Dissertação - Elidiane Araújo de Sousa - 2019 - Completa
Dissertação - Elidiane Araújo de Sousa - 2019 - Completa
Dissertação - Elidiane Araújo de Sousa - 2019 - Completa
Rio de Janeiro
2019
Elidiane Araújo de Sousa
Rio de Janeiro
2019
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CCS/A
CDU 396
___________________ __________________
Assinatura Data
Elidiane Araújo de Sousa
Banca Examinadora:
__________________________________________
Prof.ª Dra. Andrea de Sousa Gama
Faculdade de Serviço Social – UERJ
__________________________________________
Prof.ª Dra. Carla Cristina Lima de Almeida
Faculdade de Serviço Social – UERJ
__________________________________________
Prof.ª Dra. Nívia Valença Barros
Universidade Federal Fluminense
Rio de Janeiro
2019
DEDICATÓRIA
A Profª. Dra. Andrea Gama, minha orientadora, por sua confiança, pelas
valiosas sugestões, pelo tempo que dedicou à leitura do trabalho e, sobretudo pelo
afeto e exemplo de trabalho intelectual que significa para mim.
As colegas da turma de pós-graduação da UERJ Misslene, Maria, Adriana e
Mayana pelo apoio e reflexões críticas sobre a temática da violência contra a
mulher.
Meus sinceros agradecimentos à Juíza Yedda Assunção, a equipe de
profissionais do Fórum de Bangu e a todos aqueles que de alguma forma
contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho.
Violência não é um sinal de força, a violência é um sinal de desespero e
fraqueza.
Dalai Lama
RESUMO
Sousa, Elidiane Araújo de. Violence against women and access to justice: a
study of Protective Emergency Measures in the Violeta Project, at the
Bangu/RJ Regional Forum. 128f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) –
Faculdade de Serviço Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2019.
The research intends to carry out a study about the Measures of Urgent
Protection in the Violet Project in the neighborhood of Bangu - RJ. We sought to
analyze the implementation of the Emergency Protective Measures in the Violet
Project as a mechanism for coping with violence against women. We characterize the
Violet Project as an experience of implementation of the Emergency Protective
Measures, identify the profile of the users served and the aggressors, we classify the
types of violence more recurrent if the main measures of protection. As a
methodology we use qualitative-quantitative research, bibliography research,
documentary analysis on the violet project of the Court of Justice of Rio de Janeiro
and forms of Emergency Protection Measures. The research reveals the profile of the
users served, and the incidence is found in the age groups of 20 to 29 years,
presenting 38% of the registry, 77% of these work; 33% of their aggressors are
between 20 and 29 years of age; the requisites of MPUs were 28% for personal
injury; and what struck us most was the fact that the Judiciary to combat violence
against women presents two types of protective measures: the urgent protective
measures that oblige the aggressor (article 22 of the PML) and the urgent protective
measures (Article 23 and 24 of the LMP), and that they do not have a staff that can
respond to this demand. Therefore, this work shows the importance of MPUs in the
defense of women victims of violence, and that the actions of the State, especially
the judiciary in relation to the measures taken, must be more severe in order to
prevent recidivism of violence against women.
Gráfico 18 - Deseja que o ator do fato seja afastado do lar para garantir sua 105
segurança.......................................................................................
Gráfico 20 - Deseja proibir que o autor mantenha contato com você................ 106
Gráfico 21 - Deseja proibir que o autor mantenha contato com os filhos.......... 106
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
MP - Ministério Público
INTRODUÇÃO......................................................................................... 13
1 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: APORTES TEÓRICOS.................. 21
1.1 Breve contexto histórico e teórico sobre violência de gênero.......... 21
1.2 Violência contra a mulher – mapeando o fenômeno........................... 29
1.3 Histórico das políticas públicas no combate à violência contra as
mulheres no Brasil................................................................................. 39
1.4 Breve discussão sobre as Medidas de Proteção de Urgência no
combate à violência contra as mulheres.............................................. 62
2 ANÁLISE DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA NO
COMBATE A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES............................ 69
2.1 Violência contra as mulheres no Brasil................................................ 69
2.2 Violência contra as mulheres no estado do Rio de Janeiro e o
Projeto Violeta......................................................................................... 75
2.3 Análise das Medidas Protetivas de Urgência na Comarca de
Bangu - RJ............................................................................................... 86
2.3.1 Caracterização socioeconômica das vítimas e seus agressores............. 87
2.3.2 Contexto da violência sofrida.................................................................... 97
2.3.3 A solicitação das Medidas Protetivas de Urgência................................... 103
2.3.4 Parecer da equipe técnica e medidas judiciais tomadas.......................... 107
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 115
REFERÊNCIAS........................................................................................ 122
ANEXO..................................................................................................... 128
13
INTRODUÇÃO
mulher pelo fato de ser mulher. Os motivos mais comuns são o ódio, o desprezo ou
o sentimento de perda do controle e da propriedade sobre as mulheres, situações
comuns em sociedades marcadas pela incidência de papéis discriminatórios ao
feminino, como é o caso da sociedade brasileira.
Nesse sentido, Feminicídio não é um acontecimento isolado, mas é o ponto
culminante de uma violência contínua, arraigada no cotidiano de muitas mulheres.
Por isso, ao procurar coibir penalmente essa violência de gênero, não se deve omitir
sua denominação mais radical, o que acontecia com a Lei Maria da Penha, pois os
crimes qualificados como homicídios escapavam ao seu escopo, (MELLO, 2017).
Segundo Mello (2017), o machismo e o patriarcalismo arraigados em nossa
sociedade configuram motivo mais que suficientes para justificar tal tratamento
diferenciado. Logo, é importante destacarmos as penas que são imputadas aos
agressores de violência de gênero conforme a nova Lei: I - prevê o Feminicídio
como qualificador do crime de homicídio quando é praticado contra a mulher por
razões da condição do sexo feminino; II - considera-se que há razões de condição
de sexo feminino quando o crime envolver: a) violência doméstica e familiar contra a
mulher; b) ou menosprezo e discriminação contra a mulher; III - prevê causas de
aumento da pena de 1/3 até a metade se o crime for praticado: a) durante a
gestação ou nos três meses posteriores ao parto; b) contra menor de 14 anos, maior
de 60 ou pessoa com deficiência; c) na presença de descendente ou ascendente da
vítima; IV - considera-se crime hediondo, conforme a Lei nº 13.104, de 09/03/2015
do art. 121 do Código Penal, para prever o Feminicídio como circunstância
qualificadora do crime de homicídio.
O Mapa da Violência Contra a Mulher (2015) estima que, no Brasil, 13
mulheres são mortas por dia. Dos 4.762 assassinatos de mulheres em 2013, mais
de 50% foram cometidos por familiares. Em outubro de 2017, o 11º Anuário
Brasileiro de Segurança Pública revelou que o Rio de Janeiro era o estado brasileiro
com a menor quantidade de mortes de mulheres registradas como Feminicídio. De
acordo com os responsáveis pelo levantamento, o baixo índice era indício de uma
subnotificação, revelando que a polícia não está preparada para lidar com a
violência contra a mulher.
Conforme registros do Ministério da Saúde, mais de 47 mil mulheres foram
mortas no Brasil nos últimos 10 anos. No estado do Rio de janeiro a taxa de
homicídios de mulheres subiu de 3,6 por 100 mil mulheres em 2010 para 4,2 em
16
2015, chegando a 4,6 em 2016. A média foi de 365 mulheres assassinadas por ano.
(Esquerda Diário, 2018).
No Dossiê Mulher (2017), que tem como autoria o Instituto de Segurança
Pública que analisa a situação de violência às mulheres no estado do Rio de Janeiro
no ano de 2016, indicativos evidenciam que após 11 anos de vigência da Lei Maria
da Penha os assassinatos só aumentaram nos últimos 5 anos. Considerando-se que
os dados relativos ao detalhamento de Feminicídio foram inseridos no banco de
dados somente os relacionados aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de
2016, os quais somaram 42 vítimas (27,3%) das 154 mulheres vítimas de tentativa
de homicídio registradas no período, estima-se que o número de Feminicídio no ano
de 2016 seja superior a esses números apontados (Esquerda Diário, 2018).
Em 2015, o registro de 360 homicídios de mulheres representa entre 7 e 8 %
do total de homicídios dolosos registrados ao ano no estado do Rio de Janeiro, cuja
média é de 380 mortes/ano entre (2002-2016). Do total de vítimas de violência física
registradas em 2016, as mulheres são 63,8% (Dossiê Mulher, 2017). Ainda
Conforme esse documento, a cada 100 crimes de violência sexual no estado do Rio
de Janeiro, 85 são cometidos contra mulheres.
Em 2017, um total de 4.612 mulheres foram vítimas de crimes dessa
natureza: 4.128 vítimas de estupro e 484 vítimas de tentativa de estupro. De acordo
com os estudos do Dossiê Mulher (2017), uma mulher é vítima de estupro, ou
tentativa de estupro, a cada 2 horas, em 2015. Mesmo que esse percentual tenha
diminuído 2,8% em 2016, ainda assim o número de vítimas de estupro é assustador,
visto que somam 4.013 casos. A situação é pior quando se trata de mulheres
negras, pois essas representam 63,7% das vítimas da violência seguida de morte, e
mais da metade das que são agredidas fisicamente, representando, dessa forma,
54,5% do total das mulheres. (Dossiê Mulher, 2017).
Assim, em cinco anos, 225.869 mulheres vítimas de violência doméstica e
familiar fizeram pedidos de Medidas Protetivas de Urgência à Polícia Civil do Rio de
Janeiro. O levantamento feito entre 2013 e 2017 revela que os números divulgados
pelo Dossiê Mulher (2017) representam uma média diária de 123 solicitações nesse
período. O Dossiê também levantou outros números que chamam atenção: mais de
4 mil mulheres foram vítimas de violência sexual no estado do Rio de Janeiro, e
desse quantitativo mais da metade, 68%, foi vítima dentro da própria casa.
17
O “Projeto Violeta” foi idealizado pela Juíza Adriana Mello, em conjunto com
outras autoridades envolvidas na defesa da mulher em situação de violência -
Polícia Civil, Defensoria Pública e Ministério Público -, e inicialmente implementado
em junho de 2013, no I Juizado de Violência Doméstica, localizado na Av. Erasmo
Braga 115, 12º Andar - Sala 1204 - Palácio da Justiça.
O Projeto Violeta tem como objetivo garantir a segurança e a proteção
máxima das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, acelerando o acesso
à Justiça daquelas que estão com sua integridade física e até mesmo com a vida em
risco. Vencedor do Prêmio Innovare de 2014, o Projeto consiste em um núcleo de
atendimento às vítimas de violência doméstica, numa ação que conta com a
participação de Defensores Públicos, Promotores e Assistentes Sociais dentro da
18
maior número de morte de mulheres (6,8 mulheres mortas a cada 100 mil
habitantes), ficando atrás de Espírito Santo (8,6), Rondônia (7,2) e Mato Grosso
(7,0). As agressões são provenientes, em sua maioria, dos ex-companheiros (36%)
e companheiros (19%); seguida por ex-namorado (13%); marido (11%); ex-marido
(6%); filho (4%); irmão (4%) e outros familiares (4%). Com relação à recorrência da
agressão, a pesquisa mostra que as vítimas somente buscam proteção judicial após
sofrerem inúmeros atos de violência (47%), em menor número após a primeira
agressão (23%) e 11% após a segunda. No que diz respeito ao local onde as
agressões são cometidas, a predominância está no ambiente doméstico (57%),
seguido pela via pública (23%) e no trabalho da vítima (16%). A pesquisa aponta
também que os tipos de violência mais ocorrentes são a violência psicológica,
representando 46,8% do total, seguida pela violência física, 33,5% e, por último, a
violência moral, com 16,6% do total.
Assim sendo, os estudos realizados nesta Dissertação foram sistematizados
em 2 capítulos, respectivamente: no 1º capítulo, realizamos estudos a respeito do
histórico da violência contra a mulher; descrevemos como se realizou o processo de
desenvolvimento de políticas públicas no combate à violência contra a mulher no
Brasil; e fazemos uma breve discussão a respeito da MPU’s em efetivação. No 2º
capítulo, expomos um breve panorama sobre a violência contra as mulheres no
Brasil; e sobre a violência contra as mulheres no estado do Rio de Janeiro; além de
analisarmos os Formulários de Requerimento de Medidas Protetivas do Projeto
Violeta na Comarca de Bangu.
Para atender aos objetivos desta pesquisa, caracterizamos o Projeto Violeta
como uma experiência de implementação das Medidas Protetivas de Urgência;
identificamos o perfil das usuárias atendidas, e dos agressores; classificamos os
tipos de violência mais recorrente; e as principais medidas de proteção.
O lócus de investigação da pesquisa foi o “Projeto Violeta”. Colocamos em
destaque as características do projeto e a experiência da implantação das Medidas
Protetivas de Urgência, em Bangu, no estado do Rio de Janeiro. Esse projeto tem
por objetivo garantir a segurança e proteção imediatas às mulheres em situação de
violência doméstica e melhorar a qualidade do atendimento dispensado a elas no
Poder Judiciário. O “projeto Violeta” considera que a assistência jurídica gratuita se
configura um instrumento fundamental para a efetividade do princípio do acesso à
justiça e do processo justo.
20
Santos e Izumino (2005) definem violência como uma ação que transforma
diferenças em desigualdades hierárquicas com o fim de dominar, explorar e oprimir.
A ação violenta trata o ser dominado como “objeto” e não como “sujeito”, o qual é
silenciado e se torna dependente e passivo. Nesse sentido, o ser dominado perde
sua autonomia, ou seja, sua liberdade, entendida como “capacidade de
autodeterminação para pensar, querer, sentir e agir”.
Saffioti (2015) ressalta que qualquer comportamento que tenha a intenção
da ruptura de qualquer forma de integridade da vítima, sendo essa: física, psíquica,
sexual ou moral, através ou pelo uso da força, é considerada como violência, logo,
compreende-se que qualquer tipo de violência é uma violação dos direitos inerentes
do ser humano.
22
[...] violência contra as mulheres resulta [...] de uma ideologia que define a
condição “feminina” como inferior à condição “masculina”. As diferenças
entre o feminino e o masculino são transformadas em desigualdades
hierárquicas através de discursos masculinos sobre a mulher, os quais
incidem especificamente sobre o corpo da mulher. Explica a autora que,
“[a]o considerá-los discursos masculinos, o que queremos simplesmente
notar é que se trata de um discurso que não só fala de “fora” sobre as
mulheres, mas sobretudo que se trata de uma fala cuja condição de
possibilidade é o silêncio das mulheres”. Tais discursos masculinos não se
contrapõem a discursos “femininos”, já que são produzidos e proferidos
tanto por homens quanto por mulheres.
que apesar de já ser superado como organização social que tem o patriarca
como figura central de uma comunidade familiar ou econômica, ainda
possui grandes reflexos na estrutura social do século XXI.
[...] o uso do termo gênero provocou nos estudos feministas foi o crescente
questionamento sobre o caráter reducionista e excludente da identidade
mulher, ainda que no plural (mulheres) [...] Apesar de gênero e de
patriarcado não se situarem em um mesmo campo de referências, o uso de
um conceito não tem resultado, necessariamente, na exclusão de outro.
Muitas análises têm feito o uso simultâneo dos termos “patriarcado” e
“gênero”. No entanto, a categoria gênero abriu a possibilidade de realização
de novos questionamentos, uma vez que a categoria patriarcado parecia
dar conta de explicar todo um conjunto de relações sociais produtoras de
desigualdade entre os gêneros. Por outro lado, os estudos de gênero não
garantem respostas completas sobre uma forma histórica de dominação ou
de exploração (MACHADO, 2000). As abordagens de Saffioti e de Werneck
& Iraci acima apontadas são exemplos de propostas analíticas que
associam gênero e patriarcado, de modo articulado também com outras
categorias como raça e classe social.
ao longo do tempo e, por este motivo, nem sempre é fácil de ser observada ou
modificada, levando e consideração que esta é inscrita nos ditados populares, nas
“piadas” preconceituosas, mas que insistem em arrancar sorrisos de quem as
proferem e de quem concorda com tais discursos, nos olhares, nos gestos etc.
Santos e Medeiros (2017, p. 2) enfatizam:
sua mulher. Esta, educada que foi para submeter-se aos desejos masculinos, toma
este “destino” como natural”.
A partir da breve discussão acreditamos que o debate a respeito da violência
contra a mulher no Brasil deve ser considerada e levada em questão, pois
observamos muitas situações de violência que são cometidas contra as mulheres,
porém, em certos casos o agressor sai impune, todavia, em nossa concepção,
apesar das muitas conquistas que as mulheres conseguiram, em certos ramos da
sociedade, ainda não são reconhecidas e respeitadas como deveriam, não há uma
valorização pela própria mulher.
Ademais, para darmos continuidade a esse debate é importante
ressaltarmos que no próximo tópico nossa ênfase será violência de gênero contra as
mulheres, a mulher era vista como aquela quem deveria obedecer, ser passiva em
suas ações, deveria somente acatar, e não agir, e caso contrariasse o homem, seu
companheiro/esposo, poderia ser punida, como se fosse algo natura. Tais situações
encontramos atualmente, pois isso destacarem a violência de gênero contra a
mulher no tópico seguinte.
discussão de gênero, haja vista que se não houvesse uma discussão mais ampla a
respeito, a mulher estaria e seria submissa ao homem, não teria vez no cenário
político, econômico, etc., ou seja, são questões que devem ser tratadas através de
políticas públicas que os deem auxílio.
A interseccionalidade é um debate no qual é considerado duas ramificações
nas quais a sociedade não consegue enxergar e é considerado natural à mulher, ser
submissa, pelo fato de haver aspetos de superioridade entre os indivíduos, no caso
da mulher, além disso, não teria seus direitos garantidos, e conforme (HIRATA,
2014, p. 61-62):
sobretudo numa ideia mais geral relacionada ao fato de como a cultura é diferente e
superior a natureza.
Destarte, compreendemos que a constituição e debate sobre a categoria
gênero recaem não somente para distinguir o que é masculino e feminino, ou seja,
vai para uma discussão na qual tentam enquadrar de forma natural e obrigatória a
cultura masculina, todavia, percebemos que essa discussão deve ser realizada de
forma minuciosa, pois se formos nos deixar levar pelos ideais tradicionais os
costumes do patriarcado sempre prevaleceram em todos os espaços.
Piscitelli (2008) enfatiza que as diversas formas de combater a dominância
masculina nos espaços de debate é importante pois, houve uma universalidade da
hierarquia e da subordinação feminina em sistemas nativos de moralidade e de
concepções nativas de poder e político.
Entretanto, percebemos a importância em pensar gênero, pois esse não
deve ser compreendido como mecanismo segundo o qual se produzem e
naturalizam noções do masculino e feminino, mas também como o mecanismo
mediante o qual esses termos são desconstruídos e desnaturalizados.
Sendo assim, é importante a radicalidade de sua formulação, pois, consiste
em pensar gênero como um fazer, como uma atividade que é performada para
alguém, mesmo que esse alguém seja inteiramente imaginário.
A discussão propõe afastar o gênero de ideias como a relação entre
masculinidade e feminilidade, pois o binário masculino/feminino não esgotaria o
campo semântico do gênero, vale a pena considerar em um diálogo múltiplo com
aspectos do pensamento feminista, do pensamento queer e com os movimentos da
Nova Política do Gênero que reivindicam direitos sexuais, incluindo os direitos de
pessoas intersex e trans.
O debate de gênero é forte e tem sua complexidade na qual envolve
diversas gamas da sociedade nas quais merecem destaque, porém, como não
conseguiremos abordar todas, focaremos brevemente no debate sobre
interseccionalidade na qual segundo Hirata (2014, p. 62) “aponta o uso desse termo,
pela primeira vez, para designar a interdependência das relações de poder de raça,
sexo e classe.”
De acordo com Hirata (2014, p. 62) a categoria da interseccionalidade, tende
fazer uma discussão com intuito de enfatizar:
33
[...] num código de sexualidade ainda muito rígido –o que é próprio ou impróprio;
o que é natural, agradável, normal, ou ao contrário: danoso, excessivo,
insultuoso; aquilo que é passível de admiração, aceitação ou, inversamente, de
repulsa, negação. Submeteram-se a padrões de sexualidade claros ou implícitos
quanto à regulamentação das relações sexuais indesejáveis –entre camadas
sociais, raças ou faixas etárias diferentes.
Nestas últimas, só era admitido o contato do homem mais velho com mulher
mais jovem –esta era a “teúda e manteúda” e muitas vezes tolerada pelaesposa
que já havia perdido o interesse sexual (ou nuncao tivera, seja pela estimulação
inadequada do marido, seja por sua própria repressão sexual), além de
pressentir que a outra, embora bela e atraente, seria um objeto facilmente
descartável quando a paixão do marido declinasse [...] (NEGREIROS, 2004,
p.81).
38
Art. 7º. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre
outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua
integridade ou saúde corporal;
52
Estamos aqui diante de uma nova hipótese de prisão preventiva e isso fica
patenteado com a alteração promovida pelo art. 42 da Lei 11.340/2006,
acrescentando o inciso IV no art. 313, do Código de Processo Penal. De
forma bastante específica, a prisão preventiva vai ser ordenada quando se
tratar de crime envolvendo violência doméstica e familiar contra mulher e
estiver prejudicada a execução de medidas protetivas de urgência prevista
na Lei 11.340/2006. Dessa forma, vale reforçar que a prisão é decretada
para garantir a execução de medidas de proteção. Com a nova
determinação a prisão não vai mais depender dos casos específicos
arrolados pelo art. 313 do Código de Processo Penal.
Logo, sobre as ações realizadas a partir das medidas de proteções que são
impostas aos agressores das mulheres vítimas de violência é importante
55
doméstica, pois ela penaliza o agressor, o que até então não ocorria, nos casos de
violência contra a mulher, e era considerado crime de menor potencial ofensivo, sem
que nenhuma medida protetiva fosse oferecida à vítima e a pena principal impetrada
ao agressor se reduzia ao pagamento de cestas básicas, (SANTOS e MEDEIROS,
2017, p. 9).
Santos e Medeiros, (2017, p. 9):
A violência contra a mulher passou a ser crime, sendo tratada com maior atenção e
respeito.
Para que haja essa ação,deve haver por parte do Judiciário uma decisão
que garanta uma proteção mais eficaz contra a ação deagressores. Isso significa
que, independentemente da existência de qualquer feito penal,deve-segarantiro
direito a um atendimento especializado e a proteçãopolicial ininterruptapara proteger
as mulheres do “Ciclo Espiral Ascendente de Violência” teoria definida pela
psicóloga americana Lenore Walker. Ela identificou que as agressões cometidas em
um contexto conjugal ocorrem dentro de um ciclo que é constantemente repetido.O
ciclo se inicia com a fase da tensão, que é anterior a agressão. Pode manifestar-se
no tom de voz, em insinuações e manifestações verbais grosseiras. A segunda fase
é a da explosão, onde o agressor demonstra toda a sua ira, reage a determinadas
situações de forma desproporcional, até chegar às agressões físicas. Já a fase da
lua de mel é o momento que se segue à fase da explosão, quando o agressor pede
desculpas e a manipula afetivamente de várias formas, uma delas é prometendo que
a situação não vai mais se repetir.Com o tempo, os intervalos entre uma fase e outra
ficam menores, assim como as agressões passam a acontecer sem obedecer à
ordem das fases.
Ressalta-se também a importância da proteção a essas mulheres, já que
ocorre a ruptura quando estas estão mais vulneráveis. De acordo com o ciclo de
violência, muita das vezes, a mulher rompe com o ciclo após a segunda fase quando
ocorre a explosão da violência, estando mais fragilizada, emocionalmente e
fisicamente.
As mulheres que decidem romper um relacionamento violento também
estão rompendo com uma série de sonhos e expectativas em relação ao
casamento e à família. Há perdas e ganhos frente a esta decisão, que não
devem ser ignorados pelos profissionais de saúde. Reconhecê-las, implica
poder trabalhá-las e, assim, fortalecer a mulher no redirecionamento e
estabelecimento de novos projetos de vida. (PASSOS, 2006, p.21).
moral e material (patrimonial) das vítimas, com a finalidade de garantir que ela possa
agir livremente ao optar por buscar o amparo estatal e em especial a jurisdicional
contra seu suposto agressor.
Conforme Carneiro (s/d)as medidas protetivas de urgência foram
instrumentos criados pela lei 11.340/2006 com o intuito de assegurar proteção
estatal em favor da mulher. Logo, a concessão dessas medidas protetivas é deferida
pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, quando a
vítimasolicita amparo na Delegacia. Opedido de medidas protetivas deve ser
encaminhado pelo delegado em 48 horas (art. 12, III), e o juizdeve decidir em 48
horas (art. 18, I), sendo assim, após o deferimento, o agressor deve ser intimado da
decisão, o que nem sempre é possível, devido o agressor dificultar o recebimento da
intimação ou até mesmo evadir-se para local incerto, o que prejudica a
concretização da medida protetiva contra o agressor. Importante ressaltar que são
altos os números de casos de violência doméstica e que por vezes não são
apreciados em tempo hábil, assim ensejando o perigo de demora.
Mello (2009, p.11) salienta que a lei prevê as Medidas Protetivas de
Urgência nos artigos 22, 23 e 24 que:
4 Rússia 5,3
5 Brasil 4,8
6 México 4,4
7 Moldávia 3,3
8 Suriname 3,2
9 Letônia 3,1
10 Porto Rico 2,9
com 16 anos ou mais que sofreram algum tipo de violência durante o ano de 2018,
isso significa 1.830 mulheres por hora. Segundo a pesquisa foram 4,7 milhões de
mulheres vítimas de agressão física (soco, chutes e empurrões), 536 mulheres por
hora e1,7 milhão foram ameaçadas com facas ou armas de fogo. Essa relação entre
a posse de armas de fogo e o agravamento da violência contra as mulheres é tão
intensa, que a própria Lei Maria da Penha, prevê em seu art. 22 como uma de suas
Medidas Protetivas de Urgência a suspensão da posse ou porte de armas do
agressor. Nesse sentido, é pertinente salientar a importância da política de controle
de armas de fogo na segurança de todos. No entanto, com a assinatura do atual
presidente do decreto que altera o Estatuto do Desarmamento de 2003 facilitando a
posse de armas de fogo no país, esse cenário pode agravar ainda mais a situação
das mulheres que convivem cotidianamente com a violência.
Outro dado desta pesquisa que nos chama atenção é que 1,6 milhões de
mulheres sofreram espancamento ou tentativa de estrangulamento, três mulheres
por minuto. E 76,4% desses casos de agressão foram cometidos por um homem
conhecido, sendo que 23,8% deles eram namorado/ cônjuge/ companheiro, 15,2%
ex-namorados e ex-companheiros e 21,1% vizinhos. No que se refere ao âmbito da
violência, 40% dessas agressões aconteceram dentro de casa, caracterizando o
ambiente doméstico como local preferido pelo agressor, por ser resguardado da
opinião e interferência de terceiros.
Quanto aos dados da percepção da violência com predominância das ofensas
verbais e sexuais, baseadas na escolaridade, as mulheres com ensino médio e
superior, respectivamente 46,3% e 45,2% prevalecem com a maior taxa de
percepção de vitimização, enquanto as com nível fundamental reportam 17,3%.
Fonte: Ligue 180: Balanço Semestral – janeiro a junho de 2018 (SPM/MDH, 2018).
Nos últimos anos o Rio de Janeiro foi palco de diversos atos violentos contra
a mulher que envergonharam a população do estado. Um deles foi o assassinato da
Vereadora Marielle Franco, que morreu em um atentado com treze tiros que
atingiram o carro em que estava. Outro cruel acontecimento foi o da Paisagista
Elaine Caparroz que foi brutalmente espancada em seu apartamento por cerca de
um período de quatro horas, por um rapaz que estava se relacionando. Mais um
terrível caso, foi o da proprietária de uma lanchonete que foi arrastada pelos
cabelos, recebeu chutes pelo corpo e coronhadas na cabeça, por ter enviado um
pedido errado ao cliente. E o caso mais atual no estado foi o da idosa de 65 anos
Maria da Penha, morta pelo seu ex-companheiro a golpes de facão, por estar
inconformado com o término do relacionamento. Esses casos são apenas alguns
que repercutiram na mídia e não representam nem a metade dos casos computados
no estado.
76
[...] o fator raça tem um peso bastante significativo nas análises dos
homicídios,merecendo, portanto, foco especial para políticas preventivas
que levem em contafatores atrelados de vulnerabilidade em relação ao
direito à vida.(Dossiê mulher, 2019)
77
Quanto a faixa etária podemos extrair que o grupo que mostrou maior
incidência são jovens entre 20 e 29 anos de idade, com 33%, seguido por homens
de 30 e 39 anos de idade, com 25% e 20% compõe a faixa etária de 40 e 49 anos.
No tocante trabalho e renda do agressor, percebemosuma taxa expressiva de
97% dos homens que possuem trabalho remunerado, enquanto uma pequena
parcela de 3% é de desempregados e estudantes.
Sobre a renda são as mais variadas, porém se destaca a taxa de 67% de
homens que tem como renda a faixa de 1 salário mínimo e meio, seguido por a
salário mínimo com 14%, 2 salários mínimos com 11% e a faixa de 3 a 5 salários
mínimos com 8% do total. Ou seja, são homens que em sua maioria com baixos
salários, porém com salários maiores que os das mulheres. Como mostram os
dados de 2018 da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do
Trabalho, a diferença salarial entre homens e mulheres vem diminuindo aos poucos
nos últimos anos, no entanto a remuneração média feminina em 2017 correspondia
a 85,1% do salário dos homens.
95
[M9]
Em análise ao Gráfico 11, podemos contatar que uma grande parcela de 57%
das violências são vivenciadas pelos filhos(as). Devemos levar em consideração que
o ambiente famíliar é um espaço importante para o desenvimento do ser humano,
uma vez que é neste ambiente que tem inicio o processo de construção da
socialização de cada indivíduo. Nesse sentido Romanelli (1998) destaca que o
processo de socialização é transmitido as crianças, durante o cotidiano dos adultos
por meio de valores, normas e modelos culturais já consolidados e pré
estabelecidos. Portanto, os adultos são modelos para as crianças, que por sua vez
tomam como exemplo a forma como os pais agem em seu dia a dia, assimilando
assim posturas e valores que serão desenvolvidos ao longo de sua vida. Nesse
sentido Saffioti (1997, p.51) ratifica:
Vale enfatizar que estas crianças que testemunham atos de violência, são tão
vítimas quanto suas mães e podem carregar para toda a vida grandes traumas,
necessitando também de atendimento psicosocial e proteção do Estado.
99
que esses homens são reincidentes no mesmo crime e ainda estão descumprindo
medidas judiciais impostas a ele (Lei 13.641/2018, que introduziu o artigo 24-A na
Lei 11.340/2006), ato ao qual é passivel de prisão em flagrante quando houver
descumprimento à ordem judicial de MPU. Ou seja, o juiz(a) irá avaliar se a ordem
judicial estava ou não em vigor e quais eram as medidas concedidas a esta mulher
para saber se haverá ou não a responsabilização criminal deste homem. Outro
ponto de avaliação do judiciário é se houve descumprimento insignificante, que não
teve intenção de violar a ordem judicial, logo não será caracterizado como crime,
como no caso de envio de mensagem pontual para ter notícia dos filhos; encontro
não intencional ou agressivo durante busca dos filhos; compatibilizações
decorrentes de ambos trabalharem no mesmo local, estudarem na mesma
faculdade, frequentarem a mesma igreja, até adequado esclarecimento da
abrangência da decisão da MPU. Todo esse processo demanda um longo tempo de
análise, o ideal seria que houvesse compartilhamento de informações entre sistema
de Justiça e segurança pública, de forma que as autoridades policiais pudessem
verificar imediatamente o conteúdo processual da MPU e as mulheres pudessem ser
informadas em tempo real quanto a aproximação ou liberdade de seu agressor.
Gráfico 18 - Deseja que o ator do fato seja afastado do lar para garantir sua
segurança
[...] a agressão contra mulher que antes era considerada lesão leve, crime
de menor potencial ofensivo nos termos do art. 129, caput, do código penal
e nos termos do art. 88 da Lei 9.099/95, passou a ser analisada pela
referida legislação sendo impostas penas mais severas. As medidas
protetivas de urgência foram criadas visando à preservação da integridade
física, da liberdade de ir e vir, da guarda dos filhos e do patrimônio da
mulher ofendida, sendo que o legislador distinguiu as medidas protetivas de
urgência que obrigam o agressor (art. 22) das medidas protetivas de
urgência à ofendida (arts. 23 e 24).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS[M26]
http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/09/0b78d517c13e632658a0780027
c6bd0b.pdf. Acesso: 09 de julho de 2019.
<https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-
censo.html?busca=1&id=3&idnoticia=1766&t=censo-2010-populacao-brasil-190-732-
694-pessoas&view=noticia>. Acesso em: 12 de março 2019.
OLIVEIRA R.C., LIMA J.C.P, ARANA A.M.F. Da criação das DEAM´s à Lei Maria da
Penha: uma reflexão sobre a questão da violência contra as mulheres. Revista
Ártemis, Vol. XXIV no 1; jul-dez, 2017. pp. 201-213.
ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: <http://
www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php.> Acesso: 18 de março de
2019.
SILVA, Vinagre Marlise. Violência contra mulher: quem mete a colher? São Paulo:
Cortez, 1992.
ANEXO[M27]