10 - Inteligencia Artificial

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Inteligência artificial e polícia

preditiva: limites e possibilidades

Primonata Silva Brilhante Telles

Técnica administrativa do Ministério Público Federal. Graduanda


do 9º semestre de Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito
Público (IDP).

Resumo: O artigo busca compreender o que é polícia preditiva


no âmbito da inteligência artificial, discorrendo sobre os modelos
de inteligência artificial voltados para a prevenção do crime e os
pressupostos de análise criminológica utilizados. Aborda o relato
de experiências práticas dos Estados Unidos e da Europa, passando
por suas principais críticas éticas, além de seu potencial inovador
como alternativa preventiva criminal e controle do espaço público.

Palavras-chave: Inteligência artificial. Polícia preditiva. Softwares


preditivos. Prevenção do crime. Estratégias de segurança.

Abstract: The article seeks to understand what is predictive


police in the field of artificial intelligence, discussing the artificial
intelligence models aimed at crime prevention and the assumptions
of criminological analysis used. It addresses the reporting of practical
experiences of the United States and Europe, going through its
main ethical criticisms in addition to its innovative potential as a
criminal preventive alternative and control of the public space.

Keywords: Artificial intelligence. Predictive police. Predictive


software. Crime prevention. Security strategies.

Sumário: 1 Introdução. 2 O que é inteligência artificial. 3 O que é


polícia preditiva. 4 Como a inteligência artificial aplicada ao policia-
mento preditivo pode ser utilizada no combate ao crime. 5 Experiências
práticas. 6 Limitações e problemas. 7 Conclusões.

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1 Introdução
Busca-se neste artigo pesquisar sobre a polícia preditiva como
aplicação da inteligência artificial, delimitar o seu conceito, a forma
de operação, e, a partir de suas experiências práticas, apresentar
suas principais possibilidades de inovação, sem deixar de lado seus
pontos problemáticos.

2 O que é inteligência artificial


A explicação de Renan Saisse1 contextualiza o aprendizado
de máquina dentro do conhecimento científico como modelo não
paramétrico, fazendo-nos entender melhor a questão:
Para entender melhor é preciso citar que há três tipos de modelos
para a Ciência tradicional, são eles: modelos determinísticos, pauta-
dos no conhecimento; modelos paramétricos, pautados em pressu-
postos e os modelos não-paramétricos que são pautados em dados.
[...] podemos classificar os modelos não-paramétricos em modelos de
aprendizagem supervisionada e não supervisionada. (Grifos do original).

Na aprendizagem supervisionada, os dados já estão previa-


mente classificados, isto é, dados bases são fornecidos ao sistema,
como um parâmetro de comparação prévio, para que as informa-
ções desejadas sejam encontradas.
Em termos técnicos, essa aprendizagem “mapeia um conjunto
de inputs para um dado conjunto de resultados, incluindo métodos
como regressão linear, árvores de classificação e redes neurais”.2
Em relação à aprendizagem não supervisionada, não existe um
banco de dados previamente classificado, mas o banco de dados é
formado por uma série de informações soltas que a Inteligência irá

1 SAISSE, Renan. Big data contra o crime: efeito Minority Report. Revista Digital Direito
& TI, [s. l.], 7 set. 2017. Disponível em: http://direitoeti.com.br/artigos/big-data-
contra-o-crime-efeito-minority-report/. Acesso em: 4 jul. 2020.

2 SAISSE, 2017.

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agrupar e classificar. Assim, ela irá fazendo identificações e correla-
ções entre os dados até que se chegue a um determinado resultado.

3 O que é polícia preditiva


Para entender o que é polícia preditiva e como esta funciona,
precisamos primeiramente compreender quais os métodos básicos
de análise de dados pela inteligência artificial. A polícia preditiva é
uma das aplicações da análise preditiva de dados.
Renan Saisse3 nos explica com maestria sobre esses métodos
e como são executados: análise prescritiva, diagnóstica, descritiva
e preditiva. A análise prescritiva é utilizada para conhecer as pos-
síveis consequências de determinada ação; a diagnóstica tenta ana-
lisar eventos em si, para entender o que aconteceu, quando, onde
e por quê; a descritiva pretende trazer respostas para necessidades
presentes na análise de dados em tempo real; e, por fim, a preditiva
utiliza um banco de dados histórico para traçar tendências sobre
possibilidades futuras.
A respeito dos modelos de análise preditiva, Saisse4 continua
nos esclarecendo:
Para se implantar modelos preditivos de análise primeiramente
é preciso entender que um modelo corresponde a uma função
matemática capaz de aprender e mapear uma gama de variáveis
de entrada de dados, sejam os dados agrupados ou não, e uma
variável de saída. [...]
Em modelos preditivos por aprendizagem supervisionada os dados
são manipulados ou “ensinados” e introduzidos repetidamente para
se obter entradas e saídas desejadas até que se desenvolva o mape-
amento automático e reconheça os perfis programados exibindo
resultados esperados. Este tipo de modelo utiliza árvores de decisão,
redes neurais de retorno de propagação ou máquinas de vetor.

3 SAISSE, 2017.

4 SAISSE, 2017.

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Já em modelos preditivos por aprendizagem não supervisionada
há um aprendizado “autodidata”, reconhecendo padrões e cate-
gorias nos dados apresentados, interpretando e codificando estes
em uma saída.

É preciso deixar claro também o que a análise preditiva


não é. Ela não é uma previsão cabalística dos acontecimentos.
Semelhantemente à previsão meteorológica, ela é indicador de ten-
dências futuras com base em padrões passados e dados presentes, e
não um oráculo.
Isso a afasta de análises fantasiosas que preenchem o imaginá-
rio de críticos ferozes que a assemelham a obras de ficção científica
e programas televisivos. Nesse sentido, Patrick Perrot,5 ministro
do Interior da França, em seu artigo “What about AI in criminal
intelligence? From predictive policing to AI perspectives”, adverte:
O policiamento preditivo é cada vez mais desenvolvido em todo o
mundo. Programas de TV e ficção como “The Minority Report”
ou “Person of Interest” espalham um efeito pré-crime que é, no
entanto, muito diferente da realidade.
Muitos órgãos policiais desenvolvem análises preditivas para encon-
trar novas oportunidades contra o crime e geralmente são dedica-
das a patrulhas. A Gendarmerie Nationale, na França, adotou, atra-
vés do conceito de inteligência criminal, uma maneira de fornecer
informações relevantes para descrever, entender e prever crimes em
diferentes escalas: operacional, tática e estratégica.
O objetivo é atualizar o processo de tomada de decisão. Como o
crime não é um processo aleatório nem um processo determinístico,
existem alguns padrões que podem caracterizá-lo. Obviamente, é
muito difícil e provavelmente não é possível identificar todos os
recursos relacionados à evolução do crime ou ao comportamento
criminoso. (Tradução livre).

5 PERROT, Patrick. What about AI in criminal intelligence? From predictive policing


to AI perspectives. France European Police Science and Research Bulletin, n. 16, Summer
2017, p. 65. Disponível em: https://bulletin.cepol.europa.eu/index.php/bulletin/
article/view/244/208. Acesso em: 4 jul. 2020.

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Observa-se, portanto, que a análise preditiva do crime não é
nem mesmo uma novidade metodológica. Ela já era utilizada em
larga escala pelas forças de inteligência da segurança pública. A novi-
dade da inteligência artificial, no entanto, é otimizar essa análise de
forma exponencial, numa escala com potencial de eficiência sem
precedentes na história, dentro do contexto da Revolução Digital.
Conforme o relatório Future crime: assessing twenty first century
crime prediction,6 do Instituto Igarapé:
A análise preditiva não é nova. Modelos estatísticos e matemáticos
têm sido usados há muito tempo para prever onde o crime pode
ocorrer em um futuro próximo. As previsões são alternadas com
base em uma série de premissas. Por exemplo, a literatura crimi-
nológica prevê que crime violento e crime de propriedade não são
apenas altamente concentrados em locais específicos, mas também
tendem a ocorrer em intervalos previsíveis.
Ferramentas de policiamento preditivo estão sendo implementa-
das pelos departamentos de polícia da América do Norte, Europa
Ocidental e partes da Ásia. Os departamentos de polícia geralmente
usam mapas térmicos indicando os locais e horários em que a pro-
babilidade de crime é mais alta. Os policiais mais antigos podem
aplicar essas informações ao planejamento de suas operações de
rotina e enviam oficiais e carros-patrulha para os locais certos, na
hora certa. Essa chamada “estratégia de policiamento de hot spots”,
mesclando análise de dados com policiamento direcionado, existe
há mais de duas décadas.
Estudos de avaliação científica mostraram que é uma estratégia
eficaz de prevenção ao crime. Embora a concentração de recursos
nos hot spots criminais possa contribuir para uma dinâmica de des-
locamento do crime, geralmente é muito menor do que o esperado.
De fato, os departamentos devem atualizar regularmente seus siste-
mas de dados e estratégias operacionais, pois o próprio crime passa
por mudanças estruturais ao longo do tempo.

6 AGUIRRE, Katherine; BADRAN, Emile; MUGGAH, Robert. Future crime: assessing


twenty first century crime prediction. Igarapé Institute, Rio de Janeiro, Strategic
Note 33, jul. 2019a. Disponível em: https://igarape.org.br/wp-content/uploads/
2019/07/2019-07-12-NE_33_Future_Crime.pdf. Acesso em: 4 jul. 2020.

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Aguirre, Badran e Muggah, em sua pesquisa The development
of the case study: crime prediction for more agile policing in cities,7 promo-
vida pela Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa e
por organismos da ONU, descrevem que os pressupostos analíticos
da polícia preditiva, ou seja, a forma de interpretação dos dados,
baseiam-se na mescla de diversas teorias criminológicas já aplicadas
para entender a dinâmica criminal.
Citam como exemplos a teoria rotineira das atividades, a teoria
da escolha racional e a teoria do padrão do crime, que buscam
explicar por que, onde, quando e como o crime acontece, quem o
pratica ou quem é a vítima.
Assim, resumem com brilhantismo como funciona a polícia
preditiva:
A previsão de crimes é, por definição, um método misto, envolvendo
uma série de tarefas integradas. Isso inclui modelagem de séries tem-
porais, mineração intensiva de dados, análise de pontos críticos e
avaliação sociotemporal aplicada a dados históricos de crimes.
É importante enfatizar que o policiamento preditivo vai além das
ferramentas básicas de mapeamento on-line que rastreiam o crime.
As metodologias estatísticas incluem a teoria da repetição e a análise
de pontos de acesso a crimes.
Essas abordagens pressupõem que, uma vez que um crime violento
ou de propriedade em particular ocorra em um local específico, é
provável que ocorra novamente na mesma área.
Enquanto isso, o modelo de terreno de risco é mais focado na aná-
lise geográfica, buscando identificar fatores de risco e características
de locais afetados por crimes, como iluminação pública insuficiente
e possíveis rotas de fuga.

7 AGUIRRE, Katherine; BADRAN, Emile; MUGGAH, Robert. The development of the case
study: crime prediction for more agile policing in cities. Geneva: UN Economic
Commission for Europe, out. 2019b. Disponível em: https://igarape.org.br/wp-
content/uploads/2019/10/460154_Case-study-Crime-prediction-for-more-agile-
policing-in-cities.pdf. Acesso em: 4 jul. 2020.

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O policiamento preditivo baseia-se em várias teorias estabelecidas
do comportamento do crime e na oportunidade do crime, expli-
cando a concentração e a repetição do crime, e por que o crime
ocorre em alguns lugares e não em outros.8

Nessa esteira, relatam que as aplicações comerciais de aná-


lise preditiva se resumem a dois tipos de softwares como soluções
comerciais, uns que procuram prever o local do crime e outros
que preveem prováveis criminosos e vítimas. Da mesma forma,
Carolina Braga9 define dois tipos de software de análise preditiva
criminal: os baseados no lugar e os baseados na pessoa.
No entanto, nesta pesquisa, e olhando para a realidade nacio-
nal, tivemos a oportunidade de antecipar com segurança o sur-
gimento de uma terceira categoria de software de análise predi-
tiva criminal, baseado em padrões de indícios criminosos, ou seja,
baseados em fatos indiciários de crimes.
Esses softwares que observamos são voltados a outros tipos
penais, que não os já abordados costumeiramente na experiência
internacional, especialmente delitos de corrupção, pornografia
infantil, ilícitos tributários, aplicação irregular de verbas públicas,
crimes previstos na Lei de Licitações.
Esses fatos indiciários de crimes podem ser, por exemplo, a
identificação de fotos de pornografia infantil na rede mundial de
computadores, transações financeiras suspeitas, ausência de requisi-
tos formais de licitação, especialmente potencializados pelo cruza-
mento de dados dentre diversas fontes de informação, desde redes
sociais, faturas de cartão de crédito ou até mesmo movimentações
financeiras digitais.
Isso porque a inteligência artificial já é utilizada no combate ao
crime no Brasil em diversos órgãos, como Ministério Público Federal,

8 AGUIRRE; BADRAN; MUGGAH, 2019b.

9 BRAGA, Carolina. Discriminação nas decisões por algoritmos: polícia preditiva. In:
FRAZÃO, Ana; MULHOLLAND, Caitlin (coord.). Inteligência artificial e direito: ética,
regulação e responsabilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. p. 671-695.

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Polícia Federal, Banco Central, Receita Federal, Controladoria-
-Geral da União.
No entanto, os softwares utilizados se encaixam, no atual está-
gio de utilização e com base nas notícias encontradas amplamente
na mídia, dentre os padrões de análise de inteligência artificial já
abordados neste artigo, como de análise diagnóstica, e não como análise
preditiva. No entanto, a partir da acumulação e do treinamento dos
sistemas com os dados trabalhados, o próximo nível possível nesta
evolução será a análise preditiva.

4 Como a inteligência artificial aplicada ao


policiamento preditivo pode ser utilizada no
combate ao crime
Fei Yang,10 vinculada ao Departamento de Sociedade, Crimi­
nologia e Lei da Universidade da Califórnia, relata em seu artigo
“Predictive policing” diversas tecnologias aplicadas ao policia-
mento preditivo:
Atualmente, muitas jurisdições nos Estados Unidos implantaram
ou foram adotadas experimentando várias tecnologias de poli-
ciamento preditivo. Os aplicativos mais amplamente adotados
incluem CompStat, PredPol, HunchLab, Lista de assuntos estra-
tégicos (SSL), Beware, Sistema de reconhecimento de domínio
(DAS) e Palantir. [...]
Alguns exemplos dessas tecnologias de assistência incluem o reco-
nhecimento automático de placas (ALPR), o sistema de identifica-
ção de próxima geração (NGI), o sistema de posicionamento global
(GPS), a localização automática de veículos (AVL), as câmeras poli-

10 YANG, Fei. Predictive policing. In: OXFORD RESEARCH ENCYCLOPEDIA, CRIMINOLOGY


AND CRIMINAL JUSTICE. New York: Oxford University Press, 2019. Disponível em:
https://www.researchgate.net/profile/Fei_Yang121/publication/342216493_Predi
ctive_Policing_Oxford_Research_Encyclopedia_Criminology_and_Criminal_
Justice_Oxford_University_Press/links/5ee9463e458515814a652074/Predictive-
Policing-Oxford-Research-Encyclopedia-Criminology-and-Criminal-Justice-
Oxford-University-Press.pdf. Acesso em: 4 jul. 2020.

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ciais de última geração (BWC) com funções de reconhecimento
e rastreamento facial, câmeras aéreas e sistemas de aeronaves não
tripuladas, DeepFace, Sistemas de Vigilância Persistente, Arraias /
D (i) RT-Box / Identificador de identidade internacional de assi-
nante móvel, SnapTrends que monitora e analisa feeds no Twitter,
Facebook, Instagram, Picasa, Flickr e YouTube. (Tradução livre).

Dessa forma, com a utilização de todas essas aplicações,


observa-se um aumento gigantesco da possibilidade de vigilância
e controle do espaço público pelas forças de segurança pública. O
que seria para um policial humano até mesmo impossível agora se
tornou realidade, como detectar um veículo roubado pela placa
numa rodovia cheia de veículos, reconhecer o rosto de um fora-
gido na multidão, saber onde cada pessoa se encontra ou em um
dado momento pela identificação do geoposicionamento do seu
celular ou até mesmo possuir uma visão privilegiada de um cenário
com o uso de equipamentos de vídeo não tripulados (drones).
Dentre os softwares mais impressionantes podemos destacar
o ShotSpotter, fabricado inicialmente para detecção de terremo-
tos, que agora é utilizado para capturar sons de tiroteios e avisar a
polícia, permitindo-lhe atender a ocorrência com mais rapidez, e
consequentemente o socorro médico.
Segundo informações de Alysson Gates e Jessica Reichert,
analistas de pesquisa do Centro de Pesquisa e Avaliação da Justiça
Criminal de Ilinois,11 mais de cem cidades dos Estados Unidos estão
utilizando esse sistema de detecção de tiroteios em suas estratégias
de policiamento. Os sensores são espalhados em locais estratégicos
e podem ajudar a descobrir vários fatos sobre a ocorrência, como
quantos atiradores existem na área, o tipo de arma, se são dispara-
dos de dentro de um veículo em movimento e em qual direção o
veículo está indo.

11 GATENS, Alysson; REICHERT, Jessica. Police technology: acoustic gunshot detection


systems. Chicago: Illinois Criminal Justice Information Authority, 2019. Disponível
em: http://www.icjia.state.il.us/assets/articles/Shotspotter-Final-191213T18420528.pdf.
Acesso em: 4 jul. 2020.

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Em algumas cidades, como Chicago, o sistema é integrado
com câmeras de vídeo, que gravam instantaneamente o que está
acontecendo no local e permitem a revisão humana imediata.
De toda sorte, a revisão humana é necessária para aferir se não se
trata de um falso alerta causado por fogos de artifício, o voo de
um helicóptero, ou outra causa de erro. Sua taxa de eficiência é
de pelo menos 80%.
A empresa também desenvolveu uma tecnologia de segurança
capaz de integrar layouts de escolas com sensores que fornecem
informações ao pessoal da polícia e de segurança durante incidentes
de atiradores ativos. Um conceito semelhante que detecta tiros por
energia e identifica o calibre de armas está sendo considerado para
implementação em cinquenta escolas nos Estados Unidos, o que é
uma excelente tática de auxílio a atendimentos de emergência.

5 Experiências práticas
Chicago utilizou maciçamente softwares preditivos para o
combate ao crime, como o ShotSpotter. As estatísticas evidenciam
a diminuição dos índices de violência após sua utilização,12 porém
alguns defendem que os fatos não se relacionam,13 no entanto, não
apresentam nenhuma outra teoria alternativa convincente.

12 A título exemplificativo, notícia da CNN: “Chicago está registrando uma queda


significativa de homicídios pelo terceiro ano consecutivo, notícias que os líderes da
cidade estão adotando depois que a Windy City foi apontada como vítima de violência
armada durante um 2016 particularmente mortal. A terceira cidade mais populosa do
país registrou 490 assassinatos em 2019 até a manhã de terça-feira, segundo a polícia de
Chicago – cerca de 13% abaixo do total de 564 em 2018. Isso também representaria
uma queda de aproximadamente 35% em relação a 2016, quando Chicago relatou seu
maior número de homicídios em duas décadas: 756. Os tiroteios também caíram. A
contagem preliminar de tiroteios do departamento de polícia para o ano – 2.139 – é
cerca de 9,6% menor que a contagem de 2.367 em 2018. Em uma entrevista coletiva na
noite de terça-feira, o superintendente interino da Polícia de Chicago, Charlie Beck,
também anunciou uma redução de 17% em roubos em toda a cidade e uma redução
de 18% em roubos”. Disponível em: https://edition.cnn.com/2019/12/31/us/chicago-
murders-drop-2019/index.html. Acesso em: 4 jul. 2020.

13 GATENS; REICHERT, 2019.

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Podemos encontrar um importante indício no trabalho do
sociólogo Patrick Sharkey, da Universidade de Nova York, autor
da obra Uneasy peace: the great crime decline, the renewal of life city and
the new war on violence, que estuda o fenômeno do declínio gene-
ralizado dos índices de violência nos Estados Unidos da América.
Vejamos o que ele declara em entrevista ao jornalista Richard
Florida, do site Bloomberg CityLab:14
Duas das tendências mais notáveis nos últimos anos foram o tre-
mendo declínio no crime violento e o retorno de cidades outrora
oprimidas e depreciadas. Em seu novo livro, Uneasy peace: the great
crime decline, the renewal of life city and the new war on violence, o soci-
ólogo da Universidade de Nova York Patrick Sharkey argumenta
que essas duas tendências estão inextricavelmente relacionadas. O
declínio do crime violento abriu o caminho para o renascimento
urbano, e o renascimento urbano, por sua vez, ajudou a estabilizar
os bairros e torná-los lugares mais seguros e melhores para se viver.
A violência começou a aumentar na década de 1960 e permaneceu
em um nível extremamente alto dos anos 70 ao início dos anos 90.
Foi quando a violência começou a cair. Em 2014, a taxa de homi-
cídios era de 4,5 por 100.000 pessoas, e essa era a menor taxa em
pelo menos 50 anos. 2014 foi realmente um dos anos mais seguros
da história dos EUA.
Aconteceu porque os espaços da cidade se transformaram. Depois
de anos em que os bairros urbanos foram largamente abandona-
dos, deixados por conta própria, vários atores diferentes se uniram
e transformaram os bairros urbanos. Parte disso foi a polícia. A apli-
cação da lei se tornou mais eficaz no que eles estavam fazendo, usando
dados sobre onde a polícia deveria estar, onde os problemas estavam sur-
gindo. Eles começaram a fechar os mercados de drogas ao ar livre para real-
mente acabar com a epidemia de crack, que era uma das principais fontes
de crimes violentos em todo o país.

14 Entrevista concedida em 16 de janeiro de 2018 (FLORIDA, Richard. The great crime


decline and the comeback of cities. Bloomberg CityLab, [s. l.], 16 jan. 2018. Disponível
em: https://www.bloomberg.com/news/articles/2018-01-16/understanding-the-
great-crime-decline-in-u-s-cities. Acesso em: 4 jul. 2020).

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Houve outras mudanças também. As forças de segurança privada se expan-
diram. Empresas privadas começaram a contratar seguranças particulares. Os
proprietários começaram a instalar sistemas de alarme e sistemas de câmeras.
A tecnologia melhorou e tornou o roubo de veículos a motor muito menos
bem-sucedido. As cidades começaram a instalar sistemas de câmeras.
Portanto, não era apenas a polícia. Tratava-se da transformação
dos espaços urbanos, de um conjunto de mudanças ocorridas ao
mesmo tempo. Parte disso foi uma mobilização local contra a
violência, impulsionada por moradores e organizações locais para
retomar parques, becos, quarteirões da cidade e enfrentar a vio-
lência de uma maneira que as comunidades sempre tentaram, mas
o fizeram de maneira muito mais sistemática e abrangente no
início dos anos 90. Essas organizações locais tiveram um efeito causal
sobre a violência e seu surgimento deve ser visto ao lado da expansão
das forças policiais como uma das mudanças mais importantes que
ocorreram na década de 1990. (Grifos nossos).

Da pesquisa de Sharkey, podemos chegar com segurança à


conclusão de que o enfrentamento mais efetivo e inteligente da
polícia, orientado a resultados, contribuiu de forma geral para a
diminuição da violência. É interessante notar do trecho selecio-
nado que ele cita especialmente as táticas de controle do espaço
por prevenção: “A aplicação da lei se tornou mais eficaz no que eles
estavam fazendo, usando dados sobre onde a polícia deveria estar,
onde os problemas estavam surgindo”.15
No entanto, o mesmo autor observa que não foi uma conquista
exclusivamente do governo, mas que houve um especial engaja-
mento social no combate à violência, inclusive por parte da ini-
ciativa privada em conjunto com as comunidades locais. Podemos
concluir que todo o avanço tecnológico no combate à violência faz
parte de um contexto mais amplo no qual os cidadãos norte-ame-
ricanos têm como objetivo o ferrenho combate à criminalidade.
Por outro lado, é interessante notar que na mesma reporta-
gem ele também destaca que os lugares que não observaram queda

15 FLORIDA, 2018.

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significativa nos índices de violência são locais onde a corrupção
estatal se encontra instalada:
Em lugares como Newark, o nível de violência nunca diminuiu.
A taxa de homicídios na cidade de Nova York e Newark parecia
muito semelhante há 25 anos. Mas não mudou nada em Newark e
despencou na cidade de Nova York. Cincinnati também não viu
uma queda na violência.
Não há uma resposta clara. Você tem uma tendência ampla e a
realidade cidade a cidade. Muitas cidades em que a violência não caiu
tiveram grandes problemas com governos e forças policiais corruptos. Eles
têm sido lugares disfuncionais, onde o departamento de polícia, a cidade e
as organizações comunitárias não funcionam bem ou de maneira alguma
juntos. Essa é uma característica comum de lugares que não conseguem res-
ponder efetivamente à violência. (Grifo nosso).

6 Limitações e problemas
A inteligência artificial aplicada à polícia preditiva também
possui várias limitações. São apontadas especialmente limitações
quanto à possibilidade de previsão contra crimes interpessoais ou
contra a violência doméstica.
Outro ponto específico muito relevante diz respeito à falta
de transparência de como os resultados dos sistemas são gerados,
quais os critérios utilizados. Parte intrínseca dessa dificuldade diz
respeito ao fato de que, caso haja conhecimento público dos seus
critérios, o próprio efeito preventivo poderá se esvair.
A identificação de vieses humanos no aprendizado de máqui-
nas e a reprodução e a exacerbação de preconceitos também são
outro sério efeito colateral a resolver e combater. A identificação
desses vieses não é fácil, exige alto conhecimento especializado em
diversas áreas do conhecimento. Em alguns casos, ele poderá ser até
mesmo impossível de corrigir, pois, caso assim seja feito, perdem-se
a eficiência e a integridade do próprio sistema.

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Esse problema é umbilicalmente relevante nos modelos predi-
tivos baseados nas pessoas. Nesse sentido, há diversos clamores para
o banimento de tais modelos,16 fundados em boas razões éticas.
Acreditamos que essas razões são fortes o suficiente para recomen-
dar que, pelo menos no momento atual, esses softwares deveriam
ser restritos exclusivamente ao campo da pesquisa científica, sem
embasar decisões governamentais, inclusive pelo fato de ainda esta-
rem em desenvolvimento e, caso sejam utilizados com os erros
apontados, poderão ter efeitos nefastos sobre indivíduos e comuni-
dades, talvez até mesmo irreversíveis.
Outra relevante reserva é que apesar de os softwares serem sis-
temas autônomos, as decisões devem ser exclusivamente humanas.
Como bem salientou Perrot, ministro do Interior da França:17
Geralmente na IA, os sistemas são autônomos e podem decidir o
que fazer e depois fazê-lo. No caso da segurança, esse tipo de pers-
pectiva não é admissível, a decisão dever ser humana. O tomador
de decisão humano deve ser considerado a peça central das opera-

16 “Certas aplicações de inteligência artificial, incluindo formas de policiamento preditivo,


não são ‘aceitáveis’ na UE, afirmou o vice-presidente de política digital da Comissão
Europeia, Margrethe Vestager. [...] ‘Se desenvolvido e usado adequadamente, pode
fazer milagres, tanto para nossa economia quanto para nossa sociedade’, disse Vestager.
‘Mas a inteligência artificial também pode causar danos’, acrescentou, destacando
como algumas aplicações podem levar à discriminação, ampliando preconceitos na
sociedade. ‘Os imigrantes e pessoas pertencentes a certos grupos étnicos podem ser
alvo de técnicas de policiamento preditivo que direcionam toda a atenção da aplicação
da lei para eles. Isto não é aceitável.’ [...] Por seu lado, o grupo de direitos Access Now
era uma dessas organizações que pedia uma proibição geral de algumas tecnologias,
incluindo ‘usos da IA para fazer previsões comportamentais com um efeito significativo
sobre as pessoas’, como tecnologias de policiamento preditivo. ‘Nenhuma salvaguarda
ou solução tornaria a vigilância biométrica indiscriminada ou o policiamento preditivo
aceitável, justificado ou compatível com os direitos humanos’, dizia uma declaração de
Fanny Hidvegi, gerente de políticas da Europa no Access Now. Nesse eixo, o grupo de
lobby dos Direitos Digitais Europeus (EDRi) também pediu a proibição de software
de policiamento preditivo na UE, dizendo que representa um ‘uso não permitido’
da IA.” (STOLTON, Samuel. Vestager warns against predictive policing in artificial
intelligence. Euractive, [s. l.], 30 jun. 2020. Disponível em: https://www.euractiv.
com/section/digital/news/vestager-warns-against-predictive-policing-in-artificial-
intelligence/. Acesso em: 4 jul. 2020).

17 PERROT, 2017.

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ções policiais, mesmo se alimentado pela IA que acelera a decisão.
As decisões humanas devem ser um santuário no campo das ati-
vidades policiais. É seguro dizer que o potencial da IA e sua aplicação
contra o crime estão além das fronteiras da nossa imaginação, mas devem ser
limitados por questões de privacidade. As tecnologias de comunicação
da informação não podem suplantar as obrigações de privacidade.
Essa é uma das principais razões pelas quais a aplicação da lei deve
se envolver nesse caminho de desenvolvimento. (Grifo nosso).

Parte das críticas, no entanto, revela um caráter puramente


ideológico e se fundamenta no combate à atuação das forças poli-
ciais de segurança. Não se baseia em evidências, não propõe mode-
los alternativos robustos de combate à criminalidade, apenas se
limita a vociferar contra a atuação policial.
Seu pressuposto é o discurso antipunitivista de ordem mar-
xista que toma o criminoso como vítima da sociedade, e a polícia e
o “capital” como seus algozes, sem, no entanto, conseguir resolver
os problemas reais enfrentados diariamente por todos, olvidando
que as populações mais pobres, compostas por pessoas inocentes e
que não são envolvidas em atividades criminosas, são as mais atin-
gidas pela violência, e as que mais têm a ganhar com a repressão
policial contra tiroteios e a violência na periferia.

7 Conclusões
A inteligência artificial nos descortina um mundo infinito
de possibilidades e aplicações que podem ser utilizadas de forma
a melhorar exponencialmente a qualidade de vida humana em
milhares de aspectos, sendo a segurança pública apenas um deles.
Entretanto, todo processo de desenvolvimento tecnológico
envolve problemas em seu transcurso, sejam riscos ou transtornos
adaptativos, efeitos colaterais. No entanto, a título de ilustração,
imagine se a indústria automobilística ou a aviação tivessem sido
proibidas em decorrência dos acidentes causados. Em vez disso, seus
riscos e suas deficiências foram tratados ao longo do tempo, incorpo-
rando-se à sua tecnologia e à sua regulação, e pode-se afirmar, sem
sombra de dúvidas, que ainda hoje continuam em franca evolução.
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Acidentes continuam ocorrendo, nem por isso há qualquer
clamor social nem há sociedade urbana que cogite voltar a andar a
cavalo. É lógico que os benefícios superam largamente os riscos e
efeitos colaterais.
A inteligência artificial, como toda tecnologia, deve ser utili-
zada submetendo-se à ética, a qual, porém, não apresenta respos-
tas universais, considerando-se a particularidade de cada cultura
e o momento histórico. Dentro de uma mesma sociedade, o con-
senso sobre qualquer questão encontra-se cada vez mais raro, e até
mesmo impossível em temas polêmicos.
Nesse aspecto, as críticas e os problemas enfrentados pela uti-
lização da tecnologia não devem ser empecilhos ao seu desenvol-
vimento e também não devem de forma alguma ser ignorados, e
sim instrumentalizados como pontos de partida para o seu aper-
feiçoamento, como ocorre em todo processo de desenvolvimento
humano e tecnológico.

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