Análise Terminável e Interminável

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ANÁLISE TERMINÁVEL E INTERMINÁVEL (1937)

A terapia psicanalítica consome [muito] tempo. [Por isso] desde o começo houve
tentativas de encurtá-la. Tais esforços baseavam-se em [razões de]
conveniências, mas também no desprezo com que a Medicina sempre encarou
as neuroses: deveríamos livrar-nos delas tão rápido quanto possível.

Uma das tentativas [de tornar a análise mais curta] foi a levada a efeito por Otto
Rank em seu livro “O Trauma do Nascimento”. Para ele a fonte da neurose era o
nascimento e a “fixação primeva” à mãe podia persistir como “repressão
primeva”. Rank achava que se lidássemos com esse trauma através da análise,
nos livraríamos da neurose, mas este argumento não suportou o exame crítico.
[Ele] foi concebido no contraste entre a miséria do pós-guerra na Europa e a
“prosperity” dos Estados Unidos e visou adaptar a terapia analítica à pressa da
vida americana. Não sabemos o que o projeto de Rank fez pelas doenças, mas
provavelmente não fez mais do que faria o Corpo de Bombeiros se chamado para
socorrer a uma casa que se incendiara por causa de uma lâmpada a óleo se
contentasse em retira-la do quarto em que o fogo começara. A teoria e a prática
disso são hoje coisas do passado

Eu mesmo tentei um modo de acelerar um tratamento, antes da guerra. Nessa


época, aceitei o caso de um jovem russo que chegara a Viena em estado de
completo desamparo. [Tratava-se do “Homem dos Lobos”, assim chamado por
causa de um sonho que teve, cujo caso Freud publicou em 1918, sob o título
“História de uma Neurose Infantil” – Edições Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud – volume XVII, Imago Editora, 1974]. 
Em poucos anos foi possível devolver-lhe grande parte de sua independência,
despertar seu interesse pela vida e ajustar suas relações com as pessoas, mas aí
o progresso se interrompeu e não progredimos no esclarecimento da sua
infância. O paciente se acomodara à sua situação atual e não dava qualquer
passo que o aproximasse do fim do tratamento, que corria o risco de fracassar.
[Foi] nesse dilema que recorri à medida de fixar um limite de tempo para a
análise: ao início de um [novo] ano de trabalho informei o paciente de que aquele
deveria ser o último ano de seu tratamento, não importando o que ele
conseguisse no tempo que ainda lhe restava. Assim que se convenceu de que eu
falara a sério, a mudança desejada se estabeleceu. Suas resistências diminuíram
e foi capaz de lembranças e de descobrir as conexões necessárias para
compreender sua neurose primitiva e dominar a atual. [Posteriormente Freud veio
a se manifestar contra esse procedimento, como adiante se verá, afirmando que
o melhor modo de encurtar uma análise é ater-se estritamente às suas regras].
Quando me deixou, acreditei que sua cura fora radical e permanente. [Freud
estava enganado!].

Numa nota acrescentada em 1923 à história clínica desse paciente, já


comunicara que eu estava enganado. Quando, no fim da guerra [1ª guerra
mundial] ele retornou, refugiado e destituído, tive de ajudá-lo a dominar parte da
transferência que não fora resolvida. Isso foi realizado em alguns meses, e pude
encerrar minha nota com a declaração de que, ‘desde então, o paciente tem-se
sentido normal e se comportado de modo não excepcional, apesar de a guerra tê-
lo despojado de seu lar, de suas posses e de todos os seus relacionamentos
familiares’. Quinze anos se passaram sem que tenha sido refutada a verdade
desse veredicto, mas certas reservas tornaram-se necessárias. Diversas vezes,
durante esse período, seu estado de saúde foi interrompido por crises que eram
ramificações de sua doença. Graças a tratamentos breves, - com a Dra. Ruth
Mack Brunswick - pôs fim a essas condições. Algumas delas, relacionadas a
resíduos da transferência, apresentavam caráter paranóico. Em outras, o material
patogênico consistia em fragmentos da história da infância do paciente que não
tinham vindo à luz enquanto eu o estava analisando. Achei a história do
restabelecimento do paciente pouco menos interessante do que a de sua doença.

Empreguei um limite de tempo também em outros casos, levei em conta as


experiências de outros analistas e acabei concluindo que o expediente só é eficaz
se acertar-se o tempo correto e que não se pode garantir a realização perfeita
dessa tarefa. Embora parte do material se torne acessível sob a pressão dessa
ameaça, outra parte é retida e fica sepultada, pois uma vez que o analista tenha
fixado o limite de tempo, não pode ampliá-lo porque, de outro modo, o paciente
perderia toda a fé nele. A saída mais óbvia para o paciente seria continuar o
tratamento com outro analista, embora saibamos que tal mudança envolveria
nova perda de tempo e o abandono dos frutos do trabalho já realizado.
Tampouco se pode estabelecer qualquer regra quanto à ocasião correta para
recorrermos a esse artifício.
O problema de como acelerar a análise nos conduz a outra questão: existe algo
que se possa chamar de término de uma análise? A julgar pela conversa dos
analistas, parece que sim, já que às vezes os ouvimos dizer: ‘Sua análise não foi
terminada’ ou ‘Ele nunca se analisou até o fim.’

Consideremos o que se quer dizer com ‘o término de uma análise’. De um ponto


de vista prático, é fácil responder. Uma análise termina quando analista e
paciente deixam de encontrar-se para a sessão analítica. Isso acontece quando
duas condições foram preenchidas: (1)- o paciente não mais está sofrendo de
seus sintomas e superou suas ansiedades e inibições e (2)- o analista julga que
não é de se temer uma repetição do processo patológico. Quando se é impedido
por dificuldades externas de alcançar esse objetivo, é melhor falar de análise
incompleta, ao invés de análise inacabada.

O outro significado de ‘término’ é mais ambicioso. Indaga se a análise exerceu


uma tal influência que já não se pode esperar nenhuma mudança ulterior. É como
se fosse possível chegar a um nível de normalidade absoluta, como se
pudéssemos alcançar êxito solucionando todas as repressões e preenchendo
todas as lacunas de memória. Podemos primeiro consultar nossa prática para
indagar se tais coisas de fato acontecem e depois voltarmo-nos à teoria, a fim de
saber se há possibilidade de que elas aconteçam.
Todo analista tem casos que apresentaram esse desfecho e compreendemos os
fatores que os determinam. O ego do paciente não foi muito alterado [pela
enfermidade] e a etiologia de seu distúrbio foi principalmente traumática. A
etiologia de todo distúrbio neurótico é, afinal de contas, uma etiologia mista.
Trata-se de uma questão de os instintos serem excessivamente fortes ou dos
efeitos de traumas precoces que o ego imaturo foi incapaz de dominar. Quanto
mais forte o fator constitucional, mais o trauma conduz a uma fixação e deixa
atrás de si um distúrbio do desenvolvimento; quanto mais forte o trauma, mais
seus efeitos prejudiciais se tornarão manifestos, mesmo se a situação instintual
for normal. Não há dúvida de que uma etiologia de tipo traumático é a mais
favorável para a análise. Somente quando um caso é predominantemente
traumático a análise alcança sucesso em realizar aquilo de que é capaz; apenas
então ela consegue substituir a decisão inadequada tomada na vida primitiva, por
uma mais correta. Só em tais casos pode-se falar de análise terminada, mas
mesmo assim, se o paciente nunca volta a produzir outro distúrbio que exija
análise, não sabemos o quanto de sua imunidade é devida a um destino bondoso
que lhe poupou de provações.

Uma força constitucional [intensa] do instinto ou uma grande alteração do ego


são fatores prejudiciais à eficácia da análise e podem torna-la interminável. Fica-
se tentado a tornar o primeiro desses fatores como responsável pelo surgimento
do segundo, mas parece que também este último possui sua etiologia própria.
Nosso conhecimento desses assuntos ainda é insuficiente e só agora eles estão
se tornando matéria de estudo. Parece-me que o interesse dos analistas está
dirigido erradamente. Em vez de indagar como se dá a cura pela análise,
deveriam perguntar quais os obstáculos que se colocam no caminho dela. Isso
me conduz a dois problemas que surgem diretamente da clínica, como espero
demonstrar pelos exemplos que se seguem.

§         Certo homem que, ele próprio, praticara a análise com grande sucesso,
chegou à conclusão de que suas relações com [outros] homens e mulheres não
eram livres de impedimentos neuróticos e fez-se submeter a uma análise por
parte de outrem e foi bem-sucedido. Casou-se com a mulher que amava e
transformou-se em amigo e mestre de seus supostos rivais. Muitos anos se
passaram dessa maneira, durante os quais suas relações com o antigo analista
permaneceram também desanuviadas. Mas então, sem qualquer razão externa,
surgiram problemas. O homem que fora analisado tornou-se antagonista do
analista e censurou-o por ter falhado em lhe proporcionar uma análise completa.
O analista, dizia ele, devia ter sabido e levado em consideração o fato de uma
relação transferencial nunca poder ser puramente positiva; deveria ter concedido
atenção à possibilidade de uma transferência negativa. O analista defendeu-se
dizendo que à época não havia sinal de transferência negativa. Mas, mesmo que
tivesse falhado em observar sinais débeis dela, era duvidoso se teria tido o poder
de ativar um assunto por apontá-lo, enquanto este não estivesse presentemente
ativo no próprio paciente. Ativá-lo teria certamente exigido, na realidade, um
comportamento inamistoso por parte do analista. Ademais, acrescentou, nem
toda boa relação entre analista e paciente, durante e após a análise, devia ser
entendida em função da transferência; havia também relações amistosas que se
baseavam na realidade e que provavam ser viáveis. [Parece que Freud  se refere
a Otto Fenichel, que foi analisado por ele próprio].

§         Segundo exemplo: uma mulher solteira fora cerceada da vida desde a
puberdade por uma incapacidade de andar, devido a severas dores nas pernas.
Seu estado era obviamente de natureza histérica e desafiara muitos tipos de
tratamento. Uma análise que durou nove meses removeu o problema. Nos anos
que se seguiram ela foi sistematicamente desafortunada. Houve desventuras em
sua família, perdas financeiras e, à medida que ficava mais velha, via
desvanecer-se toda esperança de felicidade no amor e no casamento. Mas a ex-
inválida resistiu a tudo isso e constituiu um apoio para a família, nos tempos
difíceis. Doze ou catorze anos após o fim de sua análise ela foi obrigada a
submeter-se a um exame ginecológico. Encontrou-se um mioma que obrigava a
uma histerectomia. A partir dessa operação a mulher mais uma vez caiu doente.
Enamorou-se de seu cirurgião, afundou-se em fantasias masoquistas sobre as
temíveis alterações dentro de si e mostrou-se inacessível a uma nova análise.
Permaneceu anormal até o fim da vida. O tratamento analítico bem-sucedido
realizara-se há tanto tempo que já não se podia esperar muito dele. A segunda
moléstia da paciente originou-se da mesma fonte que a primeira. Mas estou
inclinado a pensar que se não fosse pelo novo trauma, não teria havido nova
irrupção da neurose.

Esses exemplos bastarão para iniciar um exame dos tópicos que estamos
considerando. Os céticos dirão que está provado que mesmo um tratamento
analítico bem-sucedido não protege o paciente de cair doente mais tarde de outra
neurose. Os otimistas e os ambiciosos considerarão que isso não está provado.
Observarão que os dois exemplos datam dos primeiros dias da análise e que
desde então adquirimos uma compreensão interna (insight) mais profunda e que
nossa técnica se modificou de acordo com novas descobertas. Hoje, dirão,
podemos exigir e esperar que a cura analítica seja permanente.

Minha razão para ter escolhido esses dois exemplos foi o fato de que eles
aconteceram há muito, no passado, porque é óbvio que quanto mais recente
tenha sido o desfecho de uma análise, menos podemos predizer a sua
conseqüência posterior, [a longo prazo]. As expectativas dos otimistas
pressupõem uma série de coisas que não são auto-evidentes. Presumem que há
possibilidade de livrar-se definitivamente de um conflito instintual. Presumem,
também, que enquanto estamos tratando alguém de determinado conflito,
podemos “vaciná-lo” contra quaisquer outros conflitos e, ainda, que temos o
poder de despertar um conflito patogênico que não se está revelando na ocasião
e que é aconselhável faze-lo. Lanço essas questões sem me propor respondê-
las. Talvez atualmente nem mesmo seja possível dar-lhes qualquer resposta.

Talvez se possa lançar alguma luz sobre elas mediante considerações teóricas,
mas um ponto já se tornou claro: se quisermos atender às exigências mais
rigorosas feitas à terapia analítica, nossa estrada não nos conduzirá a um
abreviamento de sua duração, nem passará por ele.
Uma experiência analítica que [já] se estende por diversas décadas e uma
mudança que se efetuou na minha atividade, incentivam-me a tentar responder
as questões apresentadas. Nos últimos anos, dediquei-me principalmente a
análises didáticas, mas um certo número de casos graves permaneceu comigo
para tratamento contínuo, embora interrompidos por breves intervalos. Os
pacientes desejavam ser tratados tão rapidamente quanto possível, mas com os
outros o objetivo terapêutico não era abreviar o tratamento mas exaurir as
possibilidades de doença e levar a uma alteração profunda de sua personalidade.

Dos três fatores que reconhecemos como decisivos para o rumo do tratamento —
(1)- a influência dos traumas, (2)- a força constitucional dos instintos e as (3)-
alterações do ego —, o que nos interessa aqui é apenas o segundo. Uma
reflexão levanta dúvida quanto a saber se o uso restritivo do adjetivo
‘constitucional’ é essencial. Embora seja verdadeiro que o fator constitucional
seja de importância, é concebível que um reforço instintual possa produzir os
mesmos efeitos. Se assim for, teremos de modificar nossa fórmula e dizer ‘a força
dos instintos na ocasião’, em vez de ‘a força constitucional dos instintos’.

A primeira de nossas questões foi:

Caixa de texto: ‘É possível, mediante a terapia analítica, livrar-se, de modo


permanente, de um conflito entre um instinto e o ego?’ 
Para evitar má compreensão é necessário explicar o que se quer dizer com
‘livrar-se permanentemente de uma exigência instintual’. Certamente não é ‘fazer-
se com que a exigência desapareça’. Isso é impossível e nem seria desejável.
Queremos dizer outra coisa, algo que pode ser descrito como um ‘amansamento’
do instinto. Isso equivale a dizer colocá-lo em harmonia com o ego, torna-lo
acessível às influências de outras tendências e ele não buscar mais seguir seu
caminho independente. Se nos perguntarem por que meios esse resultado é
alcançado, não será fácil achar uma resposta. Sem especulação e teorização
metapsicológica não conseguiremos dar outro passo à frente. Temos apenas
uma única pista para começar, a saber, a antítese entre o processo primário e o
secundário; para a qual me voltarei neste ponto.

Se retomarmos nossa primeira questão - se é possível livrar-se de modo


permanente de um conflito - nossa abordagem nos conduzirá a uma conclusão
específica. Ela não faz menção à força do instinto, mas é disso que o resultado
depende. Partamos da presunção [bem fundamentada] de que aquilo que a
análise realiza para os neuróticos nada mais é do que o que as pessoas normais
conseguem sem o auxílio dela. A experiência nos ensina que numa pessoa
normal qualquer solução de um conflito só é válida para uma determinada relação
entre a força do instinto e a do ego. Se a força deste diminui todos os instintos
que até então haviam sido “amansados” esforçam-se por obter satisfações. Uma
prova dessa afirmação é fornecida pelos sonhos. Eles reagem à atitude de sono
assumida pelo ego com um despertar das exigências instintuais.
O material do outro lado (a força dos instintos) é igualmente sem ambigüidades.
Não nos surpreenderemos se uma pessoa tornar-se neurótica na puberdade ou
na menopausa porque, nessas ocasiões, certos instintos são reforçados.
Enquanto seus instintos eram menos fortes a pessoa conseguiu êxito em
“amansá-los”, mas quando foram reforçados, não mais pode faze-lo. Efeitos
semelhantes podem ser ocasionados em outros períodos da vida por causas
acidentais. Tais reforços podem ser estabelecidos por traumas, frustrações ou
influências mútuas dos instintos. O resultado é que eles salientam a importância
do fator quantitativo na causação da doença.

Tudo isso é conhecido e auto-evidente há muito. Sempre nos comportamos como


se soubéssemos disso, mas nossos conceitos não deram à linha econômica a
importância que concederam às linhas dinâmica e topográfica.

[Linha econômica: descreve os modelos de dispêndio da energia psíquica; linha


dinâmica: descreve as forças envolvidas no conflito mental; linha topográfica
descreve a ‘localização’ (topos) de um determinado fenômeno mental (p. e.: 
consciente, inconsciente, id e ego  etc.). Pode-se acrescentar, ainda, uma linha
genética que procura traçar as origens dos fenômenos mentais].  

Antes de responder à nossa questão temos de considerar uma objeção. Nossos


argumentos são todos deduzidos a partir dos processos que se efetuam entre o
ego e os instintos e pressupõem que a terapia analítica nada pode realizar que
não [possa também] ocorrer por si. Mas será realmente assim? Não é
reivindicação de nossa teoria a de que a análise leva a um estado que não surge
espontaneamente no ego e que esse estado constitui a diferença entre uma
pessoa analisada e outra que não o foi? Tenhamos em mente em que se baseia
essa reivindicação. As repressões se efetuam na primeira infância e são medidas
de defesa, tomadas pelo ego imaturo. Nos anos posteriores, não são levadas a
cabo novas repressões, mas as antigas persistem e seus serviços continuam a
ser utilizados pelo ego para o domínio dos instintos. Livramo-nos de novos
conflitos através do que chamamos de ‘repressão ulterior’ [repressão secundária
ou repressão propriamente dita]. As repressões dependem do poder relativo das
forças envolvidas e podem não conseguir se manter se ocorrer um aumento na
força dos instintos. A análise capacita o ego a empreender uma revisão das
repressões antigas. A firmeza das novas barreiras é bastante diferente da das
anteriores. Não cederão ante uma maré da força instintual. Dessa maneira, a
façanha real da análise é a correção do processo original de repressão.

Até aqui, nossa teoria. O que tem a dizer nossa experiência? Talvez ela ainda
não seja ampla o bastante para que cheguemos a uma conclusão. Ela confirma
nossas expectativas com bastante freqüência, mas não sempre. Não se deve
ficar surpreso se ela mostrar que a diferença de comportamento entre uma
pessoa não analisada e de uma que tenha sido não é tão radical. A análise às
vezes tem êxito em eliminar a influência de aumento no instinto ou o efeito da
análise se limita a aumentar o poder de resistência das inibições. Não posso
comprometer-me com uma decisão sobre esse ponto nem sei se é possível uma
decisão.

Mas há também outro ângulo a partir do qual podemos abordar os efeitos da


análise. O primeiro passo no sentido de chegar ao domínio intelectual do meio
ambiente é descobrir leis que tragam ordem ao caos. Fazendo isso, simplificamos
o mundo dos fenômenos, mas não podemos evitar falsificá-lo: interessados em
discernir alterações qualitativas, deixamos de lado o fator quantitativo. No
entanto, as transições são mais comuns que os opostos nitidamente
diferenciados. Quando um mecenas generoso mostra algum traço de avareza ou
quando uma pessoa que é sistematicamente muito bondosa permite-se uma ação
hostil, tais ‘fenômenos residuais’ são valiosos para a pesquisa genética [de
gênese, não de genes]. Eles nos mostram que essas qualidades baseiam-se na
supercompensação, a qual não foi bem-sucedida. No desenvolvimento da libido
uma fase oral original cede caminho a uma fase anal-sádica e esta, por sua vez é
sucedida por uma fase fálico-genital. Essas substituições realizam-se
gradativamente, de maneira que partes da organização anterior persistem ao lado
da mais recente e a transformação nunca é completa, permanecendo resíduos de
fixações. O mesmo pode ser visto em outros campos. Resíduos das errôneas
crenças da humanidade ainda perduram entre nós.

Aplicando essas observações ao nosso problema, penso que nos esforçamos por
substituir repressões que são inseguras por controles egossintônicos [afinados
com o ego] dignos de confiança, embora nem sempre alcancemos nosso
objetivo. Com freqüência a transformação só é conseguida parcialmente: partes
dos antigos mecanismos permanecem intocadas. É difícil provar que isso é
realmente assim, pois não temos outro modo de ajuizar o que acontece senão
pelo resultado que estamos tentando explicar mas as impressões deixadas pela
psicanálise não contradizem isso. Não devemos tomar a clareza de nossa
compreensão interna (insight) como medida da convicção que produzimos no
paciente. À convicção dele pode faltar ‘profundidade’. Trata-se, como sempre, de
uma questão quantitativa. Se essa for a resposta certa à nossa questão podemos
dizer que a análise está correta na teoria, mas nem sempre na prática. É fácil
descobrir a causa disso. No passado, o fator quantitativo da força instintual opôs-
se aos esforços defensivos do ego. Agora, o mesmo fator estabelece um limite à
eficácia da análise. Se a força do instinto é excessiva o ego maduro fracassa em
sua missão, tal como o ego débil fracassou antes. Nada há de surpreendente
nisso, visto que o poder da análise não é ilimitado e o resultado final [dela]
depende da força relativa dos agentes em luta entre si.

Não há dúvidas de que é desejável abreviar [o tempo de duração da] análise mas
só conseguiremos isso aumentando o poder dela em vir em assistência do ego. A
influência hipnótica [a princípio] pareceu ser um instrumento excelente para
nossos fins, mas as razões por que tivemos de abandoná-la são bem conhecidas.
Ainda não foi encontrado substituto algum para a hipnose. Desse ponto de vista,
podemos compreender como um mestre da análise como Ferenczi veio a dedicar
os últimos anos de sua vida a experimentos terapêuticos, os quais, infelizmente,
se mostraram vãos. [Freud abandonou a hipnose, entre outros motivos, porque(1)
nem todos os pacientes eram hipnotizáveis, porque (2) os sintomas voltavam a
reincidir e porque (3) as resistências eram deixadas intocadas. Ferenczi buscou
conseguir análises mais rápidas. Foi com esse objetivo que postulou a chamada
“técnica ativa”. Suas idéias tiveram seguimento com Franz Alexander, no Instituto
de Chicago].
As duas outras questões — se podemos proteger o paciente de futuros conflitos e
se é viável e conveniente despertar um conflito que não está manifesto na
ocasião — devem ser tratadas em conjunto, pois a primeira tarefa só pode ser
levada a cabo na medida em que a segunda o for. Consideramos [antes] como
nos resguardar contra o retorno do mesmo conflito e estamos considerando
agora como nos proteger contra sua possível substituição. Isso pode soar
ambicioso, mas o que [assim] estamos fazendo  é clarear os limites da terapia
analítica.

Por mais que nossa ambição terapêutica possa ficar tentada a empreender tais
tarefas, a experiência mostra que [isso] não é possível. Se o conflito não está
ativo, não podemos influir sobre ele. [No entanto,] a advertência de que devemos
deixa-lo repousar, [por vezes] é despropositada, pois se os instintos estão
provocando distúrbios, isso é prova de que não estão dormindo e [mesmo] se
estivessem, não estaria no nosso poder acordá-los. Essa última afirmação não
parece inteiramente exata e exige debate mais pormenorizado. Que meios temos
para transformar um conflito latente em ativo? (1)- Causar situações em que o
conflito se torne ativo ou (2)- debatê-lo na análise e apontar a possibilidade de ele
despertar. A primeira alternativa pode ser levada a cabo de duas maneiras: na
realidade ou na transferência, expondo o paciente à frustração e ao
represamento da libido. É verdade que já fazemos isso em nosso procedimento
comum, pois qual, senão esse, o significado da regra de que a análise deve ser
levada a cabo ‘num estado de frustração’? Mas essa é uma técnica que
utilizamos ao tratar um conflito ativo. Procuramos leva-lo a um ponto culminante,
desenvolvê-lo ao máximo, a fim de aumentar a força disponível para sua solução.

Mas se o que visamos é o tratamento profilático de conflitos, não será suficiente


regular os sofrimentos que já se acham presentes no paciente. Teríamos de
provocar-lhe outros novos. E que tipo de experimentos seriam esses?
Poderíamos, com fins de profilaxia, destruir um casamento satisfatório, ou fazer
com que um paciente abandone seu cargo? Afortunadamente, nunca nos
encontramos na situação de termos de considerar se tais intervenções na vida do
paciente são justificadas. Na prática, tal procedimento está excluído, mas
existem, além disso, objeções teóricas a ele, pois o trabalho de análise progride
melhor se as experiências patogênicas do paciente pertencem ao passado, de
modo que seu ego possa situar-se a certa distância delas. Em estados de crise
aguda, a análise não é utilizável porque todo o interesse do ego é tomado pela
realidade penosa [do momento] e ele se retrai da análise que está tentando
revelar as influências do passado. Criar um novo conflito só tornaria o trabalho de
análise [ainda] mais prolongado e difícil. Deixamos isso ao destino.

Um paciente que teve escarlatina está imune à doença, no entanto jamais ocorre
a um médico pegar uma pessoa sadia e infectá-la com esta, a fim de torná-la
imune à mesma. Na profilaxia analítica contra conflitos, pois, os únicos métodos
que entram em consideração são os outros dois: a produção artificial de novos
conflitos na transferência e o despertar deles na imaginação do paciente.

O primeiro desses dois procedimentos não está excluído da análise, mas as


dificuldades [de realiza-lo] não lançam uma luz promissora sobre tal empresa
porque os pacientes não trazem todos os seus conflitos para a transferência, nem
o analista está apto a invocar todos os possíveis conflitos deles, a partir da
situação transferencial. Ele pode torná-los ciumentos ou faze-los experimentar
desapontamentos no amor, mas não é necessário nenhum propósito deliberado
para ocasionar esse efeito já que tais coisas acontecem por si mesmas, na
maioria das análises. Em segundo lugar, não devemos desprezar o fato de que
os esforços nesse sentido obrigariam o analista a se comportar de maneira
inamistosa para com o paciente e isso teria um efeito prejudicial sobre a atitude
afetuosa — a transferência positiva — que é o motivo mais forte para o paciente
participar do trabalho analítico. [Freud assim se posiciona firmemente, e com
razão, contra a adoção de atitudes planejadas, da parte do terapeuta, coisa que
Franz Alexander, em Chicago, veio a defender].

Isso, pois, deixa-nos apenas um método. Falamos ao paciente sobre as


possibilidades de outros conflitos e esperamos que essa informação e essa
advertência tenham o efeito de ativar os conflitos que indicamos. No entanto, isso
não ocorre. O paciente escuta nossa mensagem, mas não reage a ela.
Aumentamos seu conhecimento, mas nada mais alteramos nele. A situação é
análoga à que de passa quando as pessoas lêem trabalhos psicanalíticos. O
leitor é ‘estimulado’ apenas por aquelas passagens que interessam a conflitos
que estão ativos nele, na ocasião. O mais, o deixa indiferente. É análogo a
quando fornecemos esclarecimentos sexuais às crianças. Após isso as crianças
sabem algo que não sabiam, mas não fazem uso do novo conhecimento e nem
mesmo têm pressa de corrigir as sua teorias sexuais [Ver “Sobre as Teorias
Sexuais das Crianças” - Edições Standard Brasileira das Obras Psicológicas
Completas de Sigmund Freud – volume IX]. Mesmo após receberem os
esclarecimentos, elas se comportam como as raças primitivas que tiveram o
cristianismo enfiado nelas, mas que continuaram a adorar seus antigos ídolos.
Começamos [esse trabalho] com a questão de saber como podemos abreviar a
duração do tratamento analítico e passamos [depois] a considerar se é possível
conseguir uma cura permanente e impedir uma reincidência da doença através
de um tratamento profilático. Descobrimos que os fatores que decidem o sucesso
dos esforços terapêuticos são a influência da etiologia traumática, a força relativa
dos instintos e a alteração do ego. Apenas o segundo desses fatores foi
pormenorizadamente examinado e tivemos ocasião de reconhecer a importância
do fator quantitativo e de acentuar a reivindicação da linha de abordagem
metapsicológica a ser considerada em qualquer tentativa de explicação.

Quanto ao terceiro fator - a alteração do ego -, ainda não dissemos nada, embora
haja muito a perguntar e a responder. A análise consiste em nos aliarmos com o
ego, a fim de controlar partes do id. Isto é, incluí-las na síntese do ego. O fato de
uma tal cooperação fracassar com os psicóticos, fornece-nos uma primeira pista.
O ego [inteiramente] normal não existe, mas o anormal infelizmente não é ficção.
Na verdade, toda pessoa “normal” o é apenas na média. Em algum lugar, seu
ego aproxima-se do psicótico e o maior ou menor desvio fornece-nos a medida
do que denominamos ‘alteração do ego’.

Se quisermos saber qual a fonte das alterações do ego, não fugiremos à


alternativa congênitas-adquiridas. Se forem adquiridas, essas alterações
aconteceram durante os anos de infância. É no decurso do desenvolvimento que
o ego aprende a adotar defesas para com o id e a tratar os instintos como perigos
externos. Isso acontece porque ele compreende que uma satisfação [livre] do
instinto conduziria a conflitos com o mundo externo. Mais tarde, sob a influência
da educação, o ego remove a cena de fora para dentro e domina o perigo interno
antes que ele se tenha tornado externo. Nessa luta, o ego faz uso de diversos
procedimentos para desempenhar sua tarefa, que consiste em evitar o perigo, a
ansiedade e o desprazer – os ‘mecanismos de defesa’. Nosso conhecimento
sobre eles ainda não é completo. O livro de Anna Freud (1936) fornece uma
primeira compreensão de sua multiplicidade e significação.

Foi a partir de um deles - a repressão -, que o estudo das neuroses se iniciou.


Nunca houve dúvida de que a repressão não era o único procedimento que o ego
podia empregar [como defesa]. Não obstante, ela é mais diferenciada de outros
mecanismos do que estes entre si. Para tornar clara a relação [dela] com os
outros mecanismos [vamos lançar mão] de uma analogia :imaginemos o que
aconteceria a um livro, na época em que os livros eram redigidos individualmente,
que contivesse afirmações consideradas indesejáveis. Nos dias de hoje a
censura oficial poderia valer-se do mecanismo de confiscar e destruir todos os
exemplares. Naquela época, contudo, diversos métodos eram utilizados para
tornar o livro inócuo. Um, era riscar cerradamente as passagens consideradas
ofensivas, de modo a ficarem ilegíveis. Nesse caso, elas não poderiam ser
transcritas e o copista seguinte produziria um texto inatacável, mas com lacunas
que poderiam torna-lo ininteligível. Outra maneira seria deformar o texto. Palavras
isoladas podiam ser deixadas de fora ou substituídas por outras e novas frases
serem interpoladas. Ou ainda, a passagem seria apagada e outras novas
colocadas em seu lugar. O transcritor seguinte poderia então produzir um texto
que não despertaria suspeita, mas que seria falsificado.

Se a analogia for estritamente seguida, podemos dizer que a repressão tem com
os outros métodos de defesa a mesma relação que a omissão tem com a
deformação do texto. Pode-se fazer objeção à analogia dizendo que a
deformação do texto é obra de uma censura tendenciosa. Mas a força do
princípio de prazer também é tendenciosa. O aparelho psíquico não tolera o
desprazer e se a percepção da realidade o acarreta, é sacrificada. Dos perigos
externos o indivíduo pode fugir, mas não dos internos. Por essa razão os
mecanismos de defesa do ego falsificam nossa percepção interna e nos dão uma
representação imperfeita do id. Em suas relações com o id o ego é paralisado por
suas restrições ou cegado por seus erros e o resultado disso só pode ser
comparado a caminhar num país que não se conhece, sem dispor de um bom par
de pernas.

Em geral os mecanismos de defesa são bem-sucedidos e o ego não pode passar


sem eles no seu desenvolvimento, mas é certo também que podem transformar-
se em perigos. Por vezes, o dispêndio necessário para mantê-los e as restrições
que acarretam mostram-se um ônus pesado. Esses mecanismos não são
abandonados após terem servido ao ego. O ego do adulto continua a se defender
contra perigos que não mais existem e vê-se compelido a buscar na realidade as
situações que sirvam como substituto do perigo original, de modo a poder se
justificar com elas. Assim, podemos entender como os mecanismos defensivos
preparam o caminho para as neuroses e o incentivam. Ademais, nenhum
indivíduo faz uso de todos os mecanismos de defesa. Cada pessoa utiliza uma
seleção deles que se fixa e torna-se parte de seu caráter, sendo repetidos
sempre que volta a ocorrer uma situação semelhante à original.

Aqui não estamos interessados no papel patogênico dos mecanismos defensivos,


mas tentando descobrir qual a influência que a alteração do ego tem sobre
nossos esforços terapêuticos. O paciente repete essas modalidades de reações
durante a análise, mas isso não significa que a tornem impossível. Ao contrário,
constitui a metade da tarefa analítica, consistindo a outra metade na revelação do
que está escondido no id. Durante o tratamento nosso trabalho terapêutico oscila
entre um fragmento de análise do id e outro de análise do ego. Num caso
desejamos tornar consciente algo do id; noutro queremos corrigir algo no ego. No
tratamento, os mecanismos defensivos contra um perigo anterior reaparecem
como resistências contra o restabelecimento, que é tratado como um novo perigo.
O efeito terapêutico depende de tornar consciente o que está reprimido no id.
Para isso fazemos interpretações e construções, mas interpretamos apenas para
nós, não para o paciente, enquanto o ego se apegar às defesas e não abandonar
as resistências. Essas resistências, pertencentes ao ego, mas [são] inconscientes
e isoladas dentro dele e mais fáceis de identificar do que o material oculto no id.
Poder-se-ia supor que seria suficiente tratá-las como partes do id e, tornando-as
conscientes, colocá-las em conexão com o restante do ego. Dessa maneira
metade da tarefa da análise estaria realizada. Não deveríamos contar com
enfrentar uma resistência contra a revelação das resistências mas é isso que
acontece. Durante o trabalho sobre as resistências o ego se retrai do acordo em
que a situação analítica se baseia, desobedece a regra fundamental da análise e
não permite que surjam novos derivados do reprimido. Não podemos esperar que
o paciente possua uma forte convicção do poder curativo da análise e embora ele
possa ter trazido consigo uma certa confiança [inicial] em seu analista, que será
fortalecida pela transferência positiva, os impulsos de desprazer que sente em
vista da ativação de seus conflitos defensivos, geram as transferências negativas
e podem levar a melhor e anular a situação analítica. O paciente passa a encarar
o analista como um estranho e a comportar-se para com ele como uma criança
que não gosta de estranho. Se o analista tentar explicar as deformações
efetuadas pelo paciente em seu ego, para fins de defesa, o encontrará não
compreensivo e inacessível, mesmo para argumentos bem fundamentados.
Percebemos que há resistência contra a revelação das resistências e que os
mecanismos defensivos merecem a denominação que lhes demos. Constituem
resistências à conscientização dos conteúdos do id, mas também à análise e ao
restabelecimento.

O efeito ocasionado pelas defesas pode ser descrito como uma ‘alteração do ego’
e o resultado de um tratamento analítico depende da profundidade dessas
alterações. [Mais uma vez] temos ai a importância do fator quantitativo. A análise
só pode valer-se de quantidades definidas e limitadas de energia que têm de ser
medidas contra as forças hostis.
[Como dissemos,] a alteração do ego é adquirida nos primeiros anos de vida,
mas ele tem [também] características inatas, [como é] atestado pelo fato de que
cada pessoa sempre utiliza as mesmas defesas. Isso parece indicar que o ego
está dotado com disposições individuais, embora não possamos especificar o que
as determina. Contudo, não devemos exagerar a diferença entre o herdado e o
adquirido. O que foi adquirido no passado [remoto] forma parte importante do que
herdamos. As peculiaridades psicológicas de famílias, raças e nações não têm
outra explicação [se não esta]. Mais que isso, a experiência analítica mostra que
até os simbolismos são herdados e pesquisas antropológicas evidenciam que
mesmo os precipitados do desenvolvimento humano [também] o são. Quando
falamos de ‘herança arcaica’ [geralmente] pensamos apenas no id e presumimos
que no começo da vida do indivíduo ainda não existe ego, mas não devemos
desprezar o fato de que id e ego são originalmente uma única e mesma coisa.
[Na concepção freudiana o ego não é senão uma diferenciação do id em sua
relação com a realidade].

Como as resistências podem ser determinadas pela herança ou adquiridas nas


lutas defensivas, a distinção topográfica entre o ego e o id perde muito de sua
importância. Se avançarmos um pouco mais, nos depararemos com outro tipo de
resistências que não podemos localizar e que parecem depender de condições
fundantes do aparelho mental. Como o campo ainda é inexplorado, só posso
fornecer alguns exemplos. Há pessoas com uma grande ‘adesividade da libido’ e
o tratamento nelas é mais lento do que em outras porque elas não conseguem
[facilmente] desligar as catexias de determinados objetos e deslocá-las para
outro. Também existe o tipo oposto, em que a libido é muito móvel. A diferença
entre os dois tipos é comparável à de um escultor que trabalha com pedra dura e
a de outro que manipula o gesso macio. Nesse segundo tipo os resultados da
análise mostram-se inconstantes: as catexias são [facilmente] abandonadas e
temos a impressão de ter escrito na água, não em gesso.

Noutros casos, ficamos surpresos com a atitude de pacientes a que atribuímos a


um esgotamento da plasticidade; uma espécie de inércia psíquica. Quando o
trabalho da análise abre novos caminhos, observamos que o impulso tem
dificuldades de ingressar neles. A esse comportamento chamamos de
‘resistências do id.’ Com tais pacientes os processos mentais são fixos, imutáveis
e rígidos. Isso [normalmente] acontece em pessoas de idade, mas aqui estamos
tratando com pessoas [ainda] jovens. Nosso conhecimento não fornece uma
explicação de tais tipos. Provavelmente [essas resistências] são relacionadas
com características temporais que ainda não apreciamos.

Em outros casos certas características do ego devem ser tidas como fontes de
resistências, podendo originar-se de camadas mais profundas: o comportamento
dos dois instintos primevos [de vida e de morte], sua distribuição, mistura e
desfusão. Nenhuma impressão das resistências é mais forte do que a de existir
uma força que se defende contra o restabelecimento. Parte dessa força é
[constituída pelo] sentimento de culpa e necessidade de punição, mas essa é
apenas a parte ligada ao superego. Outras cotas [de energia psíquica], quer
presas, quer livres, podem estar em ação em outros lugares. Se levarmos em
conta o fenômeno do masoquismo, da reação terapêutica negativa e do
sentimento de culpa, não podemos mais acreditar que os eventos mentais são
governados só pelo desejo de prazer mas esses fenômenos constituem
indicações da presença do poder que chamamos de agressividade, que
remontamos ao instinto de morte. Não se trata de antítese entre uma teoria
pessimista e outra otimista. Somente pela ação concorrente dos dois instintos —
Eros e instinto de morte — [é que] podemos explicar os fenômenos da vida.

Como partes dos dois instintos se combinam para desempenhar as funções


vitais, o problema de a que distúrbios essas mudanças correspondem e com que
sensações o princípio do prazer responde a elas são problemas cuja elucidação
seria gratificante para a pesquisa psicológica, mas ate o momento nossos
esforços redundaram em nada. Mesmo exercer alguma influência sobre o
masoquismo é um ônus muito severo para nossos poderes.

Ao estudar o instinto destrutivo não nos restringimos à patologia mas fatos da


vida normal também comportam explicações desse tipo. O assunto [ainda] é
novo, mas importante demais para que se o trate [apenas] como um tema lateral.

Aqui temos um exemplo: em todos os períodos houve pessoas que tiveram como
objetos sexuais, membros do próprio sexo e do sexo oposto, sem que uma das
inclinações interfira na outra. Todo ser humano é bissexual no sentido de que sua
libido se distribui, de maneira manifesta ou latente, por objetos de ambos os
sexos. Mas enquanto que na primeira classe de pessoas [aquelas em que a libido
está dirigida a pessoas do mesmo sexo] as duas tendências prosseguem juntas,
na segunda [aquelas em que a libido está dirigida a pessoas do sexo oposto] elas
encontram-se em conflito. A heterossexualidade não combina com nenhum grau
de homossexualidade e vice-versa. Se a primeira é a mais forte ela mantém a
segunda latente e a afasta da realidade. Por outro lado, não existe maior perigo
para a função heterossexual do que o de ser perturbada pela homossexualidade
latente. Poderíamos tentar explicar isso dizendo que cada pessoa só possui à
[sua] disposição uma certa cota de libido, pela qual as duas inclinações têm de
lutar. Mas não é claro por que elas nem sempre dividem essa cota entre si já que
podem fazer isso em certos casos.
Se reconhecermos esse caso como manifestação do instinto destrutivo, surge a
questão de saber se essa visão não deve ser estendida a outros conflitos e de
saber se o que conhecemos sobre o conflito não deveria ser revisto a partir desse
novo ângulo. Afinal, presumimos que no decurso do desenvolvimento de um
estado primitivo para um civilizado a agressividade experimenta um grau
considerável de internalização. Se assim for, os conflitos internos são o
equivalente das lutas internas que cessaram. Estou cônscio de que a teoria
dualista - instinto de morte e libido -, encontrou pouca simpatia e não foi bem
aceita. Fiquei satisfeito quando me deparei com idêntica teoria nos escritos de um
dos maiores pensadores da Grécia antiga. Nunca pude ter certeza se aquilo que
tomei por uma criação não constituía um efeito da criptomnésia.

Empédocles, (cerca de 495 a.C.) foi uma das maiores figuras da civilização
grega. Nascido numa época em que o reino da ciência ainda não estava dividido
em tantas províncias, algumas de suas teorias foram, deveras, impressionantes.
Explicava as coisas pela mistura terra-ar-fogo-água, sustentava que a natureza
era animada e acreditava na transmigração das almas. Também [já] incluía no
seu conhecimento, idéias modernas como a evolução dos seres vivos, a
sobrevivência dos mais aptos e o papel do acaso na evolução.

Mas há uma teoria de Empédocles que se aproxima tanto da nossa teoria dos
instintos, que pareceriam idênticas, não fosse pelo fato de a teoria do filósofo
grego ser uma fantasia cósmica, ao passo que a nossa se contenta em
reivindicar validade biológica.

O filósofo ensinou que os eventos no universo são dirigidos por dois princípios e
que na mente e que eles estão sempre em guerra um com o outro. Chamou-os
de amor e discórdia e deles disse que são ‘forças naturais que operam como
instintos e de maneira alguma inteligências com um intuito consciente’. Um deles
esforça-se por aglomerar partículas dos quatro elementos numa unidade, ao
passo que o outro, procura desfazer essas fusões. Empédocles imaginou o
universo como alternância de períodos, em que uma ou outra das forças leva
vantagens.

Os dois princípios de Empédocles são os mesmos que Eros e destrutividade.


Mas em seu ressurgir, essa teoria se alterou em algumas características. Não
mais temos como substâncias básicas os quatro elementos: o que é vivo foi
nitidamente diferenciado do que não é e demos um fundamento ao princípio de
‘discórdia’, remontando-o ao instinto de morte. Ninguém pode prever sob que
disfarce o núcleo a verdade contida na teoria de Empédocles se apresentará à
compreensão posterior.

Em 1927 Ferenczi escreveu um artigo sobre o término das análises. Ele garantiu
que ‘a análise não é um processo sem fim, mas um processo que pode receber
um fim natural, com perícia e paciência suficientes por parte do analista’. O artigo,
contudo, parece-me ser uma advertência para que não se visasse abreviar a
análise, mas a aprofundá-la. Ele demonstra ainda o fato de que o êxito depende
de o analista ter aprendido com seus próprios ‘erros e equívocos’ e de ter
superado ‘os pontos fracos de sua própria personalidade’. Isso fornece um
suplemento ao nosso tema porque entre os fatores que influenciam o tratamento
analítico deve-se levar em conta, também, a individualidade do analista.

Não se pode negar que os analistas nem sempre estiveram à altura do padrão
que querem para os pacientes. Os opositores da análise quase sempre apontam
esse fato para demonstrar a inutilidade dos esforços analíticos, mas podemos
rejeitar essa crítica alegando que ela faz [aos analistas,] exigências injustificáveis.
Os analistas são seres humanos como quaisquer outros e afinal, ninguém
sustenta que um médico é incapaz de tratar doenças se ele próprio não for sadio.
Ao contrário, pode-se até argumentar que há certas vantagens no fato de um
homem que foi ameaçado pela tuberculose se especializar no tratamento de
pessoas que sofrem dessa doença. Os casos, porém, não são idênticos: um
médico que sofre de doença dos pulmões ou do coração não está em
desvantagem para tratar queixas internas, ao passo que o trabalho analítico faz
com que os defeitos do analista interfiram na avaliação correta do paciente. É,
portanto, razoável esperar de um analista um considerável grau de normalidade.
Além disso, ele deve possuir algum tipo de superioridade, de maneira que, em
certas situações, possa agir como modelo para seu paciente e, em outras, como
professor. E, finalmente, não devemos esquecer que a relação analítica baseia-
se no amor à verdade e que isso exclui qualquer tipo de impostura ou engano.

O analista conta com nossa simpatia nas exigências rigorosas a que tem de
atender no desempenho de suas atividades. É como se a análise fosse a terceira
daquelas profissões ‘impossíveis’, quanto às quais se pode estar seguro de
chegar a resultados insatisfatórios. [As outras duas “profissões impossíveis”
seriam governar e educar.] Não podemos exigir que o analista em perspectiva
seja um ser perfeito antes que passe por uma análise ou que somente pessoas
de alta perfeição ingressem na profissão. Mas onde e como pode adquirir as
qualificações de que necessitará em sua profissão? A resposta é: na própria
análise, com a qual deve começar sua preparação para a futura atividade. Essa
análise tem de ser breve e incompleta. Seu objetivo é possibilitar ao professor
julgar se o candidato pode ser aceito para formação. Se fornecer ao candidato a
analista uma convicção firme da existência do inconsciente, se o capacitar a
perceber em si coisas que seriam inacreditáveis para ele e se lhe mostrar um
primeiro exemplo da técnica que provou ser a única eficaz no trabalho analítico,
essa análise terá cumprido seu intuito. Só isso não bastaria, mas contamos com
que a sua análise não cesse quando termina, que os processos de
remodelamento do ego prossigam e que faça uso das experiências subseqüentes
nesse recém-adquirido sentido. [O Analista ideal talvez seja aquele
moderadamente neurótico que tenha sido melhorado por sua análise pessoal.
Dificilmente algo mais poderia produzir nele uma maior convicção sobre as
virtudes da prática que iniciará]. Isso de fato acontece e qualifica o indivíduo
analisado para ser analista. Infelizmente, algo mais acontece também.  A
hostilidade e o partidarismo originam uma atmosfera desfavorável à investigação
objetiva. Certo número de analistas aprende a usar mecanismos defensivos que
lhes permitem desviar de si próprios as exigências da análise, dirigindo-as para
outras pessoas, de maneira que permanecem como são e afastam-se da
influência crítica e corretiva da análise. [É por isso que muitas pessoas se tornam
analistas como maneira de procurar análise para si próprias]. Somos levados a
traçar uma analogia com o efeito dos raios X nas pessoas que os manejam sem
tomar precauções. Uma ocupação constante com material reprimido desperta
exigências instintuais suprimidas, no analista. São ‘perigos da análise’, que
ameaçam o parceiro ativo da situação [,isto é, o analista]. Todo analista deveria,
com intervalos de aproximadamente cinco anos, submeter-se mais uma vez à
análise. Não seria apenas a análise dos pacientes, mas sua própria análise que
se transformaria de terminável em interminável.

Não pretendo afirmar que a análise é um assunto sem fim. O término de uma
análise é uma questão prática. Todo analista conhece casos em que deu a seu
paciente um adeus definitivo. Naquilo que é conhecido como análise de caráter
há menor discrepância entre teoria e prática. Aqui não é fácil prever um fim
natural, ainda que se evitem expectativas exageradas e não se estabeleçam
tarefas excessivas. Nosso objetivo não é dissipar todas as peculiaridades do
caráter humano em benefício de uma ‘normalidade’ esquemática, nem exigir que
a pessoa que tenha sido ‘completamente analisada’ deixe de sentir paixões nem
desenvolva conflitos. A missão da análise é garantir as melhores condições
psicológicas possíveis para as funções do ego. Com isso, ela se desincumbe de
sua tarefa.
Em análises terapêuticas e em análises de caráter observamos que há dois
temas que têm preeminência e vêm a dar muito trabalho, ambos ligados à
distinção entre os sexos. Um deles é característico dos homens, o outro, das
mulheres.

Os dois temas são, na mulher, a inveja do pênis e, no homem, a luta contra uma
atitude passiva ou feminina para com outro homem. O que é comum nos dois
temas é um complexo de castração. Alfred Adler usou o termo ‘protesto
masculino’ [que parece] ajustar-se perfeitamente aos homens. No entanto,
‘repúdio da feminilidade’ teria sido a descrição correta dessa característica
psíquica dos seres humanos.

Esse fator não ocupa a mesma posição em ambos os sexos. Nos homens, o
esforço por ser masculino é egossintônico e a atitude passiva é energicamente
reprimida e amiúde sua presença só é indicada por supercompensações. Nas
mulheres, também, o esforço por serem masculinas é egossintônico na fase
fálica. Depois, porém, ele sucumbe à repressão cujo desfecho determina a sorte
da feminilidade da mulher. Muita coisa depende de que partes de seu complexo
de masculinidade escape à repressão e influencie seu caráter. Normalmente,
grandes partes dele se transformam e contribuem para a construção de sua
feminilidade. O desejo de um pênis destina-se a ser convertido no desejo de um
bebê e de um marido, que possui um pênis. Mas o desejo de masculinidade pode
ter sido retido no inconsciente e, a partir de lá, exercer uma influência
perturbadora.
Em ambos os casos a atitude própria ao sexo oposto que sucumbiu à repressão.
Foi W. Fliess que chamou minha atenção para esse ponto. Ele encarava a
antítese entre os sexos como a verdadeira causa da repressão. Estou apenas
repetindo o que disse antes ao discordar de sua opinião, quando declino de
sexualizar a repressão dessa maneira — isto é, explicá-la em fundamentos
biológicos, em vez de puramente psicológicos.

Ferenczi, em 1927, transformou em requisito que em toda análise esses dois


complexos tivessem que ser dominados. Acho que ele estava pedindo muito.
Estamos ‘pregando ao vento’ se tentamos persuadir uma mulher a abandonar
seu desejo de um pênis ou quando procuramos convencer um homem de que a
atitude passiva para com homens nem sempre significa castração e que ela é
indispensável em muitos relacionamentos na vida. A supercompensação do
homem produz uma das mais fortes resistências transferenciais. Ele se recusa a
submeter-se a um substituto paterno e consequentemente se recusa a aceitar do
médico seu restabelecimento. Nenhuma transferência análoga surge do desejo
da mulher por um pênis, mas esse desejo é fonte de irrupções de grave
depressão nela, devido à convicção interna de que a análise não lhe será útil e de
que nada pode ser feito para ajudá-la. E só concordaremos com ela quando
aprendemos que seu mais forte motivo para buscar tratamento foi a esperança de
que ainda poderia obter um órgão masculino.

Aprendemos com isso que não é importante sob que forma a resistência aparece,
seja como transferência ou não. O decisivo é que a resistência impede a
ocorrência de qualquer mudança. Às vezes temos a impressão de que o desejo
de um pênis penetrou através de todos os estratos psicológicos e alcançou o
fundo e que, assim, nossas atividades encontram um fim. Isso é verdadeiro, já
que, para o campo psíquico, o campo biológico desempenha realmente o papel
de fundo subjacente. O repúdio da feminilidade pode ser um fato biológico, uma
parte do grande enigma do sexo. Seria difícil dizer se e quando conseguimos
êxito em dominar esse fator num tratamento analítico. Só podemos consolar-nos
com a certeza de que demos à pessoa analisada todo incentivo possível para
reexaminar e alterar sua atitude para com ele.
 

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