Epidemiologia Da Teníase-Cisticercose

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Ciência Rural, Santa Maria, v. 30, n. 3, p.

541-548, 2000 541


ISSN 0103-8478

EPIDEMIOLOGIA DA TENÍASE/CISTICERCOSE
POR Taenia solium E Taenia saginata

EPIDEMIOLOGY OF TENIASIS/CYSTICERCOSIS
BY Taenia solium AND Taenia saginata

Márcia Regina Pfuetzenreiter1 Fernando Dias de Ávila-Pires2

- REVISÃO BIBLIOGRÁFICA -

RESUMO zoonosis and is widespread in developing countries especially in


rural areas. Larval invasion of the central nervous system
No presente artigo, os autores fazem uma revisão constitutes a serious complication in humans. Cysticercosis is one
dos aspectos epidemiológicos da teníase e cisticercose. A cisti- of the great public health problems in developing countries and
cercose é produzida pelo desenvolvimento da forma larval da the neurocysticercosis is considered the most common parasitic
Taenia, o Cysticercus, nos tecidos, sendo transmitida pela in- disease of the human central nervous system. The freezing of meat
gestão de ovos de Taenia. A cisticercose humana e animal são for six days in temperatures below –15ºC, its adequate cooking,
consideradas um grande problema sócio-econômico em muitos meat inspection and treatment individual patients infected with
países. É considerada uma zoonose endêmica, estando distribuí- adult worms in endemic areas are the main control measures.
da nos países em desenvolvimento, especialmente nas áreas
rurais. A invasão da larva no sistema nervoso central em huma- Key words: epidemiology, teniasis, cysticercosis, Taenia solium,
nos constitui uma séria complicação. A cisticercose é um dos neurocysticercosis, Taenia saginata.
maiores problemas de saúde pública dos países em desenvolvi-
mento e a neurocisticercose é considerada a doença parasitária
mais comum do sistema nervoso humano. A conservação da
carne em temperatura inferior a –15ºC durante seis dias, sua INTRODUÇÃO
cocção adequada, além da inspeção sanitária das carnes e o
diagnóstico e tratamento da teníase humana em áreas endêmicas Os cestódeos Taenia solium e Taenia sa-
constituem as principais medidas de controle.
ginata são responsáveis pela teníase humana. O
Palavras-chave: epidemiologia, teníase, cisticercose, neurocisti- gênero Taenia pertence à família Taenidae, à classe
cercose, Taenia solium, Taenia saginata. Cestoidea e à ordem Cyclophyllidea (REY, 1991).
As respectivas formas larvais (Cysticercus cellulosae
SUMMARY
e Cysticercus bovis - denominação sem valor taxo-
nômico) produzem a cisticercose. O ciclo das tênias
Is described a review of the epidemiological aspects implica dois hospedeiros, um definitivo e um inter-
of teniasis and cysticercosis. Cysticercosis is caused by the mediário, e uma fase de vida livre. O único hospe-
development of the larval form of Taenia, wich results in the
Cysticercus in tissues, and is transmitted through ingestion of deiro definitivo de ambas as tênias (fase adulta do
Taenia eggs. Human and animal cysticercosis are a great parasito) é o homem, em cujo intestino delgado se
socioeconomic problem in many countries. It is a endemic alojam. Os hospedeiros intermediários de Taenia

1
Médico Veterinário, Mestre em Saúde Pública, área de concentração Epidemiologia, Centro de Ciências Agroveterinárias, Universidade
do Estado de Santa Catarina (UDESC), Av. Luiz de Camões, 2090, 88502-030, Lages, SC, [email protected]. Autor para corres-
pondência.
2
Formado em História Natural, Doutor em Ciências, Centro de Ciências da Saúde (CCS), Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC).
Recebido para publicação em 16.04.99. Aprovado em 06.10.99
542 Pfuetzenreiter & Ávila-Pires

solium são os suínos e os de T. saginata são os mentares, ao contrário de T. solium (HUGGINS,


bovinos, desenvolvendo-se na musculatura (ACHA 1989).
& SZYFRES, 1986; REY, 1991). Há, portanto, três As tênias podem viver muitos anos no
fases com relação à população de parasitas: adulto intestino delgado do homem. No caso de T. solium,
no hospedeiro definitivo, ovos no ambiente e cisti- podem ser eliminadas de três a seis proglotes diari-
cercos (fase larval) no hospedeiro intermediário amente. Cada proglote contém uma média de 30.000
(GEMMELL & LAWSON, 1982; GEMMELL et a 50.000 ovos. Cada proglote grávida de T. saginata
al., 1983). contém em torno de 80.000 ovos, sendo que um
Quando os ovos de tênia são ingeridos paciente parasitado pode contaminar o meio ambi-
pelos hospedeiros intermediários, os embriões (on- ente com cerca de 700.000 ovos por dia (REY,
cosferas) se libertam do ovo no intestino delgado 1992).
pela ação dos sucos digestivos e bile. As oncosferas O homem adquire a tênia ao ingerir carne
penetram na parede intestinal e, em 24 a 72 horas, contaminada crua ou mal cozida contendo cisticer-
difundem-se no organismo através da circulação cos (GEMMELL et al., 1983). Os cisticercos são
sangüínea. Ocorre então formação de cisticercos nos liberados durante a digestão da carne e o escólex
músculos esqueléticos e cardíaco (GEMMELL et desenvagina sob ação da bile, fixando-se no intesti-
al., 1983). Os cistos medem de 7 a 12mm de com- no delgado. As primeiras proglotes são eliminadas
primento por 4 a 6mm de largura (REY, 1992). dentro de 60 a 70 dias. A tênia vive no intestino
Os parasitas adultos (tênias) são específi- delgado do homem e, normalmente, o hospedeiro
cos do hospedeiro definitivo, enquanto que as fases alberga apenas um parasita. Isso poderia ser devido à
larvárias (cisticercos) não são específicos dos hos- imunidade desenvolvida pelo próprio hospedeiro,
pedeiros intermediários (REY, 1973; REY, 1991). impedindo o desenvolvimento de outras tênias da
Alguns autores sustentam que a cisticercose humana mesma espécie (REY, 1992).
por cisticercos de T. saginata é extremamente rara Estão mais sujeitas à teníase as pessoas
ou não ocorre, mas não há comprovação científica que preparam alimentos e provam a carne antes de
desse fato (ACHA & SZIFRES, 1986; BENENSON, cozinhar e indivíduos que fazem as refeições fora de
1992; ORGANIZACION PANAMERICANA DE casa. Fatores econômicos, culturais (hábitos ali-
LA SALUD, 1994; SCHANTZ et al., 1994; mentares) e religiosos tendem a expor certos grupos
SCHENONE et al., 1982), enquanto outros admitem de indivíduos em maior ou menor grau. Na culinária
a possibilidade de cisticercose humana por ambas as tradicional de muitas culturas, há pratos que utilizam
espécies de tênia (GEMMELL et al., 1983;
carne crua, por exemplo o quibe cru. (REY, 1991).
PAWLOWSKI & SCHULTZ, 1972; REY, 1973;
As duas espécies de Taenia, segundo
REY, 1991).
ACHA & SZYFRES (1986) estão distribuídas em
todo o mundo. É endêmica na América Latina
TENÍASE HUMANA
(GEMMELL et al., 1983). No Brasil, foi detectada
uma freqüência média de 1% entre os anos de 1965
T. solium mede de 3 a 5 metros de com-
primento. A cabeça ou escólex é provida de 4 vento- a 1968 e de 3% entre os anos de 1986 a 1989
sas e rostro armado com dupla coroa de ganchos. (GEMMELL et al., 1983; ORGANIZACION
Além do escólex, possui o colo ou pescoço (mais PANAMERICANA DE LA SALUD, 1994).
delgado) e, finalmente, o estróbilo ou corpo com as A teníase pode se apresentar de forma as-
proglotes ou anéis. As proglotes se dividem em sintomática, porém alguns pacientes manifestam
jovens, maduras e grávidas, estando estas últimas alterações no apetite (anorexia ou apetite exagera-
repletas de ovos. As proglotes grávidas medem 1cm do), náuseas, vômitos, dor abdominal, diarréia, ema-
de comprimento por 0,6 a 0,7cm de largura. T. grecimento, irritabilidade e fadiga (CARRADA-
saginata mede 6 a 7 metros e não possui ganchos no BRAVO, 1987; HUGGINS, 1989).
rostro (CARRADA-BRAVO, 1987; GEMMELL et O diagnóstico pode ser realizado através
al., 1983; HUGGINS, 1989). do exame de proglotes nas fezes, pesquisa de ovos
A eliminação de proglotes no caso de T. nas fezes, ou pesquisa de ovos com a técnica da fita
solium pode não ser observada, sendo misturada gomada na região perianal. Os ovos das duas espéci-
com as fezes, passando despercebida (CARRADA- es de tênia não podem ser diferenciados
BRAVO, 1987; REY, 1991). As proglotes de T. (HUGGINS, 1989; REY, 1992). As drogas mais
saginata são notadas pelo hospedeiro por serem utilizadas atualmente para o tratamento são o prazi-
eliminadas ativamente do organismo com movi- quantel, mebendazol e albendazol (HUGGINS,
mentos perceptíveis, mostrando ramificações seg- 1989; REY, 1992).

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CISTICERCOSE EM HOSPEDEIROS NÃO As perdas econômicas pela cisticercose


HUMANOS bovina e suína são consideráveis pela condenação
das carcaças contendo cisticercos. UNGAR &
Quando os bovinos ou os suínos ingerem GERMANO (1992) examinaram os dados de fichas
os ovos das tênias junto com o pasto ou a água, dos abatedouros do Estado de São Paulo e encontra-
desenvolvem cisticercos em seus tecidos. O hábito ram uma prevalência de cisticercose bovina de 5,5%.
pouco higiênico das pessoas defecarem diretamente Os autores estimam que a prevalência da cisticercose
no ambiente, ou em sanitários sem as devidas fossas, bovina no Brasil está entre 0,7 e 5,3%.
muitas delas instaladas sobre córregos e rios, contri-
Nos bovinos, o cisticerco se desenvolve
bui para o problema (ACHA & SZYFRES, 1986).
em 60 a 75 dias. Em algumas semanas, ou até 9
Para GEMMELL & LAWSON (1982), a ingestão de
meses, os cistos começam a degenerar, morrem e
ovos pelos animais se dá na maior parte das vezes,
calcificam (ACHA & SZIFRES, 1986). Nos suínos,
por ingestão de fezes. Os bovinos normalmente
o desenvolvimento completo dos cisticercos se dá
evitam pastar ao redor de fezes, mas podem, sob
em 60 dias após a infecção (SALAZAR-
condições adversas, por falta de alimentos ingerirem
fezes. Já os suínos, por possuírem hábitos coprofági- SCHETTINO & HARO-ARTEAGA, 1990), perma-
cos, teriam mais facilidade de adquirir a doença. necendo a larva infectante para o homem durante
Entretanto, a viabilidade dos ovos no meio ambiente vários anos (REY, 1992).
poderia facilitar a infecção sem que, necessaria- GEMMELL (1987), utilizando T. hydati-
mente, o animal ingira fezes. gena e T. ovis dos ovinos como modelo para o estu-
As informações sobre cisticercose suína e do da biologia de T. solium e T. saginata, concluiu
bovina provêm dos registros da inspeção veterinária que a resposta imune nos animais depende do tempo
de carnes. A inspeção consta de exames de visuali- entre exposições (ingestão de ovos) e não do número
zação, palpação e cortes dos músculos da cabeça, de ovos ingeridos. O conhecimento da imunidade
língua, coração, diafragma, músculos do pescoço e dos animais para a cisticercose não está totalmente
intercostais (BRASIL, 1980). Convém assinalar que desenvolvido, havendo muitos pontos a serem escla-
a inspeção rotineira dos animais nos frigoríficos tem recidos.
sérios limites para a identificação de carcaças infec- Há fatores que auxiliam a dispersão dos
tadas, particularmente com infecções leves ovos tais como: a contaminação fecal do solo, o
(GEMMELL et al., 1983; RODRIGUES, 1993; transporte através do vento, aves, anelídeos e artró-
SARTI-GUTIERREZ et al., 1988). A liberação da podes (moscas, besouros, traças, formigas, pulgas e
carcaça ocorre quando da ausência de cisticercos. ácaros oribatídeos) (LAWSON, 1982; GEMMELL
Quando há presença de cisticercos, ocorre o apro- & LAWSON, 1982; GEMMELL et al., 1983). Os
veitamento condicional e até condenação total ovos de todas as tênias são sensíveis à dessecação e
(BRITO, 1987; GEMMELL et al., 1983; BRASIL, à temperatura elevada (GEMMELL & LAWSON,
1980; SECRETARIA DE ESTADO DA 1982; GEMMELL, 1987), podendo permanecer
AGRICULTURA E ABASTECIMENTO, 1993). viáveis na pastagem por períodos de, aproximada-
Nas áreas rurais, freqüentemente, os pe- mente, 4 até 12 meses (HUGGINS, 1989). Os ovos
quenos produtores criam suínos em pequena quanti- são resistentes ao tratamento convencional de esgo-
dade, sem controle sanitário e, muitas vezes, com tos (REIFF, 1994; GEMMELL et al., 1983), porém
acesso a fezes humanas, o que facilitaria a ingestão o tratamento convencional da água como floculação,
de ovos e aquisição da enfermidade (ACEVEDO- sedimentação e filtração é suficiente para eliminar os
HERNÁNDEZ, 1982). Contudo, SARTI et al. ovos (REIFF, 1994). Na utilização de fezes como
(1992) não verificaram correlação entre a forma de fertilizantes, a maneira mais prática de inviabilizar
criação de suínos e a prevalência de cisticercose os ovos de tênia seria pela elevação da temperatura
nestes animais, porque, aparentemente, nem todos os através da compostação aeróbica, que pode atingir
animais criados fechados permanecem durante a temperaturas de pelo menos 65° C por mais de 7
vida toda assim, tendo oportunidades de ter contato dias (REIFF, 1994). O calor mata os cisticercos,
com fezes humanas. SARTÍ GUTIÉRREZ & sendo que o C. cellulosae morre a temperaturas de
GUTIÉRREZ OSPINA (1986) advertem que os 55°C, enquanto que o C. bovis morre a 50°C. Po-
animais criados sem boas condições de higiene, nas rém, é muito difícil atingir temperaturas muito ele-
pequenas propriedades, em geral são sacrificados vadas no interior de pedaços grossos de carne (REY,
pelos próprios donos, sem inspeção veterinária, para 1991). A carne submetida a temperaturas um pouco
o consumo da família ou são vendidos livremente acima de 0°C não afeta a sobrevivência dos cistos de
nos mercados. C. cellulosae. Mas, o congelamento por 4 dias a -

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5°C ou 3 dias a -15°C, ou ainda um dia a -24°C mata cose (no sistema nervoso central) e, finalmente, a
os cisticercos de suínos (SOTELO et al., 1986). O forma mista com mais de uma das localizações aci-
congelamento da carne de suíno ou bovino por mais ma citadas. A neurocisticercose ainda pode ser clas-
de 4 dias a temperaturas de -5°C destrói eficazmente sificada topograficamente em espinhal e cerebral. Os
os cisticercos (BENENSON, 1992). Porém, REY cistos se localizam mais freqüentemente no sistema
(1991) admite que os cisticercos morrem em 6 dias nervoso central (60 a 90% dos casos) e o parasita
quando mantidos a temperatura de -15°C, ou inferio- vive entre 18 meses e 2 anos, ou até um período
res a esta. maior. Em 78,6% dos casos de cisticercose, o para-
A salga também torna os cisticercos invi- sita se encontra no encéfalo (cisticercose cerebral)
áveis. No destino de carcaças de bovinos abatidos (SCHENONE et al., 1982). A cisticercose é a en-
com cisticercose com número pequeno de cistos, fermidade parasitária que com maior freqüência
recomenda-se que a carne seja tratada por 21 dias afeta o sistema nervoso central (ALBUQUERQUE
com salmoura, que pode ser reduzida para 10 dias & GALHARDO, 1995; BRUTTO & SOTELO,
quando for mantida temperatura igual ou inferior a 1988), sendo considerada a mais grave das infecções
1°C (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, 1980; parasitárias do sistema nervoso humano
SECRETARIA DE ESTADO DA AGRICULTURA (COULDWELL & APUZZO, 1992; FLISSER &
E ABASTECIMENTO, 1993). A salga destrói os PLANOARTE, 1991; SCHENONE et al., 1982),
cisticercos contidos na carne de porco em 14 dias visto que acomete grande número de pessoas e pro-
quando a mesma é cortada e submersa em salmoura duz algumas vezes sintomatologia grave (FLISSER,
a 25% (BARTELS, 1971). Entretanto, THORNTON 1991). O período de incubação é em média de 4 a 8
(1969) cita um tempo mais prolongado de 3 a 4 anos, podendo variar de alguns meses a vários anos
semanas e os pedaços de carne não devem pesar (AUBRY et al., 1995).
mais que 2,5kg. PESSOA & MARTINS (1982) A cisticercose ocorre nos países da Amé-
admitem que o uso de salmoura (50g de sal por kg rica Central e do Sul, na Ásia, África e Austrália
de carne) durante 2 a 3 semanas inviabiliza os cisti- (AUBRY et al., 1995). Nos países em desenvolvi-
cercos. mento da Ásia, África, assim como na América
Latina, a neurocisticercose é considerada endêmica
CISTICERCOSE HUMANA (BRUTTO & SOTELO, 1987; BRUTTO &
SOTELO, 1988). Ocorre, esporadicamente, nos
A importância do complexo teníase- países industrializados e nos países de religião mu-
cisticercose para a saúde pública resulta de que o çulmana. Estima-se que, anualmente, são infectadas
homem, além de hospedeiro definitivo da tênia, pode no mundo cerca de 50 milhões de pessoas com
se tornar hospedeiro intermediário e abrigar a fase 50.000 mortes (AUBRY et al., 1995). Na América
larval. É o que se denomina de cisticercose humana Latina, calcula-se que a taxa de prevalência por
(ACHA & SZIFRES, 1986; REY, 1991). Após um a neurocisticercose é de 100 casos por 100.000 habi-
três dias da ingestão de ovos, ocorre liberação dos tantes, atingindo cerca de 350.000 pessoas
embriões no duodeno e jejuno. As larvas alcançam a (SCHENONE et al., 1982). A enfermidade foi en-
circulação sangüínea e se fixam nos diversos tecidos contrada em 17 países latino-americanos. De
(REY, 1992). 123.826 necropsias realizadas em nove países, foi
VERONESI et al. (1991) enfatizam que a encontrada uma taxa de 0,43% de neurocisticercose,
importância da cisticercose na patologia humana sendo as taxas mais elevadas de morbidade as en-
está na dependência da localização do parasita em contradas no Brasil, Chile, Peru, El Salvador, Gua-
tecidos nobres, como os do globo ocular e do siste- temala e México, tendo maior freqüência nas áreas
ma nervoso central (neurocisticercose), sendo que rurais (ACHA & SZIFRES, 1986). Estudos de ne-
em outras localizações, como a subcutânea, a mus- cropsia em hospitais gerais de áreas endêmicas no
cular e a visceral, o cisticerco representa, de regra, México sugerem uma prevalência de 3,8%
achado sem maior significação. Porém, a presença (BRUTTO e SOTELO, 1988; WOODHOUSE et al.,
de cistos nessas localizações poderia ser um indica- 1982). Já GEMMELL et al. (1983) citam uma fre-
dor da presença de cistos nos tecidos mais nobres. qüência mais elevada, entre 0,4 e 3,2% de neurocis-
ZENTENO-ALANIS (1982) categoriza ticercose em achados de necropsia na América Lati-
os pacientes com cisticercose de acordo com a loca- na.
lização dos parasitas. Há a forma disseminada (com A situação da neurocisticercose em hos-
localização nas vísceras, pele e músculos), a oftal- pitais de neurologia e neurocirurgia no Brasil nos
mocisticercose (nos olhos e órbita), a neurocisticer- anos de 1947-1955 era de 2,9%, em 1945-1965, era

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de 3,39% e, em 1969-1988, era de 3,15% 1989; SALAZAR SCHETTINO et al., 1990;


(ORGANIZACION PANAMERICANA DE LA SARTI-GUTIERREZ et al., 1988; SCHENONE et
SALUD, 1994). COSTA-CRUZ et al. (1995) men- al., 1982; SILVA-VERGARA et al., 1994). O ho-
cionam as freqüências de cisticercose no Brasil vari- mem adquire cisticercose através da ingestão de
ando de 0,12% a 3,6%, sendo a localização mais alimentos contaminados (frutas e verduras) com
freqüente o sistema nervoso central. Segundo ovos de tênia, através do uso de água de irrigação
ALBUQUERQUE & GALHARDO (1995), a inci- contaminada com água de esgoto, ou ainda pela
dência da neurocisticercose tem sido considerada utilização de fezes humanas como adubo. Também
baixa no nordeste brasileiro, sendo freqüente nos pode ocorrer a ingestão de ovos através de água
estados do sul, sudeste e centro-oeste do país. Isso contaminada. Uma outra fonte importante de conta-
pode ser devido à falta de diagnóstico, visto que sob minação são os manipuladores de alimento, que
o ponto de vista clínico as manifestações são inca- contaminam os alimentos através de maus hábitos
racterísticas. higiênicos. O próprio portador de teníase, através de
A enfermidade é descrita em muitos Esta- maus hábitos de higiene, também pode se auto-
dos do Brasil (ALBUQUERQUE & GALHARDO, contaminar (REIFF, 1994).
Há possibilidade de pessoas que residem
1995; CHEQUER & VIEIRA, 1990; TREVISOL-
em áreas urbanas adquirirem teníase ao freqüenta-
BITTENCOURT et al., 1998; VAZ et al., 1990). No
rem o meio rural, pela ingestão de produtos de ori-
Triângulo Mineiro, Minas Gerais, GOBBI et al. gem animal contaminados com cisticercos e adquiri-
(1980) publicaram estatísticas relatando que em rem cisticercose pelos alimentos preparados em
2.306 necropsias foram encontrados 2,4% de casos condições higiências inadequadas, contaminados
de cisticercose e destes 66% eram neurocisticercose. com ovos de tênia. A ingestão de alimentos artesa-
COSTA-CRUZ et al. (1995) realizaram 3.937 ne- nais favoreceria a infecção (ORGANIZACION
cropsias em Uberlândia, Minas Gerais, e a análise de PANAMERICA DE LA SALUD, 1994).
2.862 registros com laudos completos e com idade Existe possibilidade também de uma auto-
acima de um ano revelou 1,4% de cisticercose, sen- contaminação interna através de movimentos anti-
do 89,7% com comprometimento do sistema nervo- peristálticos ou vômitos em que os ovos do intestino
so central isolado ou associado a outras formas clí- delgado voltam para o estômago e sofrem ação do
nicas da doença. CLEMENTE & WERNNECK suco gástrico, liberando as oncosferas para a cor-
(1990) calculam que a incidência de neurocisticerco- rente circulatória. É a chamada auto-infecção inter-
se no Rio de Janeiro é de cerca de um caso por mês. na. Porém, este mecanismo não está comprovado
Em Lagamar, Minas Gerais, SILVA-VERGARA et (ACHA & SZIFRES, 1986; REY, 1991).
al. (1994) encontraram uma prevalência provável de A enfermidade mostrou-se mais freqüente
1,9%. No município de Ribeirão Preto, Estado de em idades mais avançadas e os pacientes do sexo
São Paulo, TAKAYANAGUI et al. (1996) obtive- feminino são acometidos em maior proporção
ram um coeficiente de prevalência de 54 ca- (AGAPEJEV, 1996; NARATA et al., 1998;
sos/100.000 habitantes através de notificação com- PFUETZENREITER, 1997). A enfermidade está
pulsória, e CHIMELLI et al. (1998) obtiveram uma ligada a hábitos alimentares, sendo mais freqüente
prevalência de 67 casos/100.000 habitantes através em pacientes com maior contato com o meio rural
(PFUETZENREITER, 1997). De acordo com
de necropsias. Foi observado aumento do diagnósti-
NARATA et al. (1998), na neurocisticercose, o
co de neurocisticercose logo após a implantação de
achado clínico mais freqüente é a cefaléia (35,5%),
serviço de tomografia computadorizada seguida de epilepsia isolada (20,9%) ou associada a
(GALHARDO et al., 1993; GONÇALVES- outros achados neurológicos (9%), podendo, muitas
COÊLHO & COÊLHO, 1996). A incidência da vezes, ocorrer de forma assintomática (CHIMELLI
enfermidade continua expressivamente alta e sem et al., 1998).
tendências para decréscimo (SPINA-FRANÇA et O tratamento da neurocisticercose pode
al., 1993). Na América Latina, o período médio de ser simplesmente sintomático, ou antiparasitário, ou
hospitalização pela neurocisticercose varia entre 42 ainda cirúrgico, dependendo do número, tamanho,
a 46 dias. Pelo menos 50% dos casos necessita mais localização e grau de atividade dos cistos
do que uma internação hospitalar e mais do que uma (ORGANIZACION PANAMERICANA DE LA
intervenção cirúrgica. SALUD, 1994; RODRÍGUES-CARBAJAL et al.,
A teníase é um fator importante para o 1988). O tratamento antiparasitário pode ser feito
aparecimento da cisticercose humana, havendo inter- com albendazol ou praziquantel (COULDWELL &
relação estreita entre teníase e cisticercose APUZZO, 1992; ORGANIZACION PANAME-
(ALARCON EGAS et al., 1988; GARCÍA-ALBEA, RICANA DE LA SALUD, 1994).

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PANAMERICANA DE LA SALUD, 1994). Qual- da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem
quer controle deve reconhecer a multiplicidade de animal. (Aprovado pelo Decreto no 30.691, de 29-3-52,
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dade, sejam fatores biológicos, ou o impacto sócio-
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Com base nas medidas de controle indi-
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cadas acima, é sugerida (PFUETZENREITER, Neurocysticercosis: contribution of the autopsies in
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pelo menos durante 6 dias. Essas medidas poderiam CLEMENTE, H.A.M., WERNNECK, A.L. dos S.
ser tomadas no frigorífico, antes mesmo da distri- Neurocisticercose - incidência no Estado do Rio de Janeiro.
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