Cadernos Do NEHCPED - Vol. 02
Cadernos Do NEHCPED - Vol. 02
Cadernos Do NEHCPED - Vol. 02
Professor Titular de História da UFPE. Doutor em História Social pela UNICAMP. Leciona História no
Centro de Educação/Col, de Aplicação. Docente no PROFHISTÓRIA/UFPE e no PPGH/UFRPE.
imposta não permitia pensá-lo como representação da nacionalidade. Restava
o indígena, que embora combatido no passado e no presente, era o filho
originário da terra e assim como ninguém um elegível e legítimo representante
simbólico da nacionalidade.
O ambiente posterior à proclamação da Independência contribuiu para a
inspiração de uma produção literária e outras expressões artísticas
marcadamente nacionalistas. Em 1825, uma gravura representava D. Pedro
recebendo nos braços o Brasil liberto de grilhões, sob a forma de um indígena.
“O modelo teria sido a Viscondessa de Santos”! (CÂNDIDO, 1975, p.18).
Coube ao Romantismo, movimento literário originário da Europa em muito
influenciado pelas ideias de Jean Jacques Rousseau, introduzidas no Brasil por
volta de 1830, explicitar essa representação da nacionalidade, por meio de
uma conjugação de elementos estéticos e épicos, com uma mentalidade
nativista e politicamente conservadora.
Em muitas imagens, comumente encontradas nos livros didáticos no
Brasil, os indígenas foram representadas por pintores e artistas-viajantes que
percorreram as várias regiões do país a partir das primeiras décadas do Século
XIX. Muitas das imagens eram dos chamados “Botocudos”, nome genérico com
o qual foram denominados diversos grupos indígenas considerados bravios,
habitantes nas fronteiras entre a Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo e o Rio de
Janeiro. Combatidos com “guerra justa” de extermínio, escravizados “enquanto
durasse sua ferocidade” por determinação de D. João VI pelas Cartas Régias
de 1808 e 1809 (MARCATO, 1979), esses indígenas foram objeto de
curiosidades e estudos por naturalistas que estiveram visitando-os em
expedições promovidas entre 1817 e 1825.
As publicações, os relatos dessas expedições, reproduzem em grande
parte, as informações e até mesmo as estampas são cópias litográficas
baseadas no livro intitulado Viagem ao Brasil de Maximiliano de Wied-Newied,
o primeiro a realizar uma viagem às citadas regiões entre 1815-1817. Um livro
do conhecido pintor Rugendas foi incluído dentre os baseados na publicação
de Maximiliano. (HARTMANN, 1975). Nas pinturas de Rugendas, percebe-se a
diversidade bem como a pluralidade de imagens sobre os indígenas no Brasil
oitocentista. Além de imagens épicas cultivadas pelo Romantismo europeu do
indígena como dócil (o civilizado) foi sobreposta outra imagem de barbárie,
existiram outras imagens da inferioridade, da “degeneração”, da extinção do
indígena.
As imagens do artista-viajante Rugendas que esteve no Brasil nos
primeiros anos logo após a Independência, reproduzidas em sua obra Viagem
pitoresca através do Brasil, foram imagens de “tribos selvagens” espalhadas
pelo interior do país as quais o desenhista diferenciando-as entre Tupis e
Tapuias, de acordo com as línguas faladas, acentuaram, todavia, “as
diferenças de organização física são menos sensíveis” e que “os Tupis e os
Tapuias têm caracteres comuns pronunciados”. (HARTMANN, 1975, p. 81-85).
Quando comparou os indígenas com a cor e o crânio da raça mongólica da
Ásia, escreveu o que os distinguia principalmente, “é o fato dos Tapuias terem
membros mais robustos, estatura mais elevada e um aspecto, até certo ponto,
mais humano”. (RUGENDAS, 1979, p.100). Nas considerações históricas e as
várias descrições de “Usos e costumes dos índios”, acompanhando as
estampas coloridas publicadas por Rugendas, estão expressas outras imagens
do autor sobre os indígenas: “os índios não são homens em estado natural e
não são selvagens, mas sim que retrocederam ao estado de selvageria,
porque, foram rechaçados violentamente do ponto a que haviam chegado”.
(RUGENDAS, 1979, p. 104) Para Rugendas os indígenas estavam reduzidos a
uma imagem de brutalidade, resultado das violentas guerras da colonização.
Na estampa “Índios em sua cabana” foi apresentada uma imagem de
brutalidade indígena, para o artista, a cena neutralizava a capacidade de
civilização do índio. O pintor alemão pôs em dúvidas o estado de
desenvolvimento físico e intelectual dos indígenas considerando-os depravados
sem noção de de moral e direitos, afirmando que, “A exceção de suas
necessidades, sua vida pouco difere das dos animais selvagens, com os quais
partilham das florestas primitivas”. (RUGENDAS, 1979, p.159). Nas imagens de
indígenas nas estampas pintadas por Rugendas, observa-se uma uniformidade
nos traços físicos dos rostos desenhados, além de que as figuras dos
indígenas nus representadas seguem a uma “concepção rousseuniana de
homem primitivo” e segundo os padrões de perfeição de beleza estética greco-
romana. (HARTMANN, 1975, p. 81-85).
As observações dos quadros produzidos por Rugendas onde os
indígenas foram pintados de formas assemelhadas com tipos da época de Luiz
XIV, evidenciam a projeção a partir do horizonte europeu das imagens como o
artista-viajante retratou os indígenas descrevendo-os em sua obra. Significativa
foi à declaração do próprio Rugendas: “Mais de uma vez acontece ao viajante,
por na boca do índio a resposta que deseja obter, ou explicá-la de acordo com
suas ideias próprias” (RUGENDAS, 1979, p. 160), demonstrando, os
condicionamentos, as imagens pré-concebidas acerca dos indígenas,
expressadas pelos viajantes que estiveram no Brasil no Século XIX.
Considerações finais
3
Com a coleta concluída na TI Yanomami, Censo já registra 1.652.876 pessoas indígenas em todo o país.
https://www.ibge.gov.br/novo-portal-destaques.html?destaque=36595 Acesso em: 05 mai. 2023.
possível a coexistência entre a lógica da etnia e a lógica da cidadania
(LUCIANO, 2013, p.184).
4
Carta ATL 2023: sem demarcação, não há democracia. https://cimi.org.br/2023/05/carta-atl-2023-sem-
demarcacao-nao-ha-democracia/ Acesso em : 05 mai. 2023.
Certos de seu compromisso com o Brasil; certos de sua ética e
caráter forjados na esteira da linha de produção metalúrgica; certos
da sua capacidade de governar este país para todos os povos que o
ergueram sobre o derramamento de sangue e suor, firmamos aqui
este compromisso mútuo de retomar a direção da nossa democracia
e demarcar a trilha que nos levará à pátria dos trabalhadores e
trabalhadoras, à nação pluriétnica do BEM VIVER.
Referências bibliográficas
5
Doutor em História pela UNICAMP e Professor do Instituto Federal do Piauí, campus Floriano,
do Mestrado Profissional em Ensino de História - PROFHISTÓRIA - da Universidade Estadual
do Piauí em Parnaíba e do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Sociedade e
Cultura da Universidade Estadual do Piauí em Teresina.
Introdução
... privada dos braços dos índios, que até então o Diretório lhes
facultava, o qual foi logo pelo dito governador derrogado, sem
haver ordem régia para isso: subcarregada de uma dívida
enorme pelos prejuízos que sofreu de perder quase toda a sua
colheita por aquela proibição de não facultar-se-lhe os índios, a
quem oferecendo-lhes o jornal como a qualquer outro jornaleiro
jamais queriam trabalhar pela licenciosidade própria de sua
conduta.8
8
Da câmara de Fortaleza a dom João VI. Fortaleza, 17 de novembro de 1821. Arquivo
Nacional (AN), série Interior – Negócios de Províncias (AA), códice IJJ9 513.
liberal lusitana também exigia a permanência de uma lei do Antigo Regime
justamente pelo que tocava no trabalho forçado indígena. Da forma como se
referiram aos índios, tratados como ingratos preguiçosos ainda que
supostamente remunerados de forma correta, esconderam a própria autoria
das explorações corriqueiras e deixaram transparecer seu desprezo e
rivalidade.
A postura indígena durante o período constitucional português era bem
diferente, como se evidencia em um memorial produzido pela câmara municipal
da vila de índios de Messejana juntamente com os “demais cidadãos” da
povoação. Escrito em janeiro de 1822, foi assinada pelos vereadores Joaquim
Lopes de Abreu Lage, Lourenço Soares da Costa, Antônio Francisco Pereira e
Francisco Pereira Correa Lima, os dois últimos indígenas. No texto
encaminhado ao governo da província pediram, entre outras coisas, que o
território do município fosse protegido “sem que as justiças das vilas da
Fortaleza e Aquiraz se intrometam nela”, a abolição do Diretório para que
pudessem vender bebidas alcoólicas e o fim da tutela dos diretores para que
fossem “administrados debaixo da inspeção do seu respectivo capitão-mor”. 9
Atentos aos ventos liberais que sopravam o território português, os índio
de Messejana perceberam no momento a oportunidade de ampliação de suas
prerrogativas garantidas desde o Antigo Regime. Ou seja, não queriam apenas
o cumprimento das determinações do Diretório como o direito de propriedade,
mas buscavam ultrapassar a lei que ainda os considerava incapazes e
necessitados de tutela. Nesse contexto de redefinição da ordem política e de
possibilidades em aberto, se utilizaram de um consolidado espaço
administrativo da ação indígena – a câmara municipal – para se inserir na
igualdade perante a lei prevista pelo liberalismo por meio da condição de
cidadãos (SOUZA, 1999, p. 118. SLEMIAN, 2009, p. 73. SANTOS, 2013, p. 63-
67, 80. DANTAS, 2018, p. 169-170).
Em setembro de 1822, durante os acontecimentos que levaram à
separação do Brasil do Reino Unido com Portugal, a oposição entre os índios e
a elite da capital cearense se manifestou de forma tensa no levante ocorrido
em Maranguape, próximo a Fortaleza. De acordo com o governo da agora
9
MESSEJANA. Ofício da câmara de Messejana ao Governo Provisório. Messejana, 15 de
janeiro de 1822. Biblioteca Nacional (BN), códice II-32, 24, 9.
província do Ceará, já ocupado pela elite fortalezense, cerca de 600 índios se
dirigiram “às fazendas do diretor geral, o sargento-mor José Agostinho, e o juiz
de fora pela lei Joaquim Lopes com ânimo de assassiná-los, e sempre
roubaram as casas, dando gritos contra os europeus, e a favor da liberdade
dos escravos".10 Os dois eram naturais de Portugal, e o segundo conhecido
usurpador de terras indígenas na serra de Maranguape: ou seja, ao afrontá-los,
os índios também ameaçavam boa parte dos membros do governo provincial.
Além disso, bradar pelo fim da escravidão era confrontar todo um sistema
econômico e uma tradição absolutamente cara às elites da América portuguesa
(XAVIER, 2015, p. 82-85. COSTA, 2018, p. 143-150).
As acusações eram fortes o suficiente para a exigir uma repressão
exemplar aos índios rebeldes. Em poucos dias os envolvidos na rebelião foram
todos capturados, presos e severamente castigados. Só foram soltos em
fevereiro de 1823 pela nova Junta de Governo formada por autoridades do
interior do Ceará que depuseram a elite de Fortaleza em janeiro. A nova
composição governativa, tendo à frente nomes como José Pereira Filgueiras e
Tristão Gonçalves, era contrária à concentração do poder na capital e alinhada
a dom Pedro I. Desde o início do mandato contou com a aliança dos indígenas,
selada com a intermediação junto ao imperador em prol do perdão régio aos
presos de Maranguape por meio de um relato escrito acerca dos
acontecimentos que contou com um abaixo-assinado de 21 envolvidos. Para o
governo, os índios deveriam ser inocentados "visto que o seu único crime era
defender a independência”.11 A versão indígena, produzida em conjunto com os
novos mandantes da província, é bem diferente daquela feita pelo antigo
governo:
10
Do Conselho Consultivo do governo do Ceará à câmara da vila de Arronches. Fortaleza, 23
de setembro de 1822, Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), fundo Governo da
Capitania (GC), livro 32, p. 29. Grifo meu.
11
Sessão da Junta Provisória de Governo do Ceará. Fortaleza, 13 de fevereiro de 1823. APEC,
GC, livro 32, p. 63V.
em três meses seriam escravos. Os índios alvoroçados,
lembrados dos seus ferros antigos, pegarão dos seus arcos e
das suas flechas na noite do dia 22 de setembro, convida[ram]
os habitantes a vingar a sua liberdade debaixo dos auspícios
d’El Rei [?] Defensor do Brasil. [Fizeram] retumbar nos ares
seus Nomes Augustos, a sua independência política.
Corre[ram] à casa de José Agostinho Pinheiro para saber se
assinava a causa, assim como já tinham feito aos demais
europeus da povoação. Não derrama[ram] uma só gota de
sangue, e nem maltrata[ram] a pessoa alguma; e se
arromba[ram] as portas de seu diretor foi somente para saber-
se do seu partido. Concorreu o povo em massa [?] para a casa
de Joaquim Lopes de Abreu, não para ofendê-lo, sim para
expulsá-lo para fora das suas usurpações. Foi então que
apareceu um indigno e leve furto.
Logo de início, a postura dos índios acerca das notícias que lhes
chegaram foi apresentada como fiel ao monarca, devota à religião católica e
horrorizada diante da possibilidade de reescravização, o que revela que a
atuação indígena no contexto de independência não rompeu com a cultura
política do Antigo Regime (ALMEIDA, 2007, p. 204-205). Segundo eles, o
intuito de suas ações tinham a ver com a consolidação da causa do Brasil, o
que justificava o arrombamento e o leve furto. Passaram longe da violência e,
ao convocar outros habitantes e inquirir os europeus do lugar, mostravam-se os
mais prestimosos brasileiros ao retumbarem sua independência política
(XAVIER, 2015, 85-98. COSTA, 2018, p. 151-157).
A partir daí, a associação entre independência, antilusitanismo e luta por
liberdade marcou a atuação política indígena no Ceará nos primeiros anos do
Brasil emancipado. Em abril de 1823, uma tropa de índios de Vila Viçosa foi
mobilizada para proteger algumas localidades na província do Piauí, que ainda
era palco de conflitos sangrentos com agrupamentos armados fiéis às Cortes
de Lisboa. Acerca da estadia em solo piauiense, registrou-se a participação
indígena em atos de insubordinação militar, saques e ataques a quem fosse
acusado de ser lusitano. De acordo com o juiz José Marques Freire
15
De Conrado Jacob de Niemeyer a José Felix de Azevedo e Sá. Fortaleza, 20 de setembro de
1825. AN, IN, caixa 742, pacotes 4 e 5.
Cidadania, igualdade e subalternização
16
PARECER do Conselho de Governo da Província do Ceará, 22 de setembro de 1826. In:
Documentos sobre os nossos indígenas. Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza: Editora
"Instituto do Ceará", tomo LXXVII, 1963, p. 323-324.
De posse dos senados de algumas vilas de índios ou da incorporação de
outras extintas, abria-se caminho para a dominação das terras de seus termos.
Enquanto a discussão de outros Conselhos Gerais de Província sobre a
população indígena e sua cidadania tinha como principal objeto o controle da
força de trabalho (MACHADO, 2015, p. 464), no Ceará desse período a
prioridade inicial era a usurpação de suas terras. 17 O Conselho produziu uma
descarada torção jurídica no ancestral direito civil indígena à propriedade, pois
ainda que não deixassem de reconhece-lo, sublimaram-no. Para isso, criaram
os argumentos da subutilização da terra e da “necessidade” de incentivar a
diluição étnica e comunitária como se tais projetos governativos tivessem
respaldo constitucional. O incentivo a miscigenação e dispersão, os
deslocamentos forçados e o despojamento dos cargos políticos nas câmaras
anulariam as defesas aguerridas da terra tradicionalmente empreendidas por
vereadores e lideranças indígenas, como registraram os membros do
Conselho.
O Plano Geral de Civilização dos Índios projetado pela Corte não foi
concluído, mas as ideias dos conselheiros cearenses eram compartilhadas por
outras autoridades da província. Antes da emissão do parecer do Conselho de
Governo do Ceará, os membros da câmara de Aquiraz já haviam emitido em
dezembro de 1825 e abril de 1826 duas petições ao rei para que os índios de
Monte-mor Velho, povoação pertencente ao termo do município, fossem
removidos para uma das vilas próximas a Fortaleza. 18 Baseados no argumento
de que a povoação estava quase deserta e que os índios seriam melhor
vigiados em outra vila, o pedido foi autorizado em agosto 19 e a remoção
efetivada em janeiro de 1827 para Messejana 20 (XAVIER, 2015, p. 119-120).
Em janeiro de 1828 foi a vez dos vereadores de Monte-mor Novo
pedirem a remoção dos indígenas do lugar, que até então era uma vila de
17
Como veremos em seguida, a escassez de mão-de-obra fez surgir a necessidade de
reagrupar os índios e reativar o Diretório na província em 1843, excluídas as prerrogativas
indígenas nele previstas (COSTA, 2018, p. 113-115).
18
Da câmara de Aquiraz a dom Pedro I. Aquiraz, 12 de dezembro de 1825. BN, códice II-32,
23, 83, nº1. Da câmara de Aquiraz a dom Pedro I. Aquiraz, 24 de abril de 1826. BN, códice II-
32, 23, 83, nº1.
19
De José Feliciano Fernandes Pinheiro a Antônio de Sales Nunes Berford. Rio de Janeiro, 18
de agosto de 1826. APEC, fundo Ministérios (MN), série Ministério do Império (MI), livro 89.
20
De Antônio de Sales Nunes Berford a João da Cunha Pereira. Fortaleza, 18 de janeiro de
1827. APEC, fundo Governo da Província (GP), série Correspondências Expedidas (CO EX),
livro 4, p. 178V-179.
índios, mas cuja população passara a minoria pela intensa migração de
colonos nos últimos anos (COSTA, 2020, p. 34-35). Seguindo o exemplo de
Aquiraz e pondo em prática as sugestões do Conselho de Governo, os
senadores de Monte-mor Novo produziram um requerimento abaixo-assinado
com outros moradores, argumentando que a população indígena decrescera
assustadoramente pelos efeitos devastadores da seca de 1825 e que as terras
seriam melhor aproveitadas se passassem à gestão da câmara. 21 A
transferência foi ordenada pela Secretaria de Estado e Negócios do Império em
julho também para Messejana22 (XAVIER, 2015, p. 124-128. COSTA, 2020, p.
35-45). Em sessão do dia 29 de março de 1830, a câmara de Monte-mor Novo
leu “um ofício do presidente da província datado de 17 do corrente participando
a esta câmara ter deixado esta vila de ter o título de vila de índios” (CATÃO,
1939, p. 157).
O fim do estatuto de vila de índios em Monte-mor Novo foi o início do
processo de abolição do Diretório no Ceará. No final de 1830 começaram as
discussões no Conselho Geral da Província que propunham a extinção da lei
pela incompatibilidade com a Constituição e a cidadania dos índios. A primeira
consideração a este respeito foi a proposta de José Ferreira Lima Sucupira:
21
Abaixo-assinado da câmara e povos da vila de Monte-mor Novo, 7 de janeiro de 1828. Anexo
ao ofício de José Lino Coutinho, sem destinatário. Rio de Janeiro, 20 de agosto de 1831. BN,
códice II-32, 24, 15.
22
De Manoel Joaquim Pereira da Silva à câmara de Monte-mor Novo. Fortaleza, 19 de junho
de 1829. APEC, GP, CO EX, livro 13, p. 55V-56.
Ao final, propôs que se cumprisse “o Diretório unicamente naquela parte
que não despuser a Constituição e leis constitucionais”. 23 A sociedade
compreendida por Sucupira já não era mais corporativa como no Antigo
Regime, período associado por ele a barbárie, conquista e escravidão. Por
utopia ou cinismo, entendia que viviam um tempo baseado na igualdade dos
cidadãos, e, já que assim a Constituição declarava os índios (mesmo sem citá-
los), não faria mais sentido o Diretório – que garantia muito mais os direitos de
propriedade indígenas do que os novos arranjos jurídicos e institucionais. É
curiosa sua leitura do artigo 6º da Carta Magna, mas também o quanto não
reconhecia as prerrogativas garantidas pela lei pombalina e como ignorava a
atuação política dos índios pela terra, de posse do conhecimento que tinham
da legislação. O que deixou sem explicação era em que partes o Diretório não
conflitaria com a Constituição e de que maneira tal arranjo protegeria mais
eficazmente os índios e suas propriedades.
Outras propostas sugeriram a abolição do Diretório em 7 de janeiro de
1831, por conta da já pequena quantidade de índios e do pouco trabalho dos
diretores, o que indica um provável processo avançado de dispersão da
população indígena provocado após o fim da Confederação do Equador, a
seca de 1825 e o estabelecimento de políticas abertamente anti-indigenistas na
província.24 Em abril, dom Pedro I abdicou do trono, deixando os índios e
outros grupos subalternos sem um monarca protetor e abrindo caminho para a
ampliação do poder das elites provinciais.
No mês de julho de 1831 foi a vez de indígenas se utilizarem da
condição de cidadãos em prol de seus interesses. Sem dom Pedro pai, os
índios de Monte-mor Velho viram no filho uma oportunidade de atualizar sua
relação de proximidade e afeição com o monarca e reivindicar o retorno à terra
natal. Liderados pelos indígenas José Francisco do Monte, Manuel Batista dos
Santos, Policarpo Pereira de Freitas, Manoel Batista de Oliveira, Anselmo
Pereira Lopes, Estevão Pinheiro da Rocha e João Francisco Pereira,
produziram um requerimento por meio do qual denunciaram a dom Pedro II
23
Proposta de José Ferreira Lima Sucupira. Fortaleza, 6 de dezembro de 1830. ATAS do
Conselho Geral da Província do Ceará: 1829-1835. Fortaleza: INESP, 1997, p. 165-166.
24
Proposta de Castro e Menezes. Fortaleza, 7 de janeiro de 1831. ATAS..., p. 171. Proposta de
Ângelo José da Expectação Mendonça. Fortaleza, 7 de janeiro de 1831. ATAS..., p. 171.
... que foram arrancados pelo despotismo das suas casas e
terras e mandados morar em Messejana, com manifesta
infração da Constituição do império, que no título 2º, artigo 6º,
os declara cidadãos sem a menor sombra de dúvida, porque
são nascidos no Brasil, e são ingênuos: logo assim devem
gozar todos os direitos que a Constituição garante aos
cidadãos. É garantido pelo §6 do artigo 179 do título 8º a
conservação ou saída do Brasil, guardados os regulamentos
policiais, e salvo o prejuízo de terceiro: está claro que nenhum
cidadão brasileiro pode ser obrigado a morar em certos e
determinados lugares. No §2 do citado artigo e título é
garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude.
Jamais podiam os suplente serem forçados a largarem as suas
casas, os seus sítios e as suas terras para serem exilados sem
processo, sem sentença, despótica e arbitrariamente.25
25
De José Francisco do Monte e demais índios de Monte-mor Velho a dom Pedro II.
Messejana, sem data [julho de 1831]. BN, códice C-750, 29. Grifo meu. Um ofício do vice-
presidente do Ceará José de Castro Silva ao ministro da Justiça Manoel José de Souza França
faz referência ao requerimento dos índios de Monte-mor Velho em 28 de julho de 1831. Cf.
APEC, GP, CO EX, livro 14. BN, códice II-32, 24, 9.
26
Os índios de Monte-mor Novo conseguiram autorização para retornar às suas terras em 20
de agosto de 1831 e os de Monte-mor Velho em 20 de dezembro do mesmo ano, mas já
destituídos de todos os antigos direitos políticos. De José Lino Coutinho ao vice-presidente do
Ceará. Rio de Janeiro, 26 de agosto de 1831. AN, AA, códice IJJ9 56. De José Marciano de
Albuquerque Cavalcante a José Antônio dos Santos Silva. Fortaleza, 6 de outubro de 1832.
APEC, GP, CO EX, livro 20, p. 10V-11.
agosto de 1831 a criação da Guarda Nacional extinguiu os corpos de
ordenança, abolindo o modelo militar corporativo do Antigo Regime e as
patentes de oficiais para lideranças indígenas (COSTA, 2018, p. 218-226). Em
dezembro, o Diretório já não estava mais em vigor no Ceará. No dia 13, o
Conselho Geral da Província respondeu à câmara de Messejana (até então vila
de índios) negando o pagamento de foro pelos indígenas,
Mais uma vez, a cidadania indígena era apresentada como uma garantia
constitucional e o motivo da inadequação e definitiva abolição do Diretório,
associada à opressão pelos conselheiros. Se contarmos a partir da seca de
1825, em cerca de 6 anos quase tudo se acabou para os índios no Ceará,
agora integrantes de uma sociedade de cidadãos iguais perante a lei, mas
despossuídos de todas as posições políticas que lhes possibilitavam atuar em
defesa de seus patrimônios. Depois disso, as vilas de índios de Soure e
Arronches foram suprimidas pela lei nº 2 de 13 de maio de 1835, com seus
termos anexos ao da capital.28 Em 1839 foi a vez de Messejana, pela lei nº 188
de 22 de dezembro, ficando seu território dividido entre Fortaleza e Aquiraz. 29
Considerações Finais
27
Parecer do Conselho Geral da Província do Ceará. Fortaleza, 13 de dezembro de 1831.
ATAS do Conselho Geral da Província do Ceará: 1829-1835. Fortaleza: INESP, 1997, p. 176-
177.
28
Lei nº 2 de 13 de maio de 1835. In: OLIVEIRA, Almir Leal de. BARBOSA, Ivone Cordeiro
(Org.). Leis provinciais: estado e cidadania (1835-1861). Compilação das leis provinciais do
Ceará - compreendendo os anos de 1835 e 1861 pelo Dr. Liberato Barroso. Ed. Fac-similada.
Fortaleza: INESP, 2009 [1862], tomo I, p. 50.
29
Lei nº 188 de 22 de dezembro de 1839. In: OLIVEIRA, Almir Leal de. BARBOSA, Ivone
Cordeiro (Org.). Leis provinciais: estado e cidadania (1835-1861). Compilação das leis
provinciais do Ceará - compreendendo os anos de 1835 e 1861 pelo Dr. Liberato Barroso. Ed.
Fac-similada. Fortaleza: INESP, 2009 [1862], tomo I, p. 266.
Com a gestão da terra nas mãos das elites econômicas, antigas
inimigas, a desagregação das comunidades se acentuou, provocando
dispersões e quedas populacionais. Em 1840, por meio de relatório à
Assembleia Legislativa Provincial, o presidente Francisco de Souza Martins
apresentou sucintamente a história dos índios do Ceará nos últimos anos e os
efeitos para a província das transformações trágicas que enfrentaram:
30
MARTINS, Francisco de Souza. Relatório que apresentou o Exm. Sr. Doutor Francisco de
Souza Martins, presidente desta província, na ocasião da abertura da assembleia legislativa
provincial no dia 1º de agosto de 1840. Fortaleza, Tipografia Constitucional, 1840, p. 10-13.
de tudo, só lhes restava suspirar pelo antigo regime, tempo que ainda
saudosamente lembravam.
Pelo menos no Ceará, nunca se questionou se a Constituição de 1824
garantia ou não a condição de cidadania aos índios. Com o fim da concepção
corporativa de sociedade, o “ser indígena”, antes um corpo social, tendia a ser
diluído na unidade de cidadãos brasileiros por meio da Carta Magna. Além de
identidade étnica, “ser índio” no Antigo Regime correspondia a um conjunto de
deveres e benefícios que não fariam mais sentido na nova sociedade liberal. As
reformas administrativas empreendidas no legislativo nacional entre as
décadas de 1820 e 1830 caminharam também no sentido de abolir as
concepções corporativas. As câmaras municipais no Brasil perderam o poder
político que tinham, se submetendo aos governos provinciais, ao mesmo tempo
em que deram força aos Conselhos Gerais, balanceando o poder dos
presidentes.
No Ceará, foi o Conselho que compreendeu que a Constituição abolia o
Diretório ao declarar os índios “cidadãos”, termo que não aparece nem durante
os conflitos militares da independência e nem na Confederação do Equador,
último evento militar em que os índios foram recrutados na condição de
soldados de ordenanças. A cidadania indígena só passou a ser uma questão a
partir da discussão do Plano Geral de Civilização dos Índios em 1826, quando
foi sugerida sua dispersão das aldeias ficando "sujeitos à polícia com os
demais cidadãos do império".
Com isso, os privilégios indígenas – patentes militares nas ordenanças e
os cargos nas câmaras municipais – foram extintos e pilhados pelas elites
provinciais e municipais, e muitas comunidades dispersaram, definharam ou
foram expulsas. Prova desse processo é que as fontes que se referem à
cidadania dos índios no Ceará sempre tem como tema ou a inadequação da
permanência do Diretório – e consequentemente das câmaras indígenas – ou a
expulsão de comunidades de suas povoações de origem, ações que facilitaram
a usurpação de suas terras a partir da década de 1830.
Tratavam-se, portanto, de cidadãos incompletos, na definição de José
Murilo de Carvalho (2014, p. 14-15). Primeiro, porque os direitos indígenas à
propriedade foram fragilizados, o que resultou em deslocamentos forçados em
Monte-mor Novo e Monte-mor Velho, mesmo que posteriormente “reparados”,
mas que não impediram as dispersões e desagregações comunitárias. Em
segundo lugar, porque perderam direitos políticos que exerciam havia cerca de
70 anos nas câmaras municipais, além das também extintas patentes de
ordenanças. Ou seja, os povos indígenas que até então viviam sob o Diretório
não se encaixavam nos grupos listados por Carvalho, analfabetos e sem
experiência nos trâmites administrativos (2014, p. 37), como prova o
requerimento dos índios que reivindicaram seus direitos de cidadãos.
As imposições censitárias para acesso ao voto, ainda que baixas para a
população brasileira da época (CARVALHO, 2014, p. 35-36), afetaram
profundamente os índios recém-saídos de um contexto de conflitos armados,
vivendo uma seca brutal e naturalmente pobres pelas obrigações do Diretório
que inviabilizava seu acúmulo material. Foram subalternizados, excluídos dos
espaços políticos com as novos ordenamentos legais e, assim como os outros,
desfeitos das garantias a direitos sociais. Processo semelhante ao que
aconteceu em 1798 nas regiões que aplicaram a Carta Régia que abolira o
Diretório (MOREIRA, 2019, p. 305-306), mas no Ceará de 1831, o contexto
possibilitou a justificativa de supressão da lei pombalina por conta da
Constituição e da cidadania. A base argumentativa desse processo
orquestrado pelas autoridades provinciais do Ceará era a “igualdade perante a
lei”, levantada pelo conselheiro José Ferreira Lima Sucupira em 1830 e
reconhecida 10 anos depois pelo presidente Francisco de Souza Martins.
Depois de tantas lutas na independência em nome de sua liberdade, os índios
foram reconhecidos cidadãos por meio da “igualdade”, falácia jurídica
escandalosa em um Estado nação notoriamente escravista e que já nos
primeiros anos se formava cada vez mais excludente.
Referências Bibliográficas
CUNHA, Maria Manuela Ligeti Carneiro da. Terra indígena: história da doutrina
e da legislação. Os direitos do índio: ensaios e documentos. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1987.
SILVA, Isabelle Braz Peixoto da. Vilas de índios no Ceará Grande: dinâmicas
locais sob o Diretório Pombalino. Campinas: Pontes Editora, 2005.
SOUZA, Iara Lis Franco Schiavinatto Carvalho. Pátria coroada: o Brasil como
corpo político autônomo: 1780-1831. São Paulo: Fundação Editora da UNESP,
1999.
Introdução
Desenvolvimento
O ensino de História nas escolas de Ensino Fundamental não se limita a
uma mera submissão ao conhecimento produzido pelos historiadores. Nas
escolas, alunos e professores geralmente dialogam com os conhecimentos
eruditos da História, produzem e (re)produzem conhecimentos históricos. Os
professores, então, não são meros reprodutores de conhecimentos produzidos
por pensadores que se encontram fora do ambiente escolar. A velha noção de
divisão do trabalho entre os que pensam e os que executam o pensado não se
enquadra nesse caso.
Os professores, então, cumprem um significativo papel de (re)produzir
conhecimentos eruditos importantes para a sociedade, ao mesmo tempo, são
pensadores que produzem conhecimentos no espaço escolar. Por isso mesmo,
ainda tem sido recorrente a valorização de uma qualificada formação e uma
vez bem formados serão para desempenhar as inúmeras tarefas que lhe são
atribuídas. Contudo, o ambiente escolar apresenta-se desafiador ao professor
para a abrangência de novos conhecimentos face ao que se demanda da
própria sociedade representada pelos alunos para ampliação e/ou aquisição
de novas aprendizagens.
Nessa base do contexto vivenciado pelos estudantes, o professor
desafia, e pode se propor com novas possibilidades para que se redirecionem,
ampliem-se ou desenvolvam novos enfoques sobre o conhecimento., como o
que se constitui o foco desse trabalho. De forma dialógica, o professor pode se
propõem a novas aprendizagens dos alunos que exigem formação com
orientações especiais para atuações individuais e coletivas. Nesse processo,
os alunos são envolvidos a buscar, a selecionar informações, a construir
hipóteses e a tomar decisões reorganizando e dando sentido e significado ao
conhecimento. É importante que sejam incentivados e orientados a refletir
criticamente sobre o que lhes é apresentado e a transcender, isto é, ir além das
informações obtidas, distinguindo os dados mais importantes dos secundários,
buscando relacionar o aprendido com outras informações e situações.
Rüssen (2006) afirma que o aprendizado da História não deve se limitar
à aquisição do conhecimento histórico como uma série de fatos objetivos. Para
além dessa perspectiva, o conhecimento histórico deve atuar como regra nos
arranjos mentais tornando-se, de forma dinâmica, parte integrante da vida do
sujeito. Em outras palavras, o conhecimento histórico não significa
simplesmente o acúmulo de uma quantidade de informações relacionadas a
fatos do passado.
Na perspectiva da consciência histórica, o conhecimento histórico deve
servir como uma ferramenta de orientação temporal que levaria a uma leitura
do mundo no presente e embasaria uma avaliação quanto às perspectivas de
futuro alicerçadas nas experiências humanas do passado. Desse modo,
aqueles que desenvolveram a consciência histórica não conheceriam apenas o
passado, mas utilizariam esse conhecimento como meio para auxiliar a
compreensão do presente e/ou “antecipar”, no plano mental, o futuro em forma
de previsão pertinente (MEDEIROS, 2006; BARCA, 2006).
Não obstante as dificuldades do dia a dia nas escolas as narrativas
históricas estão presentes por toda a parte e o sujeito historicamente letrado
não se limita apenas a somar um novo conhecimento à quantidade de outros
tantos que já possui. O letramento em História possibilita ao sujeito estabelecer
uma interação mental durante as leituras das narrativas históricas com o
conhecimento histórico já acumulado, estabelecendo, assim, uma orientação
temporal e permitindo a construção de novos significados. É importante
ressaltar que o indivíduo pode utilizar-se de seus conhecimentos históricos
para melhor compreender o mundo em que vive e não apenas nas situações
em que as narrativas históricas são evidentes.
É sob essa perspectiva, que nos debruçamos sobre a relevância da
abordagem do nosso objeto de estudo. Tendo a consciência de que as
religiões afro-brasileiras podem ser construídas em sala de aula, através e
inclusive, a partir das narrativas de alunos e professores, não se atendo
apenas ao livro didático. E neste sentido, diagnosticaremos as discriminações
históricas a respeito.
Por outro lado, as mudanças exigem novas possibilidades que se tornam
inseridas no cotidiano dos estudantes do Ensino Fundamental dos Anos Finais.
Neste sentido busca-se na escola o conhecimento sobre as religiões de origem
africana por serem questionadas até por professores ao desconhecerem o
conhecimento, não somente como responsáveis, por falta mesmo de Formação
atualizada. É o que se espera no cotidiano escolar.
Metodologia
Resultados e Discussão
Considerações Finais
Referências Bibliográficas
FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da família brasileira sob
o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2006a.
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos orixás. São Paulo: Companhia das letras,
2001a. 590p.
32
Graduado em História do Centro de Ensino Superior de Arcoverde – CESA. Email:
[email protected]
33
Graduado em História do Centro de Ensino Superior de Arcoverde – CESA. Email:
[email protected]
34
Mestre em Culturas Africanas, da Diáspora e dos Povos Indígenas – UPE. Email:
[email protected]
1. INTRODUÇÃO
35
Significa rato em alemão, os nazistas em suas propagandas durante a segunda guerra
mundial associavam muito os Judeus a ratos, pois para os nazistas os judeus eram como uma
praga de ratos, que se infiltraram na sociedade alemã e só trouxeram desgraça, por isso
deveriam ser exterminados.
36
Art Spielgeman é autor de histórias em quadrinhos norte-americano, nascido na Suécia,
ganhou fama produzindo charges para jornais.
37
Autora de quadrinhos sul-coreanos, estudou pintura em universidades francesas, suas obras
tem um caráter calcado na realidade.
38
Prêmio de quadrinhos mais aclamado dos Estados Unidos. Ganhou esse nome em
homenagem a um grande quadrinista estadunidense conhecido como Will Eisner. O prêmio é
concorrido em várias categorias. O prêmio para os quadrinhos tem a mesma relevância que o
Oscar para o cinema.
39
Se designa as mulheres que durante a segunda guerra mundial foram feitas de escravas
sexuais pelo exército japonês.
podendo fornecer uma visão sobre temas e épocas abordadas na banda
desenhada. (VILELA, 2004 Apud VERGUEIRO, 2012).
40
Você pode saber mais sobre a autora e suas obras no seguinte link:
https://www.lpm.com.br/site/default.asp?
TroncoID=805134&SecaoID=948848&SubsecaoID=0&Template=../livros/
layout_autor.asp&AutorID=845093
41
Uma das mais importantes premiações europeias de quadrinhos, ocorre na cidade de mesmo
nome na França, o prêmio tem várias categorias e desde 1972 o prêmio está na ativa.
42
Você pode saber mais sobre o autor e suas obras no seguinte link:
https://www.artprintsa.com/anton-kannemeyer.html
43
Você pode saber mais sobre o autor e suas obras no seguinte link: https://www.la-boite-a-
bulles.com/profilId/928
Vencedor do Angoulême em 2006. A maioria de suas obras retrata o continente
africano contemporâneo.
Uma contraposição importante para combater estereótipos presentes no
imaginário popular, que retratavam o negro com lábios grandes, sem saber
falar de acordo com a norma culta. Artistas como Hergé 44, na sua história de
Tintim45 no Congo.
Podemos destacar ainda outros trabalhos que abordam a temática afro,
como a obra dos franceses Sybille Titeux de La Croix 46 e Amazing Ameziane47.
Com uma biografia em quadrinhos sobre Angela Davis 48, chamada de “Miss
Davis”, contam a história da militante afro-americana da infância até sua saída
da prisão em 1972.
Os trabalhos de André Diniz49, como “O Quilombo Orum Aiê”, que narra
uma história sobre um menino escravizado, chamado Capivara, que imaginava
a existência de um quilombo dos sonhos, onde tudo era perfeito, e, após uma
revolta dos escravizados em Salvador, resolve ir em busca do tal quilombo
imaginário. Ou ainda a obra “Carolina50”, sobre a escritora Carolina Maria de
Jesus, dos autores João Pinheiro51 e Sirlene Barbosa. 52
Já com a temática indígena brasileira, podemos destacar, dentre outros,
o autor de quadrinhos, historiador e antropólogo brasileiro, André Toral 53. Em
suas obras mostra o indígena em seus primeiros contatos com a colonização,
retratando seu cotidiano e vida antes e durante o período colonial.
44
Autor de quadrinhos Belga, conhecido por criar as aventuras de Tintim. Você pode saber
mais sobre o autor e suas obras no seguinte link:
https://www.companhiadasletras.com.br/autor.php?codigo=02240
45
Personagem mais notório de Hergé, é um repórter fictício, de espirito curioso e aventureiro,
que protagoniza as aventura de Tintim viajando pelo mundo.
46
Autora Francesa, nascida em 1971, se formou na Escola Nacional de Artes Decorativas,
onde estudou desenho, escultura, fotografia, vídeo e até gravura. Apaixonada por literatura,
escrever é sua principal atividade. Você pode encontrar a obra em: https://amzn.to/3s6pgXL
47
É escritor, ilustrador, diretor artístico e professor de mangá, atualmente divide seu tempo
entre seus roteiros de cinema e de quadrinhos. Você pode encontrar a obra em:
https://amzn.to/3s6pgXL
48
Angela Yvonne Davis é uma professora e filósofa estadunidense, que alcançou notoriedade
mundial na década de 1970 como integrante do Partido Comunista dos Estados Unidos, dos
Panteras Negras, por sua militância pelos direitos das mulheres e contra a discriminação social
e racial nos Estados Unidos. Você pode encontrar suas obras em: https://amzn.to/3q6HpCL
49
É roteirista e ilustrador de histórias em quadrinhos brasileiro, com mais de 30 títulos de sua
autoria. Já recebeu 19 prêmios, entre eles três troféus HQ Mix de melhor roteirista. A algumas
obras suas foram selecionados pelo PNBE – Programa Nacional Biblioteca na Escola e
distribuídos para todas as bibliotecas de escolas públicas do Brasil.
50
É uma biografia em quadrinhos, de autoria de João Pinheiro e Sirlene Barbosa. Que conta a
história de Carolina Maria de Jesus. Negra, pobre, moradora da favela do Canindé, zona norte
de São Paulo. O livro narra sua infância pobre em Minas Gerais, sua vida sofrida em São
Paulo, a sua fama, as ilusões, as decepções e o esquecimento. É possível adquirir a obra pelo
link: https://amzn.to/3oDmPda
51
Você pode saber mais sobre o autor no seguinte link: https://veneta.com.br/autores/joao-
pinheiro/
52
Você pode saber mais sobre a autora no seguinte link:https://veneta.com.br/autores/sirlene-
barbosa/
53
Você pode saber mais sobre o autor e suas obras no seguinte site:
https://veneta.com.br/autores/andre-toral/
Percebemos a partir desses autores e obras, que é possível o uso das
HQs como colaboradora para efetivação da Lei 11.645/08, principalmente
quando pensamos os jovens e as crianças que demonstram mais apreço e
vislumbre diante de uma banda desenhada.
3. Os traços de Salete
Marcelo D´Salete, nasceu em 1979, na cidade de São Paulo, é autor de
histórias em quadrinhos e professor, é técnico em designe gráfico, graduado, e
mestre em artes plásticas. Quando na infância, influenciado por seu irmão, se
apaixonou pelos quadrinhos, lia HQs da turma da Mônica e de super heróis
estadunidenses, posteriormente, no curso de designe gráfico conheceu outras
narrativas e tipos de gibis. Conforme o próprio autor, sempre pensou, em trazer
narrativas negras para o mercado de quadrinhos brasileiros, logo, várias de
suas obras trazem, a ótica e perspectiva dos negros e suas histórias diante de
tanto preconceito e negligência que essas perspectivas sofreram e sofrem.
(D’Salete, 2020)
Entre suas obras destacamos “Encruzilhada” publicada pela editora
Leya em 2011, e republicada em 2016 pela editora Veneta, nela há uma
composição de vários contos em forma de quadrinhos, a vida de jovens negros
nas grandes cidades brasileiras, a violência, discriminação e preconceitos
sofridos pelos mesmos. Outra obra importante é “Angola Janga” (2017)
também pela editora Veneta. Uma obra que demandou 11 anos de pesquisa do
autor. Angola Janga ou pequena Angola, nos remete a Serra da Barriga, hoje
pertencente a Alagoas, no período colonial onde se localizava o Quilombo dos
Palmares.
Nessa obra ele faz um apanhado histórico e transforma sua investigação
em uma novela gráfica, com vários personagens de Palmares, como Zumbi,
Ganga Zumba, Soares, Domingos Jorge Velho. A obra foi agraciada com os
prêmios: Grampo de Ouro 2018, troféu HQ MIX 2018, 60º Prêmio Jabuti e por
fim o prêmio Rudolph Dirks Award 2019. E foi publicada em outros países,
como França, Estados Unidos e Espanha.
Apontamos ainda a HQ “Cumbe”, que nos transporta para a era colonial
e o cenário escravagista. A edição da Veneta em 2014, conta causos diferentes
em cada capitulo, são mostrados alguns episódios de luta e resistência negra
contra o trabalho forçado. Nela, como em Angola Janga, quem ganha voz é o
escravizado, e diferentemente de outras obras que recontam a história dos
quilombos. Construindo uma ótica histórica onde o escravizado é colocado de
maneira humanizada, como pessoas que amam, choram e socializam,
quebrando o paradigma da escravização onde somente eram visto, e
colocados historicamente, como animais para serviço braçal, objetos de uso
descartável.
Marcelo, por ser negro, viu diversas cenas, como também sofreu
racismo, o seu contato com a cultura negra se dá na adolescência, entre as
décadas de 1980 e 1990, através do hip-hop, no entanto nos revelou, que um
fato crucial na sua tomada de consciência política a respeito de sua negritude,
e mais ainda do seu papel enquanto preto nesta sociedade foi seu ingresso em
um curso pré-vestibular, do núcleo de Consciência Negra, da universidade
Federal de São Paulo (USP), local considerado como seu embrião na vida
acadêmica. (D’Salete, 2020)
Outro fator relevante, não só para o Brasil, mas em particular na vida do
quadrinista, foi a criação do museu Afro-brasileiro, na cidade de São Paulo, em
2004, local onde existe uma grande quantidade de obras, de vários artistas e
de variadas épocas, com o foco na diáspora negra, as quais o autor passou a
ter mais conhecimento e contato com sua ancestralidade.
D’Salete vê as HQs como uma ferramenta importantíssima para o
ensino, o autor ressalta que o formato dos quadrinhos em relação aos métodos
de educação tradicionais, possibilita o despertar da curiosidade, e assim,
instiga os alunos para um mergulho mais profundo. Para Marcelo, se o ensino
através dos quadrinhos é importante, para a temática Afro-brasileira ele é
fundamental, dada a ausência de uma narrativa do ponto de vista dos
escravizados nos livros didáticos comuns, enquanto que nos quadrinhos
brasileiros, existe um leque de obras que trabalham com essa possibilidade.
(D’Salete, 2020b54)
55
Banco de Dados do Tráfico de Escravos Transatlântico (Trans-Atlantic Slave Trade Database
– TSTD), disponível em http://www.slavevoyages.org/ Acesso em 20 de Novembro de 2021.
Percebemos a riqueza apresenta por a HQ do autor, que além dos
diálogos referentes a história afro-brasileira especifica ainda nos oferece
alternativas informacionais como infográficos, mapas, tabelas entre outros, o
que facilita a aprendizagem sobre determinada temática o que corrobora com o
apontado por Circe Bittencourt quando postula que
“cabe ao professor ensinar o aluno a levantar problemas e a
reintegrá-los num conjunto mais vasto de outros problemas,
procurando transformar, em cada aula de História, temas em
problemáticas. Ensinar História passa a ser, então, dar
condições para que o aluno possa participar do processo do
fazer, do construir a História. O aluno deve entender que o
conhecimento histórico não é adquirido como um dom –
comumente ouvimos os alunos afirmarem: ‘eu não dou para
aprender História’ -, nem, mesmo como uma mercadoria que
se comprar bem ou mal” (BITTENCOURT, 2011 p. 57).
Considerações Finais
Partindo do exposto nessa pesquisa e respondendo aos nossos
objetivos percebemos num primeiro momento o quanto as HQs podem ser
utilizadas como ferramentas para o ensino de história e que essas se
constituem como possibilitadoras de uma melhor compreensão dos conteúdos
históricos, haja vista, sua dinâmica imagem, texto, ficção.
Percebemos também que para o atendimento do que orienta a lei
10.639/03 os quadrinhos se tornam alternativa de grande valia. O que nos
remete a obra de Marcelo D’Salete que traz em suas criações elementos que
ajudam o leitor a imergir, na cultura africana e afro-brasileira. Que nas suas
HQs além das histórias incrementadas com ficção, possuem um glossário, para
explicação das palavras de origens africanas usadas nas obras. O autor
também denuncia todas as mazelas da sociedade. Não só do passado, mas do
presente em suas obras. Marcelo D´Salete tem um trabalho de grande
relevância e reconhecimento no mundo dos quadrinhos, e por tratar de pautas
como racismo, colonialismo e escravidão, suas obras devem serem usadas no
âmbito escolar, na aula de história afro-brasileira.
Por fim confirmamos nossos anseios, quando confirmamos o potencial
dos quadrinhos para o ensino de história, bem como da obra de D’Salete para
história e cultura africana e afro-brasileira em sala de aula.
Referências Bibliográficas
BARBOSA, Alexandre. História e Quadrinhos: a coexistência da ficção e da
realidade. In: VERGUEIRO, Waldomiro; RAMOS, Paulo (Org.) Muito além dos
quadrinhos: análise e reflexões sobre a 9ª arte. São Paulo: Devir, 2009.
p.103-112.
Metodologia
Resultados e Discussão
Considerações Finais
Referências Bibliográficas
INTRODUÇÃO
57
Alvanir Ivaneide Alves da Silva. Licenciada em História e mestranda em história pela UFRPE.
E-mail: [email protected]
58
Augusto Cesar Acioly Paz Silva. Doutor em História pela UFPE e professor do Centro de
Ensino Superior de Arcoverde (AESA-CESA), professor permanente do Profhistória UFPE e do
Programa de Pós Graduação em História da UFRPE, no ProfHistória da UFPE e coordenador
do curso de História na AESA-CESA. E-mail: [email protected].
de contextos válidos de aprendizagem midiatizados pelo ciberespaço.
Assim sendo, dentre os espaços não formais de ensino é possível
destacar os museus como produtores de conhecimentos culturais e
patrimoniais, que contribuem significativamente para a aprendizagem
histórica, “assim, o papel social dos museus é definido, na atualidade, por
sua função educativa” (ABUD; SILVA; ALVES, 2010, p.127), e compreender
algumas questões relacionadas a esta dimensão, constitui-se assim, um dos
enfoques possíveis neste artigo, já que pensamos as mídias digitais como
auxiliadoras na produção do conhecimento.
Haja visto que a modalidade virtual dos museus os torna espaço de
mediação que podem ser acessados por meio da internet. A utilização
dessas plataformas de museus contribui significativamente na produção de
conhecimento e de aulas inovadoras, que segundo Schmidt (2014), ocorrem
a partir da interligação do uso das tecnologias digitais pelos espaços
educativos e pluriculturais.
Os museus virtuais segundo Henriques (2018), podem ser
representados em duas modalidades: uma seria um museu essencialmente
virtual existente apenas em rede, já a outra versão seria uma modalidade
complementar dos museus físicos, existindo tanto presencialmente quanto
virtualmente. Dessa forma, é possibilitado que o público acesse de qualquer
lugar e espaço, já que “o museu virtual é um verdadeiro laboratório de
experimentação que se manifesta especificamente na maneira como a
tecnologia determina a própria forma da experiência” (MUCHACHO, 2015, p.
1546).
Henriques (2018), também destaca que “o museu virtual é um
espaço virtual de mediação e de relação do patrimônio com o seu público.
[...] paralelo e complementar que privilegia a comunicação como forma de
envolver e dar a conhecer determinado patrimônio” (HENRIQUES, 2004, p.
67).
Com aulas utilizando metodologias ativas como a visitação a museus
virtuais que abordem a temática histórica que esteja trabalhando em classe,
o educador pode conseguir desenvolver aulas propositivas, utilizando o apoio
tecnológico para mediar diferentes espaços, ao mesmo tempo em que
desenvolve práticas pedagógicas mais diversificadas, estimuladas por trocas
de experiências de aprendizagens vivas e ativas.
Nesse contexto, nosso objetivo visamos caracterizar o uso dos
museus virtuais no ensino de História na educação básica, mais preciso em
anos finais do ensino fundamental, como mais uma ferramenta inovadora de
contribuição para a continuidade da compreensão histórica e cultural pelos
alunos. Além disso, pretendemos dar foco as tecnologias digitais como
espaços mediadores de aprendizagens.
Considerações Finais
Referências Bibliográficas
60
HEMEROTECA DIGITAL. Diario de Pernambuco. Recife, 31 de outubro de 1839.
Na nossa análise, vimos que o declínio da cantaria está intimamente
relacionado à desaceleração das obras públicas. Dessa forma, o objetivo é
compreender como se deu essa decadência entre o início do governo liberal
(1845) e a inauguração do Teatro de Santa Isabel (1850), a última grande obra
pública da primeira metade daquele século em que se utilizou largamente
pedras de cantaria importadas.
Metodologia
Referencial teórico
Resultados
Desde meados do século XVIII já existiam no Recife muitos empreiteiros
dedicados ao ramo das edificações. Estavam envolvidos com obras privadas,
públicas e religiosas, lucrando bastante e angariando influência política. Ao
longo do século XIX, esse envolvimento se intensificou, sobretudo após 1831,
quando, em decorrência da Lei Feijó, que proibiu o tráfico de cativos para o
Brasil, muitos comerciantes de “grosso trato”, “capitalistas”, como os traficantes
normalmente preferiam ser vistos, direcionaram parte de seus capitais para
projetos de melhoramentos urbanos espalhados pelo Império (ALVES, 2021, p.
40). Alguns deles aparecem na documentação da Alfândega como
consignatários de pedras de cantaria importadas de Portugal, como detalha o
Apêndice disponibilizado no final deste livro. É o caso de Angelo Francisco
Carneiro e José Ramos de Oliveira, membros da comissão de obras do Teatro
Municipal, da qual participava, também, Francisco Antônio de Oliveira, que foi
cunhado de Angelo61. Para Marson (1987, p. 311-312), o pequeno número de
investidores facilitava a promoção de obras caras e maiores, o que se
coadunava com a desejada grandiosidade buscada pelo projeto de
modernização almejado pelos conservadores. Nesse contexto, esses poucos
financiadores lucravam bastante com loterias, juros, pedágios, bilheterias, etc.,
o que deixava insatisfeitos os pequenos e médios proprietários, que lutavam
desde 1842 junto aos praieiros para se inserir no lucrativo ramo das obras
públicas.
61
PREFEITURA MUNICIPAL DO RECIFE. Teatro Santa Isabel: Documentos para sua
História, v. 1 (1838-1850). Departamento de Documentação e Cultura, 1950, p. 43; p. 49; p. 59.
recifense na primeira metade do século XIX (e transcendem o tempo) foram
estudadas em detalhes por Albuquerque (2016) e Gomes (2016), entre outros
historiadores. Um bom exemplo dessa rede é a Companhia do Beberibe —
uma empresa criada em 1838 para promover o saneamento e abastecimento
da cidade. Angelo Francisco Carneiro era um dos acionistas da companhia,
seu ex-cunhado — Francisco Antonio de Oliveira — era vice-diretor e José
Ramos de Oliveira, o diretor. Nas obras de encanamento, Angelo ocupava o
cargo de diretor fiscal (ALBUQUERQUE, 2016, p. 91).
62
HEMEROTECA DIGITAL. Diario de Pernambuco. Recife, 31 de outubro de 1839.
dezembro de 1849 foram registradas oficialmente 68 cargas, totalizando 4.519
pedras lavradas — 3.676 a mais que na década anterior.
Discussão
64
HEMEROTECA DIGITAL. Diario de Pernambuco. Recife, 1 de junho de 1847.
65
HEMEROTECA DIGITAL. Diario Novo. Recife, em 29 de novembro de 1847.
duração que o marmore, merecia a preferencia, porque, sendo feita no paiz,
reverte em favor deste todo o valor da mão d’obra” 66.
Considerações finais
66
HEMEROTECA DIGITAL. Diario de Pernambuco. Recife, 1 de junho de 1847.
fiscalização da lei foi inviabilizada, o que abriu caminho para o ofuscamento
das pedras de cantaria. Gradativamente elas deram lugar a réplicas de
alvenaria e às “pedras artificiais”, como as chamava André Wilmer — e até se
tornaram frágeis peças de revestimento estético que simulavam cercaduras de
portas e janelas.
Referências
ARAÚJO, Rita de Cássia Barbosa de. As praias e os dias: história social das
praias do Recife e de Olinda. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife,
2007.
LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In:
PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto,
2008.
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. Recife: Editora
Joaquim Nabuco, 1987.
67
Licenciada em Pedagogia pelo Centro de Ensino Superior de Arcoverde – CESA. Membro do
Núcleo de Estudos e Pesquisas em História e Cultura Política, Educação e Diferenças
(NEPHCPED - AESA). E-mail: [email protected]
68
Licenciada em Pedagogia pelo Centro de Ensino Superior de Arcoverde – CESA. Membro do
Núcleo de Estudos e Pesquisas em História e Cultura Política, Educação e Diferenças
(NEPHCPED - AESA). E-mail: [email protected]
69
Professora orientadora. Mestra e doutoranda em Educação Contemporânea na UFPE/ CAA.
Membro da Coordenação Colegiada do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História e Cultura
Política, Educação e Diferenças (NEPHCPED - AESA), membro do Grupo de Pesquisas
Movimentos Sociais, Educação e Diversidade na América Latina (UFPE/ CAA). E-mail:
[email protected]
Neste contexto, a luta para garantir o direito à uma educação específica
e de qualidade, torna-se um dos elementos centrais por parte daqueles (as)
que almejam mudar esta realidade. No que diz respeito à Educação do Campo,
tais lutas são evidenciadas por marcos históricos que competem não só a um
determinado grupo que busca seu território, mas, ao direito de incluir os povos
do campo na construção de uma educação que parte do pressuposto da
necessidade de valorização da identidade e história de coletivos
subalternizados, frente a opressão e ao abismo que se fora formado entre o
conhecimento popular e o conhecimento científico.
Referências Bibliográficas
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17° ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987.
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Vol. 31, nº 1, Jan/Abr 2016.
Introdução
Considerações finais
Referências Bibliográficas
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SILVA, Luciana Cunha Lauria da; SILVA, Kátia Gomes da. O negro na literatura
infantojuvenil brasileira. Revista Thema, Rio Grande do Sul, v. 8, número
especial, p. 1-13, 2011.
Introdução
70
Mestre em Educação Contemporânea pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
Contemporânea da Universidade Federal de Pernambuco/Centro Acadêmico do Agreste –
UFPE/CAA.
71
Mestrando em Educação Profissional e Tecnológica pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação Profissional e Tecnológica do Instituto Federal de Educação.
72
Especialista em Direitos da Criança e do Adolescente pela Universidade Federal Rural de
Pernambuco – UFRPE.
73
Ao invés de nortear, sulear. O sul como posição geopolítica do conhecimento. A variação e
posição do termo é possível graças à gramática social e epistêmica que pretende criar outros
centros de produção do conhecimento.
outros centros dessa produção. É a formação de uma outra geopolítica do
conhecimento que não aquela eurocêntrica.
MARCO TEÓRICO
Pedagogias africanas: da luta à liberdade
Corporalidades africanas
Metodologia
Análise
Corpos do Sul
Um dos instrumentos de controle do corpo foi o epistemicídio.
Deslegitimando as produções de conhecimento e inferiorizando os grupos
sociais e humanos que não europeus, justificando-se na criação do conceito de
raça, conceito que se liga essencialmente ao corpo, o epistemicídio destitui a
racionalidade, a cultura e civilização do outro; é a morte simbólica do próprio
corpo e sua ocupação. Ao desqualificar os conhecimentos dos povos
subalternizados, intenta-se a impossibilidade de percebê-los como seres
cognoscentes (SANTOS; MENESES 2010).
Esse movimento pretende a retirada da racionalidade do povo
subalternizado. Ao assim proceder, os conhecimentos produzidos não são
legitimados porque são distantes do conceito de razão criado na Europa. A
razão é o crivo para a classificação do outro como humano. Não tendo
racionalidade, o outro é um tipo diferente do humano e, portanto, tem o dever
moral de ser humanizado. Tal lógica nega a humanidade do outro, outorgando
a “natural” hegemonia da Europa frente ao mundo. Para construção do sujeito,
a racionalidade europeia exigia a construção do outro como não-ser. Este é
reduzido apenas à coisa que fala ou reproduz a fala.
Boaventura de Sousa Santos (2010) propõe a ideia de epistemologias
do Sul como condição para que o corpo subalternizado e os grupos produzidos
como inexistentes e invisíveis possam ter seus conhecimentos validados. O
colonialismo, capitalismo e sexismo produz o outro como invisível. Entretanto,
essa invisibilidade é intencional, pois ao invisibilizar o outro, tudo que faz dele é
apagado, não interfere no cotidiano e não constrói outras narrativas sobre a
vida. Tornar visível o que foi produzido como invisível ou como não existente é
objetivo da sociologia das ausências. É assim que o autor propõe a ecologia de
saberes74 como possibilidade crítica para romper com a produção de
conhecimento hegemônica e como criação de um novo paradigma da
emancipação e liberdade social.
Os saberes do Sul, porquanto ainda não reconhecidos como
conhecimentos pelo Norte do sistema-mundo, conseguem ampliar,
simbolicamente, os pensamentos sobre as epistemologias existentes, pois é
território dos sujeitos produzidos como não-ser e como invisíveis. Essa
perspectiva descontrói os espaços de conhecimentos legitimados como únicos,
74
A ecologia de saberes baseia-se na ideia do reconhecimento da pluralidade humana e dos
conhecimentos, rompendo com a lógica hegemônica e propondo interações sustentáveis entre
os diversos tipos de conhecimentos. A proposta ainda traz o conhecimento como
interconhecimento.
provocando a anunciação de intelectuais, histórias e linguagens periféricas que
passam a assumir também o centro das produções de conhecimento.
Neste caminho, as ontologias e epistemologias se tornam possíveis pela
produção do corpo presente, afetado que sente o mundo. Podemos dizer que
este corpo afetado, que sente o mundo e a partir das sensações produz seus
conhecimentos é o corpo do Sul, carregado em si das epistemologias do Sul.
Pode-se dizer mesmo que o corpo do Sul é uma epistemologia do Sul
(OYÈRÓNKẸ́ OYĚWÙMÍ, 2004).
Que propõe o corpo do Sul senão a liberdade e emancipação que
nascem do reconhecimento da pluralidade humana e de suas produções de
conhecimento? É a própria ruptura com paradigmas hegemônicos e é a
insubmissão epistêmica; dito de outra forma, o corpo do Sul é resistência e
enfrentamento às opressões, é carne sensível e racional produtora dos
sentidos do mundo. Esse corpo é um pensamento do Sul, é solidário com
saberes e conhecimentos, é o conhecimento ausente. Sua proposta
epistemológica é a aspiração de concepções alargadas da realidade, onde as
realidades silenciadas e subalternizadas se tornem emergentes, imaginadas e
possíveis. O corpo do Sul irá compreender, como propõe Boaventura de Sousa
Santos (2002), a epistemologia dos conhecimentos ausentes, onde as práticas
de conhecimentos vão além das práticas assentes na ciência. Não há,
portanto, razões e sensibilidades superiores, mas solidárias, apontando para a
formação de constelações de conhecimentos.
É no corpo onde a existência acontece. O corpo é memória onde se
inscrevem as sociedades, as culturas e onde as transformações sociais
começam a surgir, sendo mesmo um espelho da história da humanidade. Os
atravessamentos políticos, sociais, culturais, econômicos e espirituais, colocam
o corpo como um centro epistêmico e ontológico da diversidade humana.
Nessa compreensão, o corpo do Sul é a recuperação desta dimensão que fora
colonizada e produzida como subalterna, colocando-o em posição de
possibilitar liberdades e de representar e produzir os conhecimentos
invisibilizados pelo colonialismo, capitalismo, sexismo, patriarcado e todas as
formas modernas de sujeição do outro.
Ao romper com o norte hegemônico, o corpo do Sul aponta para
múltiplas direções e possibilidades de se interpretar o conhecimento. Se antes
o norte é a rumo que deveria ser seguido, agora todos os lados são direções
que criam suas narrativas e se solidariza com as epistemologias invisibilizadas.
Como proposta de ecologia de saberes e das epistemologias do Sul, o corpo
do Sul transgride o modelo totalitário de existência, opondo-se às certezas
universais.
É assim que o corpo do Sul é mesmo uma condição poética e
epistêmica da divergência, da insubmissão e do enfrentamento às imposições
hegemônicas do norte. As condições plurais representadas no corpo do Sul
dizem respeito à condição humana, principalmente a condição humana que
fora silenciada e produzida como não existente. É no sul que a sensibilidade e
espiritualidade dialogam com a racionalidade, sem necessidade de hierarquizar
uma ou outra. O corpo do sul é, portanto, contraprodutor da condição humana.
Boaventura de Sousa Santos (2002, p. 372) diz que “para se aprender a partir
do sul, devemos, antes de mais nada, deixar falar o sul, pois o que melhor
identifica o sul é o fato de ter sido silenciado”. Ao falar, o corpo do Sul enfrenta
as opressões impostas e cria novas realidades solidárias.
Maria Paula Meneses (2016) traz a justiça social global como uma
conquista que deve ser precedida da justiça cognitiva. Ao possibilitar este
projeto de enfrentamento e este trajeto insubmisso, a autora pretende
denunciar as opressões e violências historicamente ocorridas em África e que
deturpou a imagem real do continente, assim como desumanizou o africano/a
africana. A antropóloga dirá que é preciso
Em toda a parte onde o poder colonial se fez sentir houve algum tipo
de resistência, assumindo diversas formas, desde a insurreição
armada até ao êxodo maciço. Mas em qualquer momento, foi sempre
uma comunidade limitada, pequena em relação a toda a sociedade,
que se levantou contra o colonizador, enquanto que a própria
oposição era também limitada, porque dirigida contra um só aspecto
da dominação, a realidade concreta vivida por uma determinada
comunidade num determinado momento. (MONDLANE, 2011b, p.
334).
Resistir é uma das formas das pedagogias africanas. Pode-se dizer que
é mesmo um dos fundamentos dessas pedagogias que procurar compreender
que a força colonial reside nas fraquezas do colonizado. O trabalho como
forma de organização da resistência permite ocupar territórios culturais,
econômicos e sociais.
Assim, o corpo colonizado resiste nas pedagogias africanas na
construção de sua identidade e no trabalho como alternativa de fortalecimento
do que se considera como fraqueza. Modlane (2011, p. 337) diz que foi preciso
ver “[...] Moçambique como a terra de todos os Moçambicanos, e [...]
compreender a força da unidade”. Da mesma forma, é preciso compreender o
corpo como esse território que é próprio e exclusivo do Ser e do sujeito.
Por isso mesmo a liberdade começa sempre pelo corpo e passa pelo
crivo da espiritualidade. Ben Salāh (1980 apud KI-ZERBO et al, 2010, p. 581) já
ponderava que seria necessária uma revolução “nos espíritos muito mais que
nas estruturas”. É nesse caminho que as pedagogias africanas vão
inscrevendo nos sujeitos os símbolos de resistência.
Considerações finais
Referências bibliográficas
75
Doutorando em difusão do conhecimento UFBA. Mestre em planejamento territorial e
desenvolvimento Social. Graduado em Comunicação Social e Pedagogia. Professor da
Universidade Católica de Salvador (UCSAL).
76
Edmeire Oliveira Pires, Mestranda em Gerência e Administração de Políticas Culturais e
Educacionais do Instituto de Educação Superior Kyre’y Sãso. Graduada em Licenciatura em
História (FTC), pós-graduada em História e Cultura Afro-brasileira (Pró- Saber) e Professora
Rede Municipal e Estadual de Ensino de Souto Soares-Ba.
Em agosto de 1973, o DJ jamaicano Kool Herc comandou uma festa no
Bronx em Nova Iorque, utilizando apenas instrumental e breaks das músicas de
funk e soul da época, como James Brown e James Clinton, marcando o
advento de um dos principais gêneros da música e dessa cultura, que chegou
ao Brasil na década de 80, abraçada pela periferia de São Paulo, berço do hip-
hop no Brasil, onde os grupos se reuniam na Galeria 24 de Maio e na estação
de metrô São Bento para ouvir as músicas vindas do Bronx e dançar o break.
Em 2021, o movimento hip-hop completa 48 anos de história e atuação na
cultura brasileira.
O hip hop também ganhou repercussão com o filme Beat Street (Na
onda do Break) em 1984 e o primeiro show no Brasil do grupo norte-americano
Puclic Enemy, através dos quais, muitos jovens conheceram a cultura, que se
difundiu rapidamente pelas periferias da cidade. Na década de 90, o rap ganha
as rádios e a indústria da música começa a dar mais atenção ao estilo, artistas
como Pavilhão 9, Detentos do Rap, Câmbio Negro, Xis e Dentinho e MV Bill, o
álbum Juventude de Atitude de 1995, retrata a violência, crime, pobreza e
repressão policial nas favelas de São Paulo. Em 1993, os Racionais MC’s
lançam Raio X do Brasil que projeta o grupo, e em 1997, Sobrevivendo no
Inferno, um dos maiores clássicos do rap nacional até hoje.
O movimento é historicamente associado a uma arte voltada para
segmentos excluídos no espaço urbano, como jovens periféricos, imigrantes,
negros, mulheres, entre outros desvalidos e destituídos de voz. Grada Kilomba
afirma que, para esses sujeitos:
Falar torna-se, assim, virtualmente impossível, pois, quando
falamos, nosso discurso é frequentemente interpretado como
uma versão dúbia da realidade, não imperativa o suficiente
para ser dita nem tampouco ouvida. Tal impossibilidade ilustra
como o falar e o silenciar emergem como um projeto análogo.
[...] Ouvir é, nesse sentido, o ato de autorização em direção
à/ao falante. Alguém pode falar (somente) quando sua voz é
ouvida. Nessa dialética, aquelas/es que são ouvidas/os são
também aquelas/es que “pertencem”. E aquelas/es que não
são ouvidas/os se tornam aquelas/es que “não pertencem”.
(KILOMBA, 2019, p. 42-43).
Tais segmentos, veiculam, através do rap, a construção de um lugar de
fala, de uma consciência política que dá voz a uma geração estigmatizada, o
que propicia a emergência de uma consciência social sob nova ótica
relacionada a gênero, raça e classe. Para Weller (2010) este movimento
contribui para definição de um sentimento de pertencimento coletivo em
contraposição a uma espacialidade injusta materializada na periferia urbana.
O hip hop também foi fundamental no resgate da história e
cultura dos afrodescendentes de uma forma crítica, uma vez
que os currículos escolares segundo os rappers, reproduzem a
história da população negra somente a partir do “processo da
escravidão”, negando a existência de uma história e cultura
negra anterior ao processo da escravidão e de um
desenvolvimento posterior nas Américas. Através do rap
produzido por grupos como Public Enemy, NWA, De La Soul os
jovens negros paulistanos começaram a conhecer a história de
luta contra o racismo dos negros norte-americanos e a partir
daí passaram a pesquisar e encontrar referenciais semelhantes
na história da resistência da população negra no Brasil.
(WERLER, 2000, p.218)
Considerações Finais
Estudos realizados sobre o pensamento decolonial, tornaram possível
compreender essa teoria como uma postura crítica e combativa de
enfrentamento à imposição da epistemologia eurocêntrica pelo imperialismo,
como universal e verdadeira. A postura decolonial reivindica uma autonomia de
conhecimento, particularmente a partir da experiência latino-americana, através
do questionamento das estruturas hierárquicas de raça, classe, gênero e
geracional, presentes nos espaços de poder e sociabilidade e nas relações
sociais objetivas e subjetivas em geral. Propondo então, novas éticas, estéticas
e cosmologias, concebidas a partir da pluralidade, da multirracialidade, do
respeito e valorização da diversidade de modos de viver e pensar e da inserção
e visibilidade dos sujeitos silenciados pela hegemonia dominante, como o
negro, a mulher, a classe trabalhadora, os lgbt, imigrantes e outros grupos
historicamente marginalizados, denominados por Richard Santos (2020) como
“maioria minorizada”.
Não se trata, portanto, de a partir de uma análise reducionista, reverter a
ordem dos processos de dominação, ou de substituição de uma hegemonia por
outra, mas sim de reconhecer a multiplicidade de saberes e fazeres gerados
pelas diversas sociedades existentes no sistema-mundo. A decolonialidade
propõe a coragem de desconstrução do sistema de opressões e mascaramento
instalado a partir da perspectiva luso-tropical do homem cordial de Chico
Buarque de Holanda, presentes no discurso pedagógico oficial da escola
brasileira, o qual seja colonialista, patriarcal, heteronormativo, de moral cristã e
gerador de estereótipos em relação às populações subalternizadas e
marginalizadas, cunhadas como passivas, infantis, incapazes, irresponsáveis e
preguiçosas, entre outros estereótipos. É necessário combater essa práxis
irracional de violência, guerra e genocídio, constantes nas relações coloniais e
pós-coloniais, por meio de um contradiscurso que evoque o respeito à
soberania nacional e às populações dos países periféricos.
Em conformidade com essa tônica, o hip hop corrobora com a luta
antirracista, por meio da promoção de conhecimentos e saberes descentrados,
afetados pelo que Bhaba (2010) define como “tradução”, contra hegemônicos e
coletivos, por meio da valorização e visibilidade da cultura periférica, como um
campo fecundo do saber, que capilariza as demandas desses sujeitos
insurgentes, agregando valor à cultura e aos artistas de rua. Ademais, possui
forte potencial transformador da realidade, por meio do processo educativo
popular que, em seus aspectos fundamentais, visa superar a consciência
intransitiva e a transitividade ingênua por meio da elevação e ampliação da
consciência e da autoestima das populações negras, periféricas e diaspóricas,
desterritorializadas pela colonialidade que solapa suas existências e suprime
suas demandas ancorada no pensamento separatista, estruturador das
sociedades.
Nesse sentido, o movimento hip hop é atravessado pela reflexão dos
movimentos sociais em escala global, que, como a teoria decolonial, as
epistemologias do Sul e transmodernidade, se encaixam no chamado
pensamento fronteiriço, o qual não se subjuga à modernidade e busca
afirmação do espaço por ela negado, resistindo às ideologias modernas,
buscando ressurgimento das alteridades alijadas e libertação dessas
humanidades. A frase da escritora negra Conceição Evaristo: “eles
combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”, consegue
exprimir de forma artística e até mesmo poética a dimensão das resistências
contidas nestas teorias contra hegemônicas.
Diante desse panorama, percebe-se a relação entre o movimento hip
hop e o pensamento decolonial, sendo ambos convergentes numa mesma
direção: a busca pela construção de uma sociedade mais inclusiva, justa,
diversa, tolerante e democrática, focada no bem-viver coletivo em detrimento
da perversidade estabelecida pela lógica individualista e predatória capitalista.
Onde o respeito e a valorização do ser humano sejam materializados em forma
de oportunidades iguais de educação, saúde, emprego, moradia, mobilidade,
inclusão, acesso, valorização e reconhecimento. Uma nova sociedade em que
a meritocracia seja substituída pela equidade, e haja perspectivas de um futuro
próspero e de uma vida digna. No qual a união, a solidariedade, a empatia, a
dialogicidade, o respeito à natureza, ao meio-ambiente e às populações
originárias, sejam valores considerados essenciais para a sobrevivência do
planeta e da espécie humana.
Referências Bibliográficas
Introdução
79
Professora do CESA, Cientista Social, Pedagoga e Mestre em Sociologia pela UFPE.
Orientadora do artigo. Contato: [email protected].
80
O município de Santa Maria da Boa Vista é o segundo em números de Assentamentos do
Nordeste. Mais de 5000 mil famílias, com a presença de quatro movimentos sociais, MST,
Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores/as do Estado de Pernambuco (FETAPE),
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e Quilombolas.
pela terra e sobretudo, ao enfrentamento político pela democratização da
educação.
No Brasil os movimentos por terra não era uma novidade. Eles existem
desde o início do século XX como forma de manifestação popular e combate às
desigualdades na distribuição de terra, característica histórica do país em
relação à estrutura latifundiária. Ao longo do tempo esses movimentos
tornaram-se mais unificados, originando o MST. Além da luta política, os
movimentos foram, paulatinamente, tornando-se visibilizados e empoderando-
se de seus aspectos culturais e experiências de educação outras que os
impulsionavam e, contemporaneamente, ainda os movem (GOHN, 2008;
RIBEIRO 2013; CALDART 2012).
82
Santa Maria da Boa Vista é um dos municípios mais antigos do Estado de Pernambuco e, de
acordo com dados do IBGE 2014, tem uma população estimada em 41.103 habitantes,
distribuída em um território que compreende 3.001,79 km2. É considerado um dos municípios
de maior extensão territorial do Estado. Estima-se que 60% de sua população viva no campo,
distribuída em regiões: sede, região Ribeirinha (que concentra 3 comunidades quilombolas);
região de Sequeiro; Projeto Fulgêncio (reassentamento de pessoas atingidas com a construção
da Barragem de Itaparica); Região MST – Assentamentos (concentra o maior número de
assentamentos do MST no município) (SANTOS, 2016).
Colonização e Reforma Agrária - INCRA, chamado de assentamento SAFRA
(primeiro assentamento a ser reconhecido no município de Santa Maria da Boa
Vista – PE, em 08 de maio de 1995). Isso levou os trabalhadores rurais a se
fortalecerem e resistirem em outros acampamentos. Nos anos seguintes,
ocorreram outras conquistas e reconhecimentos de projetos de assentamentos
rurais, entre eles, o Projeto de Assentamento Rural Nossa Senhora da
Conceição (CRUZ, 2019).
Isso é vivenciado tanto nas escolas formais dos movimentos, quanto nas
chamadas ‘Escolas Itinerantes”, que desempenham um importante papel para
todos que fazem parte do MST, pois ela vem garantir o direito à educação, para
crianças, jovens e adultos que vivem nos acampamentos em situação de
itinerancia, algo que no caso de Santa Maria já foi vivenciado porque já vivem
em situação de assentamento, mas que já passaram por isso e possuem essa
histórica experiência.
85
A ecologia de saberes assenta na ideia pragmática de que é necessária uma reavaliação das
intervenções e relações concretas na sociedade e na natureza que os diferentes
conhecimentos proporcionam. Centra-se, pois, nas relações entre saberes, nas hierarquias que
se geram entre eles, uma vez que nenhuma prática concreta seria possível sem estas
hierarquias. Contudo, em lugar de subscrever uma hierarquia única, universal e abstracta entre
os saberes, a ecologia de saberes favorece hierarquias dependentes do contexto, à luz dos
resultados concretos pretendidos ou atingidos pelas diferentes formas de saber (SANTOS,
2006).
Minha prática docente depois que fui trabalhar em escolas do
MST tem sido muito mais significativa e proveitosa, nos
encontros de educadores e educadoras aprendi muito a
trabalhar de maneira contextualizada, inter-relacionando a
teoria com a prática e os saberes vividos pelos meus alunos e
suas famílias. Trabalhar formando militantes e construtores de
sua própria história aprendi nas formações do MST e assim, as
aulas deixam de ser meras repetições e tornam se debates de
conhecimentos e práticas compartilhadas por todos nós
(RELATO PROFESSORA 3, SMBV, 2020).
Considerações Finais
O tema estudado mostra a importância de um olhar diferenciado sobre o
ensino da cultura do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra,
enfatizando suas lutas e conquistas por melhores condições de vida e de
respeito perante a sociedade, trazendo ainda suas lutas por um espaço escolar
voltado para formação de cidadãos militantes, além de lutas pela terra o MST
bravamente lutou pelo direito à educação que traz a escola Itinerante como
aliada no desenvolvimento da educação, a cultura, a formação de cidadãos
militantes bem como é trabalhado a agroecologia, dando meios para que as
crianças que participam do movimento familiarize-se com o ambiente e as lutas
iniciadas desde a infância.
Referências Bibliográficas
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