Texto Do Artigo 161139 1 10 20201020
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ARTIGO DE REVISÃO
ISSN 1677-5090
DOI: http://dx.doi.org/10.9771/cmbio.v19i2.29390 2020 Revista de Ciências Médicas e Biológicas
Resumo
Introdução: a microbiota intestinal representa agrupamentos de micro-organismos encarregados de exercerem várias atividades
indispensáveis para a regulação da homeostase. Esta, além da manutenção funcional do trato gastrointestinal (TGI), faz interferência
na regulação do eixo de conexão entre o sistema nervoso entérico (SNE) com sistema nervoso central (SNC), denominado eixo
intestino-cérebro, sendo uma comunicação bidirecional. Objetivo: identificar o papel da microbiota intestinal no processo de saúde
e doença do hospedeiro humano, indispensável ao estudo de infecções e desordens do sistema nervoso entérico e sua relação com
patologias neurológicas. Metodologia: foi realizado revisão integrativa da literatura nas bases de dados Scientific Eletronic Library
Online (SciELO) e Literatura Latino Americana e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (LILACS), Medical Literature Analysis
and Retrieval System Online (MEDLINE), além da Medical Publisher (PubMed). Resultados: constatou-se que a microbiota intestinal
exerce influência sobre a cognição, o comportamento e também sobre o desenvolvimento neural. Além disso, a perda da homeostase
do eixo intestino-cérebro pode contribuir para o surgimento de doenças mentais. Conclusão: através do estudo do eixo intestino-
cérebro, fica evidente a atuação da microbiota intestinal na manutenção da homeostase do SNC, bem como o seu envolvimento em
várias disfunções, afetando o sistema nervoso e os intestinos, evidenciando uma via de comunicação bidirecional. Esse mecanismo é
efetuado através de um sistema complexo de vias envolvendo os diversos componentes do sistema nervoso, endócrino e imunológico.
Palavras-chave: Microbiota Intestinal. Sistema Nervoso Central. Transtornos Neurológicos. Disbiose. Inflamação.
Abstract
Introduction: the intestinal microbiota represents clusters of microorganisms that perform various activities that are essential for
regulating homeostasis. This, in addition to the functional maintenance of the gastrointestinal tract (GIT), interferes in the regulation
of the connection axis between the enteric nervous system (SNE) with the central nervous system (CNS), called the gut-brain axis,
being a bidirectional communication. Objective: to identify the role of the intestinal microbiota in the health and disease process of
the human host, indispensable for the study of infections and disorders of the enteric nervous system and its relation with neurological
pathologies. Methodology: an integrative review of the literature was carried out in the Scientific Electronic Library Online (SciELO)
and Latin American and Caribbean Literature on Health Sciences Information (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrieval
System Online (MEDLINE), as well as Medical Publisher (PubMed). Results: it was verified that the intestinal microbiota influences
cognition, behavior and also neural development. In addition, the loss of intestinal-brain axis homeostasis may contribute to the onset
of mental illness. Conclusion: through the study of the intestine-brain axis, the intestinal microbiota performance in the maintenance
of CNS homeostasis is evident, as well as its involvement in various dysfunctions, affecting the nervous system and the intestines,
evidencing a bidirectional communication pathway. This mechanism is effected through a complex system of pathways involving the
various components of the nervous, endocrine and immune systems.
Keywords: Intestinal Microbiota. Central Nervous System. Neurological Disorders. Dysbiosis. Inflammation.
342 Rev. Ciênc. Méd. Biol., Salvador, v. 19, n. 2, p. 342-346, mai./ago. 2020
Repercussão da microbiota intestinal na modulação do sistema nervoso central
e sua relação com doenças neurológicas
estão associadas com o desenvolvimento de ansiedade e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (LILACS),
depressão, autismo, Parkinson, esquizofrenia e Alzheimer. Medical Literature Analysis and Retrieval System Online
Estudos experimentais com animais se mostram rele- (MEDLINE), além da Medical Publisher (PubMed), obtidas
vantes em relação às alterações do sistema de resposta ao no site da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Utilizaram-se
stress, dificuldades de cognição e socialização, além de al- os Descritores Controlados em Ciências da Saúde (DeCS)
teração da função imune e da barreira hemato-encefálica, Microbiota intestinal e Sistema Nervoso Central utilizando
também foi observado alterações nas sinapses e no pro- o operador booleano “and”, com o intuito de relacionar os
cesso de sinalização neurotrópica cerebral. O microbioma termos, aumentando a especificidade do estudo. Sendo,
intestinal estabelece conexões com o sistema nervoso desta forma, encontrados 82 artigos.
entérico (SNE), esse tem repercussão no SNC e nas vias Aplicaram-se os seguintes critérios de inclusão para
neurais de conexão através do eixo intestino-cérebro, pesquisa dos trabalhos: Assunto principal: microbiota
modulando dessa forma diversas respostas orgânicas e intestinal e eixo intestino-cérebro; Ano de publicação:
sistêmicas capazes de influenciar beneficamente ou não 2012-2018; tipo de documento: artigos científicos, teses,
a homeostase do organismo (VEDOVATO et al., 2015). revistas e artigos completos e gratuitos. 66 artigos foram
Há concordância na literatura sobre a relação do eixo pré-selecionados e apenas 10 artigos estavam relaciona-
intestino-cérebro sobre essa temática, possibilitando dos ao tema e seguiram para leitura minuciosa (Figura 1).
intervenções terapêuticas. Assim, achados nessa área
de estudo são imprescindíveis para o desenvolvimento Figura 1 – Fluxograma dos estudos selecionados
de novas abordagens terapêuticas para o tratamento
de doenças que mostram repercussão dessa interação
(FORSYTHE; KUNZE; BIENSTOCK, 2016).
Diante dessas interações, levanta-se o questionamen-
to: “de que forma as alterações da microbiota intestinal
influenciam no funcionamento do eixo intestino-cérebro?
Essa resposta é imprescindível, visto o papel da microbiota
intestinal no processo de saúde e doença do hospedeiro.
Também é indispensável o estudo de infecções e desor-
dens do sistema nervoso entérico e sua relação com
patologias neurogênicas. O estudo das vias de interações
e mecanismo de infecções patológicas ainda é escasso,
dificultando a criação de novas abordagens terapêuticas
(PETRA et al., 2015).
Fonte: Autoria Própria (2018)
METODOLOGIA
Para elaboração desta revisão foram selecionados RESULTADOS
artigos com temas específicos a despeito das interações e Conforme a tabela 1, verifica-se que a base de dados
vias relacionadas ao eixo intestino-cérebro e suas relações mais utilizada foi a PubMed, correspondendo a 40% dos
com doenças inflamatórias, intestinais e neurológicas, de artigos selecionados. Com relação ao idioma, a maioria dos
forma, aqui reunidas, fornecem informações amplas e artigos foi publicado em inglês (90%) e apenas (10%) foram
atualizadas sobre o tema. publicados em português. Por último, no que diz respeito
Para a realização da revisão integrativa da literatura ao ano, constatou-se que 40 foram publicados em 2016.
foram utilizadas as bases de dados Scientific Eletronic
Library Online (SciELO) e Literatura Latino Americana e
Tabela 1 – Caracterização das publicações (autores, ano, título, idioma, periódico e base de dados).
Rev. Ciênc. Méd. Biol., Salvador, v. 19, n. 2, p. 342-346, mai./ago. 2020 343
Tércio Palmeira Costa, Cássio Ilan Soares Medeiros
Mayer et al. 2014 Gut microbes and the brain: paradigm shift in neuroscience. LILACS J Neurosci Inglês
Brain Behav
Wang, Kasper, 2014 The role of microbiome in central nervous system disorders. PUBMED Immun Inglês
Gut-brain axis biochemical signalling from the gastrointestinal
tract to the central nervous system: gut dysbiosis and altered
Arneth, 2018 brain function. PUBMED Postgrad Med Inglês
Neurotransmitters: The Critical Modulators Regulating Gut-Brain
Mittal et al. 2017 Axis. MEDLINE J Cell Physiol; Inglês
Para os autores, a microbiota intestinal exerce in- intestino-cérebro pode contribuir para o surgimento de
fluência sobre a cognição, o comportamento e também doenças mentais. Com isso, a tabela 2 traz as principais
sobre o desenvolvimento neural. Além disso, o eixo informações citadas nos estudos selecionados.
Autor Resultados
O sistema nervoso entérico sente e reage ao ecossistema dinâmico do trato gastrointestinal, traduzindo sinais
químicos do ambiente em impulsos neuronais que se propagam por todo o intestino e em outros órgãos do
Yoo, Mazmanian, 2017 corpo, incluindo o sistema nervoso central.
Evidências experimentais e epidemiológicas sugerem que a microbiota intestinal é responsável por significativas
alterações imunológicas, neuronais e endócrinas que levam à obesidade. Nossa hipótese é que a microbiota
intestinal e as alterações associadas à dieta afetam o eixo do intestino-cérebro e podem contribuir para o
Ocho-Repáraz, Kasper, 2016 desenvolvimento de doenças mentais.
A microbiota intestinal também pode influenciar o desenvolvimento neural, cognição e comportamento,
com evidências recentes de que mudança no comportamento composição microbiana intestinal, enquanto
Rogers et al. 2016 modificações do microbioma podem induzir comportamentos semelhantes à depressão.
O SNE desempenha papel singular, podendo agir de maneira independente, mas também mantém sinapses com
o SNC, por meio do nervo vago. Dessa forma, ambos os sistemas podem influenciar a atividade um do outro
mediante o eixo intestino-cérebro. Adicionalmente a 5-HT apresenta-se como um importante neurotransmissor
envolvido na interação entre o SNE e o SNC, importante na regulação da sensação de motilidade e secreção
Vedovato et al. 2015 intestinal, como também atua na ativação e condução da informação ao SNC.
A comunicação entre o intestino e o cérebro depende de conexões humorais e nervosas. Uma vez que estes
Forsythe, Kunze, Bienenstoc, 2016 são bidirecionais e ocorrem através de complexos caminhos de comunicação.
O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, as áreas de saciedade reguladoras do sistema nervoso central e os
neuropeptídeos liberados pelas fibras nervosas sensoriais afetam diretamente a composição da microbiota
intestinal ou a disponibilidade de nutrientes. Tais interações parecem influenciar a patogênese de vários
distúrbios nos quais a inflamação está implicada, como transtorno de humor, transtornos do espectro do
Petra et al. 2015 autismo, transtorno de hipersensibilidade ao déficit de atenção, esclerose múltipla e obesidade.
Estressores psicológicos e físicos podem afetar a composição e a atividade metabólica da microbiota intestinal.
Alterações experimentais no microbioma intestinal podem afetar o comportamento emocional e os sistemas
cerebrais relacionados. Esses achados resultaram em especulações de que alterações no microbioma intestinal
podem desempenhar um papel fisiopatológico em doenças cerebrais humanas, incluindo transtorno do
Mayer et al. 2014 espectro do autismo, ansiedade, depressão e dor crônica.
Os mamíferos vivem em associação co-evolutiva com a multiplicidade de micro-organismos que residem
em uma variedade de microambientes teciduais. O microbioma representa os genomas coletivos desses
microrganismos coexistentes, que são moldados por fatores do hospedeiro, como: genética e nutrientes, mas,
por sua vez, são capazes de influenciar a biologia do hospedeiro na saúde e na doença. Distúrbios neuroimunes
e neuropsiquiátrico são correlacionados ou modulados por variações do microbioma, produtos derivados da
Wang, Kasper, 2014 microbiota e antibióticos exógenos e probióticos.
Dados obtidos de estudos anteriores mostraram que o eixo intestino-cerebral liga várias funções intestinais
periféricas a centros cerebrais através de uma ampla gama de processos e vias, como sinalização endócrina
e ativação do sistema imunológico. Pesquisadores descobriram que o nervo vago dirige a comunicação
bidirecional entre os vários sistemas no eixo intestino-cerebral. Nos seres humanos os sinais são transmitidos
Arneth, 2018 do ambiente liminar ao sistema nervoso central.
Os neurotransmissores, incluindo catecolaminas e serotonina, desempenham um papel crucial na manutenção
da homeostase no corpo humano. Os neurotransmissores podem desempenhar um papel significativo na
fisiologia gastrointestinal. Norepinefrina, epinefrina, dopamina e serotonina têm sido recentemente tópicos
de interesses, por causa de seus papéis na fisiologia do intestino e seus papéis potenciais na fisiopatologia
Mittal et al. 2017 do sistema nervoso central.
344 Rev. Ciênc. Méd. Biol., Salvador, v. 19, n. 2, p. 342-346, mai./ago. 2020
Repercussão da microbiota intestinal na modulação do sistema nervoso central
e sua relação com doenças neurológicas
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Tércio Palmeira Costa, Cássio Ilan Soares Medeiros
e fatores exógenos, a liberação endógena de aminas e promover avanços significativos e oportunidades de gerar
peptídeos enteroendocrinos proporciona uma secreção novas formas de prevenção e tratamento para patologias
anormal de serotonina (5-HT). Essa alteração leva a uma envolvendo tal eixo.
elevação da atividade motora, ativação de células imunes,
sensorial e excretora e é relacionada com SII. Há relatos REFERÊNCIAS
da relação de SII com a hipervigilância do SNC, através ARNETH, B. M. Gut–brain axis biochemical signaling from the
do aumento da permeabilidade da mucosa pelo efeito gastrointestinal tract to the central nervous system: gut dysbiosis and
desencadeado pelo estresse. Logo, há a possibilidade de altered brain function. Postgrad. Med. J., Oxford, v. 94, n. 1114, p.
ter uma interação bidirecional, que pode desenvolver a 446-452, 2018.
SII (MITTAL et al., 2017).
FORSYTHE, P.; KUNZE, W.; BIENENSTOCK, J. Moody microbes or fecal
Doença inflamatória intestinal se refere, então, a um
grupo de distúrbios inflamatórios do trato gastrointestinal, phrenology: what do we know about the microbiota-gut-brain axis? BMC
Med., Londres, v. 14, n. 1, p. 58, 2016.
no qual o eixo intestino-cérebro pode estar relacionado.
O estresse pode levar a um aumento de catecolaminas MAYER, E. A. et al. Gut microbes and the brain: paradigm shift in
e diminuição do fluxo vagal, que vai levar ao aumento neuroscience. J. Neurosci, Baltimore, v. 34, n. 46, p. 15490-15496, 2014.
da produção de citocinas proinflamatórias centrais,
redobrando assim os insultos inflamatórios (MITTAL et MITTAL, R. et al. Neurotransmitters: The Critical Modulators Regulating
Gut–Brain Axis. J. Cell. Physiol., Philadelphia, v. 232, n. 9, p. 2359-2372,
al., 2017). 2017.
346 Rev. Ciênc. Méd. Biol., Salvador, v. 19, n. 2, p. 342-346, mai./ago. 2020