A Hermenêutica Jurídica Na Obra de Francesco Ferrara
A Hermenêutica Jurídica Na Obra de Francesco Ferrara
A Hermenêutica Jurídica Na Obra de Francesco Ferrara
"A interpretao deve ser objetiva, equilibrada, sem paixo, arrojada por vezes, mas no revolucionria, aguda, mas sempre respeitadora da lei." (Francesco Ferrara) Resumo: O presente artigo visa apresentar a concepo hermenutica do direito apresentada por Francesco Ferrara, na Itlia, em 1921, no Tratatto do Diritto Civille Italiano, o qual traz um debate atual acerca da interpretao e aplicao do direito. Ferrara, neste tratado, atribui papel central ao carter teleolgico da interpretao jurdica, sem, entretanto, excluir os momentos histrico, gramatical e lgico do processo hermenutico. Alm disso, defende a juno e fuso das vistas, das crticas e dos desejos da teoria e da prtica, isto , entre a lei e sua aplicao, que somente ocorre no rgo jurisdicional, para cooperarem na atividade legislativa. Palavras-chave: Hermenutica Jurdica, Francesco Ferrara, Aplicao do Direito. 1 Introduo O juiz tem o papel de mediador entre a lei e o fato, ou seja, o juiz diz o direito frente aos fatos apresentados. Entretanto, o juiz o faz obedecendo a trs operaes: I - averiguar o estado de fato que objeto da controvrsia; II - determinar a norma jurdica aplicvel; III - pronunciar o resultado jurdico que deriva da subsuno do estado de fato aos princpios jurdicos.(FERRARA, 2002, p. 09). Diz-se, pois, que o julgamento um silogismo cuja premissa maior a lei, a premissa menor o fato e a concluso, a sentena (vide esquema 1). Entretanto no se pode reduzir a atividade judicante em mera operao matemtica, uma vez que a aplicao do direito envolve fatores psquicos e apreciaes de interesse, principalmente na determinao do sentido da lei, em que no se pode alcanar a neutralidade axiolgica. Esquema 1 Premissa Maior: Lei apreciaes de interesse Fatores psquicos,
Premissa Menor: Fato ----------------------Concluso: Sentena Da, conclui-se que, antes de julgar, o juiz deve apurar os fatos e determinar o direito a que o fato se subordina. Sendo de suma relevncia o fato de que cabe s partes o nus da prova dos fatos e ao juiz a averiguao da(s) norma(s) que se aplica ao fato, atividade que constitui tarefa central do juiz e para a qual deve previamente proceder s seguintes indagaes: Textos relacionados
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I - apurar que o direito existe; II - determinar o sentido desta norma jurdica; III - decidir se esta norma se aplica ao caso concreto.(FERRARA, 2002, p. 11). 2 - Verificao da Existncia da Norma Jurdica 2.1) Crtica do texto da lei A crtica do texto da lei consiste na verificao da autenticidade da lei em sua complexidade e em suas partes, o que na modernidade perdeu campo visto que as leis so escritas e publicadas em documento oficial. a verificao formal da existncia da lei, levando em considerao os erros materiais do texto e os erros conceituais de redao ou coordenao. Os erros materiais do texto que levam a lei ao vcio ocorrem por incorrees tipogrficas, erros de impresso, mudana de palavras ou de algarismos, acrscimos ou omisses, pontuao diversa, transposies, que podem alterar o sentido da disposio.(FERRARA, 2002, p. 13) Quando esses vcios ocorrem de maneira tal que se possa perceber palavra estranha ao texto legal que lhe retira a coeso ou coerncia e h outra palavra foneticamente semelhante que em
substituio quela devolve ao texto o carter lgico, ou casos semelhantes que no demandem muito esforo de correo, pode o juiz exercer sua crtica e at emendar o texto da lei. Se no entanto esses vcios importarem em substancial divergncia de pensamento ou determinam equvoco sobre o sentido da lei, o juiz estar vinculado ao texto publicado na imprensa oficial. Neste caso, poder a parte interessada argir a inexatido do texto publicado em relao ao texto original, j que, sendo assim, nenhuma lei atingiu existncia o texto impresso por no corresponder vontade do legislativo, e o texto original por no ter sido devidamente publicado e, portanto a soluo cabvel uma nova publicao do texto original ou uma retificao oficial. J os erros conceituais de redao ou coordenao so manifestaes, omissivas ou comissivas, tecidas na elaborao do texto da lei que no coincidem com a vontade do legislador. Neste caso, dado o carter vinculante do erro no texto da lei, no pode o juiz retificar a lei, salvo se a retificao resultar da interpretao do texto da prpria lei ou de outras normas. Ou seja, a tarefa crtica do judicirio se alarga na medida em que se aplicam leis mais antigas ou princpios do direito, os quais devem ser observados em consonncia poca. 2.2) Controle substancial da existncia da lei E o controle substancial da existncia da lei diz respeito anlise da substncia da lei, ou seja, neste momento que se distingue a norma jurdica das demais regras que no tm carter jurdico, ou por falta das condies e formas constitucionais para seu nascimento, ou por falta de competncia e poder na autoridade que as emanou, ou enfim, porque essas normas perderam sua eficcia em virtude de ab-rogao.(Ibidem, 2002, p. 16). No caso de discordncia entre o texto aprovado pelas duas Cmaras e o sancionado e promulgado, dir-se- que no h lei, "h aparncia de lei", da qual no pode decorrer nenhuma conseqncia jurdica, visto que a sano e promulgao esto subordinadas aprovao nas duas Cmaras, no podendo, pois, substitu-la. Uma vez que A promulgao, com efeito, no serve para completar a lei, no o ltimo estdio de seu processo de formao, mas pressupe a lei j formada. um documento que atesta solenemente a existncia da lei [...].(FERRARA, 2002, p. 19). Por isso, entende-se que a promulgao no constitui meio nico de se verificar a existncia da lei, sendo pois, suscetvel de crtica e reviso, do judicirio, mas somente no que tange "existncia exterior dos elementos da lei: aprovao dos rgos legislativos, promulgao, publicao [...]". Com efeito, a esfera jurisdicional engloba tambm a delegao legislativa do poder executivo, a qual, quando extrapola sua competncia, reveste-se de nulidade no campo jurdico mediante ato jurisdicional. O decreto-lei uma disposio emanada do poder executivo, em circunstncias extraordinrias e de urgncia, para as quais o processo legislativo demoraria a formalizar decises, mas o executivo por ser uma "espcie de gestor de negcios" pode antecip-lo em fornecer uma soluo. Desta forma, "resulta que os decretos-lei ho de considerar-se como leis potenciais, dependentes de aprovao, e que tal aprovao opera com eficcia retroativa".(Ibidem, p. 20) 3 Determinao do Sentido das Normas Jurdicas Interpretao
"Aplica-se a interpretao a todas as leis, sejam claras ou sejam obscuras, pois no se deve confundir a interpretao com a dificuldade da interpretao." (Francesco Ferrara) 3.1) Idias Gerais A lei exprime a vontade do legislador por meio de palavras, que constituem a letra da lei, ou seja, a lei est para a alma como as palavras letra da lei esto para o corpo. A lei , pois, muito mais profunda que seu texto, e, portanto, o aplicador do direito deve apreciar a vontade da lei, no o que as palavras que a constitui representam estritamente [1]. Da surge a classificao da aplicao das leis em sentido amplo e em sentido estrito, sendo esta a interpretao que "consiste em determinar a significao da lei e desenvolver seu contedo em todas as direes" e aquela, a que "compreende tambm a analogia, isto , a elaborao de normas novas para casos no contemplados, induzidos de casos afins regulados pela lei". Deve o aplicador, ento, interpretar todas as leis, claras ou no, de forma arrojada por vezes, mas no revolucionria, evitando os excessos: de uma parte daqueles que por timidez ou inexperincia esto estritamente agarrados ao texto da lei, para no perderem o caminho (...); por outro lado, o perigo ainda mais grave de que o intrprete, deixando-se apaixonar por uma tese, trabalhe de fantasia e julgue encontrar no direito positivo idias e princpios que so antes o fruto das suas locubraes tericas ou das suas preferncias sentimentais.(FERRARA, Op. Cit., p. 25). Deve ainda observar que a interpretao jurdica no se assemelha histrica ou filolgica, as quais se aplicam a documentos histricos esgotando-se com o achado de um sentido histrico, sem, entretanto avaliar sua logicidade. Diferente a interpretao teleolgica, aplicvel ao direito, e que tem por objeto os fins a que se destina a lei, a finalidade para a qual foi criada, os resultados que dela se espera, uma vez que a lei sempre visa a tutela de um bem, dito jurdico. Dado, ento, o carter lgico da interpretao, quando fala-se em interpretao filolgica, est-se buscando "determinar o sentido da lei atravs de sua formulao verbal", ou seja, "pretende-se inferir logicamente das palavras o valor da norma jurdica". Por isso vlida, no direito, a interpretao gramatical. Na verdade, a interpretao uma atividade nica e complexa. nica por ser um processo e complexa porque se constitui de vrios momentos que se integram entre si, no podendo o todo ser coeso sem uma das partes, nem as partes sem serem consideradas no todo. 3.2) A Chamada interpretao autntica A interpretao autntica aquela feita pelo prprio rgo do qual emanou a lei. A interpretao autntica se processa mediante a elaborao de leis interpretativas, ou seja, leis que tm por finalidade a determinao do sentido de uma norma jurdica. No estamos em face de uma interpretao autntica, quando se regula s para o futuro [prembulo] ou se completa qualquer lacuna de uma lei precedente [leis confirmativas e retificativas].(FERRARA, 2002, p. 28).
O efeito da lei interpretativa criar interpretao vinculada ao sentido determinado por ela. A interpretao autntica, pelo contrrio [em relao interpretao doutrinal], declara formal e obrigatoriamente o sentido de uma lei anterior, prescindindo de que este se ache efetivamente contido na lei interpretada.(Idem, p. 28). Portanto, no estar o legislador elaborando lei interpretativa quando esta alterar o sentido da norma interpretada ou dar-lhe finalidade diversa. E mais importante que a vinculao da interpretao da norma anterior, a eficcia retroativa de que se reveste a lei interpretativa, j que mesmo antes de receber autntica interpretao a norma anterior j gerava efeitos jurdicos, salvo se a controvrsia j houver sido resolvida por transao, ou pelo transito em julgado da sentena. Por isso tal lei deve emanar de rgo que possa derrogar norma interpretada. 3.3) Objeto da interpretao Voluntas legis, non legislatoris A voluntas legis a vontade do texto da lei, e a voluntas legislatoris a vontade do legislador, expressa em lei. Na interpretao, o aplicador deve analisar a vontade da lei, aquilo que do texto pode ser extrado independente da vontade do legislador. O intrprete deve apurar o contedo de vontade que alcanou expresso em forma constitucional, e no j as volies alhures manifestadas ou que no chegaram a sair do campo intencional. Pois que a lei no o que o legislador quis ou no quis exprimir, mas to somente aquilo que ele exprimiu em forma de lei.[SCHLOSSMANN. Der Irrtum ber wesentl. Eigenschaften, p. 26.]. [...]Como diz Thl, pela sua aplicao a lei desprende-se do legislador e contrapem-se a ele como um produto novo, e por isso a lei pode ser mais previdente do que o legislador.(Idem, p. 30). A grande relevncia disso que assim se pode interpretar a lei independentemente da vontade do legislador, no por desvirtuar seu sentido pela ao do tempo, mas por aplicar (novos ou antigos) princpios com uma diversa apreciao e projeo no meio social. Da dizer-se que a lei uma obra de arte, distinta, pois, de quem a criou: A obra legislativa como uma obra artstica em que a obra de arte e a concepo do criador no coincidem. Tambm o contedo espiritual da lei no coincide com aquilo que dela pensam os seus artfices: na lei est sempre um fundo, de inconsciente e apenas suspeitada vida espiritual, em que repousa o trabalho mental de sculos.(Idem, p. 31). Dessa forma dada a objetivao da lei, ou seja, ela considerada em si mesma, enquanto corpo de pensamento e vontade prprios. 3.4) Mtodo de interpretao " A interpretao no pura arte dialtica, no se desenvolve com mtodo geomtrico em um crculo de abstraes, mas perscruta as necessidades prticas da vida e a realidade social." (Francesco Ferrara) Na busca do sentido da lei, o intrprete deve analis-la em vrios momentos: primeiro, socorre-se do momento literal, ou seja, analisa o texto da lei com base nas palavras e na conexo lingstica;
depois, deve-se submet-lo o texto da lei interpretao lgica, a partir da qual quer-se deduzir a voluntas legis com base em outras circunstncias que no as gramaticais, quer sejam os elementos histricos, os racionais, quer sejam os sistemticos. [...] A interpretao lgica, porm, no deve contrapor-se rasgadamente interpretao lingstica: no se trata de duas operaes separadas, [...] so as partes conexas de uma s e indivisvel atividade.(FERRARA, Op. Cit., p. 33). A interpretao literal (gramatical, lingstica ou verbal) a anlise da lei com base nas palavras que compem seu texto, bem como da conexo entre elas. E se, "efetivamente, o texto da lei forma o substrato de que deve partir e em que deve repousar o intrprete", a interpretao literal h de ser o primeiro momento da interpretao da lei. Neste momento, o intrprete visa o sentido das palavras a partir do uso lingstico, com base nos seguintes passos: 1.As palavras devem entender-se no seu sentido usual comum, salvo se da conexo do discurso ou da matria tratada derivar um significado especial tcnico; Se a acepo tcnica da palavra no coincidir nem corresponder ao seu significado popular, de presumir que o legislador usou as palavras com plena reflexo e, portanto, se serviu de seu significado tcnico, de preferncia ao vulgar; 2.Quando o legislador empregar uma frmula e maneira de dizer com um valor especial, diverso do ordinrio e do jurdico, e que resulte do confronto com a terminologia e a estilstica adaptada em um cdigo ou corpo de leis, deve prevalecer este significado individual; 3.As palavras devem ser entendidas em sua conexo; 5) "se as palavras so equvocas ou indeterminadas, se todo o princpio obscuro, se resultam conseqncias contraditrias ou revoltantes, (...) Ser preciso recorrer interpretao lgica".(FERRARA, 2002, p. 34). Entretanto, dada a possibilidade de que as palavras sejam defeituosas ou imperfeitas; ou sejam demasiado gerais; e que no se exclui o emprego de termos errneos, "O sentido literal incerto, hipottico, equvoco". Da emerge a necessidade do momento lgico. A interpretao lgica refere-se ao momento em que se quer deduzir a voluntas legis com base em outras circunstncias que no as gramaticais, quer sejam os elementos histricos, os racionais, quer sejam os sistemticos. O elemento racional da interpretao lgica implica na anlise da lei a partir da ratio legis, sem, entretanto, ignorar a occasio legis. Ou seja, entende-se o sentido da norma com base na razo que ensejou sua elaborao ratio legis entretanto, tal razo pode ser encontrada observando-se a ocasio de sua criao occasio legis. A ratio legis , pois, o "fundamento racional objetivo da norma", enquanto a occasio legis a "circunstncia histrica de onde veio o impulso exterior para a criao da lei".
Quanto a este elemento torna-se mister ressaltar que: [...] a cessao das circunstncias que fizeram nascer uma lei no exercita nenhuma influncia sobre seu valor jurdico. A ratio legis [tambm] pode mudar com o tempo. O intrprete, examinando uma norma de h um sculo, no est incondicionalmente vinculado a procurar a razo que induziu o legislador de ento, mas qual o fundamento racional de agora.(FERRARA, Op. Cit., p. 36). J o elemento sistemtico da interpretao lgica quer se referir ao carter complexo do direito, ou seja, o significado de uma norma em relao com as outras hierarquicamente superiores ou mais gerais. O direito objetivo, de fato, no um aglomerado catico de disposies, mas um organismo jurdico, um sistema de preceitos coordenados ou subordinados, em que cada um tem o seu posto prprio.(Idem, p. 37) Temos, pois, que o elemento sistemtico nos permite vislumbrar o direito enquanto um todo harmnico, metfora de um organismo. a anlise da parte sem perder de vista o todo. E, sendo "o direito, em especial o direito privado, o produto de uma lenta evoluo", o elemento histrico da interpretao racional refere-se ao (re)montar da histria de institutos jurdicos com a finalidade de entender o que pelo elemento lgico no se pde compreender. delinear o sentido de uma norma com base na sua histria, nas acepes sobre ela quando de sua criao original, no conjunto de transformaes que sofreu desde sua elaborao. 3.5) Os trabalhos preparatrios "... os Trabalhos Prepearatrios (...) amide no nos dizem nada ou so uma catica mixrdia de teorias opostas em que todo o intrprete pode achar cmoda confirmao para as opinies prprias." (Francesco Ferrara) Os trabalhos preparatrios so o conjunto de trabalhos realizados pelos legisladores e que precedem lei, incluindo desde os projetos de lei, as discusses de comisses, os motivos, relatrios, at os discursos parlamentares. Mas a grande questo : qual o valor desses Trabalhos Preparatrios ? Est hoje refutada a obsoleta concepo que, identificando o legislador com o redator da lei, dava a tais discusses e opinies quase a autoridade de uma interpretao autntica.(Idem, p. 39). Considera-se, pois, atualmente, os Trabalhos Preparatrios como mero material interno dos rgos legiferantes que refletem debates dos legisladores, demonstram teorias citadas para defender ou refutar a razo da elaborao da norma, ou seja, so a expresso da manifestao de vontade individual dos diversos atores da criao da lei. Sendo assim, se nem todos fazem registrar sua vontade, e se as vontades manifestadas se contraditam, como podem ser os Trabalhos Preparatrios valorados na interpretao da lei? Duas so as possveis valoraes, como se segue:
Os trabalhos preparatrios podem esclarecer-nos relativamente s idias e ao esprito dos proponentes da lei ou de alguns votantes, e [1] valem como subsdio, quando puder demonstrar que tais idias e princpios foram incorporados na lei. [2] Em caso diverso, devem considerar-se momentos estranhos lei e sem influncia jurdica. Valem apenas como ilustraes de carter cientfico.(FERRARA, 2002, p. 39). Refora-se aqui que a interpretao da norma deve ser feita no seu valor objetivo, e em conexo com o sistema jurdico. 3.6) Resultado da interpretao "Se as palavras empregadas so equvocas ou indeterminadas, se todo o princpio obscuro, se resultam conseqncias contraditrias ou revoltantes, a interpretao literal no poder remediar esta situao. Ser preciso recorrer interpretao lgica". (Francesco Ferrara) Quando h concordncia entre o resultado da interpretao lgica e o da gramatical, diz-se ter havido uma interpretao declarativa, na qual, nada mais feito que "declarar o sentido lingstico coincidente com o pensar legislativo". -H perfeita correspondncia entre as palavras e o sentido da lei: a interpretao lgica apenas confirma e valoriza a interpretao literal ou; - as palavras da lei so ambguas e permitem vrios sentidos lei, e a interpretao lgica ajuda a fixar o sentido da lei: "A interpretao lgica adotar, conforme as circunstncias, o sentido que melhor se ajuste vontade da lei". A interpretao declarativa pode ser lata ou restrita conforme se adote o sentido limitado ou amplo das expresses ambguas, respectivamente. Entretanto, quando h discordncia entre o resultado da interpretao lgica e o da gramatical, tal " imperfeio lingstica pode manifestar-se de duas formas: ou o legislador disse mais do que queria dizer [restritiva], ou disse menos, quando queria dizer mais [extensiva]." ( FERRARA, 2003). Ou seja, a interpretao restritiva se aplica quando o texto da lei se refere a uma classe ampla, genrica, quando quis se referir a uma classe especial de relaes. Sendo assim, aplica-se: 1) se o texto, entendido no modo to geral como est redigido, viria a contradizer outro texto de lei; 2) se a lei contm em si uma contradio ntima ( o chamado argumento ad absurdeum); 3) se o princpio, aplicado sem restries, ultrapassa o fim para que foi ordenado.(FERRARA, Op. Cit., p. 43). J a interpretao extensiva se aplica aos casos contrrios aos da interpretao restritiva. Ou ainda, destina-se a corrigir um texto que restringe por demais a aplicabilidade da lei. O legislador, exprimindo seu pensamento, introduz um elemento que designa espcie, quando queria aludir ao gnero, ou formula para um caso singular um conceito que deve valer para toda uma categoria.(FERRARA, Op. Cit., p. 43).
E pelo fato de reintegrar o pensamento legislativo, a interpretao extensiva se aplica a todas as normas, inclusive as normas penais e as de carter excepcional. , pois, o meio mais eficaz para a sistematizao dos princpios do direito. H ainda a chamada interpretao abrogante. O resultado mais extremo a que pode chegar uma interpretao a abrogao de uma lei, que consiste em negar sentido e valor a uma norma por ser absolutamente contraditria e incompatvel com outra de carter superior e principal. H, embora, casos em que as normas absolutamente contradicentes e incompatveis tm "preceitos igualmente principais e antagnicos, [ quando] a contradio leva sua eliso recproca". 3.7) Desenvolvimento do sentido da lei "Os preceitos jurdicos tm um contedo virtual, que funo do intrprete extrair e desenvolver." (Francesco Ferrara) O intrprete da lei deve desenvolv-la, ou seja, extrair-lhe princpios implcitos, alm dos explcitos claro e tirar desses princpios todas as conseqncias possveis: tanto as expressas, quanto as latentes. Para desenvolver a lei, o aplicador pode se utilizar dos seguintes argumentos: 1) Legitimado um fim, legitimados esto os meios indispensveis para se conseguir esse fim (aplicao nos temas das servides, art. 639). Vice-versa, se o fim incondicionalmente proibido, so tambm ilcitos os meios respectivos. 2) Quem tem direito ao mais, tem direito ao menos (argumentum a maiori ad minus). Se vedado o menos, deve s-lo tambm o mais (argumentus a minori ad maius). Se a disposio limitada s a uns tantos casos, para os outros casos no abrangidos deve entender-se o contrrio (argumentum a contrario).(FERRARA, Op. Cit., p. 46). Entretanto, no h que se confundir o desenvolvimento das leis com a interpretao extensiva, pois enquanto esta "tem lugar quando o legislador quis dizer mais do que disse", aquela, ao invs, prope-se "extrair um pensamento novo no expresso, em anttese com o estabelecido para caso regulado".(Idem, p. 47). 3.8) Integrao das lacunas das leis Analogia "Por muito previsora e vigilante que seja a obra legislativa, impossvel que todas as relaes encontrem regulamentao jurdica especial e que a plenitude da vida prtica se deixe prender nas apertadas malhas dos artigos de um Cdigo." (Francesco Ferrara) As relaes sociais e a sociedade se alteram com o passar do tempo, e pode ocorrer que novas formas de se relacionar se originem, no estando, pois, sob a gide do direito. Mas o ordenamento jurdico possui "tendncia a contentar a aspirao das vrias relaes a tornarem-se objeto de regulamentao adequada". Sendo assim, o ordenamento jurdico revela-se como um universo que contm todo o espao amostral das relaes sociais ("... uma atmosfera que circunda a vida social...").
Por isso embora o direito positivo no apresente disposio especial para certa matria ou caso, h nele, porm capacidade e fora latente para a elaborar, e contm os germes de uma srie indeterminada de normas no expressas, mas nsitas e viventes no sistema.(FERRARA, Op. Cit., p. 49). Tem-se, ento, que as lacunas do direito so as brechas no ordenamento jurdico deixadas pelo surgimento de novas relaes jurdicas, as quais so integradas ao sistema jurdico por meio da analogia, desde que observadas as seguintes regras: 1) Que falte uma precisa disposio de lei para o caso a decidir, que portanto a questo no se encontre j regulada por uma norma de direito e isto no apenas segundo a letra, mas tambm segundo o sentido lgico dessa norma. 2) Que haja igualdade jurdica, na essncia, entre o caso regular e o caso regulado.(Idem, p. 53). A analogia no cria direito novo, ela apenas descobre um direito j existente; , pois, o desenvolvimento de normas latentes. 3.9) A escola do direito livre e os novos mtodos de interpretao A escola do direito livre consiste em uma nova orientao doutrinal em contraposio clssica que delimita por demais os poderes do aplicador das leis, estando ele fadado a sempre obedecer norma. A escola livre do direito sustenta que, visto ser a lei defeituosa e insuficiente, toca ao juiz corrigi-la e completa-la, e que nesta funo integradora ele pode guiar-se por momentos subjetivos, por apreciaes de interesses, pelo seu prprio sentimento, criando no posto e ao lado do direito positivo um direito livre judicirio.(FERRARA, Op. Cit., p. 56-57). Seus defensores e suas respectivas teses so: - Adickes: nega a teoria das fontes sob alegao de que lei e costume no criam o direito, ele nasce na convico individual, logo o juiz deve descobrir livremente o direito em sua conscincia. "O direito positivo um limite convico do juiz, mas para alm desta barreira ele pode formar direito livremente". - Blow: confere funo jurisdicional a fora criativa de direito, ao reconhecer um direito judicirio. "A lei no passa de ser um plano do ordenamento jurdico que realizado s pelo juiz". - Kohler: estuda a teoria da interpretao, pondo luz a fora criadora da jurisprudncia. - Geny: critica os mtodos tradicionais baseados na lgica formal construo de silogismos restritiva das possibilidades jurdicas, afirmando dever o juiz produzir o direito com base nos princpios da justia, da sociologia, da filosofia... - Kantorowickz: "o juiz deve decidir a seu arbtrio; a sentena no deve ser motivada; liberdade em toda a linha; em uma palavra, o direito entra em sua fase voluntarstica."
- Ehrlich: em caso de silncio da lei, pode o juiz aplicar o direito livremente descoberto consoante sua poca. - Stampe: a descoberta do direito se d mediante apreciao de interesses. - Muller Ersbach: o mtodo realista da ponderao dos interesses, o que fazem a teoria e a prtica, embora inconscientemente. [2] Entretanto, h divergncias sobre a amplitude da livre criao do direito uma vez que alguns autores defendem tal possibilidade somente nos casos de silncio da lei (analogia), outros, no mbito da interpretao lgica, e h aqueles que defendem a criao do direito em qualquer hiptese. 3.10) Elaborao cientfica O direito como cincia A interpretao e o desenvolvimento da lei, entretanto, so funes jurisdicionais do operador do direito, e constituem a etapa mais baixa e primitiva do conhecimento do direito. No so, pois, as nicas atividades desempenhadas pelos juristas. H uma sistematizao das normas no sentido de extrair-lhe conceitos e sistematiza-los, mediante simplificao quantitativa classificao e reduo a categorias e qualitativa ordenao interior, para se estabelecer uma unidade harmnica. Da decorre o carter cientfico do direito, e de acordo com o qual se estabelecem mtodos jurdicos. Sendo assim, podemos elencar trs operaes fundamentais da elaborao cientfica do direito: - Anlise jurdica A anlise jurdica consiste na decomposio da regra de direito nas suas unidades elementares, na separao e eliminao daquilo que particular e contingente, e na reduo dos preceitos a conceitos jurdicos.(FERRARA, Op. Cit., p. 67). - Concentrao lgica Uma vez distinguidos e separados, os elementos do direito devem reunir-se para serem reagrupados segundo razes intrnsecas de semelhana, de ntima afinidade, e extraindose as regras gerais que presidem s solues particulares.(Idem, p. 69). - Construo jurdica A fase mais alta da elaborao terica do material de direito a construo dos institutos jurdicos. Entende-se por construo jurdica o procedimento pelo qual se procura colher as qualidades essenciais caractersticas de um instituto, reconduzindo-as a conceitos mais amplos e conhecidos, ou ento se apresenta a concepo geral de um instituto, resumindo sob uma idia unitria de carter tcnico e seu complexo ordenamento positivo.(Idem, p. 70). A construo jurdica deve satisfazer a algumas condies para ser boa, tais como coincidir exata e inteiramente com o direito positivo a construo jurdica deve respeitar todo o contedo das regras legais , ter unidade sistemtica no pode haver contradies entre teoria e lei , ter beleza artstica deve ser extremamente simples a construo jurdica. [3] 4 Concluso "Est nisto a aplicao consciente do direito, ou a tcnica da deciso: est em saber atinar com as diversas normas a que, na sua combinao, pertence governar o caso concreto." (Francesco Ferrara)
Tcnica jurdica a habilidade de aplicar a lei, pela utilizao, a priori, de aplicao instintiva do direito e, a posteriori, da subsuno dos fatos norma, somada aplicao dos conhecimentos extrajurdicos que constituem elementos ou pressupostos do raciocnio. "Teoria e prtica no esto em anttese, no so inimigas ou estranhas que mutuamente se ignoram ou desprezam..."(Ferrara, 2003). A teoria, elaborada com base nas regras legais, construda para ser aplicada, ou seja, para a prtica. Ento, deve o juiz observar a doutrina e seus resultados, na aplicao do direito, momento no qual deve p-los prova. Temos, pois, que o direito se constri na sua aplicao, uma vez que na prtica que a teoria ir colher a expresso das necessidades sociais. Uma e outra [teoria e prtica] devem juntar e fundir as suas vistas, as suas crticas, os seus desejos, para cooperarem na atividade legislativa.(FERRARA, Op. Cit., p. 81). E visto que as normas jurdicas so criadas pelo estado e se desprendem das razes psicolgicas e sociais de sua criao, bem como de quem as criou, uma norma apenas pode ser extinta por deciso do estado, o que ocorre somente em dois casos: 1) quando a norma traz em si um limite sua eficcia; 2) ou quando a norma mudada ou ab-rogada por outra posterior. Referncias Bibliogrficas BETIOLI, Antnio Bento. Introduo ao Direito: lies de propedutica jurdica. So Paulo: Hermes Editora, 1989. ERLICH, Eugen. Fundamentos da Sociologia do Direito. Braslia: Editora da Universidade de Braslia, 1999. FERRARA, Francesco. Como Aplicar e Interpretar as Leis. Belo Horizonte: Lder, 2002. HERKENHOFF, Joo Baptista. Aplicar o Direito: luz de uma perspectiva axiolgica, fenomenolgica e sociolgica. 5ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e Aplicao do Direito. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. Notas 1 "A misso do intrprete justamente descobrir o contedo real da norma jurdica, determinar em toda a plenitude o seu valor, penetrar o mais possvel (como diz Windsccheid) na alma do legislador, reconstruir o pensamento legislativo."(FERRARA, 2003, p. 24). 2 Alm de Mayer com as normas de civilizao e Stammler com o direito justo. 3 Elegentia Iuris: configurao artstica da matria, como forma simples, natural, transparente, da realidade jurdica.