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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

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31/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES


REQTE.(S) : ASSOCIACAO NACIONAL DOS PROCURADORES
DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL - ANAPE
ADV.(A/S) : EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : FRENTE NACIONAL DE PREFEITOS
ADV.(A/S) : MARCELO PELEGRINI BARBOSA

EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.


CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGRAS RÍGIDAS DE REGÊNCIA DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, PROTEÇÃO AO PATRIMONIO
PÚBLICO E RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS
CORRUPTOS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA CF. VEDAÇÃO À
EXCLUSIVIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOSITURA
DA AÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E DO
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO CIVIL (CF, ARTIGO 129, §1º).
LEGITIMIDADE CONCORRENTE E DISJUNTIVA ENTRE FAZENDA
PÚBLICA E MINISTÉRIO PÚBLICO. VEDAÇÃO À
OBRIGATORIEDADE DE ATUAÇÃO DA ASSESSORIA JURÍDICA NA
DEFESA JUDICIAL DO ADMINISTRADOR PÚBLICO. AÇÃO
PARCIALMENTE PROCEDENTE.
1. Reconhecida a legitimidade ativa da Associação Nacional dos
Procuradores dos Estados e do Distrito Federal – ANAPE e da Associação
Nacional dos Advogados Públicos Federais – ANAFE para o ajuizamento
das presentes demandas, tendo em conta o caráter nacional e a existência
de pertinência temática entre suas finalidades institucionais e o objeto de
impugnação. Precedentes.
2. Vedação constitucional à previsão de legitimidade exclusiva do

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ADI 7042 / DF

Ministério Público para a propositura da ação por ato de improbidade


administrativa, nos termos do artigo 129, §1º da Constituição Federal e,
consequentemente, para oferecimento do acordo de não persecução civil.
3. A legitimidade da Fazenda Pública para o ajuizamento de ações
por improbidade administrativa é ordinária, já que ela atua na defesa de
seu próprio patrimônio público, que abarca a reserva moral e ética da
Administração Pública brasileira.
4. A supressão da legitimidade ativa das pessoas jurídicas
interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade
representa uma inconstitucional limitação ao amplo acesso à jurisdição
(CF, art. 5º, XXXV) e a defesa do patrimônio público, com ferimento ao
princípio da eficiência (CF, art. 37, caput) e significativo retrocesso quanto
ao imperativo constitucional de combate à improbidade administrativa.
5. A legitimidade para firmar acordo de não persecução civil no
contexto do combate à improbidade administrativa exsurge como
decorrência lógica da própria legitimidade para a ação, razão pela qual
estende-se às pessoas jurídicas interessadas.
6. A previsão de obrigatoriedade de atuação da assessoria jurídica na
defesa judicial do administrador público afronta a autonomia dos
Estados-Membros e desvirtua a conformação constitucional da Advocacia
Pública delineada pelo art. 131 e 132 da Constituição Federal, ressalvada a
possibilidade de os órgãos da Advocacia Pública autorizarem a realização
dessa representação judicial, nos termos de legislação específica.
7. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE PARA (A) DECLARAR A
INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL, COM INTERPRETAÇÃO CONFORME SEM
REDUÇÃO DE TEXTO, DO CAPUT E DOS §§ 6º-A E 10-C DO ART. 17, ASSIM COMO
DO CAPUT E DOS §§ 5º E 7º DO ART. 17-B, DA LEI 8.429/1992, NA REDAÇÃO
DADA PELA LEI 14.230/2021, DE MODO A RESTABELECER A EXISTÊNCIA DE
LEGITIMIDADE ATIVA CONCORRENTE E DISJUNTIVA ENTRE O MINISTÉRIO
PÚBLICO E AS PESSOAS JURÍDICAS INTERESSADAS PARA A PROPOSITURA DA
AÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E PARA A CELEBRAÇÃO DE
ACORDOS DE NÃO PERSECUÇÃO CIVIL; (B) DECLARAR A
INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL, COM INTERPRETAÇÃO CONFORME SEM

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REDUÇÃO DE TEXTO, DO § 20 DO ART. 17 DA LEI 8.429/1992, INCLUÍDO PELA


LEI 14.230/2021, NO SENTIDO DE QUE NÃO INEXISTE “OBRIGATORIEDADE DE
DEFESA JUDICIAL”; HAVENDO, PORÉM, A POSSIBILIDADE DE OS ÓRGÃOS DA
ADVOCACIA PÚBLICA AUTORIZAREM A REALIZAÇÃO DESSA REPRESENTAÇÃO
JUDICIAL, POR PARTE DA ASSESSORIA JURÍDICA QUE EMITIU O PARECER
ATESTANDO A LEGALIDADE PRÉVIA DOS ATOS ADMINISTRATIVOS PRATICADOS
PELO ADMINISTRADOR PÚBLICO, NOS TERMOS AUTORIZADOS POR LEI
ESPECÍFICA;(C) DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 3º DA LEI
14.230/2021. EM CONSEQUÊNCIA, DECLARA-SE A CONSTITUCIONALIDADE: (A)
DO § 14 DO ART. 17 DA LEI 8.429/1992, INCLUÍDO PELA LEI 14.230/2021; E (B)
DO ART. 4º, X, DA LEI 14.230/2021.

AC ÓRDÃ O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros do Supremo


Tribunal Federal, em Sessão do Plenário, sob a Presidência do Senhor
Ministro LUIZ FUX, em conformidade com a certidão de julgamento, por
maioria, julgaram parcialmente procedente os pedidos formulados na
ação direta para: (a) declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução
de texto, do caput e dos §§ 6º-A e 10-C do art. 17, assim como do caput e
dos §§ 5º e 7º do art. 17-B, da Lei 8.429/1992, na redação dada pela Lei
14.230/2021, de modo a restabelecer a existência de legitimidade ativa
concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas
interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade
administrativa e para a celebração de acordos de não persecução civil; (b)
declarar a inconstitucionalidade parcial, com redução de texto, do § 20 do
art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, no sentido de que
não existe “obrigatoriedade de defesa judicial”; havendo, porém, a
possibilidade dos órgãos da Advocacia Pública autorizarem a realização
dessa representação judicial, por parte da assessoria jurídica que emitiu o
parecer atestando a legalidade prévia dos atos administrativos praticados
pelo administrador público, nos termos autorizados por lei específica; (c)

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declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 14.230/2021; e, em


consequência, declararam a constitucionalidade: (a) do § 14 do art. 17 da
Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021; e (b) do art. 4º, X, da Lei
14.230/2021. Tudo nos termos do voto do Relator, vencidos, parcialmente,
os Ministros Nunes Marques, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, nos termos
de seus votos.
Brasília, 31 de agosto de 2022.

Ministro ALEXANDRE DE MORAES


Relator
Documento assinado digitalmente

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INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO

RE LAT Ó RI O

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR): Trata-se


de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, com pedido de medida
cautelar, propostas pela Associação Nacional dos Procuradores dos
Estados e do Distrito Federal – ANAPE (ADI 7042) e pela Associação
Nacional dos Advogados Públicos Federais – ANAFE (ADI 7043), tendo
por objeto, em seu conjunto, os arts. 17, caput e §§ 14 e 20, e 17-B, da Lei
8.429/1992, alterados e incluídos pelo art. 2º da Lei 14.230/2021, e os arts.
3º e 4º, X, da referida Lei 14.230/2021. Eis o teor dos dispositivos
impugnados:

Lei 8.429/1992

Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata


esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o
procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março
de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei.
(Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
[…]
§ 14 Sem prejuízo da citação dos réus, a pessoa jurídica
interessada será intimada para, caso queira, intervir no
processo. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
[…]

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§ 20 A assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a


legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo
administrador público ficará obrigada a defendê-lo
judicialmente, caso este venha a responder ação por
improbidade administrativa, até que a decisão transite em
julgado. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Art. 17-B. O Ministério Público poderá, conforme as


circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo de não
persecução civil, desde que dele advenham, ao menos, os
seguintes resultados: (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
I - o integral ressarcimento do dano; (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
II - a reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem
indevida obtida, ainda que oriunda de agentes privados.
(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 1º A celebração do acordo a que se refere o caput deste
artigo dependerá, cumulativamente: (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
I - da oitiva do ente federativo lesado, em momento
anterior ou posterior à propositura da ação; (Incluído pela Lei
nº 14.230, de 2021)
II - de aprovação, no prazo de até 60 (sessenta) dias, pelo
órgão do Ministério Público competente para apreciar as
promoções de arquivamento de inquéritos civis, se anterior ao
ajuizamento da ação; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
III - de homologação judicial, independentemente de o
acordo ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de
improbidade administrativa. (Incluído pela Lei nº 14.230, de
2021)
§ 2º Em qualquer caso, a celebração do acordo a que se
refere o caput deste artigo considerará a personalidade do
agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a
repercussão social do ato de improbidade, bem como as
vantagens, para o interesse público, da rápida solução do caso.
(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021).

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§ 3º Para fins de apuração do valor do dano a ser


ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas
competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros
utilizados, no prazo de 90 (noventa) dias. (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
§ 4º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá
ser celebrado no curso da investigação de apuração do ilícito,
no curso da ação de improbidade ou no momento da execução
da sentença condenatória. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 5º As negociações para a celebração do acordo a que se
refere o caput deste artigo ocorrerão entre o Ministério Público,
de um lado, e, de outro, o investigado ou demandado e o seu
defensor. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 6º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá
contemplar a adoção de mecanismos e procedimentos internos
de integridade, de auditoria e de incentivo à denúncia de
irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de
conduta no âmbito da pessoa jurídica, se for o caso, bem como
de outras medidas em favor do interesse público e de boas
práticas administrativas. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 7º Em caso de descumprimento do acordo a que se refere
o caput deste artigo, o investigado ou o demandado ficará
impedido de celebrar novo acordo pelo prazo de 5 (cinco) anos,
contado do conhecimento pelo Ministério Público do efetivo
descumprimento. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Lei 14.230/2021

Art. 3º. No prazo de 1 (um) ano a partir da data de


publicação desta Lei, o Ministério Público competente
manifestará interesse no prosseguimento das ações por
improbidade administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda
Pública, inclusive em grau de recurso.
§ 1º No prazo previsto no caput deste artigo suspende-se o
processo, observado o disposto no art. 314 da Lei nº 13.105, de
16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

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§ 2º Não adotada a providência descrita no caput deste


artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.

Art. 4º. Ficam revogados os seguintes dispositivos e seção


da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992:
[…]
X - §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 8º, 9º, 10, 12 e 13 do art. 17;

Na ADI 7042, a Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e


do Distrito Federal argumenta que as normas impugnadas retiram a
legitimidade dos entes públicos lesados para ajuizar ações de
improbidade, dificultando, assim, as investigações de atos ímprobos, e
impõem obrigações às Procuradorias Estaduais, em ofensa ao princípio
da vedação ao retrocesso social, ao direito fundamental à probidade, ao
pacto federativo, à autonomia dos Estados e aos princípios
administrativos da eficiência, da segurança jurídica e da moralidade.
Aduz a inconstitucionalidade formal subjetiva do § 20 do art. 17,
que, ao impor à advocacia pública na esfera estadual a atribuição de
promover a defesa do agente público que tenha incorrido em
improbidade administrativa com base em parecer emitido pelo órgão
público, incorreria em “inegável ofensa ao poder de auto-organização e
autonomia dos Estados, notadamente no que se refere à disposição da estrutura
organizacional e das atribuições dos órgãos da advocacia pública”.
De outra perspectiva, sustenta que a subtração dos entes públicos da
legitimidade para ajuizar ação de improbidade caracterizaria “uma afronta
à autonomia da Advocacia Pública, tendo em vista que a União, os Estados e os
Municípios ficarão à merce da atuação do parquet para buscar o ressarcimento do
dano ao erário”. Da mesma forma, defende que a determinação de que os
acordos de não persecução civil sejam exclusivos do Ministério Público
configuraria “outro equívoco, uma vez que o ente público, como vítima do crime
praticado, é quem pode mensurar os prejuízos causados e deve ter participação
direta nas negociações dos acordos de persecução cível”.
Nesse contexto, aponta que as alterações e acréscimos do art. 17,
caput e § 20, e no art. 17-B, na Lei de Improbidade Administrativa

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representariam “verdadeiro retrocesso social e violação ao princípio


administrativo da eficiência e aos arts. 23, I; 37, § 4º; 18; 129 e 132 da
Constituição Federal”. Pelas mesmas razões, sustenta a necessidade de
declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento, do § 14 do art. 17
da Lei 8.429/1992, bem como do art. 3º e do inciso X do art. 4º da Lei
14.230/2021, “tendo em vista que decorrem da competência exclusiva do
parquet para promover as ações de improbidade administrativa”.
Em sede cautelar, formula o seguinte pedido:

102.1. A concessão da tutela de urgência de caráter liminar,


ad referendum, a fim de suspender os efeitos do art. 2º – nos
pontos em que altera/insere o art. 17, caput e § 14 e art. 17-B na
Lei 8.426/92 – e do art. 3º e do art. 4º, inciso X, todos da Lei n.
14.230/21, fazendo retornar a norma autorizadora de os entes
públicos para ajuizar ações de improbidade administrativa e
para firmar acordos de não persecução civil, ante sua
inconstitucionalidade material, até o julgamento definitivo
desta Ação Direta de Inconstitucionalidade […];

No mérito, requer o seguinte:

102.4. No mérito, a procedência da presente ação, a fim de


que seja declarada a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei
Federal n. 14.230/2021, objeto da presente ação, no que diz
respeito às alterações/inserções promovidas no art. 17, caput e
no art. 17-B da Lei n. 8.429/92, fazendo retornar a norma
autorizadora de os entes públicos para ajuizar ações de
improbidade administrativa e para firmar acordos de não
persecução cível, ante sua inconstitucionalidade material;
102.5. A declaração de inconstitucionalidade por
arrastamento dos arts. 3º e 4º, X, da Lei n. 14.230/21 e do § 14, do
art. 17, da Lei n. 8.429/92 com a redação conferida pela Lei n.
14.230/21, por decorrerem diretamente da competência
exclusiva do Ministério Público para propor ação de
improbidade administrativa, conforme redação conferida ao

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caput do art.17 da Lei n. 8.429/92 pelo art. 2º da Lei n. 14.230/21.


102.6. Ainda no mérito, que se declare a
inconstitucionalidade formal do mesmo art. 2º da Lei Federal n.
14.230/2021, no que tange à inclusão do art. 17, §20, na Lei n.
8.429/20, por faltar à União competência para legislar sobre as
competências dos Procuradores dos Estados e do Distrito
Federal. E, caso assim não entenda esta eg. Suprema Corte,
requer-se, subsidiariamente, que seja realizada interpretação
conforme à Constituição quanto ao artigo em comento, para
restringir a sua aplicação somente ao âmbito da União.

Em 16/12/2021, solicitei informações e manifestações, conforme o rito


do art. 12 da Lei 9.868/1999.
O Presidente da República defendeu a compatibilidade das normas
impugnadas com a Constituição Federal, destacando que a “nova
legislação promove mero ajuste na legitimidade ativa para a propositura da ação,
com a centralização da competência em favor do Ministério Público, o que não
tem reflexos sobre princípios constitucionais, especialmente sobre a probidade
administrativa, que seguirá sob a cura do parquet”.
A Câmara dos Deputados contrapôs-se à inconstitucionalidade
formal deduzida pelo requerente, argumentando que a norma
questionada veicularia matéria de natureza processual, cuja competência
para legislar é privativa da União. Materialmente, afirmou que “a atuação
do Ministério Público, como instituição permanente e integrada à República
Federativa do Brasil, volta-se para o interesse maior, qual seja, o interesse
público”, concluindo que “tanto a opção pela legitimação concorrente quanto
pela legitimação privativa são caminhos igualmente válidos, atuais, e permitidos
pela norma constitucional”.
O Senado Federal suscitou a ilegitimidade ativa da requerente. No
mérito, afirmou que os dispositivos impugnados “constituem opção
legislativa legítima dentro do espaço de conformação dado ao legislador”,
conforme a seguinte ementa:

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE

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INCONSTITUCIONALIDADE. ILEGITIMIDADE ATIVA AD


CAUSAM. ENTIDADES QUE REPRESENTAM APENAS
PARTE OU FRAÇÃO DA CATEGORIA PROFISSIONAL.
AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA.
ADMINISTRATIVO. LEI DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. MODIFICAÇÕES.
CONSTITUCIONALIDADE. ESPAÇO DE CONFORMAÇÃO
LEGISLATIVA, PELO NÃO CONHECIMENTO E, NO
MÉRITO, PELO JULGAMENTO IMPROCEDENTE.
1. As requerentes não apresentam legitimidade ativa ad
causam, pois as entidades não abrangem a totalidade das
categorias afetadas pelas normas impugnadas, nem está
presente a pertinência temática a partir da direta referibilidade
e correspondência entre os objetivos institucionais próprios e
específicos das entidades autoras e o objeto da açao, o que deve
ensejar a extinção do processo sem resolução de mérito, nos
termos do art. 485, inciso VI, do CPC.
2. Atribuir às requerentes a legitimação ativa para estas
ADIs equivaleria a autorizar uma representatividade cujo
alcance extrapolaria em muito os interesses específicos das
atividades dos advogados públicos, em um padrão de
legitimação verdadeiramente universal. Tal compreensão não se
coaduna com a percepção que deve ser aplicada ao art. 103, IX,
da Constituição.
3. A preocupação do legislador em atribuir legitimidade
exclusiva ao Ministério Público para a propositura das ações de
improbidade administrativa e para a celebração de acordos de
não persecução civil foi no sentido de , sem macular a política
pública de combate à improbidade administrativa, minimizar
os riscos de propositura de ações com desvio de finalidade,
diante das graves consequências decorrentes das sanções por
ato de improbidade.
4. A defesa judicial do ato administrativo cuja legalidade
foi atestada pelo órgão de assessoria jurídica, e mesmo assim foi
questionado judicialmente (art. 17, § 20, da Lei nº 8.924/1992), é
providência voltada para evitar o “apagao das canetas”, evitar o

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comportamento contraditório por parte da advocacia pública,


para proteger a boa-fé objetiva dos administradores públicos.
5. A previsão de suspensão das ações por improbidade
administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda Pública para
que o Ministério Público competente manifeste interesse no
prosseguimento do feito (art. 3º da Lei nº 14.230/2021) atende ao
art. 5º, inciso XL, da Constituição, que determina a
retroatividade da lei mais benéfica ao réu. Há precedentes do
STF nesse sentido.
6. Pelo não conhecimento e, no mérito, pelo julgamento
improcedente.

A Advocacia-Geral da União manifestou-se pela improcedência:

Administrativo. Normas da Lei nº 14.230/2021, que


modificam disposições contidas na Lei federal nº 8.429/1992 e
dispõem sobre a propositura e o procedimento das ações por
improbidade administrativa. Do papel de curadoria da norma
desempenhada pelo Advogado-Geral da União por força do
artigo 103, § 3º, da CF. Alegação de vício formal. Inocorrência
de violação aos parâmetros invocados. As normas sob invectiva
tratam de direito processual e estão inseridas no âmbito de
competência legislativa privativa da União. Caráter nacional da
legislação impugnada. Uniformidade do sistema de
responsabilização por atos de improbidade. A legitimidade do
Ministério Público para a propositura de ações por
improbidade administrativa compatibiliza-se com as funções
constitucionalmente atribuídas ao Parquet. Opção legislativa
sobre critérios e alternativas de política sancionatória. No
mérito, improcedência dos pedidos

Na ADI 7043, a Associação Nacional dos Advogados Públicos


Federais narra que a Lei 14.230/2021 suprimiu a legitimidade das pessoas
jurídicas de direito público interessadas para a ação civil pública por ato
de improbidade administrativa, transformando “os entes públicos
personalizados em meros coadjuvantes no combate à improbidade

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 13 de 338

ADI 7042 / DF

administrativa”, excluiu os lesados da relação negocial de não persecução civil e


suspendeu a tramitação das ações ajuizadas pelas Fazendas Públicas,
convertendo-as “em demandas disponíveis e condicionadas ao silêncio ou
manifestação de interesse do órgão ministerial no prazo de 1 (um) ano a contar
da sua vigência”.
Segundo argumenta, ao assim proceder, o legislador ordinário teria
impedido “o exercício do dever-poder da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios de zelar pela guarda da Constituição e das leis e de
conservar o patrimônio público, compreendido no seu sentido amplo, que abarca
a reserva moral e ética da Administração Pública brasileira”, incorrendo em
violação aos arts. 23, I; 37, caput e § 4º; 129, I, III, IX e § 1º; 131 e 132 da
Constituição Federal.
Destaca o impacto da atuação da Advocacia Pública Federal no
âmbito das ações de improbidade administrativa, concluindo que a
restrição da legitimidade ativa para a propositura dessas ações
representaria um retrocesso no combate à corrupção.
Pontua que o acordo de não persecução civil “não pode estar na mão de
apenas um legitimado”, pois isso ignoraria não apenas a “necessidade de
legitimação ativa concorrente dos entes vitimados pelo ato de improbidade, como
também o aspecto da segurança jurídica que deve cercar esse tipo de ajuste”, e
que a paralisação do curso de todos os processos ajuizados pela Fazenda
Pública a contar de 26/10/2021 desconsideraria “a onda renovatória segundo
a qual o princípio da tutela coletiva é efetivamente orientar o Estado para a
realização de uma justiça social capaz de oportunizar a toda a sociedade, sem
distinção, o acesso e proteção de seus direitos”.
Liminarmente, requer a suspensão dos efeitos dos arts. 17, caput e §
14, e 17-B, caput e §§ 5º e 7º, da Lei federal nº 8.429/1992, alterados e
acrescentados pelo artigo 2º da Lei federal nº 14.230/2021, e dos artigos 3º,
§§ 1º e 2º, e 4º, X, da mesma Lei federal nº 14.230/2021. No mérito, formula
o seguinte pedido:

O julgamento de procedência da presente ação, para que


seja declarada a inconstitucionalidade material dos artigos 17,
caput e § 14, e 17‐B, caput e §§ 5º e 7º, da Lei federal nº

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 14 de 338

ADI 7042 / DF

8.429/1992, alterados e acrescentados pelo artigo 2º da Lei


federal nº 14.230/2021, dos artigos 3º, §§ 1º e 2º, e 4º, X, da
mesma Lei federal nº 14.230/2021 e, por arrastamento, de todos
os dispositivos que esse Excelso Pretório entenda decorrerem
da competência exclusiva do parquet para promover as ações de
improbidade administrativa;

Em 16/12/2021, também solicitei informações e manifestações,


conforme o rito do art. 12 da Lei 9.868/1999.
A Presidência da República suscitou a ilegitimidade ativa da
requerente e, no mérito, defendeu a constitucionalidade das normas
atacadas.

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO ADMINISTRATIVO
E PROCESSUAL CIVIL. ILEGITIMIDADE ATIVA DA
ASSOCIAÇÃO AUTORA. CONSTITUCIONALIDADE
MATERIAL DOS DISPOSITIVOS IMPUGNADOS.
MANIFESTAÇÃO DA SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS
JURÍDICOS DA SECRETARIA-GERAL DA PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA. 1. A requerente é parte ilegítima para ajuizar o
ação, por não representar uma categoria específica, em razão da
inexistência de uma carreira única de advogados públicos
federais, gênero no qual se inserem 4 (quatro) categorias
distintas. 2. No mérito, a nova legislação promove mero ajuste
na legitimidade ativa para a propositura da ação, com a
centralização da competência em favor do Ministério Público, o
que não tem reflexos sobre princípios constitucionais,
especialmente sobre a probidade administrativa, que seguirá
sob a cura do parquet.

Em sentido semelhante foram as informações apresentadas pelo


Senado Federal, assim ementadas:

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE

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ADI 7042 / DF

INCONSTITUCIONALIDADE. ILEGITIMIDADE ATIVA AD


CAUSAM. ENTIDADES QUE REPRESENTAM APENAS
PARTE OU FRAÇÃO DA CATEGORIA PROFISSIONAL.
AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA.
ADMINISTRATIVO. LEI DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. MODIFICAÇÕES.
CONSTITUCIONALIDADE. ESPAÇO DE CONFORMAÇÃO
LEGISLATIVA, PELO NÃO CONHECIMENTO E, NO
MÉRITO, PELO JULGAMENTO IMPROCEDENTE. 1. As
requerentes não apresentam legitimidade ativa ad causam, pois
as entidades não abrangem a totalidade das categorias afetadas
pelas normas impugnadas, nem está presente a pertinência
temática a partir da direta referibilidade e correspondência
entre os objetivos institucionais próprios e específicos das
entidades autoras e o objeto da açao, o que deve ensejar a
extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos do
art. 485, inciso VI, do CPC. 2. Atribuir às requerentes a
legitimação ativa para estas ADIs equivaleria a autorizar uma
representatividade cujo alcance extrapolaria em muito os
interesses específicos das atividades dos advogados públicos,
em um padrão de legitimação verdadeiramente universal. Tal
compreensão não se coaduna com a percepção que deve ser
aplicada ao art. 103, IX, da Constituição. 3. A preocupação do
legislador em atribuir legitimidade exclusiva ao Ministério
Público para a propositura das ações de improbidade
administrativa e para a celebração de acordos de não
persecução civil foi no sentido de , sem macular a política
pública de combate à improbidade administrativa, minimizar
os riscos de propositura de ações com desvio de finalidade,
diante das graves consequências decorrentes das sanções por
ato de improbidade. 4. A defesa judicial do ato administrativo
cuja legalidade foi atestada pelo órgão de assessoria jurídica, e
mesmo assim foi questionado judicialmente (art. 17, § 20, da Lei
nº 8.924/1992), é providência voltada para evitar o “apagao das
canetas”, evitar o comportamento contraditório por parte da
advocacia pública, para proteger a boa-fé objetiva dos

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ADI 7042 / DF

administradores públicos. 5. A previsão de suspensão das ações


por improbidade administrativa em curso ajuizadas pela
Fazenda Pública para que o Ministério Público competente
manifeste interesse no prosseguimento do feito (art. 3º da Lei nº
14.230/2021) atende ao art. 5º, inciso XL, da Constituição, que
determina a retroatividade da lei mais benéfica ao réu. Há
precedentes do STF nesse sentido. 6. Pelo não conhecimento e,
no mérito, pelo julgamento improcedente.

A Advocacia-Geral da União manifestou-se pelo não conhecimento


da Ação Direta, em razão da alegada ilegitimidade ativa, e, no mérito,
pela improcedência do pedido formulado pela requerente.

Administrativo. Normas da Lei nº 14.230/2021, que


modificam disposições contidas na Lei federal nº 8.429/1992 e
dispõem sobre a propositura e o procedimento das ações por
improbidade administrativa. Preliminar. Ilegitimidade Ativa.
Desempenho da função de curadoria da norma pelo Advogado-
Geral da União, no âmbito do controle concentrado de
constitucionalidade, por força do artigo 103, § 3º, da
Constituição Federal. Inocorrência de violação aos parâmetros
de controle invocados na petição inicial. As normas sob
invectiva tratam de direito processual e estão inseridas no
âmbito de competência legislativa privativa da União. Caráter
nacional da legislação impugnada e uniformidade do sistema
de responsabilização por atos de improbidade. A legitimidade
do Ministério Público para a propositura de ações por
improbidade administrativa compatibiliza-se com as funções
constitucionalmente atribuídas ao Parquet. Opção legislativa
sobre critérios e alternativas de política sancionatória.
Manifestação pelo não conhecimento da ação direta e, no
mérito, pela improcedência do pedido formulado pela
requerente

Em 17/02/2022, deferi parcialmente a cautelar pleiteada, ad


referendum do Plenário desta SUPREMA CORTE, para, até julgamento

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ADI 7042 / DF

final de mérito:

(A) CONCEDER INTERPRETAÇÃO CONFORME A


CONSTITUIÇÃO FEDERAL ao caput e §§ 6º-A, 10-C e 14, do
artigo 17 da Lei nº 8.429/92, com a redação dada pela Lei nº
14.230/2021, no sentido da EXISTÊNCIA DE LEGITIMIDADE
ATIVA CONCORRENTE ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO E
AS PESSOAS JURÍDICAS INTERESSADAS PARA A
PROPOSITURA DA AÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA;
(B) SUSPENDER OS EFEITOS do § 20, do artigo 17 da Lei
nº 8.429/92, com a redação dada pela Lei nº 14.230/2021, em
relação a ambas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (7042
e 7043);
(C) SUSPENDER OS EFEITOS do artigo 3º da Lei nº
14.230/2021.

A Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito


Federal – ANAPE opôs embargos de declaração em face da decisão que
deferiu parcialmente a liminar. Em síntese, aduz omissão quanto ao
pedido de suspensão do art. 17-B da Lei 8.429/1992, incluído pelo art. 2º
da Lei 14.230/2021.
O Procurador-Geral da República, embora regularmente intimado,
deixou de apresentar sua manifestação no prazo solicitado.
É o relatório.

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

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24/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR): Conforme


relatado, trata-se de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade
propostas pela Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do
Distrito Federal – ANAPE (ADI 7042) e pela Associação Nacional dos
Advogados Públicos Federais – ANAFE (ADI 7043), tendo por objeto, em
seu conjunto, os arts. 17, caput e §§ 14 e 20, e 17-B, da Lei 8.429/1992,
alterados e incluídos pelo art. 2º da Lei 14.230/2021, assim como os arts. 3º
e 4º, X, da referida Lei 14.230/2021.

Eis o teor dos dispositivos impugnados:

Lei 8.429/1992
Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata
esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o
procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março
de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei.
(Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
[…]
§ 14 Sem prejuízo da citação dos réus, a pessoa jurídica
interessada será intimada para, caso queira, intervir no
processo. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
[…]
§ 20 A assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a
legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo
administrador público ficará obrigada a defendê-lo
judicialmente, caso este venha a responder ação por
improbidade administrativa, até que a decisão transite em
julgado. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Art. 17-B. O Ministério Público poderá, conforme as


circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo de não

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

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ADI 7042 / DF

persecução civil, desde que dele advenham, ao menos, os


seguintes resultados: (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
I - o integral ressarcimento do dano; (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
II - a reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem
indevida obtida, ainda que oriunda de agentes privados.
(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 1º A celebração do acordo a que se refere o caput deste
artigo dependerá, cumulativamente: (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
I - da oitiva do ente federativo lesado, em momento
anterior ou posterior à propositura da ação; (Incluído pela Lei
nº 14.230, de 2021)
II - de aprovação, no prazo de até 60 (sessenta) dias, pelo
órgão do Ministério Público competente para apreciar as
promoções de arquivamento de inquéritos civis, se anterior ao
ajuizamento da ação; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
III - de homologação judicial, independentemente de o
acordo ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de
improbidade administrativa. (Incluído pela Lei nº 14.230, de
2021)
§ 2º Em qualquer caso, a celebração do acordo a que se
refere o caput deste artigo considerará a personalidade do
agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a
repercussão social do ato de improbidade, bem como as
vantagens, para o interesse público, da rápida solução do caso.
(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021).
§ 3º Para fins de apuração do valor do dano a ser
ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas
competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros
utilizados, no prazo de 90 (noventa) dias. (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
§ 4º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá
ser celebrado no curso da investigação de apuração do ilícito,
no curso da ação de improbidade ou no momento da execução
da sentença condenatória. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 20 de 338

ADI 7042 / DF

§ 5º As negociações para a celebração do acordo a que se


refere o caput deste artigo ocorrerão entre o Ministério Público,
de um lado, e, de outro, o investigado ou demandado e o seu
defensor. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 6º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá
contemplar a adoção de mecanismos e procedimentos internos
de integridade, de auditoria e de incentivo à denúncia de
irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de
conduta no âmbito da pessoa jurídica, se for o caso, bem como
de outras medidas em favor do interesse público e de boas
práticas administrativas. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 7º Em caso de descumprimento do acordo a que se refere
o caput deste artigo, o investigado ou o demandado ficará
impedido de celebrar novo acordo pelo prazo de 5 (cinco) anos,
contado do conhecimento pelo Ministério Público do efetivo
descumprimento. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Lei 14.230/2021
Art. 3º. No prazo de 1 (um) ano a partir da data de
publicação desta Lei, o Ministério Público competente
manifestará interesse no prosseguimento das ações por
improbidade administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda
Pública, inclusive em grau de recurso.
§ 1º No prazo previsto no caput deste artigo suspende-se o
processo, observado o disposto no art. 314 da Lei nº 13.105, de
16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
§ 2º Não adotada a providência descrita no caput deste
artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.

Art. 4º. Ficam revogados os seguintes dispositivos e seção


da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992:
[…]
X - §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 8º, 9º, 10, 12 e 13 do art. 17

Em síntese, a controvérsia consiste em avaliar a constitucionalidade


de modificações à sistemática procedimental contida na Lei de

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ADI 7042 / DF

Improbidade Administrativa que, operadas pela Lei 14.230/2021, (a)


restringem a legitimidade para a propositura da ação de improbidade e
para a celebração de acordo de não persecução cível apenas ao Ministério
Público e (b) impõem à respectiva assessoria jurídica a atribuição de
promover a defesa judicial do administrador público que responda por
ação de improbidade em razão de ato praticado com base em parecer
emitido pelo referido órgão público.

I – PRELIMINARES

1) Legitimidade das autoras

A Constituição de 1988, alterando uma tradição em nosso direito


constitucional, que a reservava somente ao Procurador-Geral da
República, ampliou a legitimidade para propositura da ação direta de
inconstitucionalidade, transformando-a em legitimação concorrente.

Para alguns dos legitimados do art. 103 da Constituição Federal,


porém, a CORTE exige a presença da chamada pertinência temática,
definida como o requisito objetivo da relação de pertinência entre a
defesa do interesse específico do legitimado e o objeto da própria ação.

Assim é que, para qualquer ação de controle concentrado de


inconstitucionalidade proposta por associações de classe e confederações
sindicais (cf., art. 103, IX, da CF, c/c art. 2º, IX, da Lei 9.868/1999), mostra-
se como necessário o atendimento dos seguintes requisitos: (a)
pertinência temática entre a defesa de interesse próprio e específico do
pretenso legitimado e o objeto da ação (ADI 4722 AgR, Rel. Min. DIAS
TOFFOLI, Pleno, DJe de 15/2/2017; ADI 2747, Rel. Min. MARCO
AURÉLIO, Pleno, DJ de 17/8/2007; ADI-MC-AgR 1507, Rel. Min. CARLOS
VELLOSO, Pleno, DJ de 22/9/1995), com confirmação de referibilidade
direta entre as normas contestadas e os objetos sociais das requerentes
(ADI 4400, Rel. Min. AYRES BRITTO, redator para acórdão Min. MARCO

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 22 de 338

ADI 7042 / DF

AURÉLIO, Tribunal Pleno, DJe de 2/10/2013); (b) caracterização da


requerente como entidade de classe ou sindical a partir da confirmação
de que representante de categoria empresarial ou profissional; (c)
abrangência ampla desse vínculo (representação), exigida da Entidade
representação de toda a respectiva categoria, e não apenas de fração dela;
e (d) caráter nacional da representatividade aferida pela demonstração da
presença da entidade em pelo menos 9 (nove) estados brasileiros (ADI
2903, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe de 19/9/2008; ADI 4009, Rel. Min.
EROS GRAU, DJe de 29/5/2009).

A Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito


Federal (ANAPE), autora da ADI 7.042, congrega membros da advocacia
pública estadual e distrital na “defesa judicial e extrajudicial dos interesses e
das prerrogativas institucionais e funcionais”, interesses claramente atingidos
pelo campo normativo impugnado, cujo teor, além de relevar sua
iniciativa na propositura de ações de improbidade, requer sua atuação
processual na defesa do administrador público presumidamente ímprobo
em determinadas hipóteses.

Embora tenha anteriormente rechaçado a legitimidade da Autora


nos autos da ADI 6526 (ADI 6526 AgR, Rel. Min. ALEXANDRE DE
MORAES, Tribunal Pleno, DJe de 13/05/2021), por ter compreendido
ausente a necessária pertinência temática entre seus objetivos estatutários
e a matéria ali alçada ao crivo desta CORTE (qual seja, a organização
financeira dos entes federativos durante a pandemia de Covid-19),
reconheço a existência, no presente caso, de direta referibilidade e
correspondência entre os objetivos institucionais próprios e específicos da
entidade autora e o objeto da ação, a revelar, assim, sua legitimidade
ativa.

Tal foi a compreensão exarada, em via abstrata, em outros


questionamentos suscitados pela ANAPE perante essa CORTE, todos
relacionados às atribuições das procuradorias estaduais (ADI 5.541, Rel.

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 23 de 338

ADI 7042 / DF

Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, DJe de 15/10/2019; ADI 6.292, Rel.
Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJe de 21/8/2020; ADI 4.023,
Rel. Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, DJe de 17/11/2021; ADI 7.101,
Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, DJe de 24/5/2022).

O mesmo se diga em relação à Associação Nacional dos Advogados


Públicos Federais (ANAFE), autora da ADI 7043. Referida associação
representa membros da advocacia pública da União, cujas atribuições,
sobretudo na propositura de ação de improbidade administrativa em
defesa da Administração Pública Federal, encontram-se parcialmente
obstaculizadas pelo conjunto legal impugnado.

Em ambos os casos, portanto, verifico que a controvérsia envolve


matéria ínsita ao campo de atuação institucional da Advocacia Pública,
cujos membros são representados pelas associações autoras, razão pela
qual entendo preenchido o requisito da pertinência temática, na linha do
que já decidido por esta SUPREMA CORTE em casos semelhantes:

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL FINANCEIRO.


FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE NORMAS
ORÇAMENTÁRIAS. ANEXO DE LEI ORÇAMENTÁRIA
ANUAL (LOA – LEI 13.255/2016). CONTROLE FORMAL E
MATERIAL. POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA FIXADA A
PARTIR DO JULGAMENTO DA ADI 4.048/DF. PROCESSO
LEGISLATIVO. LEGITIMIDADE ATIVA DA ENTIDADE
POSTULANTE, DIANTE DA HOMOGENEIDADE DE SEUS
MEMBROS, A REPRESENTATIVIDADE NACIONAL E A
PERTINÊNCIA TEMÁTICA ENTRE A IMPUGNAÇÃO E OS
FINS INSTITUCIONAIS DA ASSOCIAÇÃO REQUERENTE
(Anamatra) […] PEDIDO DE AÇÃO DIRETA DE
INSCONSTITUCIONALIDADE (ADI) CONHECIDO E, NO
MÉRITO, JULGADO IMPROCEDENTE […]. 14) A
interpretação pluralista da Constituição implica uma
interpretação que legitime a entidade postulante quando
presentes a homogeneidade entre seus membros, a

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ADI 7042 / DF

representatividade nacional e a pertinência temática, aspectos


que se verificam, em conjunto, no caso sub examine, de modo a
tornar apta a Anamatra a veicular o pleito de fiscalização
abstrata de norma que limita o orçamento da justiça laboral.
15) Pedido de ação direta de inconstitucionalidade conhecido e,
no mérito, julgado improcedente. (ADI 5468, Rel. Min. LUIZ
FUX, Tribunal Pleno, DJe de 02/08/2017).

EMENTA AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º, CAPUT E
PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 9.055/1995. EXTRAÇÃO,
INDUSTRIALIZAÇÃO, UTILIZAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO
E TRANSPORTE DO ASBESTO/AMIANTO E DOS
PRODUTOS QUE O CONTENHAM. AMIANTO CRISOTILA.
LESIVIDADE À SAÚDE HUMANA. ALEGADA
INEXISTÊNCIA DE NÍVEIS SEGUROS DE EXPOSIÇÃO.
LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO –
ANPT. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS
DA JUSTIÇA DO TRABALHO – ANAMATRA. ART. 103, IX,
DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
REPRESENTATIVIDADE NACIONAL. PERTINÊNCIA
TEMÁTICA. MÉRITO. […]. 1. Evidenciada a
representatividade nacional das entidades de classe autoras,
nos moldes do art. 103, IX, da Constituição da República e do
art. 2º, IX, da Lei nº 9.868/1999. Atendido o requisito da
pertinência temática, presente a correlação entre a norma
impugnada e as finalidades institucionais das associações
autoras. Discussão envolvendo matéria ínsita ao campo de
atuação institucional tanto da magistratura do trabalho
quanto dos membros do Ministério Público do Trabalho, a
saber, a alegada existência de consenso médico-científico no
tocante ao efeito prejudicial da exploração do amianto crisotila
para a saúde dos trabalhadores da indústria e da mineração,
questão de saúde, higiene e segurança do trabalho. Precedente:
ADI 5458 (Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe

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ADI 7042 / DF

02.8.2017). Preliminar de ilegitimidade ativa ad causam


rejeitada. […] 15. Ação direta de inconstitucionalidade
conhecida e, no mérito, não atingido o quórum exigido pelo art.
97 da Constituição da República para a pronúncia da
inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 9.055/1995. (ADI 4066,
Rel. Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, DJe de 07/03/2018).

EMENTA: PROCESSO CONSTITUCIONAL. AGRAVO


REGIMENTAL EM AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 5º, CAPUT E
PARÁGRAFO ÚNICO, E ART. 18, DA LEI 11.442/2007.
LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO
TRABALHO – ANAMATRA. ART. 103, IX, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REPRESENTATIVIDADE
NACIONAL. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. CORRELAÇÃO
ENTRE A NORMA IMPUGNADA E AS FINALIDADES DA
ASSOCIAÇÃO AUTORA. PROVIMENTO. DECISÃO
MAJORITÁRIA. 1. Evidenciada a representatividade nacional
da entidade de classe autora, nos moldes do art. 103, IX, da
Constituição da República e do art. 2º, IX, da Lei nº 9.868/1999.
As associações de magistrados não são detentoras de
legitimidade ad causam universal para o processo de controle
objetivo de constitucionalidade, impondo-se a demonstração da
pertinência temática. Precedentes desse STF. 2. Em debate o
exame do requisito da pertinência temática, traduzida na
existência de relação entre as atividades da associação e o
campo de incidência da regra impugnada (art. 5º, caput e
parágrafo único, e o art. 18, ambos, da Lei 11.442/2007). Lide
envolvendo matéria ínsita ao campo de atuação institucional
da magistratura do trabalho, a saber, a configuração, ou não,
de vínculo de emprego com o motorista em transporte
rodoviário de cargas. Alteração de legislação a retirar a
competência da Justiça do Trabalho, a impactar a atuação
direta dos magistrados associados, no exercício da jurisdição
trabalhista. 3. Presente a correlação entre a norma impugnada

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ADI 7042 / DF

e as finalidades institucionais da associação autora, tem-se


por atendido o requisito da pertinência temática. Precedente:
ADI 4066 (Relatora Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, DJe
7.3.2018) ADI 5468 (Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno,
DJe 02.8.2017). Arguição de ilegitimidade ativa ad causam
rejeitada. 4. Divergência circunscrita ao fundamento da
ilegitimidade ativa ad causam da ANAMATRA, por ausência
de pertinência temática, ao impugnar lei que dispõe sobre a
natureza do transporte rodoviário de cargas por terceiros. 5.
Agravo interno provido, por decisão colegiada majoritária.
(ADI 3961 AgR, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Redator p/
Acórdão Min. RSA WEBER, Tribunal Pleno, DJe de 30/07/2020).

Por fim, tampouco merecem prosperar os argumentos no sentido de


que (a) a ANAPE não abrangeria a totalidade das categorias afetadas
pelas normas impugnadas; e (b) a ANAFE não representaria uma
categoria específica, em razão da inexistência de carreira única de
advogados públicos federais.

A ANAPE constitui-se em entidade de classe de âmbito nacional,


sem fins lucrativos, cuja finalidade principal, nos termos do art. 1º do seu
estatuto, consiste em “representar e defender, de forma exclusiva, em nível
nacional, os interesses relacionados com o exercício funcional dos seus associados,
ativos e inativos, bem como agir no sentido de consolidar a Advocacia de Estado
como instituição essencial à Justiça, ao regime de legalidade da Administração
Pública e ao Estado Democrático de Direito”.

Nada obstante os dispositivos impugnados na ADI 7042 afetarem a


advocacia pública nos três níveis da federação, e a ANAPE congregar
como associados apenas os Procuradores dos Estados e do Distrito
Federal, ativos e inativos (art. 6º do estatuto), o fato relevante é que a
associação representativa dos advogados públicos federais (ANAFE)
desenvolveu idênticos argumentos para impugnar os mesmos
dispositivos legais, excepcionado apenas o § 20 do art. 17 da Lei

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8.429/1992, relacionado à representação judicial de agente público em


ação por ato de improbidade administrativa por órgão da advocacia
pública, quando a legalidade do ato questionado tiver sido atestada em
parecer da consultoria jurídica respectiva.

No que se relaciona às procuradorias dos municípios, beiraria o


absurdo exigir-se que normas que afetassem a advocacia pública em geral
somente pudessem ser impugnadas no âmbito do controle concentrado
de constitucionalidade por associação integrada por advogados públicos
de todos os entes federativos, pois, como bem destacado pelo Procurador-
Geral da República, “a heterogeneidade dos interesses das diversas carreiras
acabaria por retirar delas a coesão de classe necessária para a constituição de uma
tal associação”.

Por sua vez, em consonância com o art. 1º do seu estatuto, a ANAFE


é definida como “uma associação civil de âmbito nacional, que congrega todos
os Advogados Públicos Federais de Estado junto à República Federativa do
Brasil”.

Embora atualmente composta por integrantes de quatro carreiras do


serviço público federal (Advogado da União, Procurador da Fazenda
Nacional, Procurador do Banco Central do Brasil e Procurador Federal),
há clara homogeneidade de interesses entre elas, que compõem, assim,
uma mesma classe, sob o comando do Advogado-Geral da União, nos
termos da legislação de regência (Lei Complementar 73/1993, Lei
9.650/1998, Lei 10.480/2002, entre outras).

A propósito do tema, veja-se que, nada obstante a Associação dos


Magistrados Brasileiros – AMB congregar juízes federais, estaduais,
trabalhistas e militares, esta SUPREMA CORTE tem entendimento
consolidado no sentido da sua legitimidade para as ações que visem ao
aperfeiçoamento e a defesa do funcionamento do próprio Poder
Judiciário, não se limitando, inclusive, a matérias de interesse corporativo

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ADI 7042 / DF

(ADC 12 MC/DF, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, DJU de


1/9/2006; ADI 396/RS, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Rel. p/ Acórdão:
Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJU de 5/8/2005; ADI 2.608
MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, DJe de 3/4/2013; e
ADI 1.303 MC/SC, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, DJU
de 1/9/2000; ADI 6138, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal
Pleno, DJe de 09/06/2022).

Supero, portanto, as preliminares de ilegitimidade ativa suscitadas


nos autos.

2) Pendência de embargos declaratórios na ADI 7.042

Como última questão preliminar, ressalto que pendem de análise


embargos de declaração opostos pela Associação Nacional dos
Procuradores dos Estados e do Distrito Federal – ANAPE contra a decisão
monocrática concessiva de medida cautelar por mim proferida.

Em síntese, sustenta a embargante que a referida decisão deixou de


se manifestar a respeito do pedido de concessão da tutela de urgência
para suspender os efeitos do art. 2º da Lei 14.230/2021, no ponto em que
insere o art. 17-B, da Lei 8.429/1992, relativo à legitimidade para a
celebração de acordo de não persecução civil.

Verifico, todavia, que o argumento encontra-se intimamente ligado


ao próprio mérito da demanda, de modo que, estando a causa madura,
não há óbice para que o Plenário deste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
proceda ao julgamento definitivo da demanda (nesse sentido: ADI 6330,
Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, DJe de 06/07/2020;
ADI 6826, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, DJe de
17/06/2021).

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ADI 7042 / DF

II – MÉRITO

1) Probidade administrativa na Constituição Federal

O aperfeiçoamento do combate à corrupção no serviço público foi


uma grande preocupação do legislador constituinte, ao estabelecer, no
art. 37 da Constituição Federal, verdadeiros códigos de conduta à
Administração Pública e aos seus agentes, prevendo, inclusive, pela
primeira vez no texto constitucional, a possibilidade de responsabilização
e aplicação de graves sanções pela prática de atos de improbidade
administrativa (art. 37, § 4º, da CF).

Art. 37. A administração pública direta e indireta de


qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte:
[…]
§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a
suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na
forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal
cabível.

Tratou-se de verdadeira evolução legislativa, pois o Decreto-Lei


Federal 3.240, de 8 de maio de 1941, previa somente o sequestro e a perda
dos bens de autores de crimes que resultavam em prejuízo para a
Fazenda Pública, desde que acarretassem locupletamento ilícito, e
subsidiariamente, a reparação civil do dano e a incorporação ao
patrimônio público de bens de aquisição ilegítima de pessoa que
exercesse ou tivesse exercido função pública.

Por sua vez, a Constituição de 1946 estabeleceu a possibilidade de

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ADI 7042 / DF

regulamentação legal sobre o sequestro e o perdimento de bens, no caso


de enriquecimento ilícito, por influência ou com o abuso de cargo ou
função pública, ou de emprego em entidade autárquica (art. 141, § 3º).

A respectiva regulamentação veio com a Lei 3.164/1957 (Lei Pitombo-


Godói). Posteriormente, o Congresso Nacional editou a Lei 3.502/1958
(Lei Bilac Pinto), estabelecendo as providências para o combate ao
enriquecimento ilícito.

O AI 14/1969, ao conferir nova redação ao art. 150, § 11, da


Constituição Federal de 1967, posteriormente renumerado para art. 153, §
11, pela EC 1/1969, da mesma maneira que a Constituição de 1946,
estabeleceu a possibilidade de regulamentação legal sobre o confisco e
sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no caso de
enriquecimento ilícito no exercício de cargo, função ou emprego na
Administração Pública direta ou indireta.

A Constituição Federal de 1988 privilegiou o combate à improbidade


administrativa para evitar que os agentes públicos atuem em detrimento
do Estado, pois, como já salientava PLATÃO, na clássica obra
REPÚBLICA, a punição e o afastamento da vida pública dos agentes
corruptos pretendem fixar uma regra proibitiva para que os servidores
públicos não se deixem “induzir por preço nenhum a agir em detrimento dos
interesses do Estado” (PLATÃO. República. Bauru: Edipro, 1994, p. 117).

A corrupção é a negativa do Estado Constitucional, que tem por


missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos
negócios públicos, pois não só desvia recursos necessários para a efetiva e
eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares
do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos
detentores de cargos públicos, vital para a preservação da Democracia
representativa, pois, como afirmado por MARCO TÚLIO CÍCERO:

Fazem muito mal à República os políticos corruptos, pois

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ADI 7042 / DF

não apenas se impregnam de vícios eles mesmos, mas os


infundem na sociedade, e não apenas prejudicam por se
corromperem, mas também porque a corrompem, e são mais
nocivos pelo exemplo do que pelo crime (As Leis, III, XIV, 32).

Essa inovação constitucional de 1988, em permitir tratamentos


sancionatórios diferenciados entre os atos ilícitos em geral e os atos de
improbidade administrativa, inclusive com a normatização em parágrafos
diversos, decorreu da necessidade de se punir mais severamente a
ilegalidade qualificada, ou seja, a Constituição comandou ao Congresso
Nacional a edição de lei que não punisse a mera ilegalidade, mas sim a
conduta ilegal ou imoral do agente público voltada para a corrupção, e
de todo aquele que o auxilie, no intuito de prevenir a corrosão da
máquina burocrática do Estado e evitar o perigo de uma administração
corrupta caracterizada pelo descrédito e pela ineficiência.

A Constituição Federal, portanto, pretendeu punir mais severamente


o agente público corrupto, que se utiliza do cargo ou de funções públicas
para enriquecer ou causar prejuízo ao erário, desrespeitando a legalidade
e moralidade administrativa, mas, para tanto, exigiu a tipificação legal
das condutas denominadas atos de improbidade e geradoras das graves
sanções previstas no § 4º do art. 37, de maneira a possibilitar a ampla
defesa e o contraditório.

Coube à Lei 8.429/1992 regulamentar os comandos constantes do art.


37, § 4º, da Constituição Federal. No dizer de WALLACE PAIVA
MARTINS JÚNIOR, “a Lei federal 8.429/92 instituiu no direito brasileiro um
autêntico código da moralidade administrativa” (Enriquecimento ilícito de
agentes públicos. Evolução patrimonial desproporcional a renda ou patrimônio.
RT 755/94); e, como bem acentuado por MANOEL GONÇALVES
FERREIRA FILHO, a previsão constitucional de punição da improbidade
administrativa reflete a revolta do povo brasileiro contra a corrupção nos
escalões governamentais e administrativos (Comentários à Constituição
Brasileira de 1988. 2º Ed. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 1, p. 253). Como bem

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ADI 7042 / DF

salienta IVES GANDRA DA SILVA MARTINS:

é irresponsável aquele que macula, tisna, fere, atinge,


agride a moralidade pública, sendo ímprobo administrador,
favorecendo terceiros, praticando concussão ou sendo
instrumento de corrupção (Aspectos procedimentais do instituto
jurídico do impeachment e conformação da figura da improbidade
administrativa. RT 685/286).

Em sua redação original, referido diploma legislativo definiu os atos


de improbidade administrativa como aqueles que, possuindo natureza
civil e devidamente tipificados em lei federal, ferem direta ou
indiretamente os princípios constitucionais e legais da Administração
Pública, independentemente de importarem enriquecimento ilícito ou de
causarem prejuízo material ao erário (SILVA, José Afonso da. Curso de
direito constitucional positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 337;
SMANIO, Gianpaolo Poggio. Interesses difusos e coletivos. São Paulo:
Atlas, 1998. p. 83; PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio
Fernando Elias; FAZZIO JR., Waldo. Improbidade administrativa. 3. ed.
São Paulo: Atlas, 1998. p. 60 e ss.; MELLO, Cláudio Ari. Improbidade
administrativa: considerações sobre a Lei nº 8.426/92. Cadernos de Direito
Constitucional e Ciência Política, São Paulo: RT, ano 3, n. 11, abr./jun.
1995, p. 49).

Assim, o ato de improbidade administrativa exige, para a sua


consumação, um desvio de conduta do agente público, devidamente
tipificado em lei, e que, no exercício indevido de suas funções, afaste-se
dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens
materiais indevidas ou gerar prejuízos ao patrimônio público, mesmo que
não obtenha sucesso em suas intenções (STJ, 1ª T., REsp 926.772/MA Rel.
Min. TEORI ZAVASCKI; STJ, 2ª T., REsp 1.042.100/ES, Rel. Min. MAURO
CAMPBELL MARQUES).

Não há nenhuma dúvida de que a Lei de Improbidade

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ADI 7042 / DF

Administrativa, de 2 de junho de 1992, representou uma das maiores


conquistas do povo brasileiro no combate à corrupção e à má gestão dos
recursos públicos.

Editada alguns anos após a redemocratização, a lei veio a atender


aos anseios da sociedade por moralização da atividade pública, em face
das inúmeras denúncias de corrupção, cotidianamente expostos após
anos de censura à imprensa.

Os benefícios da LIA são inegáveis e imensuráveis, cabendo todas as


homenagens aos que a idealizaram e a colocaram em prática nesses
últimos 30 anos.

É considerando essas premissas, portanto, que devem ser avaliadas


as controvérsias relacionadas (a) à restrição, apenas ao Ministério Público,
da legitimidade para a propositura da ação de improbidade
administrativa e para a celebração de acordo de não persecução cível e (b)
à imposição à assessoria jurídica respectiva da atribuição de promover a
defesa judicial do administrador público que responda por ação de
improbidade por ato praticado com base em parecer emitido pelo
referido órgão público.

2) Legitimidade para a propositura da ação de improbidade


administrativa

No que concerne à legitimidade ativa para a propositura da ação de


improbidade administrativa, a Lei 8.429/1992, em sua redação original,
estabeleceu a legitimação concorrente entre o Ministério Público e a
pessoa jurídica interessada.

Assim dispunha o caput do seu art. 17:

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será


proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica

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ADI 7042 / DF

interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida


cautelar.

A Lei 14.230/2021, todavia, alterou profundamente essa previsão


inicial, transformando a legitimação outrora concorrente e disjuntiva
entre o Ministério Público e a pessoa jurídica interessada em exclusiva do
Parquet, nos seguintes termos:

Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata


esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o
procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março
de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta lei
(Redação dada pela Lei nº 14.230/2021).

Quanto ao ponto, alega-se, entre outros argumentos, que a subtração


da legitimidade dos entes públicos para ajuizar ação de improbidade
administrativa: (a) representaria uma injustificável afronta à autonomia
da Advocacia Pública, na medida em que a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios se colocariam à mercê da atuação do Ministério
Público, sendo transformados em meros coadjuvantes no combate à
improbidade administrativa, e (b) caracterizaria um grave escolho ao
exercício do poder-dever da União, Estados, Distrito Federal e Municípios
de zelar pela guarda da Constituição e conservar o patrimônio público,
que abarca, em seu sentido amplo, a reserva moral e ética da
Administração Pública brasileira, em verdadeiro retrocesso no combate à
corrupção.

É indene de dúvidas que, por expressa previsão constitucional, o


Ministério Público é legitimado para a propositura da ação civil pública
por ato de improbidade administrativa.

De fato, o texto constitucional ampliou sobremaneira as funções do


Ministério Público, transformando-o em verdadeiro defensor da
sociedade, tanto no campo penal, com a titularidade exclusiva da ação

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ADI 7042 / DF

penal pública, quanto no campo cível, como fiscal dos demais Poderes
Públicos e defensor da legalidade e moralidade administrativa, inclusive
com a titularidade do inquérito civil e da ação civil pública.

A Constituição Federal prevê, no inciso III do art. 129, que compete


ao Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública,
para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos.

Essa disposição constitucional ampliou o rol previsto no art. 1º,


inciso IV, da Lei Federal nº 7.347/85, para incluir a defesa, por meio de
ação civil pública, de interesses transindividuais, possibilitando a fixação
de responsabilidades (ressarcimentos ao erário; perda do mandato;
suspensão dos direitos políticos; aplicação de multas) por prejuízos
causados não só aos interesses expressamente nela previstos, mas
também quaisquer outros de natureza difusa ou coletiva, sem prejuízo da
ação popular. Entre estes outros interesses não previstos na lei citada,
destacam-se a defesa do patrimônio público e da moralidade
administrativa, ambos de natureza indiscutivelmente difusa.

MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO (Comentários à


Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989-1995, v. 3, p. 48)
salienta que o inquérito civil e a ação civil pública foram criados pela Lei
7.347/85, com a finalidade de efetivar a responsabilização por danos ao
meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico, concluindo que:

o texto constitucional alargou o alcance desses


instrumentos. Por um lado, estendeu-os à proteção do
patrimônio público em geral, dando, pois, à ação civil pública,
âmbito análogo ao da ação popular (v. art. 5º, LXXIII). Por outro
lado, tornou meramente exemplificativa uma enumeração que
era taxativa. Note-se que a regra constitucional se refere a
outros interesses difusos e coletivos.

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 36 de 338

ADI 7042 / DF

Dessa forma, patente a legitimação constitucional do Ministério


Público para a defesa do patrimônio público (CF, art. 129, III), que na
lição de NÉLSON E ROSA NERY (Princípios do Processo Civil na
Constituição Federal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 1018):

confere legitimidade ao Ministério Público para instaurar


inquérito civil e ajuizar ação civil pública na defesa do
patrimônio público e social, melhorando o sistema de proteção
judicial do patrimônio público, que é uma espécie de direito
difuso. […] A legitimação do Ministério Público para a defesa
do patrimônio público e social decorre da Constituição
Federal, artigo 129, inciso III, de sorte que não pode a lei
infraconstitucional nem a Constituição Estadual retirar do
parquet essa legitimação.

Nesse contexto, portanto, a ação civil pública é o instrumento


processual adequado conferido ao Ministério Público para o exercício do
controle popular sobre os atos dos poderes públicos (RE 1.010.819, Rel.
Min. MARCO AURÉLIO, Redator do Acórdão Min. ALEXANDRE DE
MORAES, Tribunal Pleno, DJe de 29/09/2021; RE 605.553, Rel. Min.
MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, DJe de 12/2/2020; RE 409.356, Rel.
Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, DJe de 29/07/2020; RE 643.978, Rel. Min.
ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, DJe de 25/10/2019; RE
629.840 AgR, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, 1ª Turma, DJe de 28/08/2015;
AI 698.478, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, decisão monocrática, DJe de
28/05/2012; RE 586.705 AgR, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, 2ª
Turma, DJe de 08/09/2011; AI 737.104 AgR, Rel. Min. LUIZ FUX, 1ª Turma,
DJe de 17/11/2011), exigindo tanto a reparação do dano causado ao
patrimônio público por ato de improbidade, quanto a aplicação das
sanções do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, previstas ao agente
público, em decorrência de sua conduta irregular (JUAREZ FREITAS. Do
princípio da probidade administrativa e de sua máxima efetivação. Revista de
Informação Legislativa, nº 129, Brasília: Senado Federal, 1996, p. 51).

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 37 de 338

ADI 7042 / DF

Nada obstante, o art. 129, § 1º, da Constituição Federal, dispõe


expressamente que a legitimação do Ministério Público para as ações civis
previstas nesse dispositivo não impede a de terceiros, nas mesmas
hipóteses, segundo o disposto na própria Constituição e na lei.

Assim, embora a legitimação ativa para a ação penal pública seja


privativa do Ministério Público (CF, art. 129, I), na “área cível a titularidade
da iniciativa concorre com outros sujeitos legitimamente ativos, […] que podem
assumir o jus postulandi” (PINTO FERREIRA. Comentários à Constituição
Brasileira – vol. 5. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 149).

E isso porque é “da essência da legitimação do MP, no campo da


ação civil pública, que sua iniciativa não seja exclusiva, mas
concorrente” (HUGO NIGRO MAZZILLI. “O Ministério Público no
Estatuto da Criança e do Adolescente”. Revista Jurídica, 181, nov. 1992), pois:

Enquanto em matéria penal tem o Ministério Público


privatividade na promoção da ação penal pública, na área cível
o próprio constituinte vedou que o Ministério Público
detivesse legitimação exclusiva para as ações cíveis das quais
cuida o art. 129 da CF. Assim, o Ministério Público não tem
legitimação exclusiva para as ações civis públicas, ações diretas
de inconstitucionalidade ou representações interventivas: em
todos esses casos, sua legitimação será concorrente e
disjuntiva com outros legitimados (HUGO NIGRO
MAZZILLI. Ministério Público. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015,
p. 111).

Essa questão não é estranha à jurisprudência deste SUPREMO


TRIBUNAL FEDERAL. Confira-se, a propósito, o seguinte precedente, em
que a CORTE placitou a legitimidade ativa da Defensoria Pública para a
propositura de ações civis públicas:

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

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ADI 7042 / DF

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA DA
DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL
PÚBLICA (ART. 5º, INC. II, DA LEI N. 7.347/1985, ALTERADO
PELO ART. 2º DA LEI N. 11.448/2007). TUTELA DE
INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS (COLETIVOS STRITO
SENSU E DIFUSOS) E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.
DEFENSORIA PÚBLICA: INSTITUIÇÃO ESSENCIAL À
FUNÇÃO JURISDICIONAL. ACESSO À JUSTIÇA.
NECESSITADO: DEFINIÇÃO SEGUNDO PRINCÍPIOS
HERMENÊUTICOS GARANTIDORES DA FORÇA
NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E DA MÁXIMA
EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: ART. 5º,
INCS. XXXV, LXXIV, LXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE NORMA DE
EXCLUSIVIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA
AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUSÊNCIA DE
PREJUÍZO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
PELO RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE DA
DEFENSORIA PÚBLICA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
(ADI 3943, Min. Rel. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, DJe de
06/08/2015).

Transcrevo, por absoluta pertinência, os seguintes excertos do voto


condutor do acórdão, proferido pela eminente Relatora, Ministra
CÁRMEN LÚCIA:

Desde o advento da Lei de Ação Civil Pública (Lei n.


7.347/1985), passando-se pela promulgação da Constituição, até
a presente data, não foram poucas as leis aprovadas com o
objetivo de regulamentar as chamadas ações civis públicas
voltadas para a tutela de direitos transindividuais e individuais
homogêneos (Lei n. 7.853/1979 – pessoas com deficiências; Lei
n. 8.069/1990 – crianças e adolescentes; Lei n. 8.078/1990 –
consumidores; Lei n. 8.429/1992 – probidade da administração;
Lei n. 8.884/1994 – da ordem econômica; e Lei n. 10.741/2003 –

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

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ADI 7042 / DF

interesses das pessoas idosas).


A percepção de que essas leis não seriam aplicadas sem
que as medidas nelas previstas pudessem ser tomadas e
exigidas por quem de direito justificou o movimento de
ampliação do rol de legitimados […].
[…]
De se indagar a quem interessaria o alijamento da
Defensoria Pública do espaço constitucional-democrático do
processo coletivo. A quem aproveitaria a inação da Defensoria
Pública, negando-se-lhe a legitimidade para o ajuizamento de
ação civil pública? […]. A ninguém comprometido com a
construção e densificação das normas que compõem o sistema
constitucional de Estado Democrático de Direito.
[…]
Não fosse suficiente a ausência de vedação constitucional
[…], inexiste também, na Constituição brasileira, norma a
assegurar exclusividade, em favor do Ministério Público, para
o ajuizamento de ação civil pública.
[…]
Da leitura do art. 129 da Constituição da República não é
possível extrair deter o Ministério Público a exclusividade
para o ajuizamento da ação civil pública.
Contrariamente, o § 1º daquele dispositivo
constitucional contém autorização expressa para que, nos
termos da Constituição da República e da legislação vigente,
terceiros possam ajuizar as ações cíveis previstas no artigo,
devendo-se destacar, seguindo Humberto Theodoro Júnior, que
“na ordem jurídica não há preferência alguma entre os diversos
legitimados” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito
Processual Civil: procedimentos especiais. Vol. III. 41 ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2009, p. 483).

Não se desconhece que a norma constitucional em questão deixa


certa margem de conformação ao legislador infraconstitucional para a
disciplina e regulamentação da legitimação desses terceiros (o que, como
abordarei na sequência, não significa, em absoluto, a inexistência de um

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ADI 7042 / DF

dever de coerência e racionalidade nesse exercício, buscando eficiência


sistêmica no combate à corrupção e proteção ao patrimônio público em
sentido amplo).

A toda evidência, contudo, sua redação revela um comando


impeditivo à previsão de exclusividade por parte do Ministério Público
nas ações civis por ato de improbidade administrativa, impondo, assim,
a necessidade de alguma espécie de concorrência de atuação.

Para bem compreendê-la, importa realçar a distinção corrente na


técnica processual entre legitimidade ordinária e legitimidade
extraordinária.

Como é cediço, legitimidade é a pertinência subjetiva da demanda,


vale dizer, a situação prevista no ordenamento jurídico que autoriza que
um determinado sujeito ocupe o polo ativo ou passivo de uma ação
(DANIEL AMORIM ASSUNPÇÃO NEVES. Manual de Direito Processual
Civil. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 137).

Fala-se em legitimidade ordinária no contexto em que, amparado pela


garantia fundamental da inafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5º,
XXXV), um sujeito pleiteia direito próprio em nome próprio. Por sua vez,
a legitimidade extraordinária (ou substituição processual) identifica a
situação em que um sujeito pleiteia, em nome próprio, direito alheio.

Concretizando esse senso comum da teoria geral do processo, o


Código de Processo Civil estabelece que para postular em juízo é
necessário, além de interesse, legitimidade (art. 17, CPC), especificando,
ainda, a excepcionalidade da chamada legitimidade extraordinária, ao
dispor que ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio,
salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico (art. 18, CPC).

Assim:

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As partes na relação jurídica processual devem ser, em


regra, as mesmas que figuram como titulares da relação de
direito material. Aquele que se afirma titular de um direito
material pode, nesse contexto, na qualidade de autor, exercer a
ação e provocar o exercício da jurisdição contra a pessoa
indicada como sujeito passivo do direito material que será
objeto do julgamento.
Postular em juízo direito próprio, em nome próprio,
enseja a chamada legitimidade ordinária, fruto da garantia
constitucional do direito de ação (art. 5º, XXXV, da CF/1988).
Apenas excepcionalmente o ordenamento jurídico confere
legitimidade a quem não é parte na relação de direito material
para exercer, com relação a ele, a ação em juízo. Assim, a
autorização para se postular em juízo direito alheio em nome
próprio dá ensejo à chamada legitimidade extraordinária ou
substituição processual.
São exemplos de legitimidade extraordinária a atuação
do Ministério Público em defesa dos interesses difusos e
coletivos (art. 129, III, da CF/1988) e a dos sindicatos em defesa
dos interesses coletivos da categoria (art. 8º, III, da CF/1988).
[…].
A legitimidade extraordinária, por atribuir deveres a
terceiros, continua a depender de expressa autorização do
ordenamento jurídico, na expressão acolhida pelo Código. A
noção de ordenamento jurídico, nesse particular, perpassa pelo
art. 22, I, da CF/1988, que atribui à lei a disciplina da matéria
processual, de modo que ou bem a fonte da substituição
processual será a própria Constituição ou bem será a lei,
admitindo-se, excepcionalmente, a sua atribuição por meio de
atos cuja validade decorra diretamente da lei, a exemplo dos
regimentos internos dos tribunais (LEONARDO FARIA
SHENCO. In: TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, FREDIE
DIDIER JR., EDUARDO TALAMINI e BRUNO DANTAS
(coordenadores). Breves comentários ao novo código de processo
civil. 2º ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016,

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ADI 7042 / DF

livro eletrônico).

Para o correto encaminhamento da controvérsia sob análise,


portanto, mostra-se de fundamental importância realçar que a
legitimidade constitucional do Ministério Público para a ação de
improbidade administrativa e a legitimidade igualmente constitucional
das pessoas jurídicas lesadas para a mesma ação possuem naturezas
específicas diversas, razão pela qual encontram justificativa constitucional
em dispositivos também diversos: aquela, ancorada no art. 129, III, da CF,
é extraordinária; esta, decorrente dos arts. 5º, XXXV e 23, I, da CF, é
ordinária.

Transcrevo o teor dos referidos dispositivos constitucionais:

Art. 5º. […].


XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do


Distrito Federal e dos Municípios:
I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das
instituições democráticas e conservar o patrimônio público;

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:


[…]
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para
a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e
de outros interesses difusos e coletivos;
[…]
§ 1º A legitimação do Ministério Público para as ações
civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas
mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na
lei.

De fato, como bem exposto pelo Ministro ILMAR GALVÃO no

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ADI 7042 / DF

julgamento do Recurso Extraordinário 208.790 (Tribunal Pleno, DJ de


15/02/2000):

Na verdade, o art. 129, III, da CF, ao legitimar o


Ministério Público para agir na proteção do patrimônio
público, por via da ação civil pública, não fez senão instituí-lo
substituto processual de toda a coletividade, posto que agirá
na defesa de um interesse que toca a todos, indistintamente,
revestindo, consequentemente, a natureza de interesse difuso.
Essa legitimação, de caráter extraordinário, […] não afasta a
iniciativa do próprio ente público interessado, como previsto
no primeiro dispositivo citado [CF, art. 129, § 1º].

A natureza extraordinária dessa legitimação decorre, inclusive, da


proibição constitucional expressa de que o Ministério Público exerça a
representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas (CF,
art. 129, IX). Mais recentemente, ao apreciar essa restrição constitucional,
a mesma conclusão (extensível, a contrario sensu, para os casos sob
análise) foi reafirmada pelo Ministro LUIZ FUX no julgamento do
Recurso Extraordinário 409.356 (Tribunal Pleno, DJe de 29/07/2020), nos
seguintes termos:

A referida restrição, todavia, deve ser interpretada em


consonância com os demais dispositivos da Carta Magna que
atribuem ao parquet ampla atribuição no campo da tutela do
patrimônio público, interesse de cunho inegavelmente
transindividual. Afinal, o próprio art. 129, III, da Constituição
exorta o Ministério Público ao ajuizamento da ação civil pública
“para a proteção do patrimônio público e social”, “e de outros
interesse difusos e coletivos”. Rememore-se que a atuação do
parquet na proteção do patrimônio público não afasta a
atuação do próprio ente público prejudicado, conforme prevê
o art. 129, § 1º, da Constituição: […]. No plano
infraconstitucional, a Lei nº 8.429/92 confere ao Ministério
Público legitimidade para promover a ação de improbidade, a

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ADI 7042 / DF

qual possui dentre seus objetivos a reparação ao Erário. Em


casos tais, o parquet não age como representante da entidade
pública, e sim como substituto processual de uma
coletividade indeterminada, é dizer, a sociedade como um
todo, titular do direito à boa administração do patrimônio
público.
[…]
Noutras palavras, o combate em juízo à dilapidação
ilegal do Erário configura atividade de defesa da ordem
jurídica, dos interesses sociais e do patrimônio público, sendo
todas essas funções institucionais atribuídas ao Ministério
Público pelos artigos 127 e 129 da Constituição. Entendimento
contrário não apenas afronta a textual previsão da Carta
Magna, mas também fragiliza o sistema de controle da
Administração Pública, visto que deixaria a persecução de
atos atentatórios à probidade e à moralidade administrativas
basicamente ao talante do próprio ente público no bojo do
qual a lesão ocorreu.

Ao revés, a legitimidade da pessoa jurídica interessada, enquanto


“entidade que sofreu os efeitos gravosos do ato de improbidade” (JOSÉ
DOS SANTOS CARVALHO FILHO. Manual de Direito Administrativo. 33ª
ed. São Paulo: Atlas, 2019 p. 1179), é, por excelência, ordinária, já que atua
na defesa de seu próprio patrimônio público, que, compreendido em seu
sentido amplo, como bem expressado pela Associação Nacional dos
Advogados Públicos Federais (ANAFE) na sua peça inicial, “abarca a
reserva moral e ética da Administração Pública brasileira”.

Nesse contexto, portanto, conforme assentei na decisão concessiva


da medida cautelar, além de configurar uma espécie de monopólio
inexistente sequer nas ações penais públicas, em razão da instituição da
ação penal subsidiária no rol de direitos e garantias fundamentais (CF,
art. 5º, LIX), a supressão da legitimidade ativa das pessoas jurídicas
interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade
administrativa representa uma grave e inconstitucional limitação ao

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ADI 7042 / DF

amplo acesso à jurisdição (CF, art. 5º, XXXV), com ferimento ao princípio
da eficiência (CF, art. 37, caput) e significativo retrocesso quanto ao
imperativo constitucional de combate à improbidade administrativa, e, no
limite, um injustificável obstáculo ao exercício de competência comum
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para “zelar
pela guarda da Constituição” e “conservar o patrimônio público” (CF, art. 23, I.

Pela precisão de seus termos, transcrevo, nesse sentido, os seguintes


trechos do parecer do Procurador-Geral da República:

Perceba-se que a legitimação do Ministério Público e a das


pessoas jurídicas lesadas têm naturezas diversas. Enquanto a
primeira é de ordem extraordinária – o Ministério Público
pleiteia, em nome próprio, direito de toda a coletividade –, a
segunda é ordinária – a pessoa jurídica demanda “na defesa de
seu patrimônio”. Fosse de outro modo, estaria o Ministério
Público a exercer a representação judicial de entidades públicas,
o que lhe é vedado constitucionalmente (CF, art. 129, IX).
[…]
O direito de acesso ao Poder Judiciário é direito
fundamental. Diante de lesão ou ameaça a direito, a todos é
garantido recorrer ao Poder Judiciário para ver restabelecida a
higidez da ordem jurídica. Isso se aplica tanto às pessoas
naturais quanto às jurídicas, públicas ou privadas.
Esse ponto é importante para a correta interpretação do §
1º do art. 129 da Constituição Federal, segundo o qual “a
legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste
artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o
disposto nesta Constituição e na lei”.
Em primeiro lugar, destaque-se o claro vetor
constitucional no sentido da ampliação (e não da restrição) da
legitimidade ativa para as ações civis públicas. Mesmo assim,
é certo ajuizar que essa norma deixa ao legislador ampla
margem de conformação. A lei pode, num primeiro momento,
prever a legitimação (extraordinária, como se enfatizará
adiante) de um sem-número de pessoas e entidades e, depois,

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ADI 7042 / DF

restringi-la, ao notar que houve excesso.


Acontece que o que a lei pode moldar – ora estendendo
muito, ora estendendo pouco – é a legitimação extraordinária
para a propositura das ações civis públicas (aquela mesma de
que dispõe o Ministério Público). Afinal de contas, “ninguém
poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando
autorizado pelo ordenamento jurídico” (CPC, art. 18, caput). Já a
legitimação ordinária – aquela cujo detentor é a própria
pessoa lesada – é insuscetível de restrição, pois decorre do
direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário.
Veja-se que o § 1º do art. 129 da Constituição Federal fala
que a legitimação do Ministério Público não impede a de
terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o que dispõem a
Constituição e a lei. E o que dispõe a Constituição é o direito
de acesso ao Poder Judiciário a todos os lesados em seus bens
jurídicos (a legitimação ordinária). Quanto ao mais (à
legitimação extraordinária, aí sim, é terreno aberto à obra do
legislador.
[…]
As alterações legislativas aqui impugnadas, no que
excluíram a legitimidade ativa da Fazenda Pública para as
ações por ato de improbidade administrativa, vão de encontro
a esse valor constitucional: o da probidade da administração
pública. Valor cujo cumprimento há de ser fiscalizado pelo
Ministério Público (certamente), mas também por toda a
sociedade, incluindo os próprios órgãos e entidades da
administração pública, por meio do controle interno (CF, arts.
31, parte final; e 74); os tribunais de contas, mediante controle
externo (CF, arts. 31, parte final, 70 e 71); e os cidadãos, via
direito de representação e ação popular (CF, arts. 5º, LXXIII; 37,
§ 3º, III; e 74, § 2º).

Dessa forma, se o Ministério Público age sob o manto excepcional da


legitimidade extraordinária na defesa do patrimônio público em sentido
amplo, razão ainda maior reveste a atuação da pessoa jurídica lesada,
enquanto titular ordinária, para a proteção, em nome próprio, daquilo

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que lhe é inerente.

No ponto, a referência ao novo art. 17-D da Lei 8.429/1992, incluído


pela Lei 14.230/2021, segundo o qual a ação por improbidade
administrativa “não constitui ação civil”, é insuficiente para afastar o
comando constitucional que impede a exclusividade do Ministério
Público nas ações civis tratadas no art. 129 da Constituição Federal.

Ainda que a expressão possa servir para identificar a feição


“repressiva, de caráter sancionatório” (art. 17-D, da Lei 8.429/1992) da ação
por improbidade administrativa, atraindo, assim, a incidência de
determinados “princípios constitucionais do direito administrativo
sancionador” (art. 1º, § 4º, da Lei 8.429/1992), ao legislador
infraconstitucional não é dado subverter a clara opção do poder
constituinte originário em qualificar a ação por improbidade
administrativa como “não penal” (ou, mais precisamente, “civil”, em
sentido amplo), alocando-a, assim, no âmbito da responsabilidade da
mesma natureza “não penal”, como se depreende da autonomia de
instâncias prescrita pelo § 4º do art. 37 da Constituição Federal.

Art. 37. […]


§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a
suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na
forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal
cabível.

Independentemente de uma conduta ser tipificada como infração


penal, a responsabilidade “não penal” por ato de improbidade
administrativa é autônoma e deve ser apurada em instância diversa
(MARIA SILVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito Administrativo. 29 ed. Rio
de Janeiro, Forense, 2016, p. 988-989), pois o aperfeiçoamento do combate
à corrupção no serviço público foi uma grande preocupação do legislador
constituinte, ao estabelecer, no ser. 37 da Constituição Federal,

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

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ADI 7042 / DF

verdadeiros códigos de conduta à Administração Pública e aos seus


agentes, prevendo, inclusive, pela primeira vez no texto constitucional, a
possibilidade de responsabilização e aplicação de graves sanções pela
prática de atos de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da CF).

Essa natureza “não penal” dos atos de improbidade administrativa é


essencial para a análise da presente questão e decorre diretamente do
comando constitucional presente no § 4º do art. 37 da Constituição, que é
bastante claro ao consagrar a independência da responsabilidade “não
penal” por ato de improbidade administrativa e a possível
responsabilidade penal, derivadas da mesma conduta, ao utilizar a
fórmula “sem prejuízo da ação penal cabível”.

Nesse exato sentido, FABIO KONDER COMPARATO ensina que:

a própria Constituição distingue e separa a ação


condenatória do responsável por atos de improbidade
administrativa às sanções por ela expressas, da ação penal
cabível, é, obviamente, porque aquela demanda não tem
natureza penal (Ação de improbidade: Lei 8.429/92.
Competência ao juízo do 1º grau. Boletim dos Procuradores da
República, ano 1, n. 9, jan. 1999).

Esse é o mesmo entendimento de GIANPAOLO POGGIO SMANIO


e de DAMÁSIO DE JESUS, ao afirmarem que:

as sanções previstas para os atos de improbidade


administrativa são de natureza civil, distintas daquelas de
natureza penal. Os atos de improbidade administrativa
deverão ser analisados na esfera da ilicitude dos atos civis e não
dos tipos penais.

Como bem salientado pelo Ministro CARLOS VELLOSO (relator do


MS 23.242, DJ de 17/05/2002):

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ADI 7042 / DF

Quando o agente público viola norma administrativa,


norma estatutária, pratica ilícito administrativo. Já o ilícito
penal corresponde ao crime, fato humano , antijurídico, típico,
imputável a título de dolo ou culpa, punível.
O agente público pode praticar, no exercício de suas
funções, ilícito administrativo, falta funcional pura, que não
consubstancia, também, ilícito penal; mas o ilícito
administrativo pode constituir, também um ilícito penal. Neste
último caso, responderá o agente público por dois ilícitos
administrativos e penal perante duas instâncias, a
administrativa e a penal, instâncias autônomas.

Ressalte-se, ainda, o julgamento desta SUPREMA CORTE no RE


976.566, de minha relatoria:

Ementa: CONSTITUCIONAL. AUTONOMIA DE


INSTÂNCIAS. POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO
PENAL E POLÍTICA ADMINISTRATIVA (DL 201/1967)
SIMULTÂNEA À POR ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA, DEVIDAMENTE TIPIFICADO NA LEI
8.429/92. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. 1. "Fazem muito
mal à República os políticos corruptos, pois não apenas se
impregnam de vícios eles mesmos, mas os infundem na
sociedade, e não apenas a prejudicam por se corromperem, mas
também porque a corrompem, e são mais nocivos pelo exemplo
do que pelo crime” (MARCO TÚLIO CÍCERO. Manual do
candidato às eleições. As leis, III, XIV, 32). 2. A norma
constitucional prevista no § 4º do art. 37 exigiu tratamentos
sancionatórios diferenciados entre os atos ilícitos em geral
(civis, penais e político-administrativos) e os atos de
improbidade administrativa, com determinação expressa ao
Congresso Nacional para edição de lei específica (Lei
8.429/1992), que não punisse a mera ilegalidade, mas sim a
conduta ilegal ou imoral do agente público voltada para a
corrupção, e a de todo aquele que o auxilie, no intuito de

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ADI 7042 / DF

prevenir a corrosão da máquina burocrática do Estado e de


evitar o perigo de uma administração corrupta caracterizada
pelo descrédito e pela ineficiência. 3. A Constituição Federal
inovou no campo civil para punir mais severamente o agente
público corrupto, que se utiliza do cargo ou de funções públicas
para enriquecer ou causar prejuízo ao erário, desrespeitando a
legalidade e moralidade administrativas, independentemente
das já existentes responsabilidades penal e político-
administrativa de Prefeitos e Vereadores. 4. Consagração da
autonomia de instâncias. Independentemente de as condutas
dos Prefeitos e Vereadores serem tipificadas como infração
penal (artigo 1º) ou infração político-administrativa (artigo 4º),
previstas no DL 201/67, a responsabilidade civil por ato de
improbidade administrativa é autônoma e deve ser apurada
em instância diversa. 5. NEGADO PROVIMENTO ao Recurso
Extraordinário. TESE DE REPERCUSÃO GERAL: “O processo e
julgamento de prefeito municipal por crime de
responsabilidade (Decreto-lei 201/67) não impede sua
responsabilização por atos de improbidade administrativa
previstos na Lei 8.429/1992, em virtude da autonomia das
instâncias”. (RE 976566, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES,
Tribunal Pleno, DJe de 26/09/2019).

A mesma lógica serviu para fundamentar a não extensão do foro por


prerrogativa de função às ações de improbidade administrativa, como
exemplifica o seguinte julgado, de relatoria do saudoso Ministro TEORI
ZAVASCKI, com redatoria do eminente Ministro ROBERTO BARROSO:

Ementa: Direito Constitucional. Agravo Regimental em


Petição. Sujeição dos Agentes Políticos a Duplo Regime
Sancionatório em Matéria de Improbidade. Impossibilidade
de Extensão do Foro por Prerrogativa de Função à Ação de
Improbidade Administrativa. 1. Os agentes políticos, com
exceção do Presidente da República, encontram-se sujeitos a um
duplo regime sancionatório, de modo que se submetem tanto à
responsabilização civil pelos atos de improbidade

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administrativa, quanto à responsabilização político-


administrativa por crimes de responsabilidade. Não há
qualquer impedimento à concorrência de esferas de
responsabilização distintas, de modo que carece de fundamento
constitucional a tentativa de imunizar os agentes políticos das
sanções da ação de improbidade administrativa, a pretexto de
que estas seriam absorvidas pelo crime de responsabilidade. A
única exceção ao duplo regime sancionatório em matéria de
improbidade se refere aos atos praticados pelo Presidente da
República, conforme previsão do art. 85, V, da Constituição. 2.
O foro especial por prerrogativa de função previsto na
Constituição Federal em relação às infrações penais comuns
não é extensível às ações de improbidade administrativa, de
natureza civil. Em primeiro lugar, o foro privilegiado é
destinado a abarcar apenas as infrações penais. A suposta
gravidade das sanções previstas no art. 37, § 4º, da
Constituição, não reveste a ação de improbidade
administrativa de natureza penal. Em segundo lugar, o foro
privilegiado submete-se a regime de direito estrito, já que
representa exceção aos princípios estruturantes da igualdade e
da república. Não comporta, portanto, ampliação a hipóteses
não expressamente previstas no texto constitucional. E isso
especialmente porque, na hipótese, não há lacuna
constitucional, mas legítima opção do poder constituinte
originário em não instituir foro privilegiado para o processo e
julgamento de agentes políticos pela prática de atos de
improbidade na esfera civil. Por fim, a fixação de competência
para julgar a ação de improbidade no 1o grau de jurisdição,
além de constituir fórmula mais republicana, é atenta às
capacidades institucionais dos diferentes graus de jurisdição
para a realização da instrução processual, de modo a promover
maior eficiência no combate à corrupção e na proteção à
moralidade administrativa. 3. Agravo regimental a que se nega
provimento (Pet 3240 AgR, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI,
Relator(a) p/ Acórdão Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal
Pleno, DJe 22/08/2018).

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A lógica dicotômica da classificação “ação penal” (privativa do


Ministério Público) e “ação civil” (não privativa do Ministério Público), a
partir da qual o constituinte edificou o art. 129 da Constituição Federal, é
claríssima, e não pode simplesmente ser desconsiderada no pretendido
aperfeiçoamento da legislação infraconstitucional atinente ao combate à
improbidade administrativa.

Por imperativo constitucional, a ação por improbidade tem natureza


“não penal”, ou, em outros termos, “civil” em sentido amplo. Por essa
razão, no contexto do art. 129 da Constituição Federal, ela é abrangida
pelo seu inciso III (não privatividade do Ministério Público), e não pelo
seu inciso I (privatividade do Ministério Público), o que atrai a incidência
do comando impeditivo à previsão de exclusividade constante do seu §
1º, que, cumulado com o postulado da inafastabilidade da jurisdição (CF,
art. 5º, XXXV), resulta na seguinte conclusão: a legitimidade do Parquet
para as ações “não penais” por improbidade administrativa não impede
a legitimidade das pessoas jurídicas lesadas por atos ímprobos,
inclusive para postular em juízo a aplicação das sanções
constitucionalmente admitidas.

O combate à corrupção, à ilegalidade e à imoralidade no seio do


Poder Público, com graves reflexos na carência de recursos para a
implementação de políticas públicas de qualidade, deve ser prioridade
absoluta no âmbito de TODOS os atores constitucionalmente
institucionalizados, o que inclui, necessariamente, os órgãos e os entes
diretamente atingidos pela conduta desviante do padrão constitucional
de moralidade e, por consequência, dos agentes constitucionalmente
incumbidos da sua representação, pois, como bem destacado por JOSÉ
AFONSO DA SILVA (Comentário Contextual à Constituição. 9º ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2014, p. 618):

A Advocacia Pública assume, no Estado Democrático de


Direito, mais do que uma função jurídica de defesa dos

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ADI 7042 / DF

interesses patrimoniais da Fazenda Pública, mais até mesmo


do que a defesa do princípio da legalidade, porque lhe
incumbe igualmente, e veementemente, a defesa da
moralidade pública, que se tornou um valor autônomo
constitucionalmente garantido. Não é que essa defesa lhe
escapasse antes do regime constitucional vigente. Mas, então, o
princípio da moralidade tinha uma dimensão estritamente
administrativa, quase como simples dimensão da legalidade,
ligada aos problemas dos desvios de finalidade. Agora não,
porque a Constituição lhe concedeu um sentido próprio e
extensivo, e abrangente da ética pública.

A Administração Pública porventura atingida por ilícito de


improbidade naturalmente possui uma capacidade privilegiada para
identificar, dimensionar e buscar a reparação do dano a ela infligido, aí
incluído o sancionamento respectivo, porventura admitido pelo
ordenamento jurídico.

Como consequência, o afunilamento da legitimidade ad causam para


a proteção do patrimônio público em sentido amplo, relegando a própria
pessoa jurídica diretamente afetada da iniciativa de deflagrar o sistema
sancionatório em questão, impacta negativamente na necessária eficiência
estatal no combate à improbidade, que está constitucionalmente
direcionada tanto para as finalidades pretendidas pela atividade estatal,
como para as condições necessárias para o agente público bem exercer
suas funções em defesa da Sociedade.

Mais grave ainda, tal restrição na legitimidade ativa para a ação de


improbidade administrativa atua no sentido de desmantelar a
imprescindível organização estruturada em rede, reconhecidamente mais
eficaz para o adequado enfrentamento à corrupção (AHMED SAMEER
EL KHATIB. Níveis de corrupção no Brasil ao longo dos 30 anos da
Constituição Federal de 1988: uma análise dos escândalos ocorridos entre 1988 e
2013. In: REGINA TAMAMI HIROSE (coordenadora). Carreiras típicas de

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ADI 7042 / DF

Estado: desafios e avanços na prevenção e no combate à corrupção. Belo


Horizonte: Fórum, 2019, p. 33-54) e à promoção da accountability, metas
contempladas no objetivo 16 da Agenda 2030 da Organização das Nações
Unidas para a promoção do desenvolvimento sustentável (ANA LUIZA
ARANHA. Trabalho em rede: a vanguarda do combate à corrupção. JOTA, São
paulo, 12 fev. 2019), que dispõe:

OBJETIVO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 16


– PAZ, JUSTIÇA E INSTITUIÇÕES EFICAZES: Promover
sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento
sustentável, proporcional o acesso à justiça para todos e
construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em
todos os níveis.
[…]
16.5. Reduzir substancialmente a corrupção e o suborno
em todas as suas formas.
16.6. Desenvolver instituições eficazes, responsáveis e
transparentes em todos os níveis.

Não são razoáveis os argumentos que buscam justificar a


titularidade exclusiva da ação de improbidade como uma tentativa de
reduzir os riscos de ações temerárias, sobretudo quando consideradas as
graves consequências sancionatórias da referida ação, como constante das
informações prestadas pelo Senado Federal:

[…] a legitimidade concorrente (agora eliminada da Lei nº


8.429/1992) não necessariamente servia de instrumento para a
devida proteção da res publica e a prática demonstrou que a
ampliação da legitimidade demandava reflexão crítica e
aperfeiçoamentos, de modo a minimizar os riscos de
ajuizamento de ações temerárias. Aos integrantes das carreiras
da advocacia pública não são asseguradas autonomia e
independência que apenas podem advir das garantias de
vitaliciedade e inamovibilidade previstas no art. 128, § 5º, inciso

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ADI 7042 / DF

I, alíneas a e b, da Constituição.
Justamente em razão das consequências de uma ação de
improbidade, com penas de natureza político-administrativa,
que podem tornar inelegíveis os condenados, e por conta dos
abusos contra a honra de agentes públicos observados no
passado, é que resta justificado o cuidado que o legislador
pretende conferir à legitimidade ativa na ação de improbidade
administrativa, deixando-a exclusivamente a cargo do
Ministério Público.
Esse, aliás, o fundamento trazido pelo Deputado Carlos
Zarattini, relator, em Parecer Preliminar de Plenário n. 1, de
21/10/2021:

“Quanto à legitimidade ativa, optou-se por manter


exclusivamente o Ministério Público, por se tratar de ação
que tem como fito a aplicação de sanções que envolvem
sensíveis direitos fundamentais, como a suspensão dos
direitos políticos”.

A Administração Pública é plenamente capaz de defender


judicialmente a coisa pública sob sua gestão com lealdade e boa-fé
processuais, sobretudo se considerado que, a rigor, cabe ao Estado-juiz,
sujeito processual equidistante e imparcial, proceder ao necessário
afastamento de lides temerárias que desvirtuem a razão de ser do sistema
normativo sancionador da improbidade administrativa, inclusive
punindo eventuais abusos.

Não é possível ao legislador avaliar a priori e em abstrato a


temeridade de determinada demanda ou de determinado conjunto de
demandas segundo o critério da autoria, que nada diz a respeito da sua
viabilidade. A filtragem que se pretende ver realizada é função precípua
do Poder Judiciário, e só pode ser efetivamente exercida no caso concreto.

Nesse quesito, a Lei 8.429/1992 é pródiga na previsão de filtros


contra o exercício imprudente do direito de ação, merecendo destaque, no

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ADI 7042 / DF

ponto, a viabilidade da rejeição do pedido inicial “quando manifestamente


inexistente o ato de improbidade imputado” (art. 17, § 6º-B, incluído pela Lei
14.230/2021); a possibilidade de, oferecida a contestação, o juiz proceder
ao imediato “julgamento conforme o estado do processo, observada a eventual
inexistência manifesta do ato de improbidade” (art. 17, § 10-B, I, incluído pela
Lei 14.230/2021); e a determinação de que “em qualquer momento do
processo, verificada a inexistência do ato de improbidade, o juiz julgará a
demanda improcedente” (art. 17, § 11, redação dada pela Lei 12.230/2021).

Além disso, ao contrário do sustentado, a legitimidade ativa


concorrente é a própria ferramente capaz de evitar o uso desvirtuado da
ação civil por improbidade administrativa, na medida em que, como bem
apontado por BRUNO FÉLIX DE ALMEIDA, impede omissões dolosas
no exercício dessa atuação sancionatória. A concorrência disjuntiva, nesse
sentido, dificulta a cooptação total dos agentes institucionalmente
incumbidos de “reduzir substancialmente a corrupção e o suborno em todas as
suas formas” e de “desenvolver instituições eficazes, responsáveis e
transparentes em todos os níveis”. Transcrevo:

Neste ponto, a clássica formulação de Klitgaard e sua


equação da corrupção: C=M+D-A pode ser aplicada a questão.
Onde a corrupção (C) é igual ao monopólio (M) do poder
decisório, somado a discricionariedade (D) e subtraído do
accontability (A) […]. A legitimidade ativa concorrente é
exatamente a medida que mitiga os efeitos da captura política
de órgãos legitimados para ACPIA, pois se o MP foi capturado,
a Advocacia Pública pode exercer a legitimidade e vice e versa.
[…]
A legitimidade ativa concorrente revela a opção por uma
atuação em rede no combate à improbidade administrativa.
Afasta o potencial danoso de omissões dolosas da repressão a
tais atos, fortalecendo todo o sistema. Importante destacar que
na sistemática [anterior] da LIA, há legitimados ativos
representantes do controle interno, como a Advocacia Pública, e
do externo, o MP. Em tempos de necessidade de acreditamento

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ADI 7042 / DF

e fortalecimento do controle interno, esse tipo de medida de


monopólio transparece como inapropriada.
[…]
A noção do patrimônio público que deve ser defendido
por carreiras típicas de estado é a de sentido amplo. Abrangente
do patrimônio moral, ético, cultural, histórico, financeiro e
artístico nacional (DI PIETRO, 2019). Retirar dos entes vítimas
a legitimidade ativa para ACPIA é uma infantilização do
papel dos mesmos no Estado democrático de direito e
impeditivo de que exerçam a tutela da probidade
administrativa em sua totalidade de sentido (BRUNO FÉLIX
DE ALMEIDA. Advocacia Pública e controle da probidade:
proatividade e procedimento no exercício da legitimidade ativa nas
ações de improbidade administrativa. Dissertação de Mestrado.
Universidade Federal do Ceará. 2020, p. 129-132).

De igual modo, não merece prosperar a alegação de que a


legitimidade exclusiva do Ministério Público encontraria fundamento na
natureza significativamente gravosa das sanções aplicáveis aos atos
ímprobos (suspensão dos direitos políticos, perda da função pública,
indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário).

Como se sabe, para que seja possível o desempenho das suas


inúmeras missões constitucionais, o regime jurídico administrativo
alicerça o exercício concreto da função administrativa pela Administração
Pública no princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse
particular.

O poder de polícia que a Administração Pública detém para a


persecução dessas finalidades constitucionais muitas vezes acaba sendo
exercido de forma a limitar, em determinadas situações, direitos e
garantias fundamentais, desde que, obviamente, sejam satisfeitos todos os
requisitos legais e constitucionais para tanto.

Assim, é ínsito à própria natureza da função administrativa a

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ADI 7042 / DF

concretização de atos limitadores de direitos, não lhe sendo estranho o


exercício de atividade sancionatória, inclusive sob o prisma da
autoexecutoriedade, como ilustram o impedimento e a declaração de
inidoneidade para licitar ou contratar (Lei 14.133/2021, art. 156, III e IV).

Na presente controvérsia, todavia, não se pode perder de vista que a


imposição das sanções de caráter pessoal previstas na Lei 8.429/1992 se dá
por ato jurisdicional fundamentado, gerado em um ambiente de
obrigatória observância ao contraditório e à ampla defesa, como
demonstram os seguintes dispositivos da Lei de Improbidade
Administrativa:

Art. 17. […]


§ 7º Se a petição inicial estiver em devida forma, o juiz
mandará autuá-la e ordenará a citação dos requeridos para que
a contestem no prazo comum de 30 (trinta) dias, iniciado o
prazo na forma do art. 231 da Lei nº 13.105, de 16 de março de
2015 (Código de Processo Civil); (Redação dada pela Lei nº
14.230/2021)
[…]
§ 10-E. Proferida a decisão referida no § 10-C deste artigo,
as partes serão intimadas a especificar as provas que pretendem
produzir. (Incluído pela Lei nº 14.230/2021)
[…]
§ 18. Ao réu será assegurado o direito de ser interrogado
sobre os fatos de que trata a ação, e a sua recusa ou o seu
silêncio não implicarão confissão. (Incluído pela Lei nº
14.230/2021)

Art. 17-C. A sentença proferida nos processos a que se


refere esta Lei deverá, além de observar o disposto no art. 489
da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo
Civil): (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021).
I - indicar de modo preciso os fundamentos que
demonstram os elementos a que se referem os arts. 9º, 10 e 11

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desta Lei, que não podem ser presumidos; (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
II - considerar as consequências práticas da decisão,
sempre que decidir com base em valores jurídicos abstratos;
(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
III - considerar os obstáculos e as dificuldades reais do
gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem
prejuízo dos direitos dos administrados e das circunstâncias
práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a
ação do agente; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
IV - considerar, para a aplicação das sanções, de forma
isolada ou cumulativa: (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
a) os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade;
(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
b) a natureza, a gravidade e o impacto da infração
cometida; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
c) a extensão do dano causado; (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
d) o proveito patrimonial obtido pelo agente;(Incluído
pela Lei nº 14.230, de 2021)
e) as circunstâncias agravantes ou atenuantes; (Incluído
pela Lei nº 14.230, de 2021)
f) a atuação do agente em minorar os prejuízos e as
consequências advindas de sua conduta omissiva ou comissiva;
(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
g) os antecedentes do agente; (Incluído pela Lei nº 14.230,
de 2021)
V - considerar na aplicação das sanções a dosimetria das
sanções relativas ao mesmo fato já aplicadas ao agente;
(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
VI - considerar, na fixação das penas relativamente ao
terceiro, quando for o caso, a sua atuação específica, não
admitida a sua responsabilização por ações ou omissões para as
quais não tiver concorrido ou das quais não tiver obtido
vantagens patrimoniais indevidas; (Incluído pela Lei nº 14.230,
de 2021)

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

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VII - indicar, na apuração da ofensa a princípios, critérios


objetivos que justifiquem a imposição da sanção. (Incluído pela
Lei nº 14.230, de 2021)

A gravidade em abstrato das sanções constitucionalmente admitidas


para censurar os atos de improbidade nada diz a respeito da legitimidade
exclusiva que se pretende fundamentar, de modo que o argumento
apenas transparece o claro propósito do legislador infraconstitucional de
restringir injustificadamente o acesso à justiça do ente lesado, em violação
ao art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.

Dessa maneira, portanto, necessário:

(a) a declaração de inconstitucionalidade, sem redução de


texto, do caput do art. 17 da Lei 8.429/1992, na redação dada
pela Lei 14.230/2021, e, por arrastamento, dos §§ 6º-A e 10-C do
referido artigo, de modo a se restabelecer a existência de
legitimidade ativa concorrente entre o Ministério Público e as
pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por
ato de improbidade administrativa; e

(b) também por arrastamento, a declaração de


inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 14.230/2021.

Declaradas essas invalidades, entendo inexistir qualquer


inconstitucionalidade no § 14 do art. 17, que se aplicará, por coerência e
necessidade lógicas, apenas aos casos em que a pessoa jurídica
interessada não seja a autora da ação por improbidade administrativa.
Por essa razão, há de ser julgado improcedente o pedido quanto ao
dispositivo.

3) Legitimidade para a celebração de acordo de não persecução cível

Quanto ao art. 17-B da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021,


observo que o acordo de não persecução civil, admitido no sistema

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

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ADI 7042 / DF

normativo de combate à improbidade a partir do Pacote Anticrime (Lei


13.964/2019), possibilitou que o Estado brasileiro atingisse os objetivos
preventivos e reparadores da proteção à gestão pública com mais
celeridade e mais eficiência, pautado na consensualidade.

Cabe mencionar, a propósito, que tive a honra de presidir a


Comissão de Juristas à qual fora atribuída a incumbência de elaborar uma
proposta legislativa de combate à criminalidade organizada, cujos
trabalhos resultou na apresentação do Pacote Anticrime à Câmara dos
Deputados.

Expressei, por ocasião da exposição de motivos que lastreou o


projeto de lei em questão, a premente necessidade de atualizar, de forma
racional, os sistemas normativos de responsabilização pessoal, o que
também ocorreu, à época, com a implementação de acordos de não
persecução penal.

No tocante ao objeto enquadrado nesses autos, anoto que o acordo


de não persecução civil insere-se no microssistema de consensualidade
administrativa, edificado, entre outros, a partir das possibilidades
deferidas à Administração Pública de: a) celebrar acordo de leniência no
âmbito da responsabilização de pessoas jurídicas por atos contra o erário
(Lei 12.846/2013); b) criar câmaras de prevenção e resolução
administrativa de conflitos e firmar acordos (Lei 13.140/2015); c) efetivar a
cláusula geral de consensualidade (LINDB); d) firmar transação tributária
(Lei 13.988/2020); e e) procurar meios alternativos para dirimir conflitos
em processos licitatórios (Lei 14.133/2021).

Trata-se, enfim, de instrumento de autocomposição cujo escopo


pretende racionalizar controvérsias administrativas, desde que satisfeitas
algumas condições, tais quais o ressarcimento do dano e a homologação
judicial.

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 62 de 338

ADI 7042 / DF

Em sua redação originária, o art. 17, § 1º, da Lei 8.429/1992 vedava a


transação, acordo ou conciliação nas ações de improbidade
administrativa. A nova redação conferida ao dispositivo pela Lei
13.964/2019 passou a admitir expressamente a celebração de acordo de
não persecução cível. Atualmente, a disciplina da matéria vem traçada no
art. 17-B da Lei de Improbidade Administrativa, que dispõe:

Lei 8.429/1998

Art. 17-B. O Ministério Público poderá, conforme as


circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo de não
persecução civil, desde que dele advenham, ao menos, os
seguintes resultados: (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
I - o integral ressarcimento do dano; (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
II - a reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem
indevida obtida, ainda que oriunda de agentes privados.
(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 1º A celebração do acordo a que se refere o caput deste
artigo dependerá, cumulativamente: (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
I - da oitiva do ente federativo lesado, em momento
anterior ou posterior à propositura da ação; (Incluído pela Lei
nº 14.230, de 2021)
II - de aprovação, no prazo de até 60 (sessenta) dias, pelo
órgão do Ministério Público competente para apreciar as
promoções de arquivamento de inquéritos civis, se anterior ao
ajuizamento da ação; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
III - de homologação judicial, independentemente de o
acordo ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de
improbidade administrativa. (Incluído pela Lei nº 14.230, de
2021)
§ 2º Em qualquer caso, a celebração do acordo a que se
refere o caput deste artigo considerará a personalidade do
agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a
repercussão social do ato de improbidade, bem como as

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 63 de 338

ADI 7042 / DF

vantagens, para o interesse público, da rápida solução do caso.


(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021).
§ 3º Para fins de apuração do valor do dano a ser
ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas
competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros
utilizados, no prazo de 90 (noventa) dias. (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
§ 4º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá
ser celebrado no curso da investigação de apuração do ilícito,
no curso da ação de improbidade ou no momento da execução
da sentença condenatória. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 5º As negociações para a celebração do acordo a que se
refere o caput deste artigo ocorrerão entre o Ministério Público,
de um lado, e, de outro, o investigado ou demandado e o seu
defensor. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 6º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá
contemplar a adoção de mecanismos e procedimentos internos
de integridade, de auditoria e de incentivo à denúncia de
irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de
conduta no âmbito da pessoa jurídica, se for o caso, bem como
de outras medidas em favor do interesse público e de boas
práticas administrativas. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 7º Em caso de descumprimento do acordo a que se refere
o caput deste artigo, o investigado ou o demandado ficará
impedido de celebrar novo acordo pelo prazo de 5 (cinco) anos,
contado do conhecimento pelo Ministério Público do efetivo
descumprimento. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Quanto a esse dispositivo, as associações autoras sustentam os


mesmos vícios suscitados em relação ao caput do art. 17, todos
relacionados à inconstitucionalidade decorrente da exclusão da
legitimidade da pessoa jurídica interessada para celebrar acordos de não
persecução cível.

Também em relação a esse ponto assiste razão aos requerentes.

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ADI 7042 / DF

A coerência e o rigor de raciocínio exigem que, uma vez assentada a


possibilidade de tanto o Ministério Público quanto a Fazenda Pública
deflagrar o contencioso de improbidade, também seja reconhecida a
legitimidade disjuntiva de ambos para a autocomposição.

De fato, uma vez autorizada pela legislação de regência, a


legitimidade para firmar acordo de não persecução civil no contexto do
combate à improbidade exsurge como decorrência lógica da própria
legitimidade para a ação, de modo que, declarada a inconstitucionalidade
parcial do art. 17 da nova LIA, repristinando a concorrência para a
propositura da ação civil pública por improbidade administrativa,
forçoso também será harmonizar a legitimidade para propor o acordo de
não persecução cível.

Afinal, revela-se pouco congruente edificar todo um complexo de


instrumentos consensuais para o Estado evitar a litigação excessiva,
superando o engessamento que o vetor axiológico da indisponibilidade
do interesse público aparentava representar, para, então, relegar sua
participação na iniciativa de propor negócio jurídico em casos de
improbidade envolvendo pessoas físicas.

Essa lógica lastreou, inclusive, as razões do veto presidencial ao art.


17-A da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 13.964/2019, em conjuntura
normativa pretérita na qual a concorrência para deflagrar a ação não se
estendia à legitimidade para propor transação. Transcrevo:

Mensagem 726/2019

A propositura legislativa, ao determinar que caberá ao


Ministério Público a celebração de acordo de não persecução
cível nas ações de improbidade administrativa, contraria o
interesse público e gera insegurança jurídica ao ser
incongruente com o art. 17 da própria Lei de Improbidade
Administrativa, que se mantém inalterado, o qual dispõe que a

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ADI 7042 / DF

ação judicial pela prática de ato de improbidade administrativa


pode ser proposta pelo Ministério Público e/ou pessoa jurídica
interessada leia-se, aqui, pessoa jurídica de direito público
vítima do ato de improbidade. Assim, excluir o ente público
lesado da possibilidade de celebração do acordo de não
persecução cível representa retrocesso da matéria, haja vista
se tratar de real interessado na finalização da demanda, além
de não se apresentar harmônico com o sistema jurídico
vigente.
(https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2019/Msg/VEP/VEP-726.htm)

Tal desarmonia poderia ser identifica já no confronto da previsão


impugnada com a Lei 12.846, que, ao dispor sobre a responsabilização
administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a
administração pública, nacional ou estrangeira, autoriza, em seu art. 16,
“a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública” a “celebrar acordo de
leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática de atos previstos
nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações”. Confira-se:

Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade


pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas
jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei
que colaborem efetivamente com as investigações e o processo
administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:
I - a identificação dos demais envolvidos na infração,
quando couber; e
II - a obtenção célere de informações e documentos que
comprovem o ilícito sob apuração.
§ 1º O acordo de que trata o caput somente poderá ser
celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes
requisitos:
I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre
seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito;
II - a pessoa jurídica cesse completamente seu
envolvimento na infração investigada a partir da data de

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propositura do acordo;
III - a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e
coopere plena e permanentemente com as investigações e o
processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas,
sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu
encerramento.
§2º A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa
jurídica das sanções previstas no inciso II do art. 6º e no inciso
IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa
aplicável.
§ 3º O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da
obrigação de reparar integralmente o dano causado.
§ 4º O acordo de leniência estipulará as condições
necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o
resultado útil do processo.
§ 5º Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às
pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico, de
fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto,
respeitadas as condições nele estabelecidas.
§ 6º A proposta de acordo de leniência somente se tornará
pública após a efetivação do respectivo acordo, salvo no
interesse das investigações e do processo administrativo.
§ 7º Não importará em reconhecimento da prática do ato
ilícito investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada.
§ 8º Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a
pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo
prazo de 3 (três) anos contados do conhecimento pela
administração pública do referido descumprimento.
§ 9º A celebração do acordo de leniência interrompe o
prazo prescricional dos atos ilícitos previstos nesta Lei.
§ 10. A Controladoria-Geral da União - CGU é o órgão
competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do
Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos
praticados contra a administração pública estrangeira.

Como bem realçado pelo Procurador-Geral da República, há, ainda,

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ADI 7042 / DF

uma quase infinidade de diplomas legislativos que são expressos ao


possibilitar que a Fazenda Pública celebre compromissos de ajustamento
de conduta, transações ou acordos para prevenir (caso ainda não
instaurados) ou encerrar (caso já postos em juízo) litígios relacionados à
proteção da probidade administrativa constitucionalmente exigida.

Assim:

Lei 7.347, de 24.7.1985

Art. 5º. […]


§ 6º Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos
interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às
exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de
título executivo extrajudicial.

Lei Complementar 73, de 10.2.1993

Art. 4º - São atribuições do Advogado-Geral da União:


[…] VI - desistir, transigir, acordar e firmar compromisso
nas ações de interesse da União, nos termos da legislação
vigente;

Lei 9.469, de 10.7.1997

Art. 1º O Advogado-Geral da União, diretamente ou


mediante delegação, e os dirigentes máximos das empresas
públicas federais, em conjunto com o dirigente estatutário da
área afeta ao assunto, poderão autorizar a realização de
acordos ou transações para prevenir ou terminar litígios,
inclusive os judiciais.
§ 1º Poderão ser criadas câmaras especializadas,
compostas por servidores públicos ou empregados públicos
efetivos, com o objetivo de analisar e formular propostas de
acordos ou transações.

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ADI 7042 / DF

[…]
§ 4º Quando o litígio envolver valores superiores aos
fixados em regulamento, o acordo ou a transação, sob pena de
nulidade, dependerá de prévia e expressa autorização do
Advogado-Geral da União e do Ministro de Estado a cuja área
de competência estiver afeto o assunto, ou ainda do Presidente
da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, do Tribunal de
Contas da União, de Tribunal ou Conselho, ou do Procurador-
Geral da República, no caso de interesse dos órgãos dos
Poderes Legislativo e Judiciário ou do Ministério Público da
União, excluídas as empresas públicas federais não
dependentes, que necessitarão apenas de prévia e expressa
autorização dos dirigentes de que trata o caput.

Art. 2º O Procurador-Geral da União, o Procurador-Geral


Federal, o Procurador-Geral do Banco Central do Brasil e os
dirigentes das empresas públicas federais mencionadas no
caput do art. 1º poderão autorizar, diretamente ou mediante
delegação, a realização de acordos para prevenir ou terminar,
judicial ou extrajudicialmente, litígio que envolver valores
inferiores aos fixados em regulamento.

Art. 4º-A. O termo de ajustamento de conduta, para


prevenir ou terminar litígios, nas hipóteses que envolvam
interesse público da União, suas autarquias e fundações,
firmado pela Advocacia-Geral da União, deverá conter:
I - a descrição das obrigações assumidas;
II - o prazo e o modo para o cumprimento das obrigações;
III - a forma de fiscalização da sua observância;
IV - os fundamentos de fato e de direito; e
V - a previsão de multa ou de sanção administrativa, no
caso de seu descumprimento.

Lei 13.140, de 26.6.2015

Art. 32. A União, os Estados, o Distrito Federal e os

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ADI 7042 / DF

Municípios poderão criar câmaras de prevenção e resolução


administrativa de conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos
da Advocacia Pública, onde houver, com competência para:
I - dirimir conflitos entre órgãos e entidades da
administração pública;
II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução
de conflitos, por meio de composição, no caso de controvérsia
entre particular e pessoa jurídica de direito público;
III - promover, quando couber, a celebração de termo de
ajustamento de conduta.

De igual modo, portanto, necessária a declaração de


inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 17-B da Lei
8.429/1992, de modo a restabelecer a existência de legitimidade
concorrente entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas
para a celebração de acordo de não persecução civil.

4) Obrigatoriedade da defesa judicial do administrador

A Lei de Improbidade Administrativa, alterada pela Lei 14.230/2021,


passou a imputar a órgãos jurídicos da Fazenda Pública o dever de
defender em juízo o agente público tornado réu em ação de improbidade
caso o ato administrativo caracterizado como ímprobo tenha recebido
parecer jurídico favorável do órgão em questão.

Eis o teor da norma:

Lei 8.429/1998

Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata


esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o
procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março
de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei.
(Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
[…]

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ADI 7042 / DF

§ 20. A assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando


a legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo
administrador público ficará obrigada a defendê-lo
judicialmente, caso este venha a responder ação por
improbidade administrativa, até que a decisão transite em
julgado. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Em síntese, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 7042, a


Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal
– ANAPE combate a higidez formal do objeto sob o argumento de ofensa
à auto-organização e à autonomia dos entes subnacionais, na medida em
que estruturaria e disciplinaria atribuições próprias da advocacia pública
estadual.

A irresignação merece prosperar.

Sob o aspecto puramente formal, tal qual delimitado pela inicial,


vislumbro potencial lesivo capaz de corroer a repartição de competências
que materializam o federalismo brasileiro. Afinal, ao estabelecer a
obrigatoriedade de atuação da assessoria jurídica na defesa judicial do
administrador público, o dispositivo afronta a autonomia dos Estados-
Membros, que titularizam o poder de auto-organização quanto à
disposição da estrutura organizacional e à atribuição dos órgãos da
Advocacia Pública respectiva.

Além disso, embora acolha os argumentos da causa de pedir


desenvolvida pela Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e
do Distrito Federal – ANAPE na ADI 7042, avanço no sentido de
reconhecer a inconstitucionalidade material do dispositivo.

Como se sabe, em nossa Jurisdição Constitucional, o SUPREMO


TRIBUNAL FEDERAL fica condicionado ao pedido, não à causa de pedir
– que é uma “causa de pedir aberta” –, ou seja, analisará a
constitucionalidade dos dispositivos legais apontados pelo autor, mas

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ADI 7042 / DF

poderá declará-los constitucionais ou inconstitucionais por


fundamentação jurídica diferenciada (RTJ 46/352), pois, tal como os
Tribunais Constitucionais austríaco, alemão e português, não está adstrito
aos fundamentos invocados pelo autor, podendo declarar a
constitucionalidade ou inconstitucionalidade por fundamentos diversos
dos expedidos na inicial (KLAUS SCHLAIH. El tribunal constitucional
federal alemán. In: Vários autores. Tribunales constitucionales europeus y
derechos fundamentales. Madri: Centro de Estudios Constitucionales,
1984.p. 161; JORGE MIRANDA. Manual de direito constitucional. 2. ed.
Coimbra: Coimbra Editora, 1988. t. 2, p. 370; J. J. GOMES CANOTILHO.
Direito constitucional e teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina,
1998. P. p. 897; CANOTILHO, J. J. Gomes, VITAL MOREIRA. Constituição
da república portuguesa anotada. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993. p.
1.035).

Não por outra razão, a decisão do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL


que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do
ato normativo em ação direta, além de produzir efeitos vinculantes e erga
omnes, é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos declaratórios,
ficando, assim, vedada a possibilidade de ação rescisória desse julgado
(RTJ 94/49); exatamente, para garantia da segurança jurídica, a partir da
presunção já referida de que, por ser aberta a causa de pedir, a CORTE
SUPREMA deve analisar todos os argumentos relativos à arguição de
inconstitucionalidade.

Consideradas essas premissas, observo que as previsões


estabelecidas no Título IV, Capítulo IV, Seção II, do texto constitucional
romperam a tradição existente da representação judicial do ente federal
ser exercida pelo Ministério Público, transformando-o em defensor da
sociedade e criando uma instituição diretamente ligada ao Poder
Executivo para exercer esse importante mister. É o que prevê o art. 131 da
Constituição Federal:

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é instituição que,

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 72 de 338

ADI 7042 / DF

diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União,


judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei
complementar que dispuser sobre sua organização e
funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento
jurídico do Poder Executivo.
§ 1º A Advocacia-Geral da União tem por chefe o
Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente
da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de
notável saber jurídico e reputação ilibada.
§ 2º O ingresso nas classes iniciais das carreiras da
instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso
público de provas e títulos.
§ 3º Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a
representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional, observado o disposto em lei.

No âmbito Estadual e Distrital, por seu turno, a representação


judicial e a consultoria jurídica dos entes federados competem às
Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, que são órgãos com
perfil delimitado no próprio texto constitucional, como de natureza
essencial à Justiça. Eis o que dispõe o art. 132 da Constituição Federal:

Art. 132. Os procuradores dos Estados e do Distrito


Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá
de concurso público de provas e títulos, com a participação da
Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases,
exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das
respectivas unidades federadas.
Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é
assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício,
mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios,
após relatório circunstanciado das corregedorias.

Como se constata da leitura dos referidos dispositivos


constitucionais, a predestinação constitucional da Advocacia Pública,

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 73 de 338

ADI 7042 / DF

enquanto função essencial à Justiça, identifica-se com a representação


judicial e extrajudicial dos entes públicos.

Muito embora dessas normas não decorra uma proibição absoluta a


que, em caráter extraordinário, a Advocacia Pública atue na
representação do agente público, o fato incontornável é que, ao impor a
obrigação de defender o administrador público exclusivamente em razão
da feitura de um parecer (que, no geral, sequer é vinculante), sem a
consideração de qualquer outro critério relevante, o § 20 do art. 17 da Lei
8.429/1998, incluído pela lei 14.230/2021, transforma a EXCEÇÃO em
REGRA, e, consequentemente, opera um desvirtuamento da conformação
constitucional da Advocacia Pública, tal qual delineados pelo art. 131 e
132 da Constituição Federal.

Além de inconstitucional em si, em razão do referido


desvirtuamento da conformação constitucional traçada pelos arts. 131 e
132 da Constituição Federal, os efeitos decorrentes da aplicação da norma
viabilizariam a ocorrência de cenários de contradição insolúvel, em que
um mesmo órgão legitimado para a propositura de ação por improbidade
encontrar-se-ia obrigado a contradizê-la em juízo, o que poderia acarretar
o desprestígio do interesse público que fundamenta e conforma a atuação
da advocacia de Estado.

Diante do exposto, declaro a inconstitucionalidade parcial, com


interpretação conforme sem redução de texto, do § 20 do art. 17 da Lei
8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, no sentido de que não inexiste
“obrigatoriedade de defesa judicial”.
Ressalvo, todavia, a possibilidade de os órgãos da Advocacia Pública
autorizarem a realização dessa representação judicial, por parte da
assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia dos
atos administrativos praticados pelo administrador público, nos termos
autorizados por lei específica.

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

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ADI 7042 / DF

5) Revogação dos §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 8º, 9º, 10, 12 e 13 do art. 17 da Lei
8.429/1992 (art. 4º, X, da Lei 14.230/2021)

Entre outras modificações promovidas na Lei de Improbidade


Administrativa original, o art. 4º da Lei 14.230/2021 revogou os seguintes
parágrafos do art. 17 da Lei 8.429/1992, que disciplinavam o
encadeamento processual da referida ação.

§ 1º As ações de que trata este artigo admitem a celebração


de acordo de não persecução cível, nos termos desta Lei.

§ 2º A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as


ações necessárias à complementação do ressarcimento do
patrimônio público.

§ 3º No caso de a ação principal ter sido proposta pelo


Ministério Público, aplica-se, no que couber, o disposto no § 3º
do art. 6º da Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965.

§ 4º O Ministério Público, se não intervir no processo


como parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob
pena de nulidade.

§ 8º Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta


dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido
da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da
ação ou da inadequação da via eleita.

§ 9º Recebida a petição inicial, será o réu citado para


apresentar contestação.

§ 10 Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo


de instrumento.

§ 12 Aplica-se aos depoimentos ou inquirições realizadas


nos processos regidos por esta Lei o disposto no art. 221, caput e

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 75 de 338

ADI 7042 / DF

§ 1, do Código de Processo Penal.

§ 13 Para os efeitos deste artigo, também se considera


pessoa jurídica interessada o ente tributante que figurar no polo
ativo da obrigação tributária de que tratam o § 4º do art. 3º e o
art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julgo de 2003.

As alterações em questão foram questionadas de maneira superficial


pelas requerentes, que não desenvolveram a contento a necessária
argumentação para contestar a constitucionalidade da norma revogadora,
deixando de deduzir, quanto a ela, fundamentação jurídica apta a
demonstra as lesões constitucionais invocadas.

Em sendo rigoroso, portanto, considerando ser ônus de indeclinável


observância argumentar consistentemente no pedido inicial,
contrapondo de modo específico as disposições constitucionais tidas por
violadas às que contra essas atentariam, seria o caso de sequer conhecer o
pedido ora analisado ( Nesse sentido: ADI 561, Rel. Min. CELSO DE
MELLO, Pleno, DJ de 23/3/2001; ADI 514, Rel. Min. CELSO DE MELLO,
Decisão monocrática, DJe de 31/3/2008). Na mesma linha: ADI 5.287, Rel.
Min. LUIZ FUX, Pleno, DJe de 12/9/2016; ADI 2.213 MC, Rel. Min. CELSO
DE MELLO, Pleno, DJ de 23/4/2004; ADI 708, Rel. Min. MARCO
AURÉLIO, DJ de 13/3/1998; ADI 259, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Pleno,
DJ de 19/2/1993; e ADI 1.775, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Pleno, DJ
de 18/5/2001).

Nada obstante, com algum esforço hermenêutico, pode-se deduzir


que a impugnação, no ponto, estaria fundamentada na percepção
segundo a qual a revogação das normas constantes da redação originária
da Lei de Improbidade Administrativa estaria de alguma maneira
relacionadas à legitimidade das pessoas jurídicas interessadas para a
propositura da ação de improbidade administrativa, conforme
inicialmente assegurado pelo caput do art. 17 da Lei 8.429/1992.

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 76 de 338

ADI 7042 / DF

Por essa razão, supero o óbice ao conhecimento da ação quanto a


esse pedido. Julgo improcedente o pedido, todavia.

Consoante informações prestadas pelo Senado Federal, a revogação


dos §§ 8º, 9º, 10, 12 e 13 “atende à harmonização legislativa, de forma coerente
com a eliminação da etapa de ‘defesa prévia’” do rito aplicável à ação por
improbidade administrativa, que, nos termos do caput do art. 17, na
redação dada pela Lei 14.230/2021, “seguirá o procedimento comum previsto
na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)”.

Por outro lado, embora os revogados §§ 1º, 2º, 3º e 4º, guardem certa
proximidade com a controvérsia examinada nestas ações de controle de
concentrado de constitucionalidade, os novos parágrafos do atual art. 17
da Lei de Improbidade Administrativa, somados às
inconstitucionalidades parciais declaradas nos itens anteriores, suprimem
completamente a necessidade de se reconhecer quaisquer outras
invalidades, pois:

a) Em relação ao § 1º: a possibilidade de celebração de


acordo de não persecução cível é tratado no art. 17-B da Lei
8.429/1992, na redação dada pela Lei 14.230/2021, sendo
assegurada pela declaração de inconstitucionalidade parcial
que afirmo a existência de legitimidade concorrente entre o
Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a
celebração de acordo de não persecução civil;

b) Em relação ao § 2º: uma vez declarada a


inconstitucionalidade parcial do art. 17 da Lei 8.429/1992, na
redação dada pela Lei 14.230/2021, a viabilidade de a Fazenda
Pública promover as ações necessárias à complementação do
ressarcimento do patrimônio público continua vigente no
ordenamento jurídico;

c) Em relação ao § 3º: existe correspondente normativo


aproximado no atual § 14 do art. 17, na redação dada pela Lei

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 77 de 338

ADI 7042 / DF

14.230/2021, em razão do qual a pessoa jurídica interessada,


quando não seja autora na ação por improbidade
administrativa, será intimada para, caso queira, intervir no
processo; e

d) Em relação ao § 4º: da mesma forma, mesmo declarada


a inconstitucionalidade parcial do art. 17 da Lei 8.429/1992, na
redação dada pela Lei 14.230/2021, a viabilidade de o Ministério
Público intervir no processo de improbidade como fiscal da lei
continua vigente no ordenamento jurídico (CPC, art. 178).

Da improcedência do pedido, portanto, não decorreria qualquer


prejuízo à congruência da sistemática procedimental da ação de
improbidade administrativa caso seja declarado, em definitivo, as
inconstitucionalidades parciais analisadas nos itens anteriores.
Considerada a presunção de constitucionalidade das leis, essa é a
conclusão mais recomendada.

No mesmo sentido, destaco o seguinte excerto do parecer ofertado


pela Procuradoria-Geral da República:

Os antigos §§ 8º, 9º, 10 e 12 do art. 17 da Lei 8.429/1992


diziam respeito a aspectos processuais que não mais se
aplicam, tendo em vista as novas normas (nenhuma delas
referentes à legitimidade ativa). O § 13 considerava pessoa
jurídica interessada “o ente tributante que figurar no polo ativo
da obrigação tributária de que tratam o § 4º do art. 3º e o art. 8º-
A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003”. Sua
revogação em nada restringe a legitimidade para a propositura
da ação por ato de improbidade administrativa, até porque os
§§ 5º, 6º e 7º do art. 1º da Lei 8.429/1992 são bem amplos ao
delimitar o campo de proteção da lei, não deixando de fora
nada que se possa entender como patrimônio público.
O revogado § 3º do art. 17 da Lei 8.429/1992, por sua vez,
encontra substituto vigente no § 14 do mesmo artigo, já

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 78 de 338

ADI 7042 / DF

tratado neste parecer. Como explicado, a partir da declaração


de inconstitucionalidade, sem redução de texto, do caput do art.
17, a redação do § 14 não significa a ausência de legitimidade
ativa da Fazenda Pública.
A revogação dos §§ 2º e 4º do referido artigo também não
incorre em inconstitucionalidade, pois as normas neles
contidas continuam, de uma maneira ou de outra, vigentes no
ordenamento jurídico. Não é porque o § 2º foi revogado que a
Fazenda Pública está, a partir de agora, impedida de “promover
as ações necessárias à complementação do ressarcimento do
patrimônio público”.
Uma vez declarada a inconstitucionalidade do caput do
art. 17, como já se propôs, enquanto houver dano ao erário,
haverá possibilidade de a Fazenda Pública buscar em juízo seu
ressarcimento integral. Quanto ao § 4º, a intervenção do
Ministério Público como fiscal da lei também está prevista no
art. 178 do CPC (a propósito, a ação de improbidade
administrativa “seguirá o procedimento comum previsto na Lei
nº 13.105, de 16 de março de 2015”).
Por fim, o revogado § 1º do art. 17 da Lei 8.429/1992
preceituava que “as ações de que trata este artigo admitem a
celebração de acordo de não persecução cível, nos termos
desta Lei”. O tema é tratado na nova versão da lei, mais
precisamente no art. 17-B, com muito maior detalhamento,
inclusive. A revogação decorreu de mera técnica legislativa.
Como se verá a seguir, a discussão sobre a legitimidade da
Fazenda Pública para a celebração de acordos de não
persecução cível resolve-se no âmbito do próprio art. 17-B,
sem necessidade de resgate do § 1º do art. 17 (que, de resto,
pouco enunciava).

III – DISPOSITIVO

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE os


pedidos para:

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 79 de 338

ADI 7042 / DF

(a) declarar a inconstitucionalidade parcial, com


interpretação conforme sem redução de texto, do caput e dos §§
6º-A e 10-C do art. 17, assim como do caput e dos §§ 5º e 7º do
art. 17-B, da Lei 8.429/1992, na redação dada pela Lei
14.230/2021, de modo a restabelecer a existência de legitimidade
ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as
pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por
ato de improbidade administrativa e para a celebração de
acordos de não persecução civil;

(b) declarar a inconstitucionalidade parcial, com


interpretação conforme sem redução de texto, do § 20 do art. 17
da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, no sentido de
que não inexiste “obrigatoriedade de defesa judicial”; havendo,
porém, a possibilidade de os órgãos da Advocacia Pública
autorizarem a realização dessa representação judicial, por parte
da assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a
legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo
administrador público, nos termos autorizados por lei
específica.

(c) declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 14.230/2021.

Em consequência, declaro a constitucionalidade: (a) do § 14 do art.


17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021; e (b) do art. 4º, X, da
Lei 14.230/2021.

É o voto.

62

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24/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

APARTE

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Vossa Excelência me


permite uma observação?

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) -


Lógico.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - O que Vossa


Excelência está afirmando basicamente é que a Constituição não
estabeleceu, nem é no Brasil tido como válido, que o Ministério Público
seja senhor único da probidade administrativa. Ou seja, não sendo o
senhor único da probidade administrativa, que é princípio de toda a
Administração Pública, todas as entidades da Federação têm o dever,
portanto - quem dá os fios, dá os meios -, de fazer com que ela valha.
Basicamente, Vossa Excelência está fundamentando que o Ministério
Público não é senhor absoluto da probidade administrativa, que é direito
de todo cidadão um governo honesto. É isso?
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) -
Exatamente.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Obrigada.


O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) -
Ministra Cármen, veja que o próprio Ministério Público concorda com
isso, como disse o eminente Procurador-Geral da República. E
diferentemente das outras ações, em que nós tivemos, como amicus curiae,
diversos Procuradores-Gerais defendendo os posicionamentos dos
Ministérios Públicos, nesta ação não há nenhum pedido de amicus curiae
por parte das Procuradorias Gerais, porque nunca defenderam uma
exclusividade no combate à improbidade administrativa.
A Constituição dá somente ao Ministério Público o inquérito civil,

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Supremo Tribunal Federal
Aparte

Inteiro Teor do Acórdão - Página 81 de 338

ADI 7042 / DF

mas não deu ao Ministério Público a exclusividade da ação civil.


Como Vossa Excelência bem disse, não transformou o Ministério
Público no senhor absoluto do combate, ou não, à improbidade
administrativa, relegando à Advocacia Pública, que tem o dever, o dever
constitucional de proteção do patrimônio do ente federativo, município,
estado ou União, relegando a um plano - eu não diria nem secundário - a
um plano terciário, tão somente podendo pedir ao Ministério Público
para defender, ou não, o seu próprio patrimônio.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - É porque, como


Vossa Excelência afirma, Ministro, há uma lógica constitucional. O
espírito da Constituição é de que o princípio é da probidade, combate-se
a improbidade. Então, para os estados, que têm a obrigação de cumprir o
princípio da moralidade, portanto os administradores de serem probos,
há ações como essa. E, para o cidadão que tem direito ao governo
honesto, há a garantia fundamental da ação popular. Então, na verdade,
há um sistema de garantias. A garantia do ente da federação e das
entidades, pelas Procuradorias, pela Advocacia Pública, e o Ministério
Público, que atua exatamente no sentido da sociedade, mas cada cidadão
pode entrar com ação popular, inclusive para defender o princípio da
moralidade.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) -
Exatamente. E nós ficaríamos, Ministra Cármen, numa situação estranha,
em prevalecendo a alteração legislativa. O cidadão, o eleitor, pode entrar
com ação popular, o Ministério Público com ação civil, e a Advocacia
Pública, em defesa do ente federativo, com nada.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Que tem o dever,


pelo art. 130.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) -
Não poderia entrar com a ação popular, porque a ação popular é do
eleitor, e não poderia entrar com a ação por improbidade administrativa.
Obviamente, não seria de uma constitucionalidade maior.

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Aparte

Inteiro Teor do Acórdão - Página 82 de 338

ADI 7042 / DF

Eu cito, aqui, precedentes antigos, mais antigos, de 2000, e mais


recentes, de 2020, um de relatoria do eminente Ministro Ilmar Galvão,
outro de relatoria do nosso Presidente, Ministro Luiz Fux, com 20 anos de
diferença, mas ambos reafirmando a mesma coisa, que a legitimação do
Ministério Público, no caso da ação civil, é extraordinária e jamais
poderia afastar a iniciativa do próprio ente público interessado. Diz isso,
lá em 2000, o Ministro Ilmar Galvão e, depois de 20 anos, a mesma coisa,
o Ministro Luiz Fux.
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (PRESIDENTE) - Ministro
Alexandre, se Vossa Excelência me permitir.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) -
Presidente, por favor.
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (PRESIDENTE) - Nós
teríamos que partir, como foi sugerido pelo Doutor Gustavo, para uma
ação inominada, no mínimo.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) - E
o pior, uma ação inominada que poderia até obter o ressarcimento ao
Erário, mas não conseguiria propor as sanções de improbidade.
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (PRESIDENTE) – Perda da
função pública, por exemplo.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) -
Então, realmente ficaria um sistema protetivo capenga. Obviamente, além
de inconstitucional, capenga.

Publicado sem revisão. Art. 95 do RISTF.

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Revisão de Apartes

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24/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

APARTE
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Apenas para observar,
Senhora Presidente e eminente Ministro-Relator, que aqui chegar-se-ia, e
Vossa Excelência utilizou o vocábulo atinente à esquizofrenia, a uma
posição efetivamente contraditória, porque ao mesmo órgão poderia ser
imputada a defesa e ser ele o propositor da demanda, ou quem o
representa. Até porque a atuação prioritária dos advogados públicos é a
defesa do Erário.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) -
Exatamente, por isso, Ministro Fachin, eu disse que era um pacote que,
num artigo, retirou do polo ativo e, não bastasse isso, obrigou a fazer
parte do polo passivo, no mínimo, como assistente de defesa.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - É, mas como Vossa


Excelência disse, na elegância que lhe é peculiar, "Era para atar as
procuradorias". Era para amedrontar os procuradores, porque com medo
ele não daria pareceres. Ou ele ficaria achando que ele estaria sujeito. Ou
seja, toda a construção da independência dos procuradores, para que as
carreiras fizessem com que se tivesse compromisso com a coisa pública,
cairia por terra, porque realmente se introduz ali a possibilidade de ele
ser imputado por alguma coisa, não é isso, Ministro Fachin?
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - É isso.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Na verdade, é muito


isso. O verbo seria esse. Pretende-se criar um clima. Aquilo que o
Ministro Dias Toffoli falou em seu voto, que os agentes públicos
passaram a ter receio pelas ações de improbidade, agora passou-se o
receio para o próprio procurador.

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) - E


nós mesmos já tivemos oportunidade de decidir - e há um caso ainda

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 1E9D-AEF3-196D-8589 e senha 197F-3D38-6324-FAFB
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Revisão de Apartes

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ADI 7042 / DF

pendente em relação à independência e autonomia dos advogados


públicos e procuradores - que, obviamente, salvo a comprovada má-fé ou
um conluio com o agente público na emissão do parecer, não pode ser
responsabilizado pelo seu parecer, porque o parecer não é vinculativo. E
aqui, como Vossa Excelência disse, Ministra Cármen, realmente, o que
acabaria gerando é um receio de atuação. Impede a Fazenda Pública e as
Procuradorias de entrarem com a ação e exige que se defenda o agente
acusado de improbidade. Obviamente que se estaria desrespeitando mais
um artigo, o art. 132 da Constituição.

Publicado sem revisão. Art. 95 do RISTF.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
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Aparte

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24/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

APARTE
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Apenas para observar,
Senhora Presidente e eminente Ministro-Relator, que aqui chegar-se-ia, e
Vossa Excelência utilizou o vocábulo atinente à esquizofrenia, a uma
posição efetivamente contraditória, porque ao mesmo órgão poderia ser
imputada a defesa e ser ele o propositor da demanda, ou quem o
representa. Até porque a atuação prioritária dos advogados públicos é a
defesa do Erário.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) -
Exatamente, por isso, Ministro Fachin, eu disse que era um pacote que,
num artigo, retirou do polo ativo e, não bastasse isso, obrigou a fazer
parte do polo passivo, no mínimo, como assistente de defesa.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - É, mas como Vossa


Excelência disse, na elegância que lhe é peculiar, "Era para atar as
procuradorias". Era para amedrontar os procuradores, porque com medo
ele não daria pareceres. Ou ele ficaria achando que ele estaria sujeito. Ou
seja, toda a construção da independência dos procuradores, para que as
carreiras fizessem com que se tivesse compromisso com a coisa pública,
cairia por terra, porque realmente se introduz ali a possibilidade de ele
ser imputado por alguma coisa, não é isso, Ministro Fachin?
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - É isso.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Na verdade, é muito


isso. O verbo seria esse. Pretende-se criar um clima. Aquilo que o
Ministro Dias Toffoli falou em seu voto, que os agentes públicos
passaram a ter receio pelas ações de improbidade, agora passou-se o
receio para o próprio procurador.

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) - E


nós mesmos já tivemos oportunidade de decidir - e há um caso ainda

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ADI 7042 / DF

pendente em relação à independência e autonomia dos advogados


públicos e procuradores - que, obviamente, salvo a comprovada má-fé ou
um conluio com o agente público na emissão do parecer, não pode ser
responsabilizado pelo seu parecer, porque o parecer não é vinculativo. E
aqui, como Vossa Excelência disse, Ministra Cármen, realmente, o que
acabaria gerando é um receio de atuação. Impede a Fazenda Pública e as
Procuradorias de entrarem com a ação e exige que se defenda o agente
acusado de improbidade. Obviamente que se estaria desrespeitando mais
um artigo, o art. 132 da Constituição.

Publicado sem revisão. Art. 95 do RISTF.

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Antecipação ao Voto

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24/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO ANDRÉ MENDONÇA:


Minha saudação, Senhor Presidente! Cumprimentos a Vossa
Excelência, ao eminente Ministro Relator Alexandre de Moraes pelo
brilhante voto já trazido ao Plenário, para conhecimento e avaliação das
teses de cada qual, certamente, considerando vários aspectos, penso, à luz
até de algumas manifestações, os próprios fundamentos já trazidos por
Sua Excelência.
Meus cumprimentos à eminente Ministra Rosa Weber e, de modo
especial, à eminente Ministra Cármen Lúcia, felicitando-a pela eleição,
agora, como titular no Tribunal Superior Eleitoral. Meus votos de sucesso
e pleno êxito no exercício da missão jurisdicional naquele importante
Tribunal.
Meu cumprimento aos demais colegas, ao eminente Procurador-
Geral da República e aos nobres Advogados, que já abrilhantaram e
fizeram grandes sustentações orais na tribuna, Servidores e Servidoras.
Em termos de preliminar, em função das alegações de ilegitimidade
ativa das associações autoras das correspondentes ações diretas, eu
reitero e, na íntegra, trago no meu voto as razões que são basicamente
adesivas ao já trazido pelo eminente Ministro Alexandre de Moraes, razão
pela qual conheço das ações diretas e passo ao exame do mérito da
questão.
Eu peço um pouco de paciência aos eminentes Pares. Não serei,
talvez, tão breve, nem não tão alongado. Mas não tão breve, como o
eminente Ministro Alexandre de Moraes, ainda que registre minha
aderência in totum à tese ou às conclusões e dispositivos por Sua
Excelência lançados.
Meu motivo de tomada de tempo é em função até da relevância que,
sob a minha ótica, acompanha a discussão que é tratada no âmbito dessas
ações diretas de inconstitucionalidade.

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ADI 7042 / DF

Como já dito, basicamente, são duas questões. Uma envolve a


legitimidade ativa do Estado, em todas as suas esferas, para a propositura
da ação de improbidade. Um segundo aspecto da controvérsia
jurisdicional e constitucional diz respeito à obrigatoriedade da defesa, por
parte da Advocacia Pública, de um modo geral, em relação a agentes
acusados de improbidade em função de eventual parecer, no âmbito da
consultoria jurídica, que tenha, de algum modo, respaldado a prática de
uma determinada conduta administrativa que, ao final ou em um
determinado momento, venha a ser questionada em função de um
possível ato ímprobo.
No que tange ao primeiro ponto, eu queria, em reforço também ao
que já colocado pelo eminente Ministro Alexandre de Moraes, consignar
que a defesa da probidade constitui um princípio constitucional, como
nós já havíamos trazido, na última sessão, quando discutíamos o
julgamento anterior. Ele é uma derivação ou uma qualificação do próprio
princípio da moralidade administrativa. Não é sem razão que ele integra
o próprio art. 37, senão no caput, no âmbito do § 4º, até para trazer uma
melhor especificidade às consequências de uma infração à moralidade
administrativa qualificada.
Dentro dessa perspectiva, o art. 37, caput, ao se referir aos princípios
da Administração Pública, diz que essa mesma Administração deverá,
imperativamente, obedecer a esses princípios. Se ela deve obedecer, ela
deve prevenir; se ela deve prevenir, ela deve zelar – como faz-se
referência também ao art. 23, inc. I, que todos os entes da Federação
devem zelar pela Constituição, pelas leis e pelo patrimônio público. E
leia-se, por óbvio, sob a minha perspectiva, patrimônio público em sua
ampla extensão, até porque não haveria razão de haver um ente da
Administração Pública que tivesse que defender e zelar o patrimônio
público numa extensão que não correspondesse à integralidade do que
venha a ser patrimônio público. Ou seja, não é simplesmente o
patrimônio mensurável financeiramente, este também, não são só os bens
públicos, é o patrimônio público em toda a sua magnitude. Em função
desse mandamento constitucional, especifica-se no § 4º do art. 37 a

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ADI 7042 / DF

indispensável garantia da probidade administrativa.


E como é que a Constituição especificou essa garantia? Mediante o
risco de os agentes que praticarem atos de improbidade terem de
suportar uma ação judicial que pode levar a consequências sancionatórias
ali especificadas – perda do cargo, suspensão de direitos políticos,
perdimento de bens, proibição de contratação com a Administração
Pública. Ou seja, em função desse dever de zelo pela probidade, que traz
uma correspondente garantia para o cidadão de uma Administração
Pública proba, honesta, íntegra, que respeite esses mesmos princípios,
torna-se imperiosa, como consequência, a garantia dos meios
correspondentes para que esse mesmo Estado garanta, seja no âmbito
simplesmente de gestão pública, seja no âmbito que a Constituição, e não
o administrador, ou nenhum de nós, elegeu, de acionamento e persecução
judicial de um possível ilícito de improbidade administrativa.
Nesse sentido, trago à colação alguns textos de doutrina. Permitam-
me brevemente citar a professora da Universidade de São Paulo Maria
Sylvia Zanella Di Pietro, que trata do assunto, que, ao se referir ao art. 37,
caput, diz que "são princípios autônomos, como o da legalidade e o da
moralidade". E, no § 4º, o mesmo dispositivo traz, como princípio, punir
os atos de improbidade administrativa.
Essa é uma função – a persecução dos ilícitos de improbidade –
típica de quem? Do Ministério Público? Não. Também do Ministério
Público, como legitimado extraordinário, mas como legitimado ordinário,
da própria Administração Pública.
Até porque, não fosse da Administração Pública, esse dispositivo
teria que estar no rol do art. 129, que trata das atribuições do Ministério
Público. Está no capítulo próprio da Administração Pública, porque o
primeiro agente, ou o primeiro ente, ou o primeiro órgão que deve fazer
valer essa persecução do ilícito é a própria Administração Pública.
Trago à colação ensinamentos do Professor José Afonso da Silva – o
próprio Ministro Alexandre fez referência ao mesmo professor –, diz ele
que "a improbidade é uma imoralidade qualificada e que, ao mesmo
tempo, deve ser tratada, portanto, com um maior rigor e garantida pela

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ADI 7042 / DF

própria Administração Pública".


Diante disso, precisamos refletir sobre quem está legitimado para
representar essa Administração Pública. E a Constituição de 88 inova ao
trazer, além de um regramento específico em relação ao Ministério
Público, uma bipartição das atribuições, que até então eram exclusivas no
âmbito federal ao Ministério Público Federal, com a Advocacia-Geral da
União. E, no âmbito dos estados, com as respectivas Procuradorias
Estaduais.
Além de atribuir à Advocacia Pública o poder de representar
judicialmente o ente público, a Constituição foi além e, no art. 129, inc. IX,
vedou expressamente ao Ministério Público exercer esse tipo de
representação.
Em outras palavras, não só o Ministério Público, nas ações
extrapenais. E eu não vou nem entrar aqui na questão da natureza
jurídica dessa ação, na minha opinião, civil. Por quê? Porque a mesma Lei
de Improbidade, embora faça referência a uma natureza não civil, depois
fala em aplicação do Código de Processo Civil, em acordo de não
persecução civil. Mas, ainda que não haja um consenso sobre a natureza
civil, me parece claro, porque isso decorre do próprio § 4º do art. 37, que
não é uma ação penal. Se não é uma ação penal, a legitimidade do
Ministério Público só pode ser extraordinária. Por quê? Porque o art. 129,
inc. IX, veda a representação, por parte do Ministério Público, do
legitimado ordinário, que é o ente público.
Assim, estabelecidas essas balizas, é importante, então, fazer um
cotejo entre essas representações e essa legitimidade ordinária e
extraordinária.
Trago, Senhor Presidente – e penso que é, talvez, o mesmo
precedente já trazido pelo eminente Ministro Alexandre de Moraes –,
voto de Sua Excelência quando do julgamento do Tema nº 561, quando
Sua Excelência faz essa distinção de que, no âmbito não penal, o
Ministério Público detém legitimação extraordinária e não legitimação
ordinária.
Dito isso, constitucionalmente, a quem foi incumbida a

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ADI 7042 / DF

representação da Administração Pública? À Advocacia Pública. A quem


foi incumbida, em primeiro grau, a defesa e a garantia da probidade? À
Administração Pública, que, nos termos da Constituição, deve zelar pela
boa governança, pelo cumprimento da Constituição, das leis e do próprio
patrimônio. O que, logicamente, inclui os princípios da moralidade e da
probidade administrativa. Daí, que a esta Administração Pública deve ser
garantido o direito de acesso à Justiça.
A pergunta é: a lei ordinária pode vedar à vítima do dano o direito
de acesso à Justiça, ou à vítima do ilícito, de modo mais específico, o
direito de acesso à Justiça? Entendo que não.
O parecer já referenciado, também da lavra da Procuradoria-Geral
da República, penso que bem esclarece esse ponto. Trata da questão da
legitimidade ordinária, da legitimidade extraordinária do Ministério
Público e trata da questão de que se retirar, por lei, o poder, o direito do
legitimado ordinário de propor a ação correspondente para qual a
Constituição o incumbiu do dever de zelar, ofenderia o acesso à justiça
que está esculpido no art. 5º, inc. XXXV, da nossa Constituição. Enfim,
não se pode, com a devida vênia de eventuais posicionamentos em
contrário, se negar à vítima, que é o primeiro obrigado a zelar pela
probidade, o direito de acesso à Justiça.
O Professor Canotilho, em sua obra clássica, ao tratar do princípio
da proteção jurídica e das garantias processuais, afirma que esse direito
de acesso tem como sentido nuclear o da proteção judicial dos direitos,
que é a garantia dos direitos fundamentais, o qual só pode ser efetivado
quando, no caso de violação desses direitos, houver uma instância
independente. Ou seja, havendo violação do direito de Administração
Pública, ter uma administração proba, deve ser garantida a essa mesma
Administração a tutela judicial correspondente.
Além disso, trago algumas considerações sobre a teoria dos poderes
implícitos. A Ministra Cármen, em uma de suas referências na primeira
parte da sessão, usou basicamente a expressão: “se foi dada a obrigação,
têm de ser dados os meios correspondentes para o cumprimento dessa
obrigação”. E quando estou tratando de questões de ilícitos, "meios

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ADI 7042 / DF

correspondentes" significa garantir com que, em eventual infração do


ilícito, o poder estatal possa exercer a persecução desse ilícito.
O Ministro Celso de Mello, quando do voto no Habeas Corpus nº
85.419/RJ, julgado no ano de 2009, dia 20 de outubro, faz referência a essa
teoria, citando precedente da própria Suprema Corte dos Estados Unidos,
e consigna no voto que: "(...) deve-se ter presente, a partir dessa técnica
lógico-racional fundada na teoria jurídica dos poderes implícitos, para,
assim, conferir eficácia real ao conteúdo e ao exercício de dada
competência constitucional".
Se a Administração Pública tem competência constitucional de zelar
e garantir a probidade, tem que lhe ser garantida também a competência
para que essa probidade seja efetiva em todas as suas dimensões.
Há vários precedentes do Supremo que tratam dessa questão dos
poderes implícitos. Ainda no âmbito desses precedentes, o mesmo voto
do eminente Ministro Celso de Mello diz: "A questão, portanto, é saber da
legitimidade quanto ao fim que se tem em mira. Verificada a legitimidade deste
fim, todos os meios que forem apropriados a ele, todos os meios que a ele forem
claramente adaptáveis, todos os meios que não forem proibidos pela Constituição,
implicitamente se têm concedido ao uso da autoridade a quem se conferiu o
poder."
Dentro dessa perspectiva dos poderes implícitos, faço referência ao
seguinte: mesmo em relação ao manejo da ação penal pública, em relação
ao qual o Ministério Público é o privativo para sua propositura, a
Constituição expressou como um direito fundamental à vítima do ilícito a
admissão da propositura da ação penal privada subsidiária da pública.
Ou seja, mesmo quando a Constituição confere privatividade ao
Ministério Público, não se retirou da vítima a possibilidade da ação penal
privada subsidiária da pública, diferentemente do que foi feito na
legislação que ora está em debate sobre a sua pretensão de
constitucionalidade e validez.
Ora, se mesmo no âmbito penal assim o foi, não há como afastar da
vítima direta do ato ímprobo a legitimidade para postular em juízo a
respectiva responsabilização adequada pelo ilícito, o que, no caso, se dá

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pelo manejo da ação de improbidade. E, como já dito da tribuna, se não


for a ação de improbidade, alguma outra ação, ainda que inominada,
precisa ser garantida.
Eu queria me deter um pouco, talvez, em um aspecto que foi trazido
em alguma medida pelo eminente Ministro Alexandre de Moraes, que
trata do princípio da eficiência. Algumas semanas atrás, quando
discutíamos o trâmite dos inquéritos policiais, num caso em que o
eminente Ministro Alexandre de Moraes é o Relator, antecipou seu voto o
eminente Ministro Ricardo Lewandowski, abrindo uma divergência. Eu
acompanhei essa divergência no meu voto, entendendo pela necessidade
de participação do juiz também nas etapas correspondentes ao inquérito.
Fiz questão de pontuar que há uma tensão sempre presente quando me
refiro a direito sancionador de modo geral, a relação entre eficiência e
garantias. Na oportunidade, disse que sempre no Direito sancionador há
uma tensão pela busca da eficiência, de outro lado, há também uma
tensão na busca do maior nível possível de garantia.
Entendo, como também já fiz referência, que todos nós somos
garantistas ou devemos ser garantistas, até porque significa, na sua
máxima expressão, no âmbito do processo ainda de modo específico, as
garantias processuais insculpidas no próprio art. 5º da Constituição.
Ainda que haja essa tensão, como também por vezes há tensão no
binômio desenvolvimento-sustentabilidade, deve-se buscar, na medida
do possível, garantir a eficiência sem prejudicar, de outro lado, a questão
das garantias.
O fato é que eu me pergunto: retirar a atribuição do ente público
afeta as garantias processuais? Não, as garantias processuais precisam ser
verificadas no curso do processo: se há contraditório, se há ampla defesa,
se houve abuso, quem abusou vai ser responsabilizado. Por isso há um
controle judicial, por isso há um juízo de admissibilidade de uma ação de
improbidade. Por isso, se houver abuso, é crime, pode ser abuso de
autoridade. Então, há uma série de mecanismos legais estabelecidos para
a garantia.
E vou além. A própria lei, como foi alterada, traz inúmeros

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instrumentos de garantia. A prescrição intercorrente trazida, por


exemplo, é um instrumento forte de garantia e de justiça do processo.
Então, atribuir-se ou não, tirar-se ou não a legitimidade não é uma
questão que afete a garantia, mas afeta diretamente a questão da
eficiência. Robert Klitgaard, em seu célebre e referenciado livro
Controlling corruption – Ministro Fux, Vossa Excelência que é um
estudioso da análise econômica do Direito –, analisa a corrupção desde a
perspectiva econômica. Penso que ele e a Professora Rose-Ackerman são
os maiores expoentes dessa vertente doutrinária. Nesse livro Controlando
a corrupção, ele traz um cálculo ou apresenta uma fórmula da corrupção. E
ele diz que a corrupção é igual ao monopólio mais a discricionariedade
menos a accountability. Ou seja, diz Robert Klitgaard: "se eu monopolizo a
atribuição do Estado num único órgão, eu potencializo a corrupção; se eu
diminuo a accountability, eu potencializo a corrupção".
E o que buscou o legislador? Monopolizar a persecução da
improbidade administrativa. Ao assim fazê-lo, automaticamente,
aumentou-se o risco de incremento da corrupção e de não prevenção da
improbidade. Isso é um dado matemático, nós podemos concordar em ter
legitimidade, não ter legitimidade, mas é um dado matemático. E eu vou
tentar demonstrar até um pouco porque que é matemático.
O mesmo Robert Klitgaard afirma que o monopólio privado, assim
como o monopólio público, produz ineficiência. Também, talvez seja um
princípio consensual no âmbito da economia. Monopólio tende, se não na
sua plenitude, a gerar ineficiência. E ele diz isso tanto no ambiente
público como no ambiente privado. Em outras palavras, monopólio
produz improdutividade, ineficiência e incrementa a corrupção.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - É realmente


matemático o raciocínio de Vossa Excelência.

O SENHOR MINISTRO ANDRÉ MENDONÇA:


É uma fórmula matemática.

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ADI 7042 / DF

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Quanto mais


nós estivermos legitimados ao combate à corrupção, mais eficiente será
esse combate. Se o Estado coloca à disposição órgãos de combate à
corrupção, esse combate se torna muito mais eficiente do que reduzir a
um player só essa legitimação.

O SENHOR MINISTRO ANDRÉ MENDONÇA:


É isso. Esse é o cálculo dele.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Então a opção seria


fazer uma ação popular.

O SENHOR MINISTRO ANDRÉ MENDONÇA:


A ação popular já prevê, em grande medida, isso. Eu não sei se a
opção seria a ação popular.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Por esse raciocínio


seria isso.

O SENHOR MINISTRO ANDRÉ MENDONÇA:


Não. Nesse raciocínio, seria confiar nas instituições públicas e se
punir os agentes que abusarem dessa prática, sob a minha ótica. O que se
faz nessa perspectiva de aumentar a accountability e, aí sim, de modo
muito efetivo, é aumentar transparência, porque o cidadão acompanha de
modo mais efetivo a atuação administrativa.
E a solução, na minha ótica, é não só garantir-se que quem tem o
dever de ser probo e garantir a probidade faça a persecução
correspondente e – acho que esse Supremo Tribunal Federal tem um
papel importante nisso – quando houver abuso se faça também a
persecução correspondente dos abusos.
O próprio Klitgaard – e isso não é privilégio nacional – diz que o
problema de eventuais abusos e arbitrariedades na persecução da
corrupção existe em todo lugar no mundo, e a solução não é reduzir as

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ADI 7042 / DF

políticas de garantia da probidade, é criar mecanismos cada vez mais


seguros.
E, por isso, por exemplo, quando se discutia – eu era ainda
Advogado-Geral da União, Senhor Presidente, e o Presidente da
República nos chama a mim, ao então Ministro da Justiça, ao
Controlador-Geral da União e ao Subchefe de Assuntos Jurídicos – sobre
a sanção ou veto de dispositivos da Lei de Abuso de Autoridade. E eu fui
um defensor porque, se é verdade que se deve garantir a probidade, não
se deve compactuar com os abusos. Não são relações excludentes, sob a
minha ótica.
De modo até mais específico, pedindo vênia, Ministro Gilmar, para
fazer um registro histórico e elogiável, da minha parte, a primeira ação de
improbidade que a AGU propôs, na sua história, foi sob a gestão de Vossa
Excelência, certamente dentro de parâmetros de responsabilidade. Isso
não significa que Sua Excelência, necessariamente, vai ter uma votação
consentânea com a minha defesa hoje ou com a defesa do eminente
Relator, mas, para fins históricos, registro que Sua Excelência cumpriu o
que estava disposto na lei.
Faço um outro registro histórico. Quando ingressei na AGU como
advogado da União, já era ministro o Ministro Gilmar Mendes. Tenho a
honra de ter minha carteira, como advogado da União, assinada, até hoje,
por Sua Excelência, assim como também tive o privilégio de ter, como
Advogado-Geral da União, Sua Excelência o Ministro Dias Toffoli. E não
digo isso por soltar palavras ao vento, mas por reconhecimento, não só
meu, mas acho que de grande parte da instituição, de que foram os dois
grandes advogados-gerais que nós tivemos, dando dinamismo e
modernidade à instituição.
No ano de 2008, quando Sua Excelência o Ministro Dias Toffoli era o
Advogado-Geral da União, a AGU passava por um momento de crise
justamente no que tange à persecução dos ilícitos e era muito criticada na
imprensa da época, que dizia que a AGU só recuperava 1% do que
cobrava. O Ministro Dias Toffoli, então, estrutura um departamento e me
nomeia para ser diretor desse departamento de patrimônio e probidade.

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ADI 7042 / DF

Dessa estrutura, em 2008, 2007, se recuperava 1%, chegou-se a 2011


recuperando-se 15%.
E pairava uma discussão na instituição sobre a forma da atuação da
Advocacia-Geral da União. Sempre foi consenso interno que não
queríamos ser o Ministério Público, porque a modulação institucional do
Ministério Público, pensávamos enquanto éramos advogados da União,
não se modulava às necessidades da Advocacia Pública.
Essa cartilha é do ano de 2012. Por que eu trago isso? Para
demonstrar os impactos da questão da eficiência. Se, em 2008, a AGU era
criticada, em 2012, todas as mensagens presidenciais encaminhadas ao
Congresso fazem referência a esse trabalho, o Tribunal de Contas faz uma
menção elogiosa à Advocacia-Geral da União, o Departamento de Estado
Americano, numa análise de mais de 120 países, faz uma referência
elogiosa à Advocacia-Geral da União e, no âmbito das Nações Unidas, a
Advocacia-Geral da União é mencionada como uma boa prática na
atuação desses ilícitos. Isso está na página 7. Em 2011, recebe o Prêmio
Innovare; Ministro Jorge Hage, página 10: "representa uma nova postura
da União"; Ministro Zymler: "já não se pode falar, como no passado, em
recolhimento irrisórios"; MP junto ao TCU: "quebra de paradigma";
Desembargadora Salise: "prática inovadora"; Professor Francisco Razzo,
Ministra Cármen, Pró-reitor da Escola Superior Dom Helder Câmara:
"atuação tão importante para a sociedade".
Constituíram-se princípios para se evitar abuso (esses princípios
estão normatizados até hoje na instituição), página 15, XII:
A atuação do Advogado da União deve ser pautada pela consciência
da sua função institucional, devendo zelar pela qualidade e pela
eficiência do seu trabalho, bem como devendo evitar demandas
temerárias, desproporcionais e infundadas.
Aí há alguns números.
As associações que representam os membros da instituição
trouxeram outros dados, e eu considero importante fazer referência ao
que a Procuradoria-Geral Federal trouxe. Por que o que acontece na
prática? A AGU não fica investigando. Ela recebe a documentação dos

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órgãos públicos – Corregedoria da Receita, Controladoria-Geral da


União, Corregedoria do INSS, Corregedoria dos Ministérios,
eventualmente, a própria Polícia Federal – e passa a dar um tratamento
àquelas informações.
E me chamaram a atenção os dados da PGF. A Procuradoria-Geral
Federal recebeu das autarquias, em 2017, 887 processos com indicativos
de improbidade, 329 ações ajuizadas, 558 processos arquivados (a maioria
é arquivada); 2018: de 772 processos, 217 ajuizados, 555 arquivados; 2019:
de 551 processos, 160 ajuizados, 391 arquivados; 2020: de 487 processos,
197 ajuizados, 290 arquivados. Na verdade, arquiva-se e faz-se uma
análise criteriosa. E, dentro desses critérios, o arquivamento significa um
ponto de tranquilidade para aquele que, de certa forma, teve um
apontamento de possível improbidade.
Eu não gosto de pontuar muito atuações. Doutor Aras, nós vamos ter
atuações, em sua grande extensão, muito bem conduzidas pelo Ministério
Público, mas eventualmente vamos ter algumas atuações que fogem
desse padrão. Sua Excelência costuma nos colocar algumas situações que
lhe geram preocupação nesse sentido, e as medidas que Vossa Excelência
tenta adotar nessa perspectiva.
Certamente, podem-se encontrar, no âmbito da advocacia pública,
situações como essa. Por que eu estou dizendo isso? Em 2012, eu decidi
não atuar mais nessa área, porque isso aqui gera desgaste pessoal,
profissional. Mas em 2016, por circunstâncias de necessidade da
Administração Pública, pediram-me para estruturar a questão dos
acordos de leniência. Se tivesse monopólio – não é a discussão no caso –,
mas se nós tivéssemos monopólio nos acordos de leniência no âmbito do
Ministério Público, nem todas as empresas que fizeram o acordo com a
CGU e AGU fizeram acordos com o Ministério Público. Cito duas: OAS e
UTC. Não fosse a competência da Administração Pública para fazer esses
acordos, essas duas empresas hoje estariam fechadas, porque há
diferenças de perspectivas, e, por vezes, manter o monopólio numa
instituição, com todas as prerrogativas que o Ministério Público tem, com
as vantagens e desvantagens, mas me permitam, de forma construtiva,

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apontar as desvantagens que a independência funcional dá ao Ministério


Público, uma cabeça pode sentenciar todo um sistema ou toda uma
empresa. E ao atribuir essa pluralidade institucional, se permitem
correções de arbitrariedades em eventuais desvios na Administração
Pública ou na Advocacia Pública, e em eventuais desvios no Ministério
Público.
Eu me lembro que, em 2010, mais ou menos, as ações da chamada
Operação Sanguessuga, Doutor Aras, iriam prescrever, e o Ministério
Público procura a AGU, dizendo que não tinham como, tempo, gente,
para propor essas ações. E a AGU constitui uma força tarefa para que
essas ações não fossem prescritas.
Há uma afronta, sob a minha ótica, evidente ao princípio da
eficiência, e há concorrência na legitimidade. Não significa mais garantia.
Também por isso tenho total tranquilidade em sustentar dessa maneira.
No último aspecto, que trata da obrigatoriedade de representação
judicial, ainda que eu não anua com os argumentos da causa de pedir das
ações, eu acolho o pedido nesse aspecto também. Por quê? A Advocacia
Pública, por vocação constitucional, tem por dever representar o ente
público. Isso não significa que, de modo extraordinário, não deva
representar o agente público na atuação desse mesmo agente. Até os dias
de hoje, a AGU, Sua Excelência o Ministro Gilmar, na última sessão, fez
referência a uma ação de improbidade que ainda tramita em relação ao
ex-Ministro Malan e, salvo engano, o ex-Ministro Pedro Parente com
relação ao Proer, salvo engano. Quem representa – salvo engano também
– até hoje esses ex-agentes? A própria Advocacia-Geral da União. A AGU,
até os dias de hoje, representa todos os ex-presidentes, de minha
memória, desde o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso em ações de
improbidade ou ações civis públicas.
A grande questão é atribuir uma vinculação efetiva sem outros
critérios de análise simplesmente porque um parecer foi dado. Sob a
minha ótica, se desvirtua a essência da Advocacia Pública. Hoje, ainda
que haja crises em alguma ou outra situação, essa representação é feita,
em grande medida, com muita responsabilidade. O que eu quero dizer –

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ADI 7042 / DF

e o Ministro Alexandre também abordou isso – é: ao se dar um parecer,


não se tem todas as dimensões do que está por trás daquilo. Por vezes,
formalmente está bem, mas, no âmago daquela situação administrativa
específica, há outras circunstâncias que o advogado público não tem nem
condições de saber. Atribuir uma vinculação imediata: parecer, por uma
licitação, por uma política pública, à obrigatoriedade de representação
judicial; significa vincular obrigatoriamente o interesse público a um
possível interesse que não tem a busca desse interesse público, ou que é
contrário a esse interesse público.
Daí que, logicamente, não se deva deixar desguarnecido o bom
gestor público ou gestor público que não é ímprobo. Não se pode, em
contrapartida, simplesmente porque, formalmente, foi dado um parecer,
se vincular a essa representação judicial. Sob a minha perspectiva, isso se
contrapõe à essência constitucional da Advocacia Pública prevista na
própria Constituição, que é representar o Estado.
Nesse sentido, eu acompanho integralmente o voto de Sua
Excelência o eminente Relator, tanto nos aspectos de julgamento da
inconstitucionalidade que foi levantada, como também dos efeitos
decorrentes na questão própria ao acordo de não persecução civil e,
também, à obrigatoriedade da Advocacia Pública de fazer a defesa de
agentes públicos.
É como voto, Senhor Presidente.

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24/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES


REQTE.(S) : ASSOCIACAO NACIONAL DOS PROCURADORES
DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL - ANAPE
ADV.(A/S) : EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : FRENTE NACIONAL DE PREFEITOS
ADV.(A/S) : MARCELO PELEGRINI BARBOSA

VOTO-VOGAL

AÇÕES DIRETAS DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº
14.230, de 2021. ALTERAÇÕES DA LEI DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
1. Pessoas jurídicas interessadas:
restabelecimento da legitimidade para
ajuizar ações por ato de improbidade
administrativa e para celebrar acordos de
não persecução civil — Interpretação
conforme à Constituição ao caput e aos §§
6º-A e 10-C do art. 17, bem como ao caput e
aos §§ 5º e 7º do art. 17-B, todos da Lei nº
8.429, de 1992, com redação dada pela Lei nº
14.230, de 2021.
2. Ausência de obrigatoriedade de
assessoria jurídica em defender
administrador público quando emitir
parecer de legalidade prévia dos atos a

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Voto Vogal

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ADI 7042 / DF

serem praticados — Inconstitucionalidade


do § 20 do art. 17 da Lei nº 8.429, de 1992,
com a redação dada pela Lei nº 14.230, de
2021.
3. Afastamento da regra de manifestação do
Ministério Público quanto ao
prosseguimento de ações de improbidade
administrativa em curso ajuizadas pela
Fazenda Pública — Inconstitucionalidade
do art. 3º da Lei 14.230, de 2021.
4. Procedência, em parte.

O SENHOR MINISTRO ANDRÉ MENDONÇA:

I - INTRODUÇÃO

1. Senhor Presidente, acolhendo o escorreito relatório elaborado por


Sua Excelência o eminente Ministro Alexandre de Moraes, verifico tratar-
se de julgamento conjunto de duas ações diretas de inconstitucionalidade,
com pedido de medida cautelar, ajuizadas pela Associação Nacional dos
Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape), ADI nº 7.042/DF,
e pela Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe),
ADI nº 7.043/DF, tendo por objeto, em seu conjunto, os arts. 17, caput e §§
14 e 20, e 17-B da Lei nº 8.429, de 1992, alterados e incluídos pelo art. 2º da
Lei nº 14.230, de 2021, além dos arts. 3º e 4º, inc. X, da referida Lei.

2. Para maior clareza, rememoro o teor dos dispositivos


impugnados:

“Lei nº 8.429, de 1992 — com redação dada pela Lei nº


14.230, de 2021:

Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata


esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o

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Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 103 de 338

ADI 7042 / DF

procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março


de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei.
(…)
§ 14. Sem prejuízo da citação dos réus, a pessoa jurídica
interessada será intimada para, caso queira, intervir no
processo.
(...)
§ 20. A assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a
legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo
administrador público ficará obrigada a defendê-lo
judicialmente, caso este venha a responder ação por
improbidade administrativa, até que a decisão transite em
julgado.

Art. 17-B. O Ministério Público poderá, conforme as


circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo de não
persecução civil, desde que dele advenham, ao menos, os
seguintes resultados:
I - o integral ressarcimento do dano;
II - a reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem
indevida obtida, ainda que oriunda de agentes privados.
§ 1º A celebração do acordo a que se refere o caput deste
artigo dependerá, cumulativamente:
I - da oitiva do ente federativo lesado, em momento
anterior ou posterior à propositura da ação;
II - de aprovação, no prazo de até 60 (sessenta) dias, pelo
órgão do Ministério Público competente para apreciar as
promoções de arquivamento de inquéritos civis, se anterior ao
ajuizamento da ação;
III - de homologação judicial, independentemente de o
acordo ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de
improbidade administrativa.
§ 2º Em qualquer caso, a celebração do acordo a que se
refere o caput deste artigo considerará a personalidade do
agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a
repercussão social do ato de improbidade, bem como as

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 104 de 338

ADI 7042 / DF

vantagens, para o interesse público, da rápida solução do caso.


§ 3º Para fins de apuração do valor do dano a ser
ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas
competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros
utilizados, no prazo de 90 (noventa) dias.
§ 4º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá
ser celebrado no curso da investigação de apuração do ilícito,
no curso da ação de improbidade ou no momento da execução
da sentença condenatória.
§ 5º As negociações para a celebração do acordo a que se
refere o caput deste artigo ocorrerão entre o Ministério Público,
de um lado, e, de outro, o investigado ou demandado e o seu
defensor.
§ 6º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá
contemplar a adoção de mecanismos e procedimentos internos
de integridade, de auditoria e de incentivo à denúncia de
irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de
conduta no âmbito da pessoa jurídica, se for o caso, bem como
de outras medidas em favor do interesse público e de boas
práticas administrativas.
§ 7º Em caso de descumprimento do acordo a que se refere
o caput deste artigo, o investigado ou o demandado ficará
impedido de celebrar novo acordo pelo prazo de 5 (cinco) anos,
contado do conhecimento pelo Ministério Público do efetivo
descumprimento.”

“Lei nº 14.230, de 2021:

Art. 3º. No prazo de 1 (um) ano a partir da data de


publicação desta Lei, o Ministério Público competente
manifestará interesse no prosseguimento das ações por
improbidade administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda
Pública, inclusive em grau de recurso.
§ 1º No prazo previsto no caput deste artigo suspende-se o
processo, observado o disposto no art. 314 da Lei nº 13.105, de
16 de março de 2015.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 105 de 338

ADI 7042 / DF

§ 2º Não adotada a providência descrita no caput deste


artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.
Art. 4º. Ficam revogados os seguintes dispositivos e seção
da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992:
(...)
X - §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 8º, 9º, 10, 12 e 13 do art. 17;”

3. Em ambas as ações, os respectivos arguentes apontam como


paradigmas de controle de constitucionalidade que teriam sido
vilipendiados pelas inovações legislativas as normas insertas no arts. 23,
inc. I; 37, § 4º; 129, incs. I, III, IX e § 1º; 131; e 132 do Texto Constitucional.
Sustentam, como base no alegado descumprimento a tais dispositivos,
afronta ao princípio da vedação ao retrocesso social; ao direito
fundamental à probidade; e aos princípios administrativos da eficiência,
da segurança jurídica e da moralidade.

4. Especificamente no bojo da ADI nº 7.042/DF, a autora alega ainda


violação ao pacto federativo e à autonomia dos entes subnacionais pelo
incluído § 20 do art. 17 da Lei nº 8.429, de 1992, tendo em vista que o
aludido dispositivo estaria a disciplinar aspectos inerentes à estrutura
organizacional e as atribuições dos órgãos da advocacia pública dos
Estados, o que atrairia, ainda, vício de inconstitucionalidade formal por
invasão de competência legislativa alheia.

5. Inicialmente adotado o rito do art. 12 da Lei nº 9.868, de 1999, com


a apresentação das informações pelas autoridades respectivas, o eminente
Relator deferiu parcialmente a medida cautelar pleiteada, na forma do
art. 10, § 3º, da Lei nº 9.868, de 1999, ad referendum do Plenário desta
Suprema Corte, para, até julgamento final de mérito:

“(A) CONCEDER INTERPRETAÇÃO CONFORME A


CONSTITUIÇÃO FEDERAL ao caput e §§ 6º-A, 10-C e 14, do
artigo 17 da Lei nº 8.429/92, com a redação dada pela Lei nº
14.230/2021, no sentido da EXISTÊNCIA DE LEGITIMIDADE

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ADI 7042 / DF

ATIVA CONCORRENTE ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO E


AS PESSOAS JURÍDICAS INTERESSADAS PARA A
PROPOSITURA DA AÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA;
(B) SUSPENDER OS EFEITOS do § 20, do artigo 17 da Lei
nº 8.429/92, com a redação dada pela Lei nº 14.230/2021, em
relação a ambas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (7042
e 7043);
(C) SUSPENDER OS EFEITOS do artigo 3º da Lei nº
14.230/2021.”

6. Em seguida, sobrevieram aos respectivos autos os pareceres do


Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República. Esse,
concluindo pela procedência de ambas as ações. Aquele, deduzindo
preliminar de ilegitimidade ativa no bojo da ADI nº 7.043/DF e, no mérito,
posicionando-se pela improcedência tanto de uma quanto da outra.

7. Feito esse breve apanhado introdutório, passo ao exame da


controvérsia, principiando pela análise da questão preliminar de
ilegitimidade ativa para, em seguida, avançar ao mérito de ambas as
demandas.

II - DA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA

8. A Advocacia-Geral da União e a Presidência da República


aduziram a ilegitimidade ativa da entidade autora da ADI nº 7.043/DF. De
outra parte, o Senado Federal suscitou a ilegitimidade ativa das
associações requerentes, tanto no âmbito da ADI nº 7.043/DF quanto da
ADI nº 7.042/DF.

9. Com a devida vênia às posições em sentido contrário, entendo não


prosperar a argumentação dos arguentes em relação ao ponto, as quais
baseiam-se em eventuais (i) falta de pertinência temática e (ii) ausência de

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ADI 7042 / DF

abrangência representativa da totalidade das categorias afetadas pela


norma.

10. Nesse ponto, compartilho da posição adotada pela Procuradoria-


Geral da República em sua manifestação, que bem ilustra a compreensão
desta Excelsa Corte (i) em relação aos critérios balizadores da aferição do
requisito da pertinência temática, assim como (ii) em relação à
representatividade adequada da classe capaz de ser atingida pela norma
impugnada.

11. Quanto à pertinência temática, bem pontou a Procuradoria-


Geral da República que “[o] objeto desta ação direta de inconstitucionalidade
restringe-se às normas que, por um lado, determinaram a atuação da advocacia
pública em defesa dos réus em ações de improbidade administrativa (§ 20 do art.
17 da Lei 8.429/1992) e, por outro, excluíram essa mesma atuação do polo ativo
das demandas. A pertinência temática entre o objeto da ação e os objetivos
institucionais da requerente está, portanto, configurada, uma vez que as
alterações legislativas levadas a efeito pelos dispositivos questionados interferem,
diretamente, no exercício das funções da advocacia pública”.

12. No que se refere à representatividade adequada, rememoro que


o preenchimento do referido requisito já fora reconhecido por este
Supremo Tribunal Federal em relação à Anape por ocasião da apreciação
da ADI nº 5.215/GO, Rel. Min. Roberto Barroso, Pleno, j. 28/03/2019, p.
1º/08/2019; e da ADI nº 5.541/MG, Rel. Min. Edson Fachin, Pleno, j.
27/09/2019, p. 15/10/2019; dentre outras.

13. No mesmo sentido, em julgado integralmente aplicável à espécie,


ante a similitude de contexto fático-argumentativo presente em ambos os
casos, já se reconheceu o preenchimento do aludido requisito em favor de
entidade de classe que foi sucedida pela Anafe. Trata-se de decisão
monocrática da lavra da eminente Min. Ellen Gracie, no bojo da ADI nº
3.787/DF, Pleno, j. 29/09/2008, p. 06/10/2008.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 108 de 338

ADI 7042 / DF

14. De outro bordo, não merece prosperar a alegação de que, por se


tratar de matéria incidente sobre a totalidade dos servidores públicos,
irradiando efeitos subjetivos até mesmo aos particulares eventualmente
processados por ato de improbidade administrativa, as entidades de
classe autoras não ostentariam a representação integral do universo dos
atingidos pelas normas inquinadas.

15. Em que pese haver reflexos indiretos a outros sujeitos, como


observado na análise do requisito da pertinência temática, os dispositivos
cuja constitucionalidade se questiona versam especificamente sobre a
eventual existência de mandamento constitucional apto a salvaguardar a
atribuição da advocacia pública para propositura da ação de improbidade
administrativa. Evidente, portanto, o interesse direto desta categoria em
promover o escrutínio da constitucionalidade das aludidas disposições
normativas.

16. Ante o exposto, rejeito a questão preliminar suscitada e conheço


de ambas as ações diretas. Passo, então, ao exame do mérito.

III - DO EXAME DO MÉRITO

PRIMEIRA PARTE
DA LEGITIMIDADE ATIVA DO ENTE PÚBLICO

A. Do mandamento constitucional de defesa da probidade na


Administração Pública.

17. A adequada análise da controvérsia em questão demanda prévia


contextualização acerca das diretrizes estabelecidas pelo Poder
Constituinte em matéria de probidade administrativa.

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18. Quanto ao ponto, não há dúvidas, seja na doutrina, seja na


jurisprudência, no que pertine ao status constitucional empregado ao
aludido valor. De fato, inovando no tratamento do tema, a Carta
promulgada em 1988 constitucionalizou, de forma autônoma e específica,
a garantia e a defesa da probidade administrativa. A esse respeito, assim
dispõem o caput e o § 4º do art. 37 da Constituição da República:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de


qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
”§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a
suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na
forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal
cabível.”

19. No caput, a Constituição institui comando obrigatório ao


determinar que o Estado “obedecerá aos princípios” da Administração
Pública, todos eles, sejam os princípios explícitos ou implícitos, direta ou
indiretamente concernentes à probidade administrativa e às garantias de
bom governo. Em outras palavras, a Constituição impôs à Administração
Pública de todas as esferas o dever insofismável de atuar de forma proba.

20. Ademais, esse imperativo é corolário do disposto no art. 23, inc. I,


da CRFB, que atribuiu a competência comum à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios, para “zelar pela guarda da Constituição,
das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público”.

21. De outra parte, em decorrência desse dever imposto à


Administração Pública em geral, no § 4º do já mencionado art. 37 da
Constituição da República se estabeleceu que os atos de improbidade

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imperativamente “importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da


função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma
e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Em outras
palavras, ademais de impor o dever de garantir a probidade, a
Constituição estabeleceu o poder-dever de a Administração Pública
buscar judicialmente sua sanção, sem prejuízo da ação penal cabível.

22. Nesse ponto, importa rememorar que a independência e


autonomia do sistema constitucional de responsabilização por ato de
improbidade administrativa é reforçada por outros dispositivos do Texto
Constitucional, os quais elencam essa peculiar modalidade de
responsabilidade ao lado daquelas inerentes a outros ramos do
macrossistema sancionador estatal. É o caso, por exemplo, (i) dos arts. 15,
inc. V, e 105, § 3º, inc. II, da CRFB; bem como (ii) dos arts. 97, § 10, inc. III,
e, 101, § 3º, do ADCT.

23. Em âmbito doutrinário, vale transcrever o escólio da professora


Maria Sylvia Zanella Di Pietro1, que assim historia a questão:

“A Constituição de 1967, no artigo 82, V, considerava


como crime de responsabilidade os atos do Presidente da
República que atentarem contra a probidade administrativa;
e a Constituição de 1988, além de repetir aquela norma no
artigo 85, V, faz um avanço, ao mencionar, no artigo 37, caput,
como princípios autônomos, o da legalidade e o da
moralidade, e, no § 4º do mesmo dispositivo punir os atos
de improbidade administrativa com a suspensão dos direitos
políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos
bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Também
merece menção o artigo 15, inciso V, que inclui entre as
hipóteses de perda dos direitos políticos a de “improbidade

1 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Atlas,
2003, p. 78‐79

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administrativa, nos termos do artigo 37, § 4º”. Por sua vez, o


artigo 5º, inciso LXXIII, ampliou os casos de cabimento de
ação popular para incluir, entre outros, os que impliquem
ofensa à moralidade administrativa. Além disso, a Emenda
Constitucional de Revisão nº 4, de 7‐6‐94, alterou o § 9º
do artigo 14 da Constituição para colocar a probidade
administrativa e a moralidade para o exercício do mandato
como objetivos a serem alcançados pela lei que estabelecer
os casos de inelegibilidades.” (grifos nossos).

24. Por sua vez, em lição sempre lembrada no tratamento do tema,


José Afonso da Silva2 cunhou à improbidade administrativa o predicado
de “imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao
ímprobo ou a outrem”. Dando enfoque à relevância com que o constituinte
tratou essa modalidade específica de imoralidade, assim leciona o ilustre
professor:

“A probidade administrativa é uma forma de


moralidade administrativa que mereceu consideração
especial pela Constituição, que pune o ímprobo com
suspensão de direitos políticos (art. 37, § 4º). A probidade
administrativa consiste no dever de o “funcionário servir a
Administração com honestidade, procedendo no exercício
das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades
delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a
quem queira favorecer”. Cuida‐se de uma imoralidade
qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem
ao ímprobo ou a outrem. A moralidade administrativa e assim
também a probidade são tuteladas pela ação popular que já
estuamos, de modo a elevar a imoralidade a causa de
invalidade do ato administrativo, como vimos. A
improbidade é tratada ainda com mais rigor, porque entra
no ordenamento constitucional como causa de suspensão dos

2 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000, p. 623.

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direitos políticos do ímprobo (art. 15, V, que já comentamos)


[...]” (grifos nossos).

25. Portanto, em definitivo, há um amplo mandamento


constitucional de garantia e defesa da probidade na Administração
Pública. E, no plano infraconstitucional, o dirigismo do constituinte
originário, reforçado pelas incrementações promovidas pelo constituinte
derivado, como regra foi progressivamente assimilado pelo legislador
ordinário. Assim, desde a edição da Lei nº 8.429, de 1992, passando por
outros diplomas como, v.g., a Lei nº 12.846, de 2013, buscou-se respeitar e
concretizar a vontade estampada na Carta de 1988.

B. Da representação judicial do Estado

26. Além da maior relevância dada à moralidade administrativa, de


modo geral, e à defesa da probidade administrativa, em particular, o
Texto Constitucional promulgado em 1988 promoveu substanciais
transformações em relação às instituições responsáveis pela representação
judicial e extrajudicial do Estado. Nesse sentido, o papel de representação
da União em juízo, até então desempenhado pelo Ministério Público
Federal, foi outorgado à Advocacia Pública, que passou a contar com
Seção própria no Capítulo dedicado às Funções Essenciais à Justiça.
Nesse sentido, assim dispõem os dispositivos constitucionais pertinentes:

“SEÇÃO III
DA ADVOCACIA PÚBLICA

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que,


diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União,
judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei
complementar que dispuser sobre sua organização e
funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento
jurídico do Poder Executivo.

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§ 1º - A Advocacia-Geral da União tem por chefe o


Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente
da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de
notável saber jurídico e reputação ilibada.
§ 2º - O ingresso nas classes iniciais das carreiras da
instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso
público de provas e títulos.
§ 3º - Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a
representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional, observado o disposto em lei.

Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito


Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá
de concurso público de provas e títulos, com a participação da
Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases,
exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das
respectivas unidades federadas.
Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é
assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício,
mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios,
após relatório circunstanciado das corregedorias.”

C. Das atribuições constitucionalmente conferidas ao Ministério


Público

27. Dentro dessa nova arquitetura traçada pelo constituinte em


relação às funções essenciais à justiça, a Constituição definiu as
atribuições conferidas ao Ministério Público. Em relação a esse, (i)
garantiu ao Ministério público a titularidade privativa para a propositura
da ação penal (art. 129, inc. I, da CRFB). Do mesmo modo, (ii) garantiu-
lhe o poder de promover “a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social de do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”
(art. 129, inc. III, da CRFB). Adicionalmente, o constituinte (iii) vedou
expressamente a possibilidade de o Ministério Público exercer “a
representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas” (art. 129,

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inc. IX, da CRFB).

D. Do cotejo entre as atribuições constitucionalmente conferidas


ao Ministério Público e à Advocacia Pública na representação do Estado

28. Como se pôde depreender com clareza solar do texto


constitucional, em matéria penal, o Ministério Público é o titular
privativo e o legitimado ordinário para a propositura da ação penal
pública. De outra parte, no âmbito extrapenal, detém a legitimação
extraordinária, até mesmo porque lhe é vedado representar
judicialmente o Estado, esse, sim, vítima direta do ato de improbidade e
legitimado ordinário para a persecução judicial do ilícito.

29. Em outras palavras, a Constituição previu, com clareza


meridiana:

• que apenas em relação à ação penal pública o Ministério Público


tem competência privativa;

• que, na defesa do patrimônio público dos interesses difusos e


coletivos, o Ministério Público não detém legitimidade ordinária, mas
apenas extraordinária, pois lhe é vedado representar a Administração
Pública; e

• que a Advocacia Pública é quem detém a competência


constitucional para representar judicial e extrajudicialmente o Estado-
Administração.

30. Nesse sentido, apontam as seguintes teses fixadas por este


Supremo Tribunal Federal em sede de Repercussão Geral:

Tema RG nº 642: “O Município prejudicado é o legitimado


para a execução de crédito decorrente de multa aplicada por
Tribunal de Contas estadual a agente público municipal, em

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razão de danos causados ao erário municipal”.

Tema RG nº 768: “Somente o ente público beneficiário


possui legitimidade ativa para a propositura de ação executiva
decorrente de condenação patrimonial imposta por Tribunais
de Contas (CF, art. 71, § 3º)”.

31. Ainda no catálogo de teses fixadas sob a sistemática da


repercussão geral, é mister rememorar o quanto asseverado pelo
eminente Ministro Luiz Fux, por ocasião do julgamento do Tema RG nº
561, no bojo do qual, nada obstante se tenha fixado a tese segundo a qual
“o Ministério Público é parte legítima para o ajuizamento de ação coletiva que
visa anular ato administrativo de aposentadoria que importe em lesão ao
patrimônio público”, fez-se questão de realçar, já na ementa, que:

“(...) 3. A tutela coletiva exercida pelo Ministério Público


se submete apenas a restrições excepcionais, como, verbi
gratia a norma que veda ao Ministério Público a
representação judicial e a consultoria jurídica de entidades
públicas (art. 129, IX, in fine, da CRFB), sendo certo que a Carta
Magna atribui ao parquet ampla atribuição no campo da tutela
do patrimônio público, interesse de cunho inegavelmente
transindividual, bem como que sua atuação na proteção do
patrimônio público não afasta a atuação do próprio ente
público prejudicado, conforme prevê o art. 129, § 1º, da
Constituição: “A legitimação do Ministério Público para as
ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas
mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na
lei”.
4. O parquet, ao ajuizar ação coletiva para a tutela do
Erário, não age como representante da entidade pública, e sim
como substituto processual de uma coletividade
indeterminada, é dizer, a sociedade como um todo, titular do
direito à boa administração do patrimônio público, da mesma
forma que qualquer cidadão também poderia fazê-lo por meio
de ação popular (art. 5º, LXXIII, da CRFB). (...).”

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(RE nº 409.356-RG/RO, Rel. Min. Luiz Fux, j. 25/10/2018, p.


29/07/2020; grifos nossos).

32. Nessa conjuntura, não há como afastar da Advocacia Pública a


missão de, na representação da Administração, dar concretude à
competência constitucional prevista comumente à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios, no art. 23, inc. I, incumbindo-lhe a
adoção dos meios jurisdicionais necessários – através de instrumento de
tutela adequada – para “zelar pela guarda da Constituição, das leis e das
instituições democráticas e conservar o patrimônio público” (grifos nossos).

33. Igualmente indene de dúvidas, notadamente em função dos


contornos anteriormente apontados quanto ao tratamento constitucional
da moralidade e probidade administrativas, que não se pode atribuir à
expressão “patrimônio público” um sentido estritamente econômico-
financeiro, confundindo-o com o conceito de erário.

34. Daí por que, ao analisar os contornos dessa função essencial à


justiça em particular, o eminente Relator trouxe, com precisão, a doutrina
de José Afonso da Silva3, para quem a Advocacia Pública assume, no
Estado Democrático de Direito, “a defesa da moralidade pública, que se
tornou um valor autônomo constitucionalmente garantido”. Confira-se:

“A Advocacia Pública assume, no Estado Democrático de


Direito, mais do que uma função jurídica de defesa dos
interesses patrimoniais da Fazenda Pública, mais até mesmo
do que a defesa do princípio da legalidade, porque lhe incumbe
igualmente, e veementemente, a defesa da moralidade pública,
que se tornou um valor autônomo constitucionalmente
garantido. Não é que essa defesa lhe escapasse antes do regime
constitucional vigente. Mas, então, o princípio da moralidade
tinha uma dimensão estritamente administrativa, quase como

3 SILVA. José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 9ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2014, p. 618.

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simples dimensão da legalidade, ligada aos problemas dos


desvios de finalidade. Agora não, porque a Constituição lhe
concedeu um sentido próprio e extensivo, e abrangente da ética
pública. ” (grifos nossos).

35. Portanto, foi constitucionalmente incumbido à Administração


Pública o dever de atuar e zelar pela boa governança pública ou, de
modo mais específico, pelo cumprimento da Constituição, das leis e
pelo zelo ao patrimônio público (art. 23, inc. I), o que,
indubitavelmente, inclui os princípios da moralidade e da probidade
administrativas. Daí que, a esta mesma Administração Pública deve ser
garantido o direito de acesso à justiça para a defesa da probidade. Em
outras palavras, não se pode negar ao titular do direito violado o
constitucional direito de acesso à justiça para fins de, na qualidade de
legitimado ordinário, obter os primados do direito sancionador, que são
a prevenção geral e a prevenção especial, a fim de que a probidade seja
real e efetiva no seio da Administração Pública. Trata-se de um poder-
dever garantido constitucionalmente e que não pode ser negado ao
Estado, vítima do ato de improbidade.

36. Neste sentido, vale citar a compreensão externada pela


Procuradoria-Geral da República em sua manifestação carreada a ambos
os autos (ADI nº 7.042/DF e ADI nº 7.043/DF), in verbis:

“Perceba-se que a legitimação do Ministério Público e a


das pessoas jurídicas lesadas têm naturezas diversas. Enquanto
a primeira é de ordem extraordinária – o Ministério Público
pleiteia, em nome próprio, direito de toda a coletividade –, a
segunda é ordinária – a pessoa jurídica demanda “na defesa de
seu patrimônio”. Fosse de outro modo, estaria o Ministério
Público a exercer a representação judicial de entidades públicas,
o que lhe é vedado constitucionalmente (CF, art. 129, IX).
Assim, embora a ação por ato de improbidade
administrativa seja a mesma (e possa até ser proposta
conjuntamente), o fundamento constitucional da legitimidade

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do Ministério Público é um (CF, art. 129, III) e o das pessoas


jurídicas lesadas é outro (CF, arts. 5º, XXXV, e 23, I).
Ao proporem uma ação de improbidade administrativa, as
pessoas jurídicas lesadas estão em defesa de direito próprio, do
seu patrimônio. Patrimônio que o inciso I do art. 23 da
Constituição Federal determinou que a União, os estados, o
Distrito Federal e os municípios conservassem. Daí por que
retirar das pessoas jurídicas interessadas a legitimidade para
propor ações por ato de improbidade administrativa equivale a
excluir da ‘apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’
(CF, art. 5º, XXXV).” (grifos no original).

37. Do mesmo modo, o ilustre representante do Parquet cita a


incidência ao caso da garantia constitucionalmente prevista pelo art. 5º,
inc. XXXV, ante a necessidade de assegurar ao titular (e um dos
guardiões) do bem jurídico violado o efetivo acesso à justiça,
consubstanciado na garantia de prestação de tutela jurisdicional
adequada. Enfim, não se pode negar à vítima o direito de acesso à
justiça.

38. No ponto, vale rememorar o pensamento de Canotilho4, para


quem o “princípio da protecção jurídica e das garantias processuais” é um dos
“Subprincípios concretizadores” do próprio Estado de Direito. Segundo o
constitucionalista português:

“’(...) terceira dimensão do Estado de direito’, ‘pilar


fundamental do Estado de direito’, ‘coroamento do Estado de
direito’, são algumas das expressões utilizadas para salientar a
importância, no Estado de direito, da existência de uma
protecção jurídico-judiciária individual sem lacunas [...].
Embora a protecção dos direitos através do direito exija uma
prévia e inequívoca consagração desses direitos [...], o sentido
nuclear da protecção judicial dos direitos é esta: a garantia dos

4 CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da


Constituição. 7ª ed. Coimbra: Edições Almedina, p. 273-274

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direitos fundamentais só pode ser efectiva quando, no caso de


violação destes, houver uma instância independente que
restabeleça a sua integridade.” (grifos nossos).

39. Ainda, o mesmo doutrinador afirma que o “princípio da


garantia de via judiciária” implica uma “imposição jurídico-
constitucional ao legislador”. Nesse sentido, no plano da produção
normativa infraconstitucional, deve-se assegurar ao titular do direito
violado sua defesa, “‘segundo os meios e métodos de um processo
juridicamente adequado’. Por isso, a abertura da via judiciária é uma
imposição directamente dirigida ao legislador no sentido de dar
operatividade prática à defesa de direitos.”5 (grifos nossos).

40. Por fim, recordo que no âmbito do macrossistema de defesa da


probidade, a denominada Lei Anticorrupção — a Lei nº 12.846, de 2013 —
prevê a legitimidade ativa dos entes estatais lesados para promoção da
responsabilização judicial dos agentes, além da possibilidade de
celebrarem acordos de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis
pela prática dos atos previstos naquele diploma. É o que se verifica do
teor dos arts. 16 e 19:

“Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade


pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas
jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei
que colaborem efetivamente com as investigações e o processo
administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:
(...)
Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5º
desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou
órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério
Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das
seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:”
5 CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. 7ª ed. Coimbra: Edições Almedina, p. 275.

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41. Ou seja, também em função de uma interpretação sistemática,


considerando a similitude temática entre a Lei de Improbidade
Administrativa e a Lei Anticorrupção – a exemplo dos constantes influxos
interpretativos que se extraem, v.g., entre a Lei da Ação Popular e a Lei da
Ação Civil Pública –, infere-se do “bloco legislativo” de defesa da
probidade a legitimidade do Estado para ajuizar a ação processual mais
adequada ao caso por seu órgão de representação judicial.

E. Da teoria dos poderes implícitos para o cumprimento da missão


constitucional atribuída à Administração Pública

42. Conforme preceitua o eminente Ministro Celso de Mello em


voto proferido no HC nº 85.419/RJ, Segunda Turma, j. 20/10/2009, p.
27/11/2009, no âmbito da jurisdição constitucional norte-americana, ao
apreciar o célebre caso “McCULLOCH v. MARYLAND” (1819), a
Suprema Corte dos Estados Unidos concebeu a doutrina dos poderes
implícitos, segundo a qual “a outorga de competência expressa a determinado
órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios
necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos”.

43. Prosseguindo na análise do tema, o e. Ministro Celso de Mello


recorda lição de Marcello Caetano para enfatizar que, ao realizar o seu
mister de intérprete constitucional, esta Suprema Corte “deve ter presente,
sempre, essa técnica lógico-racional”. In verbis:

“Há que se registrar, ante a sua extrema pertinência, o


autorizado magistério de MARCELLO CAETANO ("Direito
Constitucional", vol. II/12-13, item n. 9, 1978, Forense), cuja
observação, no tema, referindo-se aos processos de
hermenêutica constitucional, assinala que, ‘Em relação aos
poderes dos órgãos ou das pessoas físicas ou jurídicas, admite-se, por
exemplo, a interpretação extensiva, sobretudo pela determinação dos
poderes que estejam implícitos noutros expressamente atribuídos.’

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Esta Suprema Corte, ao exercer o seu poder de indagação


constitucional- consoante adverte CASTRO NUNES ("Teoria e
Prática do Poder Judiciário", p. 641/650, 1943, Forense) - deve
ter presente, sempre, essa técnica lógico-racional, fundada na
teoria jurídica dos poderes implícitos, para, assim, conferir
eficácia real ao conteúdo e ao exercício de dada competência
constitucional (...)” (grifos nossos).

44. Em arremate, o estimado Ministro transcreve o pensamento de


Rui Barbosa, pelas mãos de Homero Pires, acerca da referida doutrina:

“Não constitui demasia relembrar, neste ponto, a lição


definitiva de RUI BARBOSA ("Comentários à Constituição
Federal Brasileira", vol. I/203-225, coligidos e ordenados por
Homero Pires, 1932, Saraiva), cuja precisa abordagem da teoria
dos poderes implícitos - após referir as opiniões de JOHN
MARSHALL, de WILLOUGHBY, de JAMES MADISON e de
JOÃO BARBALHO - assinala:
"Não são as Constituições enumerações das
faculdades atribuídas aos poderes dos Estados. Traçam
elas uma figura geral do regime, dos seus caracteres
capitais, enumeram as atribuições principais de cada
ramo da soberania nacional e deixam à interpretação e ao
critério de cada um dos poderes constituídos, no uso dessas
funções, a escolha dos meios e instrumentos com que os tem de
exercer a cada atribuição conferida.
A cada um dos órgãos da soberania nacional do
nosso regime, corresponde, implicitamente, mas
inegavelmente, o direito ao uso dos meios necessários,
dos instrumentos convenientes ao bom desempenho da
missão que lhe é conferida.
(...)
Nos Estados Unidos, é, desde MARSHALL, que essa
verdade se afirma, não só para o nosso regime, mas para todos
os regimes. Essa verdade fundada pelo bom senso é a de que - em
se querendo os fins, se hão de querer, necessariamente, os meios;

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a de que se conferimos a uma autoridade uma função,


implicitamente lhe conferimos os meios eficazes para
exercer essas funções.
(...)
Quer dizer (princípio indiscutível) que, uma vez conferida
uma atribuição, nela se consideram envolvidos todos os meios
necessários para a sua execução regular. Este, o princípio; esta, a
regra.
Trata-se, portanto, de uma verdade que se estriba ao
mesmo tempo em dois fundamentos inabaláveis, fundamento da
razão geral, do senso universal, da verdade evidente em toda a
parte - o princípio de que a concessão dos fins importa a
concessão dos meios (...).
A questão, portanto, é saber da legitimidade quanto
ao fim que se tem em mira. Verificada a legitimidade deste
fim, todos os meios que forem apropriados a ele, todos os
meios que a ele forem claramente adaptáveis, todos os
meios que não forem proibidos pela Constituição,
implicitamente se têm concedido ao uso da autoridade a
quem se conferiu o poder." (grifos nossos).

45. Pois bem. Sob o pálio de tal doutrina, este Supremo Tribunal
Federal já reconheceu (i) a competência implícita do Tribunal de Contas
da União para o deferimento de medidas cautelares de urgência (MS nº
24.510/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 19/11/2003, p. 19/03/2014); (ii) a
existência de poderes investigatórios pelo Ministério Público (RE nº
593.727/MG, Rel. Min. Cezar Peluso; Red. do Acórdão Min. Gilmar
Mendes, j. 14/05/2015, p. 08/09/2015); e, mais recentemente, (iii) a
prerrogativa de requisição das defensorias públicas (ADI nº 6.875/RN,
Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 21/02/2022, p. 17/03/2022).

46. No presente caso, a aplicação dessa “técnica lógico-racional” (como


define o e. Ministro Celso de Mello) vai ao encontro do “princípio da
garantia de via judiciária” — “Subprincípio concretizador” do Estado de
Direito —, tal como delineado por Canotilho, em integral consonância

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com o papel constitucionalmente atribuído à Administração Pública e


seus órgãos de representação judicial.

47. Afinal, (i) se, conforme dispõe o art. 23, inc. I, da CRFB, aos entes
públicos é outorgada a competência administrativa comum para “zelar
pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar
o patrimônio público”; e (ii) se a defesa da probidade está inserida no § 4º
do art. 37 da Constituição ou, mais precisamente, no seu Capítulo VII,
que trata da “Administração Pública”: está implícito que de tal atribuição
devem ressair os instrumentos necessários à sua concretização, tais como
o ajuizamento da correspondente ação de improbidade administrativa.

48. Quanto ao ponto, rememora-se ainda, por pertinente, relevante


observação feita pelo e. Ministro Alexandre de Moraes em passagem
final da decisão cautelar proferida, chamando a atenção para a
sistemática constitucional relativa à titularidade da própria ação penal
pública.

49. Nesse ponto, a Constituição foi expressa ao reservar como única


função judicial privativa ao Ministério Público a ação penal pública (art.
129, inc. I). A contrario sensu, todas as demais ações públicas, de qualquer
natureza, por força da Constituição, não são privativas ao Parquet.

50. Ainda, importante notar que, mesmo quanto ao manejo da ação


penal pública, em relação à qual o Parquet é o seu privativo “dominus
litis”, a Constituição expressou como direito fundamental que “será
admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no
prazo legal” (art. 5º, inc. LIX). Ora, se até mesmo no âmbito penal, no
tocante ao qual a Constituição da República preconiza a atuação privativa
do Ministério Público enquanto dominus litis (art. 129, inc. I), assegura-se à
vítima — se inerte o Parquet — a garantia fundamental de acionar o Poder
Judiciário na busca da prestação de tutela de natureza penal,
legitimando-a para o ajuizamento da medida processual adequada — no

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caso, pelo manejo da ação penal privada subsidiária da pública (art. 5º,
inc. LIX); não há como afastar da vítima direta do ato ímprobo a
legitimidade para postular em juízo a respectiva responsabilização
adequada pelo ilícito, o que, in casu, se dá pelo manejo da ação de
improbidade administrativa. Portanto, é inconstitucional excluir-se a
legitimidade ativa do ente público vítima do ato de improbidade
administrativa.

F. Da ofensa ao princípio da eficiência

51. Além dos pontos já referenciados, a legitimidade dos entes


públicos para ajuizamento de ação de improbidade administrativa
decorre do princípio da eficiência, que inclusive está no caput do mesmo
art. 37 da CRFB.

52. Desde uma perspectiva mais abrangente, é corrente que grande


parte das tensões relacionadas ao combate à corrupção se centra na
dialética entre eficiência na persecução do ilícito e na garantia do justo
processo aos acusados. Conforme já me pronunciei reiteradas vezes,
deve-se buscar uma sem prejuízo da outra; ou, em outras palavras, deve-
se maximizar a eficiência estatal sem se prejudicar as garantias
processuais do acusado.

53. De modo mais específico, Robert Klitgaard, em seu clássico


Controlling Corruption, nos ajuda a avaliar o problema da corrupção e a
eficiência na sua prevenção e combate desde a perspectiva da análise
econômica do direito. Nele, o autor aponta para a correlação entre a
corrupção e cálculos utilitários para a sua prática, eficiência, os riscos do
monopólio na atuação estatal, da atuação discricionária e dos níveis de
controle e accountability, dentre outros.

54. Sobre a análise de custo-benefício para a prática do ato corrupto


ou ímprobo, Klitgaard aponta que para a sua realização o agente faz

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essencialmente um cálculo de utilidade, de custo/benefício na prática do


ilícito, das vantagens na sua prática e dos riscos ou probabilidade de ser
sancionado e em que medida. Nesse sentido, ele diz que “um agente será
corrupto quando, em seu julgamento, seus prováveis benefícios superem os
custos prováveis”6. Será a partir desses elementos que o agente tomará a
decisão entre a prática ou não do ilícito.

55. De outra parte, anota haver três fatores que impactam o risco da
corrupção: (i) o monopólio ou não na atuação estatal sobre um tema
específico em determinado órgão; (ii) o maior ou menor nível de
discricionariedade do agente público para o exercício dessa atuação; e
(iii) o maior ou menor nível de accountabilityem relação a essa atuação.
Daí o autor construir a seguinte fórmula: Corrupção = Monopólio +
Discricionariedade – Accountability7.

56. Do mesmo modo, Klitgaard aponta a relação entre monopólio e


ineficiência. Para ele o monopólio no exercício do poder provoca
atividades improdutivas ou ineficientes8.

57. Daí que, a criação do monopólio de uma determinada atividade


estatal em determinada instituição traz o potencial de (i) gerar
ineficiência no exercício dessa atividade; (ii) aumentar o risco de
cooptação dessas autoridades – e nenhuma instituição está imune a esse
risco, havendo exemplos a demonstrar essa realidade em todas elas; (iii)
aumentar o risco de abuso no exercício do poder, especificamente, no
poder de persecução do ilícito de improbidade administrativa. Todos

6 KLITGAARD, Robert. Controlling corruption. University of California Press, 1988,


p. 69. No original consta que “an agent will be corrupt when in her judgment her likely
benefits from doing so outweigh likely costs”.

7 A esse respeito, veja-se KLITGAARD, Robert. Controlling corruption. University of


California Press, 1988, p. 75.

8 A esse respeito, veja-se KLITGAARD, Robert. Controlling corruption. University of


California Press, 1988, p. 47.

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esses elementos, ao final, sob a perspectiva principiológica


constitucional, afetam diretamente a eficiência na defesa da probidade
administrativa.

58. Ademais, de maneira a dar concretude ao prejuízo que a


exclusividade da legitimidade ativa da ação de improbidade na figura do
Ministério Público, em afronta ao princípio da eficiência, importa citar
números apresentados pela Associação Nacional dos Advogados da
União (ANAUNI), a partir de petição formulada na condição de amicus
curiae.

59. Nesse sentido, no âmbito da AGU, há aproximadamente 15 anos


o Departamento de Patrimônio e Probidade da Procuradoria-Geral da
União atua na recuperação de ativos e na persecução de atos de
improbidade. Com a crescente especialização da equipe, a AGU tem
alcançado resultados cada vez mais expressivos nessa seara.

60. Apenas em acordos de leniência, alcançou-se a margem de


recuperação de R$ 5 bilhões aos cofres públicos. Entre os maiores
acordos já celebrados pela Advocacia-Geral da União, destaca-se o da
empresa OAS, fechado em novembro de 2019, no valor de R$ 1,92 bilhão;
o da Braskem, que se comprometeu em maio de 2019 a pagar R$ 2,87
bilhões; e o da Odebrecht, em julho de 2018, com compromisso de
pagamento de R$ 2,72 bilhões:

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(e-doc. 53, fl. 20 - ADI nº 7.042/DF)

61. Recentemente, em maio de 2022, em parceria com a


Controladoria-Geral da União, a AGU celebrou acordo de leniência de R$
110 milhões com empresas relacionadas ao grupo Hypera S.A.

62. Além do montante recuperado, as empresas também se


comprometeram a aperfeiçoar suas políticas de governança e de
integridade.

63. No que diz respeito às ações de improbidade ajuizadas pela


AGU, somente em 2018, o Grupo Permanente de Atuação Proativa,
vinculado ao já mencionado Departamento de Patrimônio e Probidade,
propôs 4.345 ações e arrecadou R$ 461,91 milhões ao erário. Ante os
excelentes resultados, foi aberto processo seletivo para até 60
Advogados da União reforçarem a equipe do Grupo Permanente, que já
contava com cerca de 100 membros.

64. Em 2019, a instituição cobrou cerca de R$ 4,1 bilhões em 200


ações contra agentes ímprobos. No ano anterior, 2018, o montante havia
alcançado R$ 713 milhões.

65. Ademais, após a criação da Equipe de Trabalho Remoto


Probidade Administrativa (ETR Probidade) no âmbito da Procuradoria-
Geral Federal (PGF), órgão vinculado à Advocacia-Geral da União, a
quantidade de ações de improbidade ajuizadas teve um considerável
incremento: o período 2016-2020 registrou, em média, 571% mais ações
de improbidade do que no período 2002-2015.

66. Em relação ao significativo incremento, importante pontuar


ainda que, segundo informações trazidas na peça vestibular da ADI nº
7.043/DF, entre os anos de 2016 e 2021 foram instaurados, apenas na

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PGF, 2.708 Procedimentos de Instrução Preliminar (PIPs), por força do


envio de informações das entidades federais representadas pela PGF. Isso
representa uma média de 451,3 procedimentos insaturados por ano.

67. Por outro lado, tais procedimentos preliminares ensejaram o


ajuizamento de 1.060 ações de improbidade administrativa,
correspondendo a 39% do volume total de PIPs insaturados, o que
demonstra a seriedade e a cautela no cumprimento do dever de controle e
persecução do ato de improbidade administrativa pelos órgãos federais,
através da autuação da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-
Geral Federal.

68. Nada obstante, de acordo com o painel da Justiça em Números,


do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o quantitativo de novas ações de
improbidade administrativa por ano, de 2014 a 2021, variou da seguinte
forma:

(e-doc. 53, fl. 21 - ADI nº 7.042/DF)

69. O quadro revela que, nos últimos 8 anos – no âmbito de todo o


Poder Judiciário nacional –, foram ajuizadas 80.499 novas demandas, o
que representa cerca de 10 mil ações novas a cada ano.

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70. Dito isso, importa considerar se a retirada da legitimidade do


ente público lesado traria, por si só, maior garantia processual à pessoa
acusada de improbidade. Entendo que não, pois, tanto nas ações
propostas pelo Ministério Público como pelo ente público, haverá o
controle judicial, dever-se-ão respeitar os princípios constitucionais do
contraditório e da ampla defesa, dever-se-ão seguir os mesmos
procedimentos, bem como garantir o justo processo em seu amplo
contexto.

71. Portanto, a retirada da legitimidade da vítima do ilícito, além de


afrontar diretamente o princípio da eficiência, que por sua vez está
diretamente ligado ao princípio da defesa da probidade (ambos presentes
no art. 37 da CRFB), não significa, per si, o aumento das garantias
processuais ao acusado. Daí que perfeitamente conciliáveis e até mesmo
indispensáveis à efetividade do binômio eficiência-garantia no
reconhecimento da inconstitucionalidade da retirada da legitimidade
ativa do ente público para a propositura da ação de improbidade
administrativa.

G. Conclusão quanto à questão da legitimidade ativa do ente


público

72. Em face dos fundamentos até aqui expostos, compreendo ser o


caso de julgar parcialmente procedente as respectivas ações diretas,
para:

(i) dar interpretação conforme à Constituição ao [a] caput e aos §§ 6º-


A e 10-C do art. 17 e [b] ao caput e aos §§ 5º e 7º do art. 17-B, todos da Lei
nº 8.429, de 1992, com redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021, a fim de
restabelecer a legitimidade dos entes públicos interessados, tanto para
ajuizar ações por ato de improbidade administrativa quanto para celebrar
acordos de não persecução civil; e

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(ii) declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 14.230, de


2021, por arrastamento.

SEGUNDA PARTE
DA OBRIGATORIEDADE DE DEFESA JUDICIAL DO
ADMINISTRADOR PÚBLICO PELA ADVOCACIA PÚBLICA

73. A segunda questão meritória diz respeito à constitucionalidade,


ou não, da obrigatoriedade de a Advocacia Pública defender
judicialmente o administrador público acusado de ato de improbidade,
quando a assessoria jurídica correspondente emitiu parecer atestando a
legalidade prévia dos atos administrativos questionados na ação,
conforme disposto no novel § 20 do art. 17 da Lei nº 8.429, de 1992,
incluído pela Lei nº 14.230, de 2021.

74. No ponto, a associação autora, Anape, sustenta que o dispositivo


legal acima referido teria violado o pacto federativo. De modo mais
específico, afirma ter havido afronta “ao poder de auto-organização e
autonomia dos Estados, notadamente no que se refere à disposição da estrutura
organizacional e das atribuições dos órgãos da advocacia pública”.

75. No entanto, com a devida vênia à arguição inicial, entendo que


esta não procede. Nesse aspecto, comungo da compreensão manifestada
tanto pelo Advocacia-Geral da União quanto pela Procuradoria-Geral da
República, que vislumbram no dispositivo impugnado o estabelecimento
de norma de direito processual, tema este de competência legislativa
privativa da União, nos termos do art. 22, inc. I, do Texto Constitucional.
Como bem pontuado pela AGU, “a matéria em exame possui caráter nacional
e define diretrizes gerais que adentram a esfera do direito processual”.

76. Nada obstante, ante a natureza aberta da causa de pedir em


ações de controle de constitucionalidade abstrato — decorrente do dever

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imposto à Corte de vértice de escrutinar a conformidade da norma


impugnada diante da integralidade do paradigma de controle, bem assim
do caráter dúplice destas espécies de ação —, passo à análise da
constitucionalidade material do dispositivo vergastado, por entender que,
ao imputar, de forma automática, uma competência atípica de
representação judicial do agente público, o novel parágrafo afronta o
disposto nos arts. 131 e 132 da Carta de 1988.

77. Não se está, ante tal compreensão, a rechaçar a possibilidade in


totum de a Advocacia Pública promover a defesa de agentes públicos
sujeitos a processo de responsabilização pela prática de atos
administrativos lastreados em manifestação consultiva prévia. Em âmbito
federal, a aludida atribuição é prevista pelo art. 22 da Lei nº 9.028, de
1995, complementado pelo art. 37, inc. XVII, da Lei nº 13.327, de 2016.

78. O nó górdio que repousa sobre a regra em questão é a


vinculação automática que ela promove entre a existência de análise
jurídica prévia e a ulterior obrigatoriedade de promoção da defesa do
agente processado em juízo pela respectiva “assessoria jurídica”, até o
trânsito em julgado da demanda.

79. No ponto, vale realçar que, em regra, as manifestações jurídico-


consultivas não ostentam carga vinculativa. Portanto, apesar do parecer
de conformidade prévio, pode o gestor praticar o ato abstratamente
analisado de maneira diversa, com ajustamentos que, não raras vezes,
demandam nova análise da conduta — desta feita, em momento
posterior, cotejando, inclusive, as alegações deduzidas por quem suscita a
responsabilização do agente, à luz dos elementos de prova eventualmente
apresentados.

80. Em outras palavras, a assunção da defesa judicial do agente


público acusado de prática de ato de improbidade, por parte da
advocacia pública, por se tratar de atuação excepcional, demanda análise

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própria e específica, a qual deve ser feita à luz da situação concreta


deduzida em juízo. A mera existência de parecer prévio dando respaldo
jurídico aos atos do gestor, por si só, não conduz necessariamente à
conclusão de que não houve a conduta ímproba.

81. Em reforço argumentativo, vislumbro ainda em tal dispositivo


uma espécie de responsabilização camuflada do parecerista, uma vez que,
em última ratio, a regra como posta parte da premissa de que, se o gestor
agiu calçado em manifestação consultiva prévia, a sua defesa deve ser
promovida pelo órgão que o assessorou na prática do ato. Tal postura é
rechaçada por esta Excelsa Corte, como se pode verificar do quanto
decidido no bojo do MS nº 35.196-AgR/DF, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira
Turma, j. 12/11/2019, p. 05/02/2020.

82. Diante de tais razões, nada obstante o não acolhimento das


alegações deduzidas pela peça vestibular, ante a natureza aberta da causa
de pedir nas ações de controle de constitucionalidade abstrato, julgo
procedente o pedido especificamente vocalizado na ADI nº 7.042/DF, para
declarar a inconstitucionalidade do § 20 do art. 17 da Lei nº 8.429, de 1992,
com a redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021.

IV - DISPOSITIVO

83. Ante o exposto, julgo procedente, em parte, ambas as ações


diretas de inconstitucionalidade em exame para:

i) dar interpretação conforme à Constituição ao caput e aos


§§ 6º-A e 10-C do art. 17, bem como ao caput e aos §§ 5º e 7º do
art. 17-B, todos da Lei nº 8.429, de 1992, com redação dada pela
Lei nº 14.230, de 2021, a fim de restabelecer a legitimidade das
pessoas jurídicas interessadas tanto para ajuizar ações por ato
de improbidade administrativa quanto para celebrar acordos de
não persecução civil;

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ii) declarar a inconstitucionalidade do § 20 do art. 17 da


Lei nº 8.429, de 1992, com a redação dada pela Lei nº 14.230, de
2021;
iii) declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei
14.230, de 2021.

É como voto, Senhor Presidente.

Ministro ANDRÉ MENDONÇA

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Extrato de Ata - 24/08/2022

Inteiro Teor do Acórdão - Página 134 de 338

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES
REQTE.(S) : ASSOCIACAO NACIONAL DOS PROCURADORES DOS ESTADOS E DO
DISTRITO FEDERAL - ANAPE
ADV.(A/S) : EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO (04935/DF, 30746/ES,
428274/SP) E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : FRENTE NACIONAL DE PREFEITOS
ADV.(A/S) : MARCELO PELEGRINI BARBOSA (41774/DF, 199877/SP)

Decisão: Após o voto do Ministro Alexandre de Moraes


(Relator), que julgava parcialmente procedentes os pedidos
formulados na ação direta para: (a) declarar a
inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do caput e
dos §§ 6º-A e 10-C do art. 17, assim como do caput e dos §§ 5º e
7º do art. 17-B da Lei 8.429/1992, na redação dada pela Lei
14.230/2021, de modo a restabelecer a existência de legitimidade
ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as
pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato
de improbidade administrativa e para a celebração de acordos de
não persecução civil; (b) declarar a inconstitucionalidade do § 20
do art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021; e (c)
declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 14.230/2021, e,
em consequência, declarar a constitucionalidade: (a) do § 14 do
art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021; e (b) do
art. 4º, X, da Lei 14.230/2021; e do voto do Ministro André
Mendonça, que acompanhava o voto do Relator, o julgamento foi
suspenso. Falaram: pela requerente, o Dr. Vicente Martins Prata
Braga; e, pela Procuradoria-Geral da República, o Dr. Antônio
Augusto Brandão de Aras, Procurador-Geral da República.
Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 24.8.2022.

Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux. Presentes à sessão os


Senhores Ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen
Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin,

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Extrato de Ata - 24/08/2022

Inteiro Teor do Acórdão - Página 135 de 338

Alexandre de Moraes, Nunes Marques e André Mendonça.

Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Augusto Brandão de


Aras.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 136 de 338

25/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

VOTO-VOGAL

O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES: Senhor Presidente,


estão em julgamento duas ações diretas de inconstitucionalidade,
propostas pela Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do
Distrito Federal (Anape), no caso da ADI 7.042, e pela Associação
Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe), considerada a ADI
7.043.

Impugnam-se dispositivos da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei


da Improbidade Administrativa) cujas redações foram introduzidas ou
alteradas pela Lei n. 14.230, de 25 de outubro de 2021. Eis o teor dos
preceitos atacados:

Lei n. 8.429/1992:
Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata
esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o
procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março
de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei.
(Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
[…]
§ 14 Sem prejuízo da citação dos réus, a pessoa jurídica
interessada será intimada para, caso queira, intervir no
processo. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
[…]
§ 20 A assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a
legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo
administrador público ficará obrigada a defendê-lo
judicialmente, caso este venha a responder ação por
improbidade administrativa, até que a decisão transite em
julgado. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
[...]

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 137 de 338

ADI 7042 / DF

Art. 17-B. O Ministério Público poderá, conforme as


circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo de não
persecução civil, desde que dele advenham, ao menos, os
seguintes resultados: (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
I - o integral ressarcimento do dano; (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
II - a reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem
indevida obtida, ainda que oriunda de agentes privados.
(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 1º A celebração do acordo a que se refere o caput deste
artigo dependerá, cumulativamente: (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
I - da oitiva do ente federativo lesado, em momento
anterior ou posterior à propositura da ação; (Incluído pela Lei
nº 14.230, de 2021)
II - de aprovação, no prazo de até 60 (sessenta) dias, pelo
órgão do Ministério Público competente para apreciar as
promoções de arquivamento de inquéritos civis, se anterior ao
ajuizamento da ação; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
III - de homologação judicial, independentemente de o
acordo ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de
improbidade administrativa. (Incluído pela Lei nº 14.230, de
2021)
§ 2º Em qualquer caso, a celebração do acordo a que se
refere o caput deste artigo considerará a personalidade do
agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a
repercussão social do ato de improbidade, bem como as
vantagens, para o interesse público, da rápida solução do caso.
(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021).
§ 3º Para fins de apuração do valor do dano a ser
ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas
competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros
utilizados, no prazo de 90 (noventa) dias. (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
§ 4º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá
ser celebrado no curso da investigação de apuração do ilícito,

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 138 de 338

ADI 7042 / DF

no curso da ação de improbidade ou no momento da execução


da sentença condenatória. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 5º As negociações para a celebração do acordo a que se
refere o caput deste artigo ocorrerão entre o Ministério
Público, de um lado, e, de outro, o investigado ou demandado
e o seu defensor. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 6º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá
contemplar a adoção de mecanismos e procedimentos internos
de integridade, de auditoria e de incentivo à denúncia de
irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de
conduta no âmbito da pessoa jurídica, se for o caso, bem como
de outras medidas em favor do interesse público e de boas
práticas administrativas. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 7º Em caso de descumprimento do acordo a que se
refere o caput deste artigo, o investigado ou o demandado
ficará impedido de celebrar novo acordo pelo prazo de 5
(cinco) anos, contado do conhecimento pelo Ministério
Público do efetivo descumprimento. (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
[...]

Foram também impugnados dispositivos que estão na própria Lei n.


14.230/2021, mas não foram incorporados à de n. 8.429/1992. Eis a
redação:

Art. 3º No prazo de 1 (um) ano a partir da data de


publicação desta Lei, o Ministério Público competente
manifestará interesse no prosseguimento das ações por
improbidade administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda
Pública, inclusive em grau de recurso.
§ 1º No prazo previsto no caput deste artigo suspende-se o
processo, observado o disposto no art. 314 da Lei nº 13.105, de
16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
§ 2º Não adotada a providência descrita no caput deste
artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.
Art. 4º Ficam revogados os seguintes dispositivos e seção

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 139 de 338

ADI 7042 / DF

da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992:


[…]
X - §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 8º, 9º, 10, 12 e 13 do art. 17;
[…]

Ambas as ações diretas de inconstitucionalidade, da relatoria do


ministro Alexandre de Moraes, tramitaram regularmente e já se
encontram maduras para julgamento.

Esse é o resumo da causa. Passo ao voto.

1. DA ADMISSIBILIDADE

As proponentes qualificam-se como entidades de classe de âmbito


nacional, nos termos do art. 103, IX, segunda parte, da Constituição
Federal.

Porquanto integradas apenas por advogados públicos, têm quadros


associativos homogêneos. O conteúdo dos dispositivos legais
impugnados diz respeito a prerrogativas e à atuação das categorias
funcionais abrangidas pelos entes associativos, o que revela a pertinência
temática.

Os dispositivos em tela integram diploma legislativo federal e foram


cotejados, na ação, com o texto da Constituição Federal.

Logo, objetivamente é viável o controle de constitucionalidade


postulado – exceto quanto ao art. 4º, X, da Lei n. 14.230/2021, como
explicarei adiante.

Verifico, a seguir, topicamente, a compatibilidade dos dispositivos


impugnados com a Constituição Federal.

2. DO MÉRITO

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

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ADI 7042 / DF

2.1 Artigo 17 da Lei n. 8.429/1992

O primeiro e principal item da impugnação em análise dirige-se à


legitimidade para o ajuizamento das ações de improbidade
administrativa, entregue com exclusividade ao Ministério Público pela
nova legislação (Lei n. 8.429/1992, art. 17, caput, na redação que lhe deu a
de n. 14.230/2021).

As associações afirmam inconstitucional a supressão da legitimidade


das entidades de direito público para promoverem ações de improbidade
de forma concorrente com o Ministério Público, sobretudo em casos nos
quais o patrimônio lesado é o das entidades representadas pela advocacia
pública.

Pois bem. De início, interessa recordar que a Constituição Federal


não definiu quais condutas seriam consideradas improbidade
administrativa, muito menos estipulou a quem pertenceria a
legitimidade para o ajuizamento das ações respectivas. Na verdade,
nossa Lei Fundamental apenas previu as sanções para a conduta ímproba
(CF, art. 37, § 4º) e determinou a sua instituição por lei.

Excetuados alguns casos de irregularidade no manejo de finanças


públicas (ADCT, art. 97, § 10, III, na redação dada pela Emenda
Constitucional n. 62/2009; art. 101, § 3º, na redação dada pela Emenda de
n. 99/2017; art. 104, II, na redação dada pela Emenda de n. 94/2016), a
técnica constitucional, nesse ponto, foi a de remeter a questão da
legitimidade ativa e passiva da ação de improbidade à disciplina
legislativa ordinária, tendo a Constituição, no art. 37, § 4º, fixado apenas
em linhas muito gerais a natureza das penas que deveriam ser aplicáveis
aos agentes responsáveis por improbidade administrativa:

Art. 37. [...]


[...]

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 141 de 338

ADI 7042 / DF

§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a


suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na
forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal
cabível.

Não é pequeno, portanto, o esforço hermenêutico para extrair de


princípios abstratos da Constituição a regra segundo a qual o legislador
não poderia limitar ao Ministério Público a legitimidade para a
propositura da ação. Com a devida vênia, não encontro no Texto
Constitucional essa limitação ao legislador.

Avaliando o que foi concebido pelo legislador, quer na Lei de 1992,


quer em sua recente alteração de 2021, não encontro elementos que
qualifiquem como inconstitucional esse último trabalho legislativo, salvo
quanto a um aspecto que mencionarei adiante.

Com efeito, o legislador ordinário, originalmente, mediante a Lei n.


8.429/1992, classificou a improbidade em três modalidades, segundo a
gravidade, a saber: (i) atos de improbidade administrativa que importam
em enriquecimento ilícito; (ii) atos de improbidade administrativa que
causam prejuízo ao erário; e (iii) atos de improbidade administrativa que
atentam contra os princípios da Administração Pública.

Ainda no uso da liberdade para formatar o procedimento de


persecução da improbidade, o legislador estipulou as sanções aplicáveis
a cada uma daquelas modalidades de improbidade administrativa (Lei n.
8.429/1992, art. 12): (i) ressarcimento integral do dano patrimonial; (ii)
perda dos bens ou dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; (iii)
perda da função pública; (iv) suspensão dos direitos políticos; (v) multa
civil; e (vi) proibição temporária de contratar com o poder público ou de
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

Dessas penas observa-se que tão só a reparação integral do dano,

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ADI 7042 / DF

como interesse a ser imediatamente tutelado, importa de maneira direta


ao ente estatal que tiver sido vítima do ato ímprobo: União, Estado-
Membro, Distrito Federal ou Município. As demais sanções têm propósito
nitidamente punitivo do agente e ocasionam benefício apenas indireto ou
reflexo à Administração Pública.

Acresce que a Fazenda Pública tem, inclusive, meios de impor


sanções (como perda do cargo ou da função pública, multa e proibição de
contratar com o poder público ou dele receber incentivos ou benefícios), a
exemplo dos atos autoexecutáveis expedidos em procedimentos
administrativos apropriados, de caráter disciplinar, sem necessidade de
judicialização (Lei n. 8.112/1990, arts. 116 e seguintes; Lei n. 14.133/2021,
art. 156).

Na prática, a retirada da legitimidade dos entes estatais para a


propositura da ação de improbidade suprimiu deles unicamente a
prerrogativa de buscar em juízo a suspensão dos direitos políticos do
demandado – sanção essa que, de fato, normalmente surge em ações
propostas pelo Ministério Público. As demais sanções continuam
podendo ser aplicadas pela Administração de modo muito mais facilitado
do que por processo judicial, isto é, o processo administrativo disciplinar.

Fábio Lima Quintas expõe que essa alteração legislativa tem por
fundamento a necessidade de evitar-se o uso abusivo da ação de
improbidade em lutas políticas entre grupos adversários. Diz o
articulista:

A retirada da legitimidade das pessoas jurídicas de Direito


Público, assim, se justificou pela compreensão de que a
estrutura administrativa — comumente marcada por alterações
de governo (como é próprio da democracia) — não pode
garantir uma atuação isenta e pode favorecer o uso abusivo da
ação de improbidade como meio de retaliação de gestores
antigos. Por outro lado, conferir legitimidade para a

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 143 de 338

ADI 7042 / DF

Administração Pública realizar acordos de não persecução cível


poderia favorecer o inverso: a proteção ilegítima de gestores
antigos.
Com isso em mente, o legislador trouxe para o regime
processual da ação de improbidade várias garantias e regras
processuais, destacando-se, para os fins da presente reflexão, o
protagonismo do Ministério Público como órgão
constitucionalmente moldado para promover "a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis" (artigo 127, CF).1

Se pensarmos apenas no âmbito federal, é difícil conceber que a


Advocacia-Geral da União, a qual conta com boa estrutura de pessoal e
grande independência técnica, venha a propor ações de improbidade
abusivas. Todavia, no âmbito de pequenas entidades políticas, as quais
não contam sequer com advocacia pública estruturada, não é exagero
imaginar o uso indevido das ações de improbidade contra adversários
políticos. E a legitimidade do ente público para a propositura das ditas
ações, sem risco algum para o agente público que decide por ajuizar tais
demandas, é um poderoso incentivo para lides temerárias.

Parece-me, com a devida vênia dos que têm entendimento diverso,


que o legislador, ante a experiência de trinta anos de aplicação da lei, com
exemplos os mais diversos pró e contra o texto original, pode
perfeitamente proceder a uma reformulação institucional dessa ação. E,
nessa reforma, é possível limitar ao Ministério Público a legitimidade
ativa para uso do remédio, porque é esse órgão mesmo que detém
normalmente legitimidade para agir perante o Poder Judiciário em causas
voltadas à punição político-administrativa de agentes públicos ou
privados por atos ilícitos contra o erário. Em matéria estritamente penal,
inclusive, a ação para a aplicação da sanção criminal é monopolizada pelo
1 É inconstitucional dar ao MP legitimidade exclusiva na improbidade? Conjur, 12 de
fevereiro de 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-fev-12/observatorio-
constitucional-inconstitucional-dar-mp-legitimidade-exclusiva-acao-improbidade. Acesso
em: 21 ago. 2022.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 144 de 338

ADI 7042 / DF

Ministério Público, por força de dispositivo constitucional expresso (CF,


art. 129, I).

Tais penas político-administrativas inserem-se de maneira clara no


âmbito do chamado direito administrativo sancionador, cuja similitude
com o direito penal, em termos operacionais, é evidente.

Sendo assim, não deve provocar qualquer estranheza que ao


Ministério Público tenha sido entregue a legitimidade privativa para a
propositura das ações que visem, por exemplo, a suspensão de direitos
políticos de gestor que tenha atuado com menoscabo ao postulado da
finalidade pública.

O Ministério Público está em melhores condições, em termos de


independência, imparcialidade e expertise, para promover esse tipo de
ação, encontrando-se naturalmente, entre as suas atribuições
institucionais, essas demandas, conforme se observa no disposto no art.
129, II e III, da Constituição Federal:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:


[...]
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos
serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta
Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua
garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para
a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e
de outros interesses difusos e coletivos;

Verdade que o § 1º do art. 129 da Constituição admite a legitimação


de terceiros para a propositura das ações civis previstas nesse dispositivo,
mas para tanto é indispensável que haja previsão expressa na própria
Constituição, ou, quando menos, em lei ordinária – o que não ocorre no
caso, a partir da reforma legislativa.

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ADI 7042 / DF

Pode-se discordar das ideias que levaram à produção da norma;


pode-se considerá-las inconvenientes, desagradáveis, falaciosas até, mas
isso não faz a norma inconstitucional. Seria preciso, para isso, que o texto
impugnado ofendesse diretamente a Constituição, o que, sempre com a
devida vênia, não me parece ter ocorrido – exceto quanto à questão das
ações de ressarcimento, às quais me referirei adiante.

Não se pode sequer invocar o silêncio constitucional como


argumento favorável à legitimidade ampla, pois o certo é que a
Constituição, quando quis evitar o monopólio de alguma ação, deixou
isso claro. Assim, por exemplo, no caso das ações de controle concentrado
de constitucionalidade no âmbito dos tribunais de justiça: a Constituição
Federal, embora tenha permitido que os Estados-Membros criassem seu
próprio rol de legitimados, ao mesmo tempo proibiu expressamente que
a legitimação para agir fosse atribuída a um único órgão (CF, art. 125, §
2º).

Na hipótese específica das ações civis que visam à proteção de


direitos difusos, a Constituição deu ao Ministério Público a competência
primacial e, no mais, deixou ao arbítrio do legislador o poder de ampliar
ou reduzir o rol dos legitimados (CF, art. 129, § 1º).

Imaginemos, por exemplo, que a Lei n. 8.429/1992, em sua redação


original, houvesse conferido à Ordem dos Advogados do Brasil ou a
organizações não governamentais o poder de ajuizar esse tipo de ação.
Será que agora não poderia o mesmo legislador retirar essa legitimidade?
Haveria aqui algum tipo de hierarquia entre leis ordinárias, de modo que
a Lei n. 8.429/1992, no ponto, seria irrevogável? Peço vênia aos que
pensam de modo diverso, mas me parece que estamos diante de um claro
espaço de conformação do legislador.

Todavia, há um ponto em que realmente a revogação da legitimação

10

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ADI 7042 / DF

de agir para a Fazenda Pública, pela Lei n. 8.429/1992, pode suscitar


interpretações inconstitucionais. Segundo os termos nos quais se encontra
redigida a Lei n. 8.429/1992 (art. 17), com as alterações promovidas pela
de n. 14.230/2021, tudo parece indicar que os entes estatais, diretamente
lesados por condutas ímprobas, foram despidos completamente de
legitimidade para a deflagração das correspondentes ações, inclusive as
de ressarcimento de danos.

A norma em análise (art. 17 da Lei n. 8.429/1992, na redação dada


pela de n. 14.230/2021), no ponto em que não permite o ajuizamento
sequer da ação de ressarcimento pela entidade pública lesada, é
desarrazoada e desproporcional, ao arrepio da cláusula do devido
processo legal em sua dimensão substantiva (CF, art. 5º, LIV). Isso porque
tal norma equivaleria a retirar do titular do direito a prerrogativa de
defendê-lo em juízo, em manifesto confronto com o art. 5º, XXXV, da
Constituição Federal, que assegura a todos o acesso à Justiça para a
defesa de direito próprio.

Com efeito, é fora de qualquer propósito afastar a legitimidade ativa


ad causam dos aludidos entes estatais para proporem ações de
improbidade que visem unicamente ao ressarcimento do dano ao erário.
Significaria isso, pura e simplesmente, impedir o lesado (no caso a
Fazenda Pública atingida) de exercer o direito de ação em busca da
reparação de direito seu, violado por agente ímprobo, ao arrepio do art.
5º, XXXV, da Constituição Federal, que, diga-se uma vez mais, garante a
todos, sem distinção, o acesso ao Poder Judiciário para a defesa de direito
próprio.

A melhor solução para sanar essa inconstitucionalidade parcial não


está, porém, em expungir-se do ordenamento jurídico a regra do art. 17,
caput, da Lei de Improbidade Administrativa, porquanto ela não é
completamente inconstitucional.

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 147 de 338

ADI 7042 / DF

Em respeito à legítima deliberação política dos Poderes Legislativo e


Executivo, com a qual se imbrica o princípio da presunção de
constitucionalidade das leis, considero que a regra não significa
necessariamente alijar a União, os Estados-Membros, o Distrito Federal e
os Municípios da legitimação ordinária para o ajuizamento das ações de
improbidade administrativa.

A propósito, ao deferir parcialmente, ad referendum da Corte, a


medida cautelar vindicada, assim concluiu o Ministro Relator:

[...] (A) CONCEDER INTERPRETAÇÃO CONFORME A


CONSTITUIÇÃO FEDERAL ao caput e §§ 6º-A, 10-C e 14, do
artigo 17 da Lei nº 8.429/92, com a redação dada pela Lei nº
14.230/2021, no sentido da EXISTÊNCIA DE LEGITIMIDADE
ATIVA CONCORRENTE ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO E
AS PESSOAS JURÍDICAS INTERESSADAS PARA A
PROPOSITURA DA AÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA;
[...]

Aqui, se me permite Sua Excelência, proponho apenas uma pequena


distinção. A competência concorrente mostra-se possível nas hipóteses em
que o ente estatal tiver sofrido dano patrimonial e busque reparação,
sendo objeto da ação de improbidade o pedido do correspondente
ressarcimento integral.

Recordo que o ressarcimento integral do dano é considerado pela


Constituição Federal uma sanção autônoma pela prática do ato de
improbidade (CF, art. 37, § 4º), de modo que a ação apta a buscar a
reparação tendo por causa de pedir a possível prática de improbidade
administrativa é ação de improbidade também, como qualquer outra,
embora limitada ao pedido de aplicação de apenas uma das sanções, o
que não impediria que o Ministério Público eventualmente também
ingressasse com ação de improbidade a fim de ver aplicadas outras

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 148 de 338

ADI 7042 / DF

sanções. Aliás, na sistemática atual, não é raro que o gestor responda por
ações de improbidades propostas pelo Ministério Público e pela
advocacia pública em razão dos mesmos fatos.

Hipóteses diversas, como naquelas de atos atentatórios a princípios


da Administração Pública, sem efetivo dano patrimonial ao erário, devem
ficar subordinadas à legitimidade ativa ad causam do Ministério Público,
de acordo com decisão do legislador, dentro do espaço de conformação
que lhe foi outorgado pela Constituição, como expressei acima.

Vale reafirmar. No caso de prejuízo ao erário, a ensejar o


correspondente pedido de ressarcimento, a legitimidade ativa ad causam
não poderia ter sido subtraída à Fazenda Pública. A ela, por sua
advocacia ou procuradoria, ainda mais até que ao Ministério Público,
incumbe acionar o Poder Judiciário (CF, arts. 131 e 132) para tal finalidade
(restituição aos cofres públicos).

No ressarcimento, a legitimação da Fazenda Pública é inclusive


ordinária, pois está ela em juízo reclamando direito próprio. O Ministério
Público, por sua vez, tem legitimidade extraordinária, para defender em
nome próprio direito alheio, em decorrência da previsão constante da lei
(Lei n. 8.429/1992, art. 17, caput).

Não havendo prejuízo ao erário, tampouco há legitimidade


ordinária em favor do ente estatal para a propositura de ação de
improbidade. A lesão mais claramente se dirige ao interesse difuso de
tutela da moralidade administrativa que ao interesse do Estado-aparato –
União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios –, entendido
como pessoa dotada de personalidade jurídica de direito público.

A legitimidade do Ministério Público, nessas situações sem dano


patrimonial ao Estado, decorre não apenas da lei, mas antes da própria
Constituição Federal (CF, art. 127, caput):

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 149 de 338

ADI 7042 / DF

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente,


essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis.

Por tais razões, divirjo parcialmente da solução dada pelo Ministro


Relator, quanto ao art. 17 da Lei n. 8.429/1992. Proponho que o Tribunal
dê ao dispositivo interpretação conforme à Constituição Federal, de sorte
a reconhecer, também aos entes estatais, legitimidade para o ajuizamento
das ações por improbidade administrativa apenas em casos nos quais
haja alegação de danos ao erário e a ação proposta pela Fazenda Pública
vise exclusivamente ao ressarcimento.

2. 2 Art. 17-B da Lei n. 8.429/1992

Pelos mesmos fundamentos já expostos, concluo de maneira idêntica


quanto aos acordos de não persecução civil (Lei n. 8.429/1992, art. 17-B). A
legitimidade da Fazenda Pública deve ficar restrita ao ressarcimento.

Logo, havendo prejuízo ao erário, a legitimidade para celebrar


acordo de não persecução civil será do Ministério Público e do ente
estatal, concorrentemente, este apenas quanto à questão da restituição aos
cofres públicos.

Não há inconstitucionalidade quando a lei atribui ao Ministério


Público a prerrogativa exclusiva de celebrar, com o perpetrador da
improbidade, acordo de não persecução civil. Todavia, para que tal regra
de legitimidade se ajuste aos mandamentos da Constituição Federal, é
imprescindível condicionar o cogitado acordo à prévia manifestação do
ente lesado (o que fez o legislador, conforme se observa no art. 17-B, § 1º,
I, da Lei n. 8.429/1992, na redação dada pela de n. 14.230/2021).

Não se pode, ademais, deixar de admitir que a Fazenda Pública, ela

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 150 de 338

ADI 7042 / DF

mesma, faça o acordo de não persecução civil, especificamente quanto ao


ressarcimento, em caso de danos ao erário. Tal proibição, que pode ser
extraída de interpretação literal da norma impugnada, induziria certa
incapacidade jurídica ao ente público, totalmente incompatível com a
independência de atuação que é ínsita ao Poder Executivo (CF, art. 2º). O
Ministério Público, nesse último caso, deve ser ouvido como fiscal da
ordem jurídica.

Em suma, ao art. 17-B deve ser dada interpretação conforme para


admitir-se o acordo de não persecução celebrado pela Fazenda Pública,
especificamente quanto ao montante do ressarcimento, quando houver
lesão ao erário.

Se o acordo for celebrado pelo Parquet, dependerá da aquiescência


da Fazenda Pública interessada, conforme dispõe a própria Lei n.
8.429/1992. Se for essa última a celebrá-lo, deverá manifestar-se o
Ministério Público, na condição de curador da ordem jurídica e dos
interesses sociais indisponíveis.

Creio que assim se estabelece uma solução hermenêutica


equilibrada, a respeitar, por um lado, a autonomia da Administração para
defender-se contra atos lesivos e, por outro, a liberdade do legislador
para modelar o procedimento da ação de improbidade administrativa.

2.3 Art. 17, § 20, da Lei n. 8.429/1992

O § 20 do art. 17 da Lei n. 8.429/1992 está assim redigido:

Art. 17. […]


[…]
§ 20. A assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a
legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo
administrador público ficará obrigada a defendê-lo
judicialmente, caso este venha a responder ação por

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 151 de 338

ADI 7042 / DF

improbidade administrativa, até que a decisão transite em


julgado.

Sustentam as autoras das ações diretas que, quando às


Procuradorias se impõe o ônus de defender agentes públicos ímprobos, a
legislação ofende a autonomia e o poder de auto-organização dos entes
subnacionais.

Com a devida vênia, tal argumento não procede. A norma é típica de


direito processual, ao atribuir a certo patrono a legitimidade ad processum
para a prática dos atos processuais de defesa do acusado de improbidade.
Assim, está dentro da competência legislativa própria da União (CF, art.
22, I).

As procuradorias dos Estados, ao atuarem em juízo, o fazem sob a


disciplina do direito processual, editado pela União, e não de normas
locais. Logo, não há qualquer inconstitucionalidade formal em lei federal
criar obrigações de representação processual para as procuradorias locais,
quando estas têm implicação direta com os fatos discutidos em juízo.
Veja-se que a lei federal não criou uma representação arbitrária para as
procuradorias locais; antes, disciplinou um aspecto relevante dos atos
praticados pela própria procuradoria, quando esses são questionados em
juízo.

Ao contrário do que afirmam as autoras, não foi instituído para as


Procuradorias dos Estados-Membros, pura e simplesmente, a obrigação
de defender agentes públicos acusados de improbidade. A lei impugnada
determina claramente que cabe à assessoria jurídica a defesa do parecer
atestando a legalidade do ato praticado, o que apenas eventual e
indiretamente implicará a defesa do agente público.

Por exemplo, se o servidor tiver agido de forma diversa do


recomendado pelo parecer jurídico, já não haverá, pela lei, a obrigação de
defesa dele pela advocacia pública, na hipótese de ser acusado de

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 152 de 338

ADI 7042 / DF

improbidade. Igualmente, se o próprio parecer foi acoimado de ímprobo,


é claro que não haverá obrigação para a Fazenda de defender o parecer.
Então, não é o agente que a assessoria jurídica defende, mas o ato por ele
praticado.

Aliás, a legitimidade das autoras para a impugnação desse ponto da


lei é até questionável, porque o diploma legal emprega a locução
“assessoria jurídica”. Por ela se deve entender, obviamente, qualquer
órgão técnico-jurídico da Administração direta e indireta, e não apenas
aqueles da Advocacia Pública (CF, arts. 131 e 132).

A Assessoria Jurídica das Empresas Públicas e Sociedades de


Economia Mista, por exemplo, que não integram o conceito de advocacia
pública, também estão abrangidas pela norma impugnada. O mesmo se
diz quanto a pareceristas privados, escritórios contratados em pequenos
municípios que não têm procuradoria estruturada. Se derem pareceres
que embasem atos administrativos, depois devem defender esses pontos
de vista, caso o agente seja acusado de improbidade a despeito de ter
agido de acordo com o parecer.

Em adição, deve-se observar que o ônus atribuído às tais assessorias


jurídicas não é irrestrito, e muito menos sem razão. Volto a insistir: para
que ele ocorra, é necessário que o ato administrativo alegadamente
ímprobo tenha sido praticado de acordo com prévio parecer favorável da
assessoria jurídica da entidade ou do órgão público.

Importa ter em mente, por isso mesmo, que a defesa da tese da


higidez do ato administrativo sob censura significará, antes de tudo, a
defesa do ato do órgão consultivo e só reflexamente do agente público
que o praticou.

Ora, se o ato administrativo decorreu de parecer jurídico favorável,


nada mais lógico que o defenda o órgão técnico inicialmente afiançador.

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 153 de 338

ADI 7042 / DF

Por coerência, o órgão jurídico que predisse a legalidade do ato


administrativo tem o dever ético e jurídico de sustentar esse
entendimento em juízo, o que apenas indiretamente beneficiará o
acusado da prática de improbidade.

Não se pode perder de vista que muitas vezes o administrador nem


sequer é alguém da área jurídica. É justo que, tendo agido em
conformidade com o parecer do órgão de assessoramento legal, ele seja
assistido por essa assessoria e não tenha de contratar terceiros, com
recursos próprios, para sustentar a legalidade de ato praticado de acordo
com a orientação técnico-jurídica que lhe foi dada.

O órgão técnico-jurídico foi obrigado por lei a defender o ato


administrativo praticado de acordo com prévio parecer autorizativo que
emitiu, e não propriamente o agente, embora por decorrência lógica,
acabe também, com base nos mesmos fundamentos, defendendo o agente
público que vier a ser acusado.

Reitero que desarrazoado seria o contrário, isto é, que a assessoria


jurídica repudiasse a sua obra e entregasse à própria sorte aquele que,
confiando no órgão de expertise, venha a ser acusado de ter praticado
improbidade administrativa.

Não deixa de ser irônico que, na mesma ação direta de


inconstitucionalidade em que se pede que a advocacia pública possa
ajuizar certas ações punitivas não propriamente dentro do seu foco de
atuação, peça-se também o contrário, isto é, que a advocacia pública não
defenda atos que ela mesma afiançou. Com a devida vênia, percebo certa
incoerência nessa cumulação de pedidos.

Em vista das ponderações feitas pelo ministro Dias Toffoli, porém,


considero oportuna a leitura feita por Sua Excelência no sentido de que a
consultoria jurídica tenha certa flexibilidade em defender ou não o

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 154 de 338

ADI 7042 / DF

agente, conforme avaliação que fizer dos elementos concretos do caso. E,


assim, adiro ao entendimento de Sua Excelência, considerando que a
norma em comento deve representar uma autorização, e não um
mandamento, para a Administração Pública.

Por essas razões, reputo constitucional o art. 17, § 20, da Lei de


Improbidade Administrativa, por estar perfeitamente dentro do espaço
de conformação do legislador e ter um fundamento razoável para a sua
edição, mas proponho a interpretação conforme, no sentido defendido
pelo ministro Dias Toffoli e pelas razões apresentadas por Sua Excelência,
para considerar que a Administração Pública tem a faculdade, e não o
dever, de defender agente ou ex-agente acusado de improbidade.

2.4 Art. 3º da Lei n. 14.230/2021

O dispositivo impugnado tem a seguinte redação:

Art. 3º No prazo de 1 (um) ano a partir da data de


publicação desta Lei, o Ministério Público competente
manifestará interesse no prosseguimento das ações por
improbidade administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda
Pública, inclusive em grau de recurso.
§ 1º No prazo previsto no caput deste artigo suspende-se o
processo, observado o disposto no art. 314 da Lei nº 13.105, de
16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
§ 2º Não adotada a providência descrita no caput deste
artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.

Trata-se de norma de transição coerente com a nova disciplina dada


à legitimidade ativa para a propositura da ação de improbidade
administrativa. Logo, em todos os casos em que seja constitucional a
exclusão da legitimidade ativa da Fazenda Pública para a propositura da
ação de improbidade, conforme já expus, é também constitucional a regra
de transição ora impugnada.

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 155 de 338

ADI 7042 / DF

No entanto, a interpretação conforme à Constituição Federal que


propus há pouco, admitindo a Fazenda Pública como legitimada
concorrente para a propositura de ações voltadas exclusivamente ao
ressarcimento dos cofres públicos, em casos de improbidade que
implique lesão ao erário, faz com que também precisemos, aqui, atribuir
interpretação conforme à regra de transição.

Ora, se a entidade estatal tem legitimidade concorrente para a


propositura da ação de improbidade nas hipóteses de busca exclusiva de
ressarcimento por danos causados ao erário, não faz qualquer sentido
condicionar seu prosseguimento à assunção da ação pelo Ministério
Público.

Portanto, nas ações de ressarcimento ajuizadas pela Fazenda Pública,


presente improbidade que cause dano ao erário, não se mostra necessária
a aplicação da regra de transição ora impugnada, pois a Fazenda Pública
permanece com legitimidade, segundo penso, para propor a demanda.

Na prática, então, ações que já tenham sido ajuizadas pelos entes


estatais e que persigam apenas o ressarcimento de dano patrimonial ao
erário, devem continuar normalmente, sem que o juiz precise fazer
nenhum tipo de intimação para efeito de mudança no polo ativo.

Nessas ações, a legitimidade ativa ad causam pertence naturalmente


ao Estado-administração, como já expus, razão por que não caberia ao
Ministério Público assumir a autoria.

Quanto às ações em que a Fazenda Pública pede exclusivamente a


imposição de penas a agentes ou ex-agentes públicos diversas do
ressarcimento ao erário – tais como suspensão dos direitos políticos ou
perda da função pública –, aí, sim, é caso de aplicar-se essa norma, a qual
não apresenta inconstitucionalidade alguma, sendo mera opção política

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 156 de 338

ADI 7042 / DF

do legislador, com a qual podemos pessoalmente concordar ou não, mas


que está perfeitamente dentro do quadro de atuação permitida ao
Congresso Nacional.

Naquelas ações em que a Fazenda Pública busca ressarcimento e


cumulativamente outras sanções, está claro que o juiz deve aplicar a regra
do art. 3º, caput. Se, contudo, o Ministério Público não manifestar
interesse no prosseguimento quanto à demanda punitiva veiculada na
ação, deverá o magistrado extinguir sem resolução de mérito apenas essa
parte da ação, deixando prosseguir a de ressarcimento originalmente
ajuizada pela Fazenda – e nesses termos proponho interpretação
conforme ao § 2º do art. 3º da Lei n. 14.230/2021.

2.5 Inciso X do art. 4º da Lei n. 14.230/2021

A norma impugnada revogou dispositivos da Lei n. 8.429/1992, in


verbis:

Art. 4º. Ficam revogados os seguintes dispositivos e seção


da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992:
[…]
X - §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 8º, 9º, 10, 12 e 13 do art. 17;”
[…]

Em específico, a impugnação não aponta qualquer parâmetro de


controle que haja sido violado pelas revogações decorrentes do art. 4º, X,
da Lei n. 14.230/2021. As normas revogadas referiam-se majoritariamente
à articulação das ações propostas pela Fazenda Pública com a atuação do
Ministério Público. Visto que considero constitucional a atribuição da
legitimidade exclusiva ao Ministério Público – exceto nas ações de
ressarcimento –, a disciplina decaída perdeu mesmo o sentido e seria
revogada, na pior das hipóteses, tacitamente.

Ademais, como bem fez anotar o Procurador-Geral da República, as

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 157 de 338

ADI 7042 / DF

normas dos dispositivos revogados subsistem, ainda que sem absoluta


identidade de conteúdo e agora ajustadas ao novo modelo legislativo,
noutras que lhes vieram a substituir.

Por isso, no particular, deixo de conhecer das ações, conforme


precedentes desta Corte.

Diante de todo o exposto, conheço parcialmente das ações e, nessa


extensão, julgo-as, em parte, procedentes para:

(i) assentar a constitucionalidade dos arts. 17 e 17-B da Lei


n. 8.429/1992, na redação dada pela de n. 14.230/2021,
atribuindo-lhes interpretação conforme de maneira a
reconhecer, quando existir prejuízo ao erário, a subsistência de
legitimidade ativa concorrente entre o Ministério Público e as
pessoas jurídicas interessadas, para a propositura das ações de
improbidade voltadas ao ressarcimento e para a celebração de
acordos de não persecução que visem exclusivamente à
restituição ao erário;
(ii) declarar a constitucionalidade do art. 17, § 20, da Lei n.
8.429/1992, na redação dada pela de n. 14.230/2021, conferindo-
lhe interpretação conforme a fim de esclarecer que a
Administração tem a faculdade, e não o dever, de defender o
agente ou ex-agente acusado de improbidade;
(iii) declarar a constitucionalidade do art. 3º, caput e §§ 1º e
2º, da Lei n. 14.230/2021, atribuindo-lhes interpretação
conforme à Constituição para estabelecer que tal disciplina
transitória não se aplica à pretensão de ressarcimento ajuizada
pela Fazenda Pública, a qual permanece sob a sua legitimidade.
(iv) não conhecer das ações quanto à impugnação ao art.
4º, X, da Lei n. 14.230/2021 e declarar plenamente
constitucionais todos os demais dispositivos impugnados
conforme os fundamentos expostos.

É como voto, Senhor Presidente.

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

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25/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

VOTO VOGAL CONJUNTO ADI 7042 E 7043

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Adoto o bem lançado relatório


elaborado pelo i. Relator.
Em apertada síntese, trata-se de ações diretas de
inconstitucionalidade ajuizadas pela Associação Nacional dos
Procuradores dos Estados e do Distrito Federal ANAPE (ADI 7042) e pela
Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais ANAFE, que
impugnam modificações legislativas na Lei de Improbidade
Administrativa (Lei nº 8.429/1992) pela Lei nº 14.230/2021, as quais
retiraram das pessoas jurídicas de direito público interessadas a
legitimação processual para ajuizar ações de improbidade e para firmar
acordos de não persecução civil.
Eis o teor dos dispositivos impugnados:

Lei 8.429/1992

“Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata


esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o
procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março
de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei.
(Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
[…]
§ 14 Sem prejuízo da citação dos réus, a pessoa jurídica
interessada será intimada para, caso queira, intervir no
processo. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
[…]
§ 20 A assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a
legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo
administrador público ficará obrigada a defendê-lo
judicialmente, caso este venha a responder ação por

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improbidade administrativa, até que a decisão transite em


julgado. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)”

“Art. 17-B. O Ministério Público poderá, conforme as


circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo de não
persecução civil, desde que dele advenham, ao menos, os
seguintes resultados: (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
I - o integral ressarcimento do dano; (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
II - a reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem
indevida obtida, ainda que oriunda de agentes privados.
(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 1º A celebração do acordo a que se refere o caput deste
artigo dependerá, cumulativamente: (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
I - da oitiva do ente federativo lesado, em momento
anterior ou posterior à propositura da ação; (Incluído pela Lei
nº 14.230, de 2021)
II - de aprovação, no prazo de até 60 (sessenta) dias, pelo
órgão do Ministério Público competente para apreciar as
promoções de arquivamento de inquéritos civis, se anterior ao
ajuizamento da ação; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
III - de homologação judicial, independentemente de o
acordo ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de
improbidade administrativa. (Incluído pela Lei nº 14.230, de
2021)
§ 2º Em qualquer caso, a celebração do acordo a que se
refere o caput deste artigo considerará a personalidade do
agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a
repercussão social do ato de improbidade, bem como as
vantagens, para o interesse público, da rápida solução do caso.
(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021).
§ 3º Para fins de apuração do valor do dano a ser
ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas
competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros
utilizados, no prazo de 90 (noventa) dias. (Incluído pela Lei nº

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14.230, de 2021)
§ 4º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá
ser celebrado no curso da investigação de apuração do ilícito,
no curso da ação de improbidade ou no momento da execução
da sentença condenatória. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 5º As negociações para a celebração do acordo a que se
refere o caput deste artigo ocorrerão entre o Ministério Público,
de um lado, e, de outro, o investigado ou demandado e o seu
defensor. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 6º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá
contemplar a adoção de mecanismos e procedimentos internos
de integridade, de auditoria e de incentivo à denúncia de
irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de
conduta no âmbito da pessoa jurídica, se for o caso, bem como
de outras medidas em favor do interesse público e de boas
práticas administrativas. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 7º Em caso de descumprimento do acordo a que se refere
o caput deste artigo, o investigado ou o demandado ficará
impedido de celebrar novo acordo pelo prazo de 5 (cinco) anos,
contado do conhecimento pelo Ministério Público do efetivo
descumprimento. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)”

Lei 14.230/2021

“Art. 3º. No prazo de 1 (um) ano a partir da data de


publicação desta Lei, o Ministério Público competente
manifestará interesse no prosseguimento das ações por
improbidade administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda
Pública, inclusive em grau de recurso.
§ 1º No prazo previsto no caput deste artigo suspende-se o
processo, observado o disposto no art. 314 da Lei nº 13.105, de
16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
§ 2º Não adotada a providência descrita no caput deste
artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.”

“Art. 4º. Ficam revogados os seguintes dispositivos e seção

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da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992:


[…]
X - §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 8º, 9º, 10, 12 e 13 do art. 17;”

A Advocacia-Geral da União pugnou pela improcedência dos


pedidos:

“Administrativo. Normas da Lei nº 14.230/2021, que modificam


disposições contidas na Lei federal nº 8.429/1992 e dispõem sobre a
propositura e o procedimento das ações por improbidade
administrativa. Do papel de curadoria da norma desempenhada pelo
Advogado-Geral da União por força do artigo 103, § 3º, da CF.
Alegação de vício formal. Inocorrência de violação aos parâmetros
invocados. As normas sob invectiva tratam de direito processual e
estão inseridas no âmbito de competência legislativa privativa da
União. Caráter nacional da legislação impugnada. Uniformidade do
sistema de responsabilização por atos de improbidade. A legitimidade
do Ministério Público para a propositura de ações por improbidade
administrativa compatibiliza-se com as funções constitucionalmente
atribuídas ao Parquet. Opção legislativa sobre critérios e alternativas
de política sancionatória. No mérito, improcedência dos pedidos.”

Por sua vez, a Procuradoria-Geral da República opinou pela


procedência parcial dos pedidos:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI


8.429/1992. LEI 14.230/2021. AÇÃO POR ATO DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ACORDO DE NÃO
PERSECUÇÃO CÍVEL. FAZENDA PÚBLICA. LEGITIMIDADE
ATIVA CONCORRENTE COM O MINISTÉRIO PÚBLICO.
DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO PODER
JUDICIÁRIO. DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO.
PROBIDADE ADMINISTRATIVA. REPRESENTAÇÃO
JUDICIAL. AGENTE PÚBLICO. ADVOCACIA PÚBLICA.
LEGALIDADE DE ATO ATESTADA EM PRÉVIO PARECER
JURÍDICO. CONSTITUCIONALIDADE.

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1. Entidade de classe representativa dos procuradores do Estado


e do Distrito Federal tem legitimidade para impugnar, em controle
concentrado, normas que guardam estrita relação com atividades
prestadas pela classe representada. Precedentes.
2. A legitimação da Fazenda Pública para propor ações por ato
de improbidade administrativa é de natureza ordinária, em defesa de
seu patrimônio.
3. Lei que exclui a legitimidade das pessoas jurídicas
interessadas para a propositura de ação por ato de improbidade
administrativa transgride o direito fundamental de acesso ao Poder
Judiciário e o dever de conservação do patrimônio público (arts. 5º,
XXXV, e 23, I, da Constituição Federal).
4. A possibilidade de celebração de acordos de não persecução
cível, uma vez prevista em lei, estende-se às pessoas jurídicas
interessadas (sem interferir na competência própria do Ministério
Público), sob pena de vulneração da segurança jurídica e da harmonia
do ordenamento jurídico.
5. É constitucional o § 20 do art. 17 da Lei 8.429/1992, que
prevê representação judicial de agente público em ação por ato de
improbidade administrativa por órgão da advocacia pública, quando a
legalidade do ato questionado tiver sido previamente atestada em
parecer da consultoria jurídica.
Parecer pela procedência parcial dos pedidos para: (i) declarar a
inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do caput e dos §§
6º-A e 10-C do art. 17, bem como do caput e dos §§ 5º e 7º do art. 17-
B, todos da Lei 8.429/1992, com redação dada pela Lei 14.230/2021, a
fim de restabelecer a legitimidade das pessoas jurídicas interessadas
tanto para ajuizar ações por ato de improbidade administrativa quanto
para celebrar acordos de não persecução civil; e (ii) declarar
inconstitucional o art. 3º e seus parágrafos da Lei 14.230/2021.”

Em 17 de fevereiro do ano corrente, o i. Ministro Relator concedeu


em parte a cautelar pleiteada em ambas as ações, para:

“(A) CONCEDER INTERPRETAÇÃO CONFORME A


CONSTITUIÇÃO FEDERAL ao caput e §§ 6º-A, 10-C e 14, do

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artigo 17 da Lei nº 8.429/92, com a redação dada pela Lei nº


14.230/2021, no sentido da EXISTÊNCIA DE LEGITIMIDADE
ATIVA CONCORRENTE ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO E
AS PESSOAS JURÍDICAS INTERESSADAS PARA A
PROPOSITURA DA AÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA;
(B) SUSPENDER OS EFEITOS do § 20, do artigo 17 da Lei nº
8.429/92, com a redação dada pela Lei nº 14.230/2021, em relação a
ambas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (7042 e 7043);
(C) SUSPENDER OS EFEITOS do artigo 3º da Lei nº
14.230/2021.”

Passa-se ao exame do mérito.

Legitimidade ativa

Suscitam as autoridades responsáveis pela defesa das normas ora


impugnadas que ambas as Requerentes Associação Nacional dos
Procuradores dos Estados e do Distrito Federal e Associação Nacional dos
Advogados Públicos Federais não possuem legitimidade para ajuizar
ação direta de inconstitucionalidade, por não ser possível verificar a
relação de pertinência temática entre os dispositivos e a atividade
desempenhada pelas Autoras, que não são listadas pela Constituição
como legitimadas universais para o ajuizamento de demandas de
controle concentrado perante esta Corte.
No entanto, compreendo não assistir razão ao argumento.
De fato, tanto a ANAPE como a ANAFE consistem em associações
constituídas para a defesa das prerrogativas e direitos de seus membros,
Procuradores de Estado e do Distrito Federal e Advogados Públicos
Federais, carreiras com assento constitucional e que representam os entes
públicos em juízo e também extrajudicialmente.
Analisando-se os dispositivos impugnados na presente ação,
depreendo que todos eles se referem à própria atividade
constitucionalmente conferida a essas carreiras, atuantes na defesa do

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patrimônio público e da moralidade administrativa por exigência da


Carta Magna.
Portanto, rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa das Autoras.

Da inconstitucionalidade material da legitimação exclusiva do


Ministério Público para ajuizamento de ação de improbidade

As duas ações diretas de inconstitucionalidade questionam a


reforma operada na Lei de Improbidade Administrativa, que retirou a
legitimidade das pessoas jurídicas de direito público interessadas na
tutela da probidade e do respectivo patrimônio, para o ajuizamento de
ação de improbidade, atribuindo com exclusividade ao Ministério
Público esse mister.
Apontam violação ao pacto federativo, à competência comum dos
entes federados na proteção do patrimônio público, ao desenho
constitucional das atribuições do Ministério Público, das Advocacias
Públicas, bem como à adequada tutela da probidade administrativa.
E, efetivamente, em analise da matéria posta à análise, depreendo
que a mudança legislativa operada pela Lei nº 14.230/2021, no ponto, é
inconstitucional, pelas razões que abaixo demonstro.
Como acima já apontei, a ação de improbidade, no cumprimento de
seu mister constitucional, tem como objetivo coibir e sancionar atos que
destoem da moralidade esperada de todos aqueles que lidam com a coisa
pública, não apenas dos servidores efetivos, mas também de particulares
que participem de avenças com os Poderes Públicos, e dos agentes
políticos, a denotar a exigência de uma maior atenção ao princípio
constitucionalmente positivado.
Como afirmam José Roberto Pimenta Oliveira e Dinorá Adelaide
Musetti Grotti:

“A vedação à prática de atos de improbidade


administrativa é concretização constitucional autêntica do
Princípio Republicano e seus corolários de moralidade e
impessoalidade no exercício das atividades estatais.

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Relacionado com a moralidade administrativa (artigo 37,


caput), a probidade é o bem jurídico catalisador desse regime
de Direito Administrativo Sancionador, cabendo ao legislador
decantá-lo e projetar ilícitos que visem sua tutela (na forma de
lesão ou perigo de lesão), sendo cristalina a admissão da tutela
da honestidade, zelo ao patrimônio público, imparcialidade e
lealdade institucional, extraídos da matriz ética
constitucionalizada, como eixos axiológicos fundamentais do
sistema.
A proteção dada ao bem jurídico indica que a tipificação
constitucional da improbidade administrativa atinge o exercício
de qualquer função estatal. Abrange, por conseguinte, o
exercício de funções administrativas, legislativas e
jurisdicionais, bem como quaisquer outras funções públicas a
cargos das Instituições de Estado (destacadamente, Ministério
Público e Tribunais de Contas). Não houve nenhuma restrição
pessoal ou funcional ao campo de incidência constitucional do
regime de improbidade. Do mesmo modo, o domínio punitivo
vai abranger a possibilidade de imposição de sanções a
quaisquer pessoas físicas (mesmo não ostentando vínculos
individualizados estatutários ou não com o Estado) e jurídicas,
envolvidas na prática da improbidade.”
(OLIVEIRA, J. R. P; Grotti, D. A. M. Panorama crítico da
Lei de Improbidade Administrativa, com as alterações da Lei
14.230/2021. Revista de Direito Administrativo, Infraestrutura,
Regulação e Compliance . n. 20. ano 6. p. 97-141. São Paulo: Ed.
RT, jan./mar. 2022. Disponível em: RTDoc 27-07-2022 2_41
(AM).pdf. Acesso em: 27 de julho de 2022.)

É do texto constitucional que advém a legitimidade para a


elaboração da legislação a regular a aplicação de sanções aos atos
ímprobos, sancionamento esse que não pode ser definido como de
natureza penal, nos termos do §4º do artigo 37 da Constituição da
República, até mesmo porque a própria redação do dispositivo especifica
as penalidades e determina sua aplicação, independentemente da
aplicação de sanções em ação penal:

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“§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a


suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na
forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal
cabível.”

Esta Corte já assentou, em diversas oportunidades, o caráter civil da


ação de improbidade, fundada em interpretação constitucional que não se
modifica com as reformas operadas na Lei de Improbidade. A
exemplificar, cite-se o julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 2729:

“EMENTA: (…)
IV. Ação de improbidade administrativa: extensão da
competência especial por prerrogativa de função estabelecida
para o processo penal condenatório contra o mesmo dignitário
(§ 2º do art. 84 do C Pr Penal introduzido pela L. 10.628/2002):
declaração, por lei, de competência originária não prevista na
Constituição: inconstitucionalidade. 1. No plano federal, as
hipóteses de competência cível ou criminal dos tribunais da
União são as previstas na Constituição da República ou dela
implicitamente decorrentes, salvo quando esta mesma remeta à
lei a sua fixação. 2. Essa exclusividade constitucional da fonte
das competências dos tribunais federais resulta, de logo, de ser
a Justiça da União especial em relação às dos Estados,
detentores de toda a jurisdição residual. 3. Acresce que a
competência originária dos Tribunais é, por definição,
derrogação da competência ordinária dos juízos de primeiro
grau, do que decorre que, demarcada a última pela
Constituição, só a própria Constituição a pode excetuar. 4.
Como mera explicitação de competências originárias implícitas
na Lei Fundamental, à disposição legal em causa seriam
oponíveis as razões já aventadas contra a pretensão de
imposição por lei ordinária de uma dada interpretação
constitucional. 5. De outro lado, pretende a lei questionada

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equiparar a ação de improbidade administrativa, de natureza


civil (CF, art. 37, § 4º), à ação penal contra os mais altos
dignitários da República, para o fim de estabelecer
competência originária do Supremo Tribunal, em relação à
qual a jurisprudência do Tribunal sempre estabeleceu nítida
distinção entre as duas espécies. 6. Quanto aos Tribunais
locais, a Constituição Federal -salvo as hipóteses dos seus arts.
29, X e 96, III -, reservou explicitamente às Constituições dos
Estados-membros a definição da competência dos seus
tribunais, o que afasta a possibilidade de ser ela alterada por lei
federal ordinária. (…)”
(ADI 2797, Relator(a): SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal
Pleno, julgado em 15/09/2005, DJ 19-12-2006 PP-00037 EMENT
VOL-02261-02 PP-00250)

Mais recentemente, ao fixar a compreensão acerca da inexistência de


foro privilegiado para o julgamento das ações de improbidade, esta Corte
assim decidiu:

“Ementa: Direito Constitucional. Agravo Regimental em


Petição. Sujeição dos Agentes Políticos a Duplo Regime
Sancionatório em Matéria de Improbidade. Impossibilidade de
Extensão do Foro por Prerrogativa de Função à Ação de
Improbidade Administrativa. 1. Os agentes políticos, com
exceção do Presidente da República, encontram-se sujeitos a um
duplo regime sancionatório, de modo que se submetem tanto à
responsabilização civil pelos atos de improbidade
administrativa, quanto à responsabilização político-
administrativa por crimes de responsabilidade. Não há
qualquer impedimento à concorrência de esferas de
responsabilização distintas, de modo que carece de fundamento
constitucional a tentativa de imunizar os agentes políticos das
sanções da ação de improbidade administrativa, a pretexto de
que estas seriam absorvidas pelo crime de responsabilidade. A
única exceção ao duplo regime sancionatório em matéria de
improbidade se refere aos atos praticados pelo Presidente da

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República, conforme previsão do art. 85, V, da Constituição. 2.


O foro especial por prerrogativa de função previsto na
Constituição Federal em relação às infrações penais comuns
não é extensível às ações de improbidade administrativa, de
natureza civil. Em primeiro lugar, o foro privilegiado é
destinado a abarcar apenas as infrações penais. A suposta
gravidade das sanções previstas no art. 37, § 4º, da
Constituição, não reveste a ação de improbidade
administrativa de natureza penal. Em segundo lugar, o foro
privilegiado submete-se a regime de direito estrito, já que
representa exceção aos princípios estruturantes da igualdade e
da república. Não comporta, portanto, ampliação a hipóteses
não expressamente previstas no texto constitucional. E isso
especialmente porque, na hipótese, não há lacuna
constitucional, mas legítima opção do poder constituinte
originário em não instituir foro privilegiado para o processo e
julgamento de agentes políticos pela prática de atos de
improbidade na esfera civil. Por fim, a fixação de competência
para julgar a ação de improbidade no 1o grau de jurisdição,
além de constituir fórmula mais republicana, é atenta às
capacidades institucionais dos diferentes graus de jurisdição
para a realização da instrução processual, de modo a promover
maior eficiência no combate à corrupção e na proteção à
moralidade administrativa. 3. Agravo regimental a que se nega
provimento.
(Pet 3240 AgR, Relator(a): TEORI ZAVASCKI, Relator(a) p/
Acórdão: ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em
10/05/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-171 DIVULG 21-08-
2018 PUBLIC 22-08-2018)

E, ainda, no julgamento do Tema 576 da repercussão geral, assim


restou assentado:

“Ementa: CONSTITUCIONAL. AUTONOMIA DE


INSTÂNCIAS. POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO
PENAL E POLÍTICA ADMINISTRATIVA (DL 201/1967)

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SIMULTÂNEA À POR ATO DE IMPROBIDADE


ADMINISTRATIVA, DEVIDAMENTE TIPIFICADO NA LEI
8.429/92. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. 1. "Fazem muito
mal à República os políticos corruptos, pois não apenas se
impregnam de vícios eles mesmos, mas os infundem na
sociedade, e não apenas a prejudicam por se corromperem, mas
também porque a corrompem, e são mais nocivos pelo exemplo
do que pelo crime (MARCO TÚLIO CÍCERO. Manual do
candidato às eleições. As leis, III, XIV, 32). 2. A norma
constitucional prevista no § 4º do art. 37 exigiu tratamentos
sancionatórios diferenciados entre os atos ilícitos em geral
(civis, penais e político-administrativos) e os atos de
improbidade administrativa, com determinação expressa ao
Congresso Nacional para edição de lei específica (Lei
8.429/1992), que não punisse a mera ilegalidade, mas sim a
conduta ilegal ou imoral do agente público voltada para a
corrupção, e a de todo aquele que o auxilie, no intuito de
prevenir a corrosão da máquina burocrática do Estado e de
evitar o perigo de uma administração corrupta caracterizada
pelo descrédito e pela ineficiência. 3. A Constituição Federal
inovou no campo civil para punir mais severamente o agente
público corrupto, que se utiliza do cargo ou de funções
públicas para enriquecer ou causar prejuízo ao erário,
desrespeitando a legalidade e moralidade administrativas,
independentemente das já existentes responsabilidades penal
e político-administrativa de Prefeitos e Vereadores . 4.
Consagração da autonomia de instâncias. Independentemente
de as condutas dos Prefeitos e Vereadores serem tipificadas
como infração penal (artigo 1º) ou infração político-
administrativa (artigo 4º), previstas no DL 201/67, a
responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa é
autônoma e deve ser apurada em instância diversa. 5.
NEGADO PROVIMENTO ao Recurso Extraordinário. TESE DE
REPERCUSÃO GERAL: O processo e julgamento de prefeito
municipal por crime de responsabilidade (Decreto-lei 201/67)
não impede sua responsabilização por atos de improbidade

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administrativa previstos na Lei 8.429/1992, em virtude da


autonomia das instâncias.
(RE 976566, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES,
Tribunal Pleno, julgado em 13/09/2019, PROCESSO
ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-210
DIVULG 25-09-2019 PUBLIC 26-09-2019)

Esse introito sobre a natureza civil da ação de improbidade fez-se


necessário para adentrar-se à temática da legitimação exclusiva do
Ministério Público para o ajuizamento das referidas demandas, e sua
incompatibilidade com o delineamento constitucional da tutela da
moralidade administrativa.
De fato, da análise dos argumentos lançados favoravelmente à
modificação legislativa, depreende-se que se fundamentam em uma
alegada aproximação com o direito penal, da qual emergiria um tertium
genus fundado numa normativa própria ao direito sancionador, e que
justificaria a exclusividade do Ministério Público para o ajuizamento das
ações de improbidade, à semelhança com as ações penais, a impedir a
ocorrência de demandas temerárias, propostas com finalidades
unicamente partidárias.
Contudo, é o caráter cível das ações de improbidade, assentado na
Constituição, e seus efeitos, os quais justamente indicam a
impossibilidade da imposição de uma exclusividade na titularidade do
polo ativo dessa espécie de demanda.
Ao contrário do que sustentam os defensores do ato impugnado, não
há espaço constitucionalmente reservado para a restrição da legitimidade
para o ajuizamento das ações de improbidade, excluindo-se os entes
federados do polo ativo.
O artigo 129 do texto constitucional assim dispõe:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério


Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na
forma da lei;

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 171 de 338

ADI 7042 / DF

(…)
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para
a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e
de outros interesses difusos e coletivos;
(…)
§ 1º - A legitimação do Ministério Público para as ações
civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas
mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e
na lei.
(…)”

Logo, do texto constitucional se depreende que a exclusividade para


o ajuizamento de ações restringe-se às ações penais, e expressamente o
§1º do artigo 129 consigna a pluralidade de legitimados, ao lado do
Parquet, para o ajuizamento de ações cíveis, como a ação de improbidade.
Há espaço para que o legislador defina quais são os demais atores, mas
não há espaço para que se busque equiparar as situações e restringir
exclusivamente a legitimidade ativa ao Ministério Público, onde a
Constituição declaradamente não o fez.
Nem mesmo é possível partir da gravidade das sanções
potencialmente aplicáveis em ações de improbidade para buscar
modificar sua natureza e fundamentar na Carta Magna a restrição a um
único legitimado a possibilidade de ajuizar ação de improbidade.
A gravidade das sanções previstas pelo próprio texto constitucional
aos atos de improbidade é corolário do locus primordial que o texto
consagra à moralidade administrativa, mas sua natureza ainda é cível,
como bem asseverou o i. Ministro Roberto Barroso no julgamento da Pet
nº 3.240-AgR:

“E não se diga que a previsão constitucional de sanções


iguais (perda do cargo) ou semelhantes (suspensão dos direitos
políticos e inabilitação para o exercício de função pública) para
o ilícito civil de improbidade e para o crime de
responsabilidade caracterizaria a coincidência entre tais
regimes sancionatórios. Por óbvio, a natureza do regime

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

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ADI 7042 / DF

sancionatório não é determinada pela natureza das sanções que


ele enseja. A título exemplificativo, veja-se que a suspensão de
direitos políticos sanção de natureza política é um dos efeitos
secundários da condenação criminal, mas, por óbvio, a sua
aplicação não confere caráter político ao processo penal. Assim,
a existência de sanções coincidentes nos crimes de
responsabilidade e ilícitos de improbidade administrativa não
interfere na natureza dessas instâncias de responsabilização.”

Ademais, compreender pela possibilidade de exclusão dos entes


federados de ajuizar ações de improbidade na defesa do patrimônio
público também não se coaduna com o disposto no artigo 23, inciso I da
Carta Magna, que dispõe ser competência comum da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios “zelar pela guarda da Constituição, das leis e
das instituições democráticas e conservar o patrimônio público”.
Efetivamente, a competência dos entes federados para a defesa de
seu patrimônio material e imaterial não se coaduna com a exclusão de sua
legitimidade para o ajuizamento da ação descrita na Lei nº 8.429/92, que
tem por escopo, nos termos de seu artigo 1º, a “tutela da probidade na
organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a
integridade do patrimônio público e social”.
Esta Corte, no julgamento do Tema 561 da repercussão geral,
assentou a constitucionalidade da legitimidade concorrente entre a
pessoa jurídica interessada e o Ministério Público para o ajuizamento de
ações para a proteção do patrimônio público, como forma de ampliação
dos mecanismos de controle da Administração Pública:

“Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM


REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO CONSTITUCIONAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO ADMINISTRATIVO.
LEGITIMIDADE COLETIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
PARA A TUTELA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO. ARTIGOS 127,
CAPUT, E 129, II, III E IX, DA CONSTITUIÇÃO. RELEVÂNCIA
CONSTITUCIONAL DA ATUAÇÃO COLETIVA DO
PARQUET NA DEFESA DO INTERESSE PÚBLICO.

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ADI 7042 / DF

VEDAÇÃO À REPRESENTAÇÃO JUDICIAL E


CONSULTORIA JURÍDICA DE ENTIDADES PÚBLICAS.
INAPLICABILIDADE. EXCEPCIONALIDADE DAS
RESTRIÇÕES À LEGITIMIDADE COLETIVA DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. LEGITIMIDADE TAMBÉM CONFERIDA A
QUALQUER CIDADÃO (ART. 5º, LXXIII, CRFB).
NECESSIDADE DE FORTALECIMENTO DO SISTEMA DE
CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
PRECEDENTES DO PLENÁRIO. RECURSO PARCIALMENTE
CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, NÃO PROVIDO.
1. O Ministério Público ostenta legitimidade para a tutela
coletiva destinada à proteção do patrimônio público, mormente
porque múltiplos dispositivos Constitucionais evidenciam a
elevada importância que o constituinte conferiu à atuação do
parquet no âmbito das ações coletivas. 2. O Ministério Público,
por força do art. 127, caput, da Carta Magna, tem dentre suas
incumbências a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis,
mercê de o art. 129 da Lei Maior explicitar as funções
institucionais do Ministério Público no sentido de zelar pelo
efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados na Constituição
(inciso II), promover o inquérito civil e a ação civil pública, para
a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e
de outros interesses difusos e coletivos (inciso III) e exercer
outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis
com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e
a consultoria jurídica de entidades públicas (inciso IX). 3. A
tutela coletiva exercida pelo Ministério Público se submete
apenas a restrições excepcionais, como, verbi gratia a norma
que veda ao Ministério Público a representação judicial e a
consultoria jurídica de entidades públicas (art. 129, IX, in fine,
da CRFB), sendo certo que a Carta Magna atribui ao parquet
ampla atribuição no campo da tutela do patrimônio público,
interesse de cunho inegavelmente transindividual, bem como
que sua atuação na proteção do patrimônio público não afasta

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ADI 7042 / DF

a atuação do próprio ente público prejudicado, conforme


prevê o art. 129, § 1º, da Constituição: A legitimação do
Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo
não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o
disposto nesta Constituição e na lei. 4. O parquet, ao ajuizar
ação coletiva para a tutela do Erário, não age como
representante da entidade pública, e sim como substituto
processual de uma coletividade indeterminada, é dizer, a
sociedade como um todo, titular do direito à boa administração
do patrimônio público, da mesma forma que qualquer cidadão
também poderia fazê-lo por meio de ação popular (art. 5º,
LXXIII, da CRFB). 5. O combate em juízo à dilapidação ilegal do
Erário configura atividade de defesa da ordem jurídica, dos
interesses sociais e do patrimônio público, sendo todas essas
funções institucionais atribuídas ao Ministério Público pelos
artigos 127 e 129 da Constituição, de modo que entendimento
contrário não apenas afronta a textual previsão da Carta
Magna, mas também fragiliza o sistema de controle da
Administração Pública, visto que deixaria a persecução de atos
atentatórios à probidade e à moralidade administrativas
basicamente ao talante do próprio ente público no bojo do qual
a lesão ocorreu. 6. A jurisprudência do Plenário deste Supremo
Tribunal Federal reconhece a legitimidade do Ministério
Público para o ajuizamento de ação coletiva destinada à
proteção do patrimônio público: RE 225777, Relator(a): Min.
EROS GRAU, Relator(a) p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI,
Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2011; RE 208790, Relator(a):
Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 27/09/2000.
(…)”
(RE 409356, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado
em 25/10/2018, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO
GERAL - MÉRITO DJe-187 DIVULG 28-07-2020 PUBLIC 29-07-
2020)

Nem o argumento de que a ação de improbidade teria caráter


unicamente repressivo, sem qualquer feição ressarcitória, animado pela

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

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ADI 7042 / DF

redação do caput do artigo 17-D, presta-se a descaracterizar a


possibilidade de legitimação concorrente entre Ministério Público e ente
federado.
Em primeiro lugar, porque é da redação do §4º do artigo 37 da
Constituição da República que emerge o ressarcimento do dano como
consequência inseparável da condenação por ato de improbidade, donde
não ser possível qualquer hermenêutica em sentido diverso. Inclusive, o
artigo 18, que trata do cumprimento de sentença, expressamente prevê
em seu §1º que a pessoa jurídica interessada deve promover em seis
meses a liquidação do dano causado pela pessoa física condenada.
Em segundo lugar, o ato ímprobo, além de acarretar danos
economicamente mensuráveis, acarreta violações à moralidade
administrativa e a vários princípios aplicáveis à boa gestão da coisa
pública, razão pela qual consiste em interesse primário da Administração
Pública que aquele que comete um ato de improbidade venha a sofrer
sanções proporcionalmente à gravidade de sua conduta, especialmente
aquela que impede o retorno à gestão pública por período determinado
de tempo.
Assim, com razão as Autoras, ao alegar a inconstitucionalidade da
reforma operada na Lei de Improbidade Administrativa, que excluiu a
legitimidade ativa da pessoa jurídica interessada para as ações de
improbidade.
No ponto, bem asseverou a Procuradoria-Geral da República:

“Ao proporem uma ação de improbidade administrativa,


as pessoas jurídicas lesadas estão em defesa de direito próprio,
do seu patrimônio. Patrimônio que o inciso I do art. 23 da
Constituição Federal determinou que a União, os estados, o
Distrito Federal e os municípios conservassem. Daí por que
retirar das pessoas jurídicas interessadas a legitimidade para
propor ações por ato de improbidade administrativa equivale a
excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito (CF, art. 5º, XXXV).
O direito de acesso ao Poder Judiciário é direito

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ADI 7042 / DF

fundamental. Diante de lesão ou ameaça a direito, a todos é


garantido recorrer ao Poder Judiciário para ver restabelecida a
higidez da ordem jurídica. Isso se aplica tanto às pessoas
naturais quanto às jurídicas, públicas e privadas.
Esse ponto é importante para a correta interpretação do §
1º do art. 129 da Constituição Federal, segundo o qual a
legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas
neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses,
segundo o disposto nesta Constituição e na lei
Em primeiro lugar, destaque-se o claro vetor
constitucional no sentido da ampliação (e não da restrição) da
legitimidade ativa para as ações civis públicas. Mesmo assim, é
certo ajuizar que essa norma deixa ao legislador ampla margem
de conformação. A lei pode, num primeiro momento, prever a
legitimação (extraordinária, como se enfatizará adiante) de um
sem-número de pessoas e entidades e, depois, restringi-la, ao
notar que houve excesso.
Acontece que o que a lei pode moldar ora estendendo
muito, ora estendendo pouco é a legitimação extraordinária
para a propositura das ações civis públicas (aquela mesma de
que dispõe o Ministério Público). Afinal de contas, ninguém
poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando
autorizado pelo ordenamento jurídico (CPC, art. 18, caput). Já a
legitimação ordinária aquela cujo detentor é a própria pessoa
lesada é insuscetível de restrição, pois decorre do direito
fundamental de acesso ao Poder Judiciário.
Veja-se que o § 1º do art. 129 da Constituição Federal fala
que a legitimação do Ministério Público não impede a de
terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o que dispõem a
Constituição e a lei. E o que dispõe a Constituição é o direito de
acesso ao Poder Judiciário a todos os lesados em seus bens
jurídicos (a legitimação ordinária). Quanto ao mais (à
legitimação extraordinária), aí sim, é terreno aberto à obra do
legislador.”

A justificativa de que a ação de improbidade, pela gravidade das

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 177 de 338

ADI 7042 / DF

sanções previstas, não poderia ficar disponível ao sabor das desavenças


político-partidárias, com a devida vênia, não se presta a chancelar uma
alteração na legitimidade ativa que viole a Constituição.
A própria lei, de fato, já contém mecanismo de controle das ações
temerárias, consistindo crime a representação por ato de improbidade
quando se saiba ser inocente o agente (artigo 19 da Lei nº 8.429/92).
Ademais, a ação, como não poderia deixar de ser, processa-se em meio
judicial e tem rito exaustivamente descrito na legislação, com todas as
garantias ínsitas à ampla defesa e ao contraditório.
De outra sorte, o fato de União, Estados, Distrito Federal e
Municípios poderem ajuizar outras espécies de demandas ressarcitórias
não lhes retira a legitimidade para o ajuizamento de ações de
improbidade, pelas razões acima elencadas: competência constitucional
expressa para tutela de seu patrimônio e do interesse público primário no
devido sancionamento de agentes que tenha cometido atos ímprobos.
Nesse ínterim, ressalte-se que a jurisprudência desta Corte reconhece
que o agir prudente do Estado, buscando a tutela da probidade
administrativa em juízo, presta-se até mesmo a evitar a inscrição do ente
federado em cadastros públicos restritivos, como se depreende da ementa
abaixo colacionada:

“CONVÊNIO CONTRAPARTIDA INEXISTÊNCIA


CADASTRO DE INADIMPLENTES ISENÇÃO
IMPROPRIEDADE. Adotando o Estado providências, com o
ajuizamento de ação contra o responsável pelo
descumprimento do Convênio, descabe o lançamento no
cadastro de inadimplência federal SIAFI e CAUC. PROCESSO
ADMINISTRATIVO UNIÃO VERSUS ESTADO CADASTRO
DE INADIMPLENTES DIREITO DE DEFESA. Considerada
irregularidade verificada na observância de convênio, há de ter-
se a instauração de processo administrativo, abrindo-se
margem ao Estado interessado, antes do lançamento no
cadastro de inadimplentes, de manifestar-se. PROCESSO
ADMINISTRATIVO INTIMAÇÃO CORRESPONDÊNCIAS
TROCA INSUFICIÊNCIA. Ante as consequências da conclusão

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 178 de 338

ADI 7042 / DF

sobre a inadimplência do Estado, cumpre intimá-lo


formalmente, o que pode ocorrer mediante postado com aviso
de recebimento, sendo insuficiente a troca de memorandos e
correspondência sobre o desenrolar da observância do
convênio. PROCESSO ADMINISTRATIVO CONVÊNIO
INADIMPLÊNCIA AÇÃO DE IMPROBIDADE
IRRELEVÂNCIA. O ajuizamento de ação de improbidade
contra gestor anterior não obstaculiza as consequências da
relação jurídica entre a União e o Estado, considerado o
inadimplemento relativo a convênio. CONVÊNIO RELAÇÃO
JURÍDICA UNIÃO E ESTADO PRINCÍPIO DA
INTRANSCENDÊNCIA INADEQUAÇÃO. O fato de a relação
jurídica envolver a União e a unidade da Federação o Estado
afasta a observância do princípio da intranscendência.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBÊNCIA. Verificada
a sucumbência, impõe-se a fixação de honorários advocatícios.”
(ACO 1978, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Primeira
Turma, julgado em 10/05/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-
108 DIVULG 25-05-2016 PUBLIC 27-05-2016)

Assim, por não se tratar de mera opção legislativa, mas sim de


concreta violação à hermenêutica dos artigos 37, §4º, 129, incisos I, III e
§1º, 23, inciso I da Carta Magna, a desestruturar o explícito intento de que
a ação de improbidade, por sua relevância, também possa ser ajuizada
pela pessoa jurídica prejudicada pelo ato ímprobo, a ampliar o controle
efetivo da Administração Pública, compreendo ser inconstitucional a
atribuição de legitimidade exclusiva ao Ministério Público para o
ajuizamento dessas ações.

Da inconstitucionalidade material da legitimação exclusiva do


Ministério Público para celebrar acordos de não persecução civil

Pelos mesmos motivos acima elencados, também é inconstitucional a


previsão contida no artigo 17-B da Lei nº 8.429/92, na redação conferida
pela Lei nº 14.230/2021, que restringe a possibilidade de firmar acordos de

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ADI 7042 / DF

não persecução civil ao Ministério Público, excluindo os entes federados,


que antes erma legitimados para atuar na hipótese.
Observe-se a dicção legal:

“Art. 17-B. O Ministério Público poderá, conforme as


circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo de não
persecução civil, desde que dele advenham, ao menos, os
seguintes resultados:
I - o integral ressarcimento do dano;
II - a reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem
indevida obtida, ainda que oriunda de agentes privados.
§ 1º A celebração do acordo a que se refere o caput deste
artigo dependerá, cumulativamente:
I - da oitiva do ente federativo lesado, em momento
anterior ou posterior à propositura da ação;
II - de aprovação, no prazo de até 60 (sessenta) dias, pelo
órgão do Ministério Público competente para apreciar as
promoções de arquivamento de inquéritos civis, se anterior ao
ajuizamento da ação;
III - de homologação judicial, independentemente de o
acordo ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de
improbidade administrativa.
§ 2º Em qualquer caso, a celebração do acordo a que se
refere o caput deste artigo considerará a personalidade do
agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a
repercussão social do ato de improbidade, bem como as
vantagens, para o interesse público, da rápida solução do caso.
§ 3º Para fins de apuração do valor do dano a ser
ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas
competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros
utilizados, no prazo de 90 (noventa) dias.
§ 4º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá
ser celebrado no curso da investigação de apuração do ilícito,
no curso da ação de improbidade ou no momento da execução
da sentença condenatória.
§ 5º As negociações para a celebração do acordo a que se

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refere o caput deste artigo ocorrerão entre o Ministério Público,


de um lado, e, de outro, o investigado ou demandado e o seu
defensor.
§ 6º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá
contemplar a adoção de mecanismos e procedimentos internos
de integridade, de auditoria e de incentivo à denúncia de
irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de
conduta no âmbito da pessoa jurídica, se for o caso, bem como
de outras medidas em favor do interesse público e de boas
práticas administrativas.
§ 7º Em caso de descumprimento do acordo a que se refere
o caput deste artigo, o investigado ou o demandado ficará
impedido de celebrar novo acordo pelo prazo de 5 (cinco) anos,
contado do conhecimento pelo Ministério Público do efetivo
descumprimento.”

Da leitura do dispositivo, compreende-se que o instrumento descrito


corresponde, justamente, à possibilidade de resolução da controvérsia de
modo a evitar o ajuizamento de ação de improbidade, possibilitando o
exercício de função preventiva e reparadora do erário de modo mais
célere, encerrar a demanda ou no curso do cumprimento de sentença.
Assim, o acordo guarda com a ação de improbidade uma relação de
conexão inegável, a impedir que o ente federado, constitucionalmente
competente para o ajuizamento dessa espécie de ação, seja excluído da
possibilidade de celebração desses acordos.
Como bem asseverou a PGR em seu Parecer, além de todos os
argumentos acima lançados, o sistema de prevenção e sancionamento das
práticas de corrupção na Administração Pública fica severamente
comprometido, uma vez que a Lei nº 12.846/2013 expressamente prevê a
possibilidade de as pessoas jurídicas interessadas firmarem acordos de
leniência com as pessoas jurídicas privadas que cometam algum dos atos
ilícitos descritos na legislação:

“Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade


pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas

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ADI 7042 / DF

jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei


que colaborem efetivamente com as investigações e o processo
administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:
I - a identificação dos demais envolvidos na infração,
quando couber; e
II - a obtenção célere de informações e documentos que
comprovem o ilícito sob apuração.
§ 1º O acordo de que trata o caput somente poderá ser
celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes
requisitos:
I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre
seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito;
II - a pessoa jurídica cesse completamente seu
envolvimento na infração investigada a partir da data de
propositura do acordo;
III - a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e
coopere plena e permanentemente com as investigações e o
processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas,
sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu
encerramento.
III - a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e
coopere plena e permanentemente com as investigações e o
processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas,
sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu
encerramento.
§2º A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa
jurídica das sanções previstas no inciso II do art. 6º e no inciso
IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa
aplicável.
§ 3º O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da
obrigação de reparar integralmente o dano causado.
§ 4º O acordo de leniência estipulará as condições
necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o
resultado útil do processo.
§ 5º Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às
pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico, de

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 182 de 338

ADI 7042 / DF

fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto,


respeitadas as condições nele estabelecidas.
§ 6º A proposta de acordo de leniência somente se tornará
pública após a efetivação do respectivo acordo, salvo no
interesse das investigações e do processo administrativo.
§ 7º Não importará em reconhecimento da prática do ato
ilícito investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada.
§ 8º Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a
pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo
prazo de 3 (três) anos contados do conhecimento pela
administração pública do referido descumprimento.
§ 9º A celebração do acordo de leniência interrompe o
prazo prescricional dos atos ilícitos previstos nesta Lei.
§ 10. A Controladoria-Geral da União - CGU é o órgão
competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do
Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos
praticados contra a administração pública estrangeira.”

“Art. 17. A administração pública poderá também celebrar


acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável pela
prática de ilícitos previstos na Lei nº 8.666, e 21 de junho de
1993, com vistas à isenção ou atenuação das sanções
administrativas estabelecidas em seus arts. 86 a 88.”

No entanto, muitas vezes pessoas físicas também apresentam


envolvimento nos ilícitos e sua conduta pode configurar ato ímprobo,
mas os entes federados ficariam sem meios para celebração de acordos de
não persecução civil, que podem se mostrar vantajosos para o erário.
Somados aos motivos já extensamente demonstrados, também
compreendo que a reforma que atribuiu legitimidade exclusiva ao
Ministério Público para firmar acordo de não persecução civil, excluindo
os entes federados da previsão legal, é inconstitucional.

Inconstitucionalidade por arrastamento do artigo 3º da Lei nº


14.230/2021

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 183 de 338

ADI 7042 / DF

As Autores também impugnam a constitucionalidade do artigo 3º da


Lei nº 14.230/2021:

“Art. 3º No prazo de 1 (um) ano a partir da data de


publicação desta Lei, o Ministério Público competente
manifestará interesse no prosseguimento das ações por
improbidade administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda
Pública, inclusive em grau de recurso.
§ 1º No prazo previsto no caput deste artigo suspende-se o
processo, observado o disposto no art. 314 da Lei nº 13.105, de
16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
§ 2º Não adotada a providência descrita no caput deste
artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.”

Sustentam que referida previsão transforma a ação de improbidade


em ação disponível, diante da possibilidade de extinção sem resolução do
mérito daquelas demandas nas quais, expressa ou tacitamente, o
Ministério Público não manifestar interesse no prosseguimento.
No entanto, diante do posicionamento acima manifestado, no
sentido da inconstitucionalidade da exclusão da pessoa jurídica
interessada da legitimação para o ajuizamento da ação de improbidade,
referido dispositivo também deve ter sua inconstitucionalidade
reconhecida, por arrastamento.

Do artigo 4º, X da Lei nº 14.230/2021

Também se requer a declaração de inconstitucionalidade do artigo


4º, inciso X da Lei nº 14.230/2021, que tem a seguinte redação:

“Art. 4º Ficam revogados os seguintes dispositivos e seção


da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992:
(…)
X - §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 8º, 9º, 10, 12 e 13 do art. 17;
(…)”

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 184 de 338

ADI 7042 / DF

Contudo, as disposições revogadas não se referiam à possibilidade


dos entes federados ajuizarem as ações de improbidade, e para tanto
basta o reconhecimento da inconstitucionalidade do caput do artigo 17 da
Lei nº 8.429/92.
Nesse tópico, andou bem o Parecer da PGR:

“Sem razão, porém. Os antigos §§ 8º, 9º, 10 e 12 do art. 17


da Lei 8.429/1992 diziam respeito a aspectos processuais que
não mais se aplicam, tendo em vista as novas normas (nenhuma
delas referentes à legitimidade ativa). O § 13 considerava pessoa
jurídica interessada o ente tributante que figurar no polo ativo
da obrigação tributária de que tratam o § 4º do art. 3º e o art. 8º-
A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Sua
revogação em nada restringe a legitimidade para a propositura
da ação por ato de improbidade administrativa, até porque os
§§ 5º, 6º e 7º do art. 1º da Lei 8.429/1992 são bem amplos ao
delimitar o campo de proteção da lei, não deixando de fora
nada que se possa entender como patrimônio público.
O revogado § 3º do art. 17 da Lei 8.429/1992, por sua vez,
encontra substituto vigente no § 14 do mesmo artigo, já tratado
neste parecer. Como explicado, a partir da declaração de
inconstitucionalidade, sem redução de texto, do caput do art.
17, a redação do § 14 não significa a ausência de legitimidade
ativa da Fazenda Pública.
(…)
Uma vez declarada a inconstitucionalidade do caput do
art. 17, como já se propôs, enquanto houver dano ao erário,
haverá possibilidade de a Fazenda Pública buscar em juízo seu
ressarcimento integral. Quanto ao § 4º, a intervenção do
Ministério Público como fiscal da lei também está prevista no
art. 178 do CPC (a propósito, a ação de improbidade
administrativa seguirá o procedimento comum previsto na Lei
nº 13.105, de 16 de março de 2015).
Por fim, o revogado § 1º do art. 17 da Lei 8.429/1992
preceituava que as ações de que trata este artigo admitem a

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 185 de 338

ADI 7042 / DF

celebração de acordo de não persecução cível, nos termos desta


Lei. O tema é tratado na nova versão da lei, mais precisamente
no art. 17-B, com muito maior detalhamento, inclusive. A
revogação decorreu de mera técnica legislativa. Como se verá a
seguir, a discussão sobre a legitimidade da Fazenda Pública
para a celebração de acordos de não persecução cível resolve-se
no âmbito do próprio art. 17-B, sem necessidade de resgate do §
1º do art. 17 (que, de resto, pouco enunciava).”

Assim, no ponto não assiste razão às Autoras.

Da inconstitucionalidade do §20 do artigo 17 da Lei de


Improbidade Administrativa

Na ADI 7042, a Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e


do Distrito Federal ANAPE sustenta a inconstitucionalidade formal do
artigo 17, §20 da Lei nº 8.429/1992, na redação conferida pela Lei nº
14.230/2021, ao argumento de que a União não teria legitimidade para a
edição da norma, por ofensa ao pacto federativo e à autonomia dos
Estados.
Rememoro a redação do dispositivo:

“Art. 17. (…)


§ 20 A assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando
a legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo
administrador público ficará obrigada a defendê-lo
judicialmente, caso este venha a responder ação por
improbidade administrativa, até que a decisão transite em
julgado. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)”

A cautelar conferida pelo i. Relator abrangeu expressamente a


redação desse dispositivo.
Não visualizo, com a devida vênia, violação ao pacto federativo por
meio da uniformização da norma por meio de lei aplicável a todos os
entes federativos, como é o caso da lei de improbidade administrativa.

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 186 de 338

ADI 7042 / DF

Contudo, compreendo que também por arrastamento, o dispositivo


deve ser declarado inconstitucional.
Ocorre que, com o reconhecimento da competência concorrente,
resta de todo incoerente que o mesmo órgão uma vez que as assessorias
jurídicas representam o Estado defenda o ato e proponha ação de
improbidade, devendo ser resguardada a competência
constitucionalmente conferida nos artigos 131 e 132, no que concerne à
atuação dos advogados públicos na defesa do erário.
Assim, por arrastamento, compreendo também ser inconstitucional a
previsão do §20 do artigo 17 da Lei nº 8.429/92, na redação conferida pela
Lei nº 14.230/2021.

Em suma, voto para confirmar integralmente a cautelar concedida


pelo i. Relator, reconhecendo a inconstitucionalidade sem redução de
texto do caput e §§ 6º-A, 10-C, 14 e 20, do artigo 17 da Lei nº 8.429/92, e do
caput e dos §§ 5º e 7º do art. 17-B , da mesma Lei, com a redação dada pela
Lei nº 14.230/2021, no sentido de reconhecer a existência de legitimidade
ativa concorrente entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas
interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade
administrativa, bem como a inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei nº
14.230/2021.
Voto, portanto, pela procedência parcial das ações diretas de
inconstitucionalidade.
É como voto.

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 187 de 338

25/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Muito boa


tarde Presidente, boa tarde Ministra Rosa Weber, nossa Vice-Presidente, e
Ministra Cármen Lúcia. Cumprimento igualmente o eminente Relator, o
Ministro Alexandre de Moraes, e todos os demais Colegas.
O meu voto é bastante breve. Acho que a questão já está bem
equacionada. Na verdade, penso que o presente processo é bastante
importante, mas muito simples também.
São três, a meu ver, as questões em discussão. O que nós temos aqui
é uma lei editada pelo Congresso, a Lei nº 14.230, que produziu, no que se
discute nestes processos, três alterações na legislação sobre improbidade.
Na primeira delas, excluiu a legitimidade das pessoas jurídicas interessadas
- das entidades estatais União, estados e municípios - para propor ação de
improbidade e celebrar acordo de não persecução cível. Esse é o primeiro
ponto que foi tratado nessa lei. Na segunda, ela atribui à advocacia pública
o dever de promover a defesa do agente público ao qual se imputou o ato
de improbidade se a sua decisão pela prática daquele ato tiver se baseado
em parecer do órgão público afirmando que aquela conduta era legal. Na
terceira, a lei estipula um prazo para que o Ministério Público declare se
deseja ou não prosseguir naquelas ações que foram ajuizadas pelas
entidades estatais que, anteriormente a essa lei, tinham efetivamente
legitimidade para propor tais ações.
Na minha visão, e acompanhando aqui a posição do eminente
Relator, pedindo vênia à divergência, penso que há, sim,
incompatibilidade com a Constituição nessas três proposições. Na
primeira delas, ao impedir as entidades estatais interessadas de ajuizarem
a ação de improbidade, parece-me que há um contraste claro com o art.
23, I, da Constituição que diz:

"Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do


Distrito Federal e dos Municípios:

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Supremo Tribunal Federal
Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 188 de 338

ADI 7042 / DF

I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das


instituições democráticas e conservar o patrimônio público."

A possibilidade de propositura dessas ações afigura-me essencial


para a proteção do patrimônio público de acordo com o mandamento
constitucional.
O segundo ponto é o que dá, ao agente acusado de improbidade, a
prerrogativa de ser defendido pelo advogado público da entidade se o
órgão de assessoria jurídica tiver se manifestado favoravelmente à prática
do ato, à sua legalidade.
Do ponto de vista material, não vejo nenhum problema nessa norma,
e muitos estados já adotam essa possibilidade, inclusive no Estado do Rio
de Janeiro, em que há a defesa do agente público pela Procuradoria do
Estado, sobretudo se ela tiver se manifestado pela legalidade do ato.
O problema que vejo aqui, no entanto, é mais até do que um
problema federativo, de uma lei federal dispor sobre uma atribuição que
seria das procuradorias ou dos órgãos dos estados e dos municípios, é
uma inconstitucionalidade formal, porque se trata evidentemente de uma
questão que envolve organização administrativa dos entes estatais e, a
meu ver, portanto, a competência é de cada um deles, sem essa imposição
vertical de uma regra única.
De modo que creio que é perfeitamente possível, quando não
desejável, que os estados e municípios defendam, sim, o agente público
que praticou o ato com base em parecer que atestava a sua legalidade,
mas penso que a via adotada aqui padece de inconstitucionalidade
formal.
Por fim, o único sentido de se dar ao Ministério Público a
competência para dizer se prosseguiria ou não nas ações já ajuizadas
pelas entidades estatais, se deveria ao fato de elas haverem perdido o
direito de propositura, o que nós aqui estamos superando para dizer que
a exclusão da legitimação ativa das entidades estatais interessadas não é
constitucional. Logo, por arrastamento, tem que cair o art. 3º desta lei,
porque atribui ao Ministério Público o poder de continuar ou não ações
que não foi ele que propôs e que, pela decisão que nós estamos tomando

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 189 de 338

ADI 7042 / DF

aqui, podem continuar a ser acompanhadas pelos entes estatais.


A minha tese de julgamento - sempre faço isso nos meus votos -
coincide em substância com a proposta do Ministro Alexandre de Moraes
- é a seguinte:

É inconstitucional lei que exclua a legitimidade das pessoas jurídicas


de direito público para propor ações de improbidade administrativa por
ser esse um meio essencial para que tais entidades cumpram o dever
constitucional de zelar pelo patrimônio público.

Com essas breves considerações, estou acompanhando o voto do


eminente Relator, cumprimentando Sua Excelência pelo trabalho
desenvolvido.

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Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 190 de 338

25/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES


REQTE.(S) : ASSOCIACAO NACIONAL DOS PROCURADORES
DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL - ANAPE
ADV.(A/S) : EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : FRENTE NACIONAL DE PREFEITOS
ADV.(A/S) : MARCELO PELEGRINI BARBOSA

VOTO VOGAL

A Senhora Ministra Rosa Weber: Entendo que merece ser rejeitada


a preliminar de não conhecimento eriçada quanto à ADI 7043, uma vez
que a jurisprudência desta Casa já reconheceu a legitimidade da ANAFE
para deflagrar o controle concentrado de constitucionalidade na defesa
dos interesses de seus associados, integrantes de classe homogênea
(advogados públicos federais das quatro carreiras que compõem a AGU e
seus órgãos vinculados). A propósito, recordo que, em decisão proferida
na ADI nº 3.787, minha antecessora, a Ministra Ellen Gracie, reconheceu a
presença de homogeneidade na composição da UNAFE - União dos
Advogados Públicos Federais do Brasil, anterior denominação da
ANAFE.
Feito esse registro, anoto que as ADIs nºs 7042 e 7043, ora em
julgamento conjunto, estão voltadas contra o art. 2º (na parte que altera o
art. 17, caput, inclui os § 14 e § 20, e inclui o art. 17-B da Lei nº 8.429/92,
que dispõe sobre improbidade administrativa), o art. 3º e o art. 4º, inciso
X, todos da Lei nº 14.230/2021.
Os dispositivos legais questionados e correlatos ostentam a seguinte
redação:

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Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 191 de 338

ADI 7042 / DF

Lei nº 8.429/1992

Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata


esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o
procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março
de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei
(Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
(…)
§ 6º-A O Ministério Público poderá requerer as tutelas
provisórias adequadas e necessárias, nos termos dos arts.
294 a 310 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de
Processo Civil) (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
(…)
§ 10-C. Após a réplica do Ministério Público, o juiz
proferirá decisão na qual indicará com precisão a tipificação do
ato de improbidade administrativa imputável ao réu, sendo-lhe
vedado modificar o fato principal e a capitulação legal
apresentada pelo autor. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
(...)
§ 14. Sem prejuízo da citação dos réus, a pessoa jurídica
interessada será intimada para, caso queira, intervir no
processo. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
(...)
§ 20. A assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a
legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo
administrador público ficará obrigada a defendê-lo
judicialmente, caso este venha a responder ação por
improbidade administrativa, até que a decisão transite em
julgado. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Art. 17-B. O Ministério Público poderá, conforme as


circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo de não
persecução civil, desde que dele advenham, ao menos, os
seguintes resultados: (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
I - o integral ressarcimento do dano;

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Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 192 de 338

ADI 7042 / DF

II - a reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem


indevida obtida, ainda que oriunda de agentes privados.
(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 1º A celebração do acordo a que se refere o caput deste
artigo dependerá, cumulativamente: (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
I - da oitiva do ente federativo lesado, em momento
anterior ou posterior à propositura da ação; (Incluído pela Lei
nº 14.230, de 2021)
II - de aprovação, no prazo de até 60 (sessenta) dias, pelo
órgão do Ministério Público competente para apreciar as
promoções de arquivamento de inquéritos civis, se anterior ao
ajuizamento da ação; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
III - de homologação judicial, independentemente de o
acordo ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de
improbidade administrativa. (Incluído pela Lei nº 14.230, de
2021)
§ 2º Em qualquer caso, a celebração do acordo a que se
refere o caput deste artigo considerará a personalidade do
agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a
repercussão social do ato de improbidade, bem como as
vantagens, para o interesse público, da rápida solução do caso.
(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021).
§ 3º Para fins de apuração do valor do dano a ser
ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas
competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros
utilizados, no prazo de 90 (noventa) dias. (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
§ 4º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá
ser celebrado no curso da investigação de apuração do ilícito,
no curso da ação de improbidade ou no momento da execução
da sentença condenatória. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 5º As negociações para a celebração do acordo a que se
refere o caput deste artigo ocorrerão entre o Ministério Público,
de um lado, e, de outro, o investigado ou demandado e o seu
defensor. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

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Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 193 de 338

ADI 7042 / DF

§ 6º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá


contemplar a adoção de mecanismos e procedimentos internos
de integridade, de auditoria e de incentivo à denúncia de
irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de
conduta no âmbito da pessoa jurídica, se for o caso, bem como
de outras medidas em favor do interesse público e de boas
práticas administrativas. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 7º Em caso de descumprimento do acordo a que se refere
o caput deste artigo, o investigado ou o demandado ficará
impedido de celebrar novo acordo pelo prazo de 5 (cinco) anos,
contado do conhecimento pelo Ministério Público do efetivo
descumprimento. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Lei nº 14.230/2021

Art. 3º No prazo de 1 (um) ano a partir da data de


publicação desta Lei, o Ministério Público competente
manifestará interesse no prosseguimento das ações por
improbidade administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda
Pública, inclusive em grau de recurso.
§ 1º No prazo previsto no caput deste artigo suspende-se o
processo, observado o disposto no art. 314 da Lei nº 13.105, de
16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
§ 2º Não adotada a providência descrita no caput deste
artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.

Art. 4º Ficam revogados os seguintes dispositivos e seção


da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992:
(...)
X - §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 8º, 9º, 10, 12 e 13 do art. 17;

As associações que figuram como requerentes nas ADIs nºs 7042 e


7043 (ANAPE e ANAFE, respectivamente) articulam com a
inconstitucionalidade material desses dispositivos legais, à luz dos
princípios federativo e da vedação do retrocesso social (arts. 1º e 5º, § 2º,
da Magna Carta), bem como dos preceitos constitucionais adiante

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Voto Vogal

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ADI 7042 / DF

transcritos:

Art. 18. A organização político-administrativa da


República Federativa do Brasil compreende a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos,
nos termos desta Constituição.

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do


Distrito Federal e dos Municípios:
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das
instituições democráticas e conservar o patrimônio público;

Art. 37. A administração pública direta e indireta de


qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a
suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na
forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal
cabível.

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:


(...)
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para
a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e
de outros interesses difusos e coletivos;
(...)
§ 1º - A legitimação do Ministério Público para as ações
civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas
mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na
lei.

Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito

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Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá


de concurso público de provas e títulos, com a participação da
Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases,
exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das
respectivas unidades federadas.
Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é
assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício,
mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios,
após relatório circunstanciado das corregedorias.

Na decisão em que deferiu parcialmente o pedido de medida


cautelar formulado nas ações diretas, ad referendum do Plenário, o Relator,
Ministro Alexandre de Moraes, consignou:

“O art. 129, § 1º, da Constituição Federal – diferentemente


da previsão constitucional do inciso I, do artigo 129 da
Constituição Federal, que prevê a privatividade da ação penal
pública ao Ministério Público – dispõe, expressamente, que a
legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas
nesse artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses,
segundo o disposto na própria Constituição e na lei.
A norma constitucional em questão deixa certa margem de
conformação ao legislador infraconstitucional para a disciplina
e regulamentação da legitimação desses terceiros – o que não
significa, em absoluto, a inexistência de um dever de coerência
e racionalidade nesse exercício, buscando eficiência no combate
à corrupção e proteção ao patrimônio público.
O aperfeiçoamento do combate à corrupção no serviço
público foi uma grande preocupação do legislador constituinte,
ao estabelecer, no art. 37 da Constituição Federal, verdadeiros
códigos de conduta à Administração Pública e aos seus agentes,
prevendo, inclusive, pela primeira vez no texto constitucional, a
possibilidade de responsabilização e aplicação de graves
sanções pela prática de atos de improbidade administrativa (art.
37, § 4º, da CF).
(…)

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Nesse contexto, portanto, o combate à corrupção, à


ilegalidade e à imoralidade no seio do Poder Público, com
graves reflexos na carência de recursos para a implementação
de políticas públicas de qualidade, deve ser prioridade
absoluta no âmbito de todos os órgãos constitucionalmente
institucionalizados (RE 976.566, Rel. Min. ALEXANDRE DE
MORAES, Tribunal Pleno, DJe 26/09/2019), o que sugere a
inserção dos órgãos e entes diretamente atingidos pela conduta
desviante do padrão constitucional de moralidade e, por
consequência, dos agentes constitucionalmente incumbidos da
sua representação, pois, como bem destacado por JOSÉ
AFONSO DA SILVA (Comentário Contextual à Constituição. 9ª ed.
São Paulo: Malheiros Editores, 2014, p. 618):

A Advocacia Pública assume, no Estado Democrático


de Direito, mais do que uma função jurídica de defesa dos
interesses patrimoniais da Fazenda Pública, mais até
mesmo do que a defesa do princípio da legalidade, porque
lhe incumbe igualmente, e veementemente, a defesa da
moralidade pública, que se tornou um valor autônomo
constitucionalmente garantido. Não é que essa defesa lhe
escapasse antes do regime constitucional vigente. Mas,
então, o princípio da moralidade tinha uma dimensão
estritamente administrativa, quase como simples
dimensão da legalidade, ligada aos problemas dos desvios
de finalidade. Agora não, porque a Constituição lhe
concedeu um sentido próprio e extensivo, e abrangente da
ética pública.

A supressão da legitimidade ativa das pessoas jurídicas


interessadas para a propositura da ação de improbidade
administrativa pode representar grave limitação ao amplo
acesso à jurisdição (CF, art. 5º, XXXV), com ferimento ao
princípio da eficiência (CF, art. 37, caput) e, no limite, obstáculo
ao exercício da competência comum da União, Estados, Distrito
Federal e Municípios para ‘zelar pela guarda da Constituição’ e

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‘conservar o patrimônio público’ (CF, art. 23, I), bem como, um


significativo retrocesso quanto ao imperativo constitucional de
combate à improbidade administrativa.
Em respeito às citadas normas constitucionais, a previsão
do §1º, do art. 129 da Constituição Federal parece indicar um
comando impeditivo à previsão de exclusividade por parte do
Ministério Público nas ações civis por ato de improbidade
administrativa, impondo, assim, a necessidade de uma
interpretação teleológica do texto constitucional, como bem
ressaltado pelo Min. ILMAR GALVÃO no julgamento do
Recurso Extraordinário 208.790 (Tribunal Pleno, DJ de
15/02/2000):
Na verdade, o art. 129, III, da CF, ao legitimar o
Ministério Público para agir na proteção do patrimônio
público, por via da ação civil pública, não fez senão
instituí-lo substituto processual de toda a coletividade,
posto que agirá na defesa de um interesse que toca a
todos, indistintamente, revestindo, consequentemente, a
natureza de interesse difuso. Essa legitimação, de caráter
extraordinário, […] não afasta a iniciativa do próprio
ente público interessado, como previsto no primeiro
dispositivo citado [CF, art. 129, § 1º].
Mais recentemente, ao apreciar a restrição constitucional
que veda ao Ministério Público a representação judicial e a
consultoria jurídica de entidades públicas (CF, art. 129, XI, in
fine), a mesma conclusão (extensível, a contrario sensu, para os
casos sob análise) foi reafirmada pelo Min. LUIZ FUX no
julgamento do Recurso Extraordinário 409.356 (Tribunal Pleno,
DJe de 29/07/2020), nos seguintes termos:

A referida restrição, todavia, deve ser interpretada


em consonância com os demais dispositivos da Carta
Magna que atribuem ao parquet ampla atribuição no
campo da tutela do patrimônio público, interesse de
cunho inegavelmente transindividual. Afinal, o próprio
art. 129, III, da Constituição exorta o Ministério Público ao

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ADI 7042 / DF

ajuizamento da ação civil pública ‘para a proteção do


patrimônio público e social’, ‘e de outros interesse difusos
e coletivos’. Rememore-se que a atuação do parquet na
proteção do patrimônio público não afasta a atuação do
próprio ente público prejudicado, conforme prevê o art.
129, § 1º, da Constituição: […]. No plano
infraconstitucional, a Lei nº 8.429/92 confere ao Ministério
Público legitimidade para promover a ação de
improbidade, a qual possui dentre seus objetivos a
reparação ao Erário. Em casos tais, o parquet não age como
representante da entidade pública, e sim como substituto
processual de uma coletividade indeterminada, é dizer, a
sociedade como um todo, titular do direito à boa
administração do patrimônio público.
[…]
Noutras palavras, o combate em juízo à dilapidação
ilegal do Erário configura atividade de defesa da ordem
jurídica, dos interesses sociais e do patrimônio público,
sendo todas essas funções institucionais atribuídas ao
Ministério Público pelos artigos 127 e 129 da Constituição.
Entendimento contrário não apenas afronta a textual
previsão da Carta Magna, mas também fragiliza o sistema
de controle da Administração Pública, visto que deixaria
a persecução de atos atentatórios à probidade e à
moralidade administrativas basicamente ao talante do
próprio ente público no bojo do qual a lesão ocorreu.

A supressão da legitimidade ativa das pessoas jurídicas


interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade
administrativa caracteriza uma espécie de monopólio absoluto
do combate à corrupção ao Ministério Público, não autorizado,
entretanto, pela Constituição Federal, e sem qualquer sistema
de freios e contrapesos como estabelecido na hipótese das ações
penais públicas (art. 5º, LIX, da CF).
Diante do exposto, com fundamento no art. 10, § 3º, da Lei
9.868/1999, e no art. 21, V, do RISTF, DEFIRO

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ADI 7042 / DF

PARCIALMENTE A CAUTELAR, ad referendum do Plenário


desta SUPREMA CORTE, para, até julgamento final de mérito:
(A) CONCEDER INTERPRETAÇÃO CONFORME A
CONSTITUIÇÃO FEDERAL ao caput e §§ 6º-A, 10-C e 14, do
artigo 17 da Lei nº 8.429/92, com a redação dada pela Lei nº
14.230/2021, no sentido da EXISTÊNCIA DE LEGITIMIDADE
ATIVA CONCORRENTE ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO
E AS PESSOAS JURÍDICAS INTERESSADAS PARA A
PROPOSITURA DA AÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA;
(B) SUSPENDER OS EFEITOS do § 20, do artigo 17 da
Lei nº 8.429/92, com a redação dada pela Lei nº 14.230/2021, em
relação a ambas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade
(7042 e 7043);
(C) SUSPENDER OS EFEITOS do artigo 3º da Lei nº
14.230/2021.”

Tal como destacado pelo eminente Relator, Ministro Alexandre de


Moraes, o art. 129, § 1º, da Constituição da República é claro em
estabelecer que, ao lado do Ministério Público, deve ser reconhecida a
legitimidade de outros atores institucionais para propor ação em defesa
da probidade administrativa. Em especial, deve ser reconhecida a
legitimidade ordinária dos entes políticos, União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, bem como das entidades da administração pública
indireta, para promover a tutela da probidade em seus respectivos
perímetros.
Entendimento contrário entra em rota de colisão não apenas com o já
referido art. 129, § 1º, da Carta da República (pluralidade de legitimados),
como também com os arts. 5º, XXXV (acesso à Justiça), 23, I (competência
comum dos entes federados para conservar o patrimônio público), e 37,
caput (princípios da administração pública), todos da Constituição de
1988, ao afastar a legitimidade ordinária da pessoa jurídica integrante da
administração pública direta ou indireta para promover a tutela da
probidade administrativa no seu próprio âmbito e na defesa do seu
próprio patrimônio.

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Diviso, ademais, a necessidade de conferir interpretação conforme,


sem redução do texto, ao § 20 do art. 17 da Lei nº 8.429/1992, incluído pela
Lei nº 14.230/2021, segundo o qual “a assessoria jurídica que emitiu o parecer
atestando a legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo
administrador público ficará obrigada a defendê-lo judicialmente, caso este venha
a responder ação por improbidade administrativa, até que a decisão transite em
julgado”.
Isso porque interpretação a impor defesa linear e incondicional do
administrador público que tenha editado ato administrativo amparado
em parecer prévio de legalidade, emanado de sua assessoria jurídica, sem
qualquer temperamento quanto às circunstâncias do caso concreto,
especialmente quanto à possível existência de elementos inerentes à
prática do ato administrativo que tenham sido ocultados ou que, pela sua
natureza técnica, escapem ao campo próprio de atuação da assessoria
jurídica, não se ajusta à missão constitucional atribuída à advocacia
pública (arts. 131 e 132 da Magna Carta), tendo em vista que confere
preponderância absoluta, sem avaliação caso a caso, à prestação de
assistência jurídica a agentes e ex-agentes públicos, em detrimento da
tutela da probidade e do resguardo dos interesses do ente público
representado.
Em resumo, portanto, pedindo vênia à divergência, acompanho o
Relator, Ministro Alexandre de Moraes.
É o voto.

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25/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Senhor Presidente, renovo os cumprimentos a Vossa Excelência, às
eminentes Ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber, ao nosso Decano,
Ministro Gilmar, a nosso professor, Ministro Ricardo Lewandowski -
meu professor de sempre -, ao Ministro Fachin, aos Ministros Barroso,
Alexandre de Moraes, Kassio Nunes e André Mendonça, ao Doutor
Paulo Gonet e aos advogados, especialmente aqueles que se
manifestaram oralmente na data de ontem.
Louvo também o voto trazido pelo eminente Relator, sempre
proficiente. Aliás, Vossa Excelência sempre atua de maneira firme,
correta, com fundamentos bem necessários e com sua compreensão sobre
os temas de que trata, no dia a dia, esta Corte; mas, aqui, vou ter uma
divergência, em parte - fruto de algumas conversas, inclusive, durante a
tarde de ontem, ao final da sessão, no lançamento do primoroso livro de
Vossa Excelência, Ministro Luiz Fux, com os Colegas que foram
Advogados-Gerais da União, Ministro André e Ministro Gilmar Mendes.
Não vou fazer leitura do voto, vou direto ao ponto.
Também tenho que registrar que a proposta que vou trazer já é
baseada em uma minuta que me passou o Ministro Gilmar. Não quero
antecipar o voto de Sua Excelência, não quero dizer que é um plágio, mas
digo que, a partir da proposta de Sua Excelência, diante de nosso
Tribunal cada dia mais tranquilo, lhano, com todos nós atuando de
maneira consorte, é uma melhor solução. Diante dessa maneira cordial de
nos tratarmos, já antecipara ao Ministro Relator que teria esta pequena
divergência: o ente público tem, sim, capacidade - concordo com os votos
proferidos -, mas essa capacidade fica limitada ao ressarcimento do dano
causado - depois farei juntada de voto por escrito, Professor Ministro
Ricardo Lewandowski.
Aqui, lembro-me também do Ministro Marco Aurélio, que sempre

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 202 de 338

ADI 7042 / DF

dizia que um espirro aqui repercute em todo país. Temos mais de 5.500
municípios em nosso país. Principalmente aqueles que vêm do interior
sabem muito bem que, muitas vezes, um opositor assume a prefeitura e
começa a fazer uma perseguição contra o adversário, uma devassa. É fato,
sim, o ressarcimento é possível, mas as consequências da improbidade,
penso, devem ficar exclusivamente na ação do fiscal da lei, aquele a quem
a Constituição deu, na forma do art. 129, os poderes para tanto, que é o
Ministério Público.
Vou fazer juntada de voto e, nesse ponto, farei a leitura apenas do
dispositivo.
O segundo ponto em que tenho também uma pequena divergência
diz respeito ao § 20 do art. 17, que diz que o ente público deverá fornecer
a defesa do acusado quando o ato administrativo for praticado de acordo
com o parecer. Muitos atos administrativos nem sequer têm parecer, a
maioria não tem. Essa é mais uma inovação que ocorreu na
Administração Pública a partir exatamente de nosso Decano, que, apesar
de muito jovem, tem muita e longa estrada no serviço público, desde a
época de SAJ e, depois, de Advogado-Geral da União, quando realmente,
veio o legislador e legitimou uma ação. Ministra Cármen, Vossa
Excelência, que também exerceu o cargo de Advogada Pública Chefe,
como Procuradora-Geral do Estado de Minas Gerais, sabe muito bem
que, muitas vezes, há uma ação e aquele ato, apesar de estar sendo
apontado como ímprobo, como ilícito, com necessidade de ressarcimento,
muitas vezes, não o é. Tanto que várias ações são julgadas improcedentes.
Às vezes, o bom administrador é colocado em situação de ter que fazer a
defesa com os seus custos pessoais por uma atuação sua que foi
importante para o Estado.
Não é um direito subjetivo do requerido em uma ação, mas o estado
está autorizado - esse é o termo da lei, esse é o termo da legislação federal
-, o ente da advocacia pública está autorizado, uma vez requerido pelo
acusado, pelo requerido, de fazer-lhe a defesa.
Muitas vezes, há também a hipótese de o ente ser o autor da ação. Aí
o que se faz? Se entender por bem, pode designar um procurador público,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 203 de 338

ADI 7042 / DF

um advogado público ad hoc, para fazer aquela defesa, também uma


inovação que veio da AGU, da administração do Ministro Gilmar
Mendes - eu também cheguei a fazer essas designações, por entender que
era um caso duvidoso, embora estando como Advogado-Geral da União,
e a União à frente -: dar ao acusado a possibilidade de fazer-se valer, na
dúvida, pela defesa, uma vez ele requerendo e sendo uma situação de
dúvida; dar-lhe a possibilidade de o Estado fazer-lhe a defesa, com a
designação de um profissional ad hoc.
Aqui, mais uma vez rememoro, Ministro André, que, quando fui
Advogado-Geral da União, tive a honra, o prazer e a alegria de criar o
Departamento de Defesa da Probidade Administrativa, para exatamente
entrar com ações de ressarcimento aos cofres públicos da União pelos
prejuízos causados, sejam por gestores da própria União, sejam por
gestores e entes privados, sejam por instituições privadas que geriram
recursos públicos transferidos a estados, Distrito Federal e municípios,
sejam por entidades privadas glosadas no Tribunal de Contas da União.
Tive a honra de, ao criar esse departamento e designar o Ministro André
Mendonça, que, nos dois anos e meio em que fui Advogado-Geral da
União, recuperou, na época, Ministra Rosa, entre março de 2007 e
outubro de 2009, dois bilhões e meio de reais.
Fica meu cumprimento, meu registro e meu orgulho de tê-lo tido
como chefe desse departamento. Pois não, Ministro André.

O SENHOR MINISTRO ANDRÉ MENDONÇA:


Se me permite, Ministro Toffoli, na realidade, ontem, fiz um elogio
expresso, por méritos, à gestão do Ministro Gilmar Mendes. Ao fazê-lo
não fiz somente por mim, mas por um reconhecimento amplo dentro da
Advocacia-Geral da União, e também o fiz a Vossa Excelência.
Nesse ponto específico, registro que, em meio a tantos
questionamentos, podemos, Senhor Presidente, ter nossas divergências de
posições jurídicas, mas testemunho publicamente, também compactuado
pelos membros da instituição, que Vossa Excelência teve uma gestão
proba, íntegra, eficiente e que valorizou os membros da instituição.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 204 de 338

ADI 7042 / DF

A gestão de Vossa Excelência, mesmo perante o desafio de fazê-la de


forma sistematizada e organizada, com uma atuação que até então não
havia dessa maneira, com as sensibilidades próprias a esse tipo de
atuação, não só estruturou, mas estimulou essa atuação responsável.
Quero dizer com isso que, diga-se o que quiser, Vossa Excelência
teve uma contribuição determinante na defesa da probidade, na
prevenção da corrupção e na boa governança do nosso País como
Advogado-Geral da União.
É uma manifestação pública. Fiz ontem também meus registros ao
Ministro Gilmar, que poderá fazê-lo também, esclarecer alguns pontos
dessa contribuição dele à frente da Advocacia-Geral da União. A
Advocacia-Geral da União sob a gestão de Vossas Excelências atuou
sempre de forma independente e sempre na busca do interesse público. É
um reconhecimento público que me sinto privilegiado em fazê-lo, mas
também na obrigação de realizá-lo, da bancada e perante os demais
Colegas deste Supremo Tribunal Federal.

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) -


Ministro Toffoli?

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Pois não, Ministro Alexandre.

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) -


Também faço minhas as palavras do Ministro André em relação à atuação
de Vossa Excelência na AGU.
Acho importante pontuar aqui, em virtude do entendimento
daqueles que me acompanharam, que a norma prevê a obrigatoriedade.
Primeiro, como lembrou o Ministro Luís Roberto Barroso, trata-se de uma
norma federal, vinculando todas as procuradorias municipais e estaduais;
segundo, há uma obrigatoriedade - não há discussão - da assessoria
jurídica que emitiu o parecer, atestando a legalidade prévia de ato
administrativo, em defender o administrador público.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 205 de 338

ADI 7042 / DF

Como disse ontem, e repito hoje, as secretarias de estado, por


exemplo - e todas têm consultoria jurídica da procuradoria -, atestam, em
uma determinada licitação, a legalidade daquele ato da licitação. Há
inúmeras possibilidades entre a legalidade do ato e a execução do ato
pelo administrador. O ato era legal, a licitação era legal. O contrato
administrativo foi assinado legalmente, e, na execução, ocorreu um
superfaturamento. Existe, aqui, uma obrigatoriedade, a meu ver,
inconstitucional. O que não é inconstitucional - inclusive a maioria dos
estados já prevê, até mesmo o Estado de São Paulo - é o pedido do ex-
administrador, que faz uma solicitação, às vezes direto à procuradoria, ou
a um conselho de uma secretaria de administração, dizendo que a
conduta foi absolutamente conforme o parecer. Existe essa análise e se
nomeia um procurador para defendê-lo.
São coisas diversas, em que pese não haver aqui, além da vinculação
federal a órgãos estaduais e municipais, esse balanceamento.
O procurador do estado deu parecer, dizendo que o contrato
administrativo era legal, só que o administrador, simplesmente, durante a
realização desse contrato, por exemplo - isso ocorre, lamentavelmente -,
atestou que o material chegou, mas esse nunca foi entregue. Olhem no
que o procurador do estado ou a procuradoria têm que defender esse
gestor! Para isso há esses órgãos estaduais. Inclusive, conversei com Vossa
Excelência ontem, dizendo que meu posicionamento, ao declarar a
inconstitucionalidade dessa norma, não afasta, de maneira alguma, a
possibilidade de os entes federativos estipularem, por lei, a possibilidade
de análise, caso a caso, e de, eventualmente, oferecerem defesa.
Obrigado!

O SENHOR MINSTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Ministro


Toffoli, perdoe-me ingressar nessa discussão.
Adiantando de certa maneira meu voto, eu estava absolutamente
preparado para acompanhar o Ministro Alexandre de Moraes in totum,
mas os argumentos de Vossa Excelência me sensibilizaram realmente.
Primeiro, segundo bem entendi, Vossa Excelência preconiza que os

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ADI 7042 / DF

consectários de uma ação de improbidade que sobejam o mero


ressarcimento ao erário devam ficar a cargo do Ministério Público. Quer
dizer, o representante jurídico do ente administrativo deve-se contentar
em fazer com que essa importância desviada indevidamente retorne aos
cofres públicos. Entendo ser essa uma proposta que merece uma reflexão
da Corte, e estou pronto para pensar sobre a questão.
A segunda proposta de Vossa Excelência, se bem entendi, também
me parece fazer muito sentido. A grande maioria dos administradores
públicos - sobretudo quando consideramos os prefeitos municipais, mais
de 5.500 em todo o Brasil - saem das prefeituras sem nenhum recurso
pessoal. São pessoas pobres no sentido jurídico e até econômico da
palavra. Como existe essa situação à qual o Ministro Toffoli se referiu,
muitas vezes quem sucede um administrador público é alguém da
oposição, que fez oposição política a quem deixa a Administração
Pública. Repetidamente, há devassas, perseguições, e a pessoa sai da
Administração Pública e não tem como se defender, não tem recursos,
precisa contratar advogados privados. Penso fazer sentido que nós, talvez
aproveitando a proposta do Ministro Alexandre de Moraes, acho que
aqui não há conflito...

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Não há.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Recebi e


agradeço antecipadamente a proposta de Vossa Excelência, Ministro. Não
há nenhum conflito, quer dizer, nós simplesmente poderíamos esclarecer,
sobretudo com relação à segunda proposta de Vossa Excelência - a
primeira, talvez, tenhamos que elaborar um pouco mais -, que o fato de o
representante do ente público buscar o ressarcimento das verbas
desviadas em Juízo não impede que ele seja defendido pelo próprio ente
público.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 207 de 338

ADI 7042 / DF

Não como uma obrigação, mas está o ente público autorizado, se


assim entendê-lo, a fazer.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


Independentemente de haver ou não um parecer prévio. O Ministro
Gilmar Mendes, se bem entendi, disse que nem sempre...
Quem já foi administrador público - praticamente todos nós aqui já
fomos, até à testa de órgãos judiciais - sabe que 90% das decisões
administrativas têm que ser tomadas imediatamente e dispensam
pareceres. É interessante isso, temos que refletir sobre esse assunto. Até
nós, quando saímos das presidências dos tribunais pelos quais fomos
responsáveis, temos uma expectativa, depois - acho que legítima -, de que
as próximas administrações defendam nossos atos - desde que praticados
dentro da legalidade, claro.

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Presidente, Vossa


Excelência me permite? Apenas para explicitar, diante da manifestação do
eminente Ministro Ricardo Lewandowski - embora creia que Sua
Excelência estava a fazer um aparte ou pediu a palavra. Gostaria apenas
de elucidar que o voto que proferi, e reitero, acompanhando
integralmente o eminente Ministro-Relator, em que pese as judiciosas
ponderações que o Ministro Dias Toffoli traz à colação, difere
substancialmente. A diferença é substancial, não entendo que haja apenas
uma diferença de ajustamento próximo. São duas posições bastante
distintas - creio que não há necessidade de repisar as distinções, porque
todos sabemos do que estamos a falar. Só reitero que mantenho o
acompanhamento ao voto do Ministro Alexandre de Moraes.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Queria fazer


uma observação só para colaborar. Tenho a impressão de que essa lei veio
a lume exatamente em razão da nossa jurisprudência no sentido de que,
se o gestor pratica o ato calcado em parecer que lhe foi formulado, ele não
age com dolo; ele está acompanhando o parecer. Daí a necessidade de o

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 208 de 338

ADI 7042 / DF

parecerista defender também o ato. A nossa jurisprudência é essa. Quer


dizer, se o prefeito pratica o ato de acordo com o parecer formulado, ele
não tem a responsabilidade, porque não agiu com dolo, só se se provar
consilium fraudis entre o gestor e o parecerista. Essa é a jurisprudência
corrente do Supremo.

O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES – Salvo quando o


próprio parecer é inquinado de improbidade.

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) -


Presidente, perdão, na verdade é o inverso. Nós julgamos que o
parecerista não pode ser acusado de improbidade salvo se se demonstrar
que o parecerista agiu com fraude. Agora, o administrador não fica
indene, não tem imunidade tão somente porque seguiu um parecer.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Não tem uma indulgência plenária só porque houve um parecer.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Mas, se ele


pratica o ato adstrito àquilo que está no parecer, ele não agiu com dolo,
porque quem consulta não age com dolo.

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) - A


grande diferença colocada pelo eminente Ministro Edson Fachin é essa.
Esse artigo, para mim, com todo respeito às posições em contrário, é
inconstitucional. Agora, esse artigo não trata da questão que tratamos
depois: os estados terem norma específica para uma análise
individualizada, caso a caso. Esse artigo traz uma vinculação obrigatória
para a defesa de qualquer ato: deu o parecer para o contrato, não importa
se superfaturou depois, tem que defender. Então, eu também mantenho a
total inconstitucionalidade.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Ministro Toffoli, Vossa

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 209 de 338

ADI 7042 / DF

Excelência me permite?

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Pois não.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Gostaria só de lembrar


um pouco, na linha da experiência vivida, que, de fato, acho que o
dispositivo faz, vamos dizer assim, uma ablação da realidade, que é
muito mais ampla. A realidade na atividade pública é muito mais ampla.
Muitas vezes, as decisões são tomadas sem qualquer interferência do
setor jurídico e sem até essa audiência, como já foi observado.
Eu me lembro, por exemplo, para citar casos públicos e notórios, de
uma perseguição que se movia, à época, pela Procuradoria da República -
por um dado sujeito da Procuradoria da República - ao Secretário da
Receita Federal Everardo Maciel. A AGU assumiu sua defesa - eu fui,
talvez, o primeiro autor de uma medida autorizando.
O Presidente Fernando Henrique, quando deixou a cargo de
Presidente da República, respondia, por contas das ações de
privatizações, a 140 ações - alguma coisa desse tipo. Vejam, nenhuma
imputação de ato de improbidade, mas discussões de política pública,
sobre privatização. Esse é um saber de experiência feito, é disso que
estamos falando. Na verdade, essa questão do parecer é, talvez, um
recorte da realidade. Como disse também o Ministro Alexandre, muitas
vezes, os fatos eventualmente ilícitos não terão nada a ver com o parecer,
são desdobramentos, são vícios na execução. Em suma, pode ocorrer isso,
como também podem estar ligados.
De fato, tentar impedir que a Procuradoria faça a defesa é algo muito
grave, porque isso, inclusive, passou a ser rotina.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Ministro


Gilmar, Vossa Excelência me permite?

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Por favor.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 210 de 338

ADI 7042 / DF

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Claro que


estamos em outra seara, estamos tratando de ações de improbidade
administrativa, mas me recordo que, durante o impeachment da ex-
Presidente Dilma, acusada de crime de responsabilidade, o Advogado-
Geral da União assumiu a defesa. Ninguém estranhou, foi uma coisa
absolutamente normal, placitada pelo Senado Federal.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Sim, até porque era


um ato praticado de ofício, né?

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI -


Exatamente. Não se cogitava se houve parecer ou não, julgava-se atos da
ex-Presidente da República praticados no exercício da Presidência da
República.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Sem


necessidade de ela contratar advogado particular.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI -


Exatamente. Vejam, todos nós que dirigimos órgãos do Poder Judiciário,
quando deixamos o cargo, temos a legítima expectativa de que os nossos
sucessores nos defendam nos atos que praticamos dentro da legalidade.
Isso é absolutamente normal e, talvez - até imaginando agora -, possamos
assentar, até em obter dictum, que nada impede que os entes públicos, dos
distintos níveis político-administrativos, legislem sobre isso ou
disciplinem essa matéria, independentemente do fato de chegarmos a
uma conclusão coincidente com a do eminente relator.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Como dizia, a


avaliação era fundamentalmente discricionária por parte da
Administração: descobre-se que tem um flagrante ilícito, eventualmente
até uma prática dolosa, é evidente que a Administração poderá declinar.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 211 de 338

ADI 7042 / DF

Faz-se a avaliação, mas... O problema todo é que me parece que o que


tivemos ao longo desses anos...
Presidente, como estou há muitos anos nessa janela - como disse,
comecei um pouco cedo nesse processo -, sou hoje um cético, inclusive
quanto ao instrumentário de combate à corrupção. Aprendi, por exemplo,
que, no Brasil, o combate à corrupção é até um bom negócio. São pessoas
que fazem dinheiro com o combate à corrupção, como está provado em
vários episódios que não vou repetir. É preciso ter muito cuidado com
isso.
Por que, muitas vezes, em ações de caráter neutro do ponto de vista
de ilicitude, o sujeito não entra eventualmente com ação de
ressarcimento, o que seria típico da própria Administração? Entra-se com
ação de improbidade. Por quê? Porque se quer carimbar o sujeito e o ideal
é que o processo não termine. Por isso a importância da improbidade.
Todo mundo que tem experiência na Administração sabe disso, tanto é
que os dados mostram. Quando os deputados se debruçaram sobre isso, o
temor que os administradores passaram a ter de que, se tomassem
decisão...
Uma experiência muito comum de quem lida com a Administração:
recebe-se uma notificação comunicando que se pratique determinado ato
ou se abstenha de praticar determinado ato, sob pena de ser alvo de uma
ação de improbidade. Isso ocorre toda hora, toda hora! É disso que se
cuida. Ou o administrador pratica esse ato...
Diz-se: "Ah, está falando do prefeito de Cabrobó." Não! Isso já
ocorreu no Supremo Tribunal Federal. Faz parte da nossa história e do
nosso folclore. Uma vez, um Procurador da República, de Juiz de Fora - o
nome é tão engraçado, fica juiz de fora, agora o procurador e tal -,
ameaçou o Ministro Sydney Sanches de ação por conta do pagamento, ou
não pagamento, de vantagens no Supremo Tribunal Federal!
É desse quadro que estamos falando. É preciso que haja, de fato, a
contemporização e a contemplação da realidade. É disso que se cuida.
Por isso, nesse ponto, que me parece haver alguma convergência, é
importante - é claro que a Administração é que vai fazer a avaliação - que

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 212 de 338

ADI 7042 / DF

haja a possibilidade de que se faça a defesa do ato. Parece-me um tanto


quanto elementar: a declaração de inconstitucionalidade, sem uma outra
consideração, pode levar à impressão de que a defesa da Administração
ou da advocacia pública desses atos, desses agentes, será igualmente
ilícita. Não me parece que seja sequer correto porque, na prática,
sabemos...
Quando votei a questão da repercussão geral, dá até vergonha de
falar disso, porque, se há uma coisa que o Brasil deve a esses personagens
é a estabilização da economia, mas Pedro Malan, Pedro Parente e Serra,
no Conselho Monetário Nacional, respondem, ainda hoje, por uma ação
de improbidade. E a ação era muito sensível, pedia-se, em relação a eles, a
perda dos direitos políticos e a devolução de tudo que se gastou no Proer.
Presidente, existe um documentário que está correndo acho que na
HBO Plus ou Max sobre o Brasil: 12 Moedas. Era um quadro de caos
econômico. Tudo aquilo que se fez, Governo Sarney, Governo Collor,
todos aqueles experimentos... Era um caos, vendo-se a Ministra Zélia
explicar, sem saber explicar, a retenção dos ativos financeiros, e, depois, o
Presidente do Banco Central, que talvez soubesse explicar o que era a
medida, mas não sabia falar português. Era um quadro que, se a gente
não soubesse que correspondia à realidade, diria: "é uma ficção." Não
houve, felizmente, para eles, ação de improbidade, mas para quem fez
parte de um programa exitoso, há uma ação de improbidade ainda hoje
em tramitação aqui.
Vejam os Senhores, por quê? Porque se fez uma política pública e
política pública também se pode fazer e dar errado, sem nenhum dolo.
Isso faz parte do processo. Quantos de nós participamos na
Administração Pública e lançamos projetos que depois se viram
frustrados! Isso acontece nas nossas gestões como acontece no contexto
geral. Não obstante, faz-se um prognóstico ...
Esses dias, eu estava conversando com um governador, insuspeito, e
ele falando dos problemas da pandemia. E, aí, aparecem as imputações
de superfaturamento. Ele disse: "Claro! Na medida em que faltavam
respiradores, os preços foram para as alturas, isso é elementar." E, aí, diz-

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 213 de 338

ADI 7042 / DF

se: "Não, comprou, porque agora o preço está mais baixo." Quer dizer,
todo esse desconhecimento, às vezes, da realidade, às vezes, essa ablação,
às vezes, uma certa intencionalidade, tudo isso precisa ser olhado com
muito cuidado.
Por isso que me parece quase que óbvio que a Administração possa e
deva oferecer defesa nesses casos, porque estamos falando de atos
normais, não estamos supondo pessoas que eventualmente fizeram
fraudes ou coisas do tipo. Isso é o que me parece importante racionalizar.
Infelizmente, por conta dos anos de vivência, de experiência, não
tenho esse entusiasmo juvenil: "Ah, todos eles são combatentes da
corrupção e estão engajados nesse processo." Quem viu os episódios que
vivemos, em tempos bem recentes, tem de olhar essa quadra com muita
desconfiança.
Nós vivíamos, e eu vivi, no Governo Fernando Henrique Cardoso, a
realidade de um procurador, que, a toda hora, fazia uma nova ação contra
o governo, ação de improbidade. Descobriu-se, depois, que ele fazia ações
até trazidas por advogados: "Ah, mas não é a regra." Mas acontece e
acontecia com grande... Uma coisa até curiosa: esse papel, muitas vezes,
exerce-se com uma certa complacência da própria mídia. Hoje, a mídia
não fala mais nesse personagem. Decretou, um pouco, uma morte civil. É
o Procurador Luiz Francisco, que todos conhecem. Ninguém fala, a mídia
não fala, Presidente, no Procurador Janot. Ninguém fala, é como se não
tivessem feito nada com ele. Ele, que já declarou que, às três horas da
tarde, já estava bêbado, quis derrubar um Presidente da República,
acoplando-se a órgãos de mídia e tudo. Não se fala mais nele, como se
não tivessem participado disso.
Então, só para dizer claramente que o combate à corrupção tem de
ser feito de maneira escorreita. Ainda na sessão anterior, eu lembrava que
aquela operação da tal fundação de Curitiba levava 2,5 bi e ainda
distribuía dinheiro para amigos!
E, esses dias, o Procurador Aras me chamava a atenção que, aqui em
Brasília, relativo a esse pagamento da JBS, fazia-se uma operação em que
a AGU, sem o saber, com a participação do Joaquim Falcão e da

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 214 de 338

ADI 7042 / DF

Transparência Internacional, estavam levantando 3 bilhões para uma


fundação de combate à corrupção - algo abstrato. É preciso que isso seja
dito, que seja sabido, para que a gente tenha um ceticismo saudável em
relação a isso e leia isso de maneira crítica.
Gostaria de fazer essas notas - não me queria ter aprofundado tanto
nesse tema. Embora não seja tão velho, comecei cedo na vida pública e
tive a oportunidade de ver e, sobretudo - acho que é uma grande
vantagem -, de não esquecer, de guardar na memória - certamente, às
vezes, para alguns, pode ser um conforto ter esquecido determinadas
coisas, mas eu, pelo menos, vivo atormentado pela minha memória,
felizmente. Portanto, os Senhores veem que, sem nenhum papel, estou
lançando fatos e poderia lançar outros.
Acho que é fundamental que nossa legislação seja adequada à
realidade, que leve em conta isso, sem nenhum desapreço. Sempre
acreditei que a grande força que se faz, no âmbito do combate aos
próprios desvios da corrupção, é exatamente a melhora na
institucionalidade. Considero um avanço essa lei ter trazido a exclusão do
dolo.
Eu me lembro que, quando, na Casa Civil ou na AGU, era insistente
o apelo dos procuradores para que mimetizássemos a magistratura e o
Ministério Público e déssemos dois meses de férias, sempre repudiei isso
de maneira muito clara. Dizia: "Não, isso não é razoável". Outra pressão
que sofríamos, Ministro Toffoli, era dar direito de advogar aos advogados
públicos. Nunca permitimos isso, porque entendíamos que era uma porta
para desvio, uma vulneração da atividade. Melhorar salários, sim, parece-
me fundamental em termos de ajustes institucionais. Essa confusão que
Vossa Excelência enfrentou à frente do CNJ, onde tentou fazer a
unificação dos chamados acordos de leniência, confusão que uma vez se
faz com o MPU, outra vez com a CGU, outra vez com a AGU. Vossa
Excelência tentou fazer a política da porta única, tentou fazer isso
funcionar. Isso precisa ser racional.
Ouvi de um colega que participou dos eventos da CGU, em que ele
foi tentar entender em que se baseavam os acordos para a imposição da

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 215 de 338

ADI 7042 / DF

leniência. "Como vocês calculam isso?", perguntava esse integrante da


CGU. Um desses notórios procuradores da República disse a ele, Ministro
André: "A gente pede e, se eles aceitarem, está definido o valor". Estamos
falando disso hoje.
É preciso que tudo isso seja trazido para a realidade. Nesse caso,
estamos discutindo a questão da defesa. É fundamental. O Ministro
Lewandowski citou o caso. Imaginem a situação de alguém que passa
pelo Eleitoral e que tem que comprar - todos nós já nos vimos nessa
circunstância - um número elevado de urnas. Depois, diz-se: "Olha, teve
aí algum tipo de desvio ou coisa do tipo". Sabemos que a Corte delibera, é
pública, é transparente, mas não se livra desse tipo de hipótese. Aí, diz-se:
"Mas não vai ter direito a advogado".
Imaginem o cenário desse ex-Presidente do TSE, que agora sequer
tem mais assento no Supremo, está na aposentadoria. Já não aparece
ninguém. Não cresce mato mais na sua porta, como se diz lá no Mato
Grosso. É preciso ver isso. "Ah, mas você está, Gilmar, delirando, você
está falando de hipóteses hipotéticas, hiperbólicas". Não,
lamentavelmente não. Estamos falando de realidades, pessoas de carne e
osso, que usam, muitas vezes, das funções para atingir determinados
objetivos políticos.
É preciso estarmos atentos a isso. Em um país muito diverso, são 27
estados e 5.600 ou mais municípios, com muitas diferenças. Temos o
Município de São Paulo, uma das maiores unidades federativas e temos
vários municípios extremamente pequenos. É preciso que a gente leve em
conta, exatamente na linha do que falou o Ministro Lewandowski, que
um suspiro aqui terá reflexo e, às vezes, reflexo equivocado.
Parece-me que é fundamental que possamos, Presidente, refletir
sobre isso, porque, de fato, mesmo sem sumular, estamos estabelecendo
uma orientação geral, que vai ter, sim, efeitos.
Eu sou um cético otimista - se é possível combinar as duas coisas -,
mas vejo sempre com cuidado, porque já vivi essa realidade e tive, talvez,
o privilégio ou aflição de não ter esquecido. É preciso que manejemos
com muito cuidado.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 216 de 338

ADI 7042 / DF

Quando escutei, na assentada passada, as sustentações orais dos


Procuradores, falando da questão da ação de improbidade, fiquei muito
sensibilizado com aquilo tudo: "ah, combate à corrupção, com um
efetivo". Não apresentam números, não mostram os resultados. Poderiam
ter atuação preventiva, em muitos casos. Não quero negar que, de fato,
essas ações têm alcance e que é preciso ter essas ações, até com efeito
inibitório, mas, obviamente, a gente não pode tratar desse tema sob uma
visão maniqueísta em que, de um lado, estariam os santos esperando a
canonização e, de outro, bandidos, porque simplesmente foram expostos.
É preciso que isso seja olhado com o devido cuidado. Nesse caso, o
que se está propondo é que, simplesmente, permita-se à Administração
autorizar a defesa de quem praticou atos de ofício. É razoável que se
discuta. Claro que a lei, talvez, não tenha sido feliz, ao estabelecer a ideia
do parecer. Talvez isso tenha um recorte muito forte da realidade,
situações específicas, mas, se formos perscrutar a legislação, certamente
são poucos os casos em que, de fato, exige-se, impõe-se, o parecer. Muitas
vezes, são tomadas as decisões - a lembrança que vem a todos é o caso da
Lei de Licitação -, só que o procedimento é complexo e o procurador,
obviamente, pode não ter nada a ver com eventuais desvios que se
perpetrem.
Queria fazer esse registro e fazer um pouco de registro de realidade,
porque, obviamente, não tenho o entusiasmo juvenil desse exército de
combatentes da corrupção.
Eu já brinquei - até dando entrevistas para correspondentes
estrangeiros - que o Brasil é tão singular. Não é? Há todas aquelas frases -
não citarei aqui, até porque seria impróprio - de Roberto Campos sobre as
peculiaridades do Brasil. O Brasil possui peculiaridades que fazem com
que combatentes da corrupção façam dinheiro com isso. Isso, de fato, é
uma singularidade, não é? São vários os casos, infelizmente, que a gente
tem muito presentes, muito próximos.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - A matéria


realmente é complexa, mas o Ministro Dias Toffoli precisa concluir o voto

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 217 de 338

ADI 7042 / DF

dele. Eu só queria comunicar, como já o fizera no início da sessão, que


temos a posse no Superior Tribunal de Justiça.
Então, vamos conceder a palavra a Sua Excelência o Ministro Dias
Toffoli, que concluirá seu voto.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Serei breve, Senhor Presidente.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Não, não,


fique à vontade, mas, após a sua conclusão, vamos ter de suspender a
sessão.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Senhor Presidente, antes de prosseguir nesse pequeno voto, mas que
satisfez ao debate, gerando mais de quarenta minutos de apartes, Senhor
Presidente, não posso deixar envelhecer a necessidade da gratidão ao
Ministro André Mendonça pelas referências. Foram apartes e apartes,
todos substanciosos, concluindo-se agora com o último aparte de nosso
Decano, Ministro Gilmar Mendes, com toda a sua experiência histórica.
Se nós, Ministro André, conseguimos dar uma demão na AGU, ou passar
uma pintura nova, fazer um acabamento, foi porque a estrutura estava
consolidada pela proficiência das gestões anteriores, mas, sem dúvida
nenhuma, da mais marcante delas, a gestão do Ministro Gilmar Mendes.
Agradeço todos os apartes realizados, Senhor Presidente.
Aqui, penso que são dois temas em que divido meu voto, sem
prejuízo de, na próxima sessão, se necessário, retomar o debate, com a
permissão de todos os Colegas. Em razão do adiantado da hora, serei
bastante objetivo, como o tempo impõe.
No primeiro item, sem dúvida nenhuma, vejo uma divergência
substancial na proposta do dispositivo, que é meu, não é de mais
ninguém, é unicamente meu. Ministro Alexandre, Ministro Fachin, penso
que aqui realmente há uma divergência substancial.
No segundo ponto, como alertou nosso querido Ministro e meu

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 218 de 338

ADI 7042 / DF

professor Ricardo Lewandowski, há uma proximidade. Talvez - deixo


aqui no ar, Ministro Alexandre, uma vez que será suspensa a sessão – e
talvez possamos alinhavar uma solução de maior consenso, se possível.
Vejam, diante dos elementos trazidos e debatidos, passarei, portanto,
somente à leitura do que seria o dispositivo de meu voto, pedindo vênia
ao Relator e àqueles que entendem de maneira diferente:

“[1.] Conferir interpretação conforme à Constituição


Federal ao art. 17, caput, da Lei nº 8.429/1992, com a redação
conferida pela Lei nº 14.230/2021, para estabelecer que a
legitimidade privativa do Ministério Público para o
ajuizamento de ações de improbidade administrativa não afasta
a legitimidade dos entes públicos de deflagrarem ações civis de
ressarcimento ao erário.”

Aqui, certamente, há uma divergência substancial, porque, quando é


proposta pelo ente, segundo minha parte dispositiva e os fundamentos de
meu voto, o ente só pode pedir ressarcimento, e não as outras
consequências políticas possíveis.
O segundo ponto diz respeito à representação do agente público
requerido por um ato de improbidade. O que diz a lei - o § 20 do artigo
17? Quando houver parecer, será obrigatório para a defesa, de acordo
com o que o agente praticou. O ato será de acordo com o parecer e será
obrigatório. Isso exclui o que já é uma prática hoje. A lei é restritiva. A
Advocacia-Geral da União está, pela lei vigente, autorizada - e é feita uma
análise – antes de deferir essa defesa.
Por isso, diante do que já existe hoje, embora seja uma lei federal, a
interpretação que proponho para esse item 2 surge como algo que já
pacifica o tema, em minha humilde e singela opinião, para eventuais
legislações e também para as que já existem nos estados.
Então, no segundo ponto, trago o seguinte dispositivo:

“[2.] Conferir interpretação conforme, sem redução de


texto, ao § 20 do art. 17 da Lei nº 8.429/1992, na redação

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 219 de 338

ADI 7042 / DF

conferida pela Lei nº 14.230/2021, para estabelecer que a


Administração Pública fica autorizada a representar [ela não
está obrigada, Ministra Rosa, mas autorizada a representar]
judicialmente o agente público que responde por ação de
improbidade administrativa em razão de atos praticados no
exercício de suas atribuições [não é qualquer ato e não está
vinculada a Administração a dar a defesa; ela está autorizada e
têm que ser atos da atribuição do cargo], inclusive na hipótese
de ação de ressarcimento ao erário [evidente que esse ponto
depende do primeiro] proposta pelo ente público, com a
designação de procurador ad hoc especificamente para essa
finalidade.”

Senhor Presidente, esse é o dispositivo de meu voto, sem prejuízo,


diante da posse que se avizinha, de, eventualmente, pedir a palavra
novamente para melhor esclarecer os pontos.

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

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25/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Cuida-se do julgamento conjunto das ações diretas de
inconstitucionalidade de nºs. 7.042 e 7.043, ajuizadas, respectivamente,
pela Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito
Federal (ANAPE) e pela Associação Nacional dos Advogados Públicos
Federais (ANAFE) em face dos arts. 17, caput e §§ 14 e 20, e 17-B da Lei
nº 8.429/1992, alterados e incluídos pelo art. 2º da Lei nº 14.230/2021, e
dos arts. 3º e 4º, inciso X, da Lei nº 14.230/2021.
Transcrevo o teor dos dispositivos impugnados.

Lei nº 8.429/1992
Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata
esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o
procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março
de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei.
(Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
(...)
§ 14 Sem prejuízo da citação dos réus, a pessoa jurídica
interessada será intimada para, caso queira, intervir no
processo. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
(...)
§ 20 A assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a
legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo
administrador público ficará obrigada a defendê-lo
judicialmente, caso este venha a responder ação por
improbidade administrativa, até que a decisão transite em
julgado. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
(...)
Art. 17-B. O Ministério Público poderá, conforme as
circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo de não
persecução civil, desde que dele advenham, ao menos, os

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

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ADI 7042 / DF

seguintes resultados: (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)


I - o integral ressarcimento do dano; (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
II - a reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem
indevida obtida, ainda que oriunda de agentes privados.
(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 1º A celebração do acordo a que se refere o caput deste
artigo dependerá, cumulativamente: (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
I - da oitiva do ente federativo lesado, em momento
anterior ou posterior à propositura da ação; (Incluído pela Lei
nº 14.230, de 2021)
II - de aprovação, no prazo de até 60 (sessenta) dias, pelo
órgão do Ministério Público competente para apreciar as
promoções de arquivamento de inquéritos civis, se anterior ao
ajuizamento da ação; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
III - de homologação judicial, independentemente de o
acordo ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de
improbidade administrativa. (Incluído pela Lei nº 14.230, de
2021)
§ 2º Em qualquer caso, a celebração do acordo a que se
refere o caput deste artigo considerará a personalidade do
agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a
repercussão social do ato de improbidade, bem como as
vantagens, para o interesse público, da rápida solução do caso.
(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021).
§ 3º Para fins de apuração do valor do dano a ser
ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas
competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros
utilizados, no prazo de 90 (noventa) dias. (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
§ 4º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá
ser celebrado no curso da investigação de apuração do ilícito,
no curso da ação de improbidade ou no momento da execução
da sentença condenatória. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 5º As negociações para a celebração do acordo a que se

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ADI 7042 / DF

refere o caput deste artigo ocorrerão entre o Ministério Público,


de um lado, e, de outro, o investigado ou demandado e o seu
defensor. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 6º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá
contemplar a adoção de mecanismos e procedimentos internos
de integridade, de auditoria e de incentivo à denúncia de
irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de
conduta no âmbito da pessoa jurídica, se for o caso, bem como
de outras medidas em favor do interesse público e de boas
práticas administrativas. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 7º Em caso de descumprimento do acordo a que se refere
o caput deste artigo, o investigado ou o demandado ficará
impedido de celebrar novo acordo pelo prazo de 5 (cinco) anos,
contado do conhecimento pelo Ministério Público do efetivo
descumprimento. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Lei nº 14.230/2021
Art. 3º. No prazo de 1 (um) ano a partir da data de
publicação desta Lei, o Ministério Público competente
manifestará interesse no prosseguimento das ações por
improbidade administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda
Pública, inclusive em grau de recurso.
§ 1º No prazo previsto no caput deste artigo suspende-se o
processo, observado o disposto no art. 314 da Lei nº 13.105, de
16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
§ 2º Não adotada a providência descrita no caput deste
artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.
Art. 4º. Ficam revogados os seguintes dispositivos e seção
da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992:
(...)
X - §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 8º, 9º, 10, 12 e 13 do art. 17.

No conjunto das alegações, em suma, insurgem-se as entidades


autoras contra a exclusão da legitimidade dos entes públicos lesados para
ajuizar ações de improbidade administrativa. Impugna-se, ainda, a
obrigação imposta pela norma aos advogados públicos de atuarem na

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defesa do agente acusado por improbidade administrativa no caso de o


ato supostamente ímprobo ter sido praticado em consonância com
parecer emitido pela assessoria jurídica.
A ANAPE sustenta a inconstitucionalidade formal do art. 17, § 20, da
Lei nº 8.429/1992, na redação conferida pela Lei nº 14.230/2021,
argumentando que a imposição feita à advocacia pública – de promover a
defesa de agente público que atuou com base em parecer emitido pela
assessoria jurídica – ofenderia o poder de auto-organização e autonomia
dos estados, ao dispor acerca da estrutura organizacional e das
atribuições dos órgãos da advocacia pública.
Nesse sentido, afirma que

“eventual atuação da advocacia pública na representação


de agentes públicos deve advir de legislação específica e
própria do ente federado, não podendo a União, a pretexto de
tratar das normas sobre improbidade administrativa, criar tal
incumbência às Procuradorias estaduais”.

Suscita a inconstitucionalidade material dos arts. 3º e 4º, inciso X, da


Lei nº 14.230/2021, e dos arts. 17, caput, e 17-B, da Lei nº 8.429/1992, com a
redação conferida pela Lei nº 14.230/2021 – que colocam o Ministério
Público como único legitimado a propor a ação de improbidade
administrativa, excluindo a pessoa jurídica lesada -, ao fundamento de
que ofenderiam o princípio da vedação ao retrocesso social, o direito
fundamental da probidade administrativa, os princípios da
Administração Pública, o pacto federativo e a autonomia dos estados.
Argumenta, assim, que “retirar a competência da advocacia pública
de ingressar com ações de improbidade é retirar do Estado parte essencial
da função de defesa do cidadão e dos entes federados conferida pela
legislação pátria”.
Acrescenta que a previsão de extinção sem resolução de mérito das
ações de improbidade ajuizadas antes da publicação da Lei nº
14.230/2021, caso o Ministério Público não dê continuidade a elas em até
um ano, iria de encontro à noção de que o controle da probidade seria um

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bem jurídico indisponível.


Pede a declaração de inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº
14.230/2021 no que se refere às alterações e inserções promovidas no art.
17, caput e no art. 17-B da Lei nº 8.429/1992. Por arrastamento, requer a
declaração de inconstitucionalidade dos arts. 3º e 4º, inciso X, da Lei nº
14.230/2021 e do art. 17, § 14, da Lei nº 8.429/1992, com a redação
conferida pela Lei nº 14.230/2021.
Requer, também, que seja declarada a inconstitucionalidade formal
do art. 2º da Lei nº 14.230/2021 no que se refere à inclusão do art. 17, § 20,
na Lei nº 8.429/2020, ou, subsidiariamente, que seja conferida a ele
interpretação conforme à Constituição para restringir sua aplicação ao
âmbito da União.
Por sua vez, a ANAFE suscita a inconstitucionalidade material dos
arts. 2º 3º e 4º, inciso X, da Lei nº 14.230/2021, e dos arts. 17, caput, e 17-B,
caput e §§ 5º e 7º, da Lei nº 8.429/1992, com a redação conferida pela Lei
nº 14.230/2021.
A entidade se insurge contra a exclusão da legitimidade da pessoa
jurídica lesada para o ajuizamento de ação de improbidade
administrativa, bem como contra a estipulação de prazo para que o
Ministério Público se manifeste sobre a continuidade das ações já
ajuizadas, asseverando, em suma, que

“o legislador ordinário terminou por impedir o exercício


do dever‐poder da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios de zelar pela guarda da Constituição e das leis e
de conservar o patrimônio público, compreendido no seu
sentido amplo, que abarca a reserva moral e ética da
Administração Pública brasileira”.

Requer a declaração de inconstitucionalidade dos arts. 17, caput e §


14, e 17-B, caput e §§ 5º e 7º da Lei nº 8.429/1992, na redação conferida
pelo art. 2º da Lei nº 14.230/2021, bem como dos arts. 3º, §§ 1º e 2º, e 4º,
inciso X, da Lei nº 14.230/2021.

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O Relator, Ministro Alexandre de Moraes, deferiu parcialmente a


medida cautelar, para

“(A) CONCEDER INTERPRETAÇÃO CONFORME A


CONSTITUIÇÃO FEDERAL ao caput e §§ 6º-A, 10-C e 14, do
artigo 17 da Lei nº 8.429/92, com a redação dada pela Lei nº
14.230/2021, no sentido da EXISTÊNCIA DE LEGITIMIDADE
ATIVA CONCORRENTE ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO E
AS PESSOAS JURÍDICAS INTERESSADAS PARA A
PROPOSITURA DA AÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA;
(B) SUSPENDER OS EFEITOS do § 20, do artigo 17 da Lei
nº 8.429/92, com a redação dada pela Lei nº 14.230/2021, em
relação a ambas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (7042
e 7043);
(C) SUSPENDER OS EFEITOS do artigo 3º da Lei nº
14.230/2021”.

Na sessão plenária de 24 de agosto de 2022, o Relator apresentou


voto pelo qual conhecia das ações, afastando as preliminares suscitadas.
No mérito, julgava parcialmente procedentes os pedidos, para

“(a) declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução


de texto, do caput e dos §§ 6º-A e 10-C do art. 17, assim como
do caput e dos §§ 5º e 7º do art. 17-B da Lei 8.429/1992, na
redação dada pela Lei 14.230/2021, de modo a restabelecer a
existência de legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o
Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a
propositura da ação por ato de improbidade administrativa e
para a celebração de acordos de não persecução civil; (b)
declarar a inconstitucionalidade do § 20 do art. 17 da Lei
8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021; e (c) declarar a
inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 14.230/2021”.

Peço vênia para divergir em parte do eminente Relator, no que tange


aos itens a e b do voto apresentado naquela assentada (o qual veio a ser

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ADI 7042 / DF

alterado após os debates em Plenário, conforme se verá adiante).

Verifico que a presente controvérsia consiste em dois pontos


principais, os quais analisarei separadamente.
O primeiro ponto diz respeito à alteração promovida pela Lei nº
14.230/2021 na Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) no
que se refere à previsão de legitimidade ativa do Ministério Público para
o ajuizamento da ação de improbidade administrativa, a excluir, pois, a
pessoa jurídica interessada da possibilidade de promover a propositura
da demanda.
É o que se depreende do art. 17, caput, da Lei nº 8.429/1992, com a
redação conferida pela Lei nº 14.230/2021:

“Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata


esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o
procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março
de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei”.

O tema em análise insere-se no âmbito da moralidade


administrativa, princípio constitucional do qual se extrai uma obrigação
dos representantes do Estado de adotarem comportamento ético e
honesto na atividade pública e no trato com o patrimônio coletivo, e que
encontra na ação de improbidade administrativa, entre outros caminhos
jurídicos possíveis, sua instrumentalização.
Nesse sentido, consoante afirmado pelo eminente Ministro Celso de
Mello perante este Plenário,

“o princípio constitucional da moralidade administrativa,


ao impor limitações ao exercício do Poder estatal, legitima o
controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que
transgridam os valores éticos que devem pautar o
comportamento dos órgãos e agentes governamentais” (ADI nº
2.661 MC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de
23/8/02).

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Para tanto, estabelece o art. 37, § 4º, da Constituição Federal as


consequências da prática de uma conduta ímproba por parte do agente
público, o qual, além de estar suscetível à suspensão de seus direitos
políticos, à perda da função pública e à indisponibilidade dos seus bens,
se verá obrigado a recompor o erário das perdas suportadas pela
Administração Pública em decorrência do ato de improbidade.
Discute-se, porém, na presente ação, sob o ponto de vista da
legitimidade ativa para a propositura da ação de improbidade
administrativa, qual o cenário que melhor instrumentalizaria o
imperativo constitucional da moralidade, visando a proteção ao
patrimônio público.
Pedindo vênias ao Relator e aos Ministros que o acompanham,
entendo que o imperativo da moralidade, em tema de improbidade
administrativa, estará mais bem assegurado se se conferir às pessoas
jurídicas de direito público tão somente legitimidade ativa para a ação de
ressarcimento do dano causado ao erário, deixando ao Ministério Público
a competência exclusiva para mover ação destinada a promover as
demais consequências da prática de improbidade.
As sanções impostas ao agente público em razão da condenação por
um ato de improbidade administrativa são de ordem gravosa e, inclusive,
embora não tenham natureza penal, guardam afinidade com esse ramo
do direito. Nesse sentido, tenho defendido que o direito penal e o direito
administrativo sancionador – aplicável ao sistema da improbidade,
consoante o art. 1º, § 4º, da Lei nº 8.429/1992 - se correlacionam, pois
ambos exteriorizam a manifestação penalizadora do Estado, subtraindo
do cidadão direitos públicos individuais.
A respeito do tema, registro, por oportuno, as reflexões expostas
pelo Ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça, por
ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 765.212/AC:

“Há uma realidade inegável no ordenamento jurídico


brasileiro, por cima da qual não podemos passar: existe um
microssistema de proteção à moralidade administrativa,

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iniciado já antes da promulgação da Constituição da República


de 1988 e por ela perpetuado e reforçado.
Esse microssistema é formado basicamente pelas Leis n.
4.717/65 (Lei de Ação Popular - LAP), 7.347/85 (Lei de Ação
Civil Pública - LACP), pela Constituição da República de 1988
(CR/88) e 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa - LIA).
Esse microssistema normativo traz sanções de especial
gravidade para os agentes públicos que eventualmente
incidirem nas condutas tipificadas em suas prescrições. Em
razão dessa peculiaridade, penso que há uma aproximação
inegável deste conjunto de normas com o Direito Penal,
formando o que se denomina usualmente de direito
administrativo sancionador.
(...)
É razoável pensar, pois, que pelo menos os princípios
relacionados a direitos fundamentais que informem o Direito
Penal devam, igualmente, informar a aplicação de outras leis de
cunho sancionatório.
(..)
Há mais: esses princípios acauteladores de direitos
fundamentais são, eles próprios, garantias fundamentais e,
assim, tornam-se aplicáveis a todos os indivíduos, em qualquer
esfera em que se encontrem (seja penal, seja cível, seja
administrativa)”.

Com efeito, as sanções passíveis de serem aplicadas em decorrência


da condenação por ato de improbidade administrativa apresentam
notória relevância, por afetarem diretamente a capacidade de exercício
da cidadania por parte do condenado. A propósito, conforme pude
destacar em trabalho acadêmico,

“o exercício e o gozo dos direitos políticos perfazem uma


das facetas mais importantes dos direitos fundamentais do
cidadão e resultam de conquista histórica, após séculos de
batalha, a qual se traduz, em suma, na possibilidade de o
indivíduo influir no destino do Estado e opinar na fixação dos

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fins e das regras aplicáveis a sua comunidade em determinado


contexto sociopolítico” (TOFFOLI, José Antônio Dias.
Improbidade Administrativa e seus Reflexos sobre a
Elegibilidade do Cidadão. In: MARQUES, Mauro Campbell
(coord.). Improbidade Administrativa: temas atuais e
controvertidos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1ª ed., 2017).

Nesses termos, considerando que a ação de improbidade


administrativa veicula uma relação jurídica entre o Estado e o cidadão,
essencialmente assimétrica, entendo que o ajuizamento dessa ação — e a
consequente possibilidade de imposição das severas sanções político-
administrativas previstas no art. 37, § 4º da Constituição Federal – não
pode estar sujeita à conveniência política do representante do ente
público lesado, a qual, como se tem observado, pode sofrer os influxos
de interesses partidários ou eleitorais.
Essa ponderação fica mais bem ilustrada se considerarmos os mais
de 5.500 municípios existentes em nosso país, que, em sua maioria, não
contam com procuradorias próprias, mas com advogados que exercem
cargos em comissão e que têm investiduras atreladas ao período de
mandato do titular do cargo eletivo e que acabam por exercer suas
atribuições sob interferência direta do administrador eleito.
Nesse cenário, não raro, observam-se situações em que o
administrador que deixa o governo se vê demandado na Justiça por seu
sucessor, sob desígnios persecutórios e difamatórios, em razão de atos
praticados legitimamente no exercício do cargo, o que pode provocar
prejuízos irreparáveis à vida, à honra e à trajetória política do acusado.
Não estou pressupondo que toda ação ajuizada sob a titularidade do
ente público lesado se converteria em perseguição política a adversários.
Todavia, considero legítima a opção do legislador de afastar essa
possibilidade, considerando que o acionamento do Poder Judiciário
para pleitear a imposição de sanção ao agente público que cometeu ato
de improbidade não pode ser uma decisão marcada pela transitoriedade
característica do campo político-eleitoral. Isso porque a aludida
prerrogativa configura uma obrigação do Estado perante a sociedade e

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ADI 7042 / DF

uma manifestação do poder punitivo em face dos cidadãos, pelo que


seu exercício deve se dar de forma objetiva, coerente e constante,
devidamente apartada de humores políticos passageiros.
De outra sorte, a opção do legislador de eleger o Ministério Público
como o órgão legitimado, em caráter exclusivo, para a propositura da
ação de improbidade parece privilegiar a ideia de que tais sanções sejam
pleiteadas por uma instituição de Estado, permanente, autônoma e
independente, a quem incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, de forma
a mitigar a possibilidade de que as relações políticas – sejam elas de
afinidade ou aversão - subvertam o nobre intuito do instituto.
Aliás, a atuação fiscalizadora do órgão ministerial em relação aos
atos administrativos praticados pelos agentes públicos encontra
fundamento nas relevantes funções institucionais que lhe foram
atribuídas pelo legislador constituinte nos incisos do art. 129 da
Constituição Federal, entre as quais estão a de zelar pelo efetivo respeito
dos Poderes Públicos aos direitos assegurados na Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia.
A propósito, a justificativa apresentada ao Projeto de Lei nº
2.505/2021, que deu origem à Lei nº 14.230/2021, vai ao encontro das
ponderações aqui manifestadas:

“Ainda quanto às questões processuais, entendeu-se por


bem manter a legitimidade exclusiva do Ministério Público para
a propositura das ações de improbidade administrativa.
Isso se deu por consideração à natureza do provimento
requerido no seio de ações desta natureza. Não é razoável
manter-se questões de estado ao alvedrio das alterações
políticas e nem tratar questões de ato de improbidade como se
administrativas fossem.
Há um viés político-institucional que deve ser observado,
o que torna salutar e necessária a legitimação exclusiva.
Obviamente, as ações de ressarcimento são de titularidade
do ente público lesado, e mesmo com a titularidade exclusiva

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 231 de 338

ADI 7042 / DF

para a ação de improbidade do Ministério Público, os entes não


perdem a legitimidade para as ressarcitórias.
Estabeleceu-se no anteprojeto, também, a possibilidade de
acordo de não persecução cível, que, de forma similar à
transação, permite a inclusão – no plano da norma – de instituto
de consensualidade e cooperação que permite a conciliação
antes ou depois da propositura da inicial” (Disponível em <
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarinteg
ra;jsessionid=node01wbmooktsc7cs96dt9rbv6irq15340850.node0
?codteor=1687121&filename=PL+2505/2021+%28N
%C2%BA+Anterior:+pl+10887/2018%29>. Acesso em 19/9/2022).

Não vislumbro, portanto, inconstitucionalidade na previsão de


legitimidade exclusiva do Ministério Público para o ajuizamento da ação
de improbidade administrativa, considerando o intuito da lei de garantir
que a defesa da probidade administrativa e a proteção ao patrimônio
público sejam os valores preponderantes a fundamentar a imposição
das sanções político-administrativas cabíveis ao agente público.
Não há dúvidas, porém, de que o principal interessado no
ressarcimento aos cofres públicos seja o próprio titular do interesse lesado
pelo ato administrativo praticado pelo agente público, razão pela qual
não se pode excluir a legitimidade do ente público para ajuizar ação
visando à recomposição das perdas sofridas em função da conduta
ímproba, diante da patente pertinência subjetiva para tanto.
Trata-se, aliás, de verdadeiro poder-dever da pessoa jurídica
interessada, considerando que a Constituição Federal estabelece ser de
competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos
municípios “zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições
democráticas e conservar o patrimônio público” (art. 23, inc. I).
Nesse sentido, ainda que tenha sido afastada a legitimidade do ente
público para a propositura da ação de improbidade administrativa, a
norma em testilha não deve ter o condão de obstar a pessoa jurídica
lesada de acionar a Justiça em benefício de seu patrimônio, pois, no caso,
não estaria em questão a imposição de sanções que possam vir a subtrair

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ADI 7042 / DF

direitos políticos do cidadão, e sim a defesa de interesse próprio, visto


que ele é de sua titularidade, sob o imperativo constitucional da
inafastabilidade da jurisdição, consoante o art. 5º, inciso XXXV, da
Constituição Federal.
E a vocação da pessoa jurídica interessada para a viabilização da
recomposição do erário tem sido confirmada pela profícua atuação da
Advocacia Pública nesse sentido.
No caso da Advocacia-Geral da União, órgão que tive a honra de
chefiar no período de 2007 a 2009, foi criado departamento próprio para o
ajuizamento de ações de ressarcimento aos cofres públicos da União pelos
prejuízos causados por gestores da própria União, por gestores e entes
privados, por instituições privadas que geriram recursos públicos
transferidos a estados, Distrito Federal e municípios, ou por entidades
privadas glosadas no Tribunal de Contas da União. Como resultado desse
esforço inicial, entre março de 2007 e outubro de 2009, a AGU logrou
recuperar 2,5 bilhões de reais ao erário.
Em referência a dados mais recentes, apenas no ano de 2021, foram
recuperados 2,51 bilhões de reais em demandas relacionadas à cobrança
de créditos não tributários da União, à probidade administrativa e a
acordos de leniência, a demonstrar um trabalho contínuo para o
aprimoramento desse mister (Disponível em https://www.gov.br/agu/pt-
br/comunicacao/noticias/agu-viabiliza-recuperacao-de-r-2-5-bilhoes-a-
uniao. Acesso em 23/9/2022).
Em razão do exposto, divirjo, no ponto, do eminente Relator, para
conferir interpretação conforme à Constituição Federal ao art. 17, caput,
da Lei nº 8.429/1992, com a redação conferida pela Lei nº 14.230/2021,
para estabelecer que a legitimidade privativa do Ministério Público para
o ajuizamento de ações de improbidade administrativa não afasta a
legitimidade de entes públicos deflagarem ações civis de ressarcimento
ao erário.

O segundo ponto principal a ser endereçado diz respeito à regra


prevista no art. 17, § 20, da Lei nº 8.429/1992, incluído pela Lei nº

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ADI 7042 / DF

14.230/2021, segundo a qual

“[a] assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a


legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo
administrador público ficará obrigada a defendê-lo
judicialmente, caso este venha a responder ação por
improbidade administrativa, até que a decisão transite em
julgado”.

Extrai-se da norma impugnada que, sempre que o ato administrativo


considerado ímprobo tiver sido praticado de acordo com parecer
elaborado pela assessoria jurídica, haverá obrigatoriedade de defesa pela
advocacia pública do agente demandado em ação de improbidade
administrativa.
A Advocacia Pública é categorizada pela Constituição Federal como
instituição essencial à Justiça, competindo-lhe a representação judicial e
extrajudicial do ente público, bem como as atribuições de consultoria e
assessoramento jurídico do respectivo Poder Executivo. Nesse sentido,
dispõem os arts. 131 e 132 da Lei Maior:

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que,


diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União,
judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei
complementar que dispuser sobre sua organização e
funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento
jurídico do Poder Executivo.
(...)
Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito
Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá
de concurso público de provas e títulos, com a participação da
Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases,
exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das
respectivas unidades federadas.

Considero que a obrigatoriedade veiculada pela norma não se

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ADI 7042 / DF

coaduna com o texto constitucional sob uma perspectiva material, por


estipular um direito subjetivo do agente que responde por
improbidade administrativa de ter sua defesa patrocinada pela
Advocacia Pública quando a Constituição Federal isso não prevê,
conforme se extrai dos arts. 131 e 132 acima transcritos.
Todavia, a declaração de inconstitucionalidade pura e simples da
norma não parece ser o melhor entendimento, pois poderia denotar,
erroneamente, que, sendo inconstitucional a obrigatoriedade, a contrario
sensu, haveria uma vedação quanto à atuação da Advocacia Pública na
defesa de agentes públicos. Porém, embora a Constituição não tenha
designado à Advocacia Pública a referida atribuição, também não se
infere do texto constitucional uma proibição para tanto.
Com efeito, embora, em regra, seja o ente público o destinatário dos
serviços prestados pela Advocacia Pública, existem hipóteses em que a lei
autoriza a representação judicial de agentes públicos. E faz sentido que
assim seja, considerando que há situações em que o agente é demandado
judicialmente por suposta conduta ímproba em razão de ato
administrativo praticado em benefício do ente público, não sendo
razoável exigir-se que, nesses casos, o acusado tenha que providenciar
sua defesa com recursos próprios.
Sabe-se, ademais, que nem todo ato administrativo é precedido de
um parecer da assessoria jurídica, o que torna o dispositivo em análise
mais restritivo do que o regramento já existente na legislação vigente de
diversos entes federativos, o qual autoriza a atuação da advocacia
pública em defesa do agente público acusado de improbidade
administrativa, ainda que a legalidade do ato não tenha sido atestada
previamente.
No caso da Advocacia-Geral da União, por exemplo, o art. 22 da Lei
nº 9.028, de 12 de abril de 1995, estabelece:

“Art. 22. A Advocacia-Geral da União e os seus órgãos


vinculados, nas respectivas áreas de atuação, ficam autorizados
a representar judicialmente os titulares e os membros dos
Poderes da República, das Instituições Federais referidas no

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ADI 7042 / DF

Título IV, Capítulo IV, da Constituição, bem como os titulares


dos Ministérios e demais órgãos da Presidência da República,
de autarquias e fundações públicas federais, e de cargos de
natureza especial, de direção e assessoramento superiores e
daqueles efetivos, inclusive promovendo ação penal privada ou
representando perante o Ministério Público, quando vítimas de
crime, quanto a atos praticados no exercício de suas atribuições
constitucionais, legais ou regulamentares, no interesse público,
especialmente da União, suas respectivas autarquias e
fundações, ou das Instituições mencionadas, podendo, ainda,
quanto aos mesmos atos, impetrar habeas corpus e mandado de
segurança em defesa dos agentes públicos de que trata este
artigo”.

Também há normas semelhantes no âmbito dos estados-membros,


nas quais são definidas as hipóteses em que as respectivas procuradorias
estariam autorizadas a assumir a defesa dos agentes públicos. A ANAPE
colaciona os exemplos dos Estados de Alagoas, do Amazonas e do Rio de
Janeiro. Vejamos:

Lei Complementar nº 7/1991 do Estado de Alagoas:


“Art 4º. Compete à Procuradoria Geral do Estado:
(...)
XXIII – a Procuradoria Geral do Estado (PGE) representará
judicialmente o governador, os titulares das Secretarias, de
Autarquias e Fundações Públicas estaduais, os procuradores de
Estado e os membros do Ministério Público, quando vítimas de
crime sofrido em razão do exercício do cargo, bem como em
decorrência dos atos praticados em função de suas atribuições
constitucionais, legais ou regulamentares, representação que
fica condicionada à solicitação do agente público ao Procurador
Geral do Estado, o que legitima inclusive a propositura de
representação ao Ministério Público, ação penal privada, habeas
corpus e mandado de segurança, observando-se:
a) não se aplica aos ex-titulares dos cargos ou das funções
referidas; e

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 236 de 338

ADI 7042 / DF

b) o procurador Geral do Estado, em ato próprio, poderá


disciplinar a representação autorizada por este inciso”.

Lei nº 1.639/1983 do Estado do Amazonas:


“Art. 2.º - À Procuradoria Geral do Estado, instituição
permanente, essencial à Justiça e à Administração Pública do
Estado do Amazonas, vinculada exclusiva e diretamente ao
Chefe do Poder Executivo, como órgão superior do Sistema de
Apoio Jurídico da Administração Estadual, compete:
(...)
XX – patrocinar, mediante solicitação motivada, a defesa
judicial e extrajudicial dos Chefes dos Poderes do Estado
quanto a atos praticados no exercício regular de suas
competências constitucionais e legais, desde que evidenciados
interesse público e pertinência institucional, podendo, na defesa
desses agentes, impetrar habeas corpus e mandado de
segurança, pedir direito de resposta, interpelar, promover ação
penal privada e representar perante o Ministério Público
quando vítimas de crime em razão do exercício de suas
atribuições;”

Lei nº 6.450/2013 do Estado do Rio de Janeiro:


Art. 1º. A presente Lei se aplica às autoridades e
servidores estaduais da Administração Pública direta e indireta
que, em decorrência da prática de atos funcionais, venham a
ocupar o polo passivo em ações civis públicas, ações populares,
ações de improbidade, ações criminais ou sejam indiciados em
inquérito civil ou criminal, ou estejam respondendo a processos
perante outros órgãos de controle, desde que atendidas,
cumulativamente, as seguintes exigências:
I – o ato tenha sido praticado no exercício de cargo ou
emprego efetivo ou em comissão, integrante da estrutura da
administração direta, autárquica ou fundacional;
II – o ato atacado não seja contrário a parecer da
Procuradoria Geral do Estado, emitido até a data do ato;
III – o ato atacado tenha sido precedido de parecer ou

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 237 de 338

ADI 7042 / DF

manifestação de órgão integrante do Sistema Jurídico Estadual,


quando tal condição for expressamente exigida pela lei ou
regulamento, e não contrarie tal parecer ou manifestação;
IV – o ato atacado não tenha sido omisso quanto à
circunstância que, por expressa previsão legal, deveria ter sido
enfrentada ou mencionada.
§ 1º. Na hipótese em que não era exigível parecer ou
manifestação prévia de órgão integrante do Sistema Jurídico
Estadual a aplicação da presente lei dependerá de análise
posterior do referido órgão, que deverá verificar, em especial, a
consistência das imputações feitas em confronto com as
justificativas do ato.
§ 2º A presente Lei também se aplica quando a ação
decorrer de imputação irrazoável de não prestação de
informações.
Art. 2º Atendidas as condições de que trata o art. 1º o
Estado, autarquia ou fundação:
I – custeará a defesa do servidor em questão, nos termos e
limites do art. 3º;
II – poderá ingressar em juízo, mesmo que não tenha sido
notificado ou citado na ação, para, em nome próprio, defender
o ato impugnado”.

Concluo, portanto, que, embora não exista direito subjetivo do


agente acusado de improbidade administrativa de ter sua defesa
patrocinada pelo ente público supostamente lesado, não há vedação
constitucional para que a lei autorize a representação judicial de
agentes públicos pelos órgãos da advocacia pública – ou até mesmo a
designação de um profissional ad hoc para fazer a defesa cabível, no caso
de ação de ressarcimento ajuizada pelo ente público –, mediante
solicitação do interessado e resguardada a análise de cada caso concreto
pela procuradoria competente.
A meu ver, é esse o sentido da interpretação conforme à Constituição
a ser conferida ao art. 17, § 20, da Lei nº 8.429/1992, incluído pela Lei nº
14.230/2021, de forma a coadunar o teor da norma aos arts. 131 e 132 da

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 238 de 338

ADI 7042 / DF

Constituição Federal, que dispõem sobre as competências da advocacia


pública.
Tendo em vista esses fundamentos, inicialmente divergia do Relator
para

“conferir interpretação conforme sem redução de texto ao


§ 20 do art. 17 da Lei 8.429/1992, na redação conferida pela Lei
14.230/2021, para estabelecer que administração pública
também fica autorizada a representar judicialmente o agente
público que responde por ação de improbidade administrativa
em razão de atos praticados no exercício de suas atribuições,
inclusive, na hipótese de ação de ressarcimento ao erário
proposta pelo ente público, com a designação de procurador ad
hoc especificamente para essa finalidade [conforme dispositivo
lido em Plenário]”.

No entanto, após os debates em Plenário, o eminente Relator veio a


reajustar seu voto quanto ao ponto, apresentando proposição que
contemplou as observações aqui apresentadas, no sentido de

“declarar a inconstitucionalidade parcial, com redução de


texto, do § 20 do art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei
14.230/2021, no sentido de que não existe “obrigatoriedade de
defesa judicial”; havendo, porém, a possibilidade dos órgãos da
Advocacia Pública autorizarem a realização dessa
representação judicial, por parte da assessoria jurídica que
emitiu o parecer atestando a legalidade prévia dos atos
administrativos praticados pelo administrador público, nos
termos autorizados por lei específica”.

Desse modo, ao final do debate, minha divergência em relação ao


Relator remanesceu somente no que tange ao item a de seu voto.

Conclusão

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 239 de 338

ADI 7042 / DF

Ante o exposto, peço vênia ao eminente Ministro Relator e julgo


parcialmente procedentes os pedidos, conferindo interpretação
conforme à Constituição Federal ao art. 17, caput, da Lei nº 8.429/1992,
com a redação conferida pela Lei nº 14.230/2021, para estabelecer que a
legitimidade privativa do Ministério Público para o ajuizamento de ações
de improbidade administrativa não afasta a legitimidade de entes
públicos deflagarem ações civis de ressarcimento ao erário.
Por fim, quanto aos demais pontos, inclusive os que não foram
expressamente abordados neste voto, acompanho as conclusões do
Ministro Relator.
É como voto.

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Supremo Tribunal Federal
Observação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 240 de 338

25/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

OBSERVAÇÃO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Presidente, apenas


uma questão para refletir até a próxima sessão, à luz do que o eminente
Ministro Dias Toffoli vem de suscitar.
O voto do eminente Relator reconhece inconstitucional esse § 20 do
art. 17, que estabelece a obrigatoriedade. Creio que, nisso, a posição de
Vossa Excelência vai ao encontro da posição do eminente Relator e Vossa
Excelência, daí, em um tema que até esse momento não estava posto, mas
Vossa Excelência traz à colação, sugere que se assente que a
Administração fica autorizada. Portanto, Vossa Excelência concorda que a
redação, como está, é inconstitucional.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Sim. E qual é a minha preocupação de não simplesmente glosar o
dispositivo? Porque pode ficar a leitura de que a Administração está
vedada a dar essa defesa ao ente público. Por exemplo, o ex-Presidente
Fernando Henrique Cardoso não teria mais a AGU a fazer sua defesa.

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Supremo Tribunal Federal
Esclarecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 241 de 338

25/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES – Ministro Dias


Toffoli, em relação ao art. 17-B, quanto à celebração de acordo de não
persecução civil, Vossa Excelência também entende da mesma forma que
o art. 17, caput?
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Eu entendo que, se a Administração Pública está legitimada à
procuração...
O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES – Também para fins
de ressarcimento.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Também está legitimada a fazê-lo.
O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES – Então Vossa
Excelência me acompanha nesse aspecto?
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Sim.

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Supremo Tribunal Federal
Observação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 242 de 338

25/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES


REQTE.(S) : ASSOCIACAO NACIONAL DOS PROCURADORES
DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL - ANAPE
ADV.(A/S) : EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : FRENTE NACIONAL DE PREFEITOS
ADV.(A/S) : MARCELO PELEGRINI BARBOSA

OBSERVAÇÃO

O SENHOR MINISTRO ANDRÉ MENDONÇA:


Presidente, apenas para fazer uma consideração em relação ao
primeiro ponto e, de certa forma, é algo consolidado e com uma
divergência já clara. Só fazer dois registros.
A AGU, hoje, já faz a representação. Isso está regulamentado por lei,
salvo engano, criada ainda na gestão do e. Ministro Gilmar Mendes. Há
normativos internos. Então, a representação, para mim, é legítima. A
questão é realmente a obrigatoriedade.
E para reflexão até a próxima Sessão, eu vejo com ótimos olhos essa
possibilidade, até como necessária, mas a obrigatoriedade – e penso haver
consenso, pelo menos no que de certa forma foi colocado –, a
inadequação da via eleita. O que não significa que se deve deixar o
administrador ao léu na sua atuação. Então, qualquer construção que, de
alguma forma, traga essa perspectiva de não obrigatoriedade, mas
também de uma preservação do bom gestor que, por vezes, é acusado
injustamente mesmo, eu me manifesto nessa perspectiva construtiva.

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Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 25/08/2022

Inteiro Teor do Acórdão - Página 243 de 338

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES
REQTE.(S) : ASSOCIACAO NACIONAL DOS PROCURADORES DOS ESTADOS E DO
DISTRITO FEDERAL - ANAPE
ADV.(A/S) : EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO (04935/DF, 30746/ES,
428274/SP) E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : FRENTE NACIONAL DE PREFEITOS
ADV.(A/S) : MARCELO PELEGRINI BARBOSA (41774/DF, 199877/SP)

Decisão: Após o voto do Ministro Alexandre de Moraes


(Relator), que julgava parcialmente procedentes os pedidos
formulados na ação direta para: (a) declarar a
inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do caput e
dos §§ 6º-A e 10-C do art. 17, assim como do caput e dos §§ 5º e
7º do art. 17-B da Lei 8.429/1992, na redação dada pela Lei
14.230/2021, de modo a restabelecer a existência de legitimidade
ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as
pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato
de improbidade administrativa e para a celebração de acordos de
não persecução civil; (b) declarar a inconstitucionalidade do § 20
do art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021; e (c)
declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 14.230/2021, e,
em consequência, declarar a constitucionalidade: (a) do § 14 do
art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021; e (b) do
art. 4º, X, da Lei 14.230/2021; e do voto do Ministro André
Mendonça, que acompanhava o voto do Relator, o julgamento foi
suspenso. Falaram: pela requerente, o Dr. Vicente Martins Prata
Braga; e, pela Procuradoria-Geral da República, o Dr. Antônio
Augusto Brandão de Aras, Procurador-Geral da República.
Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 24.8.2022.

Decisão: Após o voto do Ministro Nunes Marques, que divergia


em parte do Relator e conhecia parcialmente das ações e, na parte
conhecida, julgava-as procedentes para: 1- Assentar a
constitucionalidade dos artigos 17 e 17-B da Lei nº 8.429/92, na
redação dada pela Lei 14.230/2021, dando-lhes interpretação
conforme de maneira a reconhecer, quando existir prejuízo ao
erário, a subsistência de legitimidade ativa concorrente, entre o
Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas, para a
propositura das ações de ressarcimento e para a celebração de
acordos de não-persecução que visem exclusivamente o ressarcimento

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Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 25/08/2022

Inteiro Teor do Acórdão - Página 244 de 338

ao erário; 2- Declarar a constitucionalidade do art. 17, § 20, da


Lei 8.429/92, na redação dada pela Lei 14.230/2021, dando-lhe
interpretação conforme para esclarecer que a defesa do agente
público pelo órgão de assessoria jurídica apenas é obrigatória por
esta quando o ato alegadamente ímprobo estiver de acordo com o
parecer e, ademais, não for o próprio parecer inquinado de
improbidade; 3– Declarar a constitucionalidade do art. 3º, caput e
§§ 1º e 2º, da Lei 14.230/2021, dando-lhes interpretação conforme
à Constituição, para estabelecer que tal disciplina transitória
não se aplica à pretensão de ressarcimento ajuizada pela Fazenda
Pública; 4- Por fim, não conhecia das ações quanto à impugnação ao
art. 4º, X, da Lei 14.230/2021; dos votos dos Ministros Edson
Fachin, Roberto Barroso e Rosa Weber, que acompanhavam o voto do
Relator; e do voto do Ministro Dias Toffoli, que divergia em parte
do Relator e julgava procedentes em parte os pedidos, para: i)
conferir interpretação conforme à Constituição Federal ao art. 17,
caput, da Lei 8.429/1992, na redação conferida pela Lei
14.230/2021, para estabelecer que a legitimidade privativa do
Ministério Público para o ajuizamento de ações de improbidade
administrativa não afasta a legitimidade de entes públicos
deflagarem ações civis de ressarcimento ao erário; ii) conferir
interpretação conforme sem redução de texto ao § 20 do art. 17 da
Lei 8.429/1992, na redação conferida pela Lei 14.230/2021, para
estabelecer que a administração pública também fica autorizada a
representar judicialmente o agente público que responde por ação
de improbidade administrativa em razão de atos praticados no
exercício de suas atribuições, inclusive, na hipótese de ação de
ressarcimento ao erário proposta pelo ente público, com a
designação de procurador ad hoc especificamente para essa
finalidade, o julgamento foi suspenso. Presidência do Ministro
Luiz Fux. Plenário, 25.8.2022.

Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux. Presentes à sessão os


Senhores Ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen
Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin,
Alexandre de Moraes, Nunes Marques e André Mendonça.

Vice-Procurador-Geral Eleitoral, Dr. Paulo Gustavo Gonet


Branco.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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Aditamento ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 245 de 338

31/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

ADITAMENTO AO VOTO
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) -
Presidente, Ministro Luiz Fux, cumprimento Vossa Excelência, Ministra
Rosa Weber, nossa Vice-Presidente, Ministra Cármen Lúcia, Ministros,
Vice-Procurador-Geral Eleitoral, Paulo Gonet, aqui representando o
Procurador-Geral.
Presidente, na sessão passada, terminamos discutindo uma questão
relevantíssima trazida pelo eminente Ministro Dias Toffoli em relação ao
§ 20 do art. 17, incluído na Lei nº 8.429 pela Lei nº 14.230. No meu voto,
declarei a inconstitucionalidade do parágrafo, que, só para recordarmos,
prevê:
"§ 20. A assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a
legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo administrador
público ficará obrigada a defendê-lo judicialmente, caso este venha a
responder ação por improbidade administrativa, até que a decisão
transite em julgado."
O eminente Ministro Dias Toffoli recordou que várias procuradorias
têm previsão legal em que o agente público - inclusive também a
Advocacia-Geral da União - pode solicitar que a Advocacia-Geral da
União ou a procuradoria o defenda. Há uma análise por parte,
geralmente, do conselho das procuradorias e isso pode, ou não, ser
autorizado.
A preocupação de Sua Excelência o Ministro Dias Toffoli,
compartilhada por todos, é a de que a simples declaração de
inconstitucionalidade do § 20 pudesse trazer a ideia de que estaria
proibida essa possibilidade. Então, acho que é importante incluirmos que
é inconstitucional a obrigatoriedade, o que não impede que a
Administração Pública, mediante lei - e há a lei, há previsão legal - fique
autorizada a representar judicialmente o agente público quando entender
que seja o caso dessa representação.
Penso que é importante fazer esse destaque para evitar realmente

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Aditamento ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 246 de 338

ADI 7042 / DF

uma mensagem de que o agente público jamais poderá ser defendido


pela advocacia pública. Acho que essa foi a ideia trazida pelo eminente
Ministro Dias Toffoli e eu a estou incorporando em meu voto, Presidente.

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Observação

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31/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

OBSERVAÇÃO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Boa tarde, Senhor Presidente; Senhoras Ministras; Senhores
Ministros; eminente Relator do feito em andamento, Ministro Alexandre
de Moraes; Senhoras Advogadas e Senhores Advogados; Estudantes que
nos acompanham; Servidoras; Servidores e Imprensa.
Acho que, na proposta que fiz, talvez com essa manifestação agora
do Ministro Alexandre de Moraes, poderíamos incorporar...
É o segundo item. No primeiro item, haverá divergência, já sabemos.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) -
Desculpe, Ministro, seria o terceiro, porque o primeiro é legitimidade, o
segundo, acordo de não persecução cível. É o terceiro.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Sim, por conta do dispositivo do Relator. Então, na parte em que
sugeri que a Administração Pública fica autorizada, poderíamos
acrescentar que a Administração Pública não está obrigada, mas está
autorizada, e seguiria a continuação.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) -
Nos termos da legislação pertinente.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Da legislação pertinente.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) -
De cada ente federativo.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
De cada ente federativo.

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Aditamento ao Voto

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31/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

ADITAMENTO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES - Boa

tarde! Na pessoa de Vossa Excelência, quero cumprimentar as Ministras e

os Ministros desta Corte, o Senhor Vice-Procurador-Geral Eleitoral e

todas as pessoas presentes.

Também adiro, nesse capítulo, à proposta trazida pelo

eminente Ministro Dias Toffoli.

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Aditamento ao Voto

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31/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

ADITAMENTO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO ANDRÉ MENDONÇA:


Senhor Presidente, se me permite, com as minhas saudações,
também faço referência à aderência a essa tese reformulada em consenso
entre os eminentes Ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e, penso,
que o próprio eminente Ministro Gilmar, de alguma maneira.

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Aditamento ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 250 de 338

31/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

ADITAMENTO AO VOTO
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Senhor Presidente,
também peço licença a Vossa Excelência, reiterando as saudações, para,
como já houvera acompanhado o Ministro Alexandre, também
permanecer acompanhando, com esse reajuste que incorpora a sugestão
trazida em parte pelo Ministro Dias Toffoli.

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Aditamento ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 251 de 338

31/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

ADITAMENTO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Presidente,


estou em condições um pouco adversas, mas só para dizer que considero
materialmente ser essa a solução adequada também.
Meu ponto de vista era que uma lei federal não poderia impor essa
obrigação aos estados, portanto, meu problema com esse dispositivo era
formal e parcial. Acho que a União poderia impor para si própria, tal
como aliás está propondo o Ministro Alexandre na linha do Ministro
Toffoli. Vislumbrei uma inconstitucionalidade formal no que diz respeito
aos Estados por entender que uma lei federal não poderia impor essa
obrigação administrativa às procuradorias dos estados.
Embora concordando com o que disseram o Ministro Toffoli e o
Ministro Alexandre, penso que, em muitos casos, será próprio e até
conveniente que a procuradoria atue em defesa do administrador que
pautou sua conduta em manifestação da procuradoria.
A minha única divergência é formal. Não prevalecendo minha
impugnação quanto à inconstitucionalidade formal, adiro à tese material
agora proposta pelo Ministro Alexandre.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) -
Presidente, se me permite, até conciliando o posicionamento do eminente
Ministro Luís Roberto Barroso, a ideia é realmente colocar nos termos da
legislação pertinente de cada estado.
Obviamente, se a Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro
tiver previsão dessa análise, é possível; se não tiver, não será possível.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO -
Exatamente.
Então, estamos de acordo, Ministro Alexandre. Esse é exatamente o
meu ponto de vista.

Documento assinado eletronicamente pelo(a) Min. Roberto Barroso, conforme o Art. 205, § 2º, do CPC. O documento pode ser acessado pelo endereço
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Confirmação de Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 252 de 338

31/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

CONFIRMAÇÃO DE VOTO

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhor Presidente, minha


compreensão é a mesma. Não me parece que tenha havido alteração
substancial, então continuo acompanhando o Ministro Alexandre.

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Aditamento ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 253 de 338

31/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

ADITAMENTO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Senhor Presidente, então, eu, no ponto, acompanho também o
Ministro Relator diante do consenso formalizado quanto a esse ponto.
Continuo divergindo em relação ao ponto anterior, que é a questão da
possibilidade ou não do ente da Administração, ao acionar, ir além do
ressarcimento dos danos.
Mantenho a posição de que, ao Ministério Público, é dada a
competência para impor as consequências legais de sanções político-
administrativas, mas, quando é o próprio ente que sofreu o dano, a ele
compete, única e exclusivamente, o ressarcimento do respectivo dano.
Caso o Ministério Público não tenha feito nada, ele não poderá perquirir
pela consequência política.
Mantenho, nesse ponto, a divergência. No mais, acompanho o
Relator. Então, é uma divergência parcial com o Relator.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Quer dizer,
as Fazendas só teriam legitimidade para as ações de ressarcimento?
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Sim.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 254 de 338

31/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Senhor Presidente,


Senhores Ministros, que cumprimento na pessoa do Ministro-Relator
Alexandre de Moraes, Ministra Rosa Weber, nossa Vice-Presidente,
Senhor Vice-Procurador-Geral da República, Senhores Advogados,
estudantes, todos que nos acompanham, incluídos os órgãos de imprensa,
Senhores Servidores.
Senhor Presidente, facilita-me muito a circunstância de o Ministro-
Relator Alexandre de Moraes já ter esmiuçado um pouco o que estamos a
debater nestas duas ações nas sessões anteriores. Basicamente, três pontos
em relação à Lei nº 14.230.
Basicamente, a questão da legitimidade para ação de improbidade
administrativa, que foi restringida e que aqui, no voto do Ministro-
Relator, estaria sendo declarada de incompatibilidade, porque a
probidade ou a moralidade é princípio da Administração Pública. Logo, a
defesa dela como instrumento específico, também seria.
O acordo de não persecução cível é o segundo ponto, e, finalmente a
obrigatoriedade de o parecerista ter de fazer a defesa, que agora estamos,
então - pelo menos os que votaram até aqui -, afirmando no sentido de
que é possível, desde que haja legislação de cada qual dos entes, mas não
é obrigatório.
Nesse sentido, Senhor Presidente, eu também estou acompanhando
o voto do Ministro-Relator. Como disse, a probidade administrativa vem,
no caso brasileiro, ser uma palavra repetida desde a Carta de 1824. Até
curiosamente hoje me lembrava, numa outra análise, que, na Carta
Imperial, está no art. 75, que a idade de 25 anos, probidade e decente
subsistência são as qualidades necessárias para ser membro do Conselho
de Governo. Ou seja, a probidade, essa palavra, está presente como
obrigação dos agentes públicos, no caso, os agentes políticos, desde a
primeira Constituição. Todas as Constituições, as republicanas, centraram

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 255 de 338

ADI 7042 / DF

sempre que era crime de responsabilidade do Presidente da República


atentar contra a probidade, como hoje ainda está no art. 85. Ou seja, a
obrigação de probidade é que levou a uma lei que, como o Ministro Dias
Toffoli, no seu voto, na sessão passada, começava por dizer, gerou um
rótulo, um apelido muito ruim realmente.
A ação de improbidade, o que gera, por exemplo, no caso de
prefeitos, me lembro bem que algumas Procuradorias de Justiça, o
Ministério Público Estadual, os órgãos responsáveis com a atribuição de
fazer a investigação prévia, tinham uma placa: "Ministério Público da
Improbidade". E todo prefeito que entrava, que era chamado, às vezes
para esclarecer, para explicar, aquilo era fotografado, aparecia nos jornais
que o prefeito fora chamado por um caso de improbidade. Vários casos,
quando eu advogava ainda, eu me lembro bem como isso incomodava o
prefeito, até de entrar. Em alguns casos, por exemplo, em Minas Gerais,
tiveram que tirar a placa, porque é a imagem. Nós vivemos num tempo
em que a imagem fala muito também. Esse apelido é horrível mesmo
para quem apenas, às vezes, entrou para esclarecer.
E como é a pendência realmente de ações que foram indevidas, o
Ministro Gilmar citou também na sessão passada o que representa o
excesso, a exorbitância na vida de uma pessoa. Não tenho nenhuma
dúvida quanto aos excessos, acho que eles têm que ser devidamente
punidos, o que não retira em nada - acho que estamos todos de acordo -
que todo cidadão tem direito ao governo honesto e agir com probidade,
portanto é obrigação, é dever de todo servidor público; aliás, eu acho que
é de todo mundo em relação ao outro.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Vossa Excelência me
concede uma intervenção?

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Por favor.


O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Só para lembrar que,
na verdade, acho que é importante agora, já o voto do Ministro Nunes
Marques, depois agora o voto do Ministro Toffoli, nessa distinção, porque
me lembro bem que se discutia, na AGU, que era a ideia muitas vezes de

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 256 de 338

ADI 7042 / DF

se poder entrar com uma ação de ressarcimento, eventualmente, se se


supõe eventuais atos culposos. Mas a escolha da ação de improbidade,
notoriamente, tem e tinha um propósito político, sobretudo porque...

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Em alguns casos,


Ministro. São esses que Vossa Excelência, na sessão passada, até anotou,
como no caso do Proer, que é algo escandaloso e realmente grave. Mas o
que eu acho é que - por isso estou acompanhando o Ministro-Relator -
não são todos os casos, não é o propósito da lei, eventuais excessos e erros
nós temos que punir sem alterar a possibilidade de um sistema normativo
no qual a probidade é obrigatoriedade, o princípio é da moralidade, e se
dotou, o sistema, de um instrumento que precisa ser levado com
seriedade por todo mundo, pelo estado, pelo município, pela União e
pelo Ministério Público.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - É verdade. Vossa
Excelência tem razão. A maior dificuldade, todavia, e eu posso trazer
documento, depois eu falo sobre isso quando tiver oportunidade no meu
voto, é de punir alguém que abusou nessa seara.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Nós, inclusive, já


andamos, Ministro, porque também tinha dificuldade nos casos em que
se entrava com ação de responsabilidade contra um servidor e não havia
ação de regresso, nós julgamos aqui que o regresso não era optativo.
Então, nós precisamos caminhar no sentido desse aperfeiçoamento, na
minha compreensão.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Avançamos até mesmo
na aprovação de uma lei de abuso de autoridade. Mas, de qualquer
forma, todos esses fatos normalmente acabam prescritos.
Eu posso falar de episódios que vivi na AGU, em que se fazia a
representação. E podem vasculhar aí no Google, "gugar", como dizem os
jovens, Presidente, e tentar localizar um caso em que tenha havido esse
abuso e, depois, que tenha havido essa punição. Normalmente é
extremamente difícil.

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 257 de 338

ADI 7042 / DF

É claro que já avançamos - hoje, temos o CNMP e tal -, mas esse é


um quadro bastante confuso.
E em cada estado, nós vamos ter um personagem como esse, que eu
já referi aqui, o famoso Luiz Francisco. Em cada estado, lá em São Paulo,
acho que em algum momento, Ministro Alexandre, destacava-se uma
figura de nome Blatil ou coisa do tipo e tal, que operam e atuam com
grande desenvoltura e ganham uma grande projeção.
E a gente não pode esquecer, recentemente - agora, não é nem na
esfera da ação de improbidade, mas na própria esfera criminal -, nós
tivemos aquele episódio da Carne Fraca, que é um caso que enche a gente
de vergonha, envolvendo Polícia Federal, envolvendo Procuradores da
República, envolvendo a Justiça Federal do interior do Paraná. Eu não sei
nem que água e que ervas esse pessoal lá no Paraná, Ministro Fachin, de
vez em quando, anda bebendo e fumando, porque esse pessoal fez um
estrago danado.
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Certamente é diverso
do Mato Grosso.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Uma coisa muito
estranha.
Esse pessoal anunciou que tinha papelão na carne do Brasil e
provocou um dos maiores prejuízos de que se tem notícia. Que no Brasil
se fazia carne com papelão. Uma coisa, assim, chocante. E tudo fica na
mesma. É um caso até de fazer treinamento.
O que que se faz com um caso desse? Um juiz que defere uma
medida dessa urbi et orbi, país inserido num contexto internacional de
concorrência exposto a isso. Lembro-me que o Ministro Blairo falou de
prejuízo de mais de 30 bilhões. Muito provavelmente, muito mais.
Nesta operação atuaram mil e tantos agentes da Polícia Federal.
Uma coisa, assim, de fato, para depois se verificar que era uma questão
pontual de embalagens irregulares num frigorífico local. Mas deu-se uma
dimensão nacional a isso. Depois, não se fala mais, não se fala mais.
O que fazer com um caso desse? Treinamento de que ordem para
policiais, para procuradores e para juízes?

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 258 de 338

ADI 7042 / DF

Quem acompanha, por exemplo, o comércio internacional e os


episódios de corrupção, Ministra Cármen, sabe, por exemplo, da cautela
com que, nessa seara, se movem as próprias autoridades para não
repercutir sobre os negócios internacionais.
E eu acompanhei na Alemanha, por exemplo, as discussões sobre
corrupção perpetradas pela Volkswagen. E se tinha toda a cautela. Aqui,
não. Fez-se um grande escândalo em cima de um fato mentiroso,
mentiroso em si mesmo. Usaram mil e tantos agentes. Muito
provavelmente, a operação custou muito mais do que os eventuais
prejuízos que se pretendia reparar. Então, há muita coisa para se discutir
nessa temática. E é preciso ter todos os cuidados.
Depois, eu ainda vou voltar, Ministra Rosa, ao caso do Proer.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Eu concordo,


Ministro Gilmar, que é grave, é sério, como são sérios também, e também
ficam esquecidos, os casos de corrupção, de malversação de recursos
públicos, de mau uso de bens públicos.
Vossa Excelência tem toda razão. É preciso que tudo seja realmente
revisto e, cada vez mais, o sistema se aperfeiçoe. Mas isso não significa
que, por erro de um juiz ou de um promotor, nós tenhamos que cercear
nenhum instrumento, menos ainda as instituições. Acho que devemos
fortalecê-la.
Eu, de todo jeito, mantenho, Senhor Presidente...
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) -
Ministra Cármen, permita-me?
Eu salientei, no meu voto, e reafirmo que todos esses problemas são
problemas gravíssimos. Mas, na verdade, quem acaba determinando é
um magistrado, é um juiz.
Então, na verdade, não é a questão da legitimidade. O que é
importante - e a lei o fez, eu também salientei no meu voto - a lei prevê
agora a possibilidade de o juiz encerrar imediatamente uma ação
temerária por ausência de justa causa, prevê procedimentos mais rápidos
recursais.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 259 de 338

ADI 7042 / DF

Então, é importante, para evitar esses abusos, que o Judiciário fique


sempre atento e que haja, depois, a responsabilização daquele que
abusou.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Portanto, mantenho,
Senhor Presidente, que, primeiro, sendo o princípio da moralidade um
princípio da Administração Pública, que é o texto do art. 37:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade (...)"
Portanto, precisa dispor desses instrumentos.
Como dizia Rui Barbosa, a Constituição não dá com a mão direita
para tirar com a esquerda. Ela deu o princípio e a obrigatoriedade de
cumprir, e cogitou-se, portanto, da ação assim chamada de improbidade.
Por isso, eu acho que eventuais excessos têm que ser investigados e
punidos, incluídos os do Judiciário, do Ministério Público, dos entes da
Advocacia Pública, que são muito menores do que o que se tem em
termos de atuação comum, e que o acerto nunca é notícia mesmo.
Por tudo isso, Senhor Presidente, eu estou, como disse,
acompanhando nos três itens, ou seja, a legitimidade, o acordo de todos
os entes, o acordo de não persecução cível, e, na ausência de
obrigatoriedade, menos ainda, tratada por uma lei nacional que interfira
nesta organização da Advocacia Pública, de suas atribuições, portanto, na
linha exatamente do que acaba de esclarecer, sem alterar, como acaba de
afirmar a Ministra Rosa Weber, o Ministro-Relator.
É como voto, Senhor Presidente.

Publicado sem revisão. Art. 95 do RISTF.

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 260 de 338

31/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Boa tarde,


Presidente. Cumprimento Vossa Excelência, e, na sua pessoa,
cumprimento todos os demais presentes.
Presidente, na assentada anterior, eu já havia manifestado o meu
apoio integral ao voto do eminente relator. Concordo integralmente com
o que Sua Excelência assentou em suas conclusões.
Depois da intervenção do Ministro Toffoli, eu me convenci de que
Sua Excelência trazia alguns argumentos muito importantes,
interessantes para a reflexão. Um deles foi incorporado, agora, pelo
relator, Ministro Alexandre de Moraes, permitindo que os entes públicos,
nos três níveis político-administrativos, se entenderem correto, adequado,
possam defender aquele que se coloca no polo passivo de uma ação de
improbidade administrativa. Depois da intervenção do Ministro Barroso
e do esclarecimento do Ministro relator, Alexandre de Moraes, ficou claro
que, evidentemente, a lei federal não pode impor essa obrigação aos
entes, aos agentes públicos, aos entes administrativos nos distintos níveis
da nossa Federação. Mas o acréscimo que foi feito pelo relator, ou
esclarecimento, no sentido de que isso será feito em conformidade com a
legislação local pertinente.
Portanto, esse assunto está devidamente esclarecido, e o eminente
relator incorporou de modo satisfatório, como diz o próprio Ministro
Toffoli, essa proposta que lhe foi então apresentada.
A segunda questão que me parece um pouco mais delicada e que,
num primeiro momento, eu até me mostrei simpático relativamente à
proposta do Ministro Toffoli, é no sentido de que a legitimidade privativa
do Ministério Público para o ajuizamento de improbidade não afasta a
legitimidade dos entes públicos para deflagrarem ações civis de
ressarcimento ao erário - estou lendo aqui o que o Ministro Dias Toffoli
propôs.

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 261 de 338

ADI 7042 / DF

Estou de acordo com isso. Acho que o Ministro Alexandre de Moraes


também acabou consignando isso em seu voto.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
O Ministro Alexandre não.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Não?
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Não. O Ministro Alexandre, no ponto, entende que o ente, ao entrar
com o pedido de ação, também pode pedir os consectários políticos.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Sim, sim,
eu ia complementar isso.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Mas me desculpe.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Desculpe-
me. Eu entendi que o Ministro Alexandre de Moraes, tal como o fez o
Ministro Dias Toffoli, nessa parte que nos forneceu relativamente à
sugestão, acho que estão concordes. Quer dizer, a competência privativa,
ou a legitimidade privativa do Ministério Público não afasta a
legitimidade dos demais entes administrativos. Creio que aí não há
discordância.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - É o item 1
dos 2.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - A
discordância do Ministro Dias Toffoli, salvo melhor juízo, é no sentido de
que esses entes públicos não poderiam ir além do ressarcimento - não é?
-, não poderiam impor ou pedir a imposição dos demais consectários
legais (a perda da função pública, a proibição de contratação com a
administração etc.). Esse aspecto não foi incorporado pelo Ministro
Alexandre.
Eu, refletindo sobre essa questão e lendo agora a Lei de
Improbidade, com a devida vênia do Ministro Dias Toffoli, tendo a apoiar
ou acompanhar o Ministro Alexandre de Moraes também nesse aspecto.
Por quê? E Sua Excelência agora iniciou um argumento nesse sentido
para defender esse ponto de vista. Diz o art. 12, da Lei de Improbidade, o

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 262 de 338

ADI 7042 / DF

seguinte:
“Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do
dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de
responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação
específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às
seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou
cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato”.
Quem é que vai examinar esse aspecto? Quem é que vai impor essas
demais sanções? É o magistrado, tendo em conta a gravidade do fato,
como disse agora, salvo melhor juízo, o eminente Ministro Alexandre de
Moraes.
Portanto, se nós estivermos aqui reconhecendo a legitimidade
concorrente dos entes da Administração Pública, nos três níveis político-
administrativos da Federação, eu entendo que essa questão da aplicação
das demais sanções refoge ao desejo ou à vontade daquele que dá início,
que ajuíza a ação de improbidade.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Vossa
Excelência tocou num ponto. Quer dizer, se a parte tem legitimidade para
propor a ação, os consectários da propositura da ação ficam a cargo do
magistrado.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Quem vai
decidir é o juiz. Exatamente, é isso.
Então, nesse aspecto, permito-me, com a devida vênia, não
acompanhar o Ministro Dias Toffoli, nós estaríamos fazendo um
distinguishing, quase que legislando em matéria processual.
Uma vez ajuizada a ação, o ente administrativo lesado vai pedir o
ressarcimento aos cofres públicos, e os demais consectários da sentença
são decididos pelo juiz. Não é possível, a meu ver, na inicial já alguém
pedir: "Olha, não quero tal consequência, ou aquela outra consequência".
Portanto, nesse aspecto, eu vou acompanhar integralmente o que
consignou, em seu voto, o Ministro Alexandre de Moraes.

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Revisão de Apartes

Inteiro Teor do Acórdão - Página 263 de 338

31/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

DEBATE

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Pois não.


Quer dizer, a preocupação de Vossa Excelência, Ministro Toffoli, é que, na
nova administração, haja uma propositura de uma demanda predatória
para inviabilizar politicamente o novel administrador. Não é?
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
É porque, quando estamos em Brasília, nós pensamos na esfera
federal, mas são mais de 5.500 municípios, e sabemos o que isso implica.
O sucessor de um prefeito, apoiado por esse prefeito, pode, por exemplo,
deixar de pedir o ressarcimento por conta de seus consectários, e diga a
seu procurador municipal que não o faça. E o faria se fosse única e
exclusivamente para pedir o ressarcimento.
É uma moeda de dois lados.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Eu acho que
o Ministro Lewandowski tem razão, porque o juiz...
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Mas, enfim, a douta maioria se forma. Eu penso no
consequencialismo dessa decisão na esfera nacional e em todos os
municípios. Muitos prefeitos proíbem essas procuradorias. Na AGU, é
outra coisa. Todos nós aqui - o Ministro Gilmar passou, eu passei, o
Ministro André Mendonça passou - sabemos que ninguém atua na AGU
obedecendo ao presidente da República. O mesmo ocorre em estados de
grandeza. Por exemplo, a Procuradora-Geral do Estado de Minas Gerais
também nunca trouxe algo assim, porque, se o governante dá uma
ordem, a pessoa sai, pede demissão.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Na maioria dos
Estados, hoje, o Procurador-Geral de Estado - nos municípios não - é de
carreira. Portanto, ninguém adota o tipo de...
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Agora, em 90% dos municípios do Brasil não existe a carreira de

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Revisão de Apartes

Inteiro Teor do Acórdão - Página 264 de 338

ADI 7042 / DF

procurador, são cargos em comissão. Aí, se o prefeito fala não faça isso,
porque é meu sucessor, não será feito. Agora, se fosse só o ressarcimento,
ele o faria.
Portanto, é nesse contexto que penso no consequencialismo. Não é
na esfera federal, em que nós temos todos os entes, toda a fiscalização, a
imprensa, atuando sempre de maneira diligente - a imprensa séria, que
realmente mantém a verdade factual como objeto e objetivo de sua
defesa, não estou falando da imprensa das fakes news, mas da séria.
Agora, os municípios, nós sabemos, são dominados pelas elites locais.
Estou falando de um município com 5 mil habitantes, até um município
médio, que não tem procuradoria de carreira. Temos municípios com 400
mil habitantes que também não têm. Aí o prefeito dá a ordem, a pessoa
não é de carreira, tem que obedecer, seja para cassar o adversário, seja
para absolver o sucessor.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Como norma
in procedendo, o código tem uma regra de que cabe ao juiz verificar se as
partes estão se valendo do processo para fins simulados, para abuso.
Porque o direito de ação é um direito do qual se pode abusar realmente, é
um direito que a pessoa crê ter razão, mas se pode abusar do direito de
agir. O abuso do direito de demandar tem até uma tese magnífica do
Professor Mineiro José Olímpio de Castro.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - José Olímpio de
Castro Filho, O abuso do Direito no Processo Civil.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Exatamente.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Que foi Procurador-
Geral do Estado.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Com essa
nossa propensão, porque ainda não acabou o julgamento, caberá ao juiz
ter essa cautela necessária para evitar que a propositura da ação seja
resultado de uma retaliação.

Publicado sem revisão. Art. 95 do RISTF.

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ADI 7042 / DF

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 266 de 338

31/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

DEBATE

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Pois não.


Quer dizer, a preocupação de Vossa Excelência, Ministro Toffoli, é que, na
nova administração, haja uma propositura de uma demanda predatória
para inviabilizar politicamente o novel administrador. Não é?
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
É porque, quando estamos em Brasília, nós pensamos na esfera
federal, mas são mais de 5.500 municípios, e sabemos o que isso implica.
O sucessor de um prefeito, apoiado por esse prefeito, pode, por exemplo,
deixar de pedir o ressarcimento por conta de seus consectários, e diga a
seu procurador municipal que não o faça. E o faria se fosse única e
exclusivamente para pedir o ressarcimento.
É uma moeda de dois lados.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Eu acho que
o Ministro Lewandowski tem razão, porque o juiz...
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Mas, enfim, a douta maioria se forma. Eu penso no
consequencialismo dessa decisão na esfera nacional e em todos os
municípios. Muitos prefeitos proíbem essas procuradorias. Na AGU, é
outra coisa. Todos nós aqui - o Ministro Gilmar passou, eu passei, o
Ministro André Mendonça passou - sabemos que ninguém atua na AGU
obedecendo ao presidente da República. O mesmo ocorre em estados de
grandeza. Por exemplo, a Procuradora-Geral do Estado de Minas Gerais
também nunca trouxe algo assim, porque, se o governante dá uma
ordem, a pessoa sai, pede demissão.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Na maioria dos
Estados, hoje, o Procurador-Geral de Estado - nos municípios não - é de
carreira. Portanto, ninguém adota o tipo de...
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Agora, em 90% dos municípios do Brasil não existe a carreira de

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Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 267 de 338

ADI 7042 / DF

procurador, são cargos em comissão. Aí, se o prefeito fala não faça isso,
porque é meu sucessor, não será feito. Agora, se fosse só o ressarcimento,
ele o faria.
Portanto, é nesse contexto que penso no consequencialismo. Não é
na esfera federal, em que nós temos todos os entes, toda a fiscalização, a
imprensa, atuando sempre de maneira diligente - a imprensa séria, que
realmente mantém a verdade factual como objeto e objetivo de sua
defesa, não estou falando da imprensa das fakes news, mas da séria.
Agora, os municípios, nós sabemos, são dominados pelas elites locais.
Estou falando de um município com 5 mil habitantes, até um município
médio, que não tem procuradoria de carreira. Temos municípios com 400
mil habitantes que também não têm. Aí o prefeito dá a ordem, a pessoa
não é de carreira, tem que obedecer, seja para cassar o adversário, seja
para absolver o sucessor.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Como norma
in procedendo, o código tem uma regra de que cabe ao juiz verificar se as
partes estão se valendo do processo para fins simulados, para abuso.
Porque o direito de ação é um direito do qual se pode abusar realmente, é
um direito que a pessoa crê ter razão, mas se pode abusar do direito de
agir. O abuso do direito de demandar tem até uma tese magnífica do
Professor Mineiro José Olímpio de Castro.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - José Olímpio de
Castro Filho, O abuso do Direito no Processo Civil.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Exatamente.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Que foi Procurador-
Geral do Estado.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Com essa
nossa propensão, porque ainda não acabou o julgamento, caberá ao juiz
ter essa cautela necessária para evitar que a propositura da ação seja
resultado de uma retaliação.

Publicado sem revisão. Art. 95 do RISTF.

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Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 268 de 338

ADI 7042 / DF

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Observação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 269 de 338

31/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES


REQTE.(S) : ASSOCIACAO NACIONAL DOS PROCURADORES
DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL - ANAPE
ADV.(A/S) : EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : FRENTE NACIONAL DE PREFEITOS
ADV.(A/S) : MARCELO PELEGRINI BARBOSA

OBSERVAÇÃO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES -

Presidente, essas questões são bastante relevantes. Acho que a lei, em si

mesma, já fez progressos em trazer algum tipo de revisão, por exemplo,

no que diz respeito a não aceitar a chamada improbidade culposa. Sem

dúvida nenhuma é um passo significativo, porque nós tínhamos esse uso

e esse abuso - entrava-se com ação de improbidade e, às vezes, para

apontar a necessidade de ressarcimento.

A mim me parece que o Congresso - farei algumas

considerações - fez uma escolha por conta até do cúmulo de ações.

Lembrarei de um episódio que julgamos aqui e fizemos escolhas a partir

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Supremo Tribunal Federal
Observação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 270 de 338

ADI 7042 / DF

de critérios estatísticos ou de equilíbrios, foi o caso da delação a ser feita

perante o Ministério Público ou perante a polícia. Discutiu-se inclusive a

constitucionalidade.

Não preciso esmerilhar esse tema para saber o que se

fez com essa delação, muitas vezes recusada no âmbito do Ministério

Público e aberta no âmbito da polícia.

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 271 de 338

31/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Trata-se de ações diretas de


inconstitucionalidade ajuizadas pela Associação Nacional dos
Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (ADI 7042) e pela
Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (ADI 7043) contra
os artigos 17, caput e parágrafos 14 e 20, e 17‐B, caput e §§ 5º e 7º, da Lei
federal nº 8.429/1992.
O eminente Ministro Relator, Alexandre de Moraes, reportou os
eventos processuais nos seguintes termos:

(...)
Na ADI 7042, a Associação Nacional dos Procuradores dos
Estados e do Distrito Federal argumenta que as normas
impugnadas retiram a legitimidade dos entes públicos lesados
para ajuizar ações de improbidade, dificultando, assim, as
investigações de atos ímprobos, e impõem obrigações às
Procuradorias Estaduais, em ofensa ao princípio da vedação ao
retrocesso social, ao direito fundamental à probidade, ao pacto
federativo, à autonomia dos Estados e aos princípios
administrativos da eficiência, da segurança jurídica e da
moralidade.
Aduz a inconstitucionalidade formal subjetiva do § 20 do
art. 17, que, ao impor à advocacia pública na esfera estadual a
atribuição de promover a defesa do agente público que tenha
incorrido em improbidade administrativa com base em parecer
emitido pelo órgão público, incorreria em “inegável ofensa ao
poder de auto-organização e autonomia dos Estados,
notadamente no que se refere à disposição da estrutura
organizacional e das atribuições dos órgãos da advocacia
pública ”.
De outra perspectiva, sustenta que a subtração dos entes
públicos da legitimidade para ajuizar ação de improbidade

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 272 de 338

ADI 7042 / DF

caracterizaria “ uma afronta à autonomia da Advocacia Pública,


tendo em vista que a União, os Estados e os Municípios ficarão
à merce da atuação do parquet para buscar o ressarcimento do
dano ao erário”. Da mesma forma, defende que a determinação
de que os acordos de não persecução civil sejam exclusivos do
Ministério Público configuraria “outro equívoco, uma vez que o
ente público, como vítima do crime praticado, é quem pode
mensurar os prejuízos causados e deve ter participação direta
nas negociações dos acordos de persecução cível”.
Nesse contexto, aponta que as alterações e acréscimos do
art. 17, caput e § 20, e no art. 17-B, na Lei de Improbidade
Administrativa representariam “verdadeiro retrocesso social e
violação ao princípio administrativo da eficiência e aos arts. 23,
I; 37, § 4º; 18; 129 e 132 da Constituição Federal”. Pelas mesmas
razões, sustenta a necessidade de declaração de
inconstitucionalidade, por arrastamento, do § 14 do art. 17 da
Lei 8.429/1992, bem como do art. 3º e do inciso X do art. 4º da
Lei 14.230/2021, “tendo em vista que decorrem da competência
exclusiva do parquet para promover as ações de improbidade
administrativa”.
Em sede cautelar, formula o seguinte pedido:
102.1. A concessão da tutela de urgência de caráter
liminar, ad referendum, a fim de suspender os efeitos do
art. 2º – nos pontos em que altera/insere o art. 17, caput e §
14 e art. 17-B na Lei 8.426/92 – e do art. 3º e do art. 4º,
inciso X, todos da Lei n. 14.230/21, fazendo retornar a
norma autorizadora de os entes públicos para ajuizar
ações de improbidade administrativa e para firmar
acordos de não persecução civil, ante sua
inconstitucionalidade material, até o julgamento definitivo
desta Ação Direta de Inconstitucionalidade [...];
No mérito, requer o seguinte:
102.4. No mérito, a procedência da presente ação, a
fim de que seja declarada a inconstitucionalidade do art. 2º
da Lei Federal n. 14.230/2021, objeto da presente ação, no
que diz respeito às alterações/inserções promovidas no

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 273 de 338

ADI 7042 / DF

art. 17, caput e no art. 17-B da Lei n. 8.429/92, fazendo


retornar a norma autorizadora de os entes públicos para
ajuizar ações de improbidade administrativa e para firmar
acordos de não persecução cível, ante sua
inconstitucionalidade material;
102.5. A declaração de inconstitucionalidade por
arrastamento dos arts. 3º e 4º, X, da Lei n. 14.230/21 e do §
14, do art. 17, da Lei n. 8.429/92 com a redação conferida
pela Lei n. 14.230/21, por decorrerem diretamente da
competência exclusiva do Ministério Público para propor
ação de improbidade administrativa, conforme redação
conferida ao caput do art.17 da Lei n. 8.429/92 pelo art. 2º
da Lei n. 14.230/21.
102.6. Ainda no mérito, que se declare a
inconstitucionalidade formal do mesmo art. 2º da Lei
Federal n. 14.230/2021, no que tange à inclusão do art. 17,
§20, na Lei n. 8.429/20, por faltar à União competência
para legislar sobre as competências dos Procuradores dos
Estados e do Distrito Federal. E, caso assim não entenda
esta eg. Suprema Corte, requer-se, subsidiariamente, que
seja realizada interpretação conforme à Constituição
quanto ao artigo em comento, para restringir a sua
aplicação somente ao âmbito da União.
Em 16/12/2021, solicitei informações e manifestações,
conforme o rito do art. 12 da Lei 9.868/1999.
O Presidente da República defendeu a compatibilidade
das normas impugnadas com a Constituição Federal,
destacando que a “nova legislação promove mero ajuste na
legitimidade ativa para a propositura da ação, com a
centralização da competência em favor do Ministério Público, o
que não tem reflexos sobre princípios constitucionais,
especialmente sobre a probidade administrativa, que seguirá
sob a cura do parquet”.
A Câmara dos Deputados contrapôs-se à
inconstitucionalidade formal deduzida pelo requerente,
argumentando que a norma questionada veicularia matéria de

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

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ADI 7042 / DF

natureza processual, cuja competência para legislar é privativa


da União. Materialmente, afirmou que “a atuação do Ministério
Público, como instituição permanente e integrada à República
Federativa do Brasil, volta-se para o interesse maior, qual seja, o
interesse público”, concluindo que “tanto a opção pela
legitimação concorrente quanto pela legitimação privativa são
caminhos igualmente válidos, atuais, e permitidos pela norma
constitucional”.
O Senado Federal suscitou a ilegitimidade ativa da
requerente. No mérito, afirmou que os dispositivos
impugnados “constituem opção legislativa legítima dentro do
espaço de conformação dado ao legislador”, conforme a
seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. ILEGITIMIDADE ATIVA
AD CAUSAM. ENTIDADES QUE REPRESENTAM
APENAS PARTE OU FRAÇÃO DA CATEGORIA
PROFISSIONAL. AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA
TEMÁTICA. ADMINISTRATIVO. LEI DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MODIFICAÇÕES.
CONSTITUCIONALIDADE. ESPAÇO DE
CONFORMAÇÃO LEGISLATIVA, PELO NÃO
CONHECIMENTO E, NO MÉRITO, PELO
JULGAMENTO IMPROCEDENTE. 1. As requerentes não
apresentam legitimidade ativa ad causam, pois as
entidades não abrangem a totalidade das categorias
afetadas pelas normas impugnadas, nem está presente a
pertinência temática a partir da direta referibilidade e
correspondência entre os objetivos institucionais próprios
e específicos das entidades autoras e o objeto da acao, o
que deve ensejar a extinção do processo sem resolução de
mérito, nos termos do art. 485, inciso VI, do CPC.
2. Atribuir às requerentes a legitimação ativa para
estas ADIs equivaleria a autorizar uma representatividade
cujo alcance extrapolaria em muito os interesses
específicos das atividades dos advogados públicos, em um

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padrão de legitimação verdadeiramente universal. Tal


compreensão não se coaduna com a percepção que deve
ser aplicada ao art. 103, IX, da Constituição.
3. A preocupação do legislador em atribuir
legitimidade exclusiva ao Ministério Público para a
propositura das ações de improbidade administrativa e
para a celebração de acordos de não persecução civil foi
no sentido de , sem macular a política pública de combate
à improbidade administrativa, minimizar os riscos de
propositura de ações com desvio de finalidade, diante das
graves consequências decorrentes das sanções por ato de
improbidade.
4. A defesa judicial do ato administrativo cuja
legalidade foi atestada pelo órgão de assessoria jurídica, e
mesmo assim foi questionado judicialmente (art. 17, § 20,
da Lei nº 8.924/1992), é providência voltada para evitar o
“apagao das canetas”, evitar o comportamento
contraditório por parte da advocacia pública, para
proteger a boa-fé objetiva dos administradores públicos.
5. A previsão de suspensão das ações por improbidade
administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda Pública
para que o Ministério Público competente manifeste
interesse no prosseguimento do feito (art. 3º da Lei nº
14.230/2021) atende ao art. 5º, inciso XL, da Constituição,
que determina a retroatividade da lei mais benéfica ao réu.
Há precedentes do STF nesse sentido.
6. Pelo não conhecimento e, no mérito, pelo
julgamento improcedente.
A Advocacia-Geral da União manifestou-se pela
improcedência:
Administrativo. Normas da Lei nº 14.230/2021, que
modificam disposições contidas na Lei federal nº
8.429/1992 e dispõem sobre a propositura e o
procedimento das ações por improbidade administrativa.
Do papel de curadoria da norma desempenhada pelo
Advogado-Geral da União por força do artigo 103, § 3º, da

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

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ADI 7042 / DF

CF. Alegação de vício formal. Inocorrência de violação aos


parâmetros invocados. As normas sob invectiva tratam de
direito processual e estão inseridas no âmbito de
competência legislativa privativa da União. Caráter
nacional da legislação impugnada. Uniformidade do
sistema de responsabilização por atos de improbidade. A
legitimidade do Ministério Público para a propositura de
ações por improbidade administrativa compatibiliza-se
com as funções constitucionalmente atribuídas ao Parquet.
Opção legislativa sobre critérios e alternativas de política
sancionatória. No mérito, improcedência dos pedidos.
Na ADI 7043, a Associação Nacional dos Advogados
Públicos Federais narra que a Lei 14.230/2021 suprimiu a
legitimidade das pessoas jurídicas de direito público
interessadas para a ação civil pública por ato de improbidade
administrativa, transformando “ os entes públicos
personalizados em meros coadjuvantes no combate à
improbidade administrativa”, excluiu os lesados da relação
negocial de não persecução civil e suspendeu a tramitação das
ações ajuizadas pelas Fazendas Públicas, convertendo-as “em
demandas disponíveis e condicionadas ao silêncio ou
manifestação de interesse do órgão ministerial no prazo de 1
(um) ano a contar da sua vigência”.
Segundo argumenta, ao assim proceder, o legislador
ordinário teria impedido “ o exercício do dever-poder da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios de zelar pela
guarda da Constituição e das leis e de conservar o patrimônio
público, compreendido no seu sentido amplo, que abarca a
reserva moral e ética da Administração Pública brasileira”,
incorrendo em violação aos arts. 23, I; 37, caput e § 4º; 129, I, III,
IX e § 1º; 131 e 132 da Constituição Federal.
Destaca o impacto da atuação da Advocacia Pública
Federal no âmbito das ações de improbidade administrativa,
concluindo que a restrição da legitimidade ativa para a
propositura dessas ações representaria um retrocesso no
combate à corrupção.

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ADI 7042 / DF

Pontua que o acordo de não persecução civil “ não pode


estar na mão de apenas um legitimado”, pois isso ignoraria não
apenas a “necessidade de legitimação ativa concorrente dos
entes vitimados pelo ato de improbidade, como também o
aspecto da segurança jurídica que deve cercar esse tipo de
ajuste”, e que a paralisação do curso de todos os processos
ajuizados pela Fazenda Pública a contar de 26/10/2021
desconsideraria “a onda renovatória segundo a qual o princípio
da tutela coletiva é efetivamente orientar o Estado para a
realização de uma justiça social capaz de oportunizar a toda a
sociedade, sem distinção, o acesso e proteção de seus direitos”.
Liminarmente, requer a suspensão dos efeitos dos arts. 17,
caput e § 14, e 17-B, caput e §§ 5º e 7º, da Lei federal nº
8.429/1992, alterados e acrescentados pelo artigo 2º da Lei
federal nº 14.230/2021, e dos artigos 3º, §§ 1º e 2º, e 4º, X, da
mesma Lei federal nº 14.230/2021. No mérito, formula o
seguinte pedido:
O julgamento de procedência da presente ação, para
que seja declarada a inconstitucionalidade material dos
artigos 17, caput e § 14, e 17‐B, caput e §§ 5º e 7º, da Lei
federal nº 8.429/1992, alterados e acrescentados pelo artigo
2º da Lei federal nº 14.230/2021, dos artigos 3º, §§ 1º e 2º, e
4º, X, da mesma Lei federal nº 14.230/2021 e, por
arrastamento, de todos os dispositivos que esse Excelso
Pretório entenda decorrerem da competência exclusiva do
parquet para promover as ações de improbidade
administrativa;
Em 16/12/2021, também solicitei informações e
manifestações, conforme o rito do art. 12 da Lei 9.868/1999.
A Presidência da República suscitou a ilegitimidade ativa
da requerente e, no mérito, defendeu a constitucionalidade das
normas atacadas.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO ADMINISTRATIVO
E PROCESSUAL CIVIL. ILEGITIMIDADE ATIVA DA
ASSOCIAÇÃO AUTORA. CONSTITUCIONALIDADE

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 278 de 338

ADI 7042 / DF

MATERIAL DOS DISPOSITIVOS IMPUGNADOS.


MANIFESTAÇÃO DA SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS
JURÍDICOS DA SECRETARIA-GERAL DA PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA. 1. A requerente é parte ilegítima para ajuizar o
ação, por não representar uma categoria específica, em razão da
inexistência de uma carreira única de advogados públicos
federais, gênero no qual se inserem 4 (quatro) categorias
distintas. 2. No mérito, a nova legislação promove mero ajuste
na legitimidade ativa para a propositura da ação, com a
centralização da competência em favor do Ministério Público, o
que não tem reflexos sobre princípios constitucionais,
especialmente sobre a probidade administrativa, que seguirá
sob a cura do parquet.
Em sentido semelhante foram as informações
apresentadas pelo Senado Federal, assim ementadas:
CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. ILEGITIMIDADE ATIVA
AD CAUSAM. ENTIDADES QUE REPRESENTAM
APENAS PARTE OU FRAÇÃO DA CATEGORIA
PROFISSIONAL. AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA
TEMÁTICA. ADMINISTRATIVO. LEI DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MODIFICAÇÕES.
CONSTITUCIONALIDADE. ESPAÇO DE
CONFORMAÇÃO LEGISLATIVA, PELO NÃO
CONHECIMENTO E, NO MÉRITO, PELO
JULGAMENTO IMPROCEDENTE. 1. As requerentes não
apresentam legitimidade ativa ad causam, pois as
entidades não abrangem a totalidade das categorias
afetadas pelas normas impugnadas, nem está presente a
pertinência temática a partir da direta referibilidade e
correspondência entre os objetivos institucionais próprios
e específicos das entidades autoras e o objeto da acao, o
que deve ensejar a extinção do processo sem resolução de
mérito, nos termos do art. 485, inciso VI, do CPC. 2.
Atribuir às requerentes a legitimação ativa para estas ADIs
equivaleria a autorizar uma representatividade cujo

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 279 de 338

ADI 7042 / DF

alcance extrapolaria em muito os interesses específicos das


atividades dos advogados públicos, em um padrão de
legitimação verdadeiramente universal. Tal compreensão
não se coaduna com a percepção que deve ser aplicada ao
art. 103, IX, da Constituição. 3. A preocupação do
legislador em atribuir legitimidade exclusiva ao Ministério
Público para a propositura das ações de improbidade
administrativa e para a celebração de acordos de não
persecução civil foi no sentido de , sem macular a política
pública de combate à improbidade administrativa,
minimizar os riscos de propositura de ações com desvio
de finalidade, diante das graves consequências
decorrentes das sanções por ato de improbidade. 4. A
defesa judicial do ato administrativo cuja legalidade foi
atestada pelo órgão de assessoria jurídica, e mesmo assim
foi questionado judicialmente (art. 17, § 20, da Lei nº
8.924/1992), é providência voltada para evitar o “apagao
das canetas”, evitar o comportamento contraditório por
parte da advocacia pública, para proteger a boa-fé objetiva
dos administradores públicos. 5. A previsão de suspensão
das ações por improbidade administrativa em curso
ajuizadas pela Fazenda Pública para que o Ministério
Público competente manifeste interesse no
prosseguimento do feito (art. 3º da Lei nº 14.230/2021)
atende ao art. 5º, inciso XL, da Constituição, que
determina a retroatividade da lei mais benéfica ao réu. Há
precedentes do STF nesse sentido. 6. Pelo não
conhecimento e, no mérito, pelo julgamento
improcedente.
A Advocacia-Geral da União manifestou-se pelo não
conhecimento da Ação Direta, em razão da alegada
ilegitimidade ativa, e, no mérito, pela improcedência do pedido
formulado pela requerente.
Administrativo. Normas da Lei nº 14.230/2021, que
modificam disposições contidas na Lei federal nº
8.429/1992 e dispõem sobre a propositura e o

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 280 de 338

ADI 7042 / DF

procedimento das ações por improbidade administrativa.


Preliminar. Ilegitimidade Ativa. Desempenho da função
de curadoria da norma pelo Advogado-Geral da União, no
âmbito do controle concentrado de constitucionalidade,
por força do artigo 103, § 3º, da Constituição Federal.
Inocorrência de violação aos parâmetros de controle
invocados na petição inicial. As normas sob invectiva
tratam de direito processual e estão inseridas no âmbito
de competência legislativa privativa da União. Caráter
nacional da legislação impugnada e uniformidade do
sistema de responsabilização por atos de improbidade. A
legitimidade do Ministério Público para a propositura de
ações por improbidade administrativa compatibiliza-se
com as funções constitucionalmente atribuídas ao
Parquet. Opção legislativa sobre critérios e alternativas de
política sancionatória. Manifestação pelo não
conhecimento da ação direta e, no mérito, pela
improcedência do pedido formulado pela requerente.
Em 17/02/2022, deferi parcialmente a cautelar pleiteada,
ad referendum do Plenário desta SUPREMA CORTE, para, até
julgamento final de mérito:
(A) CONCEDER INTERPRETAÇÃO CONFORME A
CONSTITUIÇÃO FEDERAL ao caput e §§ 6º-A, 10-C e 14,
do artigo 17 da Lei nº 8.429/92, com a redação dada pela
Lei nº 14.230/2021, no sentido da EXISTÊNCIA DE
LEGITIMIDADE ATIVA CONCORRENTE ENTRE O
MINISTÉRIO PÚBLICO E AS PESSOAS JURÍDICAS
INTERESSADAS PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO
POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA;
(B) SUSPENDER OS EFEITOS do § 20, do artigo 17
da Lei nº 8.429/92, com a redação dada pela Lei nº
14.230/2021, em relação a ambas as Ações Diretas de
Inconstitucionalidade (7042 e 7043);
(C) SUSPENDER OS EFEITOS do artigo 3º da Lei nº
14.230/2021.
A Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 281 de 338

ADI 7042 / DF

Distrito Federal – ANAPE opôs embargos de declaração em


face da decisão que deferiu parcialmente a liminar. Em síntese,
aduz omissão quanto ao pedido de suspensão do art. 17-B da
Lei 8.429/1992, incluído pelo art. 2º da Lei 14.230/2021.
O Procurador-Geral da República, embora regularmente
intimado, deixou de apresentar sua manifestação no prazo
solicitado.
É o relatório.

Discute-se nos processos em tela a constitucionalidade da nova Lei


de Improbidade Administrativa no que concerne a dois aspectos: (i)
legitimação exclusiva do Ministério Público para ajuizar ações por
improbidade administrativa (art. 17, caput); e (ii) possibilidade de norma
editada pela União impor às procuradorias de Estados e Municípios o
ônus de defender judicialmente administradores públicos réus em ações
por improbidade administrativa relativas a condutas baseadas em
pareceres que atestaram sua legalidade (art. 17, § 20).
(I)

A Lei 14.230/2021 implementou significativas modificações na


sistemática de combate a atos de improbidade administrativa, nos
campos material e processual.
Além da adequação das condutas, sob os prismas da tipicidade e da
proporcionalidade, a nova legislação alterou profundamente a própria
estrutura processual, densificando garantias e delineando com mais
clareza etapas e ônus processuais.
A atuação do legislador deu-se em atenção à constatação de que o
perfil sancionatório da Lei de Improbidade Administrativa impõe
arcabouço material e processual compatível com a gravidade das
consequências impostas àqueles que violam seus preceitos.
Conforme fiz ver no julgamento do ARE 843.989, a posição sistêmica
dos atos de improbidade administrativa causavam, e em alguma medida
ainda causam, certa perplexidade, sobretudo quando consideradas as
consequências jurídicas atribuídas a essas condutas.

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ADI 7042 / DF

Com efeito, as sanções reservadas aos atos de improbidade são


graves e em grande parte equiparadas àquelas atreladas à prática de
crime comum, conforme evidenciado pelo próprio art. 15 da Constituição
Federal, que em seu inciso III atribui à condenação criminal transitada em
julgado a mesma consequência, no tocante aos direitos políticos, daquela
atribuída às condutas ímprobas.
Essa penalidade de suspensão dos direitos políticos também está
presente no sistema de responsabilidade político-administrativa de
agentes políticos, os denominados crimes de responsabilidade. Basta
observar que o Presidente da República, se condenado pelo Senado
Federal em processo de impeachment, pode ser inabilitado para o exercício
de função pública pelo prazo de oito anos (art. 52, parágrafo único, da
Constituição Federal).
Também os Ministros de Estado, os Ministros do Supremo Tribunal
Federal e o Procurador-Geral da República estão sujeitos à inabilitação
para o exercício de qualquer função pública, em virtude da prática de
crime de responsabilidade, por força do art. 2º da Lei 1.079/1950.
No que concerne à sanção de perda do cargo ou função pública,
novamente os sistemas penal, de improbidade administrativa e de crimes
de responsabilidade mostram-se coincidentes. Todos preveem a
possibilidade de condenação do imputado a essa drástica penalidade.
Salientei essa superposição de regimes de responsabilidade em voto
proferido no julgamento da Reclamação n. 2.138 (acórdão publicado no
DJe de 18/04/2008):

Em verdade, manifestei-me há muito sobre o tema, cujo


estudo, em co-autoria com o professor Arnoldo Wald,
publicado em março de 1997 no jornal Correio Braziliense –
Competência para julgar improbidade administrativa -.
(...) Naquele estudo de 1997, firmou-se posicionamento no
sentido de que as ações de improbidade ajuizadas contra as
referidas autoridades deveriam observar a regra de
competência fixada no artigo 102, I, c , da Constituição.
Registrou-se, ainda, que tal prerrogativa constitucional de foro

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ADI 7042 / DF

decorreria não em razão de qualquer suspeição contra o juiz de


primeiro grau, mas, fundamentalmente, em decorrência do
significado da decisão no quadro político-institucional.
Afirmou-se, ademais, que a simples possibilidade de
suspensão de direitos políticos, ou a perda de função pública,
isoladamente consideradas, seria suficiente para demonstrar
(...) o forte conteúdo penal, com incontestáveis aspectos
políticos da ação de improbidade. Nesse ponto, seguindo a
doutrina, observou-se que a sentença condenatória proferida
nessa peculiar ação civil é dotada de efeitos que, em alguns
aspectos, superam aqueles atribuídos à sentença penal
condenatória, sobretudo na perspectiva do equilíbrio jurídico-
institucional. Tal observação, registrou-se, daria razão àqueles
que entendem que, sob a roupagem da ação civil de
improbidade, o legislador acabou por elencar, na Lei 8.429/92,
uma série de delitos que, teoricamente, seriam crimes de
responsabilidade e não crimes comuns.
Lembrou-se, também, que muitos dos ilícitos descritos na
Lei de Improbidade configuram, igualmente, ilícitos penais, que
podem dar ensejo à perda do cargo ou da função pública, como
efeito da condenação, como fica evidenciado pelo simples
confronto entre o elenco de atos de improbidade, constante do
art. 9º da Lei 8.429/92, com os delitos contra a Administração.
Tal coincidência, afirmou-se, (...) evidenciaria a possibilidade de
incongruências entre as decisões na esfera criminal e na ação
civil com sérias conseqüências para todo o sistema jurídico.
Decorridos mais de cinco anos da publicação do referido
estudo, podemos verificar hoje que as reflexões ali colocadas
jamais poderiam ser consideradas meras especulações abstratas.
Multiplicam-se as ações de improbidade ajuizadas em Primeira
Instância, com o propósito de afastar de suas funções
autoridades que gozam de prerrogativa constitucional de foro.
Hoje, tenho a firme convicção de que os atos de improbidade
descritos na Lei 8.429 constituem autênticos crimes de
responsabilidade.

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ADI 7042 / DF

Essa constatação da gravidade do regime sancionatório dos atos de


improbidade administrativa estimulou, ao longo das últimas décadas, o
aperfeiçoamento (pelas vias jurisprudencial e legislativa) da estrutura
processual do regime da improbidade administrativa.
Nesse sentido, a Lei 13.420/2021 afirmou o caráter sancionatório da
norma, apartando-a definitivamente das ações civis, tanto em relação à
principiologia quanto no que concerne à finalidade dos institutos.
É nesse contexto que deve ser apreciada a opção legislativa de
imputar ao Ministério Público a legitimação exclusiva para a propositura
de ações de improbidade administrativa, em detrimento da legitimidade
concorrente disjuntiva com pessoas jurídicas interessadas na
recomposição do dano ao erário – desenho que caracterizava o modelo
anterior, veiculado na redação original da Lei 8.429/92.
Segundo a ótica empreendida nas petições iniciais, o art. 129,
interpretado em conjunto com o art. 23, inciso I, não autorizaria o
legislador a atribuir legitimidade exclusiva ao Ministério Público para
ajuizar ações de improbidade administrativa.
A adequada solução da questão constitucional controvertida impõe,
preliminarmente, que se verifique a pertinência ao caso do art. 129, § 1º,
da Constituição Federal, cuja redação é a seguinte: “A legitimação do
Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de
terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei”.
O que passa pelo devido enquadramento do dispositivo no contexto das
garantias institucionais do Ministério Público.
Já tive a oportunidade de pontuar, em obra doutrinária, que as
garantias institucionais desempenham função de proteção de bens
jurídicos indispensáveis à preservação de certos valores tidos como
essenciais (Gilmar Ferreira Mendes; Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso
de Direito Constitucional. 17ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2021. p. 1378 ).
Surgida no contexto constitucional da República de Weimar, por
decisiva contribuição dogmática de Carl Schmitt, as garantias
institucionais resultam da percepção de que determinadas instituições
(direito público) ou institutos (direito privado) desempenham papel de

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

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ADI 7042 / DF

tão elevada importância na ordem jurídica que devem ter o seu núcleo
essencial (as suas características elementares) preservado da ação erosiva
do legislador (Carl Schmitt. “Derechos de libertad y garantías
institucionales en la Constitución del Reich” [1928]. In: Posiciones ante el
Derecho. Madrid: Tecnos, 2018, pp. 179 e ss.).
Nessa linha, “a garantia institucional visa, em primeiro lugar,
assegurar a permanência da instituição (...), preservando invariavelmente
o mínimo de substantividade ou essencialidade, a saber, aquele cerne que
não deve ser atingido nem violado, porquanto, se tal ocorresse, implicaria
já o perecimento do ente protegido” (Paulo Bonavides, Curso de direito
constitucional, São Paulo: Malheiros, 1998, p. 497).
Se essas garantias se ordenam a resguardar certos institutos
jurídicos, não chegam a esmiuçar todos os elementos deles – tarefa a
cargo do legislador, a quem se haverá de reconhecer liberdade de
conformação. Consequentemente, embora vinculado ao núcleo da
garantia constitucionalmente tutelado, ao Legislador resta-lhe amplo
campo normativo na concretização dos valores eleitos pelo Poder
Constituinte. Robert Alexy refere-se a esse campo como “âmbito
facultado”.
A ideia de um “âmbito facultado” é exposta por Robert Alexy com
apoio na imagem de uma moldura. Por um lado, a Constituição contém
uma série de normas que proíbem o legislador de adotar medidas sobre
alguma matéria (pense-se na vedação a penas cruéis, art. 5º, XLVII, “e”,
CF/88), ou obstam de fazê-lo a dado tempo (cogite-se o princípio da
anterioridade eleitoral, art. 16, CF). De outro bordo, a Constituição obriga
o legislador a adotar certas ações (e até contempla instrumentos
processuais para combater eventual inércia, como o Mandado de
Injunção e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão).
O conjunto daquilo que é constitucionalmente necessário
(obrigatório) e do que é constitucionalmente impossível (proibido)
demarca os limites da discricionariedade do legislador; porque dentro de
tais limites a opção escolhida ou a abstenção de fazer algo são alternativas
franqueadas ao poder legislativo: decisões possíveis. “Por isso” – explica

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Alexy – “é possível denominar essa discricionariedade também como ‘âmbito


facultado’”. Em suas palavras:

“A metáfora da moldura pode ser, então, definida da


seguinte forma: o que é obrigatório ou proibido é a moldura; o
que é facultado – ou seja, nem obrigatório, nem proibido – é
aquilo que se encontra no interior da moldura. Nesse sentido, a
discricionariedade do legislador é definida por aquilo que é
facultado.” (Robert Alexy. Teoria dos direitos fundamentais. 2ª
ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2015, p.
582)

O argumento da moldura foi lançado por Alexy para se contrapor a


modelos explicativos excessivamente materiais: modelos que
compreendem a Constituição como um depósito de obrigações e de
proibições para qualquer assunto sob o Sol, e que portanto exigem a
identificação, nela, de normas que autorizem toda e qualquer decisão
material do legislador.
Talvez por isso tal calhe tanto ao caso dos autos.
Com todas as vênias aos que partilham compreensão em sentido
contrário, é seguro afirmar que a Constituição Federal não contém
decisão prévia alguma quanto à legitimação ativa ad causam nas ações
de improbidade administrativa.
O art. 37, § 4º, da Constituição Federal, regra-matriz do regime
jurídico do combate à improbidade administrativa, não obrigou o
Congresso Nacional a adotar regime de legitimação exclusiva e nem de
legitimação concorrente. Quando assim o quis, a Constituição conformou
o âmbito facultado à legislação ordinária, como testemunha o exemplo do
§ 2º do art. 125 da Constituição Federal: “Cabe aos Estados a instituição de
representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou
municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da
legitimação para agir a um único órgão”. O que a Constituição ordena,
aqui, é que não se repita, no âmbito estadual, o modelo de legitimação
exclusiva do Ministério Público que tão fortemente marcava o regime

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político pretérito.
Pois bem. Por meio do art. 129, a Constituição demarcou funções
institucionais do Ministério Público. Cuida, aquele rol, de um conteúdo
subtraído à ação do Congresso Nacional. Nessa senda, o caráter privativo
da titularidade da ação penal pública veio expresso no art. 129, inciso I,
da Constituição Federal, do que não pode se afastar o legislador
ordinário. Uma lei que eventualmente conferisse à associações de classe
uma legitimidade concorrente – seja conjunta ou disjuntiva – em relação
ao Ministério Público, seria flagrantemente inconstitucional.
Já no que concerne à promoção de ação civil pública, para a proteção
do patrimônio público (dentre outros), o inciso III do mesmo art. 129 não
preleciona nota alguma de exclusividade/privatividade. Para tais
situações, o § 1º do art. 129 da Constituição reforça a discricionariedade
estrutural e epistêmica do Congresso Nacional para tratar sobre a
matéria: “A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste
artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta
Constituição e na lei.”
Assim, independentemente de se conceber a ação de improbidade
administrativa como eminentemente sancionatória ou como ação civil, o
resultado é indiferente: o sentido de “ações civis” adotado pelo § 1º do
art. 129 da Constituição confere ao Congresso Nacional a possibilidade
de aprovar lei ordinária com apenas um legitimado ativo para propor
ação de improbidade, bem como a faculdade de estatuir rol de
legitimados concorrentes.
No caso vertente, a pergunta a ser respondida nestes autos, quando
corretamente formulada, é se o modelo instituído pela Lei 14.230/2021 no
tocante à legitimação da ação de improbidade, é comportado nas
possibilidades textuais do art. 129, § 1º, da Constituição Federal.
Com as vênias de praxe, assevero que é simplesmente insustentável
afirmar que haja um único modelo que atenda ao preceito constitucional
em comento. Múltiplas são as possibilidades de desenho institucional
aptas a instrumentalizar adequadamente os valores constitucionais que se
pretende tutelar ou promover. Ao preconizar que a legitimidade do

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Ministério Público “não impede a de terceiros, (...) segundo o disposto


nesta Constituição e na lei”, o Constituinte pretendeu justamente
autorizar, mas não determinar, que o legislador componha a
legitimidade concorrente para a ação de improbidade.
Convém salientar que essa conformação mostra-se coerente com o
direcionamento que o legislador pretendeu conferir às ações de
improbidade, pela Lei 14.230/2021, enfatizando seu perfil sancionatório e
pessoal, como denota o art. 17-D da Lei de Improbidade: “A ação por
improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório,
destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas nesta Lei, e
não constitui ação civil, vedado seu ajuizamento para o controle de
legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e
individuais homogêneos”.
Se a cisão dos regimes é inequívoca – e isso é um pressuposto
inegável – a opção política de legitimação exclusiva para as ações de
improbidade, em favor do Ministério Público, é corolário deveras
coerente com esse cenário.
De outra banda, mesmo aqueles que queiram negar que a mudança
ocorreu, fiando-se no caráter cível da improbidade, o resultado é o
mesmo: o § 1º do art. 129 da Constituição reenvia ao Poder Legislativo a
conformação da legitimação ativa ad causam de ações civis.
Não me parece, também por esse motivo, que o modelo questionado
ofenda o art. 23, inciso I, e o art. 37 da Constituição Federal. A tutela da
probidade administrativa, dever constitucional dos Estados, não é
exercida apenas por meio de ações de improbidade.
Talvez o afã persecutório que tomou conta de setores da República
tenha obscurecido a miríade de instrumentos à disposição da União, dos
Estados e dos Municípios para proteger o erário, além da mera repressão
de agentes públicos com base na Lei de Improbidade Administrativa.
A par dos instrumentos de controle interno e externo, ações de
ressarcimento e ações civis públicas podem ser manejadas pelos entes
públicos. E mais, com o advento da Lei 14.230/2021, os atos culposos que

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ADI 7042 / DF

lesionam o erário, não mais acessíveis pela via da ação de improbidade,


forçosamente recaíram no âmbito das ações de ressarcimento. É dizer, há
largo campo para atuação dos entes públicos.
Essa foi, inclusive, a compreensão do próprio legislador, conforme se
verifica do resgate dos debates na Câmara dos Deputados e no Senado
Federal por Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch e Guilherme Pupe da
Nóbrega (Lei de improbidade administrativa comentada: de acordo com
a reforma pela lei n. 14.230/2021. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022. p.
220-222):

(...) No ponto, a mudança já se fazia presente desde o


anteprojeto gestado por Comissão de Juristas, merecendo
justificativa pelo Deputado Federal Roberto de Lucena nos
seguintes termos:
(...) entendeu-se por bem manter a legitimidade
exclusiva do Ministério Público para a propositura das
ações de improbidade administrativa. Isso se deu por
consideração à natureza do provimento requerido no seio
de ações desta natureza.
Não é razoável manter-se questões de estado ao
alvedrio das alterações políticas e nem tratar questões de
ato de improbidade como se administrativas fossem. Há
um viés político-institucional que deve ser observado, o
que torna salutar e necessária a legitimação exclusiva.
Obviamente, as ações de ressarcimento são de
titularidade do ente público lesado, e mesmo com a
titularidade exclusiva para a ação de improbidade do
Ministério Público, os entes não perdem a legitimidade
para as ressarcitórias.

Ainda no âmbito da Câmara dos Deputados, o tema


mereceria atenção destacada por parte do relator, Deputado
Federal Carlos Zarattini, que, diante de emendas parlamentares
pretendendo restabelecer a legitimidade concorrente, reforçou a
conveniência de que o viés sancionador de que se reveste a
improbidade administrativa se cingisse a uma atuação

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ministerial, mais infensa a desvirtuamentos políticos:


As Emendas nºs 2 e 3, dos Deputados Tadeu Alencar
e outros e Fábio Trad e outros, objetivam a reintrodução,
no Projeto de Lei, da legitimidade ativa da Advocacia
Pública para proposição de Ações de Improbidade. Com o
devido acatamento à manifestação exarada, o regime das
sanções previstas na Lei de Improbidade encerram
restrições a direitos fundamentais de cidadania, como a
suspensão dos direitos políticos dos agentes considerados
ímprobos. Por esta razão, na mesma linha adotada no
sistema penal, é imprescindível que a atuação seja feita
por meio de órgão legitimado e isento. Ademais, a
suspensão de direitos políticos impacta diretamente as
disputas eleitorais, razão pela qual a manutenção da
exclusividade da titularidade ativa no Ministério Público
de modo a impedir a intervenção de agentes políticos no
manejo de ações de improbidade.

Como se vê, o legislador expressamente cotejou os diversos modelos


disponíveis e justificou, de forma robusta, a opção pelo monopólio do
Ministério Público também das ações de improbidade, como decorrência
lógica de sua natureza pessoal e sancionatória.
Vale ressaltar, neste ponto, que essa escolha do legislador também
considerou as capacidades institucionais dos agentes envolvidos.
Ponderou-se que o Ministério Público é o ente mais adequado e imparcial
para conduzir a grave ação de improbidade administrativa, enquanto os
entes públicos prejudicados muitas vezes têm a atuação condicionada
pelas próprias mudanças na estrutura de poder, renovada a cada quatro
anos.
Pretendeu o legislador combater o notório problema das ações de
improbidade manejadas por entes públicos após as eleições como
elemento de perseguição a adversários políticos que antes ocupavam o
cargo de chefia. Essa nuance foi expressamente abordada na já
mencionada manifestação do Deputado Federal Carlos Zarattini.
E falemos às claras: essa opção era facultada, sim, ao Congresso

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ADI 7042 / DF

Nacional.
A par desse aspecto, até mesmo pela falta de elementos empíricos, é
inviável afirmar que a mera legitimação concorrente para propor ações de
improbidade administrativa seja providência legislativa que incremente o
controle dos atos de agentes públicos e particulares responsáveis pelo
erário. O lugar comum do “quanto mais, melhor” (ainda que
embrulhado em institucionalismo estilizado), não convence.
Em verdade – e aqui adentro o campo da legitimidade para
celebração de acordos de não persecução civil (art. 17-B da Lei
8.429/1992), decorrente da legitimidade para ajuizar a ação de
improbidade – a experiência institucional recente demonstrou que a
pluralidade de agentes responsáveis pela solução consensual no âmbito
do Direito Sancionador consiste em entrave ao enfrentamento eficaz de
ilícitos administrativos e penais.
Conforme fiz ver no julgamento do MS 35.435, de minha relatoria,
examinado pela Segunda Turma (DJe de 02/07/2021):

(...)
No ordenamento jurídico vigente, há pelo menos 4
(quatro) gêneros de acordos de leniência que podem ser
celebrados por pessoas físicas ou jurídicas para atenuação da
responsabilidade administrativa ou judicial de atos econômicos,
quais sejam: (i) o Acordo de Leniência Antitruste, que encontra
previsão na Lei 12.529/2011 (Lei do CADE); (ii) o Acordo
Leniência Anticorrupção, fundamentado na Lei 12.843/2013 (Lei
Anticorrpução), (iii) o chamado “Acordo de Leniência do MP”,
que não possui previsão legal expressa, mas surge de
interpretação sistemática das funções constitucionais do
Ministério Público; e ainda (iv) o Acordo de Leniência do
Sistema Financeiro Nacional, que é disposto pela Lei
13.506/2017. Além desses, seria possível ainda apontar como
uma quinta modalidade de Acordo de Leniência o chamado
“acordo de não persecução cível”, que foi recentemente
introduzido pela Lei 13.964/2019, o chamado “Pacote Anticrime”.
Embora esses acordos possam eventualmente abranger

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fatos suscetíveis de repressão na esfera criminal, os Acordos de


Leniência não se confundem com as modalidades de consenso
disponíveis na esfera penal, como a figura do chamado Acordo
de Colaboração Premiada, disciplinado na Lei 12.850/2013.
Os recentes desdobramentos da chamada Operação Lava
Jato evidenciaram as sobreposições e interfaces entre os
múltiplos regimes de responsabilização administrativa e cível
que incidiram sobre as pessoas físicas e jurídicas investigadas.
Diversos estudos recentes têm debatido se e como a
coexistência de regimes de leniência no direito brasileiro pode
atingir um nível ótimo de incentivo à colaboração dos agentes
econômicos, de modo a aprimorar o combate à corrupção.
Em trabalho que buscou identificar a estrutura de
incentivos para colaboração em investigação antitruste e
anticorrupção no Brasil, Paulo Burnier da Silveira e Victor
Oliveira Fernandes destacam que “a coexistência de múltiplos
regimes de leniência inevitavelmente requer um esforço
normativo (i) de alinhamento dos incentivos premiais dos
sistemas e (ii) de criação de mecanismos de cooperação entre
as agências responsáveis pelo enforcement das legislações”.
(tradução livre) (SILVEIRA, Paulo Burnier. FERNANDES,
Victor Oliveira. The Car Wash Operation in Brazil: Challenges
and Perspectives in the Fight Against Bid Rigging. In.: Global
Competition Enforcement: New Players, New Challenges.
Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer, 2019, p. 130).
Os dois autores destacam que, no ordenamento pátrio, há
profundas assimetrias na definição dos requisitos para a
celebração dos acordos em cada uma das esferas
administrativas. Também identificam que há fortes assimetrias
no regime de sanções premiais, já que os acordos podem gerar
imunidades totais ou parciais dentro de uma mesma esfera de
responsabilização cível ou administrativa e podem ou não gerar
benefícios na esfera penal. (Ibid., p. 131).
Esse esforço de alinhamento de incentivos e de cooperação
institucional faz-se ainda mais necessário quando os regimes de
punição apresentam sobreposições, isto é, quando as legislações

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aplicáveis podem incidir sobre um mesmo plexo de atos dos


agentes econômicos.
Como reconhecem Reinaldo Diogo Luz e Giancarlo
Spagnolo, dois renomados autores que investigam essa
temática, deve-se ter em mente que “o envolvimento de
múltiplas autoridades em casos de leniência dificulta a
efetividade dos mecanismos vigentes” (tradução livre) (LUZ,
Reinaldo Diogo & SPAGNOLO, Giancarlo. Leniency, collusion,
corruption, and whistleblowing. Journal of Competition Law
and Economics, 2017).
Ao contrário do que se poderia intuir, a necessidade de
cooperação e coordenação entre as instituições envolvidas no
chamado Microssistema Anticorrupção não é apenas uma
medida de garantia da segurança jurídica que opera a favor das
empresas que negociam com o Estado. Ao contrário, trata-se de
verdadeira condição de efetividade dos instrumentos de
leniência. Nas palavras precisas da ilustre professora da
Universidade de Brasília (UnB) Amanda Athayde, em obra
dedicada ao tema, deve-se ter consciência de que:

“Diante da atuação concomitante de diversas


instituições públicas no âmbito da negociação e celebração
de Acordos de Leniência Anticorrupção, com a condução
de processos administrativos, civis e penais,
eventualmente até nas esferas federal, estadual e
municipal, as instituições competentes devem adotar um
comportamento cooperativo. Se aqueles que praticam os
atos de corrupção atuam de modo organizado, as
instituições públicas também devem atuar de modo
organizado para enfrentar os ilícitos de corrupção”.
(grifos nossos) (ATHAYDE, Amanda. Manual de Acordos
de Leniência no Brasil: teoria e prática. Belo Horizonte:
Editora Fórum, 2019, p. 261).

Na nossa história recente, são bastante escassas as


experiências institucionais em que empresas investigadas

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ADI 7042 / DF

buscaram simultaneamente diversas autoridades


administrativas para a colaboração. Uma das raras situações em
que isso se verificou foi justamente nas investigações de
práticas de corrupção no âmbito da construção da usina
termoelétrica de Angra III, que estão relacionadas aos
Mandados de Segurança ora em exame. Contudo, mesmo nesse
caso, embora as empresas investigadas tenham formalizado
acordos autônomos com o CADE, com a CGU/AGU e o MPF,
apenas uma delas, a Andrade Gutierrez, logrou assumir o
compromisso de colaboração perante todos esses órgãos.
Além da Andrade Guiterrez, no Brasil, apenas as
empresas SBM Offshore e o grupo de comunicação Interpublic
(que engloba as agências MullenLowe Brasil e FCB Brasil)
lograram celebrar acordos de leniência com todas as instituições
envolvidas na apuração dos ilícitos da Operação Lava Jato.
É justamente em razão desses desafios práticos e
institucionais à assinatura de uma pluralidade de acordos de
leniência que importantes vozes na doutrina chegam a debater
a conveniência de se instituir um regime de balcão único para a
negociação de colaborações em âmbito administrativo. Nesse
sentido, o professor Alexandre Cordeiro Macedo e Raquel
Mazzuco chegam a defender que “a existência de um único
balcão com competência para negociar e celebrar acordos de
leniência poderia ser exequível se primeiramente ocorresse uma
alteração legislativa que unificasse a regulamentação sobre
leniência no Brasil e conferisse uma dinâmica de cooperação
entre as autoridades que reduzisse tempo e custo de
investigação” (MACEDO, Alexandre Cordeiro; SANT’ANA,
Raquel Mazzuco. Balcão Único Para Negociação de Acordos de
Leniência no Brasil. SSRN Electronic Journal, v. 23529, p. 1–36,
2019, p. 32).
(...)

Foi esse cenário que levou o eminente Min. Dias Toffoli a capitanear
a celebração de importante acordo de cooperação técnica entre a
Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia-Geral da União

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ADI 7042 / DF

(AGU), o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o Tribunal de Contas


da União (TCU) para o combate à corrupção no Brasil, especialmente em
relação aos acordos de leniência da Lei 12.846/2013.
Assim, é contrafactual e incorreta a premissa de que a multiplicidade
de agentes públicos legitimados para ajuizar ações e transigir sobre essas
pretensões conduz ao fortalecimento do enfrentamento de ilícitos
perpetrados contra a Administração Pública.
Tampouco há evidências de que o Ministério Público de alguma
forma seja incapaz de lidar, com qualidade e celeridade, com as
representações e denúncias de atos de improbidade. Muito menos que
essa instituição seja omissa ou leniente no que concerne a essas assertivas.
Nada obstante, entendo prudente, para evitar compreensões
açodadas dos fundamentos descortinados neste voto, reafirmar que a
via da ação de ressarcimento ao erário continua aberta aos entes
públicos, por força do art. 23, inciso I, do art. 129, § 1º, e do art. 37, caput,
da Constituição Federal.
Afinal, a nova redação da Lei de Improbidade não apagou a
distinção entre tutela sancionatória e tutela ressarcitória. Ao contrário, tão
apenas a reforçou. Mas a distinção não é nova, como se sabe. No âmbito
doutrinário, o saudoso Ministro Teori Zavascki edificou com proficiência
a distinção entre a tutela sancionatória da ação de improbidade e a tutela
ressarcitória (Processo coletivo. 3ª ed. São Paulo: RT, 2008. p. 139-141):

(...) A ação de improbidade administrativa tem, como se


disse, caráter eminentemente repressivo. Ela não se presta a
prevenir a lesão ao direito, mas se destina, sim, a aplicar
sanções, o que tem por pressuposto necessário a anterior
ocorrência do ilícito. Cumpre enfatizar que o termo sanção,
aqui, é utilizado no seu sentido lato, para significar a
generalidade das conseqüências jurídicas decorrentes do
descumprimento da norma. Considerar essa circunstância é
importante para a adequada compreensão e interpretação da
Lei de Improbidade, na qual, conforme se verá, há previsão de
sanções diversas, com naturezas distintas, regidas por

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ADI 7042 / DF

princípios diferentes (p. 111). (...) Por outro lado, há sanções


com natureza eminentemente punitiva. Ao contrário das
sanções civis, sua função não é a de recompor o patrimônio
material ou moral lesado e nem a de desfazer os atos
contrários ao direito (= recomposição do patrimônio jurídico),
e sim a de punir o infrator, aplicando-lhe um castigo. Realça-
se, nelas, o elemento aflitivo, do qual decorre, entre outras
conseqüências, a força pedagógica e intimidadora de inibir a
reiteração da conduta ilícita, seja pelo apenado, seja por
outros membros da sociedade. Tais sanções (aqui num sentido
estrito) compõem o ius puniendi do Estado, cuja face mais
evidente é a da repressão de ilícitos penais, mas que se
manifesta também em ilícitos administrativos e disciplinares.
Relativamente a elas, o regime jurídico é completamente
diferente do previsto para as sanções civis. Sujeitam-se, entre
outros, aos princípios da legalidade, da tipicidade, da
individualização da pena, da presunção de inocência, o que
traz significativos reflexos no plano do processo.

Essa compreensão foi acolhida pelo legislador na reforma


controvertida nestes autos e serviu como base para esta Corte na análise
dos temas 666 e 897 da sistemática da repercussão geral, que
estabeleceram clara cisão entre as ações de improbidade e as ações civis
de ressarcimento.
No julgamento do tema 666, houve divergência quanto ao alcance do
§ 5º do art. 37 da Constituição Federal. Parte do Colegiado relutou em
emprestar qualquer tipo de imprescritibilidade às ações de improbidade
administrativa, mesmo que apenas à pretensão de ressarcimento.
O eminente Min. Teori Zavascki havia proposto cisão entre as
consequências ressarcitórias, no campo prescricional, de atos de
improbidade administrativa e ilícito penais, e o tratamento conferido às
pretensões reparatórias em geral. Senão vejamos:

Em suma, não há dúvidas de que o fragmento final do § 5º


do art. 37 da Constituição veicula, sob a forma da

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

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ADI 7042 / DF

imprescritibilidade, uma ordem de bloqueio destinada a conter


eventuais iniciativas legislativas displicentes com o patrimônio
público. Esse sentido deve ser preservado. Todavia, não é
adequado embutir na norma de imprescritibilidade um alcance
ilimitado, ou limitado apenas pelo (a) conteúdo material da
pretensão a ser exercida – o ressarcimento – ou (b) pela causa
remota que deu origem ao desfalque no erário – um ato ilícito
em sentido amplo. O que se mostra mais consentâneo com o
sistema de direito, inclusive o constitucional, que consagra a
prescritibilidade como princípio, é atribuir um sentido estrito
aos ilícitos de que trata o § 5º do art. 37 da Constituição Federal,
afirmando como tese de repercussão geral a de que a
imprescritibilidade a que se refere o mencionado dispositivo
diz respeito apenas a ações de ressarcimento de danos
decorrentes de ilícitos tipificados como de improbidade
administrativa e como ilícitos penais.

Prevaleceu, porém, entendimento mais restrito, no sentido de que “É


prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente
de ilícito civil”.
O Tribunal decotou qualquer conclusão em relação aos atos de
improbidade, mas já estavam lançadas as bases para a diferenciação das
tutelas ressarcitória e sancionatória. A Corte tinha encontro marcado com
o tema, materializado na análise do Tema 897 da repercussão geral.
Nesse julgamento, foram retomadas as balizas do debate travado no
Tema 666, agora com a consolidação da tese de que “São imprescritíveis
as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso
tipificado na Lei de Improbidade Administrativa”.
A cisão antes verificada entre as tutelas reparatórias em geral da
Fazenda Pública e aquelas decorrentes de atos de improbidade, foi
estendida à distinção dentro da própria ação de improbidade
administrativa, de modo que as sanções pessoais previstas na Lei
8.429/1992 prescrevem, enquanto a pretensão de ressarcimento é
autônoma e imprescritível.
Esse aspecto da compreensão da Corte foi bem explicitada no voto

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

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ADI 7042 / DF

condutor do eminente Min. Edson Fachin:

Como é sabido, a prescrição é instituto que milita em favor


da estabilização das relações sociais e, assim, a uma dimensão
específica do princípio da segurança jurídica, estruturante do
Estado de Direito. Bem por isso, a regra geral no ordenamento
jurídico é de que as pretensões devem ser exercidas dentro de
um marco temporal limitado. Há, no entanto, uma série de
exceções explícitas no texto constitucional, como a prática dos
crimes de racismo (art. 5º, XLII, CRFB) e da ação de grupos
armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o
Estado Democrático (art. 5º, XLIV, CRFB).
Entendo que nesse mesmo rol está o dispositivo previsto
no art. 37, § 5º, CRFB, vazado nos seguintes termos:
" § 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para
ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não,
que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas
ações de ressarcimento."
Inserido no Título III da Constituição, que trata da
Organização do Estado, mais especificamente em seu Capítulo
VII, que versa sobre a Administração Pública, em que se
estabelece a imperiosidade de obediência aos princípios da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência (art. 37, caput), faz parte, em meu sentir, da
arquitetura constitucional de proteção da coisa pública. É certo
que a previsão de graves sanções para os atos de improbidade
administrativa e a imperiosidade de sua normatização legal
(presentes nos arts. 14, § 9º, 15, V, e 37, §4º, CRFB) também se
inserem no mesmo quadrante de proteção e tutela da coisa
pública. No entanto, tais previsões não devem gerar confusão
ou conflito com o disposto no art. 37, § 5º, CRFB. Nesse
dispositivo, o texto constitucional é expresso ao prever que a
lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos (quer,
portanto, na esfera cível ou penal, aqui entendidas em sentido
amplo) que gerem prejuízo ao erário e sejam praticados por
qualquer agente. Logo em seguida, porém, decota de tal

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comando para o Legislador as ações cíveis de ressarcimento


(ou seja, de recomposição) do erário, tornando-as, assim,
imprescritíveis. O texto constitucional é expresso ao prever a
ressalva da imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao
erário. Não nomeia, elenca, particulariza e nem restringe a
natureza dos ilícitos que geram danos e que, assim, podem
ensejar o ressarcimento dos danos ao erário. Basta haver dano.
Se houver dano poderá haver ação de ressarcimento, sem que
incida sobre essa pretensão qualquer prazo prescricional. Basta,
à luz do comando constitucional, a existência de ilícito que a ele
cause prejuízo para que seja possível ação de ressarcimento,
sem que sobre a pretensão nela veiculada incida qualquer prazo
prescricional.
Houve, assim, por escolha do poder constituinte
originário, não apenas o alçamento da boa governança a
patamar constitucional, mas da compreensão da coisa pública -
não raras vezes tratada com desdém, vilipendiada por agentes
particulares ou estatais – como um compromisso fundamental a
ser protegido por todos. O comando estabelece como um
verdadeiro ideal republicano que a ninguém, ainda que pelo
longo transcurso de lapso temporal, é autorizado ilicitamente
causar prejuízo ao erário, locupletando-se da coisa pública ao se
eximir do dever de ressarci-lo.

Como se vê, este Tribunal diferencia de forma inequívoca as tutelas


sancionatória e ressarcitória, no contexto de atos de improbidade.
Enquanto as sanções pessoais relativas à improbidade estão sujeitas à
prescrição, o ressarcimento recebeu tratamento excepcional, a
imprescritibilidade.
É dizer, consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a
pretensão sancionatória veiculada pela ação de improbidade é distinta da
tutela ressarcitória, que pode ser pleiteada de forma autônoma,
especialmente quando prescrita a pretensão de aplicação das penalidades.
E diante da cisão entre as tutelas sancionatória e ressarcitória, a
atribuição daquela ao Ministério Público de forma privativa não pode

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ADI 7042 / DF

impedir que os entes públicos legitimados busquem a reparação de danos


ao seu patrimônio, mister que lhes cabe por extração direta da
Constituição Federal - art. 23, inciso I, art. 129, § 1º, e art. 37, caput e de
outros diplomas legais, como a Lei 7.347/1985.
Assim, é imperioso conferir interpretação conforme a Constituição
Federal ao art. 17, caput, da Lei 8.429/1992, na redação conferida pela Lei
14.230/2021, para estabelecer que a legitimidade privativa do Ministério
Público para o ajuizamento de ações de improbidade administrativa não
afasta a legitimidade de entes públicos deflagarem ações civis de
ressarcimento ao erário.

(II)

No que concerne ao § 20 do art. 17 da Lei 8.429/1992, na redação


conferida pela Lei 14.230/2021, alguns apontamentos são necessários
quanto aos próprios argumentos ventilados na petição inicial da ação
direta de inconstitucionalidade 7042. Confira-se a redação do dispositivo
impugnado:

Art. 17. (...)

§ 20. A assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a


legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo
administrador público ficará obrigada a defendê-lo
judicialmente, caso este venha a responder ação por
improbidade administrativa, até que a decisão transite em
julgado.

Alega-se tão somente a inconstitucionalidade formal do


dispositivo, com base no princípio federativo. Não foi veiculado, nas
exordiais, nenhum argumento de inconstitucionalidade material. Pelo
contrário, a Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do
Distrito Federal expressamente defende a inexistência de vício material
no preceito. Senão vejamos:

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 301 de 338

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23. Dessa forma, eventual atuação da advocacia pública na


representação de agentes públicos deve advir de legislação
específica e própria do ente federado, não podendo a União, a
pretexto de tratar das normas sobre improbidade
administrativa, criar tal incumbência às Procuradorias
estaduais.
24. A ANAPE não se insurge, portanto, quanto ao
conteúdo material da norma (defesa de agentes públicos), mas
tão somente quanto à legitimidade da União para criar essa
incumbência de forma genérica às Procuradorias dos Estados.

E não poderia ser diferente, uma vez que há décadas a advocacia


pública defende gestores públicos acusados de atos de improbidade ou
de ilícitos cometidos em outras esferas - muitas vezes, é preciso
reconhecer, sem qualquer critério legal ou moral.
Assim, não há pedido de declaração de inconstitucionalidade
material do dispositivo em tela, apenas formal, circunstância que já gerou
dúvidas neste Plenário até mesmo quanto à possibilidade de análise de
eventual vício material, embora eu seja da convicção de que a questão é
de causa de pedir, que na fiscalização abstrata caracteriza-se por ser
aberta (ADI 2182, Rel. Min. Marco Aurélio, Redatora do acórdão Rel.
Min. Cármen Lúcia, DJe de 10/09/2010).
Não se pretende aqui advogar ortodoxia exagerada no exercício da
jurisdição constitucional – tanto o mais porque fundamentos formais e
materiais se mesclam na praxe do tribunal – mas, sim, sublinhar a
perplexidade que naturalmente decorreria de solução do Supremo
Tribunal Federal que identificasse, apenas por ocasião do julgamento no
Plenário – e contra a deliberação do Poder Legislativo, e os
posicionamentos da Advocacia Pública e da própria Procuradoria-Geral
da República – a inconstitucionalidade material do preceito.
Chegou-se a afirmar neste Plenário, na sessão realizada em
24/08/2022, que a ausência de representantes do Ministério Público, como
amicus curiae, defendendo a constitucionalidade do art. 17 da Lei

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 302 de 338

ADI 7042 / DF

8.429/1992, na redação conferida pela Lei 14.230/2021, evidenciaria a


inconstitucionalidade da norma.
De toda forma, o que se tem aqui é contexto que recomenda cautela
e prudência desta Corte, sem voluntarismo e palavras de efeito, com a
devida consideração dos argumentos esgrimados no âmbito das Casas
Legislativas e deste processo de controle de constitucionalidade.
Dito isso, sobre o dispositivo em tela inicio afirmando que, de modo
bem diverso do que alegam os autores, a Lei de Improbidade
Administrativa é lei nacional, regulamentando em todo território
brasileiro, por força do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, a atuação
estatal uniforme no enfrentamento de atos de improbidade
administrativa.
Nesse sentido, o dispositivo não tem o condão de ingerir-se nas
atribuições das Procuradorias estaduais, mas, sim, de estabelecer regra
processual que se harmoniza com o novo regramento da ação de
improbidade administrativa.
Com efeito, o legislador ordinário pretendeu, com a reforma
legislativa, incorporar à estrutura processual da improbidade garantias e
instrumentos que permitam a ampla defesa do réu, em condições de
ampla institucionalidade.
Nessa linha, a título de exemplo, ao regulamentar, no art. 21, § 1º, a
aplicação das sanções, o legislador preconizou que “Os atos do órgão de
controle interno ou externo serão considerados pelo juiz quando tiverem
servido de fundamento para a conduta do agente público”.
Buscou-se a efetiva individualização da pena, em observância
também ao princípio da proporcionalidade. Dentro desse contexto, a
posição dos órgãos internos de assessoria assumiu outro patamar. Esse
caminho já vinha sendo trilhado pelo Superior Tribunal de Justiça, sob a
segura liderança do saudoso Ministro Teori Zavascki, que apontava a
necessidade de correção de rumos na temática da improbidade. Confira-
se, a propósito, a ementa de julgado de referência:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE. LEI


8.429/92. ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 303 de 338

ADI 7042 / DF

IMPRESCINDIBILIDADE.
(...)
3. É razoável presumir vício de conduta do agente
público que pratica um ato contrário ao que foi recomendado
pelos órgãos técnicos, por pareceres jurídicos ou pelo
Tribunal de Contas. Mas não é razoável que se reconheça ou
presuma esse vício justamente na conduta oposta: de ter agido
segundo aquelas manifestações, ou de não ter promovido a
revisão de atos praticados como nelas recomendado, ainda
mais se não há dúvida quanto à lisura dos pareceres ou à
idoneidade de quem os prolatou. Nesses casos, não tendo
havido conduta movida por imprudência, imperícia ou
negligência, não há culpa e muito menos improbidade. A
ilegitimidade do ato, se houver, estará sujeita a sanção de
outra natureza, estranha ao âmbito da ação de improbidade.
4. Recurso especial do Ministério Público parcialmente
provido.
Demais recursos providos.
(REsp n. 827.445/SP, relator Ministro Luiz Fux, relator para
acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma,
julgado em 2/2/2010, DJe de 8/3/2010.)

Além de necessariamente serem enfrentados pela sentença,


revelando-se essenciais no ato de enquadramento da conduta e no
dimensionamento da sanção, os pareceres que respaldam a atuação dos
gestores públicos vinculam a própria atuação da Procuradoria.
É dizer, se a posição institucional da assessoria jurídica conduziu o
agente público a determinada decisão, pela qual posteriormente é
responsabilizado, surge necessário que essa posição seja defendida, a
despeito de eventuais modificações na chefia da instituição ou mesmo
nos cargos eletivos do ente federativo.
Essa nuance do tema revela que a defesa judicial do gestor público
pela advocacia pública, longe de vulnerar princípios constitucionais,
deles extrai diretamente sua validade. Isso porque a representação de
servidores públicos e agentes políticos em juízo pela respectiva

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ADI 7042 / DF

Procuradoria guarda íntima relação com a proteção da própria instituição


e do cargo público em jogo.
Diversos outros mecanismos cumprem esse papel no ordenamento
jurídico, como a prerrogativa de foro de determinados agentes políticos.
Sobre o tema, já afirmei em sede doutrinária que (Gilmar Ferreira
Mendes; Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional.
17ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2021. p. 1378):

É justamente a peculiar posição dos agentes políticos que


justifica o tratamento constitucional diferenciado em rela..o aos
demais agentes públicos.
Não chega a ser uma novidade a constatação de que os
agentes políticos encontram-se numa posição institucional
absolutamente inconfundível com a dos demais agentes
públicos.
De fato, tal como ensina Hely Lopes Meirelles, os agentes
políticos, dentro de sua área, são as autoridades supremas da
Administração Pública. Possuem plena liberdade funcional e
estão a salvo de responsabilização civil por seus eventuais erros
de atuação, a menos que tenham agido com culpa grosseira,
má-fé ou abuso de poder.
Observa ainda Hely Lopes que tais prerrogativas têm por
escopo garantir o livre exercício da função política. Percebeu o
ilustre administrativista, sobretudo, a peculiaridade da situação
dos que governam e decidem, em comparação àqueles que
apenas administram e executam encargos técnicos e
profissionais. Nas palavras do mestre:
“Realmente, a situação dos que governam e decidem
é bem diversa da dos que simplesmente administram e
executam encargos técnicos e profissionais, sem
responsabilidade de decisão e opções políticas. Daí por
que os agentes políticos precisam de ampla liberdade
funcional e maior resguardo para o desempenho de suas
funções. As prerrogativas que se concedem aos agentes
políticos não são privilégios pessoais; são garantias
necessárias ao pleno exercício de suas altas e complexas

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ADI 7042 / DF

funções governamentais e decisórias. Sem essas


prerrogativas funcionais os agentes políticos ficariam
tolhidos na sua liberdade de opção e decisão, ante o temor
de responsabilização pelos padrões comuns da culpa civil
e do erro técnico a que ficam sujeitos os funcionários
profissionalizados” (Hely Lopes Meirelles, Direito
administrativo brasileiro, 27. ed., cit., p. 76-77).
Não parece ser outro o ethos da prerrogativa de foro
entre nós, conforme se extrai da lição de Victor Nunes Leal, ao
observar que a “jurisdição especial, como prerrogativa de
certas funções públicas, é, realmente, instituída não no
interesse da pessoa do ocupante do cargo, mas no interesse
público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício com o
alto grau de independência que resulta da certeza de que seus
atos venham a ser julgados com plenas garantias e completa
imparcialidade” (Rcl. primeira 473/GB, rel. Min. Victor Nunes,
DJ de 8-6-1962).

Cumpre função semelhante a teoria da dupla garantia na


responsabilização civil de agentes públicos, recentemente reafirmada por
este Tribunal, sob a sistemática da repercussão geral, quando assentada a
tese segundo a qual “a teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição
Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada
contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de
serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo
ou culpa”.
Essas garantias atreladas ao cargo público têm a finalidade de
assegurar o livre e desimpedido exercício das funções estatais. E a
experiência institucional brasileira, sobre a qual já dissertei em inúmeras
oportunidades no Plenário, inclusive neste julgamento, nos presenteou
com diversas situações que evidenciam a importância da representação
judicial da advocacia pública para o pleno exercício dos deveres impostos
aos agentes públicos.
Nesse contexto, a inovação do § 20 do art. 17 da Lei 8.429/1992 não

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consiste em rompante de pessoalidade do legislador. Pelo contrário,


resulta de consolidação e aprimoramento de práticas e regras que
nortearam o tema no âmbito administrativo, a exemplo da Resolução
13/2018 do Senado Federal e da Portaria AGU 428/2019.
Entendo prudente, porém, tendo em vista a natureza e extensão do
fundamento constitucional da defesa de agentes pela advocacia pública,
esclarecer o alcance do dispositivo, de modo a rechaçar interpretações
que conduzam a situação de inconstitucionalidade.
Refiro-me especificamente ao seguinte trecho do § 20 do art. 17 da
Lei de Improbidade: “que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia dos
atos administrativos praticados pelo administrador público”. A redação do
preceito pode embasar a compreensão de que, exemplificativamente, um
ato adotado por gestor público sem um prévio “parecer atestando a
legalidade prévia” seria o suficiente para impedir a defesa do gestor pela
Advocacia Pública. Dentre outros motivos, porque parece desconhecer
que na praxe administrativa são raríssimos os casos de parecer
obrigatório e que funcionam como verdadeiros atestados de legalidade
(como o é aquele proferido ao final da fase interna dos processos
licitatórios).
Ademais, o trecho apontado evoca outra dificuldade. A existência de
parecer prévio atestando a legalidade jamais seria suficiente para, de
pronto, se chegar a qualquer juízo prévio quanto à necessidade de
patrocínio judicial por parte da advocacia do ente público. Efetivamente,
tão apenas aquele parecer que circunstanciadamente apreciasse as
questões jurídicas e factuais que posteriormente fundamentam o
ajuizamento da ação de improbidade teria o condão de fazê-lo.
Assim, a depender da interpretação adotada, o dispositivo pode
restringir exageradamente o campo de atuação da advocacia pública na
defesa de atos administrativos ou de política pública praticados por
gestores. É necessário que a advocacia pública, ainda quando não haja
parecer jurídico nos autos, possa entender pertinente a defesa do gestor,
por razões que cada órgão, em sua esfera de competência e realidade
institucional, está mais habilitado a perquirir.

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ADI 7042 / DF

Essa compreensão, para além de permitir a efetiva proteção de


gestores públicos, em virtude de atos praticados no exercício de suas
funções, converge com o plexo de competências atribuído pelo art. 132 da
Constituição Federal às Procuradorias estaduais. É que na atividade de
“representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades
federadas” está inserida justamente a análise dos interesses institucionais
em jogo na responsabilização dos agentes detentores de cargos públicos
ou mandatos.
Portanto, adiro à proposta formulada pelo eminente Min. Dias
Toffoli, de modo a conferir interpretação conforme à Constituição Federal
ao dispositivo impugnado, para fixar que a Advocacia Pública pode
defender o gestor em processos judiciais relativos a ato praticado no
exercício de função pública, mesmo quando não elaborado parecer
atestando a legalidade prévia do ato administrativo.

(III)

Ante o exposto, julgo procedentes em parte os pedidos formulados


nas ações diretas de inconstitucionalidade 7042 e 7043 para:
(i) conferir interpretação conforme à Constituição Federal ao art. 17,
caput, da Lei 8.429/1992, na redação conferida pela Lei 14.230/2021, para
estabelecer que a legitimidade privativa do Ministério Público para o
ajuizamento de ações de improbidade administrativa não afasta a
legitimidade de entes públicos deflagarem ações civis de ressarcimento
ao erário; e
(ii) conferir interpretação conforme à Constituição Federal ao § 20 do
art. 17 da Lei 8.429/1992, na redação conferida pela Lei 14.230/2021, para
estabelecer que a Administração Pública também fica autorizada a
representar judicialmente o agente público que responde por ação de
improbidade administrativa em razão de atos praticados no exercício de
suas atribuições, inclusive, na hipótese de ação de ressarcimento ao erário
proposta pelo ente público, com a designação de procurador ad hoc
especificamente para essa finalidade.

37

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 308 de 338

ADI 7042 / DF

É como voto.

38

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Incidências ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 309 de 338

31/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

INCIDÊNCIAS AO VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Fica

muito claro, Presidente, que a própria Câmara dos Deputados se louvou

nesse critério de conferir, ao Ministério Público, o monopólio da ação de

improbidade, para evitar exatamente a politização e politicidade dessa

temática - a despeito de já termos visto aqui, a partir das considerações

que fizemos, que isso sequer blinda o sistema dos exageros que todos já

apontamos, seja na esfera da ação de improbidade, seja na própria esfera

criminal, como são conhecidos os casos.

Estava ainda há pouco rememorando aquela ação de

improbidade. Há uma resposta aqui agora nessa lei dizendo que a ação

de improbidade não deve ser destinada para contestar ou questionar

políticas públicas.

Lembrava, então, daquele episódio do Proer - esta ação

é de 18 de dezembro de 1995 -, em que se pedia a perda dos direitos

políticos daqueles responsáveis pelo Conselho Monetário Nacional, à

época, Pedro Malan, Pedro Parente e Serra. Essa petição é assinada pelos

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Incidências ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 310 de 338

ADI 7042 / DF

seguintes Procuradores: Oswaldo José Barbosa, José Leovegildo Oliveira

Moraes, Wellington Cabral Saraiva, Humberto Jacques de Medeiros,

Antônio Carlos Albino Bigonha e Franklin Rodrigues da Costa. Foi

provida essa ação para mandar que essas pessoas, que fizeram talvez

uma das políticas mais exitosas em termos de salvação financeira dos

bancos - evitou-se uma quebradeira geral -, devolvessem tudo. O juiz,

inclusive, pontuou, em uma das sentenças, que estava sendo adotado o

princípio da proporcionalidade, porque não estava determinando a perda

dos direitos políticos - Procurador Paulo -, mas apenas a devolução

daquilo que fora gasto no âmbito do Proer.

Essa é uma ação do Ministério Público Federal em uma

matéria clara de política pública. Eu já brinquei, Presidente, que se

confiasse a juízes e promotores - essa é uma expressão que acho que o

Roberto Campos repete, não sei se é de Hayek - a gestão do deserto do

Saara, em pouco tempo, lá poderia estar faltando areia.

Aqui é um caso notório. Será que eles saberiam fazer

isso? Ou são capazes de fazer essa coisa como da "Carne Fraca" - coisa

desastrosa como essa? Ainda assim o Congresso opta por cautela para

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Incidências ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 311 de 338

ADI 7042 / DF

evitar o espraiamento das ações, considerando aspectos já ventilados,

agora, por último, na fala do Ministro Toffoli. Entende-se que o Ministério

Público deverá tomar todas as cautelas nesse sentido. Foi essa a opção -

vamos chamar assim - minimalista do legislador.

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Aparte

Inteiro Teor do Acórdão - Página 312 de 338

31/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

APARTE

O SENHOR MINISTRO ANDRÉ MENDONÇA:


Se me permite, Ministro Gilmar, eu não disse "quanto mais, melhor".

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Quem está dizendo


sou eu.

O SENHOR MINISTRO ANDRÉ MENDONÇA:


Só enfatizei a questão do monopólio. Foi uma questão de monopólio,
não uma abrangência irrestrita e sem limites. Só esse ajuste. Pelo menos,
na minha fala.

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 313 de 338

31/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Cabe a mim o


último voto.
Eu só queria fazer um registro histórico. O Professor José Carlos
Barbosa Moreira, em um dos Temas de Direito Processual, escreve que, em
um congresso de processo civil em Teerã - imaginem um congresso de
processo civil em Teerã hoje! -, chegou-se à conclusão de que o melhor
sujeito processual como intermediário, para promover ações
transindividuais entre o cidadão e o Estado, era o Ministério Público. Ali
se fixou essa legitimatio ad causam, mas isso não alterou o conceito de
legitimidade ordinária que pertence àquele titular do direito. Todo aquele
que é o titular do direito tem legitimação ordinária, sem prejuízo da
hipótese de legitimação extraordinária, que é aquele que litiga em nome
próprio um direito alheio, que é o caso do Ministério Público quando
promove a ação de improbidade.
Esses dois conceitos encaixam-se perfeitamente no caso em tela,
quando se elabora um consenso, praticamente, sobre a legitimidade ativa
concorrente e disjuntiva do Ministério Público e das pessoas jurídicas
interessadas. Forçosamente, proposta a ação, como destacou o Ministro
Ricardo Lewandowski, pelo legitimado ordinário ou extraordinário
previsto em lei, as consequências da propositura da ação, do combate de
eventuais irritualidades, de utilização do processo para fins ilícitos,
caberão ao juiz. A lei traz uma regra de que o juiz pode julgar extinto o
processo se verificar que as partes estão utilizando a via judicial para fins
ilícitos ou fins não delimitados pela lei.
Por outro lado, alguns falam em autorização, outros falam em não
obrigatoriedade, mas acho que se chega à mesma conclusão: a defesa do
ato pode ser promovida pela advocacia pública se assim se verificar no
caso concreto. Essa é a conclusão do Ministro Alexandre, e Vossa
Excelência agora, Ministro Gilmar, capitaneando também uma parte da

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 314 de 338

ADI 7042 / DF

corrente, assenta que eles podem ser autorizados a defender.


Pergunto ao Relator se essas premissas estão corretas para
proclamarmos o resultado e eu também declarar meu voto de aderência a
essas conclusões.
Em primeiro lugar, Vossa Excelência declara inconstitucionalidade
parcial sem redução de texto - a interpretação conforme é uma declaração
de inconstitucionalidade parcial -, que estabelece a existência de
legitimidade concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as
pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por
improbidade administrativa e para a celebração de acordos de não
persecução civil. Isso está encartado dentro do poder de agir. Também,
pelo que entendi, a maioria entende que não há obrigatoriedade de
defesa, havendo, porém, a possibilidade de os órgãos da advocacia
pública autorizarem a realização dessa representação judicial por parte da
assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia dos
atos administrativos praticados pelo administrador, nos termos da lei
específica.
Com esses fundamentos, evidentemente, Vossa Excelência declara a
inconstitucionalidade do art. 3º, que propõe que o Ministério Público seja
instado a se pronunciar se persiste ou não na propositura da ação. Em
consequência, fica declarada a constitucionalidade do § 14 do art. 17 da
lei, incluído pela novel legislação, e do art. 4º, X, da Lei nº 14.230, que
revogava tudo aquilo que consideramos legítimo.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) -
Exato.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

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31/08/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX: Eminentes pares, ilustre


representante do Ministério Público, senhores advogados, senhoras
advogadas e demais presentes.

Inicialmente, acolho o minucioso relatório disponibilizado pelo


eminente Ministro Relator, Alexandre de Moraes, e o congratulo pela
hercúlea tarefa de analisar pormenorizadamente o presente feito.

Após breve apresentação do objeto das ações diretas de


inconstitucionalidade sub examine (parte I), passo a examinar cada um dos
pontos controvertidos (partes II e III) para, então, apresentar o desfecho
da presente controvérsia (parte IV).

I.
OBJETO DAS ADIs:

Ab initio, verifico que se trata de duas Ações Diretas de


Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar. Primeiro, a ADI
7042 – ajuizada pela Associação Nacionaldos Procuradores dos Estados e
do Distrito Federal (ANAPE) - possui como objeto os seguintes
dispositivos da Lei 14.230, de 25.10.2021:

(a) Art. 2º, na parte em que alterou o caput do art. 17 e


inseriu os §§ 14 e 20 do art.
17 e o art. 17-B, todos da Lei 8.429, de 2.6.1992;
(b)Art. 3º;
(c) Art. 4º, inciso X.

Por sua vez, a ADI 7043 - Associação Nacional dos Advogados

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 316 de 338

ADI 7042 / DF

Públicos Federais (ANAFE) - possui como objeto os seguintes dispositivos


da referida legislação:

(a) Art. 2º, na parte em que alterou o caput do art. 17 e


inseriu o § 14 do art. 17 e o caput e os §§ 5º e 7º do art. 17-B,
todos da Lei 8.429, de 2.6.1992;
(b) Art. 3º;
(c) Art. 4º, inciso X.

In casu, da leitura conjunta dos dispositivos legais impugnados,


verifico que a controvérsia jurídica suscitada em ambas as ADIs cinge-se
ao exame de constitucionalidade acerca de dois pontos centrais:

(i) Da perda de legitimidade ativa da pessoa jurídica


interessada para propositura de ação de improbidade
administrativa;
(ii) Da perda de legitimidade ativa dos entes públicos
lesados para celebração de acordo de não persecução civil;

Demais disso, especificamente quanto à ADI 7042, há ainda um


terceiro ponto a ser examinado, qual seja: a constitucionalidade da novel
obrigação legal destinada aos órgãos de consultoria jurídica da advocacia
pública que tenham emitido “parecer atestando a legalidade prévia dos atos
administrativos praticados pelo administrador público”. Nessas hipóteses, os
membros da advocacia pública restaram obrigados a defender
judicialmente o gestor público que venha a responder por ação de
improbidade administrativa em razão do ato que tenham atestado a
legalidade prévia (artigo 17, § 20).

Feita esta breve recapitulação do essencial, passo à análise de mérito


das questões controvertidas.

II.
LEGITIMIDADE ATIVA PARA PROPOSITURA DE AÇÃO DE

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 317 de 338

ADI 7042 / DF

IMPROBIDADE E PARA CELEBRAÇÃO DE


ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO CÍVEL

Como é cediço, a redação originária do §1° do art. 17 da Lei n°


8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA) vedava
expressamente qualquer “transação, acordo ou conciliação” nas ações de
improbidade administrativa.

Entretanto, o atual paradigma do Direito Administrativo tem


proliferado iniciativas que buscam torná-lo mais “sistêmico, flexível e
democrático”. Isto é, partindo de premissas que valorizam a justiça
material e a finalidade dos atos administrativos em contraste com
posturas rígidas, burocráticas, formais, autoritárias e unilaterais da
administração pública.
Nesse sentido, o “novo Direito Administrativo (…) promove (..) o
princípio da dignidade da pessoa humana” a partir do gerenciamento
eficiente dos recursos públicos e da incorporação da realidade fática na
condução normativa e executiva de situações de alta complexidade social
e econômica – as quais lhe exigem maior “flexibilidade democrática”.
(MOREIRA, João Batista Gomes. Direito administrativo: da rigidez
autoritária à flexibilidade democrática. 3ª ed. Belo Horizonte: Fórum,
2015, p. 157-166).

Não por acaso, nesse atual paradigma, visualiza-se “uma maior


inclusão do elemento negocial no Direito Administrativo” de modo
concomitante à tendência de expandir o “Direito Administrativo
sancionador como via de prevenção e repressão a comportamentos
lesivos” - fenômeno cada vez mais visível na seara da improbidade
administrativa.
(CANETTI, Rafaela Coutinho. Acordo de Leniência: fundamentos do
instituto e problemas de seu transplante ao ordenamento jurídico
brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 136).

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 318 de 338

ADI 7042 / DF

Deveras, esse movimento de ampliação do Direito Administrativo


Sancionador "é resultado de um Estado que opta por fazer mais controles
para contrabalancear os descontroles" – de modo que "a Lei de
Improbidade Administrativa (...) surge enquanto mecanismo interno de
vigilância" da probidade na gestão da Administração Pública, mas
também de prevenção e de repressão de condutas que vulnerem a
incolumidade do patrimônio público e a ordem econômica.
(PACIORNIK, Joel Ilan. A comunicação do poder entre público e privado
no combate à corrupção: a flexibilização normativa em tempos de
pandemia. In: FERREIRA, Carolina Costa. Macrocriminalidade e sistema de
justiça criminal. São Paulo: SaraivaJur (Série IDP), 2022, p. 163-164).

Como reflexo dessa expansão do Direito Administrativo


Sancionador e do crescento uso de mecanismos consensuais, o advento da
Lei n° 13.964/2019 alterou a referida redação originária do §1°, do art. 17,
da Lei n° 8.429/1992, passando a admitir expressamente “a celebração de
acordo de não persecução cível” nas ações de improbidade. Desse modo, a
ação por improbidade administrativa e os acordos de não persecução
cível (ACPC) poderiam ser propostos tanto pelo Ministério Público,
quanto pela pessoa jurídica interessada.

Ocorre que a Lei n. 14.230/2021 conferiu nova redação ao art. 17 da


Lei de Improbidade Administrativa, prevendo que o Ministério Público
seria o único legitimado ativo para propositura de ações por improbidade
administrativa e para celebração de acordo de não persecução civil. In
verbis (grifei):

“Art. 2º A Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, passa a


vigorar com as seguintes alterações: (…)
Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata
esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o
procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março
de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 319 de 338

ADI 7042 / DF

(…)
§ 14. Sem prejuízo da citação dos réus, a pessoa jurídica
interessada será intimada para, caso queira, intervir no processo
(...)
Art. 17-B.Art. 17-B.Art. 17-B.Art. 17-B.Art. 17-B. O
Ministério Público poderá, conforme as circunstâncias do caso
concreto, celebrar acordo de não persecução civil, desde que
dele advenham, ao menos, os seguintes resultados:
I - o integral ressarcimento do dano;
II - a reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem
indevida obtida, ainda que oriunda de agentes privados.
§ 1º A celebração do acordo a que se refere o caput deste
artigo dependerá, cumulativamente:
I - da oitiva do ente federativo lesado, em momento
anterior ou posterior à propositura da ação;
II - de aprovação, no prazo de até 60 (sessenta) dias, pelo
órgão do Ministério Público competente para apreciar as
promoções de arquivamento de inquéritos civis, se anterior ao
ajuizamento da ação;
III - de homologação judicial, independentemente de o
acordo ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de
improbidade administrativa”.

Além de revogar dispositivos da legislação anterior, o novel diploma


legal ainda estabeleceu prazo de 1 (um) ano para que os Ministérios
Públicos da União, dos Estados e do Distrito Federal se manifestem
acerca das ações já ajuizadas pelas pessoas jurídicas de direito público
lesadas pelos atos ímprobos. Isto é, expressando seu interesse – ou não –
na continuidade dos feitos, sob pena de extinção dos processos sem
resolução de mérito. In verbis (grifei):

“Art. 3º - No prazo de 1 (um) ano a partir da data de


publicação desta Lei, o Ministério Público competente
manifestará interesse no prosseguimento das ações por
improbidade administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda
Pública, inclusive em grau de recurso.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 320 de 338

ADI 7042 / DF

§ 1º - No prazo previsto no caput deste artigo suspende-se


o processo, observado o disposto no art. 314 da Lei nº 13.105, de
16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

§ 2º - Não adotada a providência descrita no caput deste


artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.

Art. 4º Ficam revogados os seguintes dispositivos e seção


da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992: (…)
X - §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 8º, 9º, 10, 12 e 13 do art. 17”.

Em apertada síntese, diante dessas alterações legislativas, os


requerentes de ambas as ações diretas sustentam a inconstitucionalidade
dos dispositivos mencionados por afronta: à probidade, à moralidade e à
eficiência administrativa; à autonomia da Advocacia Pública; ao princípio
da vedação ao retrocesso social; ao pacto federativo e à auto-organização
dos entes federados; ao dever-poder da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios de zelar pela guarda da Constituição e de
conservar o patrimônio público.

In casu, verifico que o deslinde da controvérsia sub examine perpassa


por dois pontos centrais. Primeiramente, pelos diferentes fundamentos
constitucionais que conferem legitimidade ativa para cada um dos atores
na propositura de ações de improbidade administrativa. Em seguida,
pela baliza constitucional no sentido da atuação complementar entre
Ministério Público e Advocacia Pública na defesa da integridade do
patrimônio público e no resguardo da probidade da gestão pública.

Em primeiro lugar, conforme já assentei academicamente, “as


condições da ação representam [os] requisitos que o autor deve preencher
para obter uma resolução de mérito”.
(FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. 5a edição. Rio de Janeiro:
Editora Forense, 2022, p. 177-180).

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 321 de 338

ADI 7042 / DF

Deveras, a despeito dos debates doutrinários quanto ao conceito, ao


escopo e até à existência das condições da ação, certo é que o inciso VI do
art. 485 em conjunto com o art. 17, ambos do Código de Processo Civil de
2015, inovaram em relação ao CPC/1973, porquanto excluíram o critério
da ‘possibilidade jurídica do pedido’ do rol das condições da ação. Destarte,
atualmente, cumpre ao magistrado apenas analisar, in abstrato (vera sint
exposita), a presença (i) da legitimidade das partes e (ii) do interesse de
agir.

No entanto, para os fins da controvérsia sub examine, cumpre


perquirir apenas o critério da legitimidade das partes (legitimatio ad
causam), o qual atesta a “pertinência subjetiva da ação” e cujo objetivo
consiste em garantir o exercício do efetivo contraditório entre “os reais
destinatários da sentença de mérito”.
Nesse sentido, o preenchimento de tal requisito demanda que o
magistrado verifique se as partes que figuram no polo ativo e no polo
passivo do litígio efetivamente apresentam “habilitação para agir, in
abstrato”.
(FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. 5a edição. Rio de Janeiro:
Editora Forense, 2022, p. 177-180).

Ocorre que o art. 18 do Código de Processo Civil de 2015 diferencia


esse elemento em duas modalidades: (i) a legitimidade ordinária e (ii) a
legitimidade extraordinária.

Quanto à primeira modalidade, o saudoso José Carlos Barbosa


Moreira corretamente assentava que “em regra, a situação legitimante é
definida pela própria situação jurídica que se submete ao órgão judicial
como objeto do juízo, vista no seu duplo aspecto ativo e passivo”.
(MOREIRA, José Carlos Barbosa. Apontamentos para um estudo
sistemático da legitimação extraordinária. Revista de direito do Ministério
Público do Estado da Guanabara, v. 3, n. 9, p. 41–55, set./dez., 1969, p. 42).

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 322 de 338

ADI 7042 / DF

Desse modo, a legitimidade ordinária decorre da coincidência entre


a posição dos sujeitos da relação jurídica de direito material e da relação
jurídica de direito processual – de modo que, em regra, “ninguém poderá
pleitear direito alheio em nome próprio” (artigo 18, CPC/2015).

Entretanto, a parte final do mesmo art. 18, do CPC/2015, estabelece


as hipóteses excepcionais de legitimação extraordinária, nas quais
“confere-se a alguém o poder de conduzir processo que versa sobre
direito do qual não é titular ou do qual não é titular exclusivo”, quando o
próprio ordenamento jurídico assim o autorizar.
(DIDIER JR., Fredie. Fonte Normativa da Legitimação Extraordinária no
Novo Código de Processo Civil: a Legitimação Extraordinária de Origem
Negocial. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, n° 56, p. 137-
143, abr./jun. 2015, p. 138).

In casu, resta claro que são absolutamente distintos os fundamentos


constitucionais que legitimam a propositura de ações de improbidade
administrativa por parte do Ministério Público e, de outro lado, as ações
propostas pelas pessoas jurídicas interessadas.

Desde a Constituição de 1988, o Ministério Público se notabilizou


como “instituição permanente [e] essencial à função jurisdicional do
Estado”, a qual tem ganhado cada vez mais relevo “na organização do
Estado, dado o alargamento de suas funções de proteção de direitos
indisponíveis e de interesses coletivos”, bem como devido à sua função
precípua de “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis”.
(SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 38ª
edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 605).

Em razão desses encargos institucionais voltados à defesa da ordem


jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis pertencentes a toda a coletividade brasileira (art. 127, caput,

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 323 de 338

ADI 7042 / DF

CF/88), é certo que o Ministério Público possui legitimidade


extraordinária para defender em juízo “o patrimônio público e social, do
meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (art. 129, inciso III,
CF/88).

Conforme já destaquei no Recurso Extraordinário 409.356/RO, de


minha relatoria, o Ministério Público promove ações de improbidade
administrativa para pleitear o resguardo de princípios constitucionais
relacionados ao interesse público e à proteção de direitos
fundamentais que pertencem à toda coletividade brasileira, tais como:
moralidade e eficiência administrativas (art. 37, caput, CF/88), bem como
probidade na gestão da Administração Pública (art. 37, §4°, CF/88). In
verbis (grifei):

“No plano infraconstitucional, a Lei n.º 8.429/92 confere ao


Ministério Público legitimidade para promover a ação de
improbidade, a qual possui dentre seus objetivos a reparação ao
Erário.
Em casos que tais, o parquet não age como representante
da entidade pública, e sim como substituto processual de uma
coletividade indeterminada, é dizer, a sociedade como um
todo, titular do direito à boa administração do patrimônio
público”
(RE 409.356/RO, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe
de 29/07/2020)

Em verdade, este Supremo Tribunal Federal já igualmente


reconheceu que o art. 129 da Constituição Federal confere legitimidade
extraordinária ao Parquet para cumprir suas funções institucionais de
proteção do patrimônio público, hipótese na qual “age como substituto
processual de toda a coletividade e, consequentemente, na defesa de autêntico
interesse difuso”.
(RE 208.790, Rel. Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, DJ de
15.12.2000).

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 324 de 338

ADI 7042 / DF

Diferentemente, ao propor ação de improbidade administrativa, a


pessoa jurídica interessada ostenta legitimidade ordinária - mercê de
estar defendendo em juízo a integridade de seu próprio patrimônio
lesado e a incolumidade de seu próprio erário prejudicado. Trata-se de
pessoa jurídica de direito público vítima do ato de improbidade.

Deveras, nessas hipóteses, não há qualquer pedido de tutela judicial


para resguardar direito alheio. Pelo contrário, ao ajuizarem ações de
improbidade, as pessoas jurídicas interessadas apenas estão exercendo
regularmente o seu direito fundamental de acesso à Justiça diante do
que entendem ser uma violação ou ameaça de violação aos seus direitos
subjetivos e ao dever constitucional de conservação de seu próprio
patrimônio público (art. 23, inciso I, CF/88).

Desse modo, restringir a legitimidade ativa dos entes públicos para


propor ações de improbidade seria obstar sua prerrogativa constitucional
de acessar o Poder Judiciário para pleitear a tutela de seus direitos, em
total afronta ao art. 5º, XXXV, CF/88.

Em segundo lugar, a novel previsão legislativa fragiliza


sensivelmente “o sistema de controle da Administração Pública” ao
restringir os atores legitimados para “persecução de atos atentatórios à
probidade e à moralidade administrativas”.
Nesse sentido, viola frontalmente a baliza constitucional que
incentiva a ampliação dos esforços públicos para o combate à
improbidade administrativa (art. 129, inciso IX e §1°, da CF/88).
(RE 409.356/RO, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe de
29/07/2020).

É bem verdade que – ao elencar as funções institucionais do


Ministério Público - o art. 129, inciso I, da CF/88, confere ao MP
competência privativa para promover ações penais públicas.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

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Entretanto, nas hipóteses de propositura de ações cíveis (como é o


caso da ação por improbidade), o próprio art. 129,§1°, da CF/88, é
expresso ao afirmar que: “A legitimação do Ministério Público para as ações
civis previstas neste artigo não impede a de terceiros”.

Por essa razão, ao apreciar o Recurso Extraordinário 409.356/RO, de


minha relatoria, reafirmei que a Constituição Federal de 1988 orienta a
maximização de agentes da defesa do patrimônio público e da probidade
administrativa – de modo que (grifei):

“A atuação do parquet na proteção do patrimônio público


não afasta a atuação do próprio ente público prejudicado ,
conforme prevê o art. 129, § 1º, da Constituição (...)
(RE 409.356/RO, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe
de 29/07/2020)

A bem da verdade, este Supremo Tribunal Federal – desde muito - já


entende que a propositura da ação de improbidade administrativa por
parte do Ministério Público “não impede a iniciativa do próprio ente público
na defesa de seu patrimônio”, hipótese na qual o Parquet “intervirá como fiscal
da lei, sob pena de nulidade da ação”.
(RE 208.790, Rel. Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, DJ de
15.12.2000).

Deveras, a parte final do artigo 129, inciso IX, da CF/88, reforça a


complementariedade da atuação do ente público lesado nas ações de
improbidade administrativa, porquanto veda expressamente que os
membros do Ministério Público exerçam “a representação judicial e a
consultoria jurídica de entidades públicas”.

Ao revés, os arts. 131 e 132 da Constituição Federal expressamente


destinam essas atividades e atribuições à Advocacia-Geral da União e às
Procuradorias Estaduais, em seus respectivos âmbitos.
No âmbito federal, a AGU “é a instituição que, diretamente ou através

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Voto - MIN. LUIZ FUX

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ADI 7042 / DF

de órgão vinculado” representa judicial e extrajudicialmente a Uniã, além


de prestar “atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder
Executivo” (art. 131, caput, CF/88).
Já no âmbito das unidades da federação, os membros da advocacia
pública estadual e distrital são responsáveis pela “representação judicial e a
consultoria jurídica das respectivas unidades federadas” (art. 132, caput, CF/88).

Destarte, resta clara a diretriz constitucional de complementariedade


na atuação do Ministério Público e da Advocacia Pública no combate aos
atos contrários à probidade na gestão da administração federal, estadual e
distrital e municipal, razão pela qual os fundamentos apresentados
também se aplicam plenamente à controvérsia sobre a legitimidade
ativa dos entes públicos na propositura dos acordos de não persecução
cível (art. 17- B da Lei nº 8.429/92).

Em verdade, consoante indicado na própria petição inicial (eDoc n.


1, p. 33-34), os demais dispositivos impugnados estão inseridos na mesma
cadeia lógico-normativa, ocasionado a chamada inconstitucionalidade por
arrastamento.

In casu, assentada a inconstitucionalidade da alteração legislativa


que excluiu a legitimidade ativa do ente lesado para propor ação de
improbidade administrativa em defesa de seu próprio patrimônio (art. 2°,
da Lei 14.230/2021), é consectário lógico o reconhecimento da
inconstitucionalidade do arts. 3° e 4° da mesma legislação devido à sua
relação de interdependência normativa.

Vale dizer: se a Fazenda Pública cujo patrimônio foi lesado é


legitimada ativa para propor ação de improbidade, não há se conferir
prazo para que o Ministério Público competente manifeste “interesse no
prosseguimento das ações por improbidade administrativa em curso ajuizadas
pela Fazenda Pública, inclusive em grau de recurso”, tampouco em extinguir
os processos sem resolução de mérito por inobservância do referido

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Voto - MIN. LUIZ FUX

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ADI 7042 / DF

prazo.

A conclusão, portanto, resta inequívoca no sentido de reconhecer a


legitimidade ativa concorrente para propor ações de improbidade
administrativa entre Ministério Público e pessoas jurídicas de direito
público lesadas, bem como para celebrar acordos de não persecução
cível no âmbito da improbidade administrativa.

III.
PARECER ADMINISTRATIVO E OBRIGATORIEDADE DE DEFESA
DO AGENTE PÚBLICO EM JUÍZO:

Especificamente no âmbito da ADI 7042, a requerente questiona a


redação conferida pela Lei n. 14.230/2021 ao artigo 17, §20º, da Lei de
Improbidade Administrativa, verbis (grifei):

“Art. 17 (...)
§ 20. A assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a
legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo
administrador público ficará obrigada a defendê-lo
judicialmente, caso este venha a responder ação por
improbidade administrativa, até que a decisão transite em
julgado”.

Inicialmente, destaco que a Advocacia Pública consiste em carreira


de Estado permanente e essencial para o Sistema de Justiça e para o
regime democrático, tendo em vista que (grifei):

[O conjunto de normas da Constituição Federal de 1988]


retira a moralidade da área subjetiva da intenção do agente
público e assim a desvincula da questão da mera legalidade,
para erigi-Ia em princípio constitucional objetivo, como
requisito de legitimidade da atuação dos agentes públicos, mais
do que simples requisito de validade do ato administrativo, o
que amplia os horizontes de atuação da Advocacia Pública,

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Voto - MIN. LUIZ FUX

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especialmente de seu ramo consultivo.

[A Advocacia Pública é responsável] pela plena defesa dos


direitos fundamentais da pessoa humana, e então se tem que
seus membros saíram da mera condição de servidores públicos
burocráticos, preocupados apenas com o exercício formal da
atividade administrativa de defesa dos interesses
patrimoniais da Fazenda Pública, para se tornarem peças
relevantes na plena configuração [do Estado Democrático de
Direito]
(SILVA, José Afonso da. A Advocacia Pública e o Estado
Democrático de Direito. Revista de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro, v. 230, p. 281-289, Out./Dez. 2002).

É bem verdade que este Supremo Tribunal Federal já assentou a


invalidade de normas estaduais que conferiram independência funcional
aos Procuradores de Estado. A vinculação constitucional da Advocacia
Pública ao respectivo Poder Executivo outorga-lhe uma “parcialidade
inerente às suas funções, sendo, por isso, inadequado cogitar-se independência
funcional, nos moldes da Magistratura, do Ministério Público ou da Defensoria
Pública”.
(ADI 1246, Rel. Min. Luis Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. em
11/04/2019, DJe 23-05-2019)

Entretanto, desse precedente não se extrai que a atuação


constitucional dos membros da advocacia pública federal, estadual,
distrital e municipal residiria na defesa cega e irrestrita dos atos
emanados por governos de ocasião.

Com a devida vênia, essa não é a correta interpretação do texto


constitucional, porquanto a advocacia pública representa carreira de
Estado, e não de governo. Desse modo, a sua atuação está vinculada ao
interesse público, e não às vontades privadas de chefes momentâneos do
Poder Executivo.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 329 de 338

ADI 7042 / DF

Destarte, se - por um lado - é necessário certo grau de parcialidade


na redação do parecer, por outro, o exercício da função consultiva do
advogado público não pode desbordar das balizas legais e constitucionais
a fim de chegar às conclusões que melhor atendem aos anseios
governamentais.

In casu, todavia, o dispositivo legal impugnado enfraquece o status


constitucional da advocacia pública à revelia da firme jurisprudência
deste Supremo Tribunal Federal no sentido de protegê-la durante o
exercício de sua atribuição consultiva.

Em primeiro lugar, ao apreciar o MS 24631 (Rel. Min. Joaquim


Barbosa, PLENÁRIO, j. 09/08/2007), a maioria do Pleno deste Supremo
Tribunal Federal entendeu que - ressalvadas as hipóteses de erro
grosseiro - é “abusiva a responsabilização do parecerista à luz de uma alargada
relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha
resultado” danos ao erário, razão pela qual descabe responsabilizar o
advogado público “pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente
opinativa”.

Nesse sentido, o STF estabeleceu a correta baliza jurisprudencial no


sentido de aferir as repercussões da natureza jurídico-administrativa do
parecer jurídico em questão para, então, escalonar a responsabilização do
parecerista de acordo com o grau de vinculação do gestor público à
opinião emitida pela advocacia pública, verbis (grifei):

(i) “Quando a consulta é facultativa, a autoridade não se


vincula ao parecer proferido, sendo que seu poder de decisão
não se altera pela manifestação do órgão consultivo;
(ii) Quando a consulta é obrigatória, a autoridade
administrativa se vincula a emitir o ato tal como submetido à
consultoria, com parecer favorável ou contrário, e se pretender
praticar ato de forma diversa da apresentada à consultoria,
deverá submetê-lo a novo parecer;

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 330 de 338

ADI 7042 / DF

(iii) Quando a lei estabelece a obrigação de decidir à luz


de parecer vinculante, essa manifestação jurídica deixa de ser
meramente opinativa e o administrador não poderá decidir
senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não
decidir”
(MS 24631 (Rel. Min. Joaquim Barbosa, PLENÁRIO, j.
09/08/2007).

Em segundo lugar, no MS 30892, de minha relatoria (Primeira


Turma, j. 08/06/2020), destacou-se que – por se tratar de obrigação de
meio - o grau de responsabilização adequado e proporcional do
advogado público reside na aferição da diligência e do zelo que
empreendeu à consulta jurídica formulada.

Por um lado, não se pode inviabilizar o indispensável trabalho de


consultoria técnica do advogado público. Expandir a sua
responsabilização pelas opiniões emitidas durante o exercício das
atribuições inerentes ao assessoramento jurídico do ente público seria
incentivá-lo ao medo, evitando questões controversas e fugindo de teses
inovadoras.
Por outro, o advogado público não pode ser inimputável, sob
pena de incentivar o seu descompromisso técnico com as teses
sustentadas em seus pareceres.

Não por acaso, em terceiro lugar, no AgR MS 35196, de minha


relatoria, fui unanimemente acompanhado pela Primeira Turma deste
STF ao ressaltar que, verbis (grifei):

“[O] enquadramento do fato como erro grave ou


grosseiro corresponde justamente à extensão da
responsabilidade do parecerista, vez que uma interpretação
ampliativa desses conceitos pode, no limite, tornar o advogado
solidariamente responsável pelas decisões gerenciais ou
políticas do administrador público.
(...)

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 331 de 338

ADI 7042 / DF

Devido ao caráter eminentemente técnico-jurídico da


função, a assessoria jurídica da Administração dispõe das
minutas tão somente no formato que lhes são demandadas pelo
administrador. A assimetria informacional impõe que a
responsabilidade do parecerista seja proporcional ao seu real
poder de decisão na formação do ato administrativo.
Por essa razão, o erro capaz de imputar responsabilidade
ao parecerista é o erro claro, baseado naquilo que se poderia
exigir do profissional de formação jurídica aprovado em
concurso público.
Atribuir a responsabilidade solidária ao parecerista pode
acarretar dois reveses ao funcionamento da Administração
Pública.
Em primeiro lugar, o parecerista estaria menos propenso a
trazer teses inovadoras, ainda que razoáveis, das quais poderia
advir soluções mais adequadas ao interesse público em
concreto. Em vez de viabilizar políticas públicas, o advogado
público se tornaria um mero burocrata, atando-se a
procedimentos mais longos, difíceis e custosos. Esse
engessamento não acarreta retorno em moralidade pública, mas
em ineficiência.
Em segundo lugar, a responsabilização plena dos
advogados públicos por suas opiniões jurídicas ocasionaria a
assunção, por estes, da função de administradores, em que se
tratar de cognições distintas. Dentre as atribuições da função, o
advogado público emite pareceres jurídicos ao administrador.
Trata-se de uma forma de controle interno de legalidade dos
atos administrativos, em que assessora o administrador e se
posiciona sobre a legalidade de determinado ato da
Administração Pública”.
(AgR MS 35196, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j.
em 12/11/2019).

O parecer exige dedicação do advogado público para responder


questionamentos complexos, os quais muitas vezes envolvem
conhecimentos extrajurídicos que demandam um estudo prolongado,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 332 de 338

ADI 7042 / DF

porém mediante curto espaço de tempo devido à celeridade da demanda.

Destarte, o Poder Judiciário e os órgãos de controle devem


responsabilizar o advogado público, no exercício da função consultiva, à
luz dos conhecimentos técnicos exigíveis para o pleno desempenho de
sua função e das condições disponibilizadas para a redação do parecer
(v.g. urgência da resposta vs. complexidade da demanda).

In casu, entretanto, o dispositivo legal impugnado afastou-se


consideravelmente desse delicado equilíbrio construído pela
jurisprudência do STF.

Diante da nova obrigação legal, de um lado, o parecerista poderia


sofrer possíveis retaliações políticas por parte do gestor público
contrariado pela opinião técnica emitida. De outro, o parecerista seria
desincentivado a se imiscuir em assuntos controversos, sob pena de restar
obrigado a defender o agente público em juízo, como se toda e qualquer
opinião emitida vinculasse a decisão final do gestor.

Ao revés – conforme demonstrado anteriormente - a jurisprudência


deste Supremo Tribunal Federal determina que eventual
responsabilização do advogado público por seus atos consultivos deve
ser proporcional ao seu poder decisório, a suas competências técnicas, aos
conhecimentos inerentes a sua função e até ao grau de vinculação do
gestor público em face da opinião jurídica apresentada.

Com efeito, é bem verdade que o novel dispositivo legal possui


nobres intuitos como o de (i) garantir uma defesa técnica qualificada ao
gestor público nas ações de improbidade, bem como o de (ii) evitar o
perverso fenômeno do “apagão das canetas” na administração pública –
pelo qual prolifera-se uma postura de apatia, de paralisia decisória e de
inação burocrática por parte do gestor público em face do reiterado risco
de punição.

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ADI 7042 / DF

(Cf. BINENBOJM, Gustavo; CYRINO, André. O Art. 28 da LINDB –


A cláusula geral do erro administrativo. Revista de Direito Administrativo,
Rio de Janeiro, edição especial, nov. 2018, p. 205-206)

Ocorre que – ao impor ao parecerista a OBRIGAÇÃO (e não a


faculdade) de defender judicialmente o agente público que venha a
responder ação de improbidade administrativa por ato que tenha
atestado previamente a legalidade – acaba por incentivar o “apagão das
canetas” da advocacia pública por meio de uma responsabilização
camuflada do parecerista, em franco descompasso com o art. 132 da
CF/88.

Por fim, ainda há de se perquirir a aplicação do dispositivo legal


especificamente às Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios.

Deveras, o federalismo brasileiro contemporâneo resta marcado


pela ausência de concertação na atuação legislativa e administrativa entre
União, Estados, DF e Municípios, bem como “pelo antagonismo nas
relações entre as diferentes estruturas político-institucionais integrantes
da nossa forma de organização do Estado”.
(ROCHA, Rodrigo Maia. A ‘guerra das vacinas’ e o prenúncio de um
novo capitulo do ‘federalismo de colisão’ deste tempos de pandemia. JOTA,
Brasília, 15/12/2020).

Diante desse contexto, já destaquei na ADI 4.060/SC, de minha


relatoria (PLENÁRIO, j. 25/02/2015, DJe 29/04/2015), que “a federação
brasileira ainda se revela altamente centralizada, muitas vezes beirando o
federalismo meramente nominal”, restando essencial que este Supremo
Tribunal Federal empreenda esforços para:

(i) Revitalizar a vertente descentralizadora do princípio


federativo brasileiro – abandonando leituras “excessivamente
inflacionadas das competências normativas da União” a fim de

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ADI 7042 / DF

estimular a “descoberta de novas searas normativas que possam ser


trilhadas pelos Estados, Municípios e pelo Distrito Federal”; bem
como
(ii) Estabelecer interpretações constitucionais que
privilegiem “a liberdade para que cada ente federativo faça as suas
escolhas institucionais e normativas”.

Aplicando essas balizas jurisprudenciais ao caso sub examine, extrai-


se que o dispositivo impugnado não pode ser autoaplicável às
estruturas organizacionais dos órgãos da advocacia pública estadual e
municipal, sob pena de afrontar o arranjo federalista do Estado
brasileiro.

O art. 1°, caput, o art. 18 e o art. 60, §4°, todos da CF/88, garantem a
descentralização de poderes decisórios da União em face dos demais
entes federados, assegurando-lhes autonomia para administrar, governar,
gerir e organizar seus recursos. Desse modo:

“Inexiste autorização constitucional para que a União


estabeleça normas gerais relacionadas às atribuições
institucionais dos órgãos de advocacia pública dos demais
entes federados, sob pena de afronta ao art. 18 da Constituição
Federal que reconhece a autonomia dos entes federados,
inclusive para dispor sobre seus servidores estatutários,
abrangidos, aqui, os membros da advocacia pública.
Outrossim, ao estender a todos os agentes estatais a
possibilidade de representação pela Advocacia Pública, quando
em jogo matéria de improbidade administrativa, a União não
apenas viola a Constituição Federal como onera os demais entes
federativos, os quais precisarão aparelhar suas respectivas
Procuradorias, a fim de atender a demanda excedente de
trabalho.
Por isso, cumpre aos Estados e Municípios disciplinar,
em diploma normativo próprio, eventuais situações nas quais
os órgãos da advocacia pública irão atuar na representação

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ADI 7042 / DF

judicial e/ou extrajudicial de agentes estatais, mormente


quando em jogo o resguardo ao interesse da coletividade”.
(VALE, Luís Manoel Borges do; OLIVEIRA, Rafael
Carvalho Rezende. Os impactos da reforma da Lei de
Improbidade Administrativa na advocacia pública. Revista
Síntese de Direito Administrativo, São Paulo, v. 17, n. 197, p. 29-49,
maio 2022).

IV.
DISPOSITIVO

Ex positis, CONHEÇO das ações diretas de inconstitucionalidade n°


7042 e 7043 para, no mérito, julgá-las PARCIALMENTE
PROCEDENTES, nos termos do voto proferido pelo eminente Ministro
Relator.

É como voto.

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Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 31/08/2022

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PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.042


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES
REQTE.(S) : ASSOCIACAO NACIONAL DOS PROCURADORES DOS ESTADOS E DO
DISTRITO FEDERAL - ANAPE
ADV.(A/S) : EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO (04935/DF, 30746/ES,
428274/SP) E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : FRENTE NACIONAL DE PREFEITOS
ADV.(A/S) : MARCELO PELEGRINI BARBOSA (41774/DF, 199877/SP)

Decisão: Após o voto do Ministro Alexandre de Moraes


(Relator), que julgava parcialmente procedentes os pedidos
formulados na ação direta para: (a) declarar a
inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do caput e
dos §§ 6º-A e 10-C do art. 17, assim como do caput e dos §§ 5º e
7º do art. 17-B da Lei 8.429/1992, na redação dada pela Lei
14.230/2021, de modo a restabelecer a existência de legitimidade
ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as
pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato
de improbidade administrativa e para a celebração de acordos de
não persecução civil; (b) declarar a inconstitucionalidade do § 20
do art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021; e (c)
declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 14.230/2021, e,
em consequência, declarar a constitucionalidade: (a) do § 14 do
art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021; e (b) do
art. 4º, X, da Lei 14.230/2021; e do voto do Ministro André
Mendonça, que acompanhava o voto do Relator, o julgamento foi
suspenso. Falaram: pela requerente, o Dr. Vicente Martins Prata
Braga; e, pela Procuradoria-Geral da República, o Dr. Antônio
Augusto Brandão de Aras, Procurador-Geral da República.
Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 24.8.2022.

Decisão: Após o voto do Ministro Nunes Marques, que divergia


em parte do Relator e conhecia parcialmente das ações e, na parte
conhecida, julgava-as procedentes para: 1- Assentar a
constitucionalidade dos artigos 17 e 17-B da Lei nº 8.429/92, na
redação dada pela Lei 14.230/2021, dando-lhes interpretação
conforme de maneira a reconhecer, quando existir prejuízo ao
erário, a subsistência de legitimidade ativa concorrente, entre o
Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas, para a
propositura das ações de ressarcimento e para a celebração de
acordos de não-persecução que visem exclusivamente o ressarcimento

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ao erário; 2- Declarar a constitucionalidade do art. 17, § 20, da


Lei 8.429/92, na redação dada pela Lei 14.230/2021, dando-lhe
interpretação conforme para esclarecer que a defesa do agente
público pelo órgão de assessoria jurídica apenas é obrigatória por
esta quando o ato alegadamente ímprobo estiver de acordo com o
parecer e, ademais, não for o próprio parecer inquinado de
improbidade; 3– Declarar a constitucionalidade do art. 3º, caput e
§§ 1º e 2º, da Lei 14.230/2021, dando-lhes interpretação conforme
à Constituição, para estabelecer que tal disciplina transitória
não se aplica à pretensão de ressarcimento ajuizada pela Fazenda
Pública; 4- Por fim, não conhecia das ações quanto à impugnação ao
art. 4º, X, da Lei 14.230/2021; dos votos dos Ministros Edson
Fachin, Roberto Barroso e Rosa Weber, que acompanhavam o voto do
Relator; e do voto do Ministro Dias Toffoli, que divergia em parte
do Relator e julgava procedentes em parte os pedidos, para: i)
conferir interpretação conforme à Constituição Federal ao art. 17,
caput, da Lei 8.429/1992, na redação conferida pela Lei
14.230/2021, para estabelecer que a legitimidade privativa do
Ministério Público para o ajuizamento de ações de improbidade
administrativa não afasta a legitimidade de entes públicos
deflagarem ações civis de ressarcimento ao erário; ii) conferir
interpretação conforme sem redução de texto ao § 20 do art. 17 da
Lei 8.429/1992, na redação conferida pela Lei 14.230/2021, para
estabelecer que a administração pública também fica autorizada a
representar judicialmente o agente público que responde por ação
de improbidade administrativa em razão de atos praticados no
exercício de suas atribuições, inclusive, na hipótese de ação de
ressarcimento ao erário proposta pelo ente público, com a
designação de procurador ad hoc especificamente para essa
finalidade, o julgamento foi suspenso. Presidência do Ministro
Luiz Fux. Plenário, 25.8.2022.

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente


procedentes os pedidos formulados na ação direta para: (a)
declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do
caput e dos §§ 6º-A e 10-C do art. 17, assim como do caput e dos
§§ 5º e 7º do art. 17-B, da Lei 8.429/1992, na redação dada pela
Lei 14.230/2021, de modo a restabelecer a existência de
legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério
Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da
ação por ato de improbidade administrativa e para a celebração de
acordos de não persecução civil; (b) declarar a
inconstitucionalidade parcial, com redução de texto, do § 20 do
art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, no
sentido de que não existe “obrigatoriedade de defesa judicial”;
havendo, porém, a possibilidade dos órgãos da Advocacia Pública
autorizarem a realização dessa representação judicial, por parte
da assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade
prévia dos atos administrativos praticados pelo administrador

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público, nos termos autorizados por lei específica; (c) declarar a


inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 14.230/2021; e, em
consequência, declarou a constitucionalidade: (a) do § 14 do art.
17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021; e (b) do art.
4º, X, da Lei 14.230/2021. Tudo nos termos do voto ora reajustado
do Relator, vencidos, parcialmente, os Ministros Nunes Marques,
Dias Toffoli e Gilmar Mendes, nos termos de seus votos.
Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 31.8.2022.

Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux. Presentes à sessão os


Senhores Ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen
Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin,
Alexandre de Moraes, Nunes Marques e André Mendonça.

Vice-Procurador-Geral Eleitoral, Dr. Paulo Gustavo Gonet


Branco.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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