Neoliberalismo e Assistência Social
Neoliberalismo e Assistência Social
Neoliberalismo e Assistência Social
Montes Claros – MG
Julho/2022
Calvin Batista Campos
Membros da Banca:
Montes Claros – MG
Julho/2022
À Vó Lela (em memória).
AGRADECIMENTOS
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
CONSIDERAÇÕES ...............................................................................................................90
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 93
10
INTRODUÇÃO
Segue-se um desafio posto por Souza (2010) de que é preciso compreender com
profundidade o que é o neoliberalismo. Tal tarefa é realizada no primeiro capítulo, quando se
busca caracterizar o neoliberalismo nas esferas econômicas, ideológicas e políticas.
O segundo capítulo concretizará o segundo objetivo específico da pesquisa, que consiste
em investigar aspectos históricos da criação da política de assistência social no Brasil como
política pública. A literatura apresenta que o exercício de políticas públicas é permeado por
impasses da administração pública que põem em xeque a efetivação de seus fins, tais como a
prática do patrimonialismo, práticas coronelistas, clientelistas e até mesmo, no caso da política
de assistência social, o primeiro-damismo, que consiste em delegar à esposa do prefeito o cargo
da secretaria ou gestão da assistência social, um efeito nítido do histórico filantrópico e
caritativo da assistência social no Brasil.
Por tratar-se de uma pesquisa empírica, foram realizadas entrevistas com oito gestores
públicos para ouvi-los acerca da gestão da assistência social em seus municípios. O método
escolhido foi a Análise Institucional do Discurso (AID), desenvolvida por Guirado (2009) a
partir de interlocuções feitas pela autora com a filosofia de Michel Foucault, a sociologia de
Guilhon Albuquerque e a psicanálise freudiana. Para Guirado (2009), aquele que fala, o faz
para alguém sob determinadas condições e dentro de um contexto. A AID não pretende
investigar se o que é dito parte de representações infantis inconscientes, mas busca analisar as
condições da formação discursiva.
Partindo do entendimento de que políticas sociais estão em desmonte, sobretudo a
assistência social (MARQUES et al, 2019), o que a pesquisa objetiva não é verificar se os
gestores são ou não neoliberais. Até porque produziria poucos efeitos, considerando outros
desafios já elencados da administração pública local na execução da PNAS. Desafios que
ultrapassam o corte orçamentário e estão relacionados a quadros desfalcados de profissionais
(ocasionado muitas vezes por processos seletivos temporários), a questões políticas locais,
morosidade dos processos administrativos e outros fatores (SÁTYRO; CUNHA, 2019). O que
a AID pretende investigar é se e como os discursos dos gestores performam o neoliberalismo?
Por quais vias? Por quais modos?
O capítulo três busca compreender como funciona o discurso e caracteriza alguns
aspectos metodológicos construídos, que incluem: a construção do objeto científico, o recorte
do quadro de análise e propriamente a Análise Institucional do Discurso como método de
pesquisa.
Por fim, espera-se contribuir teoricamente provendo uma análise empírica de como
conceitos abstratos tornam-se concretos ao serem performados por gestores políticos. Um
12
De forma que Souza não nega que tenha ocorrido transformações no capitalismo
financeiro brasileiro, mas sugere que é necessário compreender melhor como essas
transformações ocorreram.
Nesse sentido, temos que deixar claro como o “capitalismo financeiro e/ou flexível”
penetra na sociedade brasileira, para além de palavras de ordem abstratas e vazias de
sentido como “neoliberalismo”. Ou se explica como esse “neoliberalismo” se apropria
de práticas institucionais e sociais concretas com o fito de legitimar o acesso
14
1
Esta também é a posição de Brown (2019) e Dardot e Laval (2016).
15
Mas essa não é exatamente a perspectiva que a autora segue em sua análise. A autora
segue tanto a abordagem foucaultiana, quanto a neomarxista. De acordo com Brown (2019) a
abordagem neomarxista está mais associada à análises institucionais, políticas e de relações e
efeitos econômicos, de modo a negligenciar a longo prazo um modo de governar as
racionalidades. A abordagem foucaultiana, por sua vez, enfoca as alterações de princípios,
valores, coordenadas que “conduzem a conduta” nas ordens liberais (BROWN, 2019, p.31).
Não se trata de duas abordagens opostas, nem pelo método, nem pela suposta dicotomia
entre o materialismo versus um ideal do poder (BROWN, 2019). Mas como complementares à
compreensão das transformações neoliberais que se dão de modo sistemático e contraditório. É
em razão disso que foi possível trabalhar com uma confluência de leituras neomarxistas e
foucaultianas, tal como orienta Brown.
Alguns temas, no entanto, foram deliberadamente evitados. Uma vez que, imergir na
discussão a respeito da liberdade, por exemplo, no interior do discurso neoliberal, em
contrapeso com fortes e densos argumentos de autores como Silva et al2 (2021), iria exigir mais
do que um capítulo. Também não foram antecipados alguns temas que serão abordados com
maior destaque em outros capítulos, tais como o próprio discurso e as particularidades da
política social no contexto brasileiro.
2
Ver: SILVA, Daniel Pereira da; PESTANA, Heitor; ANDREONI, Leilane; FERRETTI, Marcelo; FOGAÇA,
Marcia; SENHORINI, Mario; SILVA JUNIOR, Nelson da; AMBRA, Pedro. Matrizes epistemológicas da
episteme neoliberal: a análise do conceito de liberdade. In: SAFATLE, Vladimir; JUNIOR, Nelson da Silva;
DUNKER, Christian [orgs.]. Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. 1ª ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2021.
16
Abordar políticas de proteção social ou ainda de bem-estar social (welfare state) torna
necessário um retorno aos princípios que conduzem tais políticas, pois, diferentes teses e teorias
irão determinar os modelos, tipologias e narrativas de desenvolvimento e proteção social.
Grosso modo, políticas de bem-estar social visam melhorar a qualidade de vida de uma
população. Esping-Andersen (1991) aponta que tais medidas incluem serviços de assistência
social, saúde, educação, proteção ao desemprego, programas de previdência pública, entre
outros. Sendo assim, dizem respeito à participação e responsabilidade do Estado na regulação
dos interesses entre mercado e sociedade civil.
Ainda de acordo com Esping-Andersen (1991), políticas de bem-estar social não podem
ser compreendidas suficientemente apenas em termos de garantias e direitos. A reconceituação
que o autor propõe vai além da própria proposição de Marshall, de cidadania social como
fundamento de um estado de bem-estar. Envolve antes disso garantir os direitos sociais e mais:
“desmercadorizar” os indivíduos diante do mercado, de modo que estes possam fazer escolhas
que vão além das relações de mercado.
Em Ensaio sobre o “Bem-Estar Social”, Titmuss (1963) compreende o bem-estar social
como efeito dos processos da industrialização, que promoveu a divisão social do trabalho; as
políticas de proteção social desenvolvem-se no período industrial quando se passa a reconhecer
estados de dependência, tal qual a velhice, a infância e mesmo as doenças provocadas pelo
ritmo industrial. A industrialização fragilizou as formas tradicionais de proteção social
(mediadas pela família e por valores como a ‘solidariedade’ e a ‘caridade’) e promoveu a
competitividade entre os trabalhadores pela promessa de recompensar a produtividade
17
(VAZQUEZ, 2007). Outra importante transformação que ocorre no período industrial diz
respeito à organização social dos próprios trabalhadores que constituem núcleos de disputas
sobre direitos trabalhistas, tal como organizações sindicais.
Pereira, Silva e Patriota (2006) afirmam que a existência de políticas sociais está
condicionada à existência da sociedade burguesa, especificamente do modo capitalista de
produzir e reproduzir-se. As autoras apresentam que as primeiras leis e medidas surgem em
países europeus como Alemanha e Inglaterra no final do século XIX, mas que se consolidam e
se transformam em distintos modelos e abordagens de políticas sociais em outros países no
século XX, especialmente após a II Guerra Mundial.
Titmus (1963) classifica os modelos de proteção social em: 1) modelo residual, de caráter
temporal e limitado, o qual é acionado quando as instituições naturais e tradicionais (família,
vínculos de parentesco, igreja, mercado) não estão em condições de suportar as
necessidades dos indivíduos; 2) modelo institucional redistributivo, de caráter
universalista, que destina-se à produção e distribuição de bens e serviços sociais a toda a
população, de modo a institucionalizar o bem-estar social; e 3) modelo meritocrático, que
parte do princípio de que cada indivíduo deve prover as condições de sanar suas próprias
necessidades, de modo que a política social apenas corrige falhas do mercado (PEREIRA;
SILVA; PATRIOTA, 2006).
Em um estudo comparativo, Esping-Andersen também categoriza três modelos
tipológicos de proteção social no âmbito de um estado de bem-social: 1) o modelo liberal; 2) o
modelo conservador/corporativo e 3) o modelo social-democrata (ANDRADE;
ZIMMERMANN, 2009). O primeiro corresponde ao modelo residual (caracterizado por
Titmuss), no qual o Estado tem função marginal, de modo a garantir apenas um nível mínimo
de bem-estar. O traço principal do modelo liberal é a responsabilidade individual que depende
do “sucesso ou fracasso” do sujeito na sociedade.
Por sua vez, o modelo conservador-corporativo possui forte influência da Igreja e dos
valores tradicionais3 de modo a assegurar lealdade, dependência e a subordinação ao Estado
(VAZQUES, 2007). Também Arretche (2007) enfatiza que este modelo foi predominante em
países com histórico de regimes absolutistas, tais como França, Alemanha, Áustria, Bélgica e
Itália; nesses países a Igreja teve um papel influente nas reformas sociais. A autora também
destaca que “em vários países o legado conservador representou um forte obstáculo às reformas
de orientação social-democrata [...]” (ARRETCHE, 2007, p. 29).
3
Baseados na família e no conservadorismo.
18
travados pela classe trabalhadora, de modo a configurar políticas sociais como conquistas
(PASTORINI, 1997).
Ainda que tecendo críticas à perspectiva marxista, Pastorini observa avanços em relação
à tradicional, como as noções de totalidade e a centralidade e relevância à luta de classes.
Portanto, a perspectiva marxista observa que as políticas sociais se constituem como uma
unidade contraditória:
Hobsbawm (2013) pontua que até o final do século XIX o contexto era de uma classe
média alta extremamente seleta.
Em 1875, mesmo na bem instruída Alemanha, apenas 100 mil crianças frequentavam
o ginásio humanista (ensino médio) e pouquíssimas chegavam ao exame final, o
Abitur. Não mais que 16 mil estudavam nas universidades. Até a véspera da Segunda
Guerra Mundial, a Alemanha, a França e a Grã-Bretanha, três dos países maiores,
mais desenvolvidos e instruídos, com uma população total de 150 milhões, não tinham
mais de 150 mil estudantes universitários, ou um décimo de 1% de sua população
conjunta. A espetacular expansão da educação secundária e universitária depois de
1945 multiplicou o número dos instruídos, ou seja, dos treinados basicamente nas
culturas do século XIX ensinadas nas escolas, mas não necessariamente o número dos
que se sentiam à vontade nessas culturas (HOBSBAWM, 2013, p. 10).
O prevalecimento dos ideais liberais da segunda metade do século XIX até a Grande
Depressão fragilizou a implementação de políticas de proteção social, como relata Behring
(2011), fato observado pela baixa participação do gasto público em política social com base no
PIB. O Gráfico 1, a seguir, mostra que os gastos em políticas sociais nos governos centrais por
volta de 1880, foram irrelevantes não passando de 5%, sendo o maior registrado da Alemanha,
4,82%.
21
Gráfico 1: Gasto Público em Política Social com base no PIB, de 1880 a 2016.
Primeiras Experiências
No plano político, a ideologia neoliberal penetrou governos antes mesmo de Thatcher
(1979 na Inglaterra) e Reagan (1980 nos Estados Unidos). Embora as principais experiências
de implementação de políticas neoliberais ao redor do mundo contem com significativa
influência da agenda de governos norte-americanos, é equivocado atribuir a hegemonia do
neoliberalismo ao “novo imperialismo norte americano” (HARVEY, 2014).
Com a doutrina Truman tem-se o início da Guerra Fria, de pleno combate entre os
sistemas capitalistas e socialistas, no qual disputas ideológicas são travadas mundialmente entre
1947 até o final do século. O que, a princípio, pretendia combater o keynesianismo, logo
consolidou-se como um movimento conservador de defesa da propriedade privada, da livre-
empresa, do horror ao comunismo e uma tecno-estrutura mundial de poder (IANNI, 1998;
24
GROS, 2008). Neste período, Hayek refuta veemente o ‘caminho do meio’ entre o totalitarismo
e o sistema econômico liberal competitivo como proposta de desenvolvimento (ANDRADE;
ZIMMERMANN, 2009; GROS, 2008) mas, é só a partir dos anos 80 que Thatcher e Reagan
adotarão o programa neoliberal como central em suas agendas políticas
Como destaca Harvey (2014), as experiências de implementação do neoliberalismo
constituem curiosos casos no qual a periferia se torna exemplo para o centro - países capitalistas
avançados. A primeira experiência “exitosa” de implementação do neoliberalismo foi registrada
em 1973 no Chile, quando um golpe de Estado é orquestrado contra o governo
democraticamente eleito de Salvador Allende. Apoiado por corporações estadunidenses, pela
CIA e pelo secretário de Estado Henry Kissinger, o golpe reprimiu as forças sindicais,
organizações de esquerda e movimentos populares (HARVEY, 2014). Mas o que há de
neoliberal na intervenção?
Em uma época de recessão econômica, Pinochet convida parte do grupo de economistas
conhecidos como “the Chicago boys” para seu governo com intuito de negociar empréstimos
com FMI, reestruturando assim a economia do Chile conforme as teorias neoliberais; os
economistas
4
Para melhor compreensão acerca destes fatores elencados, recomenda-se os trabalhos do historiador Caio Prado
Jr., Formação do Brasil Contemporâneo, São Paulo: Brasiliense, 1991 e do sociólogo Octavio Ianni, A Ideia de
Brasil Moderno, São Paulo: Brasiliense, 1992.
25
aos moldes que vinham sendo reconhecidos nos países centrais. E como argumentam Filho
(2016) e Netto (2013), o neoliberalismo só será descoberto correndo nas veias das políticas
brasileiras após a Constituição de 88, sobretudo na década de 90 e início dos anos 2000, uma
espécie de neoliberalismo soft.
O que se destaca dessas experiências não são seus resultados para as economias
domésticas, mas o sucesso de mercadorização das relações sociais e um modo de reestruturação
de classe que será abordada no subcapítulo seguinte. Os objetivos do neoliberalismo não são
nunca conquistados como se apresentam, por exemplo: a) na promessa de Hayek de combater
o bem-estar social e recuperar o liberalismo clássico, o que se conquista não está no campo da
economia, mas da ideologia ao conquistar instituições governamentais, acadêmicas, as mídias,
o senso comum, por fim, a esfera social; b) na promessa da doutrina Truman de assumir a
“responsabilidade” de defender a liberdade e propagá-la ao redor do mundo, o que se conquista
é uma nova forma de colonialidade “conquistada” pela vitória do capitalismo na Guerra Fria,
tal como no caso do golpe chileno cujo forças interventoras não foram exclusivamente militares,
mas econômicas (The Chicago Boys); e c) o que se conquistou sobretudo no governo de
Thatcher não foi a liberalização econômica, tal como Thatcher declarava “a economia é o
método, mas o objetivo é transformar o espírito”, alcançou-se com isso muito mais do que se
pretendia ao mercadorizar as relações sociais.
Para compreender isso é indispensável conhecer o fundamento das teses liberais que, para
Bourdieu, se encontra no pressuposto de que os agentes, no capitalismo o homo economicus,
agem mediados pela razão.
Ou seja, as escolhas econômicas dos agentes, atores ou sujeitos não são universalmente
mediadas por uma razão ou consciência; mas estão imersas e dependem do próprio contexto
sócio-histórico. O que se busca compreender em seguida é: quais são as estratégias táticas-
ideológicas que formam essa suposta racionalidade universal do neoliberalismo?
Em Marx, Ideologia denotava ideias e teorias que são socialmente determinadas pelas
relações de dominação entre as classes e que determinam tais relações, dando-lhes
uma falsa consciência. Na evolução sucessiva do significado da palavra, perdeu-se
geralmente, salvo na linguagem polêmica da política prática, a conexão entre
Ideologia e poder. Quanto ao mais, o destino deste significado de Ideologia foi
centrado nas relações entre dois dos elementos constitutivos da formulação originária:
o caráter da falsidade da Ideologia e a sua determinação social. De uma parte,
manteve-se e se generalizou o princípio da determinação social do pensamento, com
o resultado de perder de vista o requisito da falsidade: a Ideologia se dissolveu no
conceito geral da sociologia do conhecimento. De outra parte, manteve-se,
generalizou-se e reinterpretou-se o requisito da falsidade, com o resultado de perder
de vista a determinação social da Ideologia: o ponto de chegada é, neste caso, a crítica
neopositivista da Ideologia (p. 585).
Chaui (2003) também explica que, para Marx, a alienação é a forma inicial da
consciência, quando os homens não se percebem como produtores da sociedade, mas julgam
ser um Outro que define a ordem da vida e da forma social, quer seja um deus, a natureza, uma
27
Fica evidente que os autores não tratam a ideologia como mero conjunto de
representações ideais, ou uma visão de mundo, mas como uma inversão. A
consciência só pode ser a expressão ideal dos seres humanos e suas relações, mas na
ideologia eles aparecem invertidos e esta inversão, dado o pressuposto acima
anunciado, só pode expressar uma inversão no campo da vida real e das relações que
a constituem e não um desvio cognitivo (p. 7).
Na obra Crítica da Razão Cínica, mediante retorno a temas centrais da filosofia no século
XX, Sloterdijk estabelece sobretudo uma crítica à própria teoria crítica e, em últimas
circunstâncias, à razão pura. Questionando a função da crítica, o autor busca tratar dos limites
sociais e existenciais do Esclarecimento na modernidade. Para Sloterdijk (2012), o
Esclarecimento, de intelectuais que pretendem desvelar a verdade aos não-iniciados (supostos
alienados), não é mais suficiente. Nesse sentido, a teoria crítica clássica5 teria falido ao vestir a
“peruca séria do cinismo” (p.45) para conferir respeitabilidade burguesa; ou seja, ao realizar a
crítica pela teoria, se distancia do objeto-causa da crítica (a ideologia). Por isso, de acordo com
Sloterdijk (2012), o cinismo é, paradoxalmente, “a falsa consciência esclarecida”; a frase mesma
é um “cinismo em estado cristalino” (p. 34):
[...] essa fórmula não se quer episódica, mas um ponto de partida sistemático, como
modelo diagnóstico. Assim, ela se obriga a revisar o Esclarecimento; deve demonstrar
claramente sua relação com o que a tradição chama de “falsa consciência”; mais ainda,
deve reconsiderar a trajetória do Esclarecimento e o trabalho da crítica ideológica em
cujo decurso foi possível que a “falsa consciência” absorvesse o Esclarecimento
(SLOTERDIJK, 2012, p. 34).
Não é apenas na modernidade que o Esclarecimento passa a ter algo em comum com
uma consciência hostil, entrincheirada em posições firmemente esclarecidas. Em
princípio, o front pode ser perseguido retroativamente até os dias da Inquisição. Se é
verdade que saber é poder, tal como nos ensinou o movimento dos trabalhadores,
então também é verdadeiro que nem todo saber é saudado com boas-vindas. Como
não há em parte alguma verdade das quais possamos nos apossar sem luta e como todo
conhecimento tem de escolher o seu lugar na estrutura de poderes hegemônicos e de
contrapotências, os meios de criar validade para os conhecimentos parecem ser mais
importantes do que os próprios conhecimentos. Na modernidade, o Esclarecimento se
mostra como um complexo tático. A exigência de que seja possível uma
universalização racional o atrai para a esteira da política, da pedagogia, da
propaganda. Com isso, o Esclarecimento reprime conscientemente o realismo cru de
doutrinas mais antigas sobre a sabedoria, para as quais não estava fora de questão a
massa ser tola e a razão ser apenas para poucos. Um elitismo moderno precisa se cifrar
democraticamente (SLOTERDIJK, 2012, p. 39).
5
Vale assinalar que a ‘teoria crítica clássica’ está sendo referida de um modo amplo e genérico, muito mais
próximo à teoria crítica marxista do que à Escola de Frankfurt.
29
convencional (SLOTERDIJK, 2012; SAFATLE, 2008). Mas o novo tipo de cinismo vai além
da ironia desvanecida; tem mais a ver com um mecanismo invertido de perversão. Portanto, a
razão cínica altera a fórmula da consciência falsa expressa em mentira, erro, ideologia ao se
incluir nela. Portanto, não mais “eles não sabem disso, mas o fazem” e sim “eles sabem o que
fazem, e continuam a fazê-lo”.
Como ressalta Safatle:
o cinismo aparece assim como elemento maior do diagnóstico de uma época na qual
o poder não teme a crítica que desvela o mecanismo ideológico [...] até porque [...] o
poder aprendeu a rir de si mesmo, o que lhe permitiu “revelar o segredo de seu
funcionamento e continuar a funcionar como tal” (ZIZEK, 2003, p. 100; SAFATLE,
2008, p. 69).
A ideologia naquele sentido clássico que mascara interesses obscuros se tornou obsoleta
para a contemporaneidade; tal obsolescência só indica que “as promessas de racionalização e
de modernização da realidade social já foram realizadas pela dinâmica do capitalismo [...] de
maneira cínica; o que significa que, de uma forma ou de outra, elas foram realizadas”
(SAFATLE, 2008, p. 69). Conforme Sloterdijk e Safatle, este é o potencial de perversão do
neoliberalismo como ideologia do capitalismo contemporâneo, que se realiza ao inverter o
discurso.
Zizek opera a mesma digressão à perspectiva marxista. Mas o ponto de redefinição
radical é precisamente na marcação do vazio ideológico, como se apresenta no seguinte trecho
Ora, se concebemos o campo social como uma estrutura que se articula em torno de
sua própria impossibilidade, somos obrigados a definir a ideologia como um edifício
simbólico que mascara, não uma essência social oculta, mas o vazio, o impossível ao
redor do qual se estrutura o campo social (ZIZEK, 1991, p. 151).
O curso “natural” da alienação ocorreria pela discordância entre o que se sabe e o que
se faz, de modo a chegar no clássico “não sabemos o que fazemos”. Essa falsa representação é
ela mesma uma inversão ideológica; tomemos como exemplo o “fetichismo do dinheiro”: as
relações sociais são suprimidas pela propriedade do dinheiro como coisa. Mas o que propõem
Zizek (1990), Sloterdijk (2012) e Safatle (2008) é que a ideologia não só dissimula a realidade
social, mas paradoxalmente mantém a realidade social pela captura das subjetividades, de modo
a alterar a fórmula: “eles sabem muito bem o que fazem, mesmo assim, continuam a fazê-lo”.
Em uma anedota, a ideologia máscara tanto quanto a água no aquário do peixe. Ou, para
usar um exemplo mais elaborado do próprio Zizek, a ideologia é como o invólucro vazio do
Kinder Ovo: “a surpresa do Kinder Ovo é que o objeto de excesso que causa o desejo está
materializado na forma de um objeto que preenche o vazio interno do chocolate” (ZIZEK,
30
Isso envolvia enfrentar o poder sindical, atacar as formas de solidariedade social que
prejudicassem a flexibilidade competitiva [...], desmantelar ou reverter os
compromissos do Estado de bem-estar social, privatizar empresas públicas (incluindo
às dedicadas à moradia popular), reduzir impostos, promover a iniciativa dos
empreendedores e criar um clima de negócio favorável para induzir um forte fluxo de
investimento interno (HARVEY, 2014, p. 32).
É significativo que sua frase mais famosa tenha sido “a sociedade não existe, apenas
homens e mulheres individuais” (THATCHER apud HARVEY, 2014). De certo, é a expressão
exata da ética neoliberal e nos auxilia a compreender ainda mais os sucessos do projeto
neoliberal, que ultrapassa os resultados de economias nacionais, enraizando-se em uma nova
ética, a ética do indivíduo neoliberal.
Na década de 80 tem-se a efetivação prática de políticas econômicas neoliberais. Após a
vitória de Reagan nos Estados Unidos, a greve dos controladores de voo foi derrotada em 1981
por uma resistência violenta à organização de trabalhadores, num contexto de aumento do
desemprego (a mais de 10% nos Estados Unidos). No entanto, o PATCO (Professional Air
Traffic Controllers Organization), que liderou a greve, era mais que um sindicato comum de
trabalhadores: era a organização de profissionais especializados que representava uma classe
média, diferente do sindicalismo da classe trabalhadora da época. Tem-se então o início do
31
Por mais que haja particularidades nacionais de classe, observa-se que ainda assim
capitalistas neoliberais agem mediados por interesses corporativistas, que nutrem o Estado
neoliberal e são nutridos por eles.
Os mais de trinta anos de políticas neoliberais envernizadas pelo nome das liberdades
individuais restauram e reconfiguram um poder de classe, mediante imensas concentrações aos
setores energéticos, meios de comunicação, indústria farmacêutica, transportes e mesmo no
setor varejista. Netto (2013) concorda com Harvey quando afirma que o “mercado de trabalho”
também tem sido reestruturado neste sentido, dado as recentes “inovações” que conduzem à
precarização, a desregulações trabalhistas e ao desemprego,
Tal estratégia do discurso neoliberal realiza-se pelo cinismo ideológico dos grupos
corporativistas por uma lógica semelhante a “Smith abroad, Keynes at home” e que na prática
impõe acumulação primitiva para política externa e intervencionismo à economia doméstica.
Na respectiva lógica, o Estado não é inconcebível com um sistema neoliberal, mas existe nas
medidas mínimas de sustentação dos mercados.
Ao tomar o Colóquio Walter Lippmann (que ocorreu em Paris em agosto de 1938) como
o evento inaugural do neoliberalismo, Dardot e Laval (2016) assinalam que os novos liberais
não rompem completamente com o intervencionismo estatal, mas o defendem a fim de
assegurar as condições de competição do livre mercado. Ou seja, “deve existir um Estado de
tamanho razoável capaz de auxiliar o mercado. O objetivo [...] não é a privatização completa,
mas a expansão da mentalidade neoliberal” (JESUS, 2018, p. 214).
Para Dardot e Laval (2016), o neoliberalismo não representa apenas um conjunto de
regras econômicas de austeridade social e maximização dos lucros privados, mas sobretudo
uma racionalidade, uma mentalidade que produz sujeitos e subjetividades que funcionam sobre
sua lógica.
Concordando com tal perspectiva, Butler (2019) observa que a nova mentalidade que
emerge do neoliberalismo é a racionalidade da responsabilização individual. Para a autora, a
racionalidade neoliberal produz uma contradição paradoxal e impossível, pois nega todas as
formas de dependência e interdependência coletiva entre os sujeitos e as instituições:
Embora “responsabilidade” seja uma palavra que circule bastante entre os que
defendem o neoliberalismo e concepções renovadas do individualismo político e
econômico, vou procurar reverter e renovar seu significado [...] Porque se, de acordo
com os que valorizam a destruição dos serviços sociais, somos responsáveis apenas
33
É um paradoxo pois ao mesmo tempo que culpabiliza a pobreza, por um discurso que
responsabiliza o pobre pela sua própria desgraça e “fracasso”, atua para minar qualquer
possibilidade de ação coletiva, extinguir qualquer noção de solidariedade ao passo que
desenvolve políticas de estado de orientação caritativa, assistencialista e pressiona os
trabalhadores a aumentarem a produtividade enquanto enxuga os ganhos salariais reais
(FILHO, 2020).
Contudo, apesar de ganhar contraste atualmente o desequilíbrio do discurso neoliberal
com princípios sociais-democratas e dos direitos humanos, a narrativa moral de
responsabilização dos mais pobres já estava presente desde Malthus. O pensamento
malthusiano era inerentemente moralista, ao considerar que o desejo sexual dos mais pobres
mantinha-se numa constante, enquanto suas capacidades de subsistência eram variáveis
intermitentes (HALL; KIRDINA-CHANDLER, 2017; MALTHUS, 1986). Os argumentos
malthusianos tiveram tamanha influência que afetaram até quadros conceituais da teoria
darwiniana da seleção natural. Em outras palavras, o pensamento do economista expressava
que o problema da distribuição (de renda, de alimentos etc.) era mais nascem do que
sobrevivem. Não se busca aqui discutir os equívocos de seu cálculo, mas assinalar que a retórica
evolucionista não é uma novidade do neoliberalismo e apontar que aqui se encontra o
pensamento de uma nova roupagem político-moral (BROWN, 2019).
Com isso, a ética neoliberal sobrevive por afirmar-se como não-ideológica, quando é. A
título de exemplo, o discurso bolsonarista, tal como analisa Guirado (2019), opera uma
perversão ideológica como estratégia discursiva. Através da análise institucional do discurso, a
autora analisa em quatro pontos o discurso de posse do presidente eleito em meio a falas
ambíguas e indeterminadas que se autodenominam não-ideológicas. Observa-se o último ponto
analisado por Guirado
Afirmar que o discurso bolsonarista é neoliberal aparenta ser incorreto, porque é mais
do que isso. Contudo, o que se observa por meio da análise de Guirado (2019) são suas
estratégias discursivas de perversão, que em atos de fala excluem e discriminam, quer parte da
população brasileira que não são seus votantes, quer parte de si mesma, de seu próprio discurso,
cuja ideologia é toda ejetada6. A perversão discursiva se encontra em excluir a ideologia de si.
Exemplo primo do cinismo ideológico.
Tendo visto a compreensão que aqui se adota da ideologia, há concordância com a
posição de Souza (2010). Apesar de todo aparato político-econômico, jurídico e institucional
acompanhado neste capítulo, há de se concordar que o neoliberalismo é sim um fenômeno
abstrato, mas não vazio de sentido. Muito pelo contrário, o neoliberalismo tem em sua
embalagem o excedente do sentido. Para concordar com Souza acerca do neoliberalismo uma
correção precisa ser feita: contraditoriamente o neoliberalismo só é oco na aparência.
Por último, mas não menos importante, pretende-se demonstrar alguns aspectos
políticos do neoliberalismo que se configuram como modo de gestão do sofrimento. Antes de
prosseguir a leituras mais atuais e críticas do neoliberalismo como modo de gestão, retorna-se
à matriz pela qual será possível pensar política, poder e sociedade.
6
“Cada um dos brasileiros é o quarto personagem. Factualmente, ao convocá-lo, coloca-o como constituinte dos
milhões de seus eleitores. Com isso, mais uma exclusão: não convoca como brasileiros que também são, seus não
votantes. Ora, outra não transparência da fala desse sujeito que ejeta de si o ideológico. A convocação, Sr.
Presidente, não foi a todos os brasileiros, como sugere o vocativo “cada um ...”, e seu discurso, mais uma vez,
carrega nas omissões e nos equívocos!” (GUIRADO, 2019, p.5).
35
No conjunto das obras de Foucault (2008a; 2005) entende-se que o poder é algo
constitutivo da subjetividade moderna. No curso Em Defesa da Sociedade, Foucault (2005)
retoma seu objeto de estudo desde o início da década de 1970; em resumo, a pergunta: como se
operam os mecanismos triangulares Poder-Direito-Verdade? Na época, o que encontrou foi a
formulação de que regras de Direito delimitam formalmente o Poder que produz efeitos de
Verdade e que reconduzem o próprio Poder. Com isso, chega à pergunta seguinte: como o
discurso da verdade, da filosofia política fixa os limites de direito do poder? Em outras palavras,
quais regras de direito lançam mão às relações de poder e produzem discursos de verdade?
Nas sociedades ocidentais medievais, a elaboração do edifício jurídico se dava por
intermédio do poder do Rei (ou poder régio). Tal dispositivo jurídico foi construído com o
passar dos séculos para instrumentalização e justificação do poder do Rei. Quando nos séculos
seguintes, o edifício do Direito volta-se contra o poder régio, o que é então questionado são os
limites desse poder e suas prerrogativas, pois a figura do Rei é a centralidade do poder e do
próprio instrumento jurídico (FOUCAULT, 2005).
O destino do sistema jurídico da época era inteiramente voltado à evicção (evitação da
perda) do domínio do Rei e de suas consequências. O Rei detinha o poder em si: em seus atos,
falas, corpo, em sua completa existência. Foucault (2005) relata que é somente na passagem do
século XVII para o XVIII que uma nova mecânica de poder se erige, contrário a este regime
absoluto do poder feudal. Trata-se de uma estratégia disciplinar do poder que extrai mais do
que bens e riquezas, mas tempo e trabalho dos corpos. Que se exerce por contínua vigilância e
se torna instrumento fundamental para a implantação do capitalismo industrial.
Ao proceder neste curso, Foucault inverte a ordem de análise: de um modo geral, como
o Direito, ao conceber a dominação como um fato, a instrumentaliza? E mais: como veicula e
aplica relações, não de soberania, mas de dominação? Não de um sobre outro, ou de um grupo
sobre outro grupo, nem mesmo do Rei em relação aos súditos, mas sim dos súditos em relações
recíprocas, de “múltiplas sujeições que ocorreram e funcionam no interior do corpo social”
(FOUCAULT, 2005, p. 32).
Talvez o ponto mais importante seja justamente uma precaução de método, como
denomina Foucault (2005), não pensar o poder como algo que se detém, mas como um verbo
que se exerce em relação.
Na conclusão do curso, Foucault aponta para uma transformação que inverte o poder
soberano – não mais “fazer morrer e deixar viver” para “fazer viver e deixar morrer”. Para o
filósofo, as disputas que ocorrem em torno dos direitos políticos no século XIX não são mais
apoiadas em um poder régio, mas agora disciplinar: deixam de aniquilar e executar, mas
aplicam técnicas de controle, treino, nascimento, produção etc. A noção de população como um
corpo múltiplo nasce disso que se nomeia como biopolítica (FONSECA, 2000); uma nova
tecnologia disciplinar que concebe uma população (dados estatísticos sobre natalidade,
mortalidade, a vigilância, o controle, a clínica etc.) como problema político.
Ora, agora que o poder é cada vez menos o direito de fazer morrer e cada vez mais o
direito de intervir para fazer viver, e na maneira de viver, e no "como" da vida, a partir
do momento em que, portanto, o poder intervém sobretudo nesse nível para aumentar
a vida, para controlar seus acidentes, suas eventualidades, suas deficiências, daí por
diante a morte, como termo da vida, e evidentemente o termo, o limite, a extremidade
do poder. Ela está do lado de fora, em relação ao poder: é o que cai fora de seu
domínio, e sobre o que o poder só terá domínio de modo geral, global, estatístico. Isso
sobre o que o poder tem domínio não é a morte, é a mortalidade. E, nessa medida, é
normal que a morte, agora, passe para o âmbito do privado e do que há de mais
privado. Enquanto, no direito de soberania, a morte era o ponto em que mais brilhava,
da forma mais manifesta, o absoluto poder do soberano, agora a morte vai ser, ao
contrário, o momento em que o indivíduo escapa a qualquer poder, volta a si mesma
e se ensimesma, de certo modo, em sua parte mais privada. O poder já não conhece a
morte. No sentido estrito, o poder deixa a morte de lado (FOUCAULT, 2008a, p. 295-
296).
Como visto nos aspectos econômicos (1.1), no decorrer do século XX ocorrem diversas
disputas em torno de políticas públicas. As políticas e programas orientadas pela social-
democracia do bem-estar social malograram e a cada dia, mais nitidamente, observa-se a
escalada de uma agenda global e neoliberal. É precisamente isso que será tratado em seguida:
como a biopolítica permanece atual?
A Atualidade Do Biopoder
O biopoder não é uma resposta final sobre os regimes atuais do poder; diversos outros
autores avançaram esse conceito. Mbembe (2018), por exemplo, assinala que o biopoder se
tornou insuficiente para dar conta das formas altamente precisas de subjugar a vida sob a morte,
criando os conceitos de necropoder e necropolítica. Preciado (2018), por outro lado, argumenta
que, no tecnocapitalismo, o poder assume as formas biomoleculares e semiótico-técnicas, que
constituem uma era, não mais soberana, nem disciplinar, e sim farmacopornográfica. Apesar de
trabalharem com a noção de biopoder, é importante assinalar que ambos os autores
desenvolvem pesquisas em campos distintos. Para esta pesquisa, no entanto, é suficiente pensar
o biopoder como uma estratégia política do neoliberalismo, de se inserir como método de
vigilância e controle de si.
O biopoder neoliberal exerce uma dupla função de “fazer viver” as vidas precárias, se e
quando lucrativo, e “deixar morrer” quando não houver mais o que explorar (MEIRELES,
2019), nos níveis materiais, produtivos, simbólicos e discursivos.
A noção de precariedade, para Butler (2018), é constitutiva de toda forma de vida, isto
porque, toda vida é passível de ser, proposital ou acidentalmente, eliminada. Mas, “a condição
precária designa a condição politicamente induzida na qual certas populações sofrem com redes
sociais e econômicas de apoio deficientes” (BUTLER, 2018, p. 46), de modo a ficarem expostas
à doença, pobreza, violência, fome e inclusive à morte.
Nas sociedades neoliberais, uma forte tendência de privatização sucedeu aos setores de
saúde, educação, habitação e previdência; em partes, com grande êxito, mas não sem
resistências. No Brasil, após aprovação da nova Constituição Federal em 1988, seguridade
social passa a ser caracterizada pelo tripé saúde, previdência e assistência social.
Foi visto por meio de Gros (2008) que a expansão das think tanks internacionalizou as
teses econômicas neoliberais através da formação intelectual de políticos, ideólogos e
profissionais que ocuparam cargos técnicos em organismos multilaterais. Em grande parte, isso
38
7
Que se tornou Ministro da Educação no governo Bolsonaro, em 2019.
39
Bonnie Honig, Ernesto Laclau e outros), a definição “do povo” atua por meio de uma
delimitação que configura os termos de inclusão e exclusão. Sendo assim, em uma
manifestação, por exemplo, não basta confiar num registro fotográfico aéreo policial para
definir quantos realmente querem tal coisa.
Mais zoom ou menos zoom não vão nos ajudar, uma vez que são justamente maneiras
de editar e selecionar o que e quem vai contar, o que significa que não podemos
separar a questão de quem é o povo da tecnologia que estabelece quais pessoas contam
ou não como o povo (BUTLER, 2019, p. 182).
8
Desconsideram-se consórcios de prestação de serviço na política de assistência social brasileira, tal como ocorre
na alta complexidade (acolhimento institucional) e eventualmente com SCFV. Isso porque os consórcios são
firmados com instituições sem fins lucrativos. Na literatura, diversas pesquisas abordam a filantropização da
assistência através da análise destas instituições.
41
individual e autossuficiência. E isso não significa ignorar as esferas públicas ou qualquer noção
de comunidade ou solidariedade, ao contrário, preserva para si (instituições privadas, altas
classes sociais, grandes empresas) o direito de escolher como falar, as técnicas de edição e
enquadramentos.
Em “A economia é a continuação da psicologia por outros meios [...]”, Safatle (2021)
argumenta que a hegemonia do neoliberalismo reitera uma estratégia discursiva baseada na
psicologização e moralização, que se dão ora no campo político, ora no campo econômico. Para
o autor, o entendimento de que o neoliberalismo é solidário a uma sociedade com a menor
intervenção estatal possível é equivocada; isto porque o entendimento está implícito apenas a
intervenção na coordenação da atividade econômica. Deve-se considerar que desde o Colóquio
Walter Lippmann, o que se defende no âmbito do neoliberalismo são “intervenções diretas na
configuração dos conflitos sociais e estrutura psíquica dos indivíduos. Mais do que um modelo
econômico, o neoliberalismo era uma engenharia social” (SAFATLE, 2021, p. 24-5).
O autor prossegue explicando que para que essa noção de liberdade possa ser alcançada
(liberdade de livre mercado, livre iniciativa, aí incluso o empreendedorismo e a
competitividade) era preciso despolitizar toda a sociedade para que as medidas econômicas
fossem tomadas. É aí que o neoliberalismo atua na transformação da gramática do conflito; na
emergência de uma nova gramática social que transfere o que há no social para o psíquico.
Tem-se então o delineamento de uma nova forma de subjetividade, toda uma nova sociedade
(DARDOT; LAVAL, 2016), da qual se recusar participar, ou mesmo criticar, pode ser visto
como uma falta moral, expressão de irracionalidade ou psicopatologia (SAFATLE, 2021). A
forma-empresa que se expande do mercado a todos os meandros da vida é uma forma de
violência.
Safatle segue com essa questão analisando as transformações que se dão no âmbito da
clínica (médica, psicológica, psiquiátrica) a partir da terceira edição do Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-III) que ocorreu no final de década de 70. De certo,
a questão foge ao escopo do atual trabalho; basta assinalar que os efeitos de tais transformações
42
não são categorizações dos modos de sofrer “dentro e fora do neoliberalismo”, mas que este
retira do sofrimento a consciência da violência.
Dunker et al (2021) analisam a partir de Meira Penna, na década de 60, como se
desenvolve no Brasil uma certa razão psicológica que posteriormente vêm a consolidar o
discurso neoliberal em diversas áreas e campos, quer na divisão do campo psicológico, na
divisão social do trabalho, ou mesmo no neopentecostalismo emergente de 1977. No primeiro
momento, os autores observam a relevância de Meira Penna na construção de uma psicologia
liberal que buscou compreender a matriz psicológica brasileira à luz da doutrina conservadora
de direita do período do regime militar. Posteriormente, este chega a ser aclamado e
homenageado por Olavo de Carvalho e Rodrigo Constantino. Outro aspecto que se conecta ao
neoliberalismo é o neopentecostalismo que se distingue do catolicismo eclesiástico de base,
como pode ser visto no Quadro 1:
NEOPENTECOSTALISMO CATOLICISMO
Baixa institucionalidade para abrir uma igreja. Alta institucionalidade (seminários, autorizações,
votos e designações).
Igrejas gestadas como empresas, por pastores Comunidades eclesiais de base pregam um modelo
milionários e retórica semelhante à de CEOs e de amor baseado na renúncia.
administradores.
Pastor como gestor de testemunhos; dispensa de Padre intérprete do texto sagrado; formação
formação. qualificada em seminários e escolas teológicas.
Nesta gramática, o sofrimento é associado à falta de fé e fracasso; a fé, por sua vez, deve
ser provada pelos “milagres e bênçãos alcançadas” (prosperidade). Novas filiais de igrejas
podem ser abertas associadas às já existentes para cumprir o chamado da evangelização, bem
semelhante ao sistema de franchising. As igrejas neopentecostais organizam uma forma de vida
e, na perspectiva de Dunker et al, “conseguiu reformular a unidade perdida entre linguagem,
desejo e trabalho, colocando em seu centro um mandamento e uma promessa: ‘Pare de sofrer!’”
(2021, p. 242), deslocando o sofrimento para a esfera da escolha subjetiva individual. O estudo
43
de Nascimento (2017) observa uma aliança entre igrejas neopentecostais e sistema político, pois
nota, com significância estatística, que em localidades próximas a um templo da IURD (Igreja
Universal do Reino de Deus) há incremento de votos no PRB (Partidos Republicano Brasileiro).
A autora argumenta que o PRB não é o partido da IURD,
mas sim um instrumento de sua ambição política. Este argumento parte do princípio
de que a igreja é o próprio partido, e o PRB seria uma estrutura oca de organização
partidária, chefiada por dirigentes da igreja e da Rede Record, utilizado
predominantemente para concentrar seus candidatos em um só partido o que reduz
custos de transação e aumenta o poder de barganha política da IURD
(NASCIMENTO, 2017, p. 116).
neoliberalismo, seguindo a tradição foucaultiana. O capítulo não buscou esgotar o tema, mas
fundamentou teoricamente a hipótese da pesquisa e contribuiu para se pensar como o
neoliberalismo surge nos discursos da gestão pública.
Previdência e Saúde. No art. 203 foi definido que “a assistência social será prestada a quem
dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social” (CRFB, 1988), com
vistas à
Foi a Constituição Federal, portanto, que definiu a assistência social como política pública
de Estado. Posteriormente, a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), sancionada em 7 de
dezembro de 1993, declarou que a assistência social é direito do cidadão e dever do Estado, e
provê os mínimos sociais por meio de um conjunto de ações integradas que incluem o poder
público e a sociedade. A Constituição abriu espaço para uma mudança de paradigmas que
ocorreu no âmbito da gestão da assistência (SPOSATI, 2005) e se efetivam pelo sexto artigo da
LOAS:
Art. 6º A gestão das ações na área de assistência social fica organizada sob a forma
de sistema descentralizado e participativo, denominado Sistema Único de Assistência
Social (SUAS), com os seguintes objetivos:
I – Consolidar a gestão compartilhada, o cofinanciamento e a cooperação técnica entre
os entes federativos que, de modo articulado, operam a proteção social não
contributiva;
II – Integrar a rede pública e privada de serviços, programas, projetos e benefícios de
assistência social [...];
III - Estabelecer as responsabilidades dos entes federativos na organização, regulação,
manutenção e expansão das ações de assistência social;
IV – Definir os níveis de gestão, respeitadas as diversidades regionais e municipais;
V – Implementar a gestão do trabalho e a educação permanente na assistência social;
VI – Estabelecer a gestão integrada de serviços e benefícios; e
VII – Afiançar a vigilância socioassistencial e a garantia de direitos.
O artigo 6-A caracteriza diferentes níveis de proteção, a saber, a proteção social básica e
a especial. Em síntese, as ofertas da política de assistência social consistem em um conjunto de
serviços, programas, projetos e benefícios que tem como objetivo a prevenção de situações de
vulnerabilidade e risco social, a reconstrução e o fortalecimento de vínculos familiares e
comunitários, a defesa de direitos e proteção de indivíduos e famílias frente a situações de
violação de direito (LOAS, 1993). A Lei também inova ao instituir o Conselho Nacional de
Assistência Social (CNAS) como instância máxima de deliberação da assistência social como
política pública (SANTANA; SILVA & SILVA, 2013).
46
É na segunda fase que o financiamento se opera fundo a fundo e, para isto, se exige que
o município tenha aderido a condição de gestão plena. No período também se implanta um novo
processo de inscrição das entidades de assistência social, por meio dos conselhos municipais
(SPOSATI, 2005).
47
6000
5000
4000
3000
2000
1000
0
2004 2005 2006 2007 2008 2009
Nº Cras
A atual redação da LOAS recebeu significativas alterações pela Lei nº 12.435/11, como
a incorporação do SUAS no capítulo de Organização e Gestão e a inclusão do Índice de Gestão
Descentralizada (IGD) como alternativa de cofinanciamento.
Apesar da Constituição Federal, de 1988, da LOAS, de 1993, e da PNAS, de 2004,
representarem expressões concretas da garantia do direito social, as versões conservadoras e
religiosas da política social não desapareceram (YAZBEK, 2020). Sposati (2005) salienta que
a proposta da assistência social como política de Direito enfrenta inúmeros percalços, de modo
48
que não se consolida uma única vez, mas pertence a processos históricos em disputas. A essas
disputas, a autora nomeia como mudança de paradigmas políticos.
Dito de outro modo, ela [a assistência social como objeto de estudo] tem sido mais
incorporada como uma atitude do doador, uma pessoa de bem que pratica um dom,
do que a garantia de um resultado real e pleno para quem “recebe o dom”. Este modo
de pensar, e agir, embora elogiável, desde a analogia com o “bom samaritano”, não se
compromete com “a viagem” do viajante, isto é, o porquê e o para quê o viajante que
chegou ao samaritano faz seu trânsito em tão precárias condições. Não se compromete
também com medidas para evitar que continuem a ocorrer “viagens” em condições
tão precárias, quer para aquele viajante específico quer para outros em situação
49
Na década de 80, os serviços assistenciais foram vistos por duas óticas análogas ao campo
da saúde: ações curativas e ações preventivas, de modo que “a população busca o curativo e o
técnico valoriza o preventivo, terminando por se desenvolverem os especialistas em uma outra
modalidade de ação [...]” (SPOSATI et al, 2010, p. 67). É nesse sentido que algumas práticas
foram lidas como remediadoras de necessidades imediatas, mas não produzem transformações
significativas em relação ao elemento causador das necessidades. Os técnicos - assistentes
sociais e psicólogos - acabam por desenvolver uma prática considerada paternalista e
burocrática, assumindo uma imagem paternal que reproduz dominações e repassam aos
usuários (denominados “carentes”) os “benefícios” que o Estado “concedeu”.
Desde sua formulação, o próprio SUAS foi marcado pela contradição de valores e
tendências, ora conservadoras, ora emancipatórias (YASBEK, 2020). Sabe-se a partir de
Sposati et al (2010) que as políticas sociais brasileiras têm sua gênese na relação capital-
trabalho. O paradigma liberal da assistência pertence à década de 1930. Foi neste período que
a revolução direcionou o Estado brasileiro para o atendimento de direitos sociais da classe
trabalhadora.
A relação capital-trabalho foi o disparador das políticas sociais no início do século XX,
dado um contexto de uma “abstinência quase que completa de iniciativas de regulação das
relações entre capital e trabalho na indústria e no comércio e nas condições de trabalho e
remuneração do mesmo no campo” (KERSTENETZKY, 2012, p. 179).
50
1930). A tese de Leal, publicada pela primeira vez em 1948, opera uma profunda análise sobre
o tema investigando fatores que perpassam o coronelismo: as atribuições do executivo
municipal, o processo eletivo, as receitas municipais, a organização policial e judiciária,
considerando o período do Brasil Colônia até 1946.
Para Leal (2012), o coronelismo representa uma aliança entre o poder público estatal e
o poder privado. Leal concebe o coronelismo como:
No período de 1891 a 1934, o representante do poder público municipal era eleito pelo
processo eletivo público e nomeado pelos governadores estaduais. As oposições políticas
sofriam uma intensa e violenta perseguição, provocada pela centralização do poder do coronel
nos municípios (COUTINHO, 2014).
A falta de autonomia legal do município era compensada por elevada autonomia
extralegal, não oficial, concedida pelos governos estaduais ao mandonismo local (FORJAZ,
1978; LEAL, 2012). A autoridade coronelista, então, recebia prestígio pela complacência do
poder público, que contribuía para a manutenção do poder coronelista. Daí a relação de
dependência mútua, a um tempo determinante e determinada.
A análise de Leal (2012) destaca que estava implícita uma ideologia no processo
eleitoral municipal, cuja peça central eram as campanhas eleitorais. O mandonismo se fortalecia
durante as campanhas eleitorais, pois era o momento em que chefes locais controlavam
rigidamente o exercício do poder político, por meio do voto. Diante da carestia da população
rural paupérrima, os coronéis expandiram seu poder pela benfeitoria e doação de bens, pois:
que o eleitor da roça obedeça à orientação de quem tudo lhe paga, e com insistência,
para praticar um ato que lhe é completamente indiferente (LEAL, 2012, p.30 -31).
A análise de Pereira (2002) trata do contexto do Norte de Minas em meados dos anos 50,
de intenso crescimento populacional concomitante à agudização dos problemas sociais. Entre
os atores institucionais que atuavam sobre a questão social, o autor destaca a Associação das
Damas da Caridade, dirigida pelas esposas das principais lideranças políticas. Os achados do
historiador corroboram com os modos de participação da mulher na vida política local descritos
por Pimenta (2016, p. 58):
A entrada da mulher na vida política [...] acontece através de duas grandes vias: por
meio das relações familiares, quando o capital político foi acumulado por meio do
reconhecimento da família pertencente na figura dos pais, maridos ou irmãos; ou ainda
quando a mulher já possuía uma trajetória de participação política. O primeiro-
damismo é claro exemplo da entrada feminina na política por via familiar, entretanto
reflete a lógica do capital político que tem a função de manter o poder em detrimento
do interesse privado. Desse modo o poder simbólico consolidado nessa função política
mantém a hierarquia de gênero e a relação de dominação masculina ao passo que se
constitui uma função intimamente ligada e subordinada à figura masculina no poder
executivo.
Para Pereira (2006), durante a República Nova o regionalismo ganhou um novo fôlego.
Nesse período, de predominância das ideias desenvolvimentistas, os projetos estatais de
industrialização confluíram com as demandas dos grupos regionais. Diante disso, os grupos
57
denomina Costa (2019). Como efeitos da expansão capitalista, o autor assinala um processo de
modernização do campo, com vistas a reprodução do capital na região e a emergência de um
tipo de sociedade cosmopolita (COSTA, 2019; CARNEIRO, 2005).
Mas essa é apenas a superfície das relações sociais norte-mineiras, pois Costa conclui
que sua estrutura social é organizada como uma pirâmide, onde no topo está o coronel e sob ele
os agregados, vizinhos e compadres. Para Costa (1997), a relação produtiva do sertanejo com a
terra, os animais e o território adquirem significados próprios.
Os achados de Pereira (2002) contradizem a ideia de cordialidade e harmonia social na
vida cotidiana de Montes Claros no século XX. De acordo com a pesquisa de Pereira,
verificava-se insatisfação na vida cotidiana, muito mobilizada pelo aumento de preços,
desemprego, condições insalubres de trabalho, greves, protestos, abaixo-assinados entre
coletivos, entidades associativas, sindicatos e outros atores. O ápice da pauperização em Montes
Claros se deu no final dos anos 50 e a resposta dada aos problemas sociais pelos grupos
dominantes foi o favor, a ajuda individual e medidas paliativas, que correspondem com os
traços do coronelismo (PEREIRA, 2002).
59
O que é um método? Uma simples pergunta que não prescinde a todo trabalho acadêmico,
sobretudo na pós-graduação. É comum ouvir dizer que um método é indispensável para se
realizar qualquer análise, interpretação, intervenção ou tratamento de um objeto científico.
Tanto que o método corriqueiramente se tornou compreensível pelo bordão “uma maneira de
se chegar à”. Mas no contexto da vigente pesquisa, o retorno à pergunta de base se faz
necessário.
No segundo capítulo da parte IV da História da Sexualidade I, Foucault (1985) manifesta
que o método, além do entendimento comum, é uma estratégia de pensamento, ou seja, um jeito
de pensar um conceito. No contexto da pesquisa de Foucault, quando este se põe a pensar sobre
um certo tipo de saber sobre o sexo, a estratégia utilizada não foi pensar sexo em termos de
repressão, mas nos termos da categoria “poder”. Portanto para Foucault, o método é uma
estratégia para se pensar as relações de poder. Isso não é precisamente explícito, visto que
método só é citado uma única vez no texto além do título, mas é o que se entende, conforme
Guirado (2009), quando a estratégia conceitual organiza um modo de análise.
Por definição, é o método que caracteriza os termos de uma pesquisa: o que vai ser
entendido como sujeito, objeto, campo, quais serão os recursos analíticos, as estratégias, os
pontos de vistas e a teoria. É também o método que classifica a ordem dos textos e
acontecimentos, de tal modo que diferentes métodos podem significar resultados
completamente opostos.
Como afirma Bourdieu (1989), o objeto não é dado, mas construído. E isso significa
colocar em causa as partes pré-construídas do objeto, ou seja, não tomar o objeto por completo,
pronto ou já devidamente constituído por suas partes, mas submetê-lo ao processo de
desconstrução e reconstrução.
Semelhante à Foucault, Bourdieu (1989) também sugere que se pense o objeto
relacionalmente, mas aqui diante de uma falsa oposição que gira em torno de uma “teoria” em
oposição à “metodologia”. Para o sociólogo “as opções técnicas mais empíricas são
inseparáveis das opções mais teóricas de construção do objeto” (p. 24).
60
Diante disto, importante pontuar que nessa pesquisa as questões metodológicas não se
iniciam aqui, mas desde o início do trabalho, quando se opta por abrir a pesquisa abordando o
neoliberalismo nas esferas econômicas, ideológicas e políticas. Abordar teoricamente o
neoliberalismo, delineando limites e acentuando as apostas que aqui se fazem, assenta o
caminho para responder à pergunta originária da pesquisa e consequentemente a respectiva
hipótese: de que maneira os discursos de gestores da política de assistência social no norte de
Minas performam o neoliberalismo?
As palavras escolhidas, a ordem dos capítulos, dos textos que são escritos em momentos
diferentes de um processo contínuo, as bibliografias consultadas e referenciadas, estas e outras
são todas questões metodológicas das quais Bourdieu (1989) alerta vigilância epistemológica.
O autor chama atenção aos vícios da tradição da sociologia americana que, baseada numa
espécie de “fetichismo da evidência” (p. 24), muito influenciada pelo positivismo, só toma
como concreto dados empíricos observáveis.
Acredita-se aqui que se o neoliberalismo existe, em qualquer esfera que queira, só existe
como resultado de algo produzido socialmente. Negar sua construção já é em si uma construção,
pois como Bourdieu (1989) assinala, é um registro, uma confirmação de algo já pré-construído.
Ao tratar acerca do neoliberalismo e das políticas sociais realiza-se também uma outra
sugestão bourdiesiana, que é realizar a história social da emergência desses problemas (aqui
relativos aos efeitos do neoliberalismo), ou seja, para além de responder “o que é o
neoliberalismo” traçar um percurso sobre seus modos, agentes, histórias, processos sociais,
sobre o quê incide e como? Necessários apontamentos que ilustram a importância de pensar
relacionamente “teoria” e “método”.
Contudo, ao tomar o neoliberalismo como um produto social aproxima-se do objeto: os
agentes que o produzem. No contexto de políticas sociais, em específico de políticas de
assistência social busca-se ouvir àqueles que a produzem e reproduzem no maior cargo
executivo municipal (em termos da hierarquia administrativa): os gestores.
No trecho acima não está explicito, mas Guirado está falando da Filosofia Analítica de
John L. Austin, que desenvolveu a Teoria dos Atos de Fala. Resumidamente, no interior da
Teoria de Austin, os atos de fala podem ser caracterizados como constatativos e performáticos,
sendo os constatativos aqueles que constatam uma realidade dentro dos registros
“verdadeiro/falso”, e os performáticos aqueles que não se submetem ao registro de verificação
da verdade (Rodrigues, 2012).
O que diferencia a análise pragmática da interpretação é “a consideração do contexto para
a produção do sentido” (GUIRADO, 2009, p. 209). Para Guirado, a análise é pragmática porque
não se atém estritamente e exclusivamente ao que o falante diz, mas ao todo. Ao contexto, à
cena, às condições enunciativas, situações e atuações. Suspendendo uma vontade de saber e
podendo lançar inclusive suspeitas à pessoa que analisa. A análise é institucional porque o
recorte é institucional, de modo que não se pode partir de todas as dimensões possíveis, mas é
necessário operar um recorte.
Por mais que se entenda que, por exemplo, o ato de dar cesta básica a um usuário da
assistência social está relacionado com toda uma prática assistencialista, filantrópica e
caritativa, de um ponto de vista crítico, o reconhecimento disso vai depender diretamente do
contexto, das legitimações que se dão nas relações sociais, das instituições que se formam.
Assim, dar a cesta básica pode ou não ser uma prática assistencialista. E isso não vai depender
unicamente da repetição, mas de todo o jogo de forças e poder tensionados na relação de
clientela, entre os agentes e os clientes da instituição.
Outros importantes conceitos mobilizados por Maingueneau, como Gênero Discursivo
(GD) e cena genérica, consideram também atores institucionais. A cena é o quadro que vai
definir os papéis ativados nas relações (GUIRADO, 2009). Em obra anterior Maingueneau
(GUIRADO, 2000) apresenta um exemplo: quando se vai comprar um carro, o que se espera é
uma relação entre vendedor e comprador; contudo, se o vendedor for uma mulher e o comprador
um homem pode-se estabelecer uma espécie de “conflito entre os papeis de gênero discursivo
e os ‘sujeitos reais’” (MAINGUENEAU em GUIRADO, 2000, p. 97), de modo que o homem
pode tentar seduzir a vendedora para seus fins, criando uma tensão que extrapola as expectativas
da relação vendedor-comprador. O GD, por sua vez, “apara as arestas” das expectativas que
surgem da relação social.
Por fim, conforme Guirado (2009) é preciso definir um recorte do quadro para que se
possa operar uma análise. O quadro analítico da pesquisa consiste no recorte do Norte de Minas,
64
Análise
Institucional
do Discurso
É com esse recorte que se busca compreender o que está em jogo nos discursos. Como
visto no capítulo anterior, é a PNAS que organiza as direções do trabalho do gestor; é o Gênero
Discursivo que permite analisar as condições de enunciação do discurso; e a partir do
entendimento de que o trabalho é mediado por recursos diversos, dos quais, sobretudo, o
financeiro vem sendo esvaziado por um contexto neoliberal maior, que será analisado o que
fazem estes gestores.
3.3 O CAMPO
Fonte: IBGE
Elaboração: CAMPOS, C. B. (2022)
O mapa seguinte (figura 6) apresenta a razão entre pessoas elegíveis para receber o
Auxílio Emergencial em 2021 quando comparado com a população municipal. No mapa mostra
uma baixa elegibilidade da população da microrregião, o que provoca dúvidas quanto ao
alcance do Auxílio Emergencial. Há de se investigar se a carência seria dos próprios
equipamentos públicos em manter os dados do CadÚnico atualizados ou se há dificuldade de
acesso da população aos sítios eletrônicos disponibilizados pelo Governo Federal. Na
microrregião, apenas Juvenília apresenta elegibilidade superior a 20%, ou seja, a cada 10
habitantes do município, apenas dois seriam elegíveis ao Auxílio Emergencial.
72
A figura 7 mostra o mapa com a razão entre a população elegível ao Auxílio Emergencial
e pessoas empregadas com emprego formal. Todos os municípios apresentam percentual
superior a 200%, com exceção de Matias Cardoso (154,3%) e Itacarambi (184,6%). Em Icaraí
de Minas, por exemplo, havia 4,58 pessoas recebendo Auxílio Emergencial para cada pessoa
com emprego formal. Na microrregião de Januária, eram 2,60 pessoas recebendo Auxílio
Emergencial para cada pessoa com emprego formal, índice superior ao observado no Norte de
Minas (1,46) e no Estado de Minas Gerais (0,74). O padrão apresentado pela região é de maior
demanda por benefícios do que contribuição previdenciária.
73
Figura 7 – Razão entre pessoas elegíveis para receber o Auxílio Emergencial em 2021 e
pessoas empregadas com emprego formal em 2020(em %).
TABELA 3 – Percentual de Municípios com Estrutura Administrativa Exclusiva para Assistência Social
Com estrutura na área de Assistência Social (%)
TOTAL Total Secretaria Secretaria Setor Setor Fundação
BRUTO Exclusiva de Associada a subordinado subordinad Pública
Assistência outras a Chefia do o a outra
Social Políticas Executivo secretaria
Setoriais
Microrregião 16 100 93,75 6,25 0 0 0
de Januária
Norte de 89 100 88,76 7,86 0 3,37 0
Minas
Sudeste 1668 100 78,2 13,4 5,9 2,3 0,1
Brasil 5570 99,9 75,4 20,4 2,5 1,6 0,2
Fonte: Pesquisa de Informações Básicas Municipais – Suplemento Assistência Social, 2014.
Gráfico 3 - Percentual de municípios que executam serviços socioassistenciais (%) - Brasil 2013/2018.
100
80
60
40
20
0
Executam serviços Serviço de Proteção Serviço de Proteção
Social Básica Social Especial
2013 2018
Foram realizadas oito entrevistas, sendo seis virtuais por meio da plataforma Google Meet
e duas presenciais na sede das secretarias de assistência social de dois municípios. Todas as
entrevistas foram gravadas e transcritas. Os participantes foram numerados com o objetivo de
impossibilitar a identificação, conforme o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Em relação aos gestores entrevistados, três são homens e cinco são mulheres. Suas
formações são em Serviço Social (4), Educação Física (1), Pedagogia (1), Enfermagem (1) e
Administração (1). Entre eles, um gestor possui duas graduações e um gestor não possui ensino
superior. Dos 8 entrevistados, 6 estão na primeira gestão, 1 na segunda e outro na terceira. 7
77
gestores assumiram o cargo por contratação temporária e apenas 1 possui vínculo por meio de
concurso público.
Os resultados serão apresentados em três partes: I) classificação dos discursos em a)
Gestor qualificado e comprometido, b) Gestor não qualificado, mas comprometido e c) Gestor
não qualificado e não comprometido; II) identificação de convergências e divergências nos
discursos e, por fim, III) uma análise das categorias mobilizadas pelos discursos.
Entende-se como qualificado quando se encontra no discurso uma postura crítica sobre o
trabalho que se exerce, postura que parte de conhecimento técnicos e os ultrapassa,
problematizando-os.
O comprometimento se verifica quando o gestor ou a gestora demonstra no conjunto do
seu discurso implicação com o que diz. Ou seja, há uma tomada de responsabilidade no discurso
que é perceptível, tangenciável. Com isso, o comprometimento está para uma experiência assim
como a qualificação está para o conhecimento.
O conjunto do discurso de três gestores se apresenta no contexto dessa pesquisa como
qualificado e comprometido. Dois se classificaram como não qualificado, mas comprometido.
E três foram classificados como não qualificado e não comprometido.
“nós não atuamos assim, nessa perspectiva de fiscalização, porque nosso público
realmente nos traz demandas muito simples e urgentes, sabe? É diferente dos
municípios maiores que você tem que fazer uma busca mais detalhada do perfil de
renda né, então até por conta dessa carência, o acesso a emprego aqui é um pouco
restrito. O maior empregador hoje ou é a prefeitura, ou o projeto Jaíba que está a,
mais ou menos, quarenta quilômetros. Então o perfil social do nosso município,
infelizmente, é um perfil de poder aquisitivo bem baixo, então não se faz necessário
essa busca de materializar, de fiscalizar... Acaba que a gente tem que trabalhar muito
mais... Fortalecer a autonomia, no desligamento, porque faltaria justificativa para
manter as famílias, é um município pequeno, né... Então a questão social se faz muito
presente” (Gestora III).
“[...] nós não temos a proteção social especial, [...] eu não tenho os equipamentos,
mas eu tenho uma extrema demanda. Eu atendo. É aquela questão: você não tem um
médico cirurgião - nós não temos um médico cirurgião, mas nós temos que fazer pelo
menos umas suturas, algumas cirurgias para poder alguns pacientes não morrer,
senão você fica numa situação muito complicada. Ou você atende mesmo não sendo
especialista na área, mesmo não tendo o equipamento, ou você deixa aquele paciente
morrer. Assim é a assistência social” (Gestor IV).
“[...] o ponto de partida hoje, eu vejo que não seria o recurso pouco, dependeria uma
certa quantidade de recurso para a primeira sanação (sic) do município, a questão
da documentação civil básica. Hoje eu falo que ele é o marco do município, devido a
isso... Nos dificulta em diversas situações quanto à área da saúde, quando aquele
usuário precisa, ele não tem a documentação civil básica. Então assim, e isso a gente
sabe que não é com pouco recurso. Nós temos a aldeia [...], a gente pagou a foto para
poder emitir a identidade porque a pessoa não tem condições, e assim, foi para a
comunidade toda, não foi só para uma pessoa. Então é onde que falta, essa
documentação deveria ser gratuita em casos específicos” (Gestora VII).
Por outro lado, dois discursos foram classificados como não qualificado, mas
comprometido. Os indicativos se encontram nos trechos abaixo:
“O município tem a questão do assistencialismo, quanto menor ele é, ele acaba tendo
a questão do assistencialismo e eu querendo ou não também sou um pouco
assistencialista por ter vindo do serviço voluntário a gente tem dificuldade de dividir
essas coisas: a parte técnica e o assistencialismo. Então, dessa forma, logo no início
eu vi a necessidade de alimentação, de buscar, de fazer parcerias... Conseguimos aí,
acho que foi, duas carretas de alimentos de Jaíba e, enfim, aí foi cestas básicas,
alimentos... Alguns programas que estavam parados dentro do SUAS que é o Criança
feliz que estava parado, hoje tem um ponto do Criança Feliz mas o pessoal está
concentrado aqui e as reuniões fazem lá no salão. Hoje está funcionando” (Gestor
V).
O primeiro trecho, consiste numa resposta de um gestor frente a uma pergunta sobre sua
experiência. Este gestor não possui conhecimento técnico referente à assistência social, não
possui formação superior conforme recomenda a NOBSUAS-RH, e o único comprometimento
é com seu “dever religioso”. Essa entrevista levantou questões que vão além dos objetivos da
pesquisa, por exemplo: como estabelecer um parâmetro de comprometimento para culturas
diversas, muitas vezes de base religiosa?
Sabe-se que o “dever religioso” não é compatível com o paradigma democrático do final
do século XX, mas é compatível com o pensamento social do século XVIII. Sendo assim, se o
público-alvo possui a expectativa do “dever religioso”, o comprometimento desse gestor deve
ser reconhecido? Para os fins da atual investigação, o comprometimento religioso foi
considerado pois envolve o gestor em um papel, mas a questão está longe de ser resolvida e
pode ser trabalhada em futuras pesquisas.
O segundo fragmento adentra à questão histórica do assistencialismo na política de
assistência social. O gestor elabora uma autocrítica sobre as reproduções que faz do
assistencialismo, como um modo de manter-se alerta a algo que não deve se repetir. É notório
o comprometimento quando no decorrer da entrevista ressalta esforços para a garantia dos
mínimos sociais, bem como a execução dos programas de acompanhamento familiar, alimentar
e de desenvolvimento humano.
Por fim, três discursos foram classificados como não qualificados/não comprometidos.
Os indicativos são os trechos:
80
“E aqui não pára. É 24 horas. Esse cargo de secretária é 24 horas, o telefone não
pára, toda hora, não tem feriado, sábado e domingo. Toda hora pedindo, pedin...
[RISOS]. E a assistência social eu falo o seguinte [...] é um lugar... as pessoas vem
na esperança de ser resolvido os seus problemas, porque é onde ... é o último recurso
que eles chegam aqui falando, porque às vezes ela vai na saúde procurando uma
coisa que não é da saúde, que a saúde resolve. Ela vai na secretaria de obras, não é
obras. Na educação, não é educação. Então ela vem, as vezes vai na prefeitura, ela
vem... a referência é a assistência social. Porque as pessoas têm a referência de que
aqui é o lugar que a gente costuma dar as coisas, dar cesta básica, dar telha [RISOS]
a gente não dá telha, óbvio. Mas as pessoas vêm com esse pensamento na cabeça, que
a gente faz isso. E na verdade é um pouco de mito. Como falar “ah, a assistência
social é pra todos”, como eu falei, não é pra todos. É pra aqueles que estão em
situação de vulnerabilidade. O SUS, saúde, é pra todos. Mas o SUAS não é pra todos,
é pra aquelas famílias que estão em situação de vulnerabilidade” (Gestora 1).
“[...] faço atendimento direto com as pessoas, os mais necessitados. Porque muitas
coisas que chegam até o CRAS só eu mesmo pra poder ver se tem como ou não, porque
a gente que tem acesso às contas dos programas. Muitas vezes a pessoa quer uma
coisa que o programa não pode pagar” (Gestora VI).
“O papel do órgão gestor no município além de .... de ... ele tem que realizar,
monitorar, avaliar, ter resultados, mostrar resultados. Ele precisa ser uma pessoa
que ele fica além da cadeira da secretaria. Ele precisa ser uma pessoa que
compreenda toda essa dinâmica de serviços, programas, projetos. Ligado a todos os
equipamentos e ter uma compreensão maior disso. Acho que o órgão gestor não é só
a ... o local só sentado, só de cadeira. Ele precisa conhecer o território no qual ele
trabalha e qual é a demanda desse território, pra depois daí ele agir sobre isso. E
fazer esse monitoramento, acompanhamento pra que o município saia dessa
condição, desse estado de vulnerabilidade. de necessidade .... aqui os usuários são
muito dependentes da assistência, são muito assistencialistas. Eles... tudo é
assistência social, tudo é assistência social, e isso é muito ruim.
[...] Sei que vai ter pessoas que não vão conseguir saí (sic) desse estado, dessa
condição. Mas, acredito que a gente consegue uma proporção grande, uma maioria
de usuários que saia dessa condição só de ... ser mantido pela assistência. Ele precisa
ter outro recurso, ter uma mão de obra que ele tenha um recurso, que ele possa se
garantir, se manter, além da assistência” (Gestora VIII).
Os dois primeiros trechos são respostas a uma pergunta sobre o cotidiano do trabalho
dos gestores. É possível observar na primeira resposta o tom de reclamação em relação às
demandas do público. A gestora fala sobre seu papel como a responsável por selecionar quem
possui o direito do benefício eventual ou não. Na tentativa de mostrar-se coerente ao Art. 203
da CF88, a gestora enfatiza o contrário do que o artigo prevê – destaca o aspecto excludente
(“não é para todos”) contrariamente à “a assistência social será prestada a quem dela necessitar
[...]” (CF, 88). São em situações como esta que se tem sinal do cinismo ideológico apresentado
no primeiro capítulo.
A segunda resposta, de outra gestora, condiciona o papel da gestão ao papel da
fiscalização e afirma “só eu mesmo posso atender”, devido o acesso às contas da secretaria. O
que se observa dessas duas respostas é que as gestoras atuam reativamente, apenas em função
da resposta a um pedido de benefício eventual.
81
Quanto ao último relato, também se observa uma queixa em relação a postura do público
atendido e uma tentativa de mostrar-se à par das exigências técnicas e normativas da política
de assistência social. Destaca-se dessa resposta a reprodução de preconceitos e que o caráter do
assistencialismo é atribuído à população
Em geral, verificou-se pela análise dos discursos que há mais gestores não qualificados
(5) do que qualificados (3) em atuação nos municípios pequenos do norte de Minas. No entanto,
esses mesmos gestores podem ou não estar comprometidos com sua atuação, de diversas
maneiras, ainda que possa haver maior comprometimento com o dever religioso do que com o
exercício da gestão democrática do SUAS.
9
Pelo Decreto nº 8.869, no dia 5 de outubro de 2016 no governo de Michel Temer.
82
O que se observa é que o programa Criança Feliz surpreende pela continuidade dos
repasses, visto que o contexto é de redução do orçamento no nível federal para a Assistência
Social. Esse, inclusive, é o ponto de maior convergência no discurso dos gestores:
“meu maior desafio hoje é, sem dúvidas, a redução do orçamento, né... A nível
Governo Federal. Estamos num momento onde a assistência teve aí uma drástica
redução dos recursos, né... Federais... E foi num momento muito complicado porque
né... Pandemia! A área social, apesar de não ser reconhecida num primeiro momento
como linha de frente, a demanda social, ela veio assim, de maneira avassaladora,
né... Então meu maior desafio, realmente, é a discrepância entre o aumento de
demandas e a redução dos recursos. Então isso ficou muito claro, a importância do
gestor, que no nosso caso, por exemplo, ele precisou investir muito mais no social,
mas ainda assim, eu acredito que a maior dificuldade, o desafio, é realmente a
redução dos recursos que a gente teve a nível federal” (Gestora III).
“A gente tem... recebe pouco recurso né. Nós não conseguimos mesmo agora nessa
questão de pandemia que a gente tá vivendo, foram distribuídos alguns outros
recursos é... devido o covid, para a gente tá assistindo melhor as famílias. Porém
ainda assim, é muito pouco pra demanda que a gente tem, que é muito grande. E na
área de moradia também, a gente praticamente nem tem recurso para essa área. A
gente tem que ta tendo o apoio da gestão municipal em relação a moradia, porque a
gente não tem recursos para essa área. Então é mais ou menos por aí. A gente
precisaria ter um pouco mais de recursos. O piso mineiro, por exemplo, que é muito
pouco que a gente recebe e é o recurso que a gente pode estar atuando nessa área né,
de um aluguel social ... de um levantamento, de um socorro de um vento, um
destelhamento de alguma residência. Mas assim, a atenção mesmo como um todo na
área de moradia é muito carente porque a gente não tem recursos para essa área”
(Gestor II).
“Então um dos principais [DESAFIOS], que possivelmente vai ser quase que
unânimes, um dos maiores desafio (sic) é a gente fazer gestão e fazer serviço social
sem uma rubrica orçamentária específica que te dão um crivo fixo de um
planejamento. Então a assistência social quase que em sua totalidade, ela tem sido
uma pauta não prioritária, e aqui essa pauta não prioritária se dá nas instâncias
estadual, federal principalmente e muitas vezes municipal. Aqui no meu município a
gente ainda tem conseguido muito uma questão de um aporte do financeiro da gestão
municipal que é o que mantém hoje toda a estrutura e todo os serviços da assistência
social” (Gestor IV).
“Então assim, o desafio é muito grande, quando tem da assistência né?! A gente tem
esse desafio por conta de recurso. A gente tem as demandas, tem o trabalho a ser
feito, mas a gente tem que desenhar tudo, tem que programar tudo para não
ultrapassar o que a gente tem. Mas, infelizmente, mesmo assim a gente não consegue.
Se não vir o apoio da administração, da fonte saindo lá pra gente [...]” (Gestora V).
Por outro lado, apesar das convergências sobre a redução orçamentária, não significa que
impossibilita um trabalho qualificado. Como visto na primeira parte, três gestores relataram
experiências consideradas como qualificadas e comprometidas, do ponto de vista da análise
83
“Só pra você tem noção, o programa Criança Feliz, nós pegamos e a gestão não
deixou pra nós nem a senha, nem acesso, nem cadastro do usuário. Então nós tivemos
muita dificuldade, inclusive a gente entrou em contato com o pessoal da SEDESE
colocando essa situação. Nós tivemos que começar do zero aqui o que não é do zero,
porque as crianças que estão cadastradas não estão excluídas, e quando a gente
iniciou o programa, começou o acesso” (Gestora VII).
“Eu tenho reuniões constantes com os conselhos municipais, com equipe técnica...
Também atuo na parte de organização e planejamento financeiro né, e pra isso é
necessário essas reuniões com os conselhos, com os técnicos, com a gestão, as outras
secretarias também, a gente tem essa necessidade... As principais são: saúde,
educação, finanças, o jurídico, né. E assim a gente vai planejando, executando... A
rotina é basicamente essa” (Gestora III).
“[...] Fora as questões que nós temos aqui dentro de um cronograma de trabalho,
algumas pautas que já são específicas. Geralmente já são trabalhadas no início de
mês. Geralmente no início de mês eu reúno com os coordenadores, as coordenações,
para a gente estabelecer quais que são as metas e as ações que serão trabalhadas
durante o mês vindouro né. Baseado nessas metas a gente já tem um cronograma de
10
Novos profissionais foram contratados no dia anterior à data da entrevista.
84
trabalho e esse trabalho se dá com essa equipe. Então todos trabalham com essas
metas, pré-estabelecidas né” (Gestor IV).
O trabalho intersetorial não é “OK”, e se é dito de tal forma então vale lançar dúvidas sobre sua
existência.
Também relacionado ao trabalho intersetorial, dois gestores relataram que as ações
propostas pelo Selo UNICEF promovem o trabalho intersetorial. O Selo UNICEF é um selo de
reconhecimento oferecido pelo Fundo das Nações Unidas para a Primeira Infância (UNICEF)
aos municípios que aderirem e cumprirem com determinados requisitos.
“Nós estamos com um trabalho agora, que é um trabalho em rede, nós fizemos adesão
ao Selo Unicef, que é uma forma do Selo que também traz a tona a questão desse
trabalho em rede. Ele é bem sensível nessa questão do trabalho da rede. E esse
trabalho faz com que todos, saúde, educação e assistência social consiga fazer um
trabalho voltado para jovens e adolescentes de, salvo engano de 10 a 17 anos. Então
a gente conseguiu avançar bastante nessas aí. Mas ainda tem alguns passos
importantes, mas é um caminho longo ainda a trilhar, até ter um trabalho de
excelência em rede mesmo” (Gestor IV).
“[...] hoje a gente tá concorrendo com o Selo UNICEF e conselho CMDCA tem um
papel fundamental dos foros que vai acontecer agora feito pelo CMDCA... Então
assim, por não estar alinhado, a gente tem essa dificuldade, sabe? De fazer no papel
mesmo” (Gestor V).
“[...] A dificuldade aqui é muito grande. Você vê, estamos implantando o conselho
do idoso, nesse momento nós temos demanda de 5 idosos sendo espancados. A
promotora entra em contato e diz assim “mas vocês têm que acionar o ministério
público”, em uma reunião online com ela eu coloquei “sim, doutora, mas qual a nossa
preocupação? Você vai, faz a denúncia, o idoso volta pro mesmo teto. Ele está
correndo muito mais risco do que antes.” A gente foi junto à GRS Januária solicitar
apoio e suporte para que a gente pudesse criar a casa do idoso [...]” (Gestora VII).
“Não temos essas denúncias. As vezes a gente até estranha não ter essa demanda,
porque bom seria se fosse porque não está tendo, não está acontecendo. Eu vejo que
falta um trabalho com as famílias, com as comunidades, alertar o que é a violação de
direito. Porque as vezes eles acham que a violação de direitos é só o ato, né? Falo
quanto a questão do abuso sexual, as vezes eles acham que é só o ato. Eles não sabem
que acariciar ou alguma outra coisa do tipo, violação no sentido de violência física
mesmo, questão do trabalho infantil... Então assim, precisa mostrar pras
comunidades que essas também são violações de direitos. E as vezes por a
comunidade não conhecer, não surge, não chegam as demandas. Mas acontece, tem
tido uns casos aí” (Gestor V).
87
Nessa última parte serão postas em diálogo os discursos analisados com a construção
teórica deste trabalho. Em linhas gerais, pode-se observar que os gestores legitimam mais os
benefícios eventuais do que programas e serviços, de modo que os benefícios eventuais
constituem o carro chefe da assistência social. Ao longo dos primeiros capítulos desse trabalho,
encontrou-se outras categorias além do neoliberalismo, como o coronelismo e o
assistencialismo. Será verificado adiante quais categorias são disputadas discursivamente. Ou
seja, não se trata de uma separação territorial ou individual, mas que se opera no âmbito do
discurso.
A princípio, três gestores (III, IV e VII) correspondem à expectativa do paradigma
democrático da política de assistência social. Do ponto de vista técnico, apenas VII mostrou
limitações técnicas e, ainda assim, no decorrer do discurso foi possível identificar um esforço
significativo em garantir o direito à Documentação Civil Básica para o público majoritário –
povos indígenas e comunidades tradicionais. Os gestores III e IV, considerando as limitações
que foram previstas no Quadro Analítico (PNAS, recursos financeiros e humanos, o contexto
norte-mineiro e os gêneros discursivos), executam uma gestão exemplar na medida do que é
possível.
Dois gestores (I e II) reproduziram aspectos do paradigma liberal assistencial, como
caracterizado no capítulo dois. Os achados confirmam a versão conservadora e religiosa da
política de assistência social, que não deixou de existir com a mudança paradigmática descrita
por Sposati (2005; 2010) e Yazbek (2020). Duas gestoras (VI e VIII) não só mantêm
características do paradigma liberal assistencial, como também reproduzem características do
coronelismo em seu discurso. É sabido que o coronelismo não está estritamente relacionado a
uma figura estereotipada do coronel, mas constitui-se pela integração de diversos elementos
que mantém uma relação de poder com base no favor e na caridade (PEREIRA, 2002). Portanto,
quando foi dito
88
Não houve somente uma descrição das situações que envolvem o benefício eventual, ou
o encaminhamento dado às principais demandas. O relato não foi queixoso, mas reforçou a
preferência pelo atendimento direto à população (algo que não é esperado para o papel da
gestora) e que condiciona o “favor” do atendimento à fiscalização da necessidade. Conferir a
“real situação da pessoa” nunca foi o objetivo da política de assistência, e é precisamente a
falta de delimitação sobre o trabalho assistencial que abre margens para o favor, o “jeitinho” e
a ajuda não qualificada. O achado confirma uma divergência teórica descrita por Pereira (2002),
de que o coronelismo não se dissolveu, nem com a Constituição de 34, nem com a de 88. A
pesquisa encontra a manutenção do coronelismo, uma atualização, agora em uma nova era.
Quanto a gestão da política pública, os achados desta pesquisa corroboram com os de
Sátyro e Cunha (2019), de que o “desconhecimento” dos gestores se soma a outros fatores
dominantes, como baixa qualificação, alta rotatividade de profissionais e questões políticas
locais que contribuem para a ingerência da política pública.
Também um único gestor (V) evidenciou aspectos neoliberais no discurso, sobretudo
por defender que o público atendido não tem “a questão do empreendedorismo”. O gestor
complexifica o trabalho socioassistencial por trazer uma suposta crítica ao assistencialismo:
“O município tem a questão do assistencialismo, quanto menor ele é, ele acaba tendo
a questão do assistencialismo e eu querendo ou não também sou um pouco
assistencialista [...].
É mais a questão do público, né? Eles acham que é dever. Assim, é claro que é dever
da assistência, né... Ajudar nesse sentido. Mas só que eles acham que é dever,
obrigação todo mês a gente dar esse suporte, esse apoio. Tanto financeiro [...] O
benefício, né ... Auxílio funeral, a questão da cesta básica, você está entendendo? E
aí eu acho que é mais isso, o pessoal eles não têm assim a questão do
empreendedorismo, de trabalhar, de plantar uma horta... Aí eles ficam esperando da
gente nesse sentido, esse apoio, sabe? E a gente sabe que não é assim, um papel da
gente. É uma das outras coisas que a gente tem tentado estimular as pessoas a
levantar a autoestima das mulheres, levantar a autoestima da comunidade pra
trabalhar, pra desenvolver o seu pão de cada dia, pra fazer acontecer, você entendeu?
Porque a gente vê que tem famílias que tem condição de fazer alguma coisa, que tem
um terreno, tem um quintal, pode criar uma galinha... Então a gente precisa fazer
isso, né... Em vez de dar o alimento, em vez de dar o recurso.
Porque senão, “ah, cortou minha luz”, vai lá na assistência, “dá um jeito pra mim,
vê o que pode ser feito?” A gente resolve. Aí depois, corta de novo... Então assim, tem
que quebrar isso “(Gestor V).
“[...] eu creio que minimiza, sabe? Igual quando eu falo mesmo de empreender, ou
construir, ou plantar o seu alimento, você planta ali uma batata doce, né, muito
forte... As pessoas vão conseguir se manter com aquilo ali, pelo menos minimizar a
fome, né? Que a gente sabe que o povo passa fome. E enfim, é complicado, extensão
territorial que é muito grande... Muito difícil, área rural é muito grande, né” (Gestor
V).
CONSIDERAÇÕES
Os resultados analisados mostram que os gestores estão divididos, entre aqueles que
operam pela manutenção de poderes já estabelecidos e aqueles que operam para a instalação de
garantias sociais e constitucionais. A principal marcação que diferencia os gestores
qualificados dos não-qualificados é a formação profissional, os anos de experiência e o
comprometimento ético-político com a gestão do SUAS. Apesar dos demais gestores operarem
pela manutenção do coronelismo, do assistencialismo ou do neoliberalismo, não significa que
as práticas discursivas ocorrem deliberadamente. Há de se realizar outras pesquisas focadas em
compreender o processo formativo destes gestores.
É notável o empenho de forças paradigmáticas, como sugere Sposati. A mudança
paradigmática não está concluída, mesmo após mais de 30 anos da Constituição. De um lado,
se encontra uma tendência de reprodução do poder colonial, liberal, patriarcal e assistencialista.
De outro, um ideal democrático republicano, de garantias sociais, que compreende a
dependência do social à vida humana. Tais forças, por vezes, entram em conflito em um tempo.
Em um mesmo ato discursivo, entre diversos atores institucionais. A pesquisa considera que
tais resistências são importantes e necessárias.
Portanto, investigar as fissuras, as dissidências e os conflitos foi a estratégia que
possibilitou encontrar os resultados. Os novos e velhos problemas encontrados estão longe de
serem superados. Urge olhar para a responsabilidade da estrutura administrativa do Estado de
Minas Gerais e da União, bem como é urgente refletir sobre o futuro da proteção social num
contexto de intensa neoliberalização.
Em vistas ao término, assinala-se a importância da interdisciplinaridade, mesmo diante
de todos os desafios, para futuras pesquisas científicas, como também para a prática profissional
dos atores do SUAS.
93
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