Adi 4693

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 14

Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 14

11/10/2018 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.693 BAHIA

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES


REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DA BAHIA

EMENTA: CONSTITUCIONAL. SISTEMA CONSTITUCIONAL


ACUSATÓRIO. MINISTÉRIO PÚBLICO E PRIVATIVIDADE DA
PROMOÇÃO DA AÇÃO PENAL PÚBLICA (CF, ART. 129, I).
INCONSTITUCIONALIDADE DE PREVISÃO REGIMENTAL QUE
POSSIBILITA ARQUIVAMENTO DE INVESTIGAÇÃO DE
MAGISTRADO SEM VISTA DOS AUTOS AO PARQUET. MEDIDA
CAUTELAR CONFIRMADA. PROCEDÊNCIA.
1. O sistema acusatório consagra constitucionalmente a titularidade
privativa da ação penal ao Ministério Público (CF, art. 129, I), a quem
compete decidir pelo oferecimento de denúncia ou solicitação de
arquivamento do inquérito ou peças de informação, sendo dever do
Poder Judiciário exercer a “atividade de supervisão judicial” (STF, Pet.
3.825/MT, Rel. Min. GILMAR MENDES), fazendo cessar toda e qualquer
ilegal coação por parte do Estado-acusador (HC 106.124, Rel. Min. CELSO
DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 22/11/2011, DJe de 10/9/2013).
2. Flagrante inconstitucionalidade do artigo 379, parágrafo único do
Regimento Interno do Tribunal de Justiça da Bahia, que exclui a
participação do Ministério Público na investigação e decisão sobre o
arquivamento de investigação contra magistrados, dando ciência
posterior da decisão.
3. Medida Cautelar confirmada. Ação Direta de
Inconstitucionalidade conhecida e julgada procedente.

AC ÓRDÃ O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros do Supremo


Tribunal Federal, em Plenário, sob a Presidência do Senhor Ministro

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código FD57-91BE-7DCC-FBCC e senha 7FBA-29C8-FC99-E77E
Supremo Tribunal Federal
Ementa e Acórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 2 de 14

ADI 4693 / BA

DIAS TOFFOLI, em conformidade com a ata de julgamento e as notas


taquigráficas, por unanimidade, acordam em conhecer da ação direta, em
confirmar a medida cautelar e em julgar procedente o pedido para
declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 378 do
Regimento Interno do Tribunal de Justiça da Bahia, nos termos do voto
do Relator. Não participaram, justificadamente, deste julgamento, os
Ministros Gilmar Mendes e Roberto Barroso. Ausente, justificadamente, o
Ministro Celso de Mello.

Brasília, 11 de outubro de 2018.

Ministro ALEXANDRE DE MORAES


Relator

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código FD57-91BE-7DCC-FBCC e senha 7FBA-29C8-FC99-E77E
Supremo Tribunal Federal
Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 3 de 14

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.693 BAHIA

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES


REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DA BAHIA

RE LAT Ó RI O

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR): Trata-se


de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar,
promovida pelo Procurador-Geral da República, em face do parágrafo
único do art. 378 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado
da Bahia.
Eis, em destaque, o teor do dispositivo regimental impugnado:

Art. 378 - Quando no curso de qualquer investigação,


houver indício da prática de crime por parte de Magistrado, a
autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos
autos ao Presidente do Tribunal, para o prosseguimento da
apuração do fato, sob a direção de Relator, intimando-se o
Procurador-Geral de Justiça.
Parágrafo único - Encerrada a investigação e feito o
relatório, os autos serão postos em mesa para julgamento. Se o
Tribunal Pleno, em votação pública, concluir pela existência
de crime em tese, remeterá o feito ao Ministério Público para
o procedimento cabível. Se concluir pela inconsistência da
imputação, determinará com relação ao Magistrado, o
arquivamento dos autos, dando ciência ao Procurador-Geral
de Justiça e à autoridade que iniciou as investigações, para
que esta, se for o caso, prossiga contra os demais indiciados.

Alega o requerente que o procedimento previsto no referido


dispositivo usurpa a atribuição do Ministério Público de promover,
privativamente, a ação penal pública, violando o art. 129, I, da
Constituição Federal. Aduz que o preceito regimental hostilizado restaura

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código F494-F55B-2A10-32E1 e senha B3D7-6A88-012D-6857
Supremo Tribunal Federal
Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 4 de 14

ADI 4693 / BA

processo judicialiforme, sendo que, por força do princípio da oficialidade,


o órgão oficial titular da persecução penal é o Ministério Público, que
atuará independentemente de autorização de outrem, tendo seu
convencimento lastreado em elementos informativos sobre o fato e a
autoria. Cita jurisprudência desta CORTE que entende embasar suas
alegações.
A ação foi processada sob o rito estabelecido no art. 12 da Lei
9.868/1999.
Foram prestadas informações pelo Tribunal de Justiça do Estado da
Bahia, sustentando ser a ação improcedente. Alega a Corte baiana que o
dispositivo regimental atacado prestigia a independência do Poder
Judiciário, sendo “norma juridicamente relevante à própria independência dos
magistrados, afinal de contas, a atuação firme de um Juiz de Direito pode ensejar
repercussão pessoal em face deste, inclusive no que pertine à apresentação de
infundadas notícias crimes”. Diz que o procedimento disciplinado no
regimento não viola a atribuição privativa do Ministério Público para
promover, privativamente, a ação penal pública, já que os autos serão
encaminhados, pela via de intimação pessoal, ao Procurador-Geral de
Justiça. Não haveria, nesse sentido, proibição a que o Ministério Público
apresentasse denúncia, tampouco afastamento do art. 129, I, da
Constituição Federal. Aduz, assim, que o dispositivo deve ser analisado
no contexto do sistema normativo do Regimento Interno, o qual prestigia
as competências do Ministério Público, que poderá ajuizar a ação penal
ainda que a Corte baiana tenha se manifestado no sentido de não
configuração de crime em determinada hipótese. Afirma, ademais, que a
norma em questionamento guarda consonância com o art. 5º, LXVII, da
Carta Constitucional, que assegura ao Magistrado o poder de conceder
habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer
violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou
abuso de poder.
A Advocacia-Geral da União também se manifestou pela
improcedência da ação. Afirma que do art. 129, I, da Constituição Federal
não decorre que o arquivamento do inquérito somente possa derivar da

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código F494-F55B-2A10-32E1 e senha B3D7-6A88-012D-6857
Supremo Tribunal Federal
Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 5 de 14

ADI 4693 / BA

iniciativa do órgão ministerial. Recorda, nessa linha de consideração, que


o art. 21, XV, do Regimento Interno deste SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL autoriza que o Ministro Relator determine o arquivamento de
ofício de inquérito penal nos processos de competência originária.
Colaciona jurisprudência desta CORTE no sentido de que “o fato de o
Ministério Público ser titular da ação penal não impede o controle jurisdicional
da instauração de procedimento formal de investigação”. A título de exemplo,
cita as hipóteses em que, verificada a inocorrência de justa causa para a
investigação, dá-se o arquivamento e o trancamento do inquérito penal de
ofício pelo Poder Judiciário. Conclui, desta forma, que “o Poder Judiciário
pode realizar controle jurisdicional acerca da instauração de procedimento
investigatório, sem que isso viole a autonomia do Ministério Público para o
ajuizamento da ação penal”.
A Procuradoria-Geral da República, em atenção ao art. 12 da Lei
9.868/1999, reportou-se às razões aduzidas na petição inicial,
manifestando-se pelo conhecimento da ação e procedência do pedido.
Pela decisão monocrática de 30/10/2017, foi concedida medida
cautelar, ad referendum do Plenário, para determinar a imediata suspensão
da eficácia do parágrafo único do art. 378 do Regimento Interno do
Tribunal de Justiça da Bahia. E, considerando que a ação já se encontrava
em condições de ser apresentado ao Colegiado, solicitei data para
julgamento de mérito, nos termos do inciso X do artigo 21 do RISTF.
É o relatório.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código F494-F55B-2A10-32E1 e senha B3D7-6A88-012D-6857
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 6 de 14

11/10/2018 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.693 BAHIA

VOTO

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR): Observo,


preliminarmente, que a presente ação direta atende aos requisitos legais
de admissibilidade, porque foi promovida por ente constitucionalmente
legitimado, tendo por objeto ato normativo de Tribunal de Justiça
Estadual, ato normativo este dotado dos atributos de generalidade e
abstração, impugnado em face da Constituição Federal. A petição inicial
indica claramente o pedido, está fundamentada e foi acompanhada de
cópia do ato normativo impugnado, como exigido pela legislação de
regência.
Conheço, assim, da ação proposta e passo a análise de seu mérito.
O dispositivo regimental impugnado inova em matéria processual
penal, prevendo o seguinte: havendo indício da prática de crime por
parte de Magistrado, uma vez encerrada a investigação – ocorrida sob a
direção de membro do Poder Judiciário – e elaborado o relatório, o
julgamento dos autos será realizado pelo Tribunal Pleno, ocasião em que
poderão ocorrer duas hipóteses: (i) concluindo o Tribunal Pleno pela
existência de crime em tese, dar-se-á a remessa dos autos ao Ministério
Público para o procedimento cabível; (ii) concluindo o Tribunal Pleno
pela inconsistência da imputação, determinará, com relação ao
Magistrado, o arquivamento dos autos, dando ciência ao Procurador-
Geral de Justiça e à autoridade que iniciou as investigações, para que esta,
se for o caso, prossiga contra os demais indiciados.
Esclareço, inicialmente, que, da textualidade do dispositivo
impugnado, não vislumbro possibilidade de se lhe conferir interpretação
nos moldes propostos pelo Tribunal de Justiça da Bahia e pela Advocacia-
Geral da União, qual seja, a de que o dispositivo em questão não inibiria a
atuação do Ministério Público, que poderia propor a ação penal até
mesmo em caso de parecer contrário proferido pelo Tribunal Pleno.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C960-B91A-CE3F-A159 e senha 7978-DDF0-99B9-8988
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 7 de 14

ADI 4693 / BA

Referida interpretação não guarda correspondência com o texto do


dispositivo regimental, que aqui reproduzo parcialmente: “Encerrada a
investigação e feito o relatório, os autos serão postos em mesa para
julgamento. (...) Se concluir pela inconsistência da imputação, [o Tribunal
Pleno] determinará com relação ao Magistrado, o arquivamento dos autos,
dando ciência do Procurador-Geral de Justiça e à autoridade que iniciou as
investigações, para que esta, se for o caso prossiga contra os demais indiciados”.
Nos precisos termos do procedimento disciplinado no regimento
interno da Corte baiana, independentemente de qualquer manifestação
do Ministério Público, encerradas as investigações, o Tribunal Pleno da
Corte promoverá o julgamento dos autos e, caso entenda pela
inconsistência da imputação, determinará o seu arquivamento, com mera
ciência ao Procurador-Geral de Justiça e à autoridade policial.
A meu ver, a alegação de que a análise sistemática do dispositivo
atacado à luz de todo o Regimento Interno do Tribunal de Justiça baiano e
da Constituição Federal conduziria a conclusões diversas contradiz o
próprio texto da norma hostilizada.
Feito esse esclarecimento inicial, passo ao exame do mérito
propriamente dito.
A Constituição Brasileira de 1988 consagrou, em matéria de processo
penal, o sistema acusatório, atribuindo a órgãos diferentes as funções de
acusação (e investigação) e julgamento. O sistema acusatório opõe-se,
doutrinariamente, ao sistema inquisitório, no qual o Poder Judiciário atua
ativamente na fase de investigação. No sistema acusatório, diversamente,
o juiz não atua como investigador e acusador.
Reporto-me, nesse sentido, às lições de EUGÊNIO PACELLI:

“Com efeito, a igualdade das partes somente será


alcançada quanto não se permitir mais ao juiz uma atuação
substitutiva da função ministerial, não só no que respeita ao
oferecimento da acusação, mas também no que se refere ao
ônus processual de demonstrar a veracidade das imputações
feitas ao acusado. A iniciativa probatória do juiz deve limitar-se,
então, ao esclarecimento de questões ou pontos duvidosos

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C960-B91A-CE3F-A159 e senha 7978-DDF0-99B9-8988
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 8 de 14

ADI 4693 / BA

sobre o material já trazido pelas partes, nos termos da nova


redação do art. 156, II, do CPP, trazida pela Lei nº 11.690/09.
Não se quer um juiz inerte, mas apenas o fim do juiz
investigador e acusador, de tempos, aliás, já superados. (...) Não
cabe ao juiz tutelar a qualidade da investigação, sobretudo
porque sobre ela, ressalvadas determinadas provas urgentes,
não se exercerá jurisdição. O conhecimento judicial acerca do
material probatório deve ser reservado à fase de prolação da
sentença, quando se estará no exercício de função tipicamente
jurisdicional. Antes, a coleta de material probatório, ou de
convencimento, deve interessar àquele responsável pelo
ajuizamento ou não da ação penal, jamais àquele que a
julgará. Violação patente do sistema acusatório”. (Curso de
Processo Penal, 21ª ed., São Paulo: Atlas, 2017, pp. 11 e 12, grifo
nosso).

Sobre as competências do Ministério Público dentro do modelo


acusatório, especifica o autor:

“No Brasil, a instituição de um modelo essencialmente


acusatório somente veio a lume com a Constituição da
República de 1988, com uma completa redefinição do papel do
Ministério Público na ordem jurídica, contemplado, além da
titularidade privativa da ação penal pública, com inúmeras e
relevantes funções na defesa jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis (arts. 127 e
129, CF). Para o exercício de tais funções, o constituinte não
poderia agir de outra maneira: instituiu um organismo
construído sob os princípios (institucionais, pois) da
independência funcional, da unidade e da indivisibilidade,
reservando, aos seus membros, para o adequado
desenvolvimento de suas tarefas, importantes prerrogativas
junto aos Poderes Públicos e mesmo aos particulares”. (Op. Cit.,
p. 466)

A norma impugnada, como visto, estatui que, havendo indício de

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C960-B91A-CE3F-A159 e senha 7978-DDF0-99B9-8988
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 9 de 14

ADI 4693 / BA

prática de crime por Magistrado, concluídas as investigações, os autos


sejam postos em julgamento no âmbito do Poder Judiciário, que poderá,
se concluir pela inconsistência da imputação, determinar o arquivamento
dos autos em relação ao Magistrado, independentemente de qualquer
manifestação do Ministério Público nesse sentido. Viola, pois,
frontalmente o sistema acusatório, ao atribuir ao Tribunal de Justiça a
formação da opinio delicti, afrontando a regra constitucional do art. 129, I,
da Constituição Federal, a seguir transcrito:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:


I - promover, privativamente, a ação penal pública, na
forma da lei;
(...)

Regulamentando referido dispositivo constitucional, o Código de


Processo Penal estabelece, em seu art. 28:

Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de


apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito
policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de
considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do
inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este
oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério
Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento,
ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

Esta SUPREMA CORTE editou inclusive Súmula sobre o tema:

Súmula 524 Arquivado o inquérito policial, por


despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não
pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas.

Verifica-se, assim, que à luz do sistema jurídico-normativo brasileiro,


não pode o Judiciário, como regra, determinar o arquivamento de
inquérito policial sem o pedido explícito prévio do Ministério Público, que é o

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C960-B91A-CE3F-A159 e senha 7978-DDF0-99B9-8988
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 10 de 14

ADI 4693 / BA

titular da ação penal pública, o dominus litis.


A jurisprudência desta CORTE prestigia o sistema acusatório,
obstando a que o Poder Judiciário interfira na formação da opinio delicti
pelo Ministério Público, nos crimes de ação penal pública. Representativo
desse entendimento é o seguinte precedente:

INQUÉRITO. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO.


PARLAMENTAR. NOMEAÇÃO DE FUNCIONÁRIO PARA O
EXERCÍCIO DE FUNÇÕES INCOMPATÍVEIS COM O CARGO
EM COMISSÃO OCUPADO. POSSIBILIDADE, EM TESE, DE
CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE PECULATO DESVIO (ART.
312, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). ARQUIVAMENTO DE
INQUÉRITO DE OFÍCIO, SEM OITIVA DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO ACUSATÓRIO.
DOUTRINA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL
CONHECIDO E PROVIDO. 1. O sistema processual penal
acusatório, mormente na fase pré-processual, reclama deva ser
o juiz apenas um “magistrado de garantias”, mercê da inércia
que se exige do Judiciário enquanto ainda não formada a
opinio delicti do Ministério Público. 2. A doutrina do tema é
uníssona no sentido de que, verbis: “Um processo penal justo
(ou seja, um due process of law processual penal),
instrumento garantístico que é, deve promover a separação
entre as funções de acusar, defender e julgar, como forma de
respeito à condição humana do sujeito passivo, e este
mandado de otimização é não só o fator que dá unidade aos
princípios hierarquicamente inferiores do microssistema
(contraditório, isonomia, imparcialidade, inércia), como
também informa e vincula a interpretação das regras
infraconstitucionais.” (BODART, Bruno Vinícius Da Rós.
Inquérito Policial, Democracia e Constituição: Modificando
Paradigmas. Revista eletrônica de direito processual, v. 3, p.
125-136, 2009). 3. Deveras, mesmo nos inquéritos relativos a
autoridades com foro por prerrogativa de função, é do
Ministério Público o mister de conduzir o procedimento
preliminar, de modo a formar adequadamente o seu

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C960-B91A-CE3F-A159 e senha 7978-DDF0-99B9-8988
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 11 de 14

ADI 4693 / BA

convencimento a respeito da autoria e materialidade do delito,


atuando o Judiciário apenas quando provocado e limitando-se a
coibir ilegalidades manifestas. 4. In casu: (i) inquérito destinado
a apurar a conduta de parlamentar, supostamente delituosa, foi
arquivado de ofício pelo i. Relator, sem prévia audiência do
Ministério Público; (ii) não se afigura atípica, em tese, a conduta
de Deputado Federal que nomeia funcionário para cargo em
comissão de natureza absolutamente distinta das funções
efetivamente exercidas, havendo juízo de possibilidade da
configuração do crime de peculato-desvio (art. 312, caput, do
Código Penal). 5. O trancamento do inquérito policial deve ser
reservado apenas para situações excepcionalíssimas, nas quais
não seja possível, sequer em tese, vislumbrar a ocorrência de
delito a partir dos fatos investigados. Precedentes (RHC 96713,
Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado
em 07/12/2010; HC 103725, Relator(a): Min. AYRES BRITTO,
Segunda Turma, julgado em 14/12/2010; HC 106314, Relator(a):
Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em
21/06/2011; RHC 100961, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA,
Primeira Turma, julgado em 06/04/2010). 6. Agravo Regimental
conhecido e provido. (Inq 2.913 AgR, Rel. Min. DIAS TOFFOLI,
Rel. p/ acórdão Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, DJe de
21/6/2012, grifo nosso).

Sobre a titularidade da ação penal pública pelo Ministério Público,


sua condição de dominus litis, e sua autoridade para formação da opinio
delicti, confiram-se ainda os seguintes julgados desta CORTE: Inq 4.045
AgR, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, DJe de 19/6/2017; HC
93.921 AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de
1/2/2017; RHC 120.379 ED, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de
16/9/2016.
Entendo, assim, que a norma regimental impugnada viola
frontalmente o art. 129, I, da Constituição Federal, subtraindo do
Ministério Público sua autoridade para a formação da opinio delicti nos
crimes de ação penal pública, e desvirtuando o sistema acusatório

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C960-B91A-CE3F-A159 e senha 7978-DDF0-99B9-8988
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 12 de 14

ADI 4693 / BA

consagrado no ordenamento jurídico brasileiro.


Não me alinho, ademais, à argumentação de que o procedimento
disciplinado na norma impugnada se justificaria à luz da previsão
constitucional que assegura ao Magistrado o poder de conceder habeas
corpus para o fim de trancar ação penal, ou da previsão do art. 21, XV, do
Regimento Interno deste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, que autoriza
o relator a determinar, em determinados casos, o arquivamento de
inquérito, sem haver requerimento do Procurador-Geral da República
para tanto.
A possibilidade de trancamento de inquérito pelo Poder Judiciário
independentemente de solicitação do Ministério Público é medida
excepcional, que deve ser analisada perante o caso concreto e não prevista
abstratamente como regra em regimentos internos de Tribunais. Nesse
sentido, é a jurisprudência desta CORTE:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL E PENAL.


WRIT SUBSTITUTO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO:
ADMISSIBILIDADE. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO
POLICIAL: AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES.
ORDEM DENEGADA. I - Embora o presente habeas corpus
tenha sido impetrado em substituição a recurso extraordinário,
esta Segunda Turma não opõe óbice ao seu conhecimento. II - O
trancamento de inquérito policial pela via do habeas corpus,
segundo pacífica jurisprudência desta Suprema Corte,
constitui medida excepcional só admissível quando evidente
a falta de justa causa para o seu prosseguimento, seja pela
inexistência de indícios de autoria do delito, seja pela não
comprovação de sua materialidade, seja ainda pela
atipicidade da conduta do investigado. III - As decisões
combatidas harmonizam-se com a jurisprudência desta
Suprema Corte, pois, evidenciada possível ocorrência de fato
típico, mostra-se inidônea a via do habeas corpus para o
trancamento de investigação policial, que constitui, como já
afirmado, medida de natureza excepcional. IV – Ordem
denegada. (HC 138.507, Rel Min. RICARDO LEWANDOWSKI,

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C960-B91A-CE3F-A159 e senha 7978-DDF0-99B9-8988
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 13 de 14

ADI 4693 / BA

Segunda Turma, DJe 4/8/2017, grifo nosso)

Ainda nesse sentido, confiram-se: HC 132.170 AgR, Rel. Min. TEORI


ZAVASCKI, DJe de 2/3/2016; RHC 120.389, Rel. Min. DIAS TOFFOLI,
Primeira Turma, DJe de 31/3/2014.
Com esses fundamentos, CONHEÇO a presente ação, CONFIRMO
A MEDIDA CAUTELAR e JULGO PROCEDENTE o pedido, para
declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 378 do
Regimento Interno do Tribunal de Justiça da Bahia.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C960-B91A-CE3F-A159 e senha 7978-DDF0-99B9-8988
Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 11/10/2018

Inteiro Teor do Acórdão - Página 14 de 14

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.693


PROCED. : BAHIA
RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu da ação direta,


confirmou a medida cautelar e julgou procedente o pedido para
declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 378 do
Regimento Interno do Tribunal de Justiça da Bahia, nos termos do
voto do Relator. Não participaram, justificadamente, deste
julgamento, os Ministros Gilmar Mendes e Roberto Barroso. Ausente,
justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Presidência do
Ministro Dias Toffoli. Plenário, 11.10.2018.

Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. Presentes à


sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo
Lewandowski, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Rosa Weber, Roberto Barroso,
Edson Fachin e Alexandre de Moraes.

Procuradora-Geral da República, Dra. Raquel Elias Ferreira


Dodge, e Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Luciano Mariz
Maia.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 5372-4DD2-318A-3932 e senha 7020-FC1F-1BE0-F7B1

Você também pode gostar