando interesse na audiência, enquanto Janete, mesmo devidamente
notificada, nada respondeu. Na data aprazada para a audiência de conciliação,
somente Rui, o réu, marcou presença. Considerando a situação hipotética descrita,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Diante da ausência de Janete à audiência de conciliação, as argumentações


trazidas por Rui serão tidas como verdadeiras.
b) ( ) O não comparecimento da parte autora enseja a extinção imediata do processo,
sem resolução de mérito.
c) ( ) O não comparecimento de Janete e a ausência de justificativa plausível ensejam
multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa.
d) ( ) O ordenamento jurídico brasileiro deixou de prever quaisquer consequências
pelo não comparecimento da parte autora à audiência de conciliação ou sessão
de mediação.

2 A negociação, a mediação, a conciliação e a arbitragem são métodos alternativos


de resolução de controvérsias e conflitos, muito utilizados nas demandas entre
particulares. Com base nas definições de cada um desses métodos, analise as
sentenças a seguir:

I- Quando a conciliação e a mediação não são capazes de solucionar o conflito, a


escolha pela arbitragem é obrigatória, ainda que o árbitro não tenha poder de
decisão.
II- Na audiência de conciliação, é atribuição e dever do conciliador apresentar soluções,
sendo elas impositivas para ambas as partes.
III- De forma oposta ao que ocorre na conciliação, na mediação não existe o sacrifício
dos interesses das partes, mas, sim, a criação de benefícios mútuos.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

66
3 Considerando o que prescreve o ordenamento jurídico brasileiro, a mediação pode
ser empregada nas controvérsias e conflitos que versem sobre direitos disponíveis
e/ou sobre aqueles direitos indisponíveis passíveis de transação. De acordo com as
disposições gerais da mediação, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para
as falsas:

( ) Na mediação judicial, toda pessoa capaz, que tenha confiança de ambas as partes e
que seja graduada em Direito há pelo menos dois anos, poder atuar como mediador.
( ) Na mediação extrajudicial, o início do procedimento pode se dar a partir de um
convite da parte interessada à outra parte, que deverá ser respondido no prazo de
30 dias.
( ) Em existindo a celebração de acordo entre as partes, decorrente de procedimento
de mediação, será elaborado um título executivo extrajudicial.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – V.
d) ( ) F – F – V.

4 O Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM – selecionou dez discussões que


estarão em pauta no cotidiano de técnicos, mediadores, negociadores e advogados
que militam no Direito de Família ao longo de 2022. Dentre as tendências, destacam-
se: convivência familiar e o uso das ferramentas tecnológicas; união estável virtual;
proteção à infância e à adolescência; herança digital; lei da alienação parental, dentre
outras. Disserte sobre as ações de família e suas principais características, tendo
como foco os métodos autocompositivos.

Fonte:10 TENDÊNCIAS do Direito das Famílias e Sucessões


para 2022. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Belo
Horizonte, 12 jan. 2022. Disponível em: https://ibdfam.org.br/
noticias/9252. Acesso em: 31 ago. 2022.

5 O Código de Processo Civil de 2015 trouxe a previsão de utilização dos métodos


autocompositivos no âmbito da esfera pública, consoante disposição do artigo 174. A
Lei nº 13.140/2015 (Lei de Mediação), por sua vez, prevê a autocomposição de conflitos
em que for parte pessoa jurídica de direito público, consoante disposição do artigo 32 e
seguintes. Nesse contexto, disserte sobre a inclusão do Estado no âmbito das soluções
pacíficas de conflitos.

67
REFERÊNCIAS
10 TENDÊNCIAS do Direito das Famílias e Sucessões para 2022. Instituto Brasileiro
de Direito de Família. Belo Horizonte, 12 jan. 2022. Disponível em: https://ibdfam.org.
br/noticias/9252 Acesso em: 31 ago. 2022.

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Estudos-em-Arbitragem--Media--o-e-Negocia--o3.pdf Acesso em: 9 ago. 2022.

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BRASIL. Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre a instituição dos


Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Disponível em:
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setembro de 1996, e a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, para ampliar o âmbito
de aplicação da arbitragem e dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes
recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem,
a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta
arbitral e a sentença arbitral, e revoga dispositivos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro
de 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/
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TARTUCE, F. Mediação nos conflitos civis. 2. ed. atual. e amp. São Paulo: Gen,
Método, 2015.

YARN, D. E. Dictionary of Conflict Resolution. São Francisco: Ed. Jossey Bass Inc,
1999.

71
72
UNIDADE 2 —

TÉCNICAS DE NEGOCIAÇÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer os aspectos gerais, conceitos e elementos envolvidos no processo de


negociação;

• compreender a dinâmica do processo de negociação, princípios e técnicas;

• compreender as objeções do processo de negociação na mediação de conflitos;

• avaliar a questão da concessão quando necessário;

• analisar a teoria da negociação, da mediação, da conciliação e da arbitragem;

• rever os subsídios referentes à ética e a etiqueta na negociação.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – NEGOCIAÇÃO COMO PROCESSO

TÓPICO 2 – NEGOCIAÇÃO COMO PROCESSO DA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

TÓPICO 3 – NEGOCIAÇÃO, MEDIAÇÃO, CONCILIAÇÃO E ARBITRAGEM

TÓPICO 4 – ÉTICA E ETIQUETA NA NEGOCIAÇÃO

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UNIDADE 2!

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UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
NEGOCIAÇÃO COMO PROCESSO

1 INTRODUÇÃO
Ao longo da história, vemos que a questão do conflito foi assumindo
novas formas. Remontando a nossos ancestrais nômades, temos que os conflitos
eram mediados por lideranças comunitárias e, em geral, vigorava a ideia do que
fosse melhor para a coletividade, em detrimento do interesse particular.

Após a Revolução Agrícola, na qual foram desenvolvidas técnicas


de agricultura e pecuária, os indivíduos passaram a se estabelecer em um
determinado local, fazendo com que os mais fortes e mais hábeis acumulassem
terras e animais. Na dinâmica de acúmulo, passaram a escravizar outras
comunidades para maior crescimento patrimonial.

A dinâmica patrimonialista prossegue e ganha mais espaço com o


desenvolvimento do comércio e a posterior Revolução Industrial, quando se
observa a crescente concentração das pessoas nas cidades. Essa dinâmica
gerou relações interpessoais cada vez mais complexas e conflituosas que
preponderam ainda hoje.

O conflito, entretanto, não deve ser visto como algo negativo, uma vez
que é próprio do ser humano e nos faz observar um objeto sob diferentes facetas.
Assim, ao contrário do que se supunha em momentos pretéritos, a paz não está
alicerçada na inexistência de conflitos, mas na forma de lidar adequadamente
com essa condição existente. A falta de conflitos, essa sim, pode ser considerada
socialmente preocupante.

A partir do momento em que compreendemos a essencialidade e a


inevitabilidade do conflito, passamos a desenvolver soluções autocompositivas.
Por outro lado, ao tratarmos o conflito como um confronto, no qual a outra parte
passa a ser vista como inimigo ou adversário a ser combatido, a tendência é que
seja tratado com resistência.

Desse modo, considerando que o conflito é inerente às relações humanas,


é preciso compreender o conceito de negociação e toda processualística
pertinente a essa dinâmica. Assim, no presente tópico, vamos estudar o
conceito de negociação, seus elementos e etapas.

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2 MÉTODO DE NEGOCIAÇÃO DE HARVARD
Viver em sociedade é diariamente ser confrontado com situações de
conflitos intrapessoais (nos quais o indivíduo vivencia uma oposição interna
entre agir de uma ou de outra forma) e interpessoais (quando a controvérsia
ocorre entre duas ou mais pessoas).

Os conflitos interpessoais são próprios do ser humano, haja vista a


multiplicidade de necessidades e desejos que alimentamos e a realidade
segundo a qual, por vezes, a satisfação dos anseios de uma pessoa implica na
insatisfação da demanda do outro indivíduo.

Segundo Jandt (1984), o conflito possui as seguintes funções:

• estabelecer os limites dos grupos na medida em que fortalece a coesão e


a separatividade;
• reduzir a tensão e permitir a manutenção da interação social sob pressão;
• clarear objetivos;
• ensejar o estabelecimento de normas;
• evitar que as relações se acomodem e resultem em subordinação ao invés
de entendimento.

Todavia, inobstante seja uma realidade natural e até mesmo esperada,


o que se tem visto é a contínua transformação do conflito em situações de
confronto, nas quais preponderam a agressão, a animosidade e a violência. Daí a
necessidade de serem desenvolvidos mecanismos aptos à gestão de conflitos,
como a negociação.

Podemos entender conflito como oposição de ideias, de opiniões ou de


interesses. Percebe-se que na conceituação de conflito não existe a perspectiva
de certo ou errado, mas de posições diferentes sobre um mesmo objeto, seja ele
um bem, um evento ou uma ideologia. O conflito, portanto, não é nada além de
uma manifestação natural que envolve diferentes interesses e posições.

INTERESSANTE
Qual a diferença entre conflito e confronto?
O historiador e filósofo Leandro Karnal reflete sobre os dois conceitos,
demonstrando que o conflito é algo esperado e até mesmo desejado, uma
vez que, ao contrário do confronto, permite a troca de ideias e mesmo, em
maior escala, a manutenção da democracia.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HbQ23ZeH8Fo. Acesso
em: 27 set. 2022.

76
Em face dessas situações de conflito, todos os dias e em diferentes contextos
somos impelidos a fazer negociações que abrangem desde anseios aparentemente
simples, vinculados aos contextos familiares e de amizade, até âmbitos mais complexos
e de maior repercussão, como as negociações governamentais internacionais. Daí a
importância de se desenvolver o autodesenvolvimento em negociação. É nessa linha
que Dias, Duzert e Loés (2021, p. 48807) afirmam que “a negociação é um processo
de interação social dinâmico e muito importante para a evolução do ser humano, pois
implica em solução de controvérsias por meios pacíficos e de não-agressão”.

Pinho e Mazzola (2022, p. 81), de outra parte, defendem que:

A negociação tem como principais vantagens evitar as incertezas e os


custos de um processo judicial, privilegiando uma resolução pessoal,
discreta, rápida e, dentro do possível, preservando o relacionamento
entre as partes envolvidas, o que é extremamente útil, sobretudo em
se tratando de negociação comercial.

É nesse sentido que diferentes estudos e metodologias são desenvolvidas


acerca da negociação. Nesse ponto, podemos destacar o Projeto (ou Método) de
Negociação de Harvard, também denominado Harvard Negotiation Project (HNP), de
1979, da Universidade de Harvard e desenvolvida por William Ury, Roger Fisher e Bruce
Patton. Fruto do estudo, foi editado o livro Getting a Yes. Em português, Como Chegar
ao Sim.

Nele, os autores descrevem um método de negociação, baseado em princípios,


e que pode ser utilizado em diversas situações. Defendem que, ao focar nos princípios
estabelecidos, referem-se aos méritos e benefícios mútuos como forma de alcançar
uma solução de conflito. Cada um desses princípios, por sua vez, toca em um ponto
fundamental, conforme indicado no Quadro 1:

Quadro 1 – Pontos e princípios do método de negociação de Harvard

Fonte: adaptado de Dini e Venturin (2021)

Do Quadro 1, podemos extrair que cada um dos pontos fundamentais de uma


negociação (pessoas, interesses, opções e critérios) tem correspondência em um
princípio básico que deve ser observado durante o processo.

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Sobre o Método de Harvard, Silva (2022, p. 145) define que a negociação
“consiste em decidir questões a partir de seus méritos, procurando benefícios mútuos,
baseado em padrões objetivos, concebida para chegar a um acordo quando se têm
alguns interesses em comum e outros opostos”.

Lagrasta (2022, p.65), por sua vez, destaca:

A chamada negociação por princípios, cooperativa ou colaborativa


é o modelo proposto pelo Program on Negotiation da Universidade
de Harvard e que busca a negociação não nas posições, mas nos
reais interesses das partes (interesses subjacentes às posições que
são declaradas), sendo o processo tratado como uma experiência
colaborativa para a obtenção da solução de uma questão comum.
Aqui, portanto, o enfoque é outro, ou seja, o problema não é visto
como de uma ou de outra parte, mas de ambas, podendo elas, juntas,
resolvê-lo de uma forma que seja mutuamente satisfatória.

Ainda sobre o Método de Harvard, Sousa (2021, p. 52) explica:

O propósito do Projeto de Negociação de Harvard é oferecer uma


alternativa à barganha por posições, incentivando um método capaz
de produzir resultados duradouros e coerentes com os desejos
de cada parte, resolvendo, na medida do possível, os conflitos de
interesses e preservando o relacionamento.
Nesse contexto, surge o mecanismo de negociação por princípios.
Segundo Fisher, Ury e Patton (2005), o método se traduz em uma
oportunidade de solucionar o conflito a partir dos seus méritos, não
se atentando às possíveis concessões que cada parte está disposta
a fazer.
Dessa forma, são explorados benefícios que favoreçam a todos com
base em padrões objetivos e justos, desprezando o uso de truques.
Valoriza-se a rigidez para lidar com o método e a suavidade para lidar
com os personagens. O negociador, portanto, deve ser duro com o
problema e afável com as pessoas (FISHER, URY, PATTON, 2005). Com
este intuito, desenvolveram-se quatro diretrizes para a realização
do método: separar as pessoas dos problemas; concentrar-se nos
interesses e não nas posições; inventar opções de ganhos mútuos e
insistir em critérios objetivos de negociação.

Em análise aos princípios propriamente ditos, vemos que o primeiro deles,


deve-se separar os envolvidos do problema, indica que as partes devem atuar de forma
conjunta em busca de uma solução satisfatória a todos. Assim, devem se ocupar em
atacar o problema e não uns aos outros. Diga-se, aliás, que esse princípio possui um
especial relevo na medida em que por vezes a negociação recai em um contexto de
continuidade de relações, as quais precisam ser preservadas.

O segundo princípio define que é necessário foco nos interesses das partes e
não em seus posicionamentos. Isso significa que se deve ter em mente o que realmente
importa, o que efetivamente é relevante na mesa de negociações, sem que os
envolvidos se percam defendendo posições pessoais ou sentimentos de vitória. Assim,
por exemplo, no caso de um negócio empresarial de grande relevo, o mais importante é
manter a continuidade do empreendimento, ainda que com menos lucro.
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O terceiro princípio destaca a relevância de refletir sobre possibilidades de
ganhos mútuos. Dini e Venturin (2021, p. 5) assinalam que “o pensamento comum de que
na negociação alguém sempre sairá perdendo e alguém ganhando, não é considerado
válido nesse modelo”. Ou seja, durante o processo de negociação será preciso buscar
soluções que conciliem os interesses inicialmente contrapostos de modo que todos
“saiam ganhando”. Assim, ainda no contexto empresarial, por vezes é possível pensar
em uma forma de exploração empresarial que favoreça ambas as organizações, como a
definição de saídas recíprocas em localidades diferentes, por exemplo.

O quarto princípio aponta a necessidade de utilização de critérios


majoritariamente objetivos. Desse modo, no acordo devem ser utilizados critérios como
valor de mercado, opinião de especialista, costumes ou lei (SILVA, 2020). Isso evita que
a negociação fique baseada exclusivamente na vontade das partes.

Para além dos princípios, são enumerados elementos e fases do processo de


negociação, os quais necessitam ser conhecidos e observados para que seja alcançado
um acordo exitoso a todos os envolvidos.

3 ELEMENTOS DA NEGOCIAÇÃO
Diversos autores indicam sete elementos que, bem compreendidos e colocados
em prática, resultarão em um processo de negociação eficiente. São eles: comunicação;
relacionamento; interesses; criatividade; possibilidades; persuasão e compromisso. A
seguir trataremos individualmente de cada um deles

3.1 COMUNICAÇÃO
A comunicação, em suas mais diferentes formas, é elemento essencial à
negociação, uma vez ser por meio dela que os envolvidos trocarão ideias, expressarão
seus interesses e buscarão uma solução apta a satisfazer seus anseios.

Sobre os objetivos da comunicação na negociação, Mourão et al (2014, p. 86)


explicam:

Ora, considerando que na negociação o alvo não é convencer o


outro de que ele está equivocado, mas sim construir em conjunto
uma solução para a controvérsia que viabilize o atendimento dos
interesses das partes, a comunicação deve objetivar:
a) ouvir e compreender as necessidades e demandas da outra parte;
b) evidenciar à outra parte os ganhos que esta pode obter caso
realize o acordo;
c) apresentar as concessões que se requer para que a outra parte
também receba concessões;
d) esclarecer dúvidas ou mal-entendidos.

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Todavia, apesar da aparente simplicidade, a comunicação precisa ser efetiva, de
modo que todos os envolvidos ouçam e sejam ouvidos. Assim, por exemplo, é comum
que, durante uma mesa de negociação, várias pessoas falem ao mesmo tempo, no
intuito de fazer-se ouvir e acreditando alcançar o objetivo. Entretanto, em verdade, o
que está ocorrendo é apenas perda de tempo e de energia.

Lessa, Manzur e Oliveira (2014, p.39) afirmam que no processo de negociação,


a comunicação:

(...) pode ser verbal ou não verbal, e sua manifestação pode ocorrer
inclusive na forma escrita, não havendo necessidade de ‘olho no
olho1. Contudo, é necessário que todas as partes expressem, de
um modo ou de outro (e preferencialmente de maneira clara), seus
interesses e objetivos sob pena de, não o fazendo, macular todo o
processo e afetar negativamente os resultados.

Gunther, Machado e Medrado (2019, p. 3) ponderam que a comunicação no


contexto da negociação funciona também como um meio de respeito a valores e
princípios:

Impõe destacar-se que a negociação proporciona o conhecimento de


diferentes percepções da realidade; abre-se o viés da comunicação
por todos os ângulos, de forma a garantir que todas as partes
exponham suas opiniões e demonstrem seus comportamentos,
notando-se que o método de Harvard garante que tal negociação seja
realizada respeitando valores e princípios, os quais são primordiais
em garantir a solução pacífica dos conflitos.

De outra face, tão improdutivo quanto vários envolvidos se expressarem


ao mesmo tempo é o caso de nenhum deles se manifestar. Nesse caso, é preciso
compreender o que está ensejando essa não comunicação e buscar ultrapassá-la.

A comunicação satisfatória impõe que, de um lado, as próprias vontades sejam


expressas e compreendidas e, de outro, haja a escuta ativa dos anseios dos demais
envolvidos, bem como de suas proposições. E isso implica em afastar-se de problemas
alheios à mesa de negociação de forma a dedicar total atenção ao que está sendo posto.

3.2 RELACIONAMENTO
O relacionamento, em conjunto com a comunicação, compõe o que se
convencionou chamar “portas de entrada da negociação” (MOURÃO et al, 2014).

Cada pessoa é única e, portanto, possui um modo específico de reagir em uma


dada situação, seja ela de cunho afetivo ou de conflito. Tal fato é natural e decorre
de seu histórico pessoal e aos seus relacionamentos de forma geral. Segundo Batista
(2020, p.62), é essencial saber respeitar as diferenças:

80
É crucial que as pessoas aprendam a lidar com as diferenças que
existem entre ambas, para que, finalmente, sejam capazes de tomar
decisões que somarão de forma positiva na busca por soluções que
assistirá a ambos os envolvidos no conflito. Afinal, ninguém é obrigado
a concordar com a opinião alheia, todavia, tem o dever moral e ético
de respeitá-la. Ademais, para que as pessoas saibam lidar com os
conflitos, primeiramente, tem que aprender a lidar com as diferenças.

Ainda em relação às diferenças, Britto (2011, p.25), afirma:

Mesmo se uma negociação estiver reduzida a uma só coisa que duas


pessoas desejarem possuir, o que para cada pessoa é importante
sobre essa coisa, ou ‘para que’ da coisa, seus interesses, não sua
posição, são geralmente diferentes.

Nesse ponto, é fundamental que o negociador seja capaz de separar as pessoas


dos problemas. Embora pareça algo simples, na prática vemos que muitas vezes eles
se confundem a ponto de compreender-se o outro envolvido como o próprio problema.
Assim, torna-se necessário “abolir de qualquer negociação o hábito de fazer acusações
pessoais, pois se trata de perda de tempo e gasto inútil de energia” (MARASCHIN, 2017,
p. 15).

Daí dizer-se que o processo de negociação perpassa pela necessidade de


reconhecimento e respeito às diferenças de forma e possibilitar um relacionamento
efetivo entre as partes, visto que a mera presença e diálogo não efetivo são insuficientes
para tal finalidade.

3.3 INTERESSES
Durante a negociação, é imprescindível que os envolvidos foquem nos interesses
postos à mesa. Essa medida fará com que evitem resistências pouco produtivas,
animosidades e caprichos das mais diversas ordens que possam inviabilizar o acordo,
como assinala Britto (2011, p. 24):

Mesmo dentro de um caos social que pareça demandar decisões


críticas imediatas, mantenha sempre sua perspectiva durante as
negociações. Não se obstine em obter um centavo a mais porque
pode perder de vista os pontos centrais da negociação, os que são
importantes para você. Pense sempre: Como vai ficar isto daqui a um
ano?

Assim, cientes dos interesses em debates, os envolvidos precisam focar em


alcançar o melhor acordo possível, independente de um sentimento pouco fecundo de
“ganhar ou perder” ou mesmo de irredutibilidade em determinada posição.

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Pelo segundo princípio, é preciso focar no que se quer de fato, e não nos
posicionamentos inicialmente externados. Maraschin (2017, p. 15) traz à baila um
exemplo que bem elucida essa questão:

Um exemplo bastante conhecido, provavelmente abordado pela


primeira vez no Curso do Projeto de Negociação de Harvard é a
disputa de duas crianças por uma única laranja. Imagine que duas
crianças estavam brigando há horas para ter a única laranja que havia
em casa. A mãe, que não aguentava mais a briga, resolveu solucionar
a questão da forma mais justa que ela entendia ser possível, sem
questionar nada as filhas. Em sendo assim, a mãe simplesmente
dividiu a laranja ao meio, dando metade para cada uma das filhas.
Essa, de fato, é a solução mais óbvia, que aparentemente parece ser
a mais correta e que a maioria das pessoas tomaria. Entretanto, mais
tarde se descobriu o quanto essa solução era insatisfatória e não
resolvia o problema de nenhuma das filhas, pois uma filha queria a
laranja para fazer suco e a outra queria apenas a casca para brincar.

Ademais, é importante que os interessados estejam atentos para observar os


alvos das outras partes, inclusive aqueles que possivelmente não tenham sido postos
expressamente, mas que venham a ser captados nas entrelinhas dos discursos.

3.4 CRIATIVIDADE
Em consonância com o princípio que aponta a necessidade de “gerar
possibilidades de ganhos mútuos”, o elemento da criatividade funciona para que sejam
buscadas novas possibilidades de solução que atendam a ambas as partes.

Durante todo processo de negociação serão apresentadas pelas


partes inúmeras propostas, visando à solução da contenda, todavia,
tais propostas podem ou não ser aceitas pela outra parte. No
entanto, quando não são aceitas, geralmente, ensejam desacordos
e, em alguns casos, conduz a um espiral de conflitos, a depender da
proposta e da forma que foi apresentada.
Nesse momento, o negociador deve manter a calma e a serenidade,
respeitando o ponto de vista de cada um dos envolvidos na
negociação. Outrossim, deve ser criativo e trazer a pauta outras
possíveis alternativas, primando sempre, por apresentar propostas
que assistirão a todos de forma igualitária e benéfica, cujo pilar de
sustentação esteja firmado – em ganhos mútuos (BATISTA, 2020, p.
62).

Assim, as partes, atentas aos interesses envolvidos, devem se permitir refletir


sobre novos caminhos e novas soluções, independentes das que foram pensadas
anteriormente, e concretizando o que se convencionou chamar de negociação
criativa. Ressaltamos que esse elemento requer um desapego dos negociadores, pois
devem se permitir pensar além dos caminhos óbvios.

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3.5 POSSIBILIDADES
Com o uso da criatividade na busca por soluções, são trazidas diferentes
possibilidades para a mesa de negociação. Isto é, não apenas um caminho a ser
descortinado, mas outros que possam ser trilhados na busca pelo acordo, conforme
destaca Batista (2020, p.63):

Diante disso, nota-se a importância das partes agirem em cooperação,


apresentando várias possibilidades para solucionar o litígio, pois
é impossível se alcançar um acordo sem trazer ao bojo da reunião,
alternativas criativas que assistirão aos interesses dos envolvidos na
negociação de forma equânime. Assim, quanto mais opções, maiores
as chances de um desfecho positivo.

Os litigantes devem, já no início das negociações, trazer alternativas para a


solução da demanda, além de, no curso do processo, estarem abertos à visualização de
novas formas que surjam das tratativas.

3.6 PERSUASÃO
Por meio da persuasão, uma parte muda de posicionamento por realmente
acreditar que essa nova perspectiva é mais adequada. Sobre o elemento da persuasão,
Batista (2020, p. 63) explicita:

A persuasão traz em si a chance de mudar a opinião do receptor sem


que ele seja contrariado, porém existem duas maneiras de aplicá-
la: podendo ser de forma explícita e implícita, mais conhecida como
subliminar. A primeira modalidade ocorre quando são utilizados
mecanismos claros para dizer algo. Já a persuasão implícita sugere
a ideia e o receptor é levado a segui-la sem haver nenhum tipo
de bloqueio mental. Segundo o parecer de Oliveira, essas duas
formas de persuasão são muito utilizadas em diferentes tipos de
relacionamento interpessoal, bem como na negociação, todavia,
ainda são poucas as pessoas que estão preparadas para perceber
essa forma de influência.

Ressaltamos, entretanto, que ser persuasivo não é agir de modo impositivo


ou antiético. Ao contrário. A boa manifestação dos argumentos, de forma expressa ou
implícita, leva o ouvinte a acolher o sistema de ideias proposto.

3.7 COMPROMISSO
É importante lembrar que a negociação não é um fim em si mesmo, mas, em
verdade, um meio para se alcançar determinado objetivo.

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Em sendo assim, o processo apenas termina quando as partes cumprirem o
acordado. E, para tanto, é necessário que firmem um contrato e/ou termo de acordo
no qual estabeleçam o que ficou ajustado, bem como possíveis prazos, como assinala
Batista (2020, p.63):

O processo de negociação não se finda com a celebração de um


acordo, visto que tal procedimento somente estará concretizado,
quando for cumprido o compromisso firmado pelas partes naquela
ocasião. Para tanto, o instrumento mais utilizado é o contrato e/
ou termo de acordo. Nesse espeque, os envolvidos na negociação
devem ter muito critério em relação à apresentação de propostas,
buscando com isso facilitar não apenas a aceitação da outra parte
para o fechamento de um acordo, mas também o cumprimento do
compromisso ora firmado entre ambas.

Tem-se, portanto, que as partes devem firmar um acordo inteligível e


documentado, de modo que não se torne apenas palavras soltas e sem exigibilidade.

4 ETAPAS DA NEGOCIAÇÃO E SUA IMPORTÂNCIA


A negociação é um processo e, como tal, composta por várias etapas. Segundo
Acuff (2004), as etapas das negociações são: orientação e pesquisa; resistência;
reformulação das estratégias; discussões difíceis e tomada de decisões; acordo;
seguimento.

De outra parte, o Manual de Mediação de Conflitos para advogados traz o


seguinte delineamento:

As fases da negociação podem ser definidas como: preparação,


compreendendo o conhecimento e a definição da própria posição
e dos objetivos a serem alcançados; desenvolvimento, em que
ocorrem a programação da agenda e a formulação de propostas,
concessões e soluções alternativas; desfecho, que pode resultar em
acordo, interrupção temporária ou término da negociação. (ENAN,
2014, p. 28).

Já Batista (2020) e Gunther, Machado e Medrado (2019), com base no Método


de Negociação de Harvard, definem que a negociação é composta por cinco fases:

• preparação;
• criação;
• negociação;
• fechamento;
• reconstrução das relações.

E é partindo dessa definição que trataremos separadamente cada uma das


etapas da negociação, abordando suas particularidades e pontos essenciais.

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4.1 PREPARAÇÃO
A Preparação é a etapa na qual os interessados, ainda individualmente, elaboram
e refletem sobre seus interesses. Brito (2011, p. 22) pondera que:

Para o bom negociador, a negociação começa muito antes de se


‘sentar à mesa’. É necessário planejamento, identificação de objetivos
e muito estudo a respeito dos fatores envolvidos na negociação:
• Com quem negociaremos;
• Detalhes do que será negociado;
• Qual a melhor opção caso não haja acordo;
• Qual seu preço de reserva para um acordo (ex. preço máximo no
caso de uma compra e preço mínimo no caso de uma venda).

Em caso de empresas, é importante que o negociador tenha poder de decisão e


esteja ciente dos interesses envolvidos, do que é primordial e de todo histórico envolvido
ao longo do conflito.

A etapa de preparação, por sua vez, passa por diferentes facetas, sobre as quais
nos debruçaremos a seguir.

4.1.1 Levantamento de interesses


A negociação é, por essência, uma troca de interesses (BATISTA, 2020). Isto é,
as partes apenas chegarão a uma mesa de negociação por não conseguirem sozinhas
alcançar o bem desejado. Caso contrário, não existiria razão para a negociação.

Daí ser fundamental que, durante a fase da preparação, cada parte reflita sobre
o que está em questão e o que efetivamente almeja, bem como sobre os objetivos da
parte contraposta. A partir dessa primeira análise, poderá visualizar quais interesses
são negociáveis e quais não está disposta a abrir mão. Mourão et al (2014, p. 108) assim
destacam a questão dos interesses dentro da negociação:

O interesse é, em linhas gerais, o real motivo que leva o negociador


à mesa de negociação. Identificar seus próprios interesses e os da
outra parte é, talvez, o que há de mais importante, e também mais
difícil, em uma negociação. Note-se que interesses não são as
meras posições assumidas pelas partes. As posições são facilmente
identificáveis e apresentadas pelas partes(…).Ter a clareza dos
interesses em jogo propicia ao negociador ainda a manutenção
do foco nos objetivos da negociação. E aqui, mais uma vez, o fator
humano se mostra relevante e influente: será que o real objetivo de
determinada negociação é ‘ganhar do outro’ ou o negociador está,
simplesmente, viciado nessa visão, nessa forma de proceder? Nunca
é demais lembrar que negociar não significa necessariamente ficar em
uma posição de vantagem sobre o outro, mas satisfazer interesses.

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Filardi e Murad (2015, p. 82) explicam sobre a importância de definir previamente
uma hierarquia entre os interesses em disputa:

É importante que você determine a hierarquia de seus interesses,


lembrando que existem diversas formas de criar uma escala de
valores para determinar o que você deve exigir e o que pode ceder
durante a negociação. Nesse momento, vale lembrar que, se você
não puder determinar quais objetivos são essenciais, terá poucas
opções na hora de ajustar os interesses para fechar os acordos
cabíveis. Sendo assim, tente identificar o que é:
• Indispensável: elementos da negociação que você precisa exigir
para que o acordo final seja adequado e você não tenha prejuízo.
Em alguns casos, fazemos projetos em que trabalhamos pelos
nossos custos para abrir um novo cliente ou mercado. O interesse
está no médio e no longo prazo.
• Importante: aspectos que aumentarão seu lucro, reduzirão
os riscos ou reforçarão sua posição estratégica. Apesar disso,
você pode abrir mão desses tópicos sem que o projeto seja
inviabilizado.
• Útil: pontos da negociação que permitem certa margem na hora
de fazer uma concessão. Podem ser questões relativas a preços,
prazos, quantidades, equipes, certificações ou quaisquer outros
aspectos que façam parte da negociação.

Ao ter em mente que a negociação foca em interesses e não em posições


ou opiniões pessoais, bem como reconhecendo seus próprios anseios e os da parte
contrária, é possível estabelecer estratégias mais adequadas e eficientes à controvérsia.

4.1.2 MASA e ZOPA


A doutrina denomina “Masa” como a “Melhor Alternativa Sem Acordo” e “Zopa”
como a “Zona Possível de Acordo”. Esses conceitos são relevantes no campo da
negociação na medida em que demonstram o melhor cenário sem acordo, bem como o
que efetivamente pode ser ajustado.

Partindo de tais conceitos, antes de chegar à mesa de negociação, as partes


devem conseguir identificar a Masa e a Zopa de ambos os negociantes, bem como se
o acordo deve ou não ser firmado. Vejamos, por exemplo, que sem acordo determinada
parte consegue 50% dos seus interesses (Masa), a negociação apenas fará sentido
se oportunizar que alcance percentual maior. Tratando especificamente sobre a Zopa,
segue a lição de Weyne (2019, p. 112).

A margem de negociação é uma baliza existente entre o valor de


reserva (mínimo) e o valor desejado (ideal), se for considerado
valor monetário para um acordo. Cada uma das partes fixa seus
parâmetros e a zona possível de acordo (Zopa) é a intercessão entre
a margem do devedor e a do comprador. Desta maneira, é importante
que as partes sejam instruídas a estabelecer seus parâmetros, para
que seja produtivo o momento das tratativas. Quanto mais avançado

86
e acolhedor é o diálogo entre as partes envolvidas, mais visível fica
a zona possível, o que aumentará a possibilidade de êxito (WEYNE,
2019, p. 112).

Definida a Masa, passa a ser possível traçar a Zopa, a qual traz em si o “valor de
reserva”, isto é, “o limite de valor aceitável para fechar o acordo” (BATISTA, 2020, p. 66).

Assim, considera-se fundamental que o negociador esteja ciente do que de


fato almeja com aquela negociação e a razão pela qual quer alcançar tal objetivo. Essa
análise, por si só, permitirá que, mesmo nessa etapa inicial, consiga-se vislumbrar o que
será essencial (mínimo aceitável) mesmo antes de chegar à mesa de negociação.

4.1.3 Informação
É nessa fase que se busca conhecer a outra parte negocial, usando, para tanto,
desde análises documentais a pesquisas de campo, de forma a buscar o máximo de
informações sobre necessidades, desejos e potencial de negociação. Isso porque,
conhecendo a outra parte negocial, será possível estabelecer parâmetros de metas e
possíveis pontos de equilíbrio. Lembremos sempre que improviso e negociação não
combinam!

Dentro da negociação a informação representa uma parte essencial,


pois:
• O lado mais informado terá melhor resultado;
• Prepare-se com antecedência, tendo consciência que a outra
parte omitira informações no processo de negociação (BRITO,
2011, p. 23).

Apesar de ser própria da etapa de preparação, essa faceta deve ser mantida
durante todo o processo, inclusive quando na mesa de negociações e após firmado
o acordo. Isso porque permitirá, por meio da escuta ativa e da observação constante,
não apenas reconhecer o oponente negocial, mas demonstrar empatia e respeito aos
envolvidos.

4.1.4 Opções e Comunicação


Com base nos interesses levantados, na Masa, na Zopa e no conjunto de
informações obtidas, os envolvidos devem seguir para o estudo das opções existentes,
as quais devem estar alinhadas aos interesses de ambas as partes. Essa etapa está
estreitamente relacionada aos elementos criatividade e possibilidades.

87
Também é importante estar preparado para a forma de comunicação de suas
ideias e intenções, trazendo fundamentos claros e objetivos, mas não deixando que a
negociação se encaminhe para um campo de batalhas.

Brito (2011, p. 22) aponta que “ter um roteiro é um passo importante na


organização das ideias, para definir como você pretende desenvolver sua negociação,
facilitando a fluência e a concisão das informações, evitando falar desnecessariamente”.

Além disso, é relevante que as partes estejam preparadas para um debate


dialético, no qual ambas possam expor seus anseios, mas também ouçam as expectativas
e fundamentos da parte contrária.

4.2 CRIAÇÃO
Nessa fase, os envolvidos manifestam seus interesses, bem como escutam
as demandas da outra parte. Para tanto, é necessário que fiquem claras as próprias
motivações – a razão pela qual tem interesse no bem envolvido –, assim como o
processo de escuta ativa, no qual deve-se estar aberto para ouvir e buscar compreender
os interesses e as motivações do outro.

Além disso, é nessa etapa que existe a chamada criação de valor, por meio
do qual busca-se ampliar as vantagens do que está em jogo para só após ocorrer a
distribuição. Nesse sentido, Maraschin (2017, p.14) explica:

Busca-se, com esse método, criar mais valor antes de distribuir


tais valores entre as partes envolvidas no processo de negociação.
Utiliza-se, metaforicamente, a imagem de um bolo e se afirma que
se deve aumentar o bolo para só então cortá-lo e distribuí-lo. Assim,
quanto maior o bolo, maior a possibilidade de satisfação entre os
participantes e maior a chance de se chegar a um acordo.

Para que a negociação se desenvolva, as partes devem visar a cooperação e


o ideal de ganho mútuo, utilizando, para tanto, o contato empático e respeitoso, bem
como a busca por soluções criativas benéficas a ambas. Batista (2020) defende que,
para que a negociação produza bons frutos, é preciso observar alguns requisitos, dentre
os quais, interesses comuns e ganhos mútuos, que analisaremos a seguir.

4.2.1 Interesses comuns


Durante o processo de negociação, é importante que os envolvidos sintam que
o problema é comum a ambos, de forma que descubram o que interessa ao “Nós”. Assim,
ao se sentirem parte do problema, perceberão serem igualmente partes da solução.

88
Isso porque “na medida em que as partes estejam envolvidas não só no conflito,
mas também na sua solução, há maior probabilidade de que o compromisso de ambos
os lados em relação ao quanto acordado acomode melhor os anseios dos interessados”
(MOURÃO et al, 2014, p. 51). Com essa linha de raciocínio, a solução do problema passa
a ser prioridade de todos os envolvidos.

Vejamos que ao focar nos interesses, existe uma maior margem de negociação
entre as partes e, por consequência, maior probabilidade de chegar a um termo
satisfatório a todos. Daí dizer-se que com essa abordagem existe a priorização dos
interesses envolvidos e não das posições dos negociadores. Vejamos um exemplo: Caio
quer ser sócio da empresa Alfa (foco no interesse). Caio quer ter 50% da empresa Alfa
(foco na posição).

4.2.2 Ganhos mútuos


Como o próprio nome permite antever, a chamada abordagem de Ganhos Mútuos
foca em encontrar um ponto no qual todas as partes saiam ganhando, isto é, alcancem
seus objetivos e, ao mesmo tempo, mantenham entre si um bom relacionamento.

Guilherme (2022, p. 99) aponta que “é muito comum que as partes envolvidas em
uma negociação acreditem que haja uma única alternativa para a resolução do entrave
e trafegam somente nessa direção ou, no mínimo, com isso como pano de fundo”, e
que tal posicionamento decorre de fatores como acomodação, falta de criatividade para
buscar outras opções e inexistência do hábito de procurar soluções distintas.

Por outro lado, quanto mais as partes se abrem para novos caminhos e
enxergam as demandas dos demais envolvidos como pontos que também merecem
ser satisfeitos, mais rápido e efetivo será o futuro acordo. Nessa perspectiva mais uma
vez nos defrontamos com os elementos criatividade e possibilidades, os quais são
fundamentais para possibilitar que todos “saiam ganhando”.

4.3 NEGOCIAÇÃO
Nessa fase, começa o ocorrer o que se chama de “Distribuição de valor”, ou seja,
são escolhidos os caminhos que levarão à construção da solução do litígio, “é hora de
partilhar o que foi construído e satisfazer de forma efetiva os interesses de cada um dos
envolvidos na negociação” (BATISTA, 2020, p. 69).

Essa etapa é decorrência lógica da etapa anterior e depende do êxito na


realização daquela. Isto significa que, caso a etapa da Criação tenha atingido os
resultados esperados, as partes estarão em sinergia e abertas a encontrar um ponto

89
comum benéfico a ambas, no qual cada uma ceda um pouco em favor da outra (trade-
of). Terão em mente que o bom acordo é aquele em que cada um perde um pouco e
todos ganham.

Nessa ordem de ideias, as partes efetivamente constroem pontes e definem o


termo final da avença.

Lessa, Manzur e Oliveira (2014) defendem que a negociação possui diferentes


finalidades. A primeira delas é evitar problemas. Isto é, mesmo antes da existência de
um conflito, mas vislumbrando que ele pode se concretizar, parte-se para a negociação
como uma forma de alinhamento. Pensemos em um exemplo de vizinhos, no qual um
deles gosta de ouvir música alta no domingo pela manhã, enquanto o outro prefere
dormir até mais tarde. Vislumbrando o potencial problema, formulam um horário ou um
limite de som que atenda a ambos.

A segunda finalidade é a mais típica, e a ideia é solucionar problemas. Aqui,


o problema já existe e gera a necessidade de que haja uma disposição para resolvê-lo.
Pensando no exemplo anterior, o problema do barulho no domingo pela manhã já existe,
e enquanto um deles coloca o som alto bem cedo, o outro não está conseguindo dormir
o tempo desejado. Nesse contexto, caso o vizinho que gosta de dormir um pouco mais
contacte o outro, será para resolver o incômodo já existente.

Outra finalidade é evitar a instalação de conflitos. Em tal hipótese, o que


se prevê é que quando há um “choque de interesses de diferentes partes acerca do
domínio de um ou mais objetos, temos o potencial de conflito" (LESSA, MANZUR e
OLIVEIRA, 2014, p. 64-65). Os autores exemplificam com um caso fictício no qual um
determinado governo, objetivando o desenvolvimento de uma região, incentiva a
instalação de indústrias potencialmente geradoras de emprego. Ocorre que a instalação
perto de um rio da região poderá ser prejudicial aos interesses econômicos de outro
cidade próxima. Assim, vislumbrando o futuro conflito sobre o domínio da região, busca
efetivar a negociação.

A quarta finalidade é evitar a escalada de conflito entre diferentes partes.


Isso significa que o objetivo da negociação será evitar o agravamento de um conflito já
existente. Isto é, "deverá servir para satisfazer ao interesse de partes conflitantes em
ter domínio para si e/ou seus pares de um ou mais objetos (materiais ou imateriais)"
(LESSA, MANZUR e OLIVEIRA, 2014, p.68).

Remontando ao exemplo anterior, caso a negociação prévia não tivesse ocorrido,


após a instalação de parte das indústrias seria devido recorrer à negociação para que a
situação não se agravasse com a implantação de outras ou com a seleção por indústrias
de um ramo específico.

90
Por fim, a quinta finalidade da negociação é satisfazer aos interesses
comuns entre duas ou mais partes que queiram ou precisem interagir para alcançar
objetivos comuns. Nesse caso, diferentemente dos anteriores, não existe um conflito,
mas uma convergência de interesses. "A negociação, portanto, é um instrumento de que
se utilizam as partes para chegarem a um caminho consensual, ao alcance de objetivos
não conflitantes, haja vista interesses partilhados. Muitas vezes, é preciso negociar para
permitir ou alcançar um bem maior" (LESSA, MANZUR e OLIVEIRA, 2014, p.69).

Como exemplo, podemos pensar o caso em que a instalação de indústrias em


determinada região é benéfica a dois municípios limítrofes. Todavia, por questões de
logística (baixa qualidade das estradas, falta de incentivos fiscais etc.), a efetiva adesão
das indústrias depende de concessões de ambos os governos. Nesse caso, eles podem
negociar para juntos conseguirem tal objetivo.

4.4 FECHAMENTO
É nessa etapa que o acordo é realmente realizado e o compromisso consolidado.
Portanto, é aqui que é concretizado o acordo propriamente dito. Batista (2020) pondera
que não existe um momento exato para o fechamento, sendo necessária a utilização de
cautelar para que uma possível ansiedade não ponha tudo a perder.

O fechamento de um acordo deve ser tratado com muita cautela para


que a ansiedade não coloque tudo a perder. Todavia, não existe uma
regra que defina a hora ideal de se fechar uma negociação, por isso, as
partes precisam agir com bom senso e ter uma percepção aguçada,
para não jogar fora os avanços auferidos ao longo do percurso.
Nesse espeque, frisa-se que: “Não existe uma regra universal para
decidir quando está na hora de fechar. (…) Se sentir que o outro lado
já esgotou seu limite de concessões, ou que se esvaiu seu limite
de tempo, é melhor encerrar as negociações do que arriscar um
rompimento do processo” (BATISTA, 2020, p. 70).

Assim, é preciso bom senso para providenciar o fechamento do acordo, de


forma a não entrar em uma ciranda infinita de novas possibilidade ou busca por uma
hipótese teoricamente ainda mais vantajosa. Observado o caminhar do processo de
negociação, bem como os demais envolvidos, caso o acordo possível naquele momento
já seja interessante, é prudente encaminhar para o fechamento do que arriscar perder
tudo que fora conseguido.

4.5 RECONSTRUÇÃO DAS RELAÇÕES


O conflito, por si só, é capaz de ocasionar um desgaste nas partes. Pretensões
não reconhecidas e resistidas proporcionam, no mínimo, uma perda de tempo e energia
não desejados.

91
De outra face, o processo de negociação emerge nesse contexto em uma busca
por alinhamento e redução de danos. Assim, importante reconhecer a relevância de
não apenas solucionar a controvérsia, mas também reconstruir relações e o próprio
indivíduo, como ressalta Batista (2020, p.70):

É sabido que em tempos de crise e caos, surgem ainda, mais conflitos


e, por conseguinte, geram inúmeros desgastes nos mais variados
tipos de relacionamentos. No entanto, se forem visualizados sob o
enfoque certo, trará vários benefícios. Nesse sentido, o processo de
negociação, ao longo de todas as fases, visa demonstrar que todo
este trilhar conflituoso, proporcionará: crescimento, amadurecimento,
transformação e uma visão aguçada para enxergar novas
oportunidades. Desse modo, durante as tratativas, o negociador com
muita habilidade e técnica, precisa inserir essa verdade nas partes.
Nessa linha de atuação, o negociador além de buscar reestabelecer o
respeito, a comunicação produtiva e a empatia, entre outros fatores,
também poderá criar com essa prática um canal de abertura para
futuras negociações entre as partes. Ademais, no decorrer das
tratativas, a busca pela reconstrução da relação entre as partes,
somará de forma positiva para que os envolvidos na lide cumpram
o compromisso firmado, visto que a negociação somente será
consolidada, mediante o cumprimento do acordo celebrado entre as
partes (BATISTA, 2020, p. 70).

A negociação, portanto, deve ir além do objetivo de pôr termo ao conflito. Deve


cuidar também de reestabelecer relações, tanto em prol do convívio pós-processo,
como visando evitar futuros conflitos ou oportunizar futuras novas negociações.

92
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• O conflito é inerente ao convívio social, haja vista a multiplicidade de necessidades


e desejos humanos cuja satisfação, por vezes, implica na insatisfação da demanda
do outro indivíduo.

• Conflito e confronto não se confundem. Ao passo que o primeiro pode ser entendido
como oposição de ideias, de opiniões ou de interesses, sem a perspectiva de certo
ou errado, no segundo, a outra parte passa a ser vista como inimiga ou adversária a
ser combatido, emergindo violência e animosidade.

• O conflito possui como funções: a) estabelecer os limites dos grupos na medida


em que fortalece a coesão e a separatividade; b) reduzir a tensão e permitir a
manutenção da interação social sob pressão; c) clarear objetivos; d) ensejar o
estabelecimento de normas; e) evitar que as relações se acomodem e resultem em
subordinação ao invés de entendimento.

• O Método de Negociação de Harvard é um estudo sobre negociação baseado em


quatro princípios, cada um deles vinculado a um ponto fundamental da negociação:
a) separar os envolvidos do problema (pessoas); b) Focar nos interesses das partes
e não em seus posicionamentos (interesses); c) Gerar possibilidades de ganhos
mútuos (opções); d) Usar critérios majoritariamente objetivos (critérios).

• A negociação possui sete elementos que, se bem compreendidos e colocados


em prática, resultarão em um processo de negociação eficiente: comunicação;
relacionamento; interesses; criatividade; possibilidades; persuasão e compromisso.

• A negociação é um processo e, com base no Método de Negociação de Harvard,


é considerada composta por cinco fases: preparação; criação; negociação;
fechamento; e reconstrução das relações.

93
AUTOATIVIDADE
1 “Estratégias de negociação são técnicas que facilitam o acordo entre as partes.
Uma das estratégias de negociação mais famosas é o método feito pelo Harvard
Negotiation Project, que sugere procurar por ganhos mútuos sempre que possível,
sendo duro nos méritos da negociação, mas suave com pessoas”.

Fonte: LENZI, M. Estratégias de negociação: como Harvard


ensina a alcançar melhores resultados. Resultados Digitais.
27 nov. 2018. Disponível em https://bit.ly/3yDajRZ. Acesso
em: 20 ago. 2022.

Considerando os elementos da negociação baseados no Método de Negociação de


Harvard, classifique V para as alternativas verdadeiras e F para as falsas:

( ) O processo de negociação deve considerar as particularidades da parte, uma vez


que cada ser humano é único e reage a uma determina situação conforme sua
história de vida e de relacionamentos
( ) A persuasão é um meio antiético de negociar, posto que uma parte impõe suas
próprias convicções e anseios
( ) O processo de negociação prescinde da firmação de um compromisso no qual se
estabeleçam os termos do acordo.
( ) O Projeto de Negociação de Harvard é fundado em princípios previamente
estabelecidos, dentre os quais pode-se citar o que indica a geração de possibilidade
de ganhos mútuos.

a) ( ) V – F – F – V.
b) ( ) V – F – V – V.
c) ( ) F–V–F–F
d) ( ) F–F–V–F

2 A negociação é entendida como um processo e, como tal, é naturalmente composta


por diferentes etapas encadeadas, cada uma com uma finalidade específica na busca
pelo bom acordo. Destarte, sobre as etapas da negociação, assinale a alternativa
INCORRETA:

a) ( ) Na fase da preparação, cada parte busca conhecer o histórico do conflito, os


valores e interesses envolvidos, bem como definir o “mínimo aceitável”.
b) ( ) Durante a criação, podem ser encontradas e propostas novas formas de solução
que atendem a ambas as partes.
c) ( ) É na distribuição de valor que os litigantes efetivamente constroem a solução,
cada um cedendo em parte de seus interesses em favor de um ponto comum
satisfatório a ambos.

94
d) ( ) A negociação finda quando o acordo é firmado, não cabendo novas intervenções
após a assinatura do documento.

3 A doutrina elenca meios judiciais e extrajudiciais de solução de conflitos. Os primeiros


implicam na submissão da controvérsia a um juiz legalmente integrante do Poder
Judiciário. Os segundos dispensam essa submissão, ainda que, em alguns casos,
conte com a participação de um terceiro imparcial. Uma das formas de solução
extrajudicial de conflitos é a negociação. Considerando os conceitos de conflito e
negociação, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Conflito difere de confronto, pois, enquanto o primeiro é próprio da vida em


sociedade e tenha aspectos positivos, no segundo preponderam contextos de
agressão e animosidade.
( ) O conflito não possui aspectos positivos, devendo ser sempre evitado.
( ) Todos os dias os indivíduos estão submetidos a contextos de negociação, seja
em relações simples e íntimas, como contextos familiares, seja em cenários mais
complexos, como profissionais e governamentais.
( ) Na negociação, as partes não recorrem à participação de um terceiro imparcial,
devendo elas mesmas chegarem a um acordo satisfatório a ambas.

a) ( ) V – F – F – V.
b) ( ) V – F – V – V.
c) ( ) F–V–F–F
d) ( ) F–F–V–F

4 O processo de negociação possui uma sequência de etapas, cada uma delas com
uma finalidade específica. Nesse contexto, antes de chegar à mesa de negociação,
as partes devem cumprir a fase de preparação, a qual, como o próprio nome indica,
prepara os negociadores. Considerando isso, disserte sobre a etapa de preparação da
negociação.

5 Durante a etapa da criação, os envolvidos buscam encontrar o melhor acordo possível


frente às diferentes vontades existentes, devendo, entretanto, observar determinados
requisitos. Em tal cenário, disserte sobre esses requisitos.

95
96
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
NEGOCIAÇÃO COMO PROCESSO DA MEDIAÇÃO
DE CONFLITOS

1 INTRODUÇÃO
Em que pese a mediação não possuir uma ritualística rigorosa – o que leva a
ser caracterizada como um processo informal – é necessário que o mediador utilize
uma ordem lógica e propícia à finalidade do processo. Nessa linha, antes e durante a
intervenção do mediador, é natural e oportuno o fomento à negociação entre as partes.

Assim, por vezes, inobstante já presentes em um cenário de mediação, as


partes estão propícias a negociar, inclusive com propostas viáveis. É importante que o
mediador esteja atento a esses movimentos de forma a incentivar que os interessados
negociem e, por si sós, consigam pôr termo à controvérsia.

É necessário sempre ter em mente que a solução proposta pelas próprias partes
tende a ser a melhor, já que, ninguém mais que os próprios envolvidos sabem o que
realmente os interessa e como melhor podem adequar suas vontades. E, conforme já
visto, a negociação é o meio pelo qual as próprias partes chegam a esse acordo.

2 ESCOLAS DE MEDIAÇÃO
Mediação é um dos métodos de solução extrajudicial de conflitos que, assim
como a conciliação e a arbitragem, conta com a participação de um terceiro imparcial.
Barbosa (2015, p. 41 apud WEYNE, 2019, p. 107) leciona sobre o método da mediação:

A mediação é um método fundamentado teórica e tecnicamente, por meio


do qual uma terceira pessoa, neutra e especialmente treinada, ensina os mediandos
a despertarem seus recursos pessoais para que consigam transformar o conflito
em oportunidades de construção de outras alternativas, para o enfrentamento ou
a prevenção do conflito. O mediador não decide pelos mediandos, já que a essência
dessa dinâmica é permitir que as partes envolvidas em conflito ou impasses resgatem a
responsabilidade por suas próprias escolhas.

No campo da mediação, existem diferentes escolas com características


específicas e dentre as quais podemos destacar a mediação facilitativa (também
conhecida como linear, tradicional ou de Harvard), a mediação avaliativa, a mediação
transformativa e a mediação circular-narrativa.

97
Sobre as escolas de mediação, Sousa (2021, p. 49) expõe:

Os modelos de mediação conhecidos pela doutrina, também chamados de


escolas de mediação, consistem em ferramentas e recursos utilizados pelos mediadores
para facilitar o diálogo entre os envolvidos, organizando as sessões com o objetivo de
reduzir as falhas comunicativas e aprimorar a participação de todos na busca de uma
solução para o problema, desvendando os seus verdadeiros interesses.

Na mediação facilitativa, o mediador não emite opiniões e apenas ajuda as


partes a alcançarem seus objetivos por meio de um acordo sólido e duradouro. A ideia,
nesse tipo de técnica, é que as partes podem chegar a um acordo se tiverem informação,
tempo e apoio suficientes, cabendo ao terceiro apenas facilitar que esses elementos
estejam presentes durante o processo.

A mediação avaliativa exige uma postura mais ativa e incisiva do mediador,


podendo, inclusive, fazer sugestões. Assim é que se aponta que “quando a discussão
trata do aspecto negocial e empresarial, por vezes os mediandos optam mais pela
mediação, pois que já buscam análises de peritos e observações mais técnicas; daí as
sugestões do conciliador serem mais bem aceitas” (GUILHERME, 2022, p. 117).

Já na mediação transformativa, não existem regras preestabelecidas, possuindo


as partes, total liberdade durante o processo. Nesse caso, as partes são especialmente
protagonistas da mediação. O mediador basicamente trabalha na melhor elucidação do
contexto.

Por fim, a medicação circular-narrativa “busca desconstruir a relação das


partes para em seguida construí-la novamente” (GUILHERME, 2022, p. 119). Ou seja,
objetiva desfazer as narrativas inaugurais e, sobre elas, construir uma nova relação sem
a existência da controvérsia, cabendo aos mediados apontarem caminhos alternativos.

Em todas essas modalidades de mediação, mas, especialmente no contexto da


mediação facilitativa, quando o mediador assume uma postura mais tímida diante dos
envolvidos, o fomento à negociação emerge como uma possibilidade real. Seria o que
se pode chamar de negociação assistida:

A negociação é o primeiro método de solução de um conflito que deveria ser


buscado, pois nele as próprias partes envolvidas chegam a uma solução, sem que
seja necessária a intervenção de um terceiro facilitador, podendo, entretanto, contar
com o auxílio de profissional especialmente capacitado para o desenvolvimento de
negociações (negociação assistida) (LAGRASTA, 2022, p.63).

Ressalta-se que “a escolha da mediação na verdade depende da natureza


do conflito, assim como da realidade socioeconômica e cultural dos envolvidos”
(GUILHERME, 2022, p. 116), sendo possível, inclusive que, a depender do desenrolar do
processo, ocorra uma alteração do modelo inicialmente selecionado.

98
3 TEORIA DA ANÁLISE TRANSACIONAL
Essa teoria parte da ideia de que todos possuímos em nossa essência uma
limitação para compreender a possibilidade de harmonia entre os homens, uma vez
que, ainda crianças, fomos contaminados pela incapacidade de viver sem o auxílio
autoritário dos adultos. Todavia, ainda nesse cenário, aprendizado e vida em sociedade
fazem o contraponto que nos permite um relacionamento potencialmente harmônico
antes da instalação dos conflitos (SOUSA, 2019).

Inicialmente direcionada para as práticas psiquiátricas, a Teoria da Análise


Transacional passou a ser utilizada no âmbito organizacional e em diversos outros
setores da vida, como o educacional e familiar, assim como pode funcionar para
evidenciar o que está por trás dos comportamentos e diálogos difíceis numa sessão de
mediação (BEZERRA, ROSENBLUTH; MEDEIROS, 2022; SOUSA, 2019).

Segundo Bezerra, Rosenblutb e Medeiros (2022), há estudos que apontam como


objetivos dessa teoria principalmente: tornar mais acessíveis os conceitos da Psicologia
e facilitar as soluções de conflitos de relacionamento com as pessoas.

Dessa forma, a depender da vivência familiar, dos reforços positivos e negativos


que recebemos, bem como do convívio social, forjaríamos nosso comportamento, o
qual, em princípio pode variar sob três feições chamadas estados do ego: “pai”, “adulto”
e “criança”. Tais comportamentos podem ir se alterando em curtos espaços de tempo e
podem ser observados inclusive em uma mesa de negociações.

INTERESSANTE
O que é Análise Transacional?
Por meio de uma curta animação, são explicados os conceitos básicos dessa
teoria, o que pode servir consideravelmente para compreender as partes
em um processo de negociação. Acompanhe, acessando o link a seguir:
https://www.youtube.com/watch?v=CwocxtK08qw. Acesso em: 28 set. 2022.

Assim, podemos indicar como premissas da Teoria da Análise Transacional na


negociação:

• As pessoas, por natureza, têm potencial de estar bem, integrado com suas
potencialidades e dificuldades).
• Durante a vida, especialmente na infância, talhamos nosso comportamento (estados
do ego), os quais se alternam no correr da vida, inclusive em curtos momentos.
• Na mesa de negociações, diante da situação de conflito, esse estado do ego é
especialmente relevante.

99
Ao tratar da negociação dentro do processo de mediação, Sousa (2019, p. 1)
aborda que, com base na Análise Transacional, durante o processo de negociação é
necessário reconhecer “qual o estado de ego que está operando no início da transação,
e qual estado de ego o interlocutor responde, de tal modo que se consegue intervir
interrompendo uma conversa desgastante, e desenvolvendo a qualidade e eficácia da
comunicação”.

Ao assumir o perfil “criança”, o negociador externa posturas infantis, com mimos


e birras. Quer atender à sua demanda a qualquer preço, especialmente não fazendo
concessões. Sousa (2019, p. 1) aponta que esse é “aquele tipo de pessoa, participante
numa sessão de mediação, que berra e dá socos na mesa, ameaçando a outra parte, ou
mesmo intimidando o mediador”.

De outra parte, ao assumir uma postura autoritária e exigente, o negociador


estaria se portando como a figura do “pai”. Ocorre que, ao assumir esse perfil, ainda que
de forma intuitiva, o interlocutor esteja sob o perfil “criança”. Isso porque, provavelmente
replicando uma conduta anteriormente vivenciada e observada em seus pais, avós,
professores etc., entende que na comunicação é necessária a existência do binômio
dominante e dominado.

Por fim, pode assumir o perfil “adulto”, no qual demonstra equilíbrio e maturidade,
além do espírito cooperativo necessário a uma bem-sucedida negociação. Um traço
característico presente nesse estado de ego é a reciprocidade, isto é, as partes são
vistas e consideradas em igualdade, pressuposto que não é observado nos estados de
ego anteriores.

Vejamos que esses perfis influenciam fortemente o processo. Enquanto o perfil


“criança” terá como objetivo principal saciar sua demanda independentemente dos
anseios alheios, o perfil “pai” reclamará um respeito e uma consideração diferenciados
e possivelmente maiores que o direcionado aos demais envolvidos no processo. O perfil
“adulto”, por sua vez, é o mais propício a uma negociação de sucesso, já que terá uma
posição mais harmônica com os princípios da negociação.

Ao mediador é imprescindível verificar essas facetas e, caso necessário, buscar


transmudá-las para o perfil adulto, de forma a ocasionar o bom desfecho do processo.

4 LIDANDO COM AS OBJEÇÕES


Em um processo de mediação difícil, o mediador deverá dispor de vários
elementos para criar um ambiente adequado à solução da controvérsia. Nessa ordem
de ideias, Souza (2021, p. 48-19) ressalta que “(...) para que a construção do acordo seja
saudável e frutífera, o mediador precisa dominar técnicas de negociação e estar atento
para atitudes que possam prejudicar o desenvolvimento do compromisso”. Para tanto, é
imperioso o fomento à comunicação efetiva e organizada.

100
Souza (2019, p. 2) exemplifica alguns casos de discursos ásperos que dificultam
o processo e, portanto, precisam ser evitados:

Cita-se aqui o princípio do ‘Não rejeite... Reformule!’. Uma forma de


organizar a discussão entre as partes, e quando possível, ensiná-los
a gerenciar seus conflitos em situações em que percebem-se ou
percebam posturas inflexíveis, a exemplo das seguintes posições:
‘Não aceito um corte inferior a dez por cento’ - impoluto; ‘Não quero
lhe criar problemas, mas...’ - ameaças; ‘Já comuniquei aos outros
chefes do departamento que você concorda’ - fato consumado.

Esse tipo de comunicação deve ser evitado, visto que pode dificultar o processo
de administração do conflito. Ao mediador, portanto, cabe buscar a reformulação do
cenário impositivo para um contexto de moldura positiva.

Essa transformação pode vir por meio de posturas simples, como a inclusão
das chamadas perguntas abertas, as quais oportunizam respostas mais detalhadas e
reflexivas dos envolvidos. Vejamos alguns exemplos:

I - Se você resolvesse este conflito hoje, qual seria a sua sensação


de satisfação?
II - Queremos todos encontrar uma solução adequada para as
partes, correto? Mas seria proveitoso, nesta sessão entender um
pouco mais as suas necessidades. Vocês podem explicar com mais
detalhes?
III - Como podem decidir juntos as questões que atenderiam as
partes em suas vontades e interesses possíveis?
IV - Na opinião de vocês, quais as principais vantagens deste
acordo?
V - Estou certo de que as partes compreenderam a importância
do que trouxeram nesta mesa de mediação, correto? Imaginem-
se, cada um, conquistando a paz e estabilidade após o acordo
definitivo. Qual seria a sua satisfação? (SOUZA, 2019, p. 2).

A oitiva mútua e que ultrapassa a simples defesa de posições é essencial para


a aproximação entre as partes e encontro da solução. Ao mediador, cabe cuidar do
destrave à comunicação das partes.

Além disso, o mediador deve atentar que o perfil para lidar com conflitos de
uma pessoa influencia diretamente o resultado de uma negociação. Desse modo,
deve observar o perfil de cada um de forma a vencer os entraves de uma negociação
difícil. Sobre o tema, é apontada a existência de quatro estilos, quais sejam: catalizador,
controlador, apoiador e analítico, cada um com suas próprias características positivas e
negativas, conforme podemos ver no Quadro 2:

101
Quadro 2 – Estilos de negociador

Fonte: adaptado de Sousa (2019)

O estilo catalizador demonstra-se agradável e interessante, de modo que


consegue atrair e persuadir por meio de ideias criativas. De outra face, no entanto, tende
a exagerar em suas colocações e afirmações, bem como a não cumprir o que promete.

O estilo controlador, por sua vez, tem como marcas a autoconfiança e a


eficiência. Assim, tende a ser diretivo, objetivo, rápido e energético durante o processo
de negociação. Por outro lado, tende a ser intolerante, arrogante e prepotente, de modo
que chega à impaciência e à insensibilidade para pôr termo à controvérsia.

O estilo apoiador gosta de amparar as partes e demonstrar-se como alguém


leal e de confiança. Desse modo, tende a ser cordial, ponderado e paciente durante a
negociação. Entretanto, na ânsia de agradar, pode apresentar resistência passiva, evitar
a manifestação ou mesmo fechar um acordo, mas não cumpri-lo.

O estilo analítico, de sua parte, possui alta capacidade crítica e objetiva a


perfeição. Desse modo, tende a ser preciso e organizado. Todavia, costuma esconder
informações relevantes em busca desse “acordo perfeito”, e pode se mostrar teimoso e
evasivo.

É preciso destacar que a preponderância de um perfil não implica a inexistência


de características de outro em uma mesma pessoa. Em verdade, trata-se, basicamente
de seus traços principais em uma mesa de negociação. E conhecendo os traços
positivos e negativos de cada perfil, é mais fácil compreender e superar as dificuldades
que surgem durante o processo.

102
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• Existem diferentes escolas de mediação, dentre as quais podemos destacar a


mediação facilitativa (também conhecida como linear, tradicional ou de Harvard),
a mediação avaliativa, a mediação transformativa e a mediação circular-narrativa.

• A Teoria da Análise Transacional defende que, a depender da vivência familiar, dos


reforços positivos e negativos que recebemos, bem como do convívio social, o ser
humano molda três feições, chamadas estados do ego, quais sejam: “pai”, “adulto”
e “criança”.

• O perfil “criança” terá como objetivo principal saciar sua demanda independentemente
dos anseios alheiros, o perfil “pai” reclamará um respeito e uma consideração
diferenciados e possivelmente maiores que o direcionado aos demais envolvidos
no processo, e o perfil “adulto” terá uma posição mais harmônica com os princípios
da negociação.

• Identificar qual estado do ego está operando em cada envolvido é relevante, pois
clarificará as posturas de cada um no curso do processo, bem como permitirá uma
intervenção efetiva por parte do mediador.

• Ao lidar com objeções, o mediador poderá fazer uso de elementos próprios da


negociação, como a comunicação efetiva e a observância dos estilos de cada parte.

• São indicados quatro tipos de negociador, cada um com pontos positivos e negativos
externados durante um processo de negociação. São eles: catalizador, controlador,
apoiador e analítico.

• O estilo catalizador é criativo e persuasivo, apesar de superficial, exclusivo e


impulsivo. Tende a exagerar em suas colocações e afirmações, bem como a não
cumprir o que promete.

• O estilo controlador é diretivo, objetivo, rápido e enérgico. Entretanto, tende


à intolerância, arrogância e prepotência, além de chegar à impaciência e à
insensibilidade para efetivação do acordo.

• O estilo apoiador é cordial, ponderado e paciente. Todavia, tende à dissimulação,


especialmente por querer agradar em demasia. E, pela mesma razão, pode evitar a
manifestação ou mesmo fechar um acordo, mas não o cumprir.

103
• O estilo analítico é preciso e organizado. De outra parte, tende à teimosia e
comportamento evasivo. Além disso, pode esconder informações relevantes em
busca de um acordo que entenda perfeito.

104
AUTOATIVIDADE
1 Os meios extrajudiciais de solução de disputas são uma forma eficaz, voluntária e
menos dispendiosa de resolver um conflito. Assim, ao invés de submeter-se a um
processo judicial longo e dispendioso, as partes em conflitos podem recorrer a
métodos como a mediação. Assim, acerca das escolas de mediação, classifique V
para as alternativas verdadeiras e F para as falsas:

( ) A mediação facilita parte da premissa que as partes podem chegar a um acordo se


tiverem informação, tempo e apoio suficientes, cabendo ao terceiro apenas facilitar
que esses elementos estejam presentes durante o processo.
( ) A mediação avaliativa costuma ser mais utilizada quando em demandas negociais
e empresariais, já que o negociador apresentará uma postura mais tímida e
conservadora.
( ) A mediação transformativa é o modelo no qual as partes possuem maior liberdade
durante o processo, cabendo ao mediador, basicamente, elucidar questões.
( ) A mediação circular-narrativa objetiva desconstituir as narrativas inaugurais e,
sobre elas, construir uma nova relação sem a existência da controvérsia.

a) ( ) V – F – F – V.
b) ( ) V – F – V – V.
c) ( ) F–V–F–F
d) ( ) F–F–V–F

2 “O principal objetivo da Análise Transacional é estudar e analisar o relacionamento,


sentimento e comportamento das pessoas em relação as outras, ou seja, seus
envolvimentos interpessoais. (...) Essa é uma das estratégias mais eficientes na
busca pelo autoconhecimento e também pelo entendimento que temos sobre os
nossos relacionamentos dentro do contexto organizacional”.

FONTE: ANÁLISE Transacional: entenda o que é e a sua


importância. Amilton Almeida. Paraná. Disponível em https://
bit.ly/3RwoU85. Acesso em 21 ago. 2022).

Com relação à Teoria da Análise Transacional, assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) A Teoria da Análise Transacional defende que existem três feições chamadas


estados do ego: pai, adulto e criança, cada uma delas com características
específicas.
b) ( ) Para o sucesso de um processo de mediação, o mediador deve observar qual
estado do ego prepondera em cada uma das partes e incentivar a transmudação
para a feição “adulto”.

105
c) ( ) Possui como objetivos tornar mais acessíveis os conceitos da Psicologia e
facilitar as soluções de conflitos de relacionamento com as pessoas.
d) ( ) Ao assumir o papel “pai”, a parte demonstra equilíbrio e maturidade, além de
espírito cooperativo, sendo esse o perfil ideal em um contexto negocial.

3 Em uma mesa de negociações, é natural e até mesmo esperado que diversas


resistências emergem no curso do processo. Isso decorre do próprio objetivo da
negociação: conciliar interesses inicialmente contrapostos de forma a encontrar uma
solução com ganhos mútuos. Nessa linha, a doutrina indica a existência de diferentes
estilos adotados pelos negociadores. Acerca dos estilos de negociador, classifique V
para as alternativas verdadeiras e F para as falsas:

( ) O estilo catalizador tem como um de seus pontos negativos a superficialidade,


inclusive tendendo a não cumprir o que promete.
( ) O estilo controlador é objetivo e rápido, mas tende a ser arrogante e prepotente.
( ) O estilo apoiador, ainda que haja com cordialidade e paciência, costuma ser teimoso
e impulsivo
( ) O estilo analítico é preciso e organizado, mas pode ser intolerante e dissimulado.

a) ( ) V – F – F – V.
b) ( ) V – F – V – V.
c) ( ) V – V – F – F.
d) ( ) F – F – V – F.

4 A Teoria da Análise Transacional foi criada pelo psiquiatra Eric Berne, no final da década
de 1950 e parte da ideia de que o ser humano nasce apto para a vida social, mas que
assume um comportamento disfuncional a partir de vivências e reforços positivos
e negativos recebidos ainda na infância. Acerca da Teoria da Análise Transacional,
indique os três estados do ego por ela defendidos e como cada um deles pode
emergir durante um processo de negociação.

5 Durante um processo de mediação no qual seja observada a existência de objeções que


estejam por dificultar ou mesmo inviabilizar o futuro acordo, cabe ao mediador dispor de
vários elementos próprios da negociação e que criem um ambiente adequado à solução
da controvérsia. Nessa linha, deverá reconhecer o estilo de cada um dos negociadores,
de modo a fortalecer seus pontos positivos e buscar amenizar os negativos. Diante
do exposto, disserte sobre os diferentes tipos de negociação, realçando seus pontos
positivos e negativos.

106
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
NEGOCIAÇÃO, MEDIAÇÃO,
CONCILIAÇÃO E ARBITRAGEM

1 INTRODUÇÃO
O conflito possui meios judiciais e extrajudiciais para sua solução. Os primeiros,
como a nomenclatura já sinaliza, impõem que a demanda seja levada ao crivo do Poder
Judiciário quando, um juiz, após a oitiva das partes, de testemunhas e a coleta de
provas, decide a quem cabe razão, ou, em outras palavras, o “vencedor” da controvérsia.

O que se observa é que ainda hoje prepondera em nossa cultura a ideia de que
os conflitos, em regra, merecem ser submetidos ao crivo do Poder Judiciário. Ocorre que
o aparelho estatal não está conseguindo atender as demandas de forma a responder
esse anseio social, o que acaba frustrando as expectativas dos cidadãos. Passam a ser
comuns, portanto, reclamações sobre a morosidade do Judiciário.

Em paralelo, é incentivado o uso de meios extrajudiciais de solução de


conflitos, inclusive pelo próprio Poder Público, que, ciente de suas limitações e de sua
responsabilidade social, reconhece que as demandas merecem uma resposta.

Dentre esses meios, emergem prioritariamente a negociação, a mediação,


a conciliação e a arbitragem. Assim, em que pese a doutrina citar a existência de
outros meios de solução extrajudicial de conflitos, considerando a baixa adesão e
representatividade de tais modelos, focaremos nossos estudos nas quatro formas mais
relevantes.

2 MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS


A doutrina elenca meios judiciais e extrajudiciais de solução de conflitos. Os
primeiros implicam na submissão da controvérsia a um juiz legalmente integrante do
Poder Judiciário. Os segundos meios dispensam essa submissão, embora, em alguns
casos, contem com a participação de um terceiro imparcial.

Como já mencionado, ainda hoje, entende-se que, no Brasil, prepondera


uma cultura de judicialização dos conflitos, isto é, de submissão preferencial ao
Poder Judiciário para que decida a controvérsia. Ocorre que mesmo o Poder Público,
ciente de suas limitações face às demandas, tem incentivado a utilização de soluções
extrajudiciais de disputas.

107
Nessa ordem de ideias, constata-se a desproporção entre a oferta de serviços
e a quantidade de conflitos a resolver, gerando uma crise.

Com relação aos meios extrajudiciais de solução de conflitos em face da cultura


de judicialização, Weyne (2019, p. 16) assim se manifesta:

Os meios consensuais mostram-se, ainda, como uma alternativa


de combate à “cultura demandista ou judiciarista que se instalou
na sociedade brasileira, e, segue presente, em boa parte por conta
de uma leitura exarcebada, quiçá ingênua e irrealista da garantia de
acesso à justiça”.

Com relação aos meios extrajudiciais de solução de conflitos em face da cultura


de judicialização, assim se manifesta Mancuso (2009, p. 98 apud Weyne, 2019, p.16):

Os meios consensuais mostram-se, ainda, como uma alternativa


de combate à ‘cultura demandista ou judiciarista que se instalou
na sociedade brasileira, e, segue presente, em boa parte por conta
de uma leitura exarcebada, quiçá ingênua e irrealista da garantia de
acesso à justiça.

Navarro e Lima (2019, p. 171) elucidam a importância de tais instrumentos dentro


no mundo dos negócios:

A necessidade de manejar controvérsias é vital para as cooperativas


e empresários. Quer seja quando planeja o seu negócio ou quando
enfrenta problemas decorrentes da insatisfação de cooperados,
clientela, fornecedores, colaboradores e concorrentes. Em todas as
atividades do desenvolvimento gerencial o empreendedor necessita
cotidianamente negociar, mediar e conciliar, razão pela qual a
administração de controvérsias é indispensável para a sustentação
do negócio. A magia da convivência, os fatores que influenciam os
relacionamentos, as mudanças necessárias que se deve enfrentar, as
percepções de si e do outro e a segurança em saber utilizar técnicas
de comunicação e negociação em equipe não podem ser excluídas
do mundo empresarial, seja ele de que tamanho for.

Dessa maneira, os meios de solução extrajudicial são resolvidos de forma


diversa, sem sua submissão ao Poder Judiciário. Nessa linha, os meios mais comuns
são a negociação, a mediação, a conciliação e a arbitragem, cada uma com suas
peculiaridades, conforme veremos a seguir.

2.1 NEGOCIAÇÃO
“A negociação, entre todos os sistemas alternativos, é o único instituto que não
contém em sua essencialidade o uso de um terceiro, distante das partes litigantes como
ente corroborador com a justiça e com a finalização da lide” (GUILHERME, 2022, p.52).

108
Conforme visto, na negociação as próprias partes envolvidas expõem
suas demandas, debatem possibilidades e chegam a um ponto que seja benéfico a
ambas. Assim, não reclama a participação de terceiros alheios à demanda, cabendo
unicamente às partes envolvidas ajustar seus interesses e definir os termos de solução
da controvérsia. Esse, aliás, é o ponto capital que a distingue das demais formas de
solução extrajudicial de conflitos que veremos a seguir.

INTERESSANTE
A negociação é o único dos meios extrajudiciais de solução de conflitos que
não conta com a participação de um terceiro estranho à controvérsia.

Lessa, Manzur e Oliveira (2014) ponderam que existem várias formas de


classificar a negociação, de acordo com os diferentes formatos que assume, conforme
sistematizado no Quadro 3.

Quadro 3 – Classificações da negociação

Fonte: adaptado de Lessa, Manzur e Oliveira (2014)

De início, pode ser classificada de acordo com a quantidade de partes. Assim,


serão bipartites quando contar com apenas duas partes "disputando o domínio do(s)
mesmo(s) objeto(s) ao mesmo tempo ou procurando alcançar objetivo comum a ambas"
(LESSA, MANZUR e OLIVEIRA, 2014, p.165). Em contraposição às negociações bipartites
estão as pluripartites ou multipartites, quando existem três ou mais envolvidos na
questão.

109
A negociação pode, ainda, ser classificada quanto ao número de objetos
almejados pelas partes. Nesse caso, será considerada unifocal quando existir apenas
um objeto em questão, bifocal quando existirem dois objetos e plurifocal quando
relacionar-se a três ou mais objetos.

Outra modalidade de classificação considera a divisibilidade do objeto em


negociação. Assim, caso possa ser fracionado, repartido, será chamado divisível. Essa
hipótese facilita consideravelmente o processo de negociação, já que, intuitivamente
a controvérsia poderá ser resolvida concedendo a cada uma delas parte do bem em
negociação. De outra lado, será dito indivisível quando apenas puder ser negociado
por inteiro. Nesse último caso, entretanto, embora o objeto não possa ser fracionado, é
possível se pensar em seu uso compartilhado conforme critérios a serem estabelecidos
no curso do processo negocial, como períodos alternados para usufruto.

A negociação pode ser classificada, também, conforme a quantidade de objetivos,


problemas, conflitos ou questões a serem solucionadas. Dessa forma, será considerada
unidimensional quando "se está buscando resolver apenas um litígio específico, ou
um conflito de interesses, um problema, ou ainda quando se quer alcançar somente
um objetivo comum" (LESSA, MANZUR e OLIVEIRA, 2014, p.178). Quando forem dois os
objetivos, teremos a bidimensionalidade. Ademais, quando existir a multiplicidade de
objetos, configura-se a pluridimensionalidade.

A quinta forma de classificação considera o alcance dos objetivos (amplitude


dos resultados). Nessa hipótese, teremos as negociações restritas e as amplas. Nas
primeiras, pelo menos uma das partes têm como resultado o domínio (total ou parcial)
do objeto em discussão. Já as negociações amplas, por sua vez, “têm como resultado o
alcance, por pelo menos uma das partes, do domínio (total ou parcial) do objeto desejado
aliado a benefícios colaterais, que não eram inicialmente objeto de disputa, mas que
emergiram, como benefício, do próprio processo de negociação" (LESSA, MANZUR e
OLIVEIRA, 2014, p.182).

Por fim, tem-se a sexta forma de classificar as negociações, a qual considera a


distribuição dos resultados entre as partes.

Assim, de início, temos as chamadas negociações “ganha-ganha”. Ocorrem


quando todos os envolvidos se sentem satisfeitos com o acordo firmado e saem com a
sensação de vitória. É o modelo ideal tanto por efetivamente extirpar o conflito (todos
“ganharam”) quanto por, considerando a sensação de vitória, ter o acordo naturalmente
respeitado pelas partes. Esse, portanto, pode ser considerado o cenário ideal de
desfecho de um processo de negociação.

De outra parte, existem as negociações “ganha-perde” ou “perde-ganha”. Como


a nomenclatura já nos permite concluir, nessa hipótese uma das partes ganha e sai
plenamente satisfeita em suas ambições, enquanto a outra perde. Vejamos que é da

110
essência da negociação que o acordo seja benéfico a todos e solucione a controvérsia.
Ocorre que, durante o processo de negociação, os próprios envolvidos podem acordar
sobre a maior legitimidade do interesse de um deles e, nesse caso, inobstante uma
parte saia sem o objeto em disputa, terá assentido com essa situação. Esse modelo é o
mais problemático, pois um dos negociadores sai com a sensação de perda, de fracasso
e isso poderá ensejar que descumpra o acordo.

Existem, ainda, as negociações “perde-perde”. Isto é, todas as partes saem


insatisfeitas da mesa de negociação. Lessa, Manzur e Oliveira (2014, p. 185) apontam:

Normalmente, o resultado perde-perde é fruto de um acirramento


de tensões no processo negociatório, as quais levam as partes a um
ponto de não retorno, ou seja, elas não podem mais voltar à situação
do início da negociação, o que resulta muitas vezes em perdas
decorrentes dos desgastes do processo em detrimento dos ganhos
que se esperava obter.

Ainda quanto à distribuição dos resultados, a negociação pode configurar-


se “zero perda e zero ganha”, quando sequer há um resultado ou conclusão. Ou seja,
instala-se um impasse que inviabiliza a continuação do processo, sendo imperativo
interrompê-lo e, eventualmente, recorrer a outros meios de solução com a interveniência
de terceiros, como a mediação ou mesmo o Poder Judiciário.

Além disso, importante registrar, de logo, o ponto fundamental de distinção


entre os institutos da negociação, conciliação, mediação e arbitragem:

Percebe-se, assim, que o traço diferencial entre a negociação, de


um lado, e a conciliação, mediação e arbitragem, de outro, reside
na existência de um terceiro imparcial na segunda situação, seja
ele mediador, conciliador ou árbitro, enquanto a negociação pode
ser realizada pelos próprios interessados. É certo que nos dias é
crescente a contratação de negociadores profissionais, advogados
ou não, mas tais pessoas atuam como representantes dos
interessados ou terceiros interessados em um acordo, portanto,
parciais (MARASCHIN, 2017, p. 17-18).

Assim, a nota distintiva da negociação em face da conciliação, da mediação e


da arbitragem é que nesses três últimos um terceiro imparcial participará, em menor ou
maior grau, da sua solução.

2.2 MEDIAÇÃO
Dentre as formas extrajudiciais de solução de conflitos, a mediação é certamente
a mais utilizada. Isso porque, a depender do momento em que esteja o conflito, as partes
resistem a propor uma negociação (vendo isso até mesmo como um sinal de fraqueza),
ou, quanto à arbitragem, preferem não arcar com o ônus financeiro pertinente.

111
A mediação é um meio extrajudicial de solução de conflitos no qual um terceiro
imparcial e tecnicamente treinado provoca o diálogo entre as partes conflituosas na
busca por um acordo benéfico para todos os envolvidos. Gunther, Machado e Medrado
(2019, p.4) esclarecem:

(...) a mediação é um mecanismo de solução de conflitos em que


um terceiro imparcial e qualificado profissionalmente facilita a
comunicação entre as partes de um litígio, sem propor ou sugerir
a resolução do mérito da demanda, desenvolvendo um diálogo
participativo entre todos, de forma calma e efetiva, buscando a
construção de uma solução satisfatória para as partes.

Para Guilherme (2022, p. 111), mediação “trata-se de um sistema confidencial e


voluntário de gestão de litígio a partir do qual os litigantes se socorrem de um terceiro
que deve atuar de maneira imparcial e independente com o propósito de dirimir o
conflito”.

Na mediação, cada conflito a ser superado é único, com peculiaridades únicas.


Trata-se de um processo particular, informal, pouco dispendioso e voluntário que pode
ser interrompido a qualquer momento pela vontade de uma ou de ambas as partes.

Seu tempo variará conforme o tipo de conflito, sua complexidade, mas,


especialmente, da disposição das partes para comporem uma solução justa e equilibrada
para todos. Além disso, haja vista que os próprios litigantes trabalham para resolver a
controvérsia – tal qual ocorre na negociação –, os efeitos da decisão costumam ser
duradouros. Sousa (2015, p. 54) enumera o contexto no qual a mediação é recomendável:

A mediação é especialmente recomendada para os conflitos


envolvendo partes que têm uma relação continuada entre si,
como vizinhos, condôminos, familiares, sócios de um mesmo
empreendimento, cidadãos e entes públicos, entes públicos entre
si, para citar apenas alguns exemplos. Também é recomendável
para conflitos que exijam, sobretudo, uma solução rápida e que seja
mantida a confidencialidade. A principal diferença da mediação em
relação à decisão judicial é que ela busca a solução do conflito com
os olhos voltados para o futuro, ao passo que o julgamento leva
em conta, normalmente, apenas os fatos passados levantados e
comprovados em juízo.

Vejamos aqui uma nota distintiva da mediação: a existência de uma prévia


relação entre os envolvidos, bem como a provável continuidade desse vínculo. Nessa
ordem de ideias, Weyne (2019, p. 6) reflete a necessária análise da natureza do conflito
para que se opte pela mediação ou conciliação:

Ao tratar-se dos aspectos judiciais, concorda-se que tanto na


conciliação quanto na mediação busca-se um acordo. Neste tema,
cabe ressaltar que parte da doutrina entende que a escolha de
um ou de outro instituto irá decorrer da análise do caso concreto,
ou seja, se o conflito decorrer de elementos predominantemente

112
subjetivos, recomenda-se a mediação, porém, se o litígio for pontual
e esporádico, sem incluir questões pessoais, entende-se que a
conciliação seria a melhor técnica.

Pode ser natural, portanto, que haja uma confusão entre o cabimento da mediação
ou da conciliação. Mas essa desordem será resolvida com a análise da controvérsia.
Dessa maneira, é possível concluir que no caso da existência de relacionamento prévio
e posterior, bem como de subjetivismos sobre a demanda, o meio adequado será a
mediação. Lembrando que por esse modelo, o terceiro apenas facilita o diálogo entre as
partes, fomentando para que encontrarem a solução mais adequada.

A relevância da questão subjetiva é tamanha que Sousa (2021, p. 48), chega


a defender que a finalidade da mediação não é o acordo propriamente dito, mas a
reconstrução das relações:

É necessário frisar que a obtenção do acordo não é o objetivo principal


de uma mediação, visto que o procedimento pode ser considerado
bem-sucedido ainda que não tenha resultado em um compromisso
de obrigações mútuas. O sucesso resulta da capacidade da mediação
para reconstruir o entrosamento e contato entre os envolvidos, fato
que é de extrema relevância em se tratando de relações contínuas.

De outra face, caso o conflito seja sobre algo específico, pontual, e não se
vislumbrem subjetividades que o circundem, a conciliação deverá ser utilizada.
Ressaltando que, no caso da conciliação, o terceiro atuará de forma mais efetiva, não
apenas fomentando os debates, mas dele participando e inclusive podendo propor
caminhos e soluções.

Rocha (2019, p. 52) defende que a mediação “possibilita às partes a construção


de uma solução mutuamente aceita para que possam dar continuidade a um
relacionamento construtivo, sem enfrentamentos”, além de ter por objetivo “construir
uma nova relação a partir daquele momento, com a atenção voltada ao futuro e não aos
acontecimentos anteriores”.

Assim, pode-se dizer que a mediação parte de uma visão aristotélica de justiça,
conforme bem pontuado por Lopes (2016, p. 97):

Para Aristóteles, o encontro do justo em cada caso não se faz


mediante uma armação límpida, mas pela descoberta do ponto médio
a partir da apreensão de variáveis que se expõem de forma arestosa
e irregular. A melhor justiça decorre da medição de circunstâncias
por uma régua maleável. Para encontrá-la, pode ser necessário um
terceiro precipuamente identificado com a figura do juiz, mas que
também pode ser um ator qualquer que propicie a (inter)mediação dos
interesses e que promova a descoberta da mediana num processo de
acertamento de diferenças que muito raramente se resolvem numa
equação de proporcionalidades aritméticas.

113
Diferentemente da negociação, na mediação as partes não encontram sozinhas
a solução da avença, mas sim com a participação de um terceiro não interessado que as
ajuda durante o processo. Assim, de pronto é preciso destacar que o mediador necessita
estar apto a fomentar o diálogo e a troca de ideias, intermediando e sequenciando as
narrativas e escutas das partes.

Em outras palavras, a mediação é um processo cooperativo, que


leva em conta as emoções, as dificuldades de comunicação e a
necessidade de equilíbrio e respeito dos conflitantes e que pode
resultar num acordo viável, fruto do comprometimento dos envolvidos
com a solução encontrada. Para tanto, exige-se que os participantes
sejam plenamente capazes de decidir, pautando-se o processo na
livre manifestação de sua vontade, na boa-fé, na livre escolha do
mediador, no respeito e cooperação no tratamento do problema e na
confidencialidade (LAGRASTA, 2022, p. 67)

Guilherme (2022) aponta que mesmo antes do início do processo deve ser
feita uma “pré-mediação”, com a análise do cabimento da mediação, e na qual "ficam
determinadas as regras, as quantias, os valores, bem como o número de sessões e o
tempo de duração de cada uma delas." (GUILHERME, 2022, p. 127).

Dentro do processo de mediação, é imprescindível que o mediador utilize


técnicas que motivem as partes ao diálogo e à proposição de soluções. Uma técnica
proeminente é a escuta ativa, que compreende a recepção aguçada e empática do
que é expresso de forma verbal e não verbal, de modo a gerar um vínculo de conexão e
confiança necessário à construção de um consenso.

Assim, é imperioso estimular que as partes falem sobre o litígio, de forma que
fiquem claros os desejos, preocupações e compreensões de cada uma. Escutar de
forma ativa, portanto, significa acolher outra pessoa, com seus anseios e demandas,
ouvindo-a não apenas com a audição, mas com todos os sentidos.

No processo de mediação, a escuta ativa requer foco empático no interlocutor,


permanecendo atento durante todo o discurso. Para tanto, é relevante que o mediador
não faça outra atividade paralelamente e participe ativamente do diálogo de forma
coerente sobre o que está sendo transmitido.

Além disso, para a escuta ativa é imprescindível o feedback (retroalimentação),


de tal modo que fique demonstrada a compreensão e o interesse no que foi ouvido, e
haja retroalimentação do diálogo por meio da troca de informações.

Objetivando fomentar a lógica da valorização e do reconhecimento mútuo


entre os litigantes, cabe ao mediador fazer perguntas e resumos pertinentes ao que
foi explicitado - às vezes com suas próprias palavras, às vezes usando as da pessoa -,
inclusive para esclarecer se seu entendimento está adequado ao que foi expresso.

114
Desse modo, o que se observa é a formação de um ciclo virtuoso, composto
pela expressão de sentimentos e aspirações de ambas as partes, a escuta ativa e o
feedback, que acabam por ensejar a autocomposição do conflito, transformando a
cultura da discórdia em cultura de paz.

2.2.1 Princípios da mediação


Segundo Guilherme (2022), mediação possui um conjunto de princípios
norteadores, os quais podem facilitar sua consecução e sobre o qual nos debruçaremos
a seguir.

O princípio da autonomia elucida que as partes devem decidir se optam pela


mediação, além de garantir que não sejam forçadas a firmar um acordo. Assim, a vontade
dos envolvidos deverá ser considerada e respeitada em todas as fases do processo, bem
como na já mencionada pré-mediação, quando se observará se as partes efetivamente
querem participar desse meio de solução de conflitos.

Além disso, o princípio da preservação dos laços entre as partes lembra que a
mediação tem como uma das finalidades a diminuição do desgaste entre os interessados
e a continuidade ou reconstrução de uma relação amigável entre eles. Vejamos que,
para além do acordo propriamente dito, a mediação atenta para questões subjetivas de
convívio e fim de inimizades.

O princípio da economicidade considera que é menos dispendioso


financeiramente submeter-se a um processo de mediação que a um processo judicial.
Isso porque, em que pese os custos da mediação, esses tendem ser consideravelmente
inferiores que os decorrentes de um processo no Poder Judiciário. Oportuno registrar,
inclusive, a importância de que os mediadores observem os custos envolvidos, sob
pena de os litigantes acabarem submetendo seu pleito ao Poder Judiciário caso esse
seja menos dispendioso.

O princípio da confidencialidade garante que o processo de mediação


deverá ter o sigilo resguardado. "Obviamente esse tipo de cenário em muito contribui
para o dia a dia dos envolvidos, principalmente quando estão envolvidos, por exemplo,
grandes expoentes de determinados mercados que certamente não irão desejar que
seus pormenores fiquem abertos a todos" (GUILHERME, 2022, p.135).

O princípio da celeridade, por sua vez, preconiza que a demanda seja resolvida
com a maior rapidez possível. Essa característica decorre da maior informalidade
envolvida nesse tipo de processo, especialmente quando comparado ao processo
judicial. Aliás, a informalidade emerge nesse contexto como mais um princípio da
mediação.

115
Nesse ponto, é importante registrar que o princípio da informalidade não
significa a inexistência de regras. Relembramos, inclusive, que ainda na fase de pré-
mediação são definidas expressamente as regras que serão aplicadas no correr do
processo. A informalidade está muito mais ligada à não obrigatoriedade do seguimento
de regras e padrões rígidos que regem o processo judicial, como formas de comunicação,
formas de apresentação de provas, prazos etc.

Ainda na esteira da maior informalidade do processo de mediação, observa-se


o princípio da oralidade, por meio do qual a oratória emerge como o principal meio de
comunicação dos envolvidos entre si, bem como com o mediador. Ressaltamos que a
oralidade não precisará ser a única forma de comunicação no processo de mediação, e
que sua predominância visa, principalmente, simplificar o procedimento e conferir-lhe
maior celeridade.

O princípio do consensualismo define que "as partes se encontram em


condição de igualdade e com oportunidades idênticas, fazendo com que as decisões
sejam consensuais e autocompositivas." (GUILHERME, 2022, p. 138). Esse princípio tem
relação estreita com o princípio da autonomia, na medida em que ambos, em última
instância, cuidam de resguardar a valorização e o respeito à vontade dos envolvidos.

Tem ainda o princípio da boa-fé, o qual funciona como base de todo processo.
Haja vista a voluntariedade da mediação e os demais princípios a ela aplicáveis, é
possível pressupor que as partes agem de boa-fé durante esse processo, e isso, diga-
se, contribui para o futuro acordo.

2.3 CONCILIAÇÃO
Conciliação consiste no “processo pelo qual o conciliado tenta fazer com
que as partes evitem ou desistam da jurisdição, encontrando denominador comum”
(FIUZA, 1995, p. 56). Vê-se, portanto, que a conciliação foca, precipuamente, no alcance
de um acordo que possa pôr termo a um processo já existente ou de início iminente
(BARCELLAR; BIANCHINI; GOMES, 2016).

A conciliação, então, é útil para a solução rápida e objetiva de


problemas superficiais (verdade formal ou posição), que não
envolvem relacionamento entre as partes, não tendo, portanto, a
solução encontrada repercussão no futuro das vidas dos envolvidos.
E, assim, diferencia-se da mediação, na medida em que apresenta
procedimento mais simplificado, não tendo o conciliador que
investigar os verdadeiros interesses e necessidades das partes,
subjacentes ao conflito aparente. (LAGRASTA, 2022, p. 66)

Gunther, Machado e Medrado (2019, p. 4) asseguram que “A conciliação ou


autocomposição ocorre quando um terceiro propõe soluções para um determinado
litígio, deixando a decisão para as partes”.

116
Ainda que a conciliação tenha em comum com a mediação a participação de um
terceiro imparcial intermediando o conflito e a busca por soluções, em ambos os casos
“esse terceiro não tem a missão de decidir (nem a ele foi dada autorização para tanto).
Ele apenas auxilia as partes na obtenção da solução consensual” (PINHO; MAZZOLA,
2022, p. 85).

A doutrina elucida algumas convergências e divergências entre conciliação e


mediação. Para Guilherme (2022, p. 82):

A conciliação significa uma via que mescla os caminhos da mediação


com aqueles presenciados na arbitragem também. Na prática, o
conciliador não define o conflito (sob nenhuma hipótese). Aliás, é
importante destacar esse ponto. Mas mesmo assim, ele tem um papel
mais proativo do que o do mediador [...], podendo e devendo de fato
atuar de maneira mais incisiva na questão que atinge os litigantes
[...]. Se na mediação o mediador deve conduzir as discussões,
melhorando a comunicação e o diálogo das partes e facilitando para
que elas alcancem uma reaproximação, na conciliação o que se tem
é um agente que realmente dirige com mais poder as discussões e ao
final conduz os litigantes ao melhor desfecho. Ele não apenas media
a discussão, mas de fato concilia para que se chegue a um acordo.

Aragon (2021, p. 64), destaca outro aspecto:

[...] ao contrário do conciliador, na mediação, o mediador, atuará


preferencialmente nos casos em que tiver havido vínculo anterior entre
as partes e exercerá sua atuação de forma a auxiliar os interessados
a compreenderem as questões e os interesses em conflito, de
modo que as próprias partes possam, pelo restabelecimento da
comunicação, identificar as possíveis soluções consensuais.

Também Guilherme (2022, p.75) ressalta que “a diferença básica em relação à


mediação é a intervenção do conciliador na proposição da solução – expediente este
não presenciado na mediação –, em que as partes são responsáveis na determinação
das soluções”.

O Manual de Mediação do CNJ traz diversas diferenças entre a conciliação e a


mediação, podendo-se destacar que:

i) a mediação visaria à resolução do conflito enquanto que a conciliação


buscaria apenas o acordo; ii) a mediação visaria à restauração
da relação social subjacente ao caso enquanto que a conciliação
buscaria o fim do litígio; iii) a mediação partiria de uma abordagem de
estímulo (ou de facilitação) do entendimento enquanto a conciliação
permitiria a sugestão de uma proposta de acordo pelo conciliador;
iv) a mediação seria, em regra, mais demorada e envolveria diversas
sessões enquanto a conciliação seria um processo mais breve com
apenas uma sessão; v) a mediação seria voltada às pessoas e teria o
cunho preponderantemente subjetivo enquanto a conciliação seria
voltada aos faz e direitos e com enfoque essencialmente objetivo
(BRASIL, 2016).

117
Weyne (2019, p. 107) relaciona a postura do mediador com a própria natureza
dos conflitos submetidos à mediação e à conciliação:

Esta característica da mediação, de que o terceiro imparcial deve


deixar a cargo das partes a responsabilidade da escolha da solução,
advém da natureza dos conflitos que são submetidos a esta espécie
de meio consensual. É que o mediador atuará preferencialmente nos
casos em que houver vínculo anterior entre as partes, como as ações
de família.

Vejamos, com conseguinte, que a diferença capital entre mediação e conciliação


está na postura adotada pelo terceiro imparcial que participará do processo.
Todavia, essa mudança de postura não é ao acaso. Ela, em verdade, decorre da própria
natureza dos conflitos submetidos aos processos de mediação e de conciliação.

IMPORTANTE
Apesar de mediação e conciliação contarem com a participação de um
terceiro, os institutos não se confundem. Enquanto na mediação, o terceiro
apenas facilita a comunicação entre as partes, na conciliação, ele participa
ativamente nas discussões.

Em que pesem as diferenças existentes de modo geral, é de ser destacado que


a escola avaliativa da mediação pode ser entendida como a própria conciliação posta
sobre denominação diferente (GUILHERME, 2022, p. 117).

A realização de conciliação exige do terceiro – conciliador – uma liturgia e um


leque de cuidados e atenções pertinentes à preparação do ambiente, postura, abertura,
aplicação de técnicas e encerramento.

Assim, considera-se importante que o conciliador prepare um ambiente


fisicamente adequado à conciliação no qual as partes possam se sentir acolhidas e,
principalmente, com sua privacidade respeitada.

Ademais, deve manter uma postura de neutralidade e empatia, sem que,


no entanto, perca o foco na solução da controvérsia. Desse modo, deve acolher os
envolvidos, demonstrando respeito e escuta ativa e fomentar constantemente o diálogo
e a busca de soluções.

Para tanto, é interessante que logo na abertura dos trabalhos explique a dinâmica
da sessão de forma clara e objetiva, demonstre conhecimento sobre a controvérsia e
esclareça eventuais dúvidas.

118
No decorrer da sessão, é importante que o conciliador esteja atento à aplicação
das técnicas devidas, as quais passam pela (a) identificação do problema, quando
deve estar claro o cerne da questão; (b) reformulação, quando é possível mudar o
significado que os envolvidos projetam sobre a situação; (c) conotação positiva do
conflito, momento no qual busca-se transformar fatos acusatórios em temas positivos,
ressaltando os traços positivos dos litigantes; (d) foco nos conflitos e não nas pessoas;
(e) concentração no interesse; (f) encontro de critérios objetivos; e (g) busca por opções
de ganhos mútuos (GUILHERME, 2022).

Por fim, é necessária a lavratura de acordo, de modo que, em linguagem clara e


objetiva, estejam expressas no documento as condições e especificações do que fora
acordado.

2.4 ARBITRAGEM
Por sua vez, a arbitragem tem similitude com os meios de solução judicial,
haja vista que a decisão caberá a um terceiro imparcial alheio ao conflito. Todavia, ao
passo que, na primeira (solução judicial), a deliberação caberá a um integrante do Poder
Judiciário (o juiz), na segunda (arbitragem), as partes, por contrato, optam por se vincular
à decisão de um terceiro não integrante do Poder Judiciário (o árbitro), o qual deverá
decidir conforme a legislação (inclusive a especificamente direcionada à arbitragem),
configurando uma espécie de jurisdição privada.

Sobre essa transferência do poder de decidir (que inicialmente cabe às próprias


partes) para um terceiro, Pinho e Mazzola (2022, p. 87) afirmam:

Na arbitragem, as partes maiores e capazes, divergindo sobre direito


de cunho patrimonial, submetem o litígio ao terceiro (árbitro), que
deverá, após regular procedimento, decidir o conflito. Há aqui a figura
da substitutividade, existindo a transferência do poder de decidir
para o árbitro.

Questão relevante está relacionada à própria natureza jurídica da arbitragem.


Guilherme (2022) aponta a existência de três correntes sobre o tema: uma privatista
(ou contratualista); outra, publicista (ou processualista); e a intermediária (ou
conciliadora).

De acordo com a corrente privatista, o procedimento arbitral é, por essência,


contratual e, por decorrência lógica, o árbitro apenas poderia decidir sobre material
concernente à esfera privada. A corrente publicista, de outra face, ainda que reconheça
ser um negócio jurídico privado, defende uma identidade entre a decisão arbitral e a
decisão proferida pelo Poder Judiciário. Por fim, a corrente intermediária, como o próprio
nome sinaliza, é um meio termo entre as anteriores. Defende que, embora a decisão

119
arbitral não tenha valor de sentença judicial, haja vista prescindir de um decreto de
executoriedade, tem semelhança com aquela na medida em que também decide a
controvérsia.

A arbitragem pode ser pressuposta antes do litígio, em cláusula prevista


contratualmente, por exemplo, ou após a controvérsia (compromisso arbitral) (PINHO;
MAZZOLA, 2022).

Parkinson (2016, p. 49) assim aborda sobre a arbitragem:

Quando as partes envolvidas numa disputa decidem recorrer


à arbitragem, elas escolhem um especialista ou um grupo de
especialistas independentes para recomendar ou impor uma solução
a elas. A decisão do árbitro tem força executiva, embora também
possa ser considerada apenas como uma recomendação. A audiência
de arbitragem é privativa, sendo facultativo às partes decidir certos
aspectos formais como, por exemplo, a gravação dos debates.
As partes, geralmente, vêm acompanhadas de seus respectivos
representantes legais.

Cabe pontuar ainda que, em alguns contratos em que a arbitragem é prevista,


consta uma chamada clausula padrão de escalonada mediação-arbitragem. Por meio
dela, antes de recorrer-se à arbitragem, as partes devem buscar a mediação como
alternativa inicial. Apenas no caso de sua frustração, se recorre à arbitragem.

Além disso, pode-se dizer que a arbitragem possui pelo menos dois requisitos
básicos, quais sejam: capacidade e disponibilidade do direito.

A capacidade está relacionada às partes envolvidas na demanda, que deverão


ter capacidade civil plena e as pessoas jurídicas regularmente constituídas. Desse
modo, “ficam de fora desse rol as pessoas não dotadas de capacidade plena, as
pessoas jurídicas irregulares e as entidades despersonalizadas, como a massa falida, o
condomínio, o espólio e a herança jacente.” (GUILHERME, 2022, p.280)

Essencial, ainda, é que o direito em questão seja disponível. Isto é, que as


pessoas possam sobre ele dispor livremente. Por essa razão, a arbitragem, em regra,
recai sobre a discussão de direitos patrimoniais. Nesse ponto, convém registrar a
existência dos chamados “direitos indisponíveis”. Esses, ainda que o seu titular queira
dele abdicar, não poderá fazê-lo, por serem inerentes à sua condição de ser humano. É
o caso, por exemplo, do seu direito à vida e dos direitos da personalidade.

120
2.4.1 Princípios da arbitragem
Tendo em mente a resolutividade da arbitragem, seus princípios norteadores
assumem maior relevo. Daí por que, em certos momentos, muito se assemelham com
alguns princípios próprios de um processo judicial, embora em outros deixem clara a
diferenciação dos institutos.

ATENÇÃO
A arbitragem não se confunde com o processo judicial, pois o terceiro que
decidirá a demanda não integra o Poder Judiciário. Ainda assim, deverá
observar princípios inerentes ao processo judicial.

Nessa ordem de ideias, é previsto o princípio da autonomia das partes. Isso


significa que é de responsabilidade delas decidir pela utilização da arbitragem, não
podendo ser compelidas a essa adesão. Esse ponto é um forte diferencial quando à
judicialização do conflito, posto que basta que uma das partes inste o Poder Judiciário
para que a outra seja definida como parte do processo.

Cabe pontuar que, diferentemente de negociação, conciliação e mediação, a


decisão da controvérsia não emergirá por um alinhamento dos envolvidos. Ao contrário.
Caberá ao árbitro decidir a demanda. Assim, embora as partes possam decidir sobre
a utilização da arbitragem, não poderão negar o cumprimento da decisão arbitral por
possivelmente dela discordar ou não lhe ser favorável.

É previsto ainda o princípio da igualdade das partes, por intermédio do


qual é garantido que todos os envolvidos recebam o mesmo tratamento ao longo do
procedimento, com mesmos direitos e prerrogativas e vetados quaisquer tipos de
favorecimentos ou resistências infundadas em seu desfavor. Pode-se dizer que esse é
um princípio capital e com feição similar ao previsto no processo judicial e por meio do
qual vários outros emergem.

Na esteira do princípio anterior, é previsto o princípio do contraditório e da


ampla defesa, típico do processo judicial e necessariamente respeitado no processo
arbitral. Garante que todas as partes do processo possam efetivamente dele participar
e ter suas razões devidamente consideradas no momento da prolação da decisão. Ou
seja, não basta oportunizar que a parte se manifeste no processo. É preciso que o árbitro
efetivamente analise o que está sendo exposto, ainda que conclua por não acompanhar
a manifestação.

121
Na mesma linha da igualdade de tratamento e em consonância ao procedimento
judicial está o princípio da imparcialidade do árbitro. Assegura que o árbitro (tal qual
o juiz durante um processo judicial) deve se manter equidistante das pretensões de
ambas as partes, possuindo uma postura igualitária frente a todos os envolvidos. Desse
modo, não pode o árbitro, por exemplo, conceder prazos distintos ou beneficiar algum
dos interessados.

Já o princípio do livre convencimento informa que o árbitro, assim como


o juiz durante o processo judicial, pode decidir livremente a demanda segundo suas
convicções, desde que, no entanto, esteja conforme o contido nos autos. Dessa forma,
o julgador não poderá solucionar de qualquer modo, com uma liberdade irrestrita. Ao
contrário. Deverá decidir de forma motivada e à luz do que foi evidenciado ao longo do
processo.

A conciliação, no contexto da arbitragem, assume a feição de princípio e deve


ser continuamente objetivada pelo árbitro. Considera-se, portanto, papel do árbitro
buscar conciliação entre os litigantes, independentemente, inclusive, de tal providência
constar no compromisso arbitral. Portanto, o árbitro deverá estar atento aos movimentos
dos interessados de modo perceber possível abertura à conciliação.

Pelo princípio da confidencialidade, e como a própria denominação sinaliza,


a arbitragem é, em essência confidencial. E aqui vemos uma diferença fundamental
com relação ao processo judicial, o qual, via de regra, deve ser público, salvo casos
específicos previamente definidos em lei. Essa característica em muito fortalece o
interesse da arbitragem, especialmente por pessoas jurídicas que preferem manter
a discrição sobre litígios e mesmo sobre questões de seu negócio, como segredos
industriais, por exemplo.

2.5 HABILIDADES E FORMAS DE COMUNICAÇÃO


A comunicação entre as pessoas pode ser verbal ou não verbal. A comunicação
verbal é expressa por meio de palavras, sejam elas escritas ou faladas. A comunicação
não verbal, por sua vez, utiliza signos das mais diversas naturezas, como gestos,
posturas, desenhos etc.

Durante o processo de soluções de conflitos, as partes estão continuamente se


comunicando das mais variadas formas. E essa comunicação pode servir para aproximar
ou afastar os litigantes, bem como a solução da demanda. Desse modo, é imperioso que
as partes estejam atentas a expressar, tanto pela linguagem verbal ou não, que estão
abertas e receptivas àquele processo.

Ainda nos cumprimentos iniciais, atitudes físicas e contato visual são bem-
vindos, especialmente por fomentarem proximidade e confiança, elementos essenciais
para uma negociação próspera. Assim, aperto de mão e olhar atencioso são boas

122
atitudes. Essa comunicação visual deve ser mantida durante toda a mesa de negociação,
de forma que fique clara a percepção da fala do outro (escuta ativa). Acerca da escuta
no processo de negociação, segue o que assinala Maraschin (2017, p. 16):

Muitas pessoas pensam que a escuta gera uma presunção de


concordância ou fraqueza, o que não é verdade. Deve-se, assim,
estimular que o outro fale. Ademais, não se deve fingir que está
escutando, mas na realidade está se preparando para rebater os
argumentos da outra parte. Saber escutar é um elemento chave para
um bom negociador. Nesse sentido, escutar ativamente, não é só
ouvir, mas também demonstrar ao outro que estamos interessados
em entender o que diz [...]. Uma negociação não é um debate, mas
sim uma conversa para se atingir um objetivo – o acordo.

Além disso, outros meios de comunicação não verbal, como assentimentos com
a cabeça, breves sorrisos e expressões faciais servem para demonstrar atenção quanto
ao que está sendo exposto. Nesse ponto, vale lembrar que etiqueta está intimamente
relacionada a respeito e empatia.

Inclusive, é importante que os envolvidos em uma mesa de negociação estejam


atentos aos seus modos durante o processo. Forma de sentar, de agir e de falar
podem ser fundamentais para aproximar ou afastar as partes. Assim, não interromper
a fala do outro e evitar o uso de celular são providências simples que podem ter um
resultado significativamente positivo. No Quadro 4, Knapin (2008) trata de expressões e
interpretações que ensejam.

Quadro 4 – Exemplos de expressões e suas interpretações

Fonte: Knapik (2008, p. 91)

Vejamos que algumas expressões físicas são suficientes para enviar uma
mensagem positiva ou negativa ao interlocutor. Lembremos que a comunicação é
um elemento essencial no processo de negociação. Assim, ao demonstrar interesse e
aceitação com posturas como a inclinação do corpo ou o posicionamento das mãos, o

123
negociador constrói uma ponte com aquele que fala. Igualmente a demonstração de
impaciência e a falta de atenção decorrente de um batimento de dedos na mesa ou o
olhar distante, dificulta a efetivação do acordo.

2.6 CULTURA DE PAZ


A expressão “cultura de paz” foi cunhada pelo educador peruano Padre Felipe
MacGregor, ao presidir a Comissão Nacional Permanente de Educação para a Paz no
Peru, em 1986. Todavia, apenas veio a ser disseminada quando a Assembleia Geral
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) definiu a década
de 2001 a 2010 como a Década Internacional da Promoção da Cultura de Paz e Não
Violência em Benefício das Crianças do Mundo (DIPCP) (Resolução 53/243 da ONU).

No mesmo documento, a UNESCO definiu cultura de paz como “um conjunto de


valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida” que se basearia, entre
outras, “no respeito à vida, no fim da violência e na promoção e prática da não-violência
por meio da educação, do diálogo e da cooperação”, bem como “no compromisso com
a solução pacífica dos conflitos”.

A ideia ganhou destaque com o chamado Manifesto 2000, subscrito por um


grupo de vencedores do prêmio Nobel da Paz, e que objetivava fomentar um senso de
responsabilidade pessoal em relação à humanidade. O documento está pautado em
seis princípios: (1) respeitar a vida; (2) rejeitar a violência; (3) ser generoso; (4) ouvir para
compreender; (5) preservar o planeta; e (6) redescobrir a solidariedade. Nessa ordem,
vê-se que a cultura de paz está estreitamente ligada aos ideais de respeito mútuo,
empatia e solução pacífica de conflitos.

Todavia, é relevante que se destaque que a cultura de paz não significa a ausência
de conflitos. Tampouco deve ser compreendida como uma postura de passividade e
resignação frente a problemas de maior ou menor complexidade. Ao contrário. A cultura
de paz está na percepção do problema e na busca de sua solução pacífica.

Está alicerçada na rejeição à violência em suas mais diferentes formas. Ou seja,


não apenas na violência criminalmente tipificada, mas naquela naturalizada, socialmente
aceita e que deixa que ainda sobrevivam relações autoritárias, racistas e sexistas.

Desse modo, a cultura da paz se opõe à violência física, sexual, étnica,


psicológica, de classe, de palavras e de ações. Construir uma cultura de paz implica,
portanto, em uma postura proativa de não aceitação e reação pacífica a situações de
violência real ou iminente em suas mais diversas formas.

124
Dentre os diferentes contextos que demandam o desenvolvimento da cultura
de paz, está o de convívio entre as pessoas e a necessidade de solucionar os conflitos
inerentes a essa sociabilidade. Assim, entende-se que os meios de solução de conflitos,
em suas mais diversas formas, especialmente extrajudiciais, possuem um papel salutar
no fomento à pacificação das relações humanas.

125
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• O conflito possui meios judiciais e extrajudiciais para sua solução. Os primeiros


indicam a submissão da demanda ao Poder Judiciário, enquanto os segundos meios
são resolvidos pelas partes com ou sem a participação de um terceiro imparcial.

• Em que pese a doutrina citar a existência de outros meios de solução extrajudicial de


conflitos, as modalidades com maior adesão e representatividade são a negociação,
a mediação, a conciliação e a arbitragem.

• Na negociação, as próprias partes envolvidas no conflito tratam de sua solução por


meio da exposição de suas demandas, debate de possibilidades e chegada a um
acordo benéfico a todos.

• A mediação é um meio voluntário no qual os litigantes recorrem a um terceiro


imparcial e tecnicamente treinado que provoca o diálogo entre as partes conflituosas
na busca por um acordo benéfico para todos os envolvidos.

• A conciliação também conta com a participação de um terceiro imparcial e objetiva,


principalmente, o alcance de um acordo que possa pôr termo a um processo já
existente ou de início iminente.

• Mediação e conciliação diferem principalmente pela forma de participação do


terceiro imparcial: enquanto na mediação, apenas facilita o diálogo, na conciliação,
participa ativamente nas discussões.

• Na arbitragem, as partes litigantes submetem o litígio ao terceiro imparcial (árbitro),


que deverá decidir o conflito após um processo regular com a observância de
princípios específicos.

• Habilidades e formas de comunicação assumem maior peso no contexto da solução


extrajudicial de conflitos, uma vez que podem expressar sentimentos positivos e
negativos e, dessa forma, facilitar, dificultar ou mesmo inviabilizar a chegada a um
termo comum.

• A cultura de paz possui, dentro outras bases, a ideia de solução pacífica de conflitos,
significando que não está ligada à ausência de controvérsias, mas à busca de uma
forma de alinhamento sem violência.

126
AUTOATIVIDADE
1 “É visível que a cultura do litígio permanece bem arraigada em nossa sociedade, e
que ainda reside a busca pelo Judiciário, por meio de um terceiro togado, para a
análise do litígio, possibilitando uma decisão a ser cumprida pelas partes conflitantes
[...]. Todavia, esse modo de resolução nem sempre é o mais adequado ao caso, e daí
surge a necessidade de outras formas de enfrentamento dos conflitos para melhor se
adequar ao caso concreto, como também para fins de desburocratização e promover
maior celeridade às relações desconstruídas que tenham necessidade de reparo”.

Fonte: DIAS, T. Negociação, Conciliação, Mediação e


Arbitragem: métodos adequados para soluções de conflitos.
Disponível em: https://bit.ly/3ea7uRc. Acesso em 21 ago.
2022.

Considerando os meios de solução extrajudicial de conflitos, classifique V para as


sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Negociação, mediação, conciliação e arbitragem demandam a participação de um


terceiro imparcial que auxiliará os interessados a solucionar a demanda em debate.
( ) Na mediação, as partes dialogam e encontram a solução da controvérsia sozinhas,
independentemente da existência de um mediador.
( ) Conciliação e mediação são institutos que não se confundem, especialmente
quanto à postura adotada pelo terceiro imparcial que, no caso da mediação, apenas
fomenta a comunicação, ao passo que, na conciliação, participa de forma ativa das
discussões.
( ) A arbitragem, em diversos momentos, possui características similares à do processo
judicial, como, por exemplo, na obrigatoriedade da observância dos princípios do
contraditório e da ampla defesa.

a) ( ) V – F – F – V.
b) ( ) V – F – V – V.
c) ( ) F – V – F – F.
d) ( ) F – F – V – V.

2 A arbitragem é um meio de solução extrajudicial de conflitos no qual as partes se


farão substituir por um terceiro não integrante do Poder Judiciário que deverá decidir
a demanda. Com relação aos princípios da arbitragem, classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas:

( ) Pelo princípio da autonomia das partes, essas últimas não podem ser compelidas a
aderir à arbitragem.

127
( ) Segundo o princípio do livre convencimento, o árbitro pode decidir livremente,
independente do que fora evidenciado no correr do processo arbitral e sem a
necessidade de motivação.
( ) O processo arbitral, tal qual o processo judicial, deve ser inteiramente público e
preferencialmente disponível na internet.
( ) O árbitro deve ser imparcial e tratar as partes de forma igualitária.

a) ( ) V – F – F – V.
b) ( ) V – F – V – V.
c) ( ) F – V – F – F.
d) ( ) F – F – V – F.

3 Considerando a existência de quatro meios de solução extrajudicial de conflitos


mais estudados pela doutrina, quais sejam, negociação, conciliação, mediação e
arbitragem, e que cada um deles possui características próprias que os diferem entre
si, analise as assertivas abaixo e indique a alternativa INCORRETA:

a) ( ) Na negociação classificada como ganha-ganha, todas as partes sentem-se


vitoriosas e satisfeitas com o acordo firmado, o que favorece que o avençado
seja naturalmente respeitado.
b) ( ) O princípio do consensualismo previsto para o processo de mediação suaviza
apenas a fase pré-mediação, isto é, sobre a adesão ou não ao processo, pois
apenas na anuência, as partes são obrigadas a chegar a um acordo.
c) ( ) O conciliador deverá manter, durante todo o processo, uma postura de neutralidade
e empatia, sem que, no entanto, perca o foco na solução da controvérsia.
d) ( ) A arbitragem possui pelo menos dois requisitos básicos, quais sejam: capacidade
e disponibilidade do direito.

4 Ainda que se configure como um meio de solução extrajudicial de conflitos, em vários


momentos a arbitragem tem características semelhantes àquelas previstas para o
processo judicial. Selecione e disserte sobre dois princípios da arbitragem que se
assemelham aos previstos para o processo judicial.

5 Mediação e conciliação possuem em comum a característica de contarem com a


participação de um terceiro imparcial e tecnicamente apto a participar do processo junto
às partes litigantes de modo que seja estabelecido um acordo entre elas que ponha termo
ao conflito. Mas, por outro lado, os institutos possuem diferenças relevantes. Diante do
exposto, indique e disserte sobre as principais distinções existentes entre os institutos da
mediação e da conciliação.

128
UNIDADE 2 TÓPICO 4 -
ÉTICA E ETIQUETA NA NEGOCIAÇÃO

1 INTRODUÇÂO
Para além de aspectos objetivos sobre a definição do objeto, dos interesses e
margens de aceitação, a negociação também leva em conta critérios subjetivos capazes
de influenciar profundamente sua efetivação. Nesse sentido emerge a aplicação dos
conceitos de ética e etiqueta na negociação.

A ética, conforme será visto, está relacionada à forma mais profunda de agir
durante o processo, atuando com lealdade, boa-fé e respeito mútuo em busca do
objetivo comum. A etiqueta, de outra parte, tem vínculo com aspectos principalmente
comportamentais e que repercutem o respeito e a empatia entre os envolvidos.

Embora ambas recaiam sobre o comportamento das partes, é de se ressaltar que


cada uma delas possui sua finalidade e um papel dentro do processo negocial. Sendo
assim, passemos ao estudo da ética e da etiqueta durante o processo de negociação.

2 ÉTICA
A ética está relacionada ao exercício social de reciprocidade, respeito e
responsabilidade entre os seres humanos. Nesse contexto, é possível considerar a
ética como um produto da vida social, criada de forma inconsciente, que visa promover
valores de uma determinada sociedade. "Na realidade, a ética refere-se às regras e aos
princípios que definem condutas certas e erradas, aplicáveis às ações humanas, que
fazem dela atitudes compatíveis com a concepção geral do bem e da moral" (MACHADO
NETO et. al., 2010, p.71).

Schopenhauer (2001, p. 10) filosofa:

O homem vive em meio às tormentas da existência, onde há muitas


lutas, disputas e egoísmo. Mas é necessário elevar-se até uma etapa
mais sutil, onde se liberta de imposições, coerções ou do ‘dever’, e
assume, com liberdade, a etapa ética: ‘não prejudiqueis a pessoas
alguma, sede bom com todos’.

Por sua vez, sobre a relação da ética e da moral, Silva (2017, p. 43), afirma:

A ética e a moral dizem respeito aos valores, às normas de conduta,


que expressam valores e que regulam as ações humanas. Na
perspectiva moral, o fato é o ponto de partida; é o costume que
expressa um valor e que se consolida em uma norma, a ser seguida

129
por todos. No percurso da ética, os valores são o ponto de partida:
é um valor que se consubstancia em uma norma para instaurar um
fato, para criar um hábito.

Na mesma linha, Sousa et. al. (2020, p. 3) refletem:

Há quem acredite que para a negociação ser bem-sucedida ou ser


considerada positiva, é necessário levar vantagem sobre o outro,
pensamento este que leva a enganações, mentiras e omissões de
informações em negociações empresariais. Neste ponto que entra
a ética e a moral nas negociações, para compreender as partes em
uma totalidade é necessária discutir a ética e a moral na sociedade
atual.
Cada pessoa possui suas regras intrínsecas e suas virtudes no que
acredita ser um bem-estar social, o que pode ser classificado como
uma moral individual. Porém, essa moral sofre interferência de acordo
com cada sociedade que o cidadão vive, incluindo costumes, religião,
tabus e entre outros fatores, podendo haver distintos conceitos
morais em diferentes regiões, estados e nações [...]. A ética busca
compreender as ações dos homens de acordo com os valores morais
que norteiam as tomadas de decisões. Podendo chegar ao consenso
do que é bom e mau, certo ou errado, justo ou injusto, independente
das práticas culturais [...].

Ao adentrar em uma negociação, é natural que cada parte esteja visando o


melhor resultado para seu lado. E é nesse contexto de busca de maximização de sua
posição que os envolvidos são motivados a violarem padrões eticamente estabelecidos
e inapropriados. Sobral (2009, p. 6) assim explica:

A negociação é uma das práticas empresariais mais interessantes


para estudar a honestidade e a ética na tomada de decisões.
Primeiro, porque é uma área rica em dilemas éticos. A negociação é,
por definição, uma interação socialmente motivada entre indivíduos
ou grupos com interesses divergentes. Ao procurarem conciliar esses
interesses concorrentes sem sacrificar os interesses individuais,
as partes podem sentir-se tentadas a adotar um comportamento
defensivo, furtivo e, em alguns casos, manipulador e desonesto.
Segundo, porque é uma prática central ao funcionamento de todas
as interações. Terceiro, porque alguns pesquisadores sugerem que
algumas formas de desonestidade podem ser apropriadas e mesmo
necessárias para se ser um negociador eficaz.

Outrossim, tem-se que muitos estudos que tratam sobre estratégias de


negociação sugerem que comportamentos desonestos são apropriados ou mesmo
necessários para a efetividade da negociação.

Como exemplo, pode ser citada a definição de negociação trazida por Lax e
Sebenius (1986, p. II apud SOBRAL, 2009, p. 7), segundo a qual trata-se de “um processo
interativo, potencialmente oportunista, pelo qual duas ou mais partes, com algum
conflito aparente, procuram um melhor resultado por meio de uma ação conjunta do
que se a tomassem isoladamente”.

130
Sobre o tema, segue a reflexão de Maraschin (2017, p. 13):

Comumente, se afirma que existem duas formas básicas de negociar.


A primeira, com empatia, que faz com que o negociador aja com
bastante benevolência, realizando inúmeras concessões, a fim de
evitar o conflito. A segunda, com rigor e assertividade, que induz a
um comportamento áspero, de quem deseja vencer a qualquer custo,
sem abrir mão da sua posição, o que prejudica a realização do acordo
e futuros relacionamentos entre os negociadores.

Essa lógica considera que negociar significa defender seus próprios interesses
em um contexto de resistência apresentada por outrem e, portanto, posturas
eticamente condenáveis são justificáveis e esperadas de ambas as partes. Essa visão
parte da premissa que a negociação é apenas um meio para alcançar determinado
objetivo, independente dos anseios dos demais envolvidos. Aliás, por vezes, aos outros
interessados é dirigido um olhar e uma titulação de inimigo e obstáculo a ser vencido.

Em que pese a naturalização do afastamento da ética no processo de negociação,


vozes divergentes defendem que ética, moral e honestidade são aplicáveis em qualquer
contexto, inclusive nos negociais. Autores que seguem essa linha, chamada de idealista,
apontam que a negociação honesta é uma possibilidade real, e qualquer forma de
engano que possa surgir no correr do processo precisa ser rechaçada (SOBRAL, 2009).

É de se perceber, ainda, que embora práticas antiéticas possam gerar ganhos


a curto prazo, não se sustentam por muito tempo. Ao passo que a ética se firma no
longo prazo, mesmo que não gere frutos de modo imediato (SOBRAL, 2009). No mesmo
sentido, estão as ponderações de Machado Neto et. al. (2010, p.74):

Considerando o processo de negociação, a questão ética torna-


se ainda mais crítica. Segundo o gerente de suprimentos da
DPaschoal, Waldemar Paschoal, ‘quando você adota uma postura
ética, quando é honesto e transparente, você passa a ser respeitado
pelos fornecedores com os quais está negociando’. Há ‘empresas
que omitem algumas informações que possam favorecer o outro
lado da negociação’; informações estas que muitas vezes já são
conhecidas, foram conseguidas no mercado. “Quando esse tipo de
situação acontece, torna-se difícil confiar totalmente na proposta da
outra parte [...]. Esse exemplo ressalta a importância de uma postura
ética na negociação. Isso envolve uma visão mais sistêmica, que
permeie não apenas a seleção, por parte da diretoria da empresa,
de negociadores com alto padrão ético, mas também a definição de
códigos de ética, regras de decisão, metas e treinamento em um
contexto ético. Embora nem sempre se dê na literatura o devido
destaque à questão ética na negociação, é notável a importância
desse conceito para tornar as negociações mais eficazes, confiáveis
e focadas na filosofia ganha-ganha no longo prazo.

De fato, é comum que vazem informações sobre condutas antiéticas adotadas


por pessoas e empresas ao longo de processos das mais diversas ordens. Essa postura
faz com que a sua imagem seja manchada e dificulte que feche futuros negócios,

131
assim como possíveis outras negociações. Vejamos, por exemplo, organizações
reconhecidamente envolvidas em grandes escândalos de corrupção que lutam para
difundir um marketing positivo e propagar mudanças diretivas.

Ocorre que a ética não é um valor objetivo, tampouco tem uma métrica unânime.
O que determinada pessoa pode considerar dentro de seu conceito, pode ser avaliado
como antiético para outrem. Isso depende muito dos valores das pessoas envolvidas na
negociação e do ambiente no qual elas estão inseridas.

Buscando resolver a questão, Ceribeli e Merlo (2016, p. 104) ressaltam que


“A ética em uma negociação está relacionada ao respeito entre as partes; a sempre
fazer o certo, independente da vantagem que se poderia obter caso se agisse de má
fé; à lealdade, honestidade, transparência, compaixão e justiça por parte de todos os
envolvidos”.

Tal conceito traz em si uma nota de objetividade. Ao visar sempre e continuamente


a aplicação dos conceitos de lealdade, honestidade, transparência, compaixão e justiça,
não há como fugir da conduta ética. Cabe, portanto, ao negociador refletir se suas
atitudes passam pelos filtros de tais conceitos.

Maraschin (2017, p. 14) afirma sobre o que se objetiva em um processo de


negociação ético:

Percebe-se, assim, que o que se busca com a negociação é um


resultado satisfatório para ambas as partes, sem utilização de truques
ou de armadilhas, pois a ideia é tratar o outro não como oponente,
mas como parceiro para realização de um acordo, que será bom para
ambos. Afinal, para realização de um acordo, faz-se necessária a
colaboração de todos os participantes.

Todavia, além da ética, uma negociação de sucesso é embasada, também, no


respeito mútuo. Segundo Gunther, Machado e Medrado (2019, p. 16) “um comportamento
educado e civilizado colabora com o desenvolvimento do acordo”.

2.1 ETIQUETA NA MESA DE NEGOCIAÇÃO


O termo “etiqueta” está relacionado a um conjunto de normas de conduta,
protocolo e civilidade e se refere a agir com cortesia e boa educação. Significa, portanto,
um conjunto de regras aplicáveis no relacionamento entre as pessoas em seus diferentes
ambientes, de forma que o convívio flua de forma respeitosa.

Acerca do tema, Figueiredo (2007, p. 10) assinala:

132
A etiqueta trata de regras que regem o comportamento do ser social.
É a maneira de se conduzir de acordo com normas predeterminadas
em uma sociedade visando ser agradável aos outros. Tais regras
são transmitidas por meio de gestos, modos de falar, atitudes,
apresentação, visual adequado e seu significado mais profundo
demonstrado pelo grau de cortesia e humanidade.

“A civilidade é o conceito norteador da etiqueta e baseia-se na harmonia das


relações humanas entre cidadãos, a partir dos códigos de etiqueta e de ética, de regras
de conduta regidas pelo respeito e pela cordialidade” (ALVES; BECKER, 2019, p. 3).

Embora a etiqueta, em regra, seja associada à elite, como uma forma de se


portar em ambientes frequentados por pessoas economicamente mais favorecidas,
cada vez mais é um conceito popularizado e levado a todas as pessoas, especialmente
por meio de livros, guias e mídia das mais diferentes naturezas.

Figueredo (2007, p. 11) registra que “todos os tipos de grupos sociais possuem
uma etiqueta, e cabe a cada integrante respeitar determinadas regras, para desta forma
ser aceito e fazer parte deles”, todavia, apenas as regras da elite foram descritas e
publicadas desde seu princípio.

Percebe-se, por conseguinte, que etiqueta se vincula ao conceito de ética e


está relacionada, antes de qualquer coisa, a um ato de respeito e empatia ao outro.
Nesse sentido, utilizar regras de etiqueta implica em valorizar o outro, respeitar suas
opiniões e particularidades e não gerar constrangimentos. Essas atitudes podem ser
observadas em diferentes atitudes.

Pensemos uma coisa simples: vestuário. É possível que as vestimentas de uma


pessoa não estejam adequadas ao ambiente no qual se está inserido e, portanto, gerem
constrangimentos. É o caso de roupas de praia que, embora naturais e adequadas para
aquele específico ambiente, são totalmente inapropriadas para uma reunião de negócios,
por exemplo, e podem fazer com que os demais presentes se sintam incomodados com
aquela situação.

A linguagem é outro caso de fácil percepção. A depender do ambiente em


que está inserido e dos interlocutores, determinado estilo de linguagem será o mais
oportuno. Assim, um ambiente profissional, via de regra, exige uma linguagem mais
formal. Todavia, tratando-se, por exemplo, de um vendedor, caso esteja se dirigindo
a uma pessoa mais simples, é interessante que use uma linguagem acessível ao seu
ouvinte.

Vejamos que a etiqueta considera o outro e suas particularidade. Daí repisarmos


que se trata de uma atitude de respeito e empatia. E partindo da ideia que existem
“vários outros”, a atenção aos presentes deve ser essencial para uma postura
adequada.

133
No ambiente negocial não é diferente. Ao contrário. Nesse contexto, a etiqueta
assume ainda mais relevância, uma vez que o objetivo da negociação é a resolução de
uma demanda por meio de um acordo com ganhos mútuos. Assim, alguns pontos que,
em princípio, podem parecer básicos e norteados pelo simples bom senso e educação,
devem necessariamente ser observados durante o processo. Vejamos alguns deles.

Pontualidade é, por certo, uma regra básica de educação e, por consequência,


de etiqueta. Devemos sempre lembrar que ninguém tem a obrigação de usar seu próprio
tempo nos esperando. Não se desconhece que imprevistos podem acontecer, mas é
preciso priorizar a pontualidade, especialmente para que a mesa de negociações não
seja iniciada já com resistência e animosidade. E no caso de atrasos, o reconhecimento
e um pedido de desculpas é bem recebido.

Ademais, ao encontrar com alguém pela primeira vez, é importante perguntar


e, preferencialmente, memorizar seu nome. Esse gesto demonstra cordialidade e
interesse pela outra pessoa, além de possibilitar proximidade ao dirigir-se a ela pelo
seu próprio nome. Obviamente, caso não tenha compreendido ou esquecido, é cabível
perguntar de forma delicada e respeitosa. E ainda na seara dos nomes, é relevante
que cada um também se apresente e indique a função que exerce naquela mesa de
negociação: parte, representante da empresa etc.

Uma providência básica ao chegar em determinado ambiente é cumprimentar


a todos com o mesmo grau de gentileza e atenção. Isso demonstrará receptividade
e um bom início ao processo de negociação. Perguntas simples também podem ser
uma útil ferramenta de aproximação e demonstração de interesse.

Ademais, vê-se que as formas de comunicação verbal e não verbal também


se vinculam à ideia de etiqueta, na medida em que posturas externadas ao longo do
processo podem demonstrar respeito e empatia.

134
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu:

• O processo de negociação não envolve apenas elementos objetivos, como


elementos, etapas e interesses, sendo importante considerar também aspectos
subjetivos e comportamentais que poderão facilitar ou dificultar o processo.

• Embora práticas antiéticas possam gerar ganhos a curto prazo, não se sustentam
ao longo do tempo, uma vez que tendem a dificultar futuros acordos e negociações
por parte das pessoas que sejam reconhecidas pela falta de ética.

• Agir com ética é pautar sua conduta na aplicação dos conceitos de lealdade,
honestidade, transparência, compaixão e justiça, cabendo às partes negociais
refletir se suas práticas passam pelo filtro de tais conceitos.

• Etiqueta na negociação se vincula, antes de mais nada, a um ato de respeito e


empatia ao outro, podendo ser demonstrada das mais diversas formas, como
maneira de se vestir, de se portar e de se expressar.

135
AUTOATIVIDADE
1 “O conceito de ética surgiu na Grécia Antiga durante o século V a.C., em um contexto
de intensa reflexão a respeito das regras de convívio social. Os pensadores e filósofos
gregos buscavam entender o funcionamento do regime de comportamento humano
e foram criando "regras" que deveriam ser seguidas para uma vida em sociedade”.

Fonte: MACHADO, S. O que é ética? Veja os diferentes tipos


e como aplicar diariamente. Educação UOL. São José do Rio
Preto, 14 mar. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3McaPvx.
Acesso em: 20 ago. 2022.

Considerando o ideal de ética, bem como sua aplicação durante o processo de


negociação, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A ética está relacionada aos bons modos, como, por exemplo, vestir-se
adequadamente durante a sessão de negociação.
( ) A ética é um valor objetivo, compreendido igualmente por todas as pessoas.
( ) Ética está intimamente ligada a respeito mútuo.
( ) A doutrina é unânime no sentido de defender que todos os negociadores devem
agir de forma ética.

a) ( ) V – F – F – V.
b) ( ) V – F – V – V.
c) ( ) F – V – F – F.
d) ( ) F – F – V – F.

2 Durante a negociação, é comum que as partes foquem nos elementos objetivos


envolvidos, especialmente nos interesses em disputa. Todavia, existem elementos
subjetivos que podem repercutir diretamente no processo, notadamente a
observância da ética e de determinadas regras de etiqueta no processo negocial.
Destarte, com relação à ética e à etiqueta na mesa de negociações, classifique V para
as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O princípio norteador da etiqueta é a civilidade.


( ) O ambiente negocial prescinde da observância de regras básicas de etiqueta.
( ) A linguagem não verbal faz parte do acervo de questões ligadas à etiqueta, nela
compreendidas atitudes como expressões que demonstrem respeito e empatia.
( ) Pontualidade é uma regra básica de educação e, por consequência, de etiqueta.

a) ( ) V – F – V – V.
b) ( ) V – F – V – V.

136
c) ( ) F – V – F – F.
d) ( ) F – F – V – F.

3 Etiqueta pode ser entendida como um rol de comportamentos pensado para


viabilizar as interações sociais, de forma que fluam com higidez e tranquilidade.
Assim, diferentemente da visão comum de que etiqueta está ligada unicamente a
“ser chique”, em verdade tem relação, dentre outros, com cortesia e respeito. Sobre
etiqueta nas negociações, assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) Ao adentrar em uma negociação, é natural que cada parte objetive a maximização


de sua posição, de modo que, por vezes, os envolvidos são motivados a violarem
padrões de etiqueta estabelecidos.
b) ( ) A etiqueta se vincula ao conceito de ética e está relacionada, antes de qualquer
coisa, há um ato de respeito e empatia ao outro.
c) ( ) Pontualidade é uma regra básica de educação e, por consequência, de etiqueta
a ser observada no contexto das negociações
d) ( ) Expressões não verbais dos negociadores podem influenciar diretamente no
processo negocial.

4 “O estudo da ética nas negociações é um ambiente que se cria diversas controvérsias,


tendo casos e situações práticas concluídos e analisados de maneiras de diferentes.
As discórdias causadas nas análises podem ser resultado da moral individual de
cada ser, que foi cercada e fomentada pelos fatores familiares e socioculturais de
determinada região. O fato é que há diferentes pensamentos e conclusões sobre a
ética nas negociações”.

Fonte: SOUSA, G. C. et al. Ética nas negociações.


Administração de Empresas em Revista, v. 4, n. 22, jun. 2020,
p. 4. Disponível em https://bit.ly/3CahDoV. Acesso em: 20
ago. 22.

Disserte sobre as repercussões de uma postura antiética a longo prazo.

5 Selecione e disserte sobre três regras de etiqueta que, se bem utilizadas na mesa de
negociação, podem favorecer a concretização do acordo.

137
LEITURA
COMPLEMENTAR
A EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL DO ACESSO À JUSTIÇA POR
MEIO DA MEDIAÇÃO VIRTUAL DE CONFLITOS

Gustavo Silveira Borges


Mônica Abdel Al

Resumo

A presente pesquisa pretende analisar a eficácia da utilização da mediação


virtual como forma de resolução consensual de conflitos. No intuito de se verificar tal
objetivo, formulou-se o seguinte problema de pesquisa: a mediação virtual pode ser
utilizada como instrumento de redução no aumento de demandas judiciais na medida
em que concretiza o direito fundamental ao acesso à justiça? Assim, primeiramente,
tratou-se da transformação dos direitos fundamentais, discorrendo sobre a tipologia
das cinco dimensões e a conquista constitucional do acesso à justiça. Posteriormente,
fez-se uma análise dos meios consensuais de solução de conflitos, notadamente a
mediação. Por fim, verificou-se a utilização de métodos de solução de conflitos em
rede, ressaltando a mediação virtual. O aprofundamento teórico do estudo baseou-se
em pesquisa bibliográfica, a partir de uma abordagem hipotético-dedutiva. Concluiu-
se, portanto, que a mediação virtual pode servir de modelo adequado de resolução de
conflitos, pois apresenta como principal vantagem a economia de tempo e dinheiro dos
envolvidos na lide sociológica.

Introdução

O Poder Judiciário brasileiro atravessa uma grave crise devido ao aumento no


volume de ações ajuizadas de um lado, e de outro, a carência de aparato material para
suprir tal demanda. O número anual de processos sem resolução ultrapassa a marca dos
70%, conforme dados atuais do Conselho Nacional de Justiça. (CNJ – Relatório Justiça
em Números). Diante do panorama complexo que se apresenta, torna-se premente
encontrar formas para superar tais dificuldades.

Um dos caminhos a serem explorados foi o início da migração do Poder Judiciário


para a virtualização com a utilização de processos eletrônicos tendo como objetivo o de
dar agilidade ao trâmite processual. Todavia, tal medida não tem se mostrado suficiente
para resolver o problema. Assim, como alternativa à morosidade da resposta judicial,

138
faz-se necessário o repensar e fortalecer os denominados Métodos Consensuais de
Resolução de Conflitos, como a conciliação e a mediação, dando ênfase à solução dos
litígios por meio da cultura do diálogo.

O presente artigo tem por objetivo analisar a efetivação do direito fundamental


ao acesso à justiça por meio da realização das mediações com a utilização dos meios
virtuais como forma de ampliação dos Métodos Adequados de Resolução de Conflitos,
aliada ao crescente uso de novas tecnologias pelo Poder Judiciário.

No intuito de buscar respostas a temática proposta, formulam-se as seguintes


indagações: como se estabeleceu a ordenação histórico-cumulativa dos direitos
humanos a partir de uma tipologia das dimensões? Como assegurar a garantia dos
direitos fundamentais a partir da salvaguarda do acesso à justiça? A mediação por meio
virtual pode ser considerado um método eficaz de concretização do acesso à justiça?

Para fins de enfretamento dos objetivos específicos, este artigo está estruturado
em três partes: primeiramente, fez-se uma abordagem sobre as modificações dos
direitos fundamentais em suas conviventes dimensões e à conquista do acesso à
justiça. Posteriormente, apresentam-se ponderações acerca dos meios consensuais de
solução de conflitos, notadamente a mediação e suas escolas. Por fim, após algumas
exposições acerca de questões sobre as resoluções consensuais de conflitos, sustenta-
se a viabilidade da utilização dos métodos de solução de conflitos em rede e a realização
da mediação realizada de forma virtual.

O aprofundamento teórico do estudo fundamenta-se na pesquisa bibliográfica,


consubstanciada nas leituras de diversas obras acerca da mediação, apoiando-se no
método dedutivo.

Por fim, o presente ensaio é relevante porque trata de um problema atual a ser
enfrentado pelo Poder Judiciário, qual seja, o acentuado crescimento de demandas
judiciais inversamente proporcionais às soluções definitivas proferidas pelos tribunais.

Os meios consensuais de solução de conflitos

Devido à crise enfrentada pelo Poder Judiciário, foi necessário buscar meios
mais eficazes e menos morosos de solução de conflitos, com o intuito de diminuir o
distanciamento do diálogo existente entre os tribunais e a sociedade.

O meio mais utilizado pelos cidadãos que enfrentam fatos conflituosos, seja
com outro cidadão, ou com pessoas jurídicas, de direito público ou privado, é o caminho
tradicional de busca do Poder Judiciário com o fim de solucionar o referido impasse, por
meio do ajuizamento de ações judiciais. Porém, nessa procura, enfrentam-se inúmeros
problemas, dentre eles, a dificuldade da pessoa carente de ter a sua causa patrocinada
gratuitamente, assim como a morosidade no trâmite processual.

139
Diante dessa conjuntura que assola o Poder Judiciário, é preciso tratar a solução
de conflitos sob um novo enfoque, que não escape aos ditames da cultura do litígio e que,
por vias contrárias, fortaleça o diálogo entre as partes envolvidas no conflito pautado
diante de uma “nova cultura cidadã”. É premente a mudança do paradigma privilegiado
pela sociedade atual do “ganhar-perder” para um novo paradigma de metodologia na
resolução de controvérsias no modelo “ganhar-ganhar”. Porém, para alcançar referido
objetivo, é preciso mudar a cultura jurídica tanto dos operadores do direito, quanto da
sociedade em geral. Não só isso, as faculdades de direito precisam, no mesmo sentido,
dar ênfase a implantação de disciplinas que visem à solução consensual dos conflitos,
conforme a orientação da resolução 125 do CNJ. Os juristas italianos Cappelletti e Garth
já entendiam desta forma, quando iniciaram a análise do problema do acesso à justiça
dizendo que:

[...] os juristas precisam, agora, reconhecer que as técnicas


processuais servem a funções sociais; que as cortes não são a única
forma de solução de conflitos a ser considerada e que qualquer
regulamentação processual, inclusive a criação ou o encorajamento
de alternativas ao sistema judiciário formal tem um efeito importante
sobre a forma como opera a lei substantiva – com que frequência
ela é executada, em benefício de quem e com que impacto social
(CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 12-13).

Destarte, com a utilização de métodos apropriados de solução de conflitos,


busca-se a ampliação do horizonte de acesso à justiça. Convém, mesmo que de forma
breve, analisar quais as principais formas de pacificação de conflitos. Dentre as formas
apropriadas de resolução de disputas, a conciliação é a mais conhecida e utilizada,
sendo na sua forma extrajudicial ou quando já em trâmite o processo judicial.

A conciliação pode ser definida como um “processo autocompositivo breve, no


qual as partes ou os interessados são auxiliados por um terceiro, neutro ao conflito, [...]
para assisti-las, por meio de técnicas adequadas a chegar a uma solução a um acordo”.
(CNJ – Manual de Mediação). Conforme Relatório Justiça em Números, do CNJ, a justiça
que mais consegue estabelecer conciliações é a Justiça Trabalhista, solucionando
cerca de 25% das demandas por meio da conciliação. Nos Juizados Especiais, o índice
de conciliação é de aproximadamente16% dos casos. Todavia, os índices tendem a
aumentar devido a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, que prevê a
obrigatoriedade da realização de uma audiência prévia de conciliação ou de mediação
entre as partes.

O Conselho Nacional de Justiça, desde 2010, com o fito de incentivar a conciliação,


promove o prêmio “Conciliar é Legal”, que “busca identificar, premiar, disseminar e
estimular a realização de ações de modernização no âmbito do Poder Judiciário
que estejam contribuindo para a aproximação das partes, a efetiva pacificação e,
consequentemente, o aprimoramento da Justiça” (CNJ).

140
Portanto, outra forma bastante utilizada de resolução consensual de conflitos é
a negociação, que ocorre quando os envolvidos, de forma voluntária, buscam a maneira
mais adequada de solucionar o problema, levando em consideração o que consideram mais
justo para ambas. Assim “em linhas gerais, as partes: i) escolhem o momento e o local da
negociação; ii) determinam como se dará a negociação [...]; iii) podem continuar, suspender,
abandonar ou recomeçar as negociações [...]” (CNJ – Manual de Mediação). Aplainado os
conceitos sobre os meios consensuais de solução de conflitos, passe-se ao estudo da
mediação e as suas escolas.

Métodos de solução de conflitos em rede e a mediação virtual

Atualmente, estamos imersos na era da comunicação virtual, dos


relacionamentos virtuais. Cada vez mais as pessoas estão deixando de compartilhar o
contato físico para substituí-los e mantê-los por meio da via internet, tamanho a gama
de redes sociais colocadas à disposição dos internautas, como Facebook, Instagram,
WhatsApp, Skype, entre muitos outros.

No Poder Judiciário não é diferente. O número de processos virtuais vem


aumentando gradativa e exponencialmente. Conforme o relatório do CNJ, Justiça em
Números 2016, “o percentual de processos que ingressaram eletronicamente no Poder
Judiciário tem crescido linearmente, em curva acentuada desde 2012”. O índice de casos
novos eletrônicos, correspondem a 82,9% na Justiça do Trabalho, 66,9% na Justiça
Federal e 51,7% na Justiça Estadual. (CNJ). No que se refere aos meios adequados de
solução de conflitos, a Lei de Mediação (Lei n.º 13.140/15), em seu art. 46 estabelece a
possibilidade da mediação “ser feita pela internet ou por outro meio de comunicação
que permita a transação à distância, desde que as partes estejam de acordo.” O Código
de Processo Civil (Lei 13.105/15), em seu artigo 334, § 7o assegura que a “audiência de
conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da lei”.

Desse modo, no caminho da crescente virtualização da justiça convém criar


formas de viabilizar a resolução de conflitos com os métodos apropriados, para que
os mesmos possam ocorrer de forma virtual, caminhando e interagindo ao lado da era
digital.

As formas de solução de conflitos online (Online Dispute Resolution - ODR)


surgiram no início da década de 1990. A partir de 1992, quando a internet foi aberta para
transações comerciais, houve a geração de uma série de novos modelos de conflitos,
tornando essencial a criação de um formato de solução de conflitos que atuasse no
mesmo ambiente onde os conflitos foram originados. Assim, foi criado o primeiro
software de arbitragem em rede, o Virtual Magistrate. (LIMA; FEITOSA, 2016).

Com o lançamento, em 1998, da Amazon e eBay (plataformas de compra-


venda pela internet), ampliou-se a diversidade de conflitos. Por isso, o eBay criou um
experimento para mediar conflitos envolvendo seus usuários, que em duas semanas

141
mediou 200 conflitos, vindo a adotar o instrumento como política institucional, o que foi
seguido por outros tipos de plataformas de venda online. O eBay divulgou que, até o ano
de 2010, ocorreu a solução de mais de 60 milhões de conflitos mediados pelo site. Em
meados dos anos de 2010 percebeu-se novamente o interesse para as soluções online de
conflitos, principalmente com propostas governamentais, a exemplo da União Europeia
e estados Unidos. No Brasil, foi criada a plataforma consumidor.gov.br e o Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro implantou o aplicativo de conciliação pré-processual. (LIMA;
FEITOSA, 2016). Pode-se constatar o êxito de referidos sites, na utilização de resolução
de conflitos de forma virtual. Nesse sentido, convém ao Poder Judiciário adotar medidas
para utilização de ODR na solução de conflitos. Mas é preciso refletir sobre as vantagens,
e também as desvantagens na utilização desse tipo de procedimento nas resoluções
consensuais de conflitos.

As vantagens se referem principalmente à economia de tempo e de dinheiro. Os


diálogos online resultam em economia financeira dos envolvidos, que não precisam se
deslocar até um local físico para as tratativas. A economia aumenta quando as partes
pertencem a locais geograficamente distantes, e consequentemente, há a economia de
tempo. Destaca-se que, na grande maioria das vezes, quando a parte precisa se deslocar
a uma grande distância, ela não o faz quando se trata de um método consensual, não
obrigatório. Desta forma, a tendência é de um aumento na participação nos métodos
adequados de solução de conflitos, se executados virtualmente. Pode-se utilizar como
exemplo, uma disputa de guarda, onde um dos genitores resida no exterior. A mediação
virtual possibilitará o diálogo entre os envolvidos na disputa, sem que tenham que se
deslocar de suas cidades, poupando tempo e dinheiro. Sobre a realização de mediação
virtual, convém ressaltar que:

A realização de sessões virtuais de mediação ainda provoca


desconfortos, pois suprime o caráter pessoal das negociações,
conhecido como “face-to-face mediation”. Por outro lado, muitos já se
convenceram da conveniência do método, na medida em que reduz
os custos operacionais e conecta pessoas localizadas em diferentes
partes do mundo. Em que pese aos argumentos contrários, o processo
de mediação eletrônica parece adequar-se bem aos novos tempos. Os
benefícios do rompimento das barreiras geográficas, a acessibilidade
que proporciona às pessoas com deficiências físicas, a celeridade do
rito, as módicas despesas econômicas suportadas pelos usuários,
tudo isso justifica a aposta do Código de 2015 nessa ferramenta. O
ponto de preocupação relacionado às plataformas online reside na
asseguração da higidez do procedimento e das cláusulas de garantia
das partes. Os sistemas de videoconferência dos tribunais deverão
avalizar a identidade dos intervenientes, certificando a titularidade
e autenticidade da firma. Além disso, os mediadores deverão
desenvolver habilidades específicas para interpretar à distância os
sentimentos das artes e a ocorrência de vícios no consentimento.
Por fim, cumpre dizer que a mediação virtual já é amplamente
utilizada em países como a Alemanha, Estados Unidos, Holanda
e Argentina. Tanto é assim que muitas empresas de tecnologia se
especializaram no desenvolvimento de softwares próprios para o
desenvolvimento das sessões online. (SIVIERO, 2015, p. 325-226).

142
No que se alude às desvantagens, referem-se principalmente a ausência de
contato entre as partes e aos problemas que grande parte da população enfrenta ao
acesso à internet. Tendo em vista que a mediação, que tem como objetivo estimular o
diálogo entre as partes, esta falta de contato pode ser um obstáculo que precisará mais
estudo. Primeiramente, parece essencial que para uma mediação online tenha êxito,
é preciso utilizar métodos como a videoconferência, onde os envolvidos poderiam ter
um contato mais aproximado, e ocorrer formas não verbais de comunicação, como a
linguagem corporal, expressão facial.

Em contrapartida, como são necessários profissionais capacitados para realizar


uma mediação, e a necessidade da interdisciplinaridade, pois além dos advogados dos
envolvidos, muitos casos necessitam de psicólogos e assistentes sociais, como nos
casos que envolvem conflitos familiares, as mediações online facilitariam a presença de
referidos profissionais em maior número de sessões.

Verifica-se, portanto, que as dificuldades existentes não são instransponíveis,


sendo que caberia ao Judiciário estudar as formas mais adequadas para implantar
métodos virtuais de solução consensual de conflitos.

Conclusão

Pelo presente trabalho, verificou-se que a construção dos direitos fundamentais


se apresenta em dimensões, que não são sucessivas, mas concomitantes, sendo que as
garantias conquistadas em uma dimensão, não afastam os direitos pleiteados em outra.

Averiguou-se, ainda, que o direito constitucional de inafastabilidade da


jurisdição não precisa ocorrer somente com o ingresso de processos perante o Poder
Judiciário, pois há formas consensuais de solução de controvérsias, como a mediação,
a conciliação, e até mesmo a negociação, que também são formas de acesso à justiça,
que tem como finalidade restabelecer o diálogo entre as partes e construir a “cultura da
paz”.

Com a promulgação da Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015), bem como o Código


de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) o Judiciário brasileiro caminha para alcançar
a solução da morosidade processual e da exclusão de cidadãos do acesso à justiça.
Todavia, a inovação legislativa não é suficiente, é preciso uma revolução social e
cultural, onde as partes deixam de visualizar o litígio como a única forma de solução
do conflito. Além disso, é preciso a mudança concomitante dos juízes, advogados,
defensores públicos e membros do Ministério Público, para que realmente apliquem a
lei, e estimulem a conciliação e mediação.

143
Por fim, a sociedade atual está cada vez mais utilizando a comunicação virtual,
e desta forma, também pode utilizar a rede para encontrar solução aos conflitos. A
mediação virtual pode servir de modelo adequado de resolução de conflitos, pois tem
como vantagem a economia de tempo e de dinheiro, além de resolver os problemas
como a distância entre os envolvidos.

Sabe-se que existem dificuldades no uso desta ferramenta, que se refere


principalmente a falta de contato entre as partes, um dos requisitos para que a mediação
ocorra, todavia, a utilização de sistemas de videoconferência tende a resolver referido
impasse. Outro problema verificado refere-se ao fato que grande parte da população
enfrenta dificuldade ao acesso à internet. Todavia, a realização de mediação em rede em
espaços fornecidos pelos Tribunais seria uma solução para a dificuldade apresentada.

Fonte: BORGES, G. S.; ABDEL AL, M. A efetivação do direito fundamental do acesso à justiça por meio da
mediação virtual de conflitos. Nomos - Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da
UFC. Fortaleza, v. 39, n. 1, p. 109-123. jan./jun. 2019. Disponível em: https://repositorio.ufc.br/bitstream/
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por meio da mediação virtual de conflitos. Nomos - Revista do Programa de Pós-
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Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2015.

WEYNE, D. L. B. A aplicação dos nudges na preservação do livre arbítrio em audiências


judiciais de conciliação e mediação. Revista Brasileira de Direito Civil em
Perspectiva. Florianópolis, v. 5, n. 2, p. 104-118, 2019. Disponível em: https://indexlaw.
org/index.php/direitocivil/article/view/5865. Acesso em: 14 ago. 2022.

148
UNIDADE 3 —

TÉCNICAS DE MEDIAÇÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender o Manual de Mediação Judicial do Conselho Nacional de Justiça;

• compreender a moderna Teoria do Conflito e a possibilidade de educar a sociedade


para tornar-se mais consensual;

• estudar o manual destinado à formação de terceiros facilitadores;

• conhecer o material referente ao curso de Mediação Judicial;

• compreender o funcionamento da mediação de família;

• rever conceitos sobre a Justiça Restaurativa;

• perceber que a transformação de conflitos deseja reduzir a violência e aumentar a


justiça nas interações diretas e nas estruturas sociais.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – MANUAL DE MEDIAÇÃO JUDICIAL DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA


TÓPICO 2 – CURSO DE MEDIAÇÃO JUDICIAL
TÓPICO 3 – CURSO DE MEDIAÇÃO PENAL, CÍRCULOS RESTAURATIVOS E JUSTIÇA
RESTAURATIVA
TÓPICO 4 - JUSTIÇA RESTAURATIVA, MEDIAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DE CONFLITOS

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

149
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!

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150
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
MANUAL DE MEDIAÇÃO JUDICIAL DO
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

1 INTRODUÇÃO
No Tópico 1, será abordado o Manual de Mediação Judicial do Conselho Nacional
de Justiça. Nesse sentido, os objetivos de aprendizagem a serem alcançados com este
estudo são:

• compreender o Manual de Mediação Judicial do Conselho Nacional de Justiça;


• compreender a Moderna Teoria do Conflito e a possibilidade de educar a sociedade
para tornar-se mais consensual;
• estudar o Manual destinado à formação de terceiros facilitadores.

Para melhor compreensão do conteúdo, este foi dividido em dois subtópicos. No


primeiro, denominado Manual de Mediação Judicial do Conselho Nacional de Justiça,
o estudo pretende alcançar os dois primeiros objetivos estabelecidos acima. Para
isso, a análise será a respeito da iniciativa da elaboração e da estrutura do Manual de
Mediação Judicial do Conselho Nacional de Justiça e a Moderna Teoria do Conflito e a
possibilidade de educar a sociedade para se tornar mais consensual, sob o enfoque do
Manual de Mediação.

Por sua vez, o segundo subtópico, chamado de Curso de Formação de


Instrutores: Negociação, Mediação e Conciliação, pretende alcançar o terceiro objetivo
de aprendizagem apresentado. Assim, o seu conteúdo trará considerações gerais acerca
do Curso, além da descrição do Manual destinado à formação de terceiros facilitadores,
nos seus aspectos teóricos e práticos.

Dessa forma, é necessário que seja realizada a leitura dos subtópicos, bem
como a resolução da autoatividade disposta ao fim do tópico. Bons estudos!

2 MANUAL DE MEDIAÇÃO JUDICIAL DO CNJ


O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem como escopo o melhoramento das
ações do Poder Judiciário. Para isso, a instituição se utiliza de ferramentas que impactam
na gestão do órgão. Um importante instrumento é a incorporação da Mediação entre os
procedimentos de solução dos conflitos. O CNJ atua para a organização e gestão da
Mediação de várias formas, e uma delas é a elaboração do Manual de Mediação Judicial.

151
Ao tratarmos do Manual de Mediação Judicial, é preciso compreendê-lo
enquanto instrumento e ferramenta auxiliar dos programas autocompositivos de
resolução de conflitos. Vamos entender como se deu a iniciativa de sua elaboração e a
sua estrutura organizacional voltada para a teoria e para a prática da mediação judicial.

Um segundo ponto importante neste estudo é a compreensão da Moderna Teoria


do Conflito e a possibilidade de educar a sociedade para tornar-se mais consensual.
Então, veremos como se deu a quebra do paradigma da litigiosidade para a construção
do paradigma da consensualidade, essencial para a sociedade na moderna concepção
de conflito.

2.1 A INICIATIVA DA ELABORAÇÃO DO MANUAL DE MEDIAÇÃO


JUDICIAL DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
O presente subtópico visa auxiliar na compreensão do Manual de Mediação
Judicial elucidando a iniciativa para a sua elaboração. De tal maneira, é possível afirmar
que o Manual de Mediação Judicial do Conselho Nacional de Justiça foi formulado em
decorrência de uma iniciativa

[...] em regime de voluntariado, iniciado em 2001 no Grupo de Pesquisa


e Trabalho em Resolução Apropriada de Disputas (então denominado
Grupo de Pesquisa e Trabalho em Arbitragem, Mediação e Negociação)
da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (FD/UnB), com a
colaboração de magistrados, procuradores estaduais, procuradores
federais e advogados ligados, direta ou indiretamente, àquele grupo
de pesquisa em mediação (BRASIL, 2016, p. 13).

O início dos trabalhos se deu com a realização do “primeiro curso de formação


de mediadores organizado na FD/UnB, em agosto de 2000” (BRASIL, 2016, p. 13).
Assim, “concebeu-se a ideia de elaborar um guia ou manual que reunisse [...] a teoria
autocompositiva relativa à mediação para uso por mediadores judiciais, nos diversos
projetos-piloto existentes no Brasil, e por conciliadores no que for pertinente” (BRASIL,
2016, p. 13). Todo o movimento ocorrendo nos “termos do art. 334 do NCPC, e do art. 2º
da Lei n. 9.099/1995” (BRASIL, 2016, p. 13). O seu texto “foi originalmente planejado para
servir de suporte a uma disciplina de graduação na Faculdade de Direito da Universidade
de Brasília denominada ‘Prática Autocompositiva’ ou ‘Prática e Atualização do Direito –
Mediação’” (BRASIL, 2016, p. 14).

O Manual de Mediação Judicial do Conselho Nacional de Justiça “apresenta


apenas um entre vários modelos de mediação judicial. Adotou-se o procedimento da
mediação cível ciente de que em mediações penais ou de família recomendam-se
procedimentos específicos” (BRASIL, 2016, p. 13). Dessa forma, seu conteúdo é formado
por uma “sequência de passos, técnicas e ferramentas a serem seguidos e adotados
pelos mediadores judiciais em demandas cíveis e que, com reduzidas alterações, podem
ser utilizados também por conciliadores” (BRASIL, 2016, p. 13).

152
O Manual foi, basicamente, criado pelo “Grupo de Pesquisa e Trabalho em
Resolução Apropriada de Disputas (GT RAD) [...] para atender, especificamente, às
necessidades dos mediadores que atuam no âmbito do Poder Judiciário” (BRASIL, 2016,
p. 13). Dessa maneira, a intenção

não foi substituir o treinamento em técnicas e habilidades


autocompositivas. Este texto serve para complementar o treinamento
básico oferecido pelo Tribunal de Justiça ou órgão com o qual este
tenha relação de parceria. Como será abordado mais adiante, o
adequado treinamento envolve um curso de técnicas e habilidades
seguido por mediações supervisionadas, grupos de autossupervisão
e recomendações derivadas das avaliações dos usuários (BRASIL,
2016, p. 13-14).

Conforme observado, o Manual de Mediação Judicial representa uma ação do


Conselho Nacional de Justiça com o propósito de atender às necessidades de afirmação
das práticas de mediação cível no Brasil. Na sequência, veremos como o material foi
elaborado.

NOTA
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) “é uma instituição pública que visa
a aperfeiçoar o trabalho do Judiciário brasileiro, principalmente no que diz
respeito ao controle e à transparência administrativa e processual” (CNJ, 2022
[s.p]). Para conhecer essa instituição acesse: https://www.cnj.jus.br/sobre-o-
cnj/quem-somos/ Acesso em: 5 out. 2022.

DICA
Conheça também a Conciliação e Mediação no Conselho Nacional de
Justiça acessando: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/conciliacao-e-
mediacao/. Acesso em: 5 out. de 2022.

ATENÇÃO
O Manual de Mediação Judicial do Conselho Nacional de Justiça foi elaborado
de acordo com a Lei 13.140/15 (Lei de Mediação), a Lei 13.105/15 (Novo
Código de Processo Civil) e a Emenda 2 da Resolução 125/10 (BRASIL, 2016,
p. 1).

153
2.2 A ESTRUTURA DO MANUAL DE MEDIAÇÃO JUDICIAL DO
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
O Manual de Mediação Judicial do Conselho Nacional de Justiça é definido como
um “texto de apoio a curso de técnicas e habilidades em mediação de conflitos oferecido
no âmbito de tribunais de justiça. Nesse sentido, buscou-se adotar uma abordagem
bastante pragmática do exercício da mediação” (BRASIL, 2016, p. 14). Está estruturado
em 12 módulos e cinco anexos. Os primeiros fornecem um aporte teórico acerca da
matéria, já os segundos são instrumentos auxiliares para a prática da mediação.

Os módulos teóricos são formados com a seguinte abordagem de conteúdo:


Políticas Públicas em RAD; Teoria do Conflito; Teoria dos Jogos; Fundamentos
de negociação; Competências autocompositivas; Qualidade em processos
autocompositivos; Panorama do processo de mediação; A sessão de mediação;
Rapport – O estabelecimento de uma relação de confiança; O controle sobre o processo;
A provocação de mudanças e A mediação e o processo judicial. Os “fundamentos
teóricos encontram-se ao final de cada capítulo. Como se trata de uma obra voltada
predominantemente à prática da mediação, há recomendações tópicas e claramente
dirigidas à mediação judicial” (BRASIL, 2016, p. 14).

No que diz respeito ao conteúdo programático e à formação do mediador, foi


inserido “um breve capítulo sobre o tema para que o mediador e o gestor do programa
de mediação judicial possam seguir parâmetros recomendados” (BRASIL, 2016, p.
14). Com a finalidade de fixação de conceitos-chave, é possível observar “pequenas
repetições de pontos pedagógicos que considerou -se de maior relevância e que, por
este motivo, foram propositadamente registrados em duplicidade no presente manual”
(BRASIL, 2016, p. 14).

Com relação ao primeiro módulo – Políticas Públicas em Resolução Adequada


de Disputas (Res. 125/10 - CNJ) –, os objetivos de aprendizagem consistem em:

1. Identificar os fundamentos das políticas públicas em Resolução Adequada de


Disputas.
2. Compreender os objetivos do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de
Solução de Conflitos.
3. Compreender as funções dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania.

Para isso, foram explorados os assuntos contextualizados a partir da Resolução


nº 125, de 29 de novembro de 2010, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional
de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário
e dá outras providências. Abordando, inicialmente a Resolução 125 e seus objetivos,
posteriormente, a dicotomia da Resolução 125 e o novo acesso à justiça; na sequência,
a Resolução 125 e os novos processos; além do judiciário como efetivo centro de
harmonização social; seguindo com a estrutura da autocomposição no Poder Judiciário;

154
ressaltando a atuação do CNJ na implantação da Resolução 125; confrontando a
Emenda 2 à Resolução 125 e, por fim, elencando os próximos objetivos na implantação
da Resolução 125. O resultado do aprofundamento do estudo acerca da Resolução 125
enfatiza, principalmente, os objetivos principais da Resolução 125, a importância do
Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, a importância
dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania e o que há de diferente no
Acesso à Justiça estimulado na Resolução 125.

No segundo módulo – Teoria do Conflito – os objetivos de aprendizagem são:

1. Compreender que o conflito é inevitável e que pode ser uma força positiva para o
crescimento.
2. Compreender algumas diferenças entre processos construtivos e destrutivos de
resolução de disputas.
3. Entender como o conflito se desenvolve em espirais e por que essa escalada de
conflito é tão importante na gestão de disputas.
4. Compreender que um conflito pode melhorar ou piorar dependendo da forma pela
qual se percebe o contexto conflituoso.

Esse caminho foi traçado com o estudo do conflito e o processo judicial;


passando-se aos conflitos e disputas, as espirais de conflito e ressaltando, finalmente,
sobre os processos construtivos e destrutivos. Com isso, se revelam os processos
construtivos e suas características, além dos mecanismos de luta e fuga em processos
de resolução de disputa, as espirais de conflito e a importância de se compreender a
escalada de conflitos.

Seguindo, no terceiro módulo – Teoria dos jogos – os objetivos pedagógicos são:

1. Compreender dinâmicas competitivas e cooperativas e seus reflexos em curto, médio


e longo prazo.
2. Compreender a importância do Equilíbrio de Nash para o planejamento de sistemas
de resolução de conflito.
3. Entender por que se opta por muitas ações competitivas sem se considerarem seus
resultados de médio e longo prazo.
4. Compreender a importância da teoria dos jogos como marco teórico na teoria
autocompositiva.

Os assuntos tangenciados são o conceito, o histórico e a aplicação da Teoria


dos Jogos; o equilíbrio de Nash; competição e cooperação; a contextualização da Teoria
dos jogos e da mediação. Os principais pontos explorados consistem na importância
do equilíbrio de Nash para a mediação; a mediação utilizada com "partes antiéticas"; o
mediador na análise da eticidade da conduta das partes; a cooperação; processos de
resolução de disputas; os significados para a expressão "vencer uma disputa (ou um
conflito)".

155
Já no quarto módulo, chamado de Fundamentos de negociação, temos os
seguintes objetivos pedagógicos:

1. Compreender a diferença entre negociação baseada em interesses


e negociação posicional. 2. Compreender respostas distintas ao
conflito da negociação posicional e da negociação baseada em
interesses. 3. Identificar técnicas essenciais como a separação de
problemas de pessoas (despersonificação do conflito), criação de
opções de ganho mútuo, utilização de critérios objetivos e melhor
alternativa a um acordo negociado. 4. Distinguir negociação
distributiva da negociação integrativa. Descrever os motivos de a
negociação integrativa ser, na maioria das vezes, mais eficiente para
se resolverem conflitos que a negociação distributiva. 5. Distinguir
os conceitos de posição (ou interesse aparente) de interesse (ou
interesse real). O módulo é direcionado para separar as pessoas
do problema; voltar-se ao foco nos interesses e não em posições;
a geração de opções de ganhos mútuos; a utilização de critérios
objetivos; a melhor alternativa à negociação de um acordo e os tipos
de negociação. Com isso, os conceitos são fixados para a negociação
baseada em princípios e o foco em interesses e não em posições
(BRASIL, 2016, p. 71-85).

Na sequência, tem-se o quinto módulo – Competências autocompositivas –


cujos objetivos pedagógicos são:

1. Compreender as diversas competências que o mediador


progressivamente desenvolve na sua formação. 2. Identificar
alguns componentes de competências comunicativas necessárias
a uma eficiente mediação. 3. Transformar alguns discursos hostis
em pedidos. 4. Reconstruir uma afirmação utilizando linguagem
neutra e sem viés bem como fazer uso de perguntas voltadas ao
esclarecimento de interesses reais. Assim, os assuntos tratados são:
treinamentos baseados em tempo e treinamentos baseados em
competência; competências autocompositivas, cognitivas quanto
ao conflito, perceptivas, emocionais, comunicativas, a formulação
de pedido; além das competências de pensamento criativo, de
negociação e de pensamento crítico. Com isso foram ressaltadas as
habilidades autocompositivas (BRASIL, 2016, p. 88-101).

No sexto módulo, que recebe o título de Qualidade em processos


autocompositivos, são observados três objetivos:

1. Identificar componentes pessoais e organizacionais de programas


de mediação judicial com elevada satisfação de usuário. 2.
Compreender alguns indicadores de qualidade que mensurarão o
grau de sucesso do mediador. 3. Compreender o ciclo de formação
do mediador e identificar sua importância na formação do mediador.
Tratando sobre qualidade: conceito e aplicação na mediação, o
papel do observador, do supervisor, a autossupervisão, o ciclo de
formação do mediador judicial; Cadastro Nacional de Mediadores
Judiciais e Conciliadores. Oportunizando a reflexão sobre a qualidade
de uma mediação, além dos papéis assumidos pelos Mediadores e
Conciliadores (BRASIL, 2016, p. 103-134).

156
O próximo módulo que se apresenta é o sétimo – Panorama do processo de
mediação – ,e os objetivos pedagógicos são:

1. Definir o que é a mediação de conflitos.


2. Descrever resumidamente os objetivos que legitimam a mediação.
3. Identificar os agentes e fatores da mediação.
4. Compreender o desenvolvimento procedimental da mediação.
5. Ter consciência dos principais aspectos relacionados ao ciclo de formação do
mediador.

Isso se dará conhecendo o processo de mediação, os agentes e fatores da


mediação, a estrutura do processo de mediação; seu escopo, benefícios, além do seu
procedimento e da formação do mediador. Ocorrendo assim a evidência da mediação
como um processo e do procedimento de mediação.

Na continuidade, o Manual trata do oitavo módulo - A sessão de mediação –


sendo os objetivos pedagógicos:

1. Preparar um ambiente para uma mediação.


2. Identificar os principais componentes de uma declaração de abertura eficaz.
3. Identificar questões, interesses e sentimentos necessários para a adequada
compreensão da relação conflituosa.
4. Descrever práticas para estimular, nas partes, mudanças de percepções e atitudes.

Nesse ponto,
se destaca a preparação, como proceder anteriormente à chegada das
partes, o encontro com as partes, como organizar o posicionamento
e a localização das partes à mesa durante a mediação, a Sessão de
Abertura, a Reunião de Informações, a identificação de questões,
interesses e sentimentos, como estimular mudanças de percepções
e atitudes, as sessões Individuais, as conjuntas finais, a construção
do acordo, a orientação dos debates. Dessa maneira se apresenta a
preparação ambiental de uma mediação, os propósitos da declaração
de abertura, a importância de um resumo após as manifestações
das partes e a importância de se identificarem os sentimentos das
partes, a validação de sentimentos, o próprio propósito na mediação
e a mediação facilitadora e avaliadora (BRASIL, 2016, p. 197).

O módulo nove, Rapport – O estabelecimento de uma relação de confiança,


conta com os seguintes objetivos pedagógicos:

1. Compreender algumas estratégias básicas para a atuação


do mediador. 2. Identificar alguns componentes comunicativos
relacionados à despolarização do conflito. 3. Compreender alguns
componentes na mediação relacionados ao ambiente emocional. 4.
Compreender a pacificação na mediação como ação pessoal a ser
estimulada nas partes e a identificar comportamentos pacificadores e
‘despacificadores’ nas suas ações. Dessa forma, o conteúdo exposto
se define como: Estratégias de atuação do mediador, compreensão do
caso, o tom da mediação, empoderamento das partes, necessidades
157
e dificuldades das partes e a confidencialidade, imparcialidade. De tal
modo, fica evidenciada a importância e o desenvolvimento de uma
relação de confiança entre os envolvidos na mediação (BRASIL, 2016,
p. 199-215).

Na continuação, se apresenta o módulo dez - O controle sobre o processo –


com os seguintes objetivos pedagógicos:

1. Estabelecer estratégias básicas relacionadas à condução da


mediação. 2. Compreender algumas habilidades comunicativas
fundamentais à condução da mediação. 3. Identificar técnicas para
manter o controle da mediação. 4. Identificar abordagens e posturas
profissionais que refletem elevada qualidade social e auxiliam na
condução da mediação. A elucidação se encaminha discorrendo
acerca da condução do processo, aspectos relevantes sobre a
intervenção do mediador, limites e regras de procedimento e técnicas
para manter o controle da mediação. Neste sentido se assinala a
relevância da condução do mediador para a boa fluência do processo
de mediação (BRASIL, 2016, p. 215-229).

No penúltimo módulo, de número onze – A provocação de mudanças – os


objetivos pedagógicos são definidos como:

1. Identificar algumas ferramentas ou instrumentos para provocar mudanças e estimular


o desenvolvimento da mediação.
2. Identificar algumas práticas de mediação avaliadora não recomendáveis em
mediações judiciais.
3. Compreender componentes fundamentais da exploração de alternativas.
4. Compreender algumas práticas recomendáveis na redação do acordo. Essa concepção
envolve: A construção das soluções, a possibilidade de os mediadores sugerirem
saídas, a exploração de alternativas, como agir quando não há solução à vista e a
redação do acordo. Assim, é possível constatar o bom emprego dos mecanismos do
processo para a prática de transformações construtivas entre os participantes da
mediação.

Por fim, chega-se ao módulo doze – A mediação e o processo judicial – que


conta com os objetivos pedagógicos:

1. Descrever resumidamente os princípios norteadores da mediação de conflitos.


2. Identificar alguns componentes éticos fundamentais relacionados à mediação.
3. Compreender a relação entre o mediador e outros operadores do direito como o
magistrado e o advogado.

A explanação se inicia com a função do mediador, a deontologia do mediador,


as conexões entre as figuras do mediador perante o advogado e perante o juiz. Desse
modo, são registrados os pontos de aproximação e distanciamento entre a mediação
e o processo judicial, havendo uma convergência de interesses para a melhor solução
dos conflitos mediados.

158
Por sua vez, a estrutura do manual ainda conta com os instrumentos da prática
da mediação. Para isso foram utilizados cinco anexos, dispostos da seguinte forma:

Anexo 1: O processo de mediação: conteúdo programático do curso básico.


Anexo 2: Resolução 125/10 atualizada pelo Ato Normativo 4.616/2012 e
Recomendação 50/2014;
Anexo 3: Exercícios de mediação e controle de leitura.
Anexo 4: Roteiro para atuação em equipes de autossupervisão.
Anexo 5: Relatórios, que encerra o rol de materiais.

Portanto, se observa que a estrutura do Manual de Mediação Judicial do Conselho


Nacional de Justiça é um instrumento de teoria e prática que conta com subsídios para
o aperfeiçoamento e desenvolvimento da mediação judicial. Sua estrutura, composta
por doze módulos e cinco anexos é importante para o desenvolvimento da moderna
teoria do conflito e para a educar a sociedade com o fim de torná-la mais consensual
(BRASIL, 2016), conforme será exposto no subtópico a seguir.

NOTA
Do enfoque deste Manual ante a RAD – “O campo da chamada ‘Resolução
Apropriada de Disputas’ inclui uma série de métodos de resolução de
conflitos que precisam ser compreendidos com flexibilidade e consciência
quanto as suas vantagens e limitações” (BRASIL, 2016, p. 26).

Um conceito muito utilizado na mediação chama-se rapport. “Rapport


consiste no relacionamento harmonioso ou estado de compreensão
recíproca no qual, por simpatia, empatia ou outros fatores se gera
confiança e comprometimento recíproco – no caso da mediação com
o processo em si, suas regras e objetivos” (BRASIL, 2016, p.174).

DICA
O Manual de Mediação Judicial foi elaborado por voluntários, e seu
acesso pode ser feito por meio do Conselho Nacional de Justiça, em
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2016/07/
f247f5ce60df2774c59d6e2dddbfec54.pdf Acesso em: 5 out. 2022.

159
2.3 A MODERNA TEORIA DO CONFLITO E A POSSIBILIDADE
DE EDUCAR A SOCIEDADE
Neste subtópico, vamos compreender a Moderna Teoria do Conflito e a
possibilidade de educar a sociedade para tornar-se mais consensual. Na modernidade,
a complexidade social exige uma quebra de paradigma acerca da teoria do conflito,
o caráter da consensualidade deve se tornar um fator de preponderância no século
XXI. Nesse contexto, surge a Moderna Teoria do Conflito, decorrente da significativa
contribuição de autores como Mary Parker Follet e Morton Deutsch, que reconfiguraram
a concepção de conflito:

[...] ao apresentarem a definição de processos construtivos


de resolução de disputas, pode-se afirmar que ocorreu uma
recontextualização acerca do conceito de conflito na medida em
que se registrou ser este um elemento da vida que inevitavelmente
permeia todas as relações humanas e contém potencial de contribuir
positivamente nessas relações (BRASIL, 2016, p. 261).

Os estudos apontam que “com base em construções teóricas de caráter


multidisciplinar corroboradas por projetos-piloto existentes no Brasil, pode-se afirmar
que, se conduzido construtivamente, o conflito pode proporcionar crescimento pessoal,
profissional e organizacional” (BRASIL, 2016. p. 261). Isso significa que o conflito “[...]
pode, se conduzido com técnica adequada, ser importante meio de conhecimento,
amadurecimento e aproximação de seres humanos, impulsiona relevantes alterações
quanto à ética e à responsabilidade profissional” (BRASIL, 2016, p. 261). Sobre as relações
jurídicas modernas,

[...] em especial diante do conceito apresentado por Morton Deutsch


de processos construtivos de resolução de disputas, constata-se
que em grande parte o ordenamento jurídico processual, que se
dirige predominantemente à pacificação social, organiza-se, em
especial, na sua feição pública (i.e. processo judicial), em torno de
processos destrutivos lastreados em procedimentos fundados, em
regra, somente no direito positivo (BRASIL, 2016, p. 262).

É notório que a

[...] transição de um sistema público de resolução de disputas em que


as normas processuais seriam os principais fatores estruturantes –
como a espinha dorsal é para o corpo humano – para um novo sistema
em que a efetiva solução dos conflitos, como estes são vistos pelo
jurisdicionado, passa a ser um dos principais fatores estruturantes
(BRASIL, 2016, p. 262).

Conforme esse modelo, “as normas processuais são instrumentos para o alcance
ou a realização dessas soluções. Dessa forma, o foco na efetiva solução de conflitos sob
o prisma do usuário constitui a espinha dorsal de todo sistema (pluri)processual – sem
isso não se mostra possível permanecer ereto” (BRASIL, 2016, p. 262).

160
Esse raciocínio reforma a ideia de que

[...] o conflito, em muitos casos, não pode ser completamente


resolvido tão somente por abstrata aplicação da técnica de
subsunção. Ao considerar que sua função consiste somente em
examinar quais fatos encontram-se demonstrados para em seguida
indicar o direito aplicável à espécie (subsunção) o operador do direito
muitas vezes deixa de fora um componente fundamental ao conflito
e sua resolução: o ser humano (BRASIL, 2016, p. 262).

Em um novo paradigma, definindo um moderno sistema processual, é necessário


que todos os envolvidos, incluindo o operador do direito, e em especial, o mediador,
atentem-se para novos fatores. Dentre eles, destacam-se três:

i) preocupar-se com a litigiosidade remanescente – aquela que


pode persistir entre as partes após o término de um processo de
composição de conflitos em razão da existência de conflitos de
interesses que não foram tratados no processo judicial – seja por
não se tratar de matéria juridicamente tutelada (e.g. vizinhos que
permanecem em posições antagônicas em razão de comunicação
ineficiente entre ambos), seja por não se ter aventado tal matéria
juridicamente tutelada no curso do processo; ii) voltar-se, em atenção
ao princípio do empoderamento, a um modelo preventivo de conflitos
na medida em que capacita as partes a melhor compor seus conflitos
educando-as com técnicas de negociação e mediação; e iii) dirigir-
se como instrumento de pacificação social para que haja uma maior
humanização do conflito (i.e. compreensão recíproca), em atenção
ao princípio da validação ou princípio do reconhecimento recíproco
de sentimentos (BRASIL, 2016, p. 262-263).

Consequentemente, a análise da “efetividade de processo de resolução de


disputas reflete uma crescente tendência de se observar o operador de processos
de RADs como um efetivo pacificador – mesmo em processos heterocompositivos”
(BRASIL, 2016. p. 263). Isso ocorre porque “começa a existir a preocupação com o meio
mais eficiente de compor certa disputa na medida em que esta escolha passa a refletir
a própria efetividade do profissional” (BRASIL, 2016, p. 263). Assim, a “composição de
conflitos ‘sob os auspícios do Estado’, de um lado, impõe um ônus adicional ao magistrado
que deverá acompanhar e fiscalizar seus auxiliares (e.g. mediadores e conciliadores)”
(BRASIL, 2016. p. 263).

Todavia, a

[...] adequada sistematização e desenvolvimento de mecanismos


voltados a aumentar a eficiência desses processos e o estímulo para
que estes se tornem processos construtivos é marcante tendência
do direito processual, na medida em que ‘vai ganhando corpo a
consciência de que, se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante
que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios,
desde que eficientes’ (BRASIL, 2016, p. 263).

161
Assim sendo, é necessário destacar que a eficiência de programas autocompo-
sitivos encontra algumas características em comum, elencadas a seguir:

i) autocompositores adequadamente formados que exercem suas


funções em instituições que planejaram seus procedimentos para
a satisfação de todos os seus usuários; ii) foram utilizadas algumas
técnicas autocompositivas próprias por intermédio de operadores
adequadamente treinados; iii) muitos programas foram desenvolvidos
com claras orientações qualitativas (i.e. dirige-se o processo não
apenas visando o elevado número de sentenças ou transações
mas sim elevada satisfação dos usuários quanto ao processo e ao
seu resultado); iv) houve direcionamento para que a satisfação de
usuários fosse um dos principais fatores de divulgação da instituição
e v) houve a aproximação de técnica própria para que todos os
operadores de processos de resolução de disputas efetivamente
atuem como agentes catalisadores de pacificação social e sejam
capazes de resolver lides construtivamente ao fortalecer relações
sociais, identificar interesses subjacentes ao conflito, promover
relacionamentos cooperativos, explorar estratégias que venham a
prevenir ou resolver futuras controvérsias, e educar as partes para
uma melhor compreensão recíproca (BRASIL, 2016, p. 264).

Os programas autocompositivos estão adequando-se à nova concepção de


Direito, em “diversos tribunais provedores de serviços autocompositivos no Brasil há
amplas oportunidades de melhoria e concretas demonstrações de que processos
construtivos são não apenas viáveis, mas determinantes para a efetividade do sistema
processual e dessas instituições individualmente” (BRASIL, 2016, p. 264).

Então, diante da Moderna Teoria dos Conflitos,

não cabe mais ao operador desses processos de resolução de


disputas (magistrados, mediadores, advogados ou promotores), se
posicionarem atrás de togas escuras e agir sob um manto de tradição
para permitir que partes, quando busquem auxílio (do Estado ou
de uma instituição que atue sob seus auspícios) para a solução
de conflitos recebam tratamento que não seja aquele voltado a
estimular maior compreensão recíproca, humanização da disputa,
manutenção da relação social e, por consequência, maior realização
pessoal, bem como mais vida (BRASIL, 2016, p. 265).

Sem dúvida, a afirmação do paradigma da consensualidade, essencial à


Moderna Teoria dos Conflitos, depende, além da mudança da mentalidade litigante, de
uma instrumentalização, planejamento, preparo e uma postura crítica, para que possam
ser avaliados os erros e os acertos do processo de resolução dos conflitos.

Um fator preponderante para o êxito dos programas autocompositivos é a


adequada formação de instrutores por meio de curso específico, é disso que trataremos
a seguir.

162
NOTA
É possível notar que “mesmo na iniciativa privada (i.e. mediação e arbitragem)
em função da falta de preparo técnico e desnecessária judicialização desses
processos ainda há com frequência processos destrutivos” (BRASIL, 2016,
p. 262).

3 CURSO DE FORMAÇÃO DE INSTRUTORES: NEGOCIAÇÃO,


MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO
A mudança de mentalidade da perspectiva do conflito depende da criação
de uma nova cultura na sociedade brasileira, pautada pela pacificação. Para que isso
ocorra, além da alteração do modo como se classifica o acesso à justiça, também é
necessário que, no curso da implementação dessa Política Pública, se torne possível
a formação de instrutores para atuação na autocomposição. Dessa forma, neste
subtópico estudaremos o Manual destinado à formação de terceiros facilitadores, nos
seus aspectos teórico e prático.

3.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO CURSO DE


FORMAÇÃO DE INSTRUTORES: NEGOCIAÇÃO, MEDIAÇÃO E
CONCILIAÇÃO
Para conhecermos o Curso de Formação de Instrutores, vejamos como ele é
apresentado. pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ):

[...] promove, sob a coordenação da Comissão Permanente de


Solução Adequada de Conflitos, cursos para Formação de Instrutores
em Mediação Judicial e Conciliação. Os Tribunais poderão oferecer
cursos de mesma natureza e, para tanto, deverão seguir diretrizes
estabelecidas no Regulamento do Sistema de Ações de Capacitação
e do Banco de Dados da Política de Tratamento Adequado de Conflitos
– ConciliaJud, publicado em 14 de abril de 2020. O curso é presencial
e gratuito, e os gastos com transporte, hospedagem e alimentação
são de responsabilidade do participante. O curso pretende alinhar os
treinamentos em conciliação e mediação dos tribunais à Resolução
n. 125/2010, do CNJ (CNJ, 2022, [s.p]).

O curso conta com uma ementa definida para atender às necessidades da


formação, compreendida como: Processo de Ensinagem (ensino e aprendizagem
significativa). Metodologias Ativas: vivência de dinâmicas e sua operacionalização.
Ensino por competências e suas dimensões: saber conhecer, saber fazer, saber ser.
A intencionalidade do ato de ensinar. Planejamento de aula: objetivo geral, objetivos
específicos, metodologia, conteúdos, avaliação. Avaliação formativa. Aspectos do

163
Conteúdo do Anexo I da Resolução 125 CNJ: Histórico Legislativo e a Política Judiciária
Nacional de tratamento adequado de conflitos (Res. CNJ 125/2010) – objetivos
e estruturação; Comunicação e Conflito; Autocomposição e Heterocomposição;
Diferenças entre Conciliação e Mediação. Escolas de Mediação; Etapas e Técnicas de
Mediação e Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais. O conteúdo programático da
ementa recebe a seguinte separação didática:

PARTE I - CURSO DE MEDIAÇÃO JUDICIAL 1. Introdução e Visão Geral


• Administração e Resolução de Conflitos • Panorama do Processo de
Mediação; O Processo de Mediação; Agentes e Fatores da Mediação
o Escopo da Mediação; A Formação do Mediador; O Procedimento
• Teoria dos Jogos • Moderna Teoria do Conflito • Fundamentos de
Negociação para Mediadores 2. Introdução ao Processo de Mediação
• Início da Mediação • Organização dos Debates • Ferramentas de
Provocação de Transformação • Resolução de Questões • Conclusão
da Mediação 3. Linhas Básicas de um Código de Ética 4. Resolução
n. 125/2010 CNJ
PARTE II - CURSO DE MEDIAÇÃO DE FAMÍLIA 1. Introdução e Visão
Geral • Panorama da Mediação de Família • Escopo da Mediação
de Família • Âmbito de Atuação do Mediador de Família 2. Teoria da
Família - Reflexos da Moderna Teoria de Conflito 3. Mediabilidade 4.
Questões Específicas de Mediação de Família 5. Papel de Advogados,
Peritos, Guardiões ad litem 6. Procedimento da Mediação de Família
7. Conclusão
PARTE III - CURSO DE MEDIAÇÃO PENAL, CÍRCULOS RESTAURATIVOS
E JUSTIÇA RESTAURATIVA 1. Introdução e Visão Geral • Panorama da
Justiça Restaurativa • Conceito de Justiça Restaurativa • Conceito
de Processo Restaurativo • Justiça Retributiva e Justiça Restaurativa
2. Procedimento da Mediação Vítima - Ofensor 3. Conclusão (CNJ,
2022, [s.p]).

O objetivo geral do curso é:

[...] relacionar as Diretrizes Pedagógicas da Escola Nacional de


Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM com os
conteúdos específicos relativos à autocomposição, para aplicação
prática no planejamento e na condução dos cursos de capacitação
de conciliadores e mediadores judiciais, de acordo com os objetivos
da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos
de interesses no âmbito do Poder Judiciário, passíveis de replicação
(CNJ, 2022, [s.p]).

Em decorrência da busca pela eficiência na formação de instrutores,

[...] houve estudo por parte de várias entidades, públicas e privadas,


voltadas aos meios consensuais de solução de conflitos, preocupadas,
acima de tudo, com a qualidade do serviço desses profissionais, que
se reuniram criando um grupo de estudos, denominado Foname –
Fórum Nacional de Mediação. E, com base na experiência de outros
países que já trabalham com a mediação há mais tempo, concluiu-
se, entre outras coisas, que os cursos de capacitação, tanto de
conciliadores, quanto de mediadores, devem ser compostos por dois
módulos, um teórico e um prático, com um número mínimo de horas,
cada um, que para conciliadores, é de 50 horas, e para mediadores,

164
é de 80 horas. Com base neste estudo e em outras experiências de
cursos realizados no Brasil e no Exterior, bem como nos recentes
parâmetros de capacitação fixados pelo Conselho Nacional de
Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça e que constam do
Anexo I, da Resolução CNJ n. 125/2010, propõe-se, portanto, curso
de capacitação de conciliadores e mediadores integrado de módulos
teórico e prático (BRASIL, 2020, p. 16).

Um ponto importante do Curso de Formação de Instrutores é o material didático


disponibilizado para a trilha de ensino-aprendizagem. Dessa maneira, veremos, a seguir,
a descrição da organização do Manual destinado à formação de terceiros facilitadores,
primeiramente no seu aspecto teórico.

DICA
O Regulamento do Sistema de Ações de Capacitação e do Banco de Dados
da Política de Tratamento Adequado de Conflitos – ConciliaJud – pode ser
acessado no portal do Conselho Nacional de Justiça, disponível em: https://
www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/11/Regulamento_capacitacao_
mediacao__proporcao_de_inst._e_excecao_a_codocencia.17.10.pdf. Acesso
em: 5 out. 2022.

3.2 ASPECTO TEÓRICO DO CURSO DE FORMAÇÃO DE


INSTRUTORES: NEGOCIAÇÃO, MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO –
PARTE I
Para compreendermos o Manual de Formação de Instrutores no seu aspecto
teórico, inicialmente é conveniente situar o estudo desta teoria em um panorama
complexo de ensino aprendizagem, enfatizando que:

[...] diante da pluralidade de disciplinas envolvidas nos métodos


consensuais de solução de conflitos (interdisciplinaridade) e das
diversas Escolas de Mediação existentes no mundo, aconselhável
que, para um ensino abrangente, haja a celebração de convênios
com diferentes entidades de referência, públicas e privadas, que
atuam na área. Isso permitirá que os discentes tenham contato
com professores e profissionais das diversas áreas envolvidas nos
métodos consensuais, e também conheçam as várias Escolas e
formas de trabalhar existentes no mundo, para, num segundo
momento, depois do início da atuação, partirem para cursos em áreas
específicas ou que sigam determinada Escola (BRASIL, 2020, p. 15).

Dito isso, passamos para o estudo da parte teórica do material didático do Curso
de Formação. A primeira parte da obra é assim descrita:

165
[...] a partir do contexto histórico e jurídico dos métodos consensuais
de solução de conflitos e de sua estruturação como política pública
de acesso à justiça, analisa o estudo e tratamento do conflito,
distinguindo as formas de enfrentamento, heterocomposição e
autocomposição, com conceituação dos diversos instrumentos
de que esta última se serve -conciliação, mediação e negociação.
Há delineamento das diversas etapas e técnicas necessárias à sua
utilização adequada e distinção das formas de trabalho desenvolvidas
por várias Escolas existentes no mundo, com ênfase à possibilidade
do terceiro facilitador escolher o que Ihe parece mais adequado
ao caso concreto. Realça-se, ainda, a conduta ética dos terceiros
facilitadores, com foco na confidencialidade das informações
acessadas em virtude da gestão do conflito (BRASIL, 2020, p. 10).

Dessa forma,

[...] além de um conteúdo mínimo, estabelecido através de temas


específicos sugeridos, que serão desenvolvidos pelos professores,
há indicação de, pelo menos, seis obras de leitura obrigatória (três
de natureza introdutória: manuais, livros-texto, etc.; e três de caráter
doutrinário, ligadas às principais famílias técnico-metodológicas para
a conciliação e a mediação: Harward-Negocial, Circular-Narrativa,
Transformativa-Reflexiva e Transformativa), artigos e textos
correlatos, e de realização de simulações; com a apresentação de
relatórios pelos alunos, a fim de ser avaliado o seu aproveitamento
(BRASIL, 2020 p. 16-17).

Da mesma maneira, “no que diz respeito à matéria da mediação, em sentido


amplo, atendendo à interdisciplinaridade, que lhe é característica, e à diversidade de
conhecimentos implicados, o curso é ministrado por psicólogos, sociólogos e juristas”
(BRASIL, 2020, p. 17). Isso porque, “depois de uma visão inicial e genérica, a matéria
de mediação pressupõe que o aluno tome contato com técnicas específicas, de
comunicação, de identificação e desmontagem de fatores psicológicos, de aceitação do
outro, de escuta, etc.; e ainda, que compreenda os fatores sociológicos que envolvem o
conflito” (BRASIL, 2020, p. 17).

De igual natureza,

[...] a percepção desses fatores, bem como a identificação dos valores


dos envolvidos em conflito é fundamental para que o mediador
consiga escolher a melhor técnica e realmente ajude-os a encontrar
uma solução(...). Isso apenas é possível se tiver um conhecimento
abrangente, das diversas áreas mencionadas (BRASIL, 2020, p. 17).

Então, a “Parte I” do manual é composta por 11 capítulos, abordando os seguintes


conteúdos: conciliação e mediação no Brasil – evolução histórica; a Política Judiciária
Nacional de Tratamento Adequado de Conflitos – a Resolução n. 125, do Conselho
Nacional de Justiça; a estruturação da Política Judiciária Nacional; os centros judiciários
de solução consensual de conflitos (Cejuscs) e seu caráter de tribunal multiportas; o
conflito, a autocomposição e a heterocomposição; as diferenças entre conciliação e

166
mediação; os aspectos operacionais da conciliação, da negociação e da mediação; as
Escolas de mediação e o Código de Ética: princípios, regras e sanções.

Além disso, o manual conta com uma metodologia de fixação dos conceitos
teóricos, desenvolvida por meio de simulações. Elas consistem em

[...] exercícios nos quais os alunos são divididos em grupos, que


vão trabalhar uma estória, sendo que cada aluno do grupo recebe
uma parte da estória, correspondente ao seu papel no exercício
(reclamante e reclamado), havendo aqueles que vão atuar como,
conciliador/mediador, coconciliador/mediador e observador. Ao final,
faz-se uma apreciação do trabalho perante todos os alunos e, com
a análise dos resultados obtidos e das técnicas utilizadas para a
solução do mesmo conflito, verifica-se qual delas permitiu obter a
melhor solução, sendo que, depois de apresentadas as alternativas
encontradas, cada uma das soluções deve ser analisada quanto às
suas vantagens e desvantagens. (BRASL, 2020, p. 17-18).

Com o propósito de encontrar soluções negociadas, o terceiro facilitador deverá


ser hábil para:

[...] (i) imaginar-se no lugar do outro, envolvido no conflito, a fim de


compreender a problemática desde sua perspectiva, (ii) ser capaz
de ouvir atentamente e respeitosamente os fatos, (iii) focar no
enfrentamento do problema posto, ainda que este seja narrado sob
as perspectivas pessoais dos envolvidos no conflito, (iv) compreender
em sua integralidade as questões postas, demonstrando respeito a
todos, elemento-chave para o sucesso da gestão efetiva de conflitos
(BRASIL, 2020, p. 9-10).

Portanto, o aspecto teórico do manual apresenta mecanismos eficazes para


a formação do instrutor na capacitação dos terceiros facilitadores (conciliadores,
mediadores, negociadores). Esse fato é

[...] fundamental para a eficácia dos métodos consensuais de


solução de conflitos, pois, quando as partes optam por um método
de solução de conflito, diferente do judicial, devem ser atendidas em
suas expectativas e necessidades, sendo imprescindível, para tanto,
que ele seja conduzido com seriedade e de forma correta (BRASIL,
2020 p. 20).

Conhecida a parte teórica, veremos, a seguir, a “Parte II” do manual, referente à


prática.

167
3.3 ASPECTO PRÁTICO DO CURSO DE FORMAÇÃO DE
INSTRUTORES: NEGOCIAÇÃO, MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO –
PARTE II E ANEXOS
A parte II do Manual de Formação de Instrutores é toda voltada para a parte
prática. Ela é assim descrita:

[...] a segunda parte da obra aborda um aprofundamento da prática


docente, em como ensinar métodos consensuais de prevenção e
de solução de conflitos, diante das peculiaridades destes, além de
fixar estratégias de ensino e aprendizagem, voltadas inclusive para
o ensino à distância, além de formas de avaliação do aprendizado
(BRASIL, 2020, p. 10-11).

Ainda, são utilizadas metodologias ativas “a fim de incentivar a atuação


colaborativa, a comunicação, a percepção da importância da escuta ativa, etc., num
ensinar e aprender constante em sala de aula, permitindo, em última análise, que os
discentes aprendam fazendo” (BRASIL, 2020, p. 17-18). No mesmo sentido, nos

[...] módulos práticos (estágios supervisionados), os alunos devem


trabalhar, sucessivamente, nas posições de observador, coconciliador
ou comediador e, finalmente, de conciliador ou mediador; sempre
supervisionados por um professor ou mediador experiente,
apresentando ao término de cada sessão, relatório contendo
observações sobre as técnicas utilizadas e a atuação do conciliador/
mediador. Essa parte prática é essencial para o exercício das funções
de conciliador e mediador, pois apenas com o início da atividade é
que irão perceber suas dificuldades, aptidões e, de um modo geral,
sua vocação (BRASIL, 2020, p. 18).

Por sua vez, o anexo à obra

[...] apresenta material de apoio, direcionado à aplicação imediata


em cursos de formação de terceiros facilitadores, atinente às
estratégias de ensino e de aprendizagem por meio da apresentação
de casos práticos visando estimular o raciocínio necessário para o
desenvolvimento de soluções consensuais (BRASIL, 2020, p. 10-11).

É oportuno ressaltar que

[...] como a diversidade, no ensino dos métodos consensuais de


solução de conflitos, deve ser incentivada, contamos, na forma de
capacitação que se apresenta, com as experiências de entidades
públicas e privadas, voltadas à conciliação e a mediação, afastando
a imposição de método único; a fim de que possamos, em última
análise, contribuir para o desenvolvimento desses métodos no Brasil,
permitindo o surgimento do ‘modelo brasileiro’ (BRASIL, 2020, p. 20).

168
Muito embora os alunos participem de estágios supervisionados, ao fim do curso
básico, “há necessidade de reciclagem e atualização permanentes dos conciliadores e
mediadores, através de seminários e cursos, e do acompanhamento de sua atuação
prática por profissionais especializados e pelos próprios juízes, no caso da conciliação e
mediação judiciais” (BRASIL, 2020, p. 18).

Com isso, se conclui que, no Brasil, a formação voltada aos meios alternativos
de solução de conflitos ainda está em um estágio considerado inicial, porém, muito
bem encaminhado para a consolidação de um método. Dessa forma “os desafios
colocados são contornados com o conhecimento, a exploração das técnicas utilizadas
e a potencialização de habilidades específicas que devem ser fomentados em instrução
técnica” (BRASIL, 2020, p. 11). Portanto, a “capacitação e o treinamento [...] mostram-
se ferramentas essenciais na formação de terceiros facilitadores, a auxiliá-los na
concretização de soluções negociadas em conflitos aparentemente insolúveis” (BRASIL,
2020, p. 11).

A partir de agora, vamos aprofundar o estudo sobre o Curso de Mediação


Judicial, abordando a Mediação familiar, assunto do Tópico 2.

DICA
O Ministério da Justiça e Segurança Pública, em cumprimento à sua missão
institucional, presta mais uma contribuição ao sistema de consensual de
conflitos, ao promover a publicação da primeira edição deste livro, cuja
tiragem física será oportunamente distribuída de forma gratuita, ao mesmo
tempo em que a versão eletrônica será disponibilizada publicamente, em
formato digital, no seguinte endereço eletrônico: https://www.justica.gov.br/
seus-direitos/politicas-de-justica/enapres. Acesso em: 5 out. 2022.

169
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• A iniciativa da elaboração e a estrutura do Manual de Mediação Judicial do Conselho


Nacional de Justiça, e a importância do referido Manual. Além disso, foi demonstrado
que o manual conta com dois aspectos: o primeiro teórico e o segundo prático. Tudo
isso na esfera da mediação cível.

• Acerca da “Moderna Teoria do Conflito” e a possibilidade de educar a sociedade para


tornar-se mais consensual, utilizando o enfoque do Manual de Mediação Judicial.
A nova concepção do conflito tem um viés construtivo, voltado à consensualidade.

• Considerações gerais acerca do Curso e Formação de Instrutores: Negociação,


Mediação e Conciliação: a estrutura do Curso, bem como sua ementa, divisão
programática, objetivo geral e a importância da iniciativa para a eficiência do
processo.

• Aspectos teóricos e práticos referentes ao Manual destinado à formação de terceiros


facilitadores. Quanto ao aspecto teórico, foi possível observar as referências
conceituais que cercam a metodologia. Já no aspecto prático, foram destacados
os mecanismos de aplicação da teoria, tais como: metodologias ativas e estágio
supervisionado.

170
AUTOATIVIDADE
1 A teoria e a prática da Mediação Cível carecem de uma metodologia a ser desenvolvida
em um caráter de padronização, alinhando conceitos e aplicações. Nesse sentido, o
Conselho Nacional de Justiça elaborou o Manual de Mediação Judicial em decorrência
de uma iniciativa. Quanto ao regime dessa iniciativa, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O Manual de Mediação Judicial foi elaborado em regime de voluntariado.


a) ( ) O Manual de Mediação Judicial foi elaborado em regime de cotas.
a) ( ) O Manual de Mediação Judicial foi elaborado em regime de parceria público-
privada.
a) ( ) O Manual de Mediação Judicial foi elaborado em regime de licitação pública.

2 A Mediação Judicial se utiliza de método próprio que aplica a teoria em situações


práticas, visando a solução dos conflitos por meios autocompositivos. De tal maneira,
a eficiência de programas autocompositivos encontra algumas características em
comum dentre esses mesmos programas. Com base nessas características, analise
as sentenças a seguir:

I- É uma característica comum à eficiência de programas autocompositivos: a formação


adequada dos trabalhadores da autocomposição, bem como, o planejamento de
todo o mecanismo visando a satisfação das partes envolvidas.
II- É uma característica comum à eficiência de programas autocompositivos:
autocompositores capazes de tomar a frente do conflito, estabelecendo soluções
para o litígio com base no direito positivo.
III- É uma característica comum à eficiência de programas autocompositivos: os
autocompositores se valem de algumas técnicas, que são próprias dos programas
autocompositivas, isso se soma ao seu treinamento adequado.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 Sem dúvida, a afirmação do paradigma da consensualidade, essencial à Moderna


Teoria dos Conflitos, depende, além da mudança da mentalidade litigante, de uma
instrumentalização, planejamento, preparo e uma postura crítica, para que se possa
avaliar os erros e os acertos do processo de resolução dos conflitos. De acordo com
a Moderna Teoria dos Conflitos, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para
as falsas:

171
( ) A “Moderna Teoria dos Conflitos” não comporta uma postura do Poder Judiciário
que contrarie o processos moderno de resolução de disputas, quando as partes
buscam o seu auxílio para a solução de conflitos, devem receber um tratamento no
sentido do estímulo a consensualidade.
( ) A contribuição da “Moderna Teoria dos Conflitos” para os programas de
autocomposição é estabelecer a discussão na litigiosidade, pois essa é tudo que
está sendo discutido em juízo, ou seja, a relação autor-réu é que se torna litigiosa a
partir do momento de ajuizada a ação, diante de um direito que se entende próprio,
e que encontra resistência a essa pretensão.
( ) A “Moderna Teoria dos Conflitos” surgiu da significativa contribuição de autores
como Mary Parker Follet e Morton Deutsch, responsáveis pela redefinição do
conflito, definindo processos construtivos de resolução de disputas, impactando
assim, a conceituação de conflito ao classificá-lo como um fator presente nas
relações entre indivíduos, além da verificação do seu aspecto positivo.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 No intuito de proporcionar fatores de eficiência aos programas autocompositivos, o


Conselho Nacional de Justiça disponibiliza Cursos para Formação de Instrutores em
Mediação Judicial e Conciliação. No que diz respeito a isso, disserte sobre o objetivo
geral do referido curso.

5 Os chamados métodos consensuais de solução de conflitos dependem da adequada


formação de seus trabalhadores, somente dessa forma é possível que as necessidades
das partes envolvidas sejam atingidas com eficiência. Nesse contexto, responda acerca
da necessidade de formação continuada dos facilitadores, após o término do Curso para
Formação de Instrutores em Mediação Judicial e Conciliação.

172
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -
CURSO DE MEDIAÇÃO JUDICIAL

1 INTRODUÇÃO
Neste Tópico 2, vamos aprofundar o estudo sobre o Curso de Mediação Judicial,
abordando a Mediação familiar.

Para uma disposição didática eficiente o Tópico foi dividido em subtópicos.


Dessa forma, ao versar sobre o Curso de Mediação de Família será realizado o estudo
da Introdução e a Visão Geral da Mediação de Família, da Teoria de Família, da Moderna
Teoria do Conflito Aplicada às Questões de Família e da Mediação de Família.

Assim, é necessário que seja realizada leitura dos subtópicos, bem como a
resolução da autoatividade disposta ao fim do tópico.

2 CURSO DE MEDIAÇÃO DE FAMÍLIA


Tomando por base a complexidade social da modernidade, especialmente
considerado a dinâmica das configurações nas relações familiares, é oportuno que
se desenvolvam meios de dirimir os conflitos neste âmbito, sobretudo, diante do
paradigma da Moderna Teoria dos Conflitos. Por essa razão, o objetivo deste subtópico
é compreender o funcionamento da Mediação de Família. Para tal, o estudo será
guiado para demostrar a Mediação Familiar, desde a introdução e visão geral, até o seu
funcionamento. Também será relacionado um aporte teórico básico a respeito da Teoria
da Família e a aplicação da Moderna Teoria dos Conflitos nas relações familiares.

2.1 INTRODUÇÃO E VISÃO GERAL DA MEDIAÇÃO DE FAMÍLIA


O passo inicial para compreender a Mediação Familiar é se atentar para a sua
introdução e visão geral, iniciando com questões relativas ao Curso de Mediação Familiar,
nas suas particularidades, abrangências e funcionamento. Desse modo, a participação
no Curso “tem como pré-requisito o curso básico de mediação de 40 horas-aula com
exercícios simulados e estágio supervisionado” (BRASIL, 2020b, p. 2). Seguindo para o
seu Programa de Apresentação, tem-se a seguinte divisão:

»Introdução e Visão Geral


› Panorama da Mediação de Família
› Escopo da Mediação de Família
› Âmbito de atuação do mediador de família

173
» Teoria da Família › Reflexos da moderna teoria de conflito nesta
Teoria
» Mediabilidade
» Questões específicas de mediação de família
» Papel de advogados, peritos, guardiães ad litem
» Procedimento da mediação de família
» Conclusão (BRASIL, 2020b, p. 12).

Na Introdução e Visão Geral, é apresentado o conceito de mediação de família,


destacando que ela pode ser definida como

[...] processo autocompositivo segundo o qual as partes em disputa


são auxiliadas por um terceiro neutro ao conflito, ou um painel de
pessoas, sem interesse na causa, para auxiliá-las a chegar a uma
composição dentro de conflitos característicos de dinâmicas
familiares e, assim estabilizarem, de forma mais eficiente, um sistema
familiar (BRASIL, 2020b, p. 15).

No mesmo sentido são expostos o histórico e o escopo da mediação de família. O


primeiro pode ser descrito com um marco inicial em “1978: Primeiros projetos de mediação
de família no Canadá, EUA, França e Reino Unido – em razão do ‘mediador motivacional’
Britânico John Haynes” (BRASIL, 2020b, p. 19). Sobre o segundo, a apresentação ocorre
ressaltando os seus objetivos, delimitados como o “estímulo às partes para que estas
tenham mais estabilidade familiar e em razão disto: i) Reduzir antagonismos e agregar
estabilização emocional; ii) Aumentar satisfação com procedimentos jurídicos e seus
resultados; e iii) Aumentar índice de cumprimento de decisões judiciais” (BRASIL, 2020b,
p. 17).

Na continuidade, é demonstrado o âmbito de atuação do mediador de família,


esclarecendo que a mediação de família pode ser aplicada em contextos referentes às
seguintes “(...)matérias: i) Divórcio; ii) Alimentos; iii) Guarda; iv) Modelos familiares; entre
outros” (BRASIL, 2020b, p. 23). Além disso, há uma definição dos “(...) ambientes para a
prática da mediação: i) mediação de família judicial; ii) prática privada da mediação de
família; iii) agências, secretarias, clínicas e programas comunitários, ONGs, Núcleos de
Prática Jurídica, entre outros” (BRASIL, 2020b, p. 23).

Com a exposição da Introdução e Visão Geral, concluímos a parte inicial do


Programa de Apresentação da mediação familiar e partimos para o estudo da Teoria da
Família.

DICA
O material didático utilizado no Curso de Mediação Familiar pode
ser acessado no seguinte endereço: BRASIL. Conselho Nacional de
Justiça. Curso de Mediação de Família. Brasília, 2020. Disponível em:
e82c5dcf9bcbefc1328225ce122dc98c.pdf (cnj.jus.br) Acesso em: 15 jul.
2022.

174
2.2 TEORIA DE FAMÍLIA
Começamos este subtópico com o conceito de família, que “pode ser definida
como um sistema formado por um grupo de pessoas ligadas por afinidade, corresidência
ou consanguinidade que integram uma estrutura de afetividade, realização e
crescimento” (BRASIL, 2020b, p. 26). Todavia, cabe enfatizar que esse conceito é
“aberto”, isto é, pode ser construído com base na evolução do pensamento social e
influenciado pela cultura em que se constrói. Assim,

o modelo de sistema familiar é muito utilizado em mediação de


família, precisamente porque facilita a interação dos vários membros
da família dentro do processo de resolução de disputas e porque
compartilha a responsabilidade pela estabilização familiar. Isso
porque os processos de resolução de conflitos familiares, nesse
novo modelo de sistema - se possuírem pretensões construtivas –
fogem de um padrão de culpa para uma responsabilidade positiva
nas relações da família (BRASIL, 2020b, p. 27).

Decorrente disso, são apontados alguns preceitos básicos da teoria sistêmica


de família, são eles:

i) Um sistema precisa ser estável e, ao mesmo tempo, capaz de


absorver mudanças ou se flexibilizar diante das naturais mudanças
que a família será exposta; ii) Famílias como indivíduos passam por
estágios de desenvolvimento; iii) A família precisa ser um sistema
aberto para influências positivas e ao mesmo tempo fechado
para aquelas negativas; iv) Membros da família precisam ter sua
individualidade, mas ao mesmo tempo sentir que pertencem ao
sistema; v) A comunicação mantém o sistema por consistir na
retroalimentação (feedback) que fornece a troca de informações
necessária para a estabilidade deste sistema; vi) Um sistema familiar
é composto por subsistemas com papéis que logicamente se
complementam (BRASIL, 2020b, p. 34-41).

A indicação desses preceitos básicos remete a indicadores de estabilidade


caracterizados por oito fatores. O primeiro fator é o equilíbrio emocional e habilidade de
se adaptar a mudança. De acordo com ele,

[...] todos os membros da família devem ter algum grau de equilíbrio


emocional e devem estar preparados para se adaptar a eventuais
mudanças ocorridas dentro de um sistema familiar com o passar do
tempo ou com uma mudança essencial em relação a um dos vínculos
dentro daquele sistema familiar, como, por exemplo, o divórcio dos
pais (BRASIL, 2020b, p. 45).

O segundo fator diz respeito aos problemas emocionais que são percebidos
como existentes no grupo inteiro, com componentes individuais de cada pessoa. Ou
seja, “o simples fato de a família perceber-se como um sistema em que um determinado
aborrecimento individual é absorvido pelos demais como responsabilidade de todos
consiste em um indicador de ajuste daquele sistema familiar” (BRASIL, 2020b, p. 46).

175
O terceiro fator indica que existem relacionamentos efetivos entre todas as
gerações de todos os membros da família, então,

[...] no modelo de sistema familiar, todos os membros da família


devem ter contato com cada um dos demais membros daquele
sistema familiar. Por esse modelo, existe um número acentuado
de díades estavelmente formadas, e não de tríades que se formam
para corrigir inexistências de eventuais díades do sistema familiar.
Exemplificativamente, um modelo em que a mãe não se relaciona
bem com a filha e, por esse motivo, comunica-se com a filha por
intermédio do marido sinaliza um indicador de desajuste (BRASIL,
2020b, p. 47).

O quarto fator relata que as diferenças são respeitadas, toleradas, ou até


mesmo, estimuladas. Desse modo,

imagina-se que cada um de seus membros tenha necessidades,


valores e interesses que sejam pouco diferentes dos demais
membros, e não há uma pressão para que todos necessariamente
pensem da mesma forma, pelo contrário, essas diferenças e
aceitação das diferenças sinalizam suficientemente algum grau de
ajustamento familiar (BRASIL, 2020b, p. 48).

Conforme o quinto fator, indicador de estabilidade, cada pessoa pode ter seus
próprios problemas pessoais sem que outros tenham ou sintam-se na responsabilidade
de resgatá-los. De tal maneira,

[...] presume-se que cada um dos membros tenha as suas próprias


dificuldades, embaraços e problemas e que a ele ou ela cabe a
tarefa de encontrar soluções. A proposta é que todos se ajudem
reciprocamente e possam contar um com o outro, mas, ao mesmo
tempo, que cada um tenha algum grau de autonomia para resolver
os seus problemas pessoais (BRASIL, 2020b, p. 49).

O sexto fator destaca que:

[...] manter um clima emocional positivo é percebido como mais


importante do que realizar uma ação que seja favorável exclusivamente
a um dos membros da família. Exemplificativamente, em uma família
binuclear (ou recomposta), uma relação entre a mãe que insiste em
viajar para outro estado no período de Natal e não quer respeitar o
direito do pai de conviver com o filho em um dos dois feriados, como
já havia sido definido em uma audiência de conciliação, sinaliza que
para ela realizar seus próprios interesses mostra-se mais importante
do que manter um clima emocional positivo, o que, por si só, sinaliza
um desajuste dentro do sistema familiar (e não necessariamente
só com a mãe) (BRASIL, 2020b, p. 49).

176
O penúltimo e sétimo fator estabelece que cada membro pode afirmar que
está em uma família suficientemente boa. Tem-se explícito que a “proposta dentro de
indicadores de estabilização familiar não é que a pessoa necessariamente tenha que
afirmar que vive em uma família boa. Simplesmente a indicação de razoável já sinaliza
que existe algum ajuste familiar” (BRASIL, 2020b, p. 50).

Como último fator, o oitavo na descrição, cada membro pode usar os outros
como retroalimentação (feedback) e aprendizado, mas não como muletas emocionais.
Nesse sentido, a “proposta é que os membros da família se relacionem de uma forma a
respeitar a opinião um do outro, mas não necessariamente a ponto de abrir mão da sua
própria autodeterminação em função da opinião de um dos outros membros” (BRASIL,
2020b, p. 51).

Outro componente importante da Teoria da Família é a configuração familiar,


nesse caso, há algumas definições dos tipos de família, conforme tabela a seguir:

Tabela 1 – Algumas configurações familiares

Fonte: Brasil (2020b, p. 53)

Outro conceito que tem grande relevância na Teoria Familiar é o divórcio (do
latim divortium, derivado de divertere, "separar-se"), entendido como o:

[...] rompimento legal e definitivo do vínculo de casamento civil. É


o rompimento do vínculo conjugal reconhecido pela lei. O divórcio
rompe o vínculo matrimonial, permitindo um novo casamento dos
cônjuges divorciados. Ele põe termo ao casamento e aos efeitos civis
do matrimônio religioso, mas não modifica os direitos e deveres dos
pais em relação aos filhos (BRASIL, 2020b, p. 54).

O divórcio pode se configurar em um dos três tipos: divórcio judicial consensual,


divórcio judicial litigioso e divórcio administrativo. Além disso, é relevante, apontar as
dimensões psicológicas do processo de divórcio, de acordo com a tabela a seguir:

177
Tabela 2 – Dimensões psicológicas do processo de divórcio

Fonte: Brasil (2020b, p. 60)

A Teoria da Família ainda conta com o estudo do instituto da Guarda dos Filhos
que “consiste no poder-dever que os pais ou a quem de direito têm de proteger e
amparar aquele que a lei considera necessitar tal proteção ou amparo, em razão de
condições personalíssimas” (BRASIL, 2020b, p. 62). A função desse instituto é “prover
a filhos cuidado e assistência, material e moral, no processo de formação dos filhos,
traduzindo o papel daqueles que têm como principal propósito contribuir para a
estabilidade emocional em um sistema familiar” (BRASIL, 2020b, p. 62).

Os tipos de guarda podem ser: guarda unilateral ou exclusiva, guarda


compartilhada ou conjunta, guarda alternada, guarda nidal, guarda deferida a terceiros”
(BRASIL, 2020b, p. 68).

Portanto, a Teoria da Família relaciona conceitos nucleares desses tipos de


relação, direcionados à melhor aplicação na mediação Familiar. Esse aporte teórico
se soma às concepções contemporâneas de conflito, tal como a Moderna Teoria do
Conflito, demonstrada a seguir na sua aplicação em consonância com a mediação.

178
ATENÇÃO
Segundo as técnicas de Mediação Familiar “não cabe ao mediador atribuir
classificar ou muito menos emitir juízo de valor em relação às regras, aos
modelos, às práticas familiares - excetuadas práticas que coloquem em
risco a integridade de seus integrantes” (BRASIL, 2020b, p. 44).

2.3 MODERNA TEORIA DO CONFLITO APLICADA ÀS


QUESTÕES DE FAMÍLIA
A Moderna teoria do Conflito se configura como uma mudança paradigmática
da forma de encarar as demandas, implantando a cultura da pacificação e da
consensualidade, com foco nos indivíduos, conforme já demonstrado no Tópico 1.

A sua aplicação em questões familiares na mediação torna-se uma ferramenta


indispensável para o êxito da sua realização. Assim, a Mediação Familiar, especialmente
no seu curso, traz algumas novas perspectivas de institutos muitos comuns ao âmbito
familiar, como por exemplo, o divórcio.

A seguir, é possível estabelecer a comparação da sua percepção, dentro da


Moderna Teoria dos Conflitos, pelos aspectos destrutivo e construtivo:

Tabela 3 – Percepção do divórcio conforme os aspectos destrutivo e construtivo

Fonte: Brasil (2020b, p. 84).

De igual forma, é possível comparar a reação ao divórcio, sob os mesmos


aspectos, de acordo com o que é demostrado:

179
Tabela 4 – Reação ao divórcio conforme os aspectos destrutivo e construtivo

Fonte: Brasil (2020b, p. 84)

Ainda utilizando os aspectos destrutivo e construtivo, com relação às ações


voltadas à resolução de disputas no divórcio, se apresenta a seguinte comparação:

Tabela 5 – Ações voltadas à resolução de disputas no divórcio

Fonte: Brasil (2020b, p. 88)

Portanto, foram demonstradas as diferenças dos aspectos destrutivo e


construtivo na aplicação da Moderna Teoria dos Conflitos na Mediação Familiar,
tomando por base um exemplo recorrente de disputa familiar, o divórcio. Na sequência,
comentaremos a mediação familiar enquanto procedimento de aplicação prática.

180
2.4 MEDIAÇÃO DE FAMÍLIA
Neste subtópico, vamos conhecer a estrutura e o procedimento adotado para
a realização da Mediação Familiar. Desse modo, é preponderante que o estudo se inicie
com o seu conceito. A mediação de família pode ser definida como um

[...] processo autocompositivo segundo o qual as partes em disputa


são auxiliadas por um terceiro neutro ao conflito, ou um painel de
pessoas, sem interesse na causa, para auxiliá-las a chegar a uma
composição dentro de conflitos característicos de dinâmicas
familiares e, assim estabilizarem, de forma mais eficiente, um sistema
familiar (BRASIL, 2020b, p. 91).

Em decorrência desse conceito é factível estabelecer que há uma essência na


prática da mediação, estabelecida como:

[...] uma negociação assistida ou facilitada por um ou mais


colaboradores em que se desenvolve um processo composto por
vários atos procedimentais, pelos quais o(s) terceiro(s) imparcial(ais)
facilita(am) a negociação entre membros de uma família em conflito,
habilitando-as a melhor entenderem suas posições e encontrar
soluções que se compatibilizem com seus interesses e necessidades
(BRASIL, 2020b, p. 92).

Essa percepção remete o estudo ao conceito de “mediabilidade”, que consiste


na característica de determinado caso ser passível de encaminhamento para o processo
de mediação (BRASIL, 2020b, p. 94), pois nem toda a questão pode ser direcionada
à mediação. Especial atenção deve ser prestada em “casos que envolvam: violência
doméstica, abuso de menores, dependência química, doença mental (passível de
interdição), desequilíbrio insanável de poder” (BRASIL, 2020b, p. 98), esses casos não
devem ser levados à mediação.

Para que a mediação familiar cumpra seu objetivo é necessário que todos os
envolvidos assumam seu papel e colaborem para o resultado positivo, na mediação
poderá haver o envolvimento de vários atores, conforme evidenciado a seguir:

Figura 1 – Envolvidos na mediação familiar

Fonte: Brasil (2020b, p. 116)

181
Merece destaque o papel do mediador que terá, entre as suas atribuições:
“compreender a dinâmica familiar, avaliar as questões a serem abordadas, estabelecer
plano de trabalho, endereçar questões específicas de mediação de família provocadas
por: rancor, mágoa, ódio, ciúmes e solidão” (BRASIL, 2020b, p. 150).

No procedimento de mediação familiar, o mediador seguirá um roteiro


estabelecido na seguinte sequência: “início da mediação, reunião de informações,
identificação de questões, interesses e sentimentos, esclarecimentos das controvérsias
e dos interesses, estabilização emocional, resolução de questões e registro das soluções
encontradas” (BRASIL, 2020b, p. 125). Uma etapa essencial é a declaração de abertura
pelo mediador, esse trâmite deve ser executado nas seguintes etapas:

1. Apresente-se e apresente as partes; 2. Explique o papel do


mediador; 3. Descreva o processo de mediação; 4. Assegure a
manutenção de confidencialidade; 5. Descreva as expectativas do
mediador em relação às partes; 6. Descreva o processo de divórcio;
7. Confirmar disposição para participar; 8. Falar sobre o papel dos
advogados e peritos; 9. Falar sobre a participação de filhos; 10.
Descrever a estrutura a ser seguida e 11. Perguntas ou dúvidas
(BRASIL, 2020b, p. 127-137).

A missão do mediador também é auxiliar no desenvolvimento de competências


emocionais faz parte uma estratégia que enseja uma construção no curso da mediação
familiar. Esse processo comporta: “1. Passividade e proatividade na questão da
responsabilização/culpa; 2. Conceito de gestão emocional (‘perdão’); 3. Identificação de
regras não executáveis; 4. Endereçamento de regras não executáveis e 5. Etapas do
perdão” (BRASIL, 2020b, p. 152-158).

Por fim, a compreensão da Mediação Familiar foi demonstrada como uma


metodologia a ser aplicada sem se distanciar da técnica que deve se fazer presente na
atuação do mediador.

Com isso, seguimos para demonstrar os aspectos relativos ao Curso de Mediação


Penal, Círculos Restaurativos e Justiça Restaurativa, no Tópico 3.

IMPORTANTE
De acordo com a Mediação de Família, “casos em que no passado tenha
havido violência doméstica, mas esta não persista sequer como uma
remota possibilidade podem ser mediados - todavia, a violência em si não
será mediada e sim outras questões familiares (guarda, alimentos, partilha
de bens, entre outros)” (BRASIL, 2020b, p. 100).

182
IMPORTANTE
Conceito perdão, enquanto gestão emocional, consiste em um “mecanismo
de autoempoderamento, habilidade que requer esforço, uma escolha, opção
de tornar-se uma pessoa ativa quanto à questão ou ofensor e abrir mão de
autocomiseração” (BRASIL, 2020b, p. 154).

183
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• A Introdução e a Visão Geral da Mediação de Família: os aspectos gerais que são


concernentes ao Curso de Mediação Familiar, bem como seu conteúdo programático,
organização, divisão de conteúdos e âmbito de atuação das mediações de família.

• A “Teoria de Família". Evidenciando os conceitos-chave para uma melhor aplicação


na Mediação Familiar, os referenciais teóricos são indispensáveis para que os
facilitadores consigam compreender as particularidades dos conflitos e disputas no
âmbito familiar.

• A “Moderna Teoria do Conflito” aplicada às questões de família: redefinição dos


fatores que podem caracterizar os conflitos, passando de uma concepção destrutiva
para uma compreensão do conflito como um processo construtivo.

• A estrutura e o procedimento adotado para a realização da mediação familiar,


ressaltando o papel de todos os atores e partes envolvidas para o funcionamento
da mediação, além das matérias que podem se submeter ao procedimento de
mediação.

184
AUTOATIVIDADE
1 Tomando por base a complexidade social da modernidade, especialmente
considerado a dinâmica das configurações nas relações familiares, é oportuno que
se desenvolvam meios de dirimir os conflitos neste âmbito, sobretudo, diante do
paradigma da Moderna Teoria dos Conflitos, utilizando a Mediação Familiar. Sobre a
Mediação Familiar e o âmbito de atuação do mediador de família, assinale a alternativa
que apresenta apenas áreas de atuação CORRETAS:

a) ( ) Divórcio; alimentos; guarda; modelos familiares.


b) ( ) Violência doméstica; divórcio; alimentos; guarda; modelos familiares.
c) ( ) Abuso de menores; dependência química; doença mental (passível de interdição)
e desequilíbrio insanável de poder.
d) ( ) Divórcio; alimentos; guarda; modelos familiares; abuso de menores.

2 A missão do mediador familiar também é auxiliar no desenvolvimento de competências


emocionais, isso faz parte uma estratégia que enseja uma construção no Curso
da Mediação Familiar. Com base nas definições de competência emocionais e os
pressupostos que ela comporta, analise as sentenças a seguir:

I- Passividade e proatividade na questão da responsabilização/culpa.


II- Reação imediata e violenta na mesma proporção da ofensa.
III- Endereçamento de regras não executáveis.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 O escopo da Mediação Familiar, consiste, dentre outros, em facilitar o estímulo às


partes para que estas tenham mais estabilidade familiar. Quando essa metodologia
é colocada em prática provoca diversos resultados positivos. É possível observar
esses aspectos positivos nas relações entre os indivíduos e também na eficiência do
procedimento. De acordo com os resultados alcançados com a prática da Mediação
de Família, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) As Mediações Familiares diminuem os desajustes nas relações e facilitam a


consolidação emocional.
( ) As Medições Familiares diminuem as estatísticas de cumprimento eficiente de
decisões judiciais.

185
( ) As Mediações Familiares auxiliam na conformação da satisfação com procedimentos
jurídicos e seus resultados.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Uma etapa essencial da Mediação Familiar é a declaração de abertura pelo mediador,


esse trâmite deve ser executado seguindo alguns passos. Cite as etapas que devem
ser cumpridas pelo mediador familiar na declaração de abertura, respeitando a ordem
em que devem ser executadas.

5 A cultura da paz, a comunicação não violenta e os meios consensuais de resolução dos


conflitos fazem parte da metodologia que representa uma mudança paradigmática
na forma de dirimir as disputas. Da mesma forma que essa mudança está ocorrendo
em diversas áreas do Direito, a Mediação Familiar vem se tornando uma alternativa
eficiente na solução dos conflitos familiares. Nesse contexto, disserte sobre o conceito
de Mediação Familiar.

186
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
CURSO DE MEDIAÇÃO PENAL, CÍRCULOS
RESTAURATIVOS E JUSTIÇA RESTAURATIVA

1 INTRODUÇÃO
Neste Tópico 3, veremos como o Curso de Mediação Judicial aborda a Mediação
Penal, Círculos Restaurativos e Justiça Restaurativa. O objetivo é perceber que a
transformação de conflitos deseja reduzir a violência e aumentar a justiça nas interações
diretas e nas estruturas sociais.

Para uma disposição didática eficiente, o Tópico foi dividido em subtópicos. Dessa
forma, além da Introdução e da Visão Geral, também será abordado o procedimento da
Mediação Vítima-Ofensor.

Então, é necessário que seja realizada leitura dos subtópicos, bem como a
resolução da autoatividade disposta ao fim do tópico.

2 CURSO DE MEDIAÇÃO PENAL, CÍRCULOS RESTAURATIVOS


E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A cultura da pacificação e da “não violência” é um dos desafios do século
XXI. Neste caminho, a implementação de soluções inovadoras encontra na Justiça
Restaurativa uma importante aliada para a sua realização. Logo, a aplicação da Justiça
Restaurativa nas mediações vítima-ofendido se configura como uma inversão dos
ditames da tradição “retributiva”. Assim, notaremos que a transformação de conflitos
objetiva diminuir a violência e aumentar a justiça nas interações diretas e nas estruturas
sociais.

2.1 INTRODUÇÃO E VISÃO GERAL DO CURSO DE MEDIAÇÃO


PENAL, CÍRCULOS RESTAURATIVOS E JUSTIÇA RESTAURATIVA
O Curso de Mediação Penal, Círculos Restaurativos e Justiça Restaurativa
se inicia com a exposição do que se entende por “Introdução e Visão Geral”. Assim, o
Programa de Apresentação do curso é disposto da seguinte forma:

» Introdução e Visão Geral


› Panorama da Justiça Restaurativa
› Conceito de Justiça Restaurativa

187
› Conceito de Processo Restaurativo
› Justiça Retributiva e Justiça Restaurativa
» Procedimento da Mediação Vítima-Ofensor
» Conclusão (BRASIL, 2020c, p. 6).

Começa-se elencando o histórico e os conceitos básicos envolvidos na


mediação penal. Quanto ao marco temporal, tem-se que aconteceram “os primeiros
projetos de Justiça Restaurativa no Canadá (1974) e nos EUA (1976)” (BRASIL, 2020c, p.
14). A respeito da parte conceitual, se define a Justiça Restaurativa como a

[...] proposta metodológica por intermédio da qual se busca, por


adequadas intervenções técnicas, a reparação moral e material do
dano, por meio de comunicações efetivas entre vítimas, ofensores e
representantes da comunidade voltadas a estimular: i) a adequada
responsabilização por atos lesivos; ii) a assistência material e
moral de vítimas; iii) a inclusão de ofensores na comunidade; iv) o
empoderamento das partes; v) a solidariedade; vi) o respeito mútuo
entre vítima e ofensor; vii) a humanização das relações processuais
em lides penais; e viii) a manutenção ou restauração das relações
sociais subjacentes eventualmente preexistentes ao conflito
(BRASIL, 2020c, p. 10).

Em consequência disso, surgem os processos restaurativos, que são

[...] quaisquer processos nos quais a vítima e o ofensor e, quando


apropriado, outros indivíduos ou membros da comunidade atingidos
por um crime participem em conjunto na resolução de questões que
surjam em decorrência deste, e, em regra, o fazem com o auxílio
de um facilitador (Resolução nº 12/2002 do Conselho Econômico e
Social da Organização das Nações Unidas) (BRASIL, 2020c, p. 11).

Após a descrição dos conceitos é razoável traçar alguns comparativos entre


a Justiça Restaurativa e a Justiça Retributiva, aplicados à matéria penal, quanto aos
valores envolvidos, quanto aos procedimentos e quantos às perspectivas da vítima, do
ofensor e da comunidade (BRASIL, 2020c), conforme seguem:

Quadro 1 – Valores

Fonte: Brasil (2020c, p. 15)

188
Quadro 2 – Procedimentos

Fonte: Brasil (2020c, p. 16)

Quadro 3 – Perspectiva da vítima

Fonte: Brasil (2020c, p. 17)

Quadro 4 – Perspectiva do ofensor

Fonte: Brasil (2020c, p. 18).

Quadro 5 – Perspectiva da comunidade

Fonte: Brasil (2020c, p. 19).

189
De acordo com os quadros comparativos, é visível a diferença que se estabelece
entre a aplicação das diferentes concepções de justiça, fundamentando, assim, a
alternativa escolhida para a mediação penal, ou seja, a justiça restaurativa. Todavia, a
mediação penal tem um campo normativo de aplicação, conforme se expõe a seguir:

Quadro 6 – Campo normativo de atuação

Fonte: Brasil (2020c, p. 20)

Em decorrência da especificidade da matéria mediada existe a necessidade de


uma formação específica para atuação como mediador penal, pois a “autocomposição
possui técnicas próprias que quando desconsideradas, em regra, proporcionam
significativas consequências como a revitimização” (BRASIL, 2020c, p. 22). Entretanto,
“um processo bem conduzido deve providenciar uma oportunidade ímpar para as pessoas
iniciarem um processo de: i) cicatrização dos efeitos do crime; ii) responsabilização
pela conduta ofensiva” (BRASIL, 2020c, p. 23-24). Dentre outros, esse motivo revela
a importância do Curso de Mediação Penal para a atuação nesse procedimento de
mediação vítima-ofensor, objeto do próximo subtópico.

2.2 PROCEDIMENTO DA MEDIAÇÃO VÍTIMA-OFENSOR


O êxito da Mediação Penal depende, dentre outros fatores, da boa execução
procedimental da metodologia, por isso é essencial que se demonstre o desenvolvimento
do método de mediação vítima-ofensor. A descrição do procedimento da mediação
vítima-ofensor se configura em três espécies. De início, se demonstra a primeira
fase, chamada de “Pré-mediação em sessão individual”, posteriormente, tem-se a
“Sessão conjunta” e, por último, os “Círculos Restaurativos”. A “Pré-mediação em
sessão individual” tem no seu rito a sequência de determinados atos, dentre os quais
se enumera: “a declaração de abertura, a reunião de informações, a confirmação do
interesse de participar, a preparação de escuta e discursos e o resumo da expectativa
quanto à sessão de mediação” (BRASIL, 2020c, p. 30).

190
Por outro lado, a “Sessão conjunta” obedece ao seguinte rito procedimental:
“início da mediação com declaração de abertura e resumo, reunião de informações,
identificação de questões e interesses, esclarecimentos das controvérsias e dos
interesses, resolução de questões e o registro das soluções encontradas” (BRASIL,
2020c, p. 37).

Por último, tem-se os “Círculos Restaurativos” em que o modo de desenvolvimento


se estabelece de forma idêntica à mediação vítima-ofensor, todavia, acrescenta-se:

[...] a participação de um membro da comunidade que efetivamente


a represente e se comprometa a participar dos demais encontros.
Os encontros prévios podem ser chamados também de pré-círculos,
pré-facilitações ou pré-mediações. Alguns programas adotam uma
fase denominada de pós-círculo, na qual o grupo se reúne com
um facilitador para verificar se o acordo está se desenvolvendo a
contento (BRASIL, 2020c, p. 42).

Descritos os procedimentos, podemos tecer algumas conclusões quanto aos


fatores que um adequado programa de Justiça Restaurativa requer:

[...] participação voluntária dos envolvidos; ofensores, vítimas e


membros da comunidade devem ser adequadamente preparados,
JR [Justiça Restaurativa] requer prévia responsabilização do ofensor,
o procedimento deve ser flexível para atender as necessidades
dos envolvidos, a segurança física e emocional dos envolvidos deve
ser abordada como prioritária e a MVO [mediação vítima-ofensor]
requer uma pré-seleção de casos (BRASIL, 2020c, p. 50).

Portanto, ao finalizar a explanação acerca do procedimento de mediação vítima-


ofensor se compreende como essa metodologia pode contribuir para a transformação
de conflitos, aplacando a violência e aumentando a justiça nas interações diretas e nas
estruturas sociais.

Na sequência, passaremos para o Tópico 4, discorrendo sobre a interlocução


entre a Justiça Restaurativa, a Mediação e a transformação dos conflitos.

ESTUDOS FUTUROS
O estudo da Justiça Restaurativa ocorrerá também no Tópico 4 desta
Unidade.

191
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• A Introdução e a Visão Geral do Curso de Mediação Penal, Círculos Restaurativos


e Justiça Restaurativa, nas quais a Mediação Penal é interpretada como um dos
instrumentos capazes de provocar a transformação de conflitos, reduzindo a
violência e ampliando a justiça nas interações diretas e nas estruturas sociais.

• O Procedimento da Mediação Vítima-Ofensor, demonstrando o desenvolvimento do


método de mediação e destacando a primeira fase, chamada de “Pré-mediação em
sessão individual”, posteriormente, a “Sessão conjunta” e, por último, os “Círculos
Restaurativos”.

192
AUTOATIVIDADE
1 A Mediação Penal ocorre em uma nova perspectiva de aplicação da justiça. Neste
sentido, apresenta um desenvolvimento metodológico sob os ditames da Justiça
Restaurativa. Essa prática se estabelece evidenciando algumas diferenças entre
o método tradicional, chamado retributivo, e o paradigma restaurativo. Sobre as
diferenças entre as Justiças Restaurativa e Retributiva, no tocante aos procedimentos
da Mediação Penal, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) No procedimento de Justiça Restaurativa ocorre a utilização de uma linguagem


comum e regras flexíveis e acessíveis do ponto de vista do jurisdicionado.
b) ( ) No procedimento de Justiça Restaurativa se observam atos formais, ritualísticos,
com cenário de Poder.
c) ( ) No procedimento da Justiça Retributiva o processo decisório é compartilhado
com envolvidos e a comunidade.
d) ( ) No procedimento da Justiça Retributiva se observam atos informais, simplificados,
com cenário de solução.

2 Os processos restaurativos são quaisquer processos nos quais a vítima e o ofensor


e, quando apropriado, outros indivíduos ou membros da comunidade atingidos
por um crime participem em conjunto na resolução de questões que surjam em
decorrência deste, e, em regra, o fazem com o auxílio de um facilitador (Resolução
nº 12/2002 do Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas).
Tais processos apresentam valores que são provenientes da Justiça Restaurativa e
que são aplicados à Mediação Penal. Com base nos valores da Justiça Restaurativa,
aplicados à Mediação Penal, analise as sentenças a seguir:

I- Na Justiça Restaurativa, ocorre o foco na responsabilidade e nas necessidades das


partes e da comunidade.
II- Na Justiça Restaurativa, se observa a primazia do interesse do Estado.
III- Na Justiça Restaurativa, se verifica o uso crítico do Direito.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 O êxito da Mediação Penal depende, dentre outros, da boa execução procedimental


da metodologia. De acordo com os procedimentos de Mediação Penal, classifique V
para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

193
( ) A “Pré-mediação em sessão individual tem no seu rito a sequência de determinados
atos, dentre os quais se enumera: “a declaração de abertura, a reunião de
informações, a confirmação do interesse de participar, a preparação de escuta e
discursos e o resumo da expectativa quanto à sessão de mediação.
( ) Os “Círculos Restaurativos” se desenvolvem conforme a impressão que o mediador
tem da situação apresentada, pois assim permite que cada sessão aconteça de
modo espontâneo, ocasionando um maior aproveitamento do perdão entre vítima-
ofensor.
( ) A “Sessão conjunta” obedece ao seguinte rito procedimental: início da mediação
com declaração de abertura e resumo, reunião de informações, identificação
de questões e interesses, esclarecimentos das controvérsias e dos interesses,
resolução de questões e o registro das soluções encontradas.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 O êxito da Mediação Penal depende, dentre outros, da boa execução procedimental


da metodologia. Isso se justifica em decorrência da especificidade que é observada
nessa área do Direito, que trata de bens jurídicos do mais elevado grau de importância
no ordenamento jurídico. Diante disso se configuram alguns procedimentos da
Mediação vítima-ofensor como a “Pré-mediação em sessão individual”. Dessa forma,
cite, na sequência em que ocorrem, os atos da “Pré-mediação em sessão individual”.

5 A Justiça Restaurativa é uma proposta metodológica por intermédio da qual se busca,


por adequadas intervenções técnicas, a reparação moral e material do dano, por meio
de comunicações efetivas entre vítimas, ofensores e representantes da comunidade.
Nesse contexto, disserte sobre o que a Justiça Restaurativa na mediação vítima-
ofensor visa a estimular.

194
UNIDADE 3 TÓPICO 4 -
JUSTIÇA RESTAURATIVA, MEDIAÇÃO
E TRANSFORMAÇÃO DE CONFLITOS

1 INTRODUÇÃO
Neste Tópico 4, abordaremos a relação entre a Justiça Restaurativa, a Mediação
e a Transformação de Conflitos. O objetivo é rever conceitos sobre a Justiça Restaurativa
e os elementos que os permeiam.

O Tópico 4 foi dividido em dois subtópicos. O primeiro trata da Justiça Restaurativa


e o segundo discorre sobre a Mediação e o paradigma de transformação dos conflitos.

No primeiro subtópico – Justiça Restaurativa – o enfoque será sobre a Justiça


Restaurativa, quantos aos seus aspectos essenciais e a visão sistêmica, a Resolução
CNJ Nº 225/2016 e as diretrizes do procedimento restaurativo e o fluxo no âmbito do
Poder Judiciário.

No segundo subtópico – Mediação e a transformação dos conflitos – vamos


abordar a Mediação, o mediador e os valores consensuais, além da transformação dos
conflitos.

Então, é necessário que seja realizada leitura dos subtópicos, bem como a
resolução da autoatividade disposta ao fim do tópico. Bons estudos!

2 JUSTIÇA RESTAURATIVA
A visão tradicional de solução de conflitos passa pela perspectiva de judicialização,
baseada na dicotomia autor-réu, fundamentada na premissa de que ao fim haverá um
“ganhador” e um “perdedor” da demanda. Todavia, a modernidade vem impondo uma
complexidade passível de resolução apenas com a aplicação de uma visão sistêmica.
Neste sentido, a Justiça Restaurativa vem sedimentando seus pressupostos na prática
cotidiana de resolução de conflitos. De tal forma, este subtópico busca discorrer acerca
da Justiça Restaurativa nos seus aspectos essenciais e sob o ponto de vista sistêmico
e, ainda, pretende destacar o conteúdo da Resolução CNJ Nº 225/2016, grifando as
Diretrizes do Procedimento Restaurativo e o Fluxo no Âmbito do Poder Judiciário.

195
2.1 JUSTIÇA RESTAURATIVA – ASPECTOS ESSENCIAIS E A
VISÃO SISTÊMICA
Começamos revendo os conceitos e premissas da Justiça Restaurativa, e
seus aspectos essenciais, levando em consideração a visão sistêmica, presente na
configuração dessa modalidade de Justiça. Conforme o Conselho Nacional de Justiça,
a Justiça Restaurativa pode ser entendida como um

[...] conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas


e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores
relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e
violência, e por meio do qual os conflitos que geram dano, concreto
ou abstrato são solucionados de modo estruturado (2022b).

Ainda pode ser definida como sendo "um processo em que todas as partes
ligadas de alguma forma a uma particular ofensa vêm discutir e resolver coletivamente
as consequências práticas da mesma e a suas implicações no futuro” (MARSHALL,1999).
Essas definições remetem à comparação inevitável da Justiça restaurativa em face da
retributiva.

É possível afirmar que “enquanto o processo judicial é linear e dialético, o


paradigma restaurativo dialoga com a complexidade, propondo abordagens e soluções
holísticas” (RIO GRANDE DO SUL, 2014, p. 8). É notório que

[...] para atingir seus máximos efeitos, ainda que intencionalmente


direcionada à resolução de conflitos que aportam no âmbito judicial,
sua aplicação precisa superar a lógica que rege as estruturas e os
modelos de gestão organizacionais tendentes à fragmentação e à
compartimentação de competências – que enfrentam no âmbito
jurídico-judicial um dos exemplos mais significativos (RIO GRANDE
DO SUL, 2014, p. 8).

A resolução judicial de conflitos apresenta algumas características que têm


desafiado a busca de superação: “em razão de sua dinâmica adversarial, reforça o
tensionamento e o distanciamento entre as partes; sujeita-se a mecanismos de
controle formal que a tornam mais demorada; por ser tecnicamente refinada, torna-se
significativamente onerosa” (RIO GRANDE DO SUL, 2014, p. 8). Resulta daí que uma

[...] determinada situação de conflito pode (e costuma) manifestar-


se em juízo por meio de inúmeros processos judiciais, mobilizando
diferentes áreas de jurisdição, sendo que a composição judicial
isolada de cada um desses processos comumente resulta limitada à
composição da lide jurídica, sem superação da lide sociológica (RIO
GRANDE DO SUL, 2014, p. 8).

A despeito disso, “avoluma-se o direcionamento à esfera judicial de conflitos de


menor relevância jurídica, cujo conteúdo relacional – afetivo preponderante indica que
poderiam melhor ser solucionados extrajudicialmente” (RIO GRANDE DO SUL, 2014, p.
8-9). De tal maneira,

196
[...] mais do que objetivar alternativas de solução autocompositiva,
Justiça Restaurativa tenderá à resolução do conflito ou situação-
problema subjacente numa visão sistêmica – o que significa atuar
em rede, promover transformações nos ambientes institucionais
e comunitários e, sempre que possível, objetivando evitar a
judicialização ou restituir a capacidade de solução aos próprios atores
em seus contextos de origem (RIO GRANDE DO SUL, 2014, p. 9).

A visão sistêmica é assim denominada porque tem

[...] uma abordagem capaz de identificar as diversas partes


fracionárias de um conjunto, relacionando-as simultaneamente com
ele, de modo a compreendê-las sempre como interdependentes do
sistema como um todo. Essa compreensão sistêmica deverá orientar
o olhar seja com relação às situações de conflito em si, seja com
relação ao contexto em que será buscada a solução (RIO GRANDE
DO SUL, 2014, p. 9).

A Justiça Restaurativa, utilizando uma visão sistêmica do conflito e levando


em conta a complexidade da demanda, surge em oposição ao modelo tradicional de
Justiça, apresentando contornos bastante distintos, conforme demonstrado na figura:

Figura 2 – Comparativo entre a Justiça Tradicional e a Justiça Restaurativa

Fonte: Rio Grande do Sul (2014, p. 6)

As aplicações de “Justiça Restaurativa passam a reunir teoria e prática de tal


modo que suas repercussões transformativas podem ser segmentadas em dois campos
– o campo das PRÁTICAS RESTAURATIVAS e do ENFOQUE RESTAURATIVO” (RIO GRANDE
DO SUL, 2014, p. 7). Tal afirmação é representada pela figura a seguir e demonstra o
âmbito de aplicação da Justiça Restaurativa:

197
Figura 3 - Âmbito de aplicação da Justiça Restaurativa

Fonte: Rio Grande do Sul (2014, p. 7)

Dessa forma, por tais características,

[...] a aplicação desse novo modelo de Justiça via de regra desencadeia,


caso a caso, um realinhamento ético e um processo reflexivo
capaz de repercutir, a um só tempo, em termos de transformações
pessoais, de desenvolvimento institucional, de aprendizagem social
e de mudanças culturais (RIO GRANDE DO SUL, 2014, p. 7).

A aplicação da Justiça Restaurativa em nível nacional passa por a implementação


da “Política Pública Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário
está delineada na Resolução CNJ nº 225/2016 e tem por objetivo a consolidação da
identidade e da qualidade da Justiça Restaurativa definidas na normativa, a fim de que
não seja desvirtuada ou banalizada” (CNJ, 2022). Ainda, o “CNJ, por meio da Portaria
CNJ nº 91, de 17/8/2016, ato do ministro Ricardo Lewandowski, instituiu o Comitê da
Justiça Restaurativa” (CNJ, 2022b).

O CNJ destaca que

[...] sensível à expansão e aos resultados exitosos dos programas


e projetos de Justiça Restaurativa em desenvolvimento em todo o
país e, ao mesmo tempo, atento aos riscos de desvirtuamento e de
engessamento, de personificação e de monopólio que podem incidir
sobre a prática, o ministro Dias Toffoli deu início, efetivamente, aos
trabalhos do Comitê Gestor da Justiça Restaurativa do CNJ ao editar
a Portaria nº 137, de 31/10/2018, que fez modificações estruturais
no normativo que instituiu o Comitê Gestor (Portaria nº 91/2016).
Posteriormente, foi editada a Portaria nº 42, de 2/3/2020, atualizando
a composição do Comitê (CNJ, 2022b).

198
Outra ação para disseminação da Justiça Restaurativa ocorreu por intermédio
do Comitê Gestor, que “realizou em 2019 dois seminários sobre a Política Nacional de
Justiça Restaurativa, incrementando o intercâmbio de experiências e ideias entre os
Comitês Regionais de todo o Brasil e fomentando a melhoria na quantidade e qualidade
dos dados que compõem a Política Nacional” (CNJ, 2022b). No mesmo sentido,

[...] em 31 de dezembro de 2019, o CNJ edita a Resolução nº 300,


que altera a Política Nacional, dando prazos para que os Tribunais de
Justiça e os Tribunais Regionais Federais organizem a implantação
da Justiça Restaurativa. Além disso, cria o Fórum Nacional de
Justiça Restaurativa, composto pelos membros do Comitê Gestor
do CNJ e dos coordenadores dos órgãos centrais de macrogestão e
coordenação nos tribunais. Ele terá, no mínimo, um encontro anual
para discutir temas pertinentes à Justiça Restaurativa e sugerir
ações ao Comitê Gestor do CNJ (CNJ, 2022b).

Destarte, é nítido a mudança de paradigma com a adoção das práticas ligadas


à Justiça Restaurativa. Consequentemente, a Política Pública Nacional de Justiça
Restaurativa, no âmbito do Poder Judiciário, representa, além de um desafio, um
movimento em conjunto para a sua implantação, o que se dará pela Resolução CNJ Nº.
225/2016, apresentada na sequência.

DICA
Para conhecer o Documento-base do Programa Justiça Restaurativa
para Século XXI do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, acesse:
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
Sul. Corregedoria Geral de Justiça (CGJ). Documento-base do Programa
Justiça Restaurativa para Século 21. 2014. Disponível em https://www.
tjrs.jus.br/static/2020/10/Programa_JR21.pdf . Acesso em: 22 jul. 2022.

2.2 RESOLUÇÃO CNJ Nº 225/2016: DIRETRIZES DO


PROCEDIMENTO RESTAURATIVO E FLUXO NO ÂMBITO DO
PODER JUDICIÁRIO
A Política Pública Nacional de Justiça Restaurativa representa um esforço que
envolve todo o Poder Judiciário para o seu desenvolvimento e reconfiguração do acesso
à justiça. Neste sentido, a Resolução CNJ Nº. 225/2016, que dispõe sobre referida
política, foi publicada levando em consideração uma série de motivos relevantes
enquanto integração do ordenamento jurídico, tais como:

CONSIDERANDO as recomendações da Organização das Nações


Unidas para fins de implantação da Justiça Restaurativa nos estados
membros, expressas nas Resoluções 1999/26, 2000/14 e 2002/12,
que estabelecem os seus princípios básicos;

199
CONSIDERANDO que o direito ao acesso à Justiça, previsto no art.
5º, XXXV, da Carta Magna, além da vertente formal perante os órgãos
judiciários, implica o acesso a soluções efetivas de conflitos por
intermédio de uma ordem jurídica justa e compreende o uso de meios
consensuais, voluntários e mais adequados a alcançar a pacificação
de disputa;
CONSIDERANDO que, diante da complexidade dos fenômenos
conflito e violência, devem ser considerados, não só os aspectos
relacionais individuais, mas também, os comunitários, institucionais
e sociais que contribuem para seu surgimento, estabelecendo-se
fluxos e procedimentos que cuidem dessas dimensões e promovam
mudanças de paradigmas, bem como, provendo-se espaços
apropriados e adequados;
CONSIDERANDO a relevância e a necessidade de buscar uniformidade,
no âmbito nacional, do conceito de Justiça Restaurativa, para evitar
disparidades de orientação e ação, assegurando uma boa execução
da política pública respectiva, e respeitando as especificidades de
cada segmento da Justiça;
CONSIDERANDO que cabe ao Poder Judiciário o permanente
aprimoramento de suas formas de resposta às demandas sociais
relacionadas às questões de conflitos e violência, sempre objetivando
a promoção da paz social;
CONSIDERANDO que os arts. 72, 77 e 89 da Lei 9.099/1995 permitem
a homologação dos acordos celebrados nos procedimentos próprios
quando regidos sob os fundamentos da Justiça Restaurativa, como
a composição civil, a transação penal ou a condição da suspensão
condicional do processo de natureza criminal que tramitam perante
os Juizados Especiais Criminais ou nos Juízos Criminais;
CONSIDERANDO que o art. 35, II e III, da Lei 12.594/2012 estabelece,
para o atendimento aos adolescentes em conflito com a lei, que os
princípios da excepcionalidade, da intervenção judicial e da imposição
de medidas, favorecendo meios de autocomposição de conflitos,
devem ser usados dando prioridade a práticas ou medidas que sejam
restaurativas e que, sempre que possível, atendam às vítimas;
CONSIDERANDO que compete ao CNJ o controle da atuação
administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como zelar pela
observância do art. 37 da Constituição da República;
CONSIDERANDO que compete, ainda, ao CNJ contribuir com o
desenvolvimento da Justiça Restaurativa, diretriz estratégica de
gestão da Presidência do CNJ para o biênio 2015-2016, nos termos
da Portaria 16 de fevereiro de 2015, o que gerou a Meta 8 para 2016,
em relação a todos os Tribunais;
CONSIDERANDO o Grupo de Trabalho instituído pela Portaria CNJ
74 de 12 de agosto de 2015 e o decidido pelo Plenário do CNJ nos
autos do Ato Normativo 0002377-12.2016.2.00.0000, na 232ª Sessão
Ordinária realizada em 31 de maio de 2016 (Resolução CNJ 225/2016).

A Resolução elenca em seu Capítulo I artigos informativos acerca das


disposições relacionadas à Justiça Restaurativa. Primeiramente, o conceito e os fatores
que envolvem a Justiça Restaurativa:

Art. 1º. A Justiça Restaurativa constitui-se como um conjunto


ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades
próprias, que visa à conscientização sobre os fatores relacionais,
institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por
meio do qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são

200
solucionados de modo estruturado na seguinte forma:
I – é necessária a participação do ofensor, e, quando houver, da
vítima, bem como, das suas famílias e dos demais envolvidos no fato
danoso, com a presença dos representantes da comunidade direta
ou indiretamente atingida pelo fato e de um ou mais facilitadores
restaurativos;
II – as práticas restaurativas serão coordenadas por facilitadores
restaurativos capacitados em técnicas autocompositivas e
consensuais de solução de conflitos próprias da Justiça Restaurativa,
podendo ser servidor do tribunal, agente público, voluntário ou
indicado por entidades parceiras;
III – as práticas restaurativas terão como foco a satisfação das
necessidades de todos os envolvidos, a responsabilização ativa
daqueles que contribuíram direta ou indiretamente para a ocorrência
do fato danoso e o empoderamento da comunidade, destacando
a necessidade da reparação do dano e da recomposição do tecido
social rompido pelo conflito e as suas implicações para o futuro
(Resolução CNJ 225/2016).

Além disso, o parágrafo primeiro, do artigo primeiro, elenca os conceitos


basilares que se aplicam à Justiça Restaurativa:

Para efeitos desta Resolução, considera-se:


I – Prática Restaurativa: forma diferenciada de tratar as situações
citadas no caput e incisos deste artigo;
II – Procedimento Restaurativo: conjunto de atividades e etapas a
serem promovidas objetivando a composição das situações a que se
refere o caput deste artigo;
III – Caso: quaisquer das situações elencadas no caput deste artigo,
apresentadas para solução por intermédio de práticas restaurativas;
IV – Sessão Restaurativa: todo e qualquer encontro, inclusive os
preparatórios ou de acompanhamento, entre as pessoas diretamente
envolvidas nos fatos a que se refere o caput deste artigo;
V – Enfoque Restaurativo: abordagem diferenciada das situações
descritas no caput deste artigo, ou dos contextos a elas relacionados,
compreendendo os seguintes elementos:
a) participação dos envolvidos, das famílias e das comunidades;
b) atenção às necessidades legítimas da vítima e do ofensor;
c) reparação dos danos sofridos;
d) compartilhamento de responsabilidades e obrigações entre
ofensor, vítima, famílias e comunidade para superação das causas e
consequências do ocorrido (Resolução CNJ 225/2016).

Ainda no artigo primeiro da resolução, em seu parágrafo segundo, é delimitada


a aplicação de procedimento restaurativo, ressaltando que “pode ocorrer de forma
alternativa ou concorrente com o processo convencional, devendo suas implicações ser
consideradas, caso a caso, à luz do correspondente sistema processual e objetivando
sempre as melhores soluções para as partes envolvidas e a comunidade (Resolução
CNJ 225/2016).

O artigo segundo da Resolução estabelece os Princípios Norteadores da


Justiça Restaurativa: “a corresponsabilidade, a reparação dos danos, o atendimento às
necessidades de todos os envolvidos, a informalidade, a voluntariedade, a imparcialidade,

201
a participação, o empoderamento, a consensualidade, a confidencialidade, a celeridade
e a urbanidade” (Resolução CNJ 225/2016). Ainda no artigo segundo, precisamente
em seus parágrafos, são colocadas as condições para a participação no procedimento
envolvendo a Justiça Restaurativa:

§ 1º Para que o conflito seja trabalhado no âmbito da Justiça


Restaurativa, é necessário que as partes reconheçam, ainda que em
ambiente confidencial incomunicável com a instrução penal, como
verdadeiros os fatos essenciais, sem que isso implique admissão de
culpa em eventual retorno do conflito ao processo judicial.
§ 2º É condição fundamental para que ocorra a prática restaurativa,
o prévio consentimento, livre e espontâneo, de todos os seus
participantes, assegurada a retratação a qualquer tempo, até a
homologação do procedimento restaurativo.
§ 3º Os participantes devem ser informados sobre o procedimento
e sobre as possíveis consequências de sua participação, bem como
do seu direito de solicitar orientação jurídica em qualquer estágio do
procedimento.
§ 4º Todos os participantes deverão ser tratados de forma justa e
digna, sendo assegurado o mútuo respeito entre as partes, as quais
serão auxiliadas a construir, a partir da reflexão e da assunção de
responsabilidades, uma solução cabível e eficaz visando sempre o
futuro.
§ 5º O acordo decorrente do procedimento restaurativo deve ser
formulado a partir da livre atuação e expressão da vontade de todos
os participantes, e os seus termos, aceitos voluntariamente, conterão
obrigações razoáveis e proporcionais, que respeitem a dignidade de
todos os envolvidos (Resolução CNJ 225/2016).

Nos capítulos seguintes, são tratados assuntos de cunho organizacional-


administrativo de funcionamento da Justiça Restaurativa, conforme demonstrado
pelos títulos descritos no quadro informativo a seguir:

Quadro 7 – Relação entre Capítulos e Artigos da Resolução CNJ 225/2016

Fonte: a autora

202
Por conseguinte, a Resolução CNJ 225/2016 representa o marco inicial para a
adoção das práticas da Justiça Restaurativa, configurada em uma Política Nacional de
aplicação no âmbito do Poder Judiciário, refletindo como uma alternativa de resolução
de conflitos, irradiando seus ditames para vários programas autocompositivos, em
especial a medição e a transformação dos conflitos, como será tratado na continuidade.

DICA
Para saber mais sobre a atuação do Conselho Nacional de Justiça junto
à Justiça Restaurativa acesse: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/
justica-restaurativa/ Acesso em: 13 ago. 2022.

A Resolução CNJ 225/2016 pode ser acessada na íntegra: BRASIL. Conselho


Nacional de Justiça. Resolução Nº 225 de 31/05/2016. Dispõe sobre a
Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário e dá
outras providências. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/atos-
normativos?documento=2289. Acesso em: 15 jul. 2022.

3 MEDIAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DE CONFLITOS


A mediação e a transformação dos conflitos são mecanismos de transformação
social, para isso é necessário que seus métodos e procedimentos sejam organizados
de forma a provocar uma confiabilidade na sua aplicação. Assim, é essencial que se
compreenda o que é a mediação, como atua a figura do mediador, como ela se vincula aos
valores consensuais e, por fim, de que maneira ocorre a transformação da perspectiva
negativa do conflito. Então, primeiramente, iremos discutir a Mediação, o Mediador e os
valores consensuais. Já no segundo momento, o estudo irá abordar a transformação
dos conflitos.

3.1 A MEDIAÇÃO, O MEDIADOR E OS VALORES CONSENSUAIS


Alguns fatores são essenciais para o êxito dos programas autocompositivos,
tais como a mediação, o mediador e a implantação de valores consensuais. Inicialmente
pode-se afirmar que a mediação é uma

[...] negociação facilitada ou catalisada por um terceiro. Alguns autores


preferem definições mais completas sugerindo que a mediação um
processo autocompositivo segundo o qual as partes em disputa
são auxiliadas por uma terceira parte neutra ao conflito ou por um
painel de pessoas sem interesse na causa, para se chegar a uma
composição. Trata-se de um método de resolução de disputas no qual
se desenvolve um processo composto por vários atos procedimentais

203
pelos quais o(s) terceiro(s) imparcial(is) facilita(m) a negociação entre
as pessoas em conflito, habilitando-as a melhor compreender suas
posições e a encontrar soluções que se compatibilizam aos seus
interesses e necessidades (BRASIL, 2020, p. 20).

Uma figura importante na mediação é a do mediador, ele é o terceiro que irá


facilitar a composição de uma forma imparcial ou neutra. No processo judicial o

[...] mediador tem papel reconhecido como auxiliar da justiça (art.


149 do NCPC) e exerce um papel relevante no desenvolvimento da
cidadania, pois não apenas facilita o entendimento entre os cidadãos
na busca da melhor solução para seus conflitos, mas também os
ajuda na condução dos processos, no aspecto técnico, obviamente
mantendo a imparcialidade que lhe é própria, mas dando mais
objetividade ao processo, caso não haja acordo (BRASIL, 2020, p.
249).

As atribuições do mediador judicial, relacionadas com a direção da sessão de


mediação e com o atendimento às partes, são:

a) abrir e conduzir a sessão de mediação, sob a supervisão do Juiz


togado, promovendo o entendimento entre as partes; b) redigir os
termos de acordo, submetendo-os à homologação do Juiz togado;
c) certificar os atos ocorridos na sessão de mediação; d) controlar
a comunicação entre as partes, não permitindo que ela se realize
de maneira ineficiente; e) reduzir a termo os pedidos das partes, em
conformidade com o que ficar acertado com o Juiz (BRASIL, 2020, p.
249-250).

Nesse contexto, o papel do mediador é desenvolver as competências para o


desenvolvimento dos valores consensuais na resolução dos conflitos. Desse modo,

[...] a Política Pública de Resolução Apropriada de Disputas conduzida


preponderantemente pelo Conselho Nacional de Justiça, tem
refletido um movimento de consensualização do Poder Judiciário
uma vez que passa a estabelecer a autocomposição como solução
prioritária para os conflitos de interesse. Isso significa que o legislador
crê que a maior parte dos conflitos pode ser resolvida por meios
consensuais (BRASIL, 2020, p. 29).

Além disso, a Lei da Mediação (Lei nº 13.140/2015) e o Código de Processo Civil


mencionam a proposta de consensualização do Poder Judiciário

[...] preconizada com o Movimento pela Conciliação e especialmente


pela Res. 125/10. Todavia, nota-se que o legislador avançou
estabelecendo a regra de encaminhamento à conciliação ou à
mediação no art. 334 do NCPC, indicando que se a petição inicial
preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência
liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de
mediação. O estímulo pretendido foi tão enfático que o § 4o do
mesmo artigo estabelece que a audiência não será realizada apenas
se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na
composição consensual ou quando não se admitir a autocomposição.

204
Ademais, o § 8o desse mesmo artigo estabelece também que o
não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência
de conciliação deve ser considerado ato atentatório à dignidade da
justiça e deve ser sancionado com multa de até dois por cento da
vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em
favor da União ou do Estado (BRASIL, 2020, p. 29).

De igual forma, as características intrínsecas dos processos autocompositivos


impõem mudanças significativas também na gestão dos processos e de seus
encaminhamentos. Essa imposição se justifica em razão das diferenças observadas
entre os processos autocompositivos quando comparados aos heterocompositivos,
como é apontado na tabela a seguir:

Tabela 6 – Diferenças entre os processos autocompositivos e os heterocompositivos

Fonte: Brasil (2020, p. 30).

As diferenças entre os processos apontam para uma melhor eficiência na


resolução de conflitos quando submetidos aos processos autocompositivos. Essa
reconfiguração do processo de resolução dos conflitos é justificada em função da
mesma eficiência na aplicação de programas autocompositivos, o que comprova que o
sistema é autoalimentado por experiências positivas.

Logo, a incorporação da mediação, enquanto método autocompositivo, e a


atuação do mediador somada aos valores consensuais dentro dos processos judiciais
remetem à uma migração para a cultura da paz, ocorrendo a sedimentação do
consensualismo, ocasionando, assim, a transformação dos conflitos, como se verá a
seguir.

205
DICA
Os processos autocompositivos “compreendem tanto os processos que
se conduzem diretamente ao acordo, como é de forma preponderante a
conciliação [...], quanto às soluções facilitadas ou estimuladas por um terceiro”
(BRASIL, 2020, p. 20).

DICA
A Lei da Mediação (Lei nº 13.140/2015) e o Código de Processo Civil, estão
disponíveis, respectivamente em:
BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação
entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a
autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a
Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março
de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/
lei/l13140.htm Acesso em: 15 jul. 2022;
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/
lei/l13105.htm Acesso em: 15 jul. 2022.

3.2 A TRANSFORMAÇÃO DOS CONFLITOS


A modificação dos conflitos acontece quando se altera a perspectiva de
tratamento do problema, surgindo algumas ponderações que podem reconfigurar a
relação litigiosa. Entre essas se destacam: o conflito é inevitável e pode ser uma força
positiva para o crescimento; o conflito se desenvolve em espirais e essa escalada de
conflito é importante na gestão de disputas; existem algumas diferenças entre processos
construtivos e destrutivos de resolução de disputas e um conflito pode melhorar ou
piorar dependendo da forma com que se opta perceber o contexto conflituoso (BRASIL,
2020, p. 47). Por isso, o objetivo deste subtópico é discorrer acerca dessas ponderações.

Para dar início ao estudo se enfatiza que o conflito “pode ser definido como
um processo ou estado em que duas ou mais pessoas divergem em razão de metas,
interesses ou objetivos individuais percebidos como mutuamente incompatíveis”
(BRASIL, 2020, p. 49). Tradicionalmente as pessoas têm uma tendência em classificar o
conflito como um fator negativo. Entretanto, a transformação dos conflitos consiste na
possibilidade de enxergá-los de maneira positiva e se configura “em uma das principais
alterações da chamada moderna teoria do conflito. Isso porque a partir do momento em
que se percebe o conflito como um fenômeno natural na relação de quaisquer seres
vivos é possível se perceber o conflito de forma positiva (BRASIL, 2020, p. 51).
206
Então,

[...] intuitivamente se aborda o conflito como um fenômeno negativo


nas relações sociais que proporciona perdas para, ao menos, uma
das partes envolvidas. Em treinamentos de técnicas e habilidades
de mediação, os participantes frequentemente são estimulados a
indicarem a primeira ideia que lhes vem à mente ao ouvirem a palavra
conflito” (BRASIL, 2020, p. 49).

O resultado mais frequente é o exposto a seguir:

Figura 4 – Relação de palavras que configuram conflito como um aspecto negativo

Fonte: Brasil (2020, p. 49)

Por outro lado, “quando questionados sobre aspectos positivos do conflito [...]
ou formas positivas de se perceber o conflito – em regra, participantes de treinamentos
em técnicas e habilidades de mediação apresentam, entre outros, os seguintes pontos”
(BRASIL, 2020, p. 50):

Figura 5 – Relação de palavras que configuram conflito como um aspecto positivo

Fonte: Brasil (2020, p. 51)

207
Outro fator a ser considerado é a progressiva escalada, em relações conflituosas,
resultante de um círculo vicioso de ação e reação. Nesse sentido,

[...] cada reação torna-se mais severa do que a ação que a


precedeu e cria uma nova questão ou ponto de disputa. Esse
modelo, denominado de espirais de conflito, sugere que com esse
crescimento (ou escalada) do conflito, as suas causas originárias
progressivamente tornam-se secundárias a partir do momento em
que os envolvidos se mostram mais preocupados em responder a
uma ação que imediatamente antecedeu sua reação (BRASIL, 2020,
p. 54).

Além disso, a transformação dos conflitos passa por compreender a existência


de processos destrutivos ou processos construtivos. Para o professor Morton Deutsch,
um processo destrutivo pode ser definido como:

[...] enfraquecimento ou rompimento da relação social preexistente à


disputa em razão da forma pela qual esta é conduzida. Em processos
destrutivos há a tendência de o conflito se expandir ou tornar-se
mais acentuado no desenvolvimento da relação processual. Como
resultado, tal conflito frequentemente torna-se ‘independente de
suas causas iniciais’, assumindo feições competitivas nas quais
cada parte busca ‘vencer’ a disputa e decorre da percepção, muitas
vezes errônea, de que os interesses das partes não podem coexistir.
Em outras palavras, as partes quando em processos destrutivos
de resolução de disputas concluem tal relação processual com
esmaecimento da relação social preexistente à disputa e acentuação
da animosidade decorrente da ineficiente forma de endereçar o
conflito (BRASIL, 2020, p. 55).

De forma contrária, os processos construtivos seriam aqueles

[...] em razão dos quais as partes concluiriam a relação processual


com um fortalecimento da relação social preexistente à disputa.
Para esse professor, processos construtivos caracterizam-se: i) pela
capacidade de estimular as partes a desenvolverem soluções criativas
que permitam a compatibilização dos interesses aparentemente
contrapostos; ii) pela capacidade de as partes ou do condutor do
processo (e.g. magistrado ou mediador) motivarem todos os envolvidos
para que prospectivamente resolvam as questões sem atribuição
de culpa; iii) pelo desenvolvimento de condições que permitam a
reformulação das questões diante de eventuais impasses e iv) pela
disposição de as partes ou do condutor do processo a abordar, além
das questões juridicamente tuteladas, todas e quaisquer questões
que estejam influenciando a relação (social) das partes. Em outros
termos, partes quando em processos construtivos de resolução de
disputas concluem tal relação processual com fortalecimento da
relação social preexistente à disputa e, em regra, robustecimento do
conhecimento mútuo e empatia (BRASIL, 2020, p. 55-56).

208
Diante disso, a contribuição de Deutsch provocou uma “recontextualização
acerca do conceito de conflito ao se registrar que este é um elemento da vida que
inevitavelmente permeia todas as relações humanas e contém potencial de contribuir
positivamente nessas relações” (BRASIL, 2020, p. 56). Assim, pode-se afirmar a
existência de uma

[...] necessidade de novos modelos que permitam que as partes


possam, por intermédio de um procedimento participativo,
resolver suas disputas construtivamente ao fortalecer relações
sociais, identificar interesses subjacentes ao conflito, promover
relacionamentos cooperativos, explorar estratégias que venham a
prevenir ou resolver futuras controvérsias, e educar as partes para
uma melhor compreensão recíproca (BRASIL, 2020, p. 56).

Nesse contexto, os programas autocompositivos se apresentam como


uma importante ferramenta de aplicação da Moderna Teoria dos Conflitos, ou seja,
transformando o conflito que deixa de ser destrutivo e passa a ser um processo
construtivo. Contudo, “atualmente, em grande parte, o ordenamento jurídico processual,
que se dirige predominantemente à pacificação social, organiza-se, segundo a ótica de
Morton Deutsch, em torno de processos destrutivos lastreados, em regra, somente no
direito positivo” (BRASIL, 2020, p. 57). Esse fato fica evidenciado no momento em que

[...] as partes, quando buscam auxílio do Estado para solução de


seus conflitos, frequentemente têm o conflito acentuado ante
procedimentos que abstratamente se apresentam como brilhantes
modelos de lógica jurídica-processual – contudo, no cotidiano,
acabam por muitas vezes se mostrar ineficientes na medida em que
enfraquecem os relacionamentos sociais preexistentes entre as
partes em conflito (BRASIL, 2020, p. 57).

Por todo o exposto, demonstra-se a necessidade de uma alteração na


mentalidade litigante conflituosa destrutiva, que envolve os procedimentos judiciais, pois
o ordenamento jurídico deve recepcionar e adaptar-se à transformação da perspectiva
de gestão dos conflitos, especialmente, diante da construção da Moderna Teoria dos
Conflitos, fundamentada no aspecto positivo do contexto conflituoso. De qualquer
forma, conforme demonstrado ao longo desta unidade, o movimento de transformação
já teve seu início e, embora, seja uma reconfiguração estrutural, vem ganhando força
institucional para que se consolide enquanto método autocompositivo.

209
LEITURA
COMPLEMENTAR
RESOLUÇÃO Nº 125, DE 29 DE NOVEMBRO DE 2010

Conselho Nacional de Justiça


Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos
conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas


atribuições constitucionais e regimentais,
CONSIDERANDO que compete ao Conselho Nacional de Justiça o controle da
atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como zelar pela observância
do art. 37 da Constituição da República;
CONSIDERANDO que a eficiência operacional, o acesso ao sistema de Justiça
e a responsabilidade social são objetivos estratégicos do Poder Judiciário, nos termos
da Resolução/CNJ nº 70, de 18 de março de 2009;
CONSIDERANDO que o direito de acesso à Justiça, previsto no art. 5º, XXXV,
da Constituição Federal além da vertente formal perante os órgãos judiciários, implica
acesso à ordem jurídica justa;
CONSIDERANDO que, por isso, cabe ao Judiciário estabelecer política pública
de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que
ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em âmbito
nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os
que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial
dos consensuais, como a mediação e a conciliação;
CONSIDERANDO a necessidade de se consolidar uma política pública
permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução
de litígios;
CONSIDERANDO que a conciliação e a mediação são instrumentos efetivos
de pacificação social, solução e prevenção de litígios, e que a sua apropriada disciplina
em programas já implementados no país tem reduzido a excessiva judicialização dos
conflitos de interesses, a quantidade de recursos e de execução de sentenças;
CONSIDERANDO ser imprescindível estimular, apoiar e difundir a sistematização
e o aprimoramento das práticas já adotadas pelos tribunais;
CONSIDERANDO a relevância e a necessidade de organizar e uniformizar
os serviços de conciliação, mediação e outros métodos consensuais de solução de
conflitos, para lhes evitar disparidades de orientação e práticas, bem como para
assegurar a boa execução da política pública, respeitadas as especificidades de cada
segmento da Justiça;

210
CONSIDERANDO que a organização dos serviços de conciliação, mediação e
outros métodos consensuais de solução de conflitos deve servir de princípio e base para
a criação de Juízos de resolução alternativa de conflitos, verdadeiros órgãos judiciais
especializados na matéria;
CONSIDERANDO o deliberado pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça
na sua 117ª Sessão Ordinária, realizada em de 23 de 2010, nos autos do procedimento do
Ato 0006059-82.2010.2.00.0000;

RESOLVE:

Capítulo I
Da Política Pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses
Art. 1º Fica instituída a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos
de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios
adequados à sua natureza e peculiaridade.
Parágrafo único. Aos órgãos judiciários incumbe oferecer mecanismos de
soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a
mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão. Nas
hipóteses em que este atendimento de cidadania não for imediatamente implantado,
esses serviços devem ser gradativamente ofertados no prazo de 12 (doze) meses.
Art. 2º Na implementação da Política Judiciária Nacional, com vista à boa
qualidade dos serviços e à disseminação da cultura de pacificação social, serão
observados:

I– centralização das estruturas judiciárias;


II– adequada formação e treinamento de servidores, conciliadores e
III– acompanhamento estatístico específico.

Art. 3º O CNJ auxiliará os tribunais na organização dos serviços mencionados no


art. 1º, podendo ser firmadas parcerias com entidades públicas e privadas.

Capítulo II

Das Atribuições do Conselho Nacional de Justiça

Art. 4º Compete ao Conselho Nacional de Justiça organizar programa com o


objetivo de promover ações de incentivo à autocomposição de litígios e à pacificação
social por meio da conciliação e da mediação.
Art. 5º O programa será implementado com a participação de rede constituída
por todos os órgãos do Poder Judiciário e por entidades públicas e privadas parceiras,
inclusive universidades e instituições de ensino.
Art. 6º Para desenvolvimento dessa rede, caberá ao CNJ:
I– estabelecer diretrizes para implementação da política pública de tratamento
adequado de conflitos a serem observadas pelos Tribunais;

211
II– desenvolver conteúdo programático mínimo e ações voltadas à capacitação
em métodos consensuais de solução de conflitos, para magistrados da Justiça Estadual
e da Justiça Federal, servidores, mediadores, conciliadores e demais facilitadores da
solução consensual de controvérsias, ressalvada a competência da Escola Nacional de
Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM;
III– providenciar que as atividades relacionadas à conciliação, mediação e outros
métodos consensuais de solução de conflitos sejam consideradas nas promoções e
remoções de magistrados pelo critério do merecimento;
IV– regulamentar, em código de ética, a atuação dos conciliadores, mediadores
e demais facilitadores da solução consensual de controvérsias;
V– buscar a cooperação dos órgãos públicos competentes e das instituições
públicas e privadas da área de ensino, para a criação de disciplinas que propiciem o
surgimento da cultura da solução pacífica dos conflitos, bem como que, nas Escolas de
Magistratura, haja módulo voltado aos métodos consensuais de solução de conflitos, no
curso de iniciação funcional e no curso de aperfeiçoamento;
VI– estabelecer interlocução com a Ordem dos Advogados do Brasil, Defensorias
Públicas, Procuradorias e Ministério Público, estimulando sua participação nos Centros
Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania e valorizando a atuação na prevenção
dos litígios;
VII– realizar gestão junto às empresas, públicas e privadas, bem como
junto às agências reguladoras de serviços públicos, a fim de implementar práticas
autocompositivas e desenvolver acompanhamento estatístico, com a instituição de
banco de dados para visualização de resultados, conferindo selo de qualidade;
VIII– atuar junto aos entes públicos e grandes litigantes de modo a estimular a
autocomposição.

Capítulo III
Das Atribuições dos Tribunais

Seção I
Dos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de
Conflitos

Art. 7º Os Tribunais deverão criar, no prazo de 60 (sessenta) dias, Núcleos


Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, compostos por
magistrados da ativa ou aposentados e servidores, preferencialmente atuantes na área,
com as seguintes atribuições, entre outras:
I– desenvolver a Política Judiciária de tratamento adequado dos conflitos de
interesses, estabelecida nesta Resolução;
II– planejar, implementar, manter e aperfeiçoar as ações voltadas ao cumprimento
da política e suas metas;
III– atuar na interlocução com outros Tribunais e com os órgãos integrantes da
rede mencionada nos arts. 5º e 6º;

212
IV– instalar Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania que
concentrarão a realização das sessões de conciliação e mediação que estejam a cargo
de conciliadores e mediadores, dos órgãos por eles abrangidos;
V– incentivar ou promover capacitação, treinamento e atualização permanente
de magistrados, servidores, conciliadores e mediadores nos métodos consensuais de
solução de conflitos;
VI– propor ao Tribunal a realização de convênios e parcerias com entes públicos
e privados para atender aos fins desta Resolução.
§ 1º A criação dos Núcleos e sua composição deverão ser informadas ao
Conselho Nacional de Justiça.
§ 2º Os Núcleos poderão estimular programas de mediação comunitária, desde
que esses centros comunitários não se confundam com os Centros de conciliação e
mediação judicial, previstos no Capítulo III, Seção II.
§ 3º Nos termos do art. 73 da Lei n° 9.099/95 e dos arts. 112 e 116 da Lei n°
8.069/90, os Núcleos poderão centralizar e estimular programas de mediação penal ou
qualquer outro processo restaurativo, desde que respeitados os princípios básicos e
processos restaurativos previstos na Resolução n° 2002/12 do Conselho Econômico e
Social da Organização das Nações Unidas e a participação do titular da ação penal em
todos os atos.
§ 4º Na hipótese de conciliadores e mediadores que atuem em seus serviços,
os Tribunais deverão criar e manter cadastro, de forma a regulamentar o processo de
inscrição e de desligamento desses facilitadores.

Seção II
Dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania

Art. 8º Para atender aos Juízos, Juizados ou Varas com competência nas áreas
cível, fazendária, previdenciária, de família ou dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais
e Fazendários, os Tribunais deverão criar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos
e Cidadania ("Centros"), unidades do Poder Judiciário, preferencialmente, responsáveis
pela realização das sessões e audiências de conciliação e mediação que estejam a cargo
de conciliadores e mediadores, bem como pelo atendimento e orientação ao cidadão.
§ 1º As sessões de conciliação e mediação pré-processuais deverão ser
realizadas nos Centros, podendo, excepcionalmente, serem realizadas nos próprios
Juízos, Juizados ou Varas designadas, desde que o sejam por conciliadores e mediadores
cadastrados pelo Tribunal (inciso VI do art. 7º) e supervisionados pelo Juiz Coordenador
do Centro (art. 9º).
§ 2º Os Centros poderão ser instalados nos locais onde exista mais de uma
unidade jurisdicional com pelo menos uma das competências referidas no caput e,
obrigatoriamente, serão instalados a partir de 5 (cinco) unidades jurisdicionais.
§ 3º Nas Comarcas das Capitais dos Estados e nas sedes das Seções e Regiões
Judiciárias, bem como nas Comarcas do interior, Subseções e Regiões Judiciárias de
maior movimento forense, o prazo para a instalação dos Centros será de 4 (quatro)
meses a contar do início de vigência desta Resolução.

213
§ 4º Nas demais Comarcas, Subseções e Regiões Judiciárias, o prazo para a
instalação dos Centros será de 12 (doze) meses a contar do início de vigência deste ato.
§ 5º Os Tribunais poderão, excepcionalmente, estender os serviços do Centro a
unidades ou órgãos situados em locais diversos, desde que próximos daqueles referidos
no § 2º, e instalar Centros nos chamados Foros Regionais, nos quais funcionem 2 (dois)
ou mais Juízos, Juizados ou Varas, observada a organização judiciária local.
§ 6º Os Centros poderão ser organizados por áreas temáticas, como centros
de conciliação de juizados especiais, família, precatórios e empresarial, dentre outros,
juntamente com serviços de cidadania.
§ 7º O coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania
poderá solicitar feitos de outras unidades judiciais com o intuito de organizar pautas
concentradas ou mutirões, podendo, para tanto, fixar prazo.
§ 8º Para efeito de estatística de produtividade, as sentenças homologatórias
prolatadas em razão da solicitação estabelecida no parágrafo anterior reverterão ao
juízo de origem, e as sentenças decorrentes da atuação pré-processual ao coordenador
do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania.
Art. 9º Os Centros contarão com um juiz coordenador e, se necessário, com
um adjunto, aos quais caberão a sua administração e a homologação de acordos, bem
como a supervisão do serviço de conciliadores e mediadores. Os magistrados da Justiça
Estadual e da Justiça Federal serão designados pelo Presidente de cada Tribunal dentre
aqueles que realizaram treinamento segundo o modelo estabelecido pelo CNJ, conforme
Anexo I desta Resolução.
§ 1º Caso o Centro atenda a grande número de Juízos, Juizados ou Varas,
o respectivo juiz coordenador poderá ficar designado exclusivamente para sua
administração.
§ 2º Os Tribunais deverão assegurar que nos Centros atuem servidores com
dedicação exclusiva, todos capacitados em métodos consensuais de solução de
conflitos e, pelo menos, um deles capacitado também para a triagem e encaminhamento
adequado de casos.
§ 3º O treinamento dos servidores referidos no parágrafo anterior deverá
observar as diretrizes estabelecidas pelo CNJ conforme Anexo I desta Resolução.
Art. 10. Os Centros deverão obrigatoriamente abranger setor de solução pré-
processual de conflitos, setor de solução processual de conflitos e setor de cidadania.
Art. 11. Nos Centros poderão atuar membros do Ministério Público, defensores
públicos, procuradores e/ou advogados.

Seção III
Dos Conciliadores e Mediadores

Art. 12. Nos Centros, bem como todos os demais órgãos judiciários nos quais se
realizem sessões de conciliação e mediação, somente serão admitidos mediadores e
conciliadores capacitados na forma deste ato (Anexo I), cabendo aos Tribunais, antes de
sua instalação, realizar o curso de capacitação, podendo fazê-lo por meio de parcerias.

214
§ 1º Os Tribunais que já realizaram a capacitação referida no caput poderão
dispensar os atuais mediadores e conciliadores da exigência do certificado de
conclusão do curso de capacitação, mas deverão disponibilizar cursos de treinamento e
aperfeiçoamento, na forma do Anexo I, como condição prévia de atuação nos Centros.
§ 2º Todos os conciliadores, mediadores e outros especialistas em métodos
consensuais de solução de conflitos deverão submeter-se a reciclagem permanente e
à avaliação do usuário.
§ 3º Os cursos de capacitação, treinamento e aperfeiçoamento de mediadores
e conciliadores deverão observar o conteúdo programático, com número de exercícios
simulados e carga horária mínimos estabelecidos pelo CNJ (Anexo I) e deverão ser
seguidos necessariamente de estágio supervisionado.
§ 4º Os mediadores, conciliadores e demais facilitadores do entendimento entre
as partes ficarão sujeitos ao código de ética estabelecido pelo Conselho (Anexo II).

Seção IV
Dos Dados Estatísticos

Art. 13. Os Tribunais deverão criar e manter banco de dados sobre as atividades
de cada Centro, com as informações constantes do Portal da Conciliação.
Art. 14. Caberá ao CNJ compilar informações sobre os serviços públicos de
solução consensual das controvérsias existentes no país e sobre o desempenho de
cada um deles, por meio do DPJ, mantendo permanentemente atualizado o banco de
dados.

Capítulo IV
Do Portal da Conciliação

Art. 15. Fica criado o Portal da Conciliação, a ser disponibilizado no sítio do CNJ
na rede mundial de computadores, com as seguintes funcionalidades, entre outras:
– publicação das diretrizes da capacitação de conciliadores e mediadores e de
seu código de ética;
– relatório gerencial do programa, por Tribunal, detalhado por unidade judicial e
por Centro;
– compartilhamento de boas práticas, projetos, ações, artigos, pesquisas e
outros estudos;
– fórum permanente de discussão, facultada a participação da sociedade civil;
– divulgação de notícias relacionadas ao tema;
– relatórios de atividades da "Semana da Conciliação".
Parágrafo único. A implementação do Portal será gradativa, observadas as
possibilidades técnicas, sob a responsabilidade do CNJ.

215
Disposições Finais

Art. 16. O disposto na presente Resolução não prejudica a continuidade de


programas similares já em funcionamento, cabendo aos Tribunais, se necessário,
adaptá-los aos termos deste ato.
Parágrafo único. Em relação aos Núcleos e Centros, os Tribunais poderão utilizar
siglas e denominações distintas das referidas nesta Resolução, desde que mantidas as
suas atribuições previstas no Capítulo III.
Art. 17. Compete à Presidência do Conselho Nacional de Justiça, com o apoio
da Comissão de Acesso ao Sistema de Justiça e Responsabilidade Social, coordenar
as atividades da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de
interesses, cabendo-lhe instituir, regulamentar e presidir o Comitê Gestor da Conciliação,
que será responsável pela implementação e acompanhamento das medidas previstas
neste ato.
Art. 18. Os Anexos integram esta Resolução e possuem caráter vinculante.
Art. 19. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Ministro Cezar Peluso


Presidente

Fonte: BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução Nº 125 de 29/11/2010. Dispõe sobre a Polí-
tica Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e
dá outras providências. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/156 Acesso em: 15 jul. 2022.

216
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu:

• A Justiça Restaurativa, quantos aos seus aspectos essenciais e a visão sistêmica.


As diferenças entre a Justiça Tradicional, como um contraponto da Restaurativa,
bem como o âmbito de aplicação dessa nova concepção de justiça.

• A Resolução CNJ Nº 225/2016 e as diretrizes do procedimento restaurativo e fluxo


no âmbito do Poder Judiciário e as disposições regulamentadoras da Política Pública
Nacional de Justiça Restaurativa, por meio da referida Resolução.

• A Mediação, o mediador e os valores consensuais. Fatores que são essenciais para


o êxito dos programas autocompositivos, tais como: a definição da mediação, a
função do mediador e recepção dos valores consensuais no Código de Processo
Civil, destacando as diferenças entre os processos autocompositivos e os
heterocompositivos.

• A transformação dos conflitos e a mudança paradigmática da concepção do conflito;


ele deixa de ser visto como fator negativo já que as disputas que decorrem dele têm
um aspecto positivo. As definições do que se configura como processos destrutivos
e construtivos no entendimento do conflito.

217
AUTOATIVIDADE
1 A Resolução CNJ 225/2016 elenca em seu Capítulo I artigos informativos acerca
das disposições relacionadas com a Justiça Restaurativa. Conforme o Artigo 1º,
ela constitui-se como um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos,
técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores
relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por meio do
qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo
estruturado. Sobre as disposições da Resolução acerca da Justiça Restaurativa,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A aplicação da Justiça Restaurativa tem em vista atender às necessidades


das partes, além disso, há a responsabilização ativa dos que tiveram alguma
contribuição para que ocorresse o fato danoso, mesmo que de forma indireta.

b) ( ) Não há obrigatoriedade de que as práticas restaurativas sejam conduzidas


por facilitadores restaurativos com capacidade em técnicas acerca de meios
autocompositivos e consensuais de solução de conflitos próprias da Justiça
Restaurativa, podendo ser qualquer voluntário.

c) ( ) Na aplicação da Justiça Restaurativa a presença do ofensor é facultativa, bem


como, das suas famílias e dos demais envolvidos no fato danoso, com a presença
dos representantes da comunidade direta ou indiretamente atingida pelo fato e
de um ou mais facilitadores restaurativos.

d) ( ) A aplicação de procedimento restaurativo não pode ocorrer de forma alternativa


ou concorrente com o processo convencional, devendo suas implicações
ser consideradas, caso a caso, à luz do correspondente sistema processual
e objetivando sempre as melhores soluções para as partes envolvidas e a
comunidade.

2 O artigo segundo da Resolução CNJ 225/2016 estabelece os Princípios Norteadores


da Justiça Restaurativa: a corresponsabilidade, a reparação dos danos, o atendimento
às necessidades de todos os envolvidos, a informalidade, a voluntariedade,
a imparcialidade, a participação, o empoderamento, a consensualidade, a
confidencialidade, a celeridade e a urbanidade. Ainda no artigo segundo, precisamente,
em seus parágrafos, são colocadas as condições para a participação no procedimento
envolvendo a Justiça Restaurativa. Com base nas condições para a participação no
procedimento envolvendo a Justiça Restaurativa, analise as sentenças a seguir:

218
I- Para que o conflito seja trabalhado no âmbito da Justiça Restaurativa, é necessário
que as partes reconheçam, ainda que em ambiente confidencial incomunicável
com a instrução penal, os fatos essenciais como verdadeiros, sem que isso implique
admissão de culpa em eventual retorno do conflito ao processo judicial.
II- Quanto aos participantes, não são obrigatórias as informações sobre o procedimento
e as possíveis consequências de sua participação, bem como do seu direito de
solicitar orientação jurídica em qualquer estágio do procedimento.
III- Todos os participantes deverão ser tratados de forma justa e digna, sendo
assegurado o mútuo respeito entre as partes, as quais serão auxiliadas a construir,
a partir da reflexão e da assunção de responsabilidades, uma solução cabível e
eficaz visando sempre o futuro.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 A Justiça Restaurativa, utilizando uma visão sistêmica do conflito e levando em conta


a complexidade da demanda, surge em oposição ao modelo tradicional de Justiça,
apresentando contornos bastante distintos. De acordo com as características
da Justiça restaurativa e da Justiça Retributiva (tradicional), classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) São características da Justiça Restaurativa: responsabilidade, diálogo e coesão.


( ) São características comuns da Justiça Restaurativa e da Justiça Retributiva: culpa,
encontro e castigo.
( ) São características da Justiça Retributiva: perseguição, imposição, verticalidade.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 No processo judicial, o mediador tem papel reconhecido como auxiliar da justiça (art.
149 do NCPC) e tem atuação relevante para o desenvolvimento da cidadania, pois
não apenas facilita o entendimento entre os cidadãos na busca da melhor solução
para seus conflitos, mas também os ajuda na condução dos processos, no aspecto
técnico, obviamente mantendo a imparcialidade que lhe é própria, mas dando mais
objetividade ao processo, caso não haja acordo (BRASIL, 2020, p. 249). Disserte sobre
as atribuições do mediador judicial.

219
5 A transformação dos conflitos passa por compreender a existência de processos
destrutivos ou construtivos. Os reflexos dessas concepções guiam a forma de
interpretação dos conflitos, trazendo uma transformação paradigmática na maneira de
resolução das disputas, utilizando os meios consensuais. Nesse contexto, disserte sobre
os processos destrutivos e sobre os construtivos.

220
REFERÊNCIAS
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Comitê Gestor Nacional da Conciliação. Manual
de Mediação Judicial. Brasília, 2016. Disponível em: f247f5ce60df2774c59d6e2dddb-
fec54.pdf (cnj.jus.br) Acesso em: 15 jul. 2022.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Curso de Mediação de Família. Brasília,


2020b. Disponível em: e82c5dcf9bcbefc1328225ce122dc98c.pdf (cnj.jus.br) Acesso
em: 15 jul. 2022.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Curso de Mediação Penal, Círculos Restau-


rativos e Justiça Restaurativa. Brasília, 2020c. Disponível em: 08a9294290fbd-
23cbaa6036a820a8489.pdf (cnj.jus.br) Acesso em: 15 jul. 2022.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução Nº 125 de 29/11/2010. Dispõe so-


bre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses
no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Disponível em: https://atos.
cnj.jus.br/atos/detalhar/156 Acesso em: 15 jul. 2022.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução Nº 225 de 31/05/2016. Dispõe


sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário e dá
outras providências. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/atos-normati-
vos?documento=2289 Acesso em: 15 jul. 2022.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução Nº 300 de 29/11/2019. Acres-


centa os artigos 28-A e 28-B à Resolução CNJ no 225, de 31 de maio de 2016, a qual
dispõe sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário
e dá outras providências. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3144 .
Acesso em: 15 jul. 2022

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília:


Presidência da República, [2015]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm Acesso em: 15 jul. 2022.

BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre parti-
culares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos
no âmbito da administração pública; altera a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o
Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de
10 de julho de 1997.Brasília:Presidência da República, [2015]. Disponível em: https://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm Acesso em: 15 jul.
2022.

221
BRASIL. Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Curso de Formação de Ins-
trutores: Negociação, Mediação e Conciliação. Brasília, 2020. Disponível em:
formacao-instrutores_negociacao_mediacao-conciliacao.pdf (cnj.jus.br) Acesso em:
15 jul. 2022.

CNJ - CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça Restaurativa. 2022b. Página


inicial. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/justica-restaurativa/.
Acesso em: 10 jul. 2022.

MARSHALL, Tony F. Restorative Justice – An overview. London: Home Office Rese-


arch and Development Statistics Directorate. Disponível em: http://fbga.red- guitars.
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QUERO ser um conciliador/mediador. Conselho Nacional de Justiça, Brasília, 2022.


Disponível em: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/conciliacao-e-mediacao/
quero-ser-um-conciliador-mediador/. Acesso em: 10 jul. 2022.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Corregedo-
ria Geral de Justiça (CGJ). Documento-base do Programa Justiça Restaurativa
para Século 21. 2014. Disponível em < https://www.tjrs.jus.br/static/2020/10/Progra-
ma_JR21.pdf> . Acesso em: 22 jul. 2022.

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