Artigo Advogado

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 12

DA ANALOGIA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

MOACIR LoBO DA COSTA


Advogado em São Pau:o

SUMÁRIO: Analogia e interpretação extensiva por compreensão.


Conceito e distinções. Aplicação ao direito tributário. As
várias teorias. A lei como causa única de obrigação tribu-
tária. Repúdio ao direito brasileiro à aplicação da analogia
no direito tributário. O impôsto sôbre lucro inwbiliário.
Conclusão.

1. Muito embora a analogia e a interpretação extensiva por com-


preensão constituam dois métodos essencialmente diversos, que a lógica
jurídica põe ao alcance do intérprete para a exegese e aplicação da
lei, ainda há, atualmente, muitos autores que as confundem, referindo-
se indistintamente a uma ou outra como se ambas estivessem contidas
num mesmo conceito.
De mister é, pois, conceituá-las para distingui-las. François Geny
foi, a nosso ver, quem estabeleceu, com maior precisão, as caracterís-
ticas diferenciadoras dêsses dois processos da lógica jurídica. Anali-
sando-as a fundo, terminou por separá-las em dois campos distintos.
Enquanto fixava a interpretação extensiva por compreensão no âmbito
das regras de hermenêutica, alçava a analogia ao plano mais elevado
da elaboração do direito, revestindo-a da função superior de fonte em
que se deva abeberar o Juiz na sua investigação científica do direito
(Cfrs. Méthode d'Interpretation et SO'llrces, 1932, voI. l, ns. 107 e
108, vol. lI, ns. 165, 166 e 167) .
"N otre doctrine française ne c'est jamais bien nottement pronon-
cée sur ce point, faute, ce semble, d'avoir scruté d'assez prés le pro-
bleme. C'est à peine, si elle a su exactement distinguer l'analogie pro-
prement dite de l'interprétation extensive de la loi. La plus part de
nos auteurs français placent ces deux procédés sur la même ligne"
(op. cit., voI. l, pág. 308).
A observação abrange não só a maioria dos autores franceses se-
não, também, de outras nacionalidades. Entre êstes, haja vista, por
exemplo, a doutrina sustentada por um especialista de renome, como
Ezio Vanoni:
- 29-

"Se a analogia, em substância, não faz mais que aplicar um prtn-


cípio jurídico compreendido na lei, é evidente que esta é muito vizinha
da interpretação extensiva, que é exatamente a interpretação que atri-
bui à regra iurídica a extensão que lhe compete, além da imperfeita
formulação da lei o
As duas atividades são de tal modo vizinhas, que já Windsheid
notava que, não obstante a diversidade conceitual entre elas, é na prá-
tica impossível distinguir a interpretação extensiva da interpretação
analógica" (Natureza e interpretação das Leis Tributárias, tradução
de Rubeus Gomes de Sousa, Rio, 1952, págo 324) o
Depois dos escritos de Geny, entretanto, a confusão não é mais de-
fensável em boa doutrina o Por via da interpretação extensiva por com-
preensão busca o intérprete completar a letra da lei, estendendo-a a ca-
sos virtualmente compreendidos em seu âmbito mas que, por uma ine-
xata formulação, parecia estarem excluídos o Pela analogia visa o apli-
cador a preencher as lacunas da lei o
Francesco Ferrara resumiu magistralmente: .. A interpretação
extensiva revela o sentido daquilo que o legislador realmente queria
e pensava: a analogia, pelo contrário, tem de haver-se com casos em
que o legislador não pensou, e vai descobrir uma norma nova inspi-
rando-se na regulamentação de casos análogos; a primeira completa
a letra e a outra o pensamento da lei" (Interpretação e Aplicação das
leis, trado porto Saraiva, 1940, pág o 65) o
São do clássico Manuale di Diritto Civile Italiano, de Coviello,
as seguintes conclusões: "Delle cose dette si deriva come l'analogia dif-
ferisca dall'interpretazione per i presupposti, lo scopo e il risultato o
Essa presuppone la mancanza della normaespressa, mentre l'inter-
pretazione ne presuppone l'esistenza: scopo dell'una é la ricerca deI
principio giuridico da applicare aI caso non contemplato, dall'altra in-
vece e la determinazione deI senso della legge: l'una stabilisce delle
norme nuove, l'altrano o Perciô, mentre l'interpretazione é sempre ne-
cessaria, l'applicazione o estensione analogica occorre solo in certi casi:
mentre l'interpretazione, sia pure estensiva, e possibile sempre anche
per le norme eccezionali, non sempre per queste e possibile l'analogia.
Differisce poi dalla stessa interpretazione estensiva a cui evidentemente
somiglia, in quanto l'interpretazione estensiva presuppone un caso con-
templato dalIa volontà deI legislatore, sebbene le parole adoperate, pre-
se nelloro significato naturale, non lo compreendano, l'analogia invece
suppone che il caso non solo non venga compreso nelle parole del1a leg-
ge, ma non sia stato punto previsto daI legislatore: onde quella riesce
ad estendere la parola, questa il pensiero deI Iegislatore" (3. a ed., pá-
gina 85) .
Embora um pouco extensa, não podemos deixar de transcrever a
lição do eminente Carlos Maximiliano, que encerra os pontos funda-
mentais da distinção entre os dois processos e nos quais iremos assen-
tar os fundamentos da tese que nos propusemos demonstrar.
- 30-

"Do exposto já ficou evidente não ser lícito equiparar na analogia


à interpretação extensiva. Embora se pareçam à primeira vista, di-
vergem sob mais de um aspecto. A última se atém "ao conhecimento
de uma regra legal em sua particularidade em face de outro querer
jurídico, ao passo que a primeira se ocupa com a semelhança entre duas
questões de Direito". Na analogia há um pensamento fundamental em
dois casos concretos; na interpretação é uma idéia estendida, dilatada,
desenvolvida, até compreender outro fato abrangido pela mesma im-
plicitamente. Uma submete duas hipóteses práticas à mesma regra le-
gal; a outra, a analogia, desdobra um preceito de modo que se confunda
com outro que lhe fica próximo.
A analogia ocupa-se com uma lacuna do Direito Positivo, com hi-
pótese não prevista em dispositivo nenhum, e resolve esta por meio
de soluções estabelecidas para os casos afins; a interpretação extensiva
completa a norma existente, trata de espécie já regulada pelo Código,
enquadrada no sentido de um preceito explícito, embora não se com-
preenda na letra dêste.
Os dois efeitos diferem, quanto aos pressupostos, ao fim e ao re-
sultado: a analogia pressupõe falta de dispositivo expresso, a interpre-
tação nressupõe a existência do mesmo; a primeira tem por escopo a
nesauisa de uma idéia superior aplicável também ao caso não contem-
plado no texto; a segunda busca o sentido amplo de um preceito esta-
belecido; aquela de fato revela uma norma nova, esta apenas esclarece
a antiga; numa o que se estende é o princípio, na outra, na interpre-
tação, é a própria regra que se dilata.
Em resumo: a interpretação revela o que a regra legal exprime,
o que da mesma decorre diretamente, se a examinam com inteligência
e espírito liberal; a analogia serve-se dos elementos de um dispositivo
e com o seu auxílio formula preceito novo, quase nada diverso do exis-
tente, para resolver hipótese não prevista de modo explícito, nem im-
plícito, em norma alguma.
Identificam-se a analogia e a exegese ampla, quanto a uma parti-
cularidade, têm um ponto comum: uma e outra servem para resolver
casos não expressos pelas palavras da lei" (Hermenêutica e Aplicação
do Direito, n.o 250, 2. a ed., págs. 232-3).
No mesmo sentido, cfrs. Dizionario Pratico del Diritto Privato
de Scialoja, verb. analogia, redigido por Roberto de Ruggiero; em
Nuovo Digesto Italiano, verbo analogia, por G. Venzi.
2. Firmada a dissemelhança entre os dois métodos, surge a
questão: serão ambos aplicáveis ao direito tributário?
Superadas, há muito, as velhas regras apriorísticas de hermenêu-
tica, in dubio contra fiscum e sua antagônica in dubio pro fiscum, per-
maneceram no campo da interpretação e aplicação da lei fiscal as
duas teorias, até hoje, irredutíveis, da exegese estrita e da exegese
ampla.
Partindo do pressuposto de ser o direito tributário um direito
excepcional, sustentam os adeptos da primeira teoria ser inaplicável
a interpretação extensiva por compreensão às leis fiscais, visto como
- 31-

tal método só é admissível na exegese das leis comuns; as leis excep-


cionais interpretam-se estritamente por restringirem direitos ou afe-
tarem o patrimônio ou a liberdade dos cidadãos.
É o argumento em que se apóia Hensel para demonstrar a inad-
mi.3sibilidade da analogia na interpretação das leis tributárias: se,
por um lado, as normas tributárias dão ao Estado o direito de invadir
a esfera patrimonial dos indivíduos, por outro lado, o desenvolvimento
básico do Estado de Direito conduz ao princípio de que tais invasões
são admissíveis unicamente com fundamento na lei. Portanto, a norma
interpretada em maneira analógica deriva da lei, mas não está conti-
da na lei; e não pode fundamentar uma invasão, pelo Estado, na es-
fera patrimonial do cidadão (apud Vanoni, op. cit. pág. 328).
Por outro lado, argumentam os fiscalistas da exegese ampla, que é
errônea a classificação de excepcionais atribuída às leis fiscais, porque
o direito tributário é direito comum, sem qualquer dos característicos
dos direitos de exceção, não havendo assim razão impeditiva para o
emprêgo de todos os meios de hermenêutica utilizados para a exegese
das leis em geral, entre os quais a interpretação extensiva.
Dentre os tratadistas que advogam a interpretação ampla, Pugliesi
sustenta que as leis tributárias podem ser interpretadas com qualquer
meio adequado e apropriado ao caso submetido ao intérprete, que deve
considerar as normas tributárias sob um ponto de vista objetivo, abs-
tendo-se de qualquer prejuízo contra o fisco ou a favor dêle (Derecho
Financiero, Derecho Tributário, trad., esp., México, 1939, pág. 123);
o prof. Antonio Uckmar admite a interpretação lógica que atende à
mens legis, à vontade do legislador, e que pode mesmo ser extensiva
por fôrça de compreensão (Scritti varii di Diritto Tributário, Pá-
dua, 1932, pág. 115); Rafael Bielsa: "A redação lacônica e freqüen-
temente reticente (às vêzes intencionalmente) dos preceitos fiscais
impõe como exigência natural uma interpretação que tenha como meta
o conhecer e exprimir o propósito e fim da lei; seu sentido, seu espírito;
e a razão do direito, ratio juris a que nos referimos, mas dentro do sis-
tema geral do direito, o que deve dominar ou pautar em matéria de
interpretação" (N ociones Preliminares de Derecho Fiscal, Buenos Ay-
res, 1944, pág. 54); e Giorgio Tesoro: "Pode-se então concluir que
a norma tributária, é, sob êsse aspecto, uma norma comum, e, assim,
não existem princípios especiais para a sua interpretação; não deve
ser interpretada nem contra o contribuinte, nem contra o Erário, mas,
segundo a letra e o espírito da lei" (Principii di Diritto Tributário,
1938, pág. 26).
Esta teoria de interpretação, por assim dizer, teleológica da lei,
que visa a justiça social através da consecução dos fins a que a lei se
destina, modernamente vem se impondo à aceitação da doutrina menos
tradicionalista e da própria jurisprudência (ver, Rubens Gomes de
Sousa, Compêndio de Legislação Tributária, Rio, 1952, n.O 17, pági-
na 53).
Escreve Rafael Bielsa: "Tratando-se da interpretação das leis
fiscais o elemento político ou político-social (realização dos fins do
- 32-

Estado) por um lado, e o jurídico-político (direitos e garantias do


contribuinte) por outro lado, influem muito mais do que todo outro
método, critério ou sistema na solução do problema" (op. cit., pá-
gina 59) .
Alípio Silveira, divulgador e defensor do princ,ípio entre nós,
depois de esclarecer que "A repulsa ao brocardo - in dubio contra
fiscum - levará forçosamente o aplicador a recorrer às normas co-
muns da hermenêutica, entre as quais ocupa hoje lugar de destaque
a que manda atender aos fins sociais da lei e às exigências do bem co-
mum", refere um acórdão do Supremo Tribunal em que o Ministro
Orosimbo Nonato em voto vencedor declarou: "Nem cabe invocar o
princípio da interpretação estrita, ut 'Verba sonnant, por não se tratar
de excepção, mas de princípio que se insere na legislação fiscal por mo-
tivos óbvios, não sendo, de resto, e em qualquer hipótese, de afastar-se
a interpretação por frça de compreensão (A. Silveira, O fator polí-
tico...social na interpretação das leis, São Paulo, 1946, pág. 64).
3. Todavia, e aqui chegamos ao ponto fundamental do problema,
o fato da doutrina e da jurisprudência terem-se orientado, mode:rna-
mente, no sentido de admitir o emprêgo da interpretação extensiva por
compreensão na exegese das leis tributárias, importa no reconheci-
mento, também, da validade do recurso à analogia para suprir as la-
cunas daquelas mesmas leis?
Ou, por outras palavras, em linguagem de fórmula, é lícito em face
da lei, da doutrina e da jurisprudência, o emprêgo da analogia em
matéria fiscal?
Alípio Silveira, denodado propugnador do emprêgo do método
extensivo por compreensão na interpretação das leis fiscais, responde
negativamente: "Na aplicação das leis fiscais, portanto, tem cabimento
o critério dos fins sociais e das exigências do bem comum. Por muito
tempo sustentou-se, erradamente, a interpretação literal das leis fiscais,
mas hoje o panorama está muito modificado .
.observe-se, de início, que, dentro dos quadros da democracia ope-
ra-se uma evolução no sentido de ampliar a interpretação das leis fis-
cais, sem, no entanto, chegar-se ao exagêro da analogia em matéria im-
positiva" (Artigo Analogia, no Repertório Enciclopédico do Direito
Brasileiro, vol. In, pág. 249).
No mesmo sentido ver, também, o artigo de Francisco de Sousa
Matos, Interpretação da lei tributária e a Analogia., em Rev. Tribs.
184-512 e Revista de Direito Administrativo, vol. 21, pág. 14, não
obstante a confusão conceitual entre interpretação extensiva por com-
preensão e analogia, que o autor denomina" analogia por compreensão"
e "analogia por extensão", declarando que, apenas, esta última tem
seu emprêgo vedado no direito tributário.
Mas, aquela simples indagação faz brotar na mente, desde logo,
uma outra que se lhe antepõe: existem lacunas nas leis fiscais, que
possam ver vàlidamente preenchidas pelo emprêgo da analogia?!
- 33-

Parece-nos que não. Não é permitido ao aplicador recorrer à ana-


logia para suprir as lacunas das leis fiscais, porque estas, por presun-
ção juris et de jure, não têm lacunas.
Esta é a tese que nos propusemos demonstrar, o que tentaremos
fazer a seguir:
4. Com efeito, é sabido que a causa da obrigação tributária é
sempre a lei. Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
cousa, especialmente pagar impostos, taxas ou contribuições, senão em
virtude de lei. Não há obrigação tributária sem prévia lei que a crie
e especifique os casos de sua incidência.
Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem lei que o esta-
beleça; nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autorização
orçamentária"; dispõe o § 34 do art. 141 da Constituição federal, co-
mo garantia democrática assegurada aos cidadãos.
Ora, não dispondo a lei sôbre a incidência do tributo por ela cria-
do a um determinado ato ou fato ou negócio jurídico, de conteúdo eco-
nômico, poderá o aplicador sujeitá-lo ao tributo, desde que seja aná-
logo aos casos expressamente previstos na lei, sob o fundamento de
se tratar de uma omissão suprível pela analogia?
Sustentamos que não. Pois, admiti-lo seria equiparar o intérprete
ao legislador. Atribuir à obrigação tributária uma outra causa além
da lei. Destruir a segurança firmada pela Constituição para introdu-
zir o arbítrio em matéria fiscal.
A ordem iurídico-econômica ficaria seriamente abalada no mo-
mento em que o aplicador pudesse estender o tributo além dos casos
previstos na lei.
Mas, e êste é o principal argumento em contrário dos fiscalistas
"à outrance" - a lei fiscal, como tôda obra humana, é imperfeita, in-
completa, passível de falhas e lacunas; e, por outro lado, não podendo
o Juiz se eximir de sentenciar sob o pretexto de omissão na lei (·Cód.
Proc. Civil, art. 113) cumpre-lhe, nesse caso, valer-se da analogia pa-
ra preencher a omissão (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4.°) .
Valem-se os defensores do emprêgo da analogia em matéria fis-
eal de um princípio invocado pelos hermeneutas para justificar o mé-
todo analógico de um modo geral, qual seja o de que no mundo jurídi-
co, como no físico, existe o mesmo horror ao vácuo.
Francesco Ferrara ao dissertar sôbre o método analógico, jus-
tificando-lhe a adoção para suprir as lacunas das leis em geral, feriu
êsse ponto, dizendo:
.. A ordem jurídica é uma atmosfera que circunda a vida social em
tôda a sua completeza, que lhe domina todos os movimentos, que não
tolera espaço algum vazio de direito - horror vacui" (op. cit. pá-
gina 57).
O jurista português Antonio José Brandão, em notável trabalho
doutrinário sôbre Interpretação das Leis Fiscais, sustenta'ndo com
denodo a admissibilidade do emprêgo da analogia para suprir as la-
cunas das leis tributárias, invocou o argumento por esta forma: "O
legislador é homem e falível; a sua obra é, portanto, necessàriamente
- 34-

incompleta. Mas os interêsses sociais protegidos pelo direito não po-


dem ficar insatisfeitos e os tribunais não podem denegar justiça. De
sorte que as omissões legais, voluntárias ou involuntárias, terão de ser
supridas com a ajuda dos meios técnicos usuais do intérprete. A tese
do horror vacui, própria das ciências físicas, encontra a sua homóloga
na ciência do direito com a tese de que tôdas as relações sociais de-
verão encontrar na lei preceito disciplinador, explícito ou implícito.
E o método para determinar o preceito legal implícito, tornando-o ex-
plícito, consiste no recurso à analogia e aos princípios gerais do di-
reito" .
"Ora, nada impede que as lacunas da lei tributária sejam preen-
chidas por êste método" (in Revista Forense, 90-82 e 83 e Rev. de Dir.
Administrativo, vol. 33, pág. 67).
Depara-se, entre nós, o mesmo argumento no estudo de Carlos
Alberto de Carvalho Pinto, Hermenêutica das leis fiscais: "Ad-
mitida a irrecusável existência de lacunas nos textos legais - cuja per-
feição é impossível, como em qualquer obra humana - e ~endo inad-
missível, nas sociedades civilizadas, o esquecimento legal de situações
que exiJ'am um ordenamento jurídico, não se poderia, realmente, aban-
donar o processo analógico, de inestimável alcance na correção dessas
possíveis anomalias. E, se necessário se torna essa submissão de hi-
póteses esquecidas ao ordenamento iurídico de casos semelhantes, não
vemos como excluí-las, sistemàticamente, do direito tributário, onde as
mesmas circunstâncias e necessidades podem forçosamente ocorrer"
(in Revista Forense, 87-650) .
Vanoni socorre-se, também, do mesmo argumento, para justificar
o emprêgo da analogia:
".o ordenamento legal deve satisfazer a tôdas as necessidades da
vida jurídica: por conseguinte, não pode ser concebido a não ser como
um sistema completo, contendo uma norma obrigatória de conduta para
todo e qualquer caso capaz de se apresentar. Assim como o conceito
do horror vacui constitui a base de muitas teorias físicas, assim, tam-
bém, o princípio de que para todos os casos a lei contém uma regra de
conduta, positiva ou negativa, constitui o fundamento da vida jurídi-
ca" (op. cit., pág. 322).
Se bem que verdadeiro para o direito em geral, o princípio é ina-
ceitável para o direito tributário, em particular, porquanto suas leis
são, por definição, completas em si mesmas.
Em se tratando de leis fiscais não há que se cogitar de vácuo,
lacunas ou omissões. Sendo a obrigação tributária, por natureza, ex-
lege, aquilo que a lei não disse não obriga. Pois, como acentuou o Mi-
nistro Carlos Maximiliano com grande precisão:
"Pressupõe-se ter havido o maior cuidado ao redigir as disposi-
ções em que se estabelecem impostos ou taxas, designados, em lingua-
gem clara e precisa, as pessoas ou cousas alvejadas pelo tributo, bem
determinados o modo, lugar e tempo do lançamento e da arrecadação,
assim como quaisquer outras circunstâncias referentes à incidência e
à cobrança" (Hermenêutica, n. 400) .
O
- 35-

Ver, no mesmo sentido, Emilio Caldara, InterpretazioM delle leg-


gi, 1908, n.o 200, pág. 197.
A lição de Giannini não discrepa dessa doutrina:
"La legge, quindi, stabilisce con ogni possibile precisione i pre-
supposti di fatto ai quali si coIlega un dovere tributário; quali facoltá
. spettano aIl'amministrazione, e quali garenzie aI contribuente nel com-
plesso procedimento amministrativo e giudiziario per l'accerlamento
dell'imposta; la misura, il termine e il modo in cui le obbligazioni tri-
butarie devono essere adempiute; le sanzioni per gli inadempienti e
i1 procedimento per la loro applicazione.
Tutte le suddette norme sono formula te, di regola, in rJwdo da
non lasciare alcun margine al potere discrezionaIe dello Stato, cosicche
i1 postulato dello Stato di diritto puô dirsi chesi realizzi pressoche com-
piutamente nel regolamento di quella parte dell'attività amministra-
tiva che ha ad oggetto l'applicazione dell'imposta" (lI Rapporto Giu-
ridico d'Imposta, Milano, 1937, pág. 24).
Blumenstein assevera que no direito tributário, como, aliás, no
direito público em geral, não há propriamente lacunas na lei, simples-
mente porque, o que a lei não diz expressamente, não existe.
Dino Jarach, citando Blumenstein, reafirma o princípio:
"Con exactitud se afirma que en las leyes tributárias, como en to-
das las leyes que imponen obligaciones de derecho público, no existen
verdaderas lacunas; las obligaciones que la ley expressamente no im-
pone no existen" (El Hecho Imponible, B. Aires, 1943, pág. 127).
O nosso velho Paula Batista iá advertia: "Também se não pode
concluir de um caso para outro por identidade de motivos nas leis fis-
cais, nas quais, como nas criminais, domina o princípio científico -
o que a lei não ordena ou não proíbe, se não pode exigir, nem probir'
(Compêndio de Hermenêutica Jurídica, 8.& ed. págs. 245, 246) .
Princípio científico que informa a legislação tributária com ab-
soluto rigor.
É o que sustenta Giannini, mestre de indiscutível autoridade na
matéria:
"Occorre tuttavia avvertire che, dato il principio costituzionale,
per il quale nessum tributo puô essere riscosso che non sia espressa-
mente consentito dalla legge (principio analogo a quello deI diritto
penal e : nullum crimen SiM Iege, nulla poena sine lege) le norme che
determinano gli oggetti d'imposta (non, quindi, tutte le norme tribu-
tarie) sono insuscettibili di interpretazione analogica, pur potendo
essere estensivamente interpretate, dato che con l'interpretazione es-
tensiva non si sottopone aI tributo una situazione di fatto non prevista
dalla legge, ma semplicemente si applica d'imposta a situazioni già
comprese nel reale contenuto della norma, sebbene la inesattezza o im-
proprietà delle espressioni adoperate possano fare apparire il contrario"
(lstituzioni di Diritto Tributaria, 4.& ed. pág. 23).
Não tem cabimento o uso da analogia em matéria fiscal porque,
"consistindo ela na correspondente aplicação do pensamento jurídico
a casos não contemplados, em regulamentar casos novos pela forma
- 36-

como presumivelmente os teria regulado o legislador, aqui esbarra com


a vontade precisa do legislador, que disse: fora dêstes casos quero o
contrário" (F. Ferrara, op. cit. pág. 66).
Completa em si mesma, pois, pressupõe-se tenha sido elaborada
e redigida com a mais desvelada atenção em tôdas as suas minúcias,
a lei tributária não cria outras obrigações além das que especifica.
Destarte não poderá, jamais, ocorrer a hipótese, lembrada pelos
fiscalistas, de ter o Juiz de valer-se da analogia para deddir um caso
concreto, em face da omissão da lei, simplesmente porque, na lei fiscal
não há omissões.
Pois, como é assinalado com muita proficiência por Dino Jarach:
"Sin embargo, la doctrina que afirma la falta de lacunas ver da-
deras en las leyes tributarias produce como consecuencia la impossi-
bilidad de la interpretación analógica. Nosostros creemos que, efecti-
vamente, la interpretación analógica de las normas que prevén los
hechos imponibles no es licita; sin embargo, la naturaleza económica
de los hechos permite definirIos de la manera más amplia, sin hacer
necesário, ni por razones prácticas ni por razones de igualdad y de
equidad impositiva, el recurso a la interpretación analógica" (El He-
cho Imponible, pág. 128). - Cfrs. mais, Carlos Maximiliano, Her-
menêutica n.o 400 e Alípio Silveira, op. cito pág. 64, e o estudo, A in-
terpretação das leis excepcionais e restritivas de direitos, in Revista
Forense, 105-31.
Ou a lei dispõe sôbre o assunto, ainda que de modo imperfeito, po-
dendo o intérprete socorrer-se da interpretação extensiva por com-
preensão para completar-lhe a letra, promovendo a integração de um
fato abrangido pela mesma, impllcitamente, e que por uma inexata
formulação parecia estar excluído, ou a lei silenciou a respeito, e, então,
o caso simplesmente não existe.
Não pode o intérprete socorrer-se da analogia para preencher as
supostas lacunas da lei fiscal, porque, dessa forma estaria criando di-
reito novo, usurpando função do legislador, único poder competente
para criar a obrigação tributária.
Convém, todavia, não se olvidar o que ficou assentado no início
dêste trabalho quanto à profunda diferença que vai da interpretação
extensiva por compreensão à analogia propriamente dita.
Vanoni, tentando traçar a linha divisória entre a interpretação
extensiva e a analogia, termina por reconhecer o caráter específico
desta última, o qual, a nosso ver, justifica a inadmissibilidade de seu
emprêgo no direito fiscal, em contrário do que preconiza êsse autor.
"Muito embora as duas formas de interpretação se entrelacem
na sua aplicação prática, de maneira tão profunda que nem sempre
permite verificar onde uma termina e onde começa a outra, é certo
que existe interpretação extensiva quando se admite que um determina-
de> fato cabe dentro da norma expressa da lei, ainda que a fórmula
usada não corresponda à efetiva compreensão do preceito iurídico: e
existe, ao contrário, interpretação analógica quando, ainda que a si-
tuação a ser regulada não caiba na norma expressa, todavia, cabe no
- 37-

mesmo princípio jurídico revelado por essa norma. Num caso, o intér-
prete corrige a infeliz formulação da lei; no outro, completa um pre-
ceito jurídico partindo da formulação parcial dêste, prevista para re-
gular um caso particular, e chegando à regra geral de direito impli-
citamente consagrada pela lei" (op. cito pág. 324) .
5. François Geny, estudando as relações entre a ciência e a
técnica do direito, salienta os casos em que o direito positivo (a lei)
considerado como um meio técnico, é a única fonte de direito, o que
exclui inteiramente, para a elaboração do direito, tôda livre pesquisa,
isto é, todo processo de analogia. E, entre êsses casos, lembra a inter-
pretação nas questões fiscais, que continua no domínio exclusivo da le-
gislação, "no sentido, pelo menos, de que o Juiz não pode estabelecer
impostos nem aumentá-los" (Science et Technique en Droit Privé Po-
sitif, Paris, 1924, tomo IV, pág. 42).
Discordando do grande mestre, Louis Trotabas, num estudo sôbre
Interpretação das leis fiscais (publicado no "Recueil d'Etudes sur les
Sources du droit en l'honneur de François Geny", R. Sirey, Paris
1934, tomo UI, pág. 101-108 e na Revista de Direito Administrativo,
vol. 26, pág. 34), entendendo ser indispensável reconhecer-se o em-
prêgo possível da analogia pelo Juiz fiscal, chega a falar no poder cria-
dor da jurisprudência fiscal. .. !
Essa proposição extremista é absolutamente insustentável no di-
reito brasileiro em face da norma constitucional inserta no § 34 do
art. 141 da Lei Magna.
Vanoni, criticando a doutrina sustentada por Hensel, de que,
no Estado de direito, a invasão da esfera patrimonial do cidadão, pelo
Estado, só é lícita quando prevista em lei, escreve:
"Hensel entende, portanto, de maneira excessivamente rígida e
formal o princípio de que no Estado de Direito os limites da compe-
tência do Estado são ditados pela lei, levando êste princípio as conse-
qüências que não são conciliáveis com a sua verdadeira essência. ~ste
princípio não implica que no Estado de Direito tôdas as relações entre
Estado e cidadão devam ser reguladas por normas expressas de lei, por-
quanto, dessa maneira seria criada uma exigência pràticamente im-
possível de satisfazer, em conseqüência da impossibilidade humana de
prever tôdas as hipóteses possíveis" (op. cit. pág. 330). Ocorra, ou
não, a impossibilidade humana de prever tôdas as hipóteses possíveis,
pode-se responder a Vanoni que, no Brasil, as relações entre o Estado
e o cidadão são reguladas sempre por normas expressas de lei, parti-
cularmente na esfera tributária, à sombra da garantia assegurada na
Constituição, de ninguém poder ser obrigado a fazer ou deixar de fa-
zer alguma coisa, senão em virtude de lei, e que só mediante o estabe-
lecimento em lei pode qualquer tributo ser exigido ou aumentado.
6. J á é tempo de concluir. A nosso ver não há dúvida possível
e a conclusão é uma só: o direito positivo brasileiro não admite o
emprêgo da analogia em matéria fiscal. A tese está amparada na
lição autorizada dos Mestres e tem sido sufragada pela jurisprudên-
- 38-

cia uniforme dos Tribunais (Revista Forense, 92-206, 80-47 e Re-


vista de Direito Administrativo, 15-129) •
Observa. a respeito, o prof. Rubens Gomes de Sousa, que a ju-
risprudência do Supremo Tribunal, principalmente por influência do
Ministro Castro Nunes, distingue entre interpretação analógica por
extensão e interpretação analógica por compreensão. "interpretação
analógica por extensão é a que faz cair sob o império da norma legal
situações diferentes daquelas que a lei previu, em função da sua ana-
logia com as situações previstas; interpretação analógica por com-
preensão é a que faz cair sob o império da norma legal tudo o que se
contém no espírito dela, embora não expressamente citado, desde que
essa compreensão se possa justificar pelo raciocínio analógico. Mais
resumidamente, a analogia por extensão estende o alcance da norma le-
gal aos casos análogos não previstos; a analogia por compreensão com-
pleta o alcance da norma legal sem o ampliar. A conclusão que se
deve tirar: só a analogia por extensão é que é proibida em Direito
Tributário; não a analogia por compreensão. Com efeito, a analogia
por compreensão é apenas integração; só a analogia por extensão
é que amplia a norma legal além dos seus limites, e que, portanto, iria
contra o preceito do § 34 do art. 141 da Constituição, porque resul-
taria na aplicação de tributos a situações não contempladas pela lei
como matéria tributável" (in Revista Estudos Fiscais, n.o 11, novem-
bro 1938, pág. 465) .
Ainda, no mesmo sentido. Compêndio de Legislação T1·ib1ltária,
página. 55.
Concordamos com os princípios, mas divergimos da terminologia
empregada pelo ilustre mestre, tendo em vista a distinção, que tenta-
mos estabelecer no início dêste trabalho, entre interpretação extensiva
por compreensão e a analogia, propriamente dita.
Como remate às assertivas teóricas queremos referir um caso
concreto de grande significado e que teve profunda e extensa reper-
cussão na atuação efetiva de uma lei tributária no mundo dos negócios,
entre nós.
Em 10 de julho de 1946 o Govêrno federal promulgou o Decreto
-Lei n.o 9.330, que instituiu o impôsto de 89'0 sôbre os lucros apurados
pelas pessoas físicas na venda de propriedades imobiliárias. O seu
artigo 1.° dispunha: "E' criado o impôsto sôbre lucros apurados na
venda de propriedades imobiliárias, que será cobrado de acôrdo com
as normas dêste Decreto-Lei".
Em face dos têrmos da norma legal ocorreu preste a dúvida. O
vocábulo "venda" teria sido empregado para designar apenas a tran-
sação de compra e venda, ou, com o significado genérico de "aliena-
ção", abrangendo, então, por analogia, as demais modalidades de trans-
ferência da propriedade?
Suscitada sob forma de consulta à Corregedoria Geral da Justiça
do Estado. o Sr. Desembargador Amorim Lima resolveu a dúvida, fi-
xando a inteligência adequada no texto, no sentido de afastar a apli-
c.ação analógica da lei.
- 39-

Na verdade, se em vez de "venda" o legislador tivesse usado a


palavra "alienação", aí sim, teria cabimento a interpretação exten-
siva por compreensão a fim de completar a letra da lei, fazendo incidir
o tributo sôbre tôdas as modalidades de transferência da propriedade
imobilária.
Todavia, tendo-se referido apenas a uma espécie de alienação,
não seria lícito ao intérprete estender o tributo às outras não previstas,
sob o fundamento de serem análogas.
Julgamos não ficar mal encerrar êste trabalho transcrevendo os
têrmos do Despacho do Sr. Corregedor, a título de ilustração:
"Consultam os Srs. Tabeliães de notas sôbre a inteligência ade-
quada ao Decreto-Lei n. o 9.330, de 10 de junho de 1946, que criou im-
põsto especial sôbre "lucros apurados na venda de propriedades imo-
biliárias". A dúvida diz respeito unicamente à extensão do vocábulo
"venda", empregado pelo legislador. Abrangerá tôda e qualquer espé-
cie de "alienação", compreendendo-se nela a doação, dação em paga-
mento, permuta, cessão de direitos hereditários e incorporação de bens
para a realização de capital social?
Ou então deve entender-se a expressão "venda" no sentido espe-
cífico de contrato de "compra e venda"?
Ninguém diverge da tese hermenêutica, que manda interpretar
o direito fiscal stricto sensu. Ainda os que, como o eminente Carlos
Maximiliano, impugnam a exegesse "restritiva", não dissentem no
tocante à necessidade do emprêgo de um método "restrito" na inda.
gação da precisa fôrça de aplicação da norma fiscal.
É pacífico, portanto, que o preceito da lei tributária deve ser apli-
cado de acôrdo com os seus "têrmos estritos", sem a restringir, mas
também sem a ampliar. Nessas condições, se o diploma acima citado
se refere unicamente a "vendas", seria incivil sair do sentido específico
do contrato de "compra e venda".
Ademais, a simetria das leis, a harmonia que deve reinar inalte-
ràvelmente entre elas, impede que se tome a expressão compra e venda"
em acepção diferente da técnica usada pelo Código Civil.
Pelo exposto: Resolvo a consulta dos Srs. Tabeliães, determinando
que se aplique o citado Decreto-Lei n. o 9.330, tão só e só nos casos de
escritura de "compra e venda" e não nos demais casos de transferên-
cia de propriedade acima enumerados" (D. O. E. 27-6-46).

Você também pode gostar