@BibliotecaCrista - Grandes Questões Sobre SEXO

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Grandes Questões sobre 

Sexo
John Stott
Publicado com a devida autorização e todos os direitos
reservados à Vinde Comunicações.

Caixa Postal 100.084 24001-970 - Niterói - RJ Tel.: (021)


719-8770 Fax: (021) 717-9622

ISBN - 85-7271-027-2

Primeira Edição - 1993

Tradução

Sileda S. Steuernagel e Suely de Carvalho

Revisão Estilística Suely de Carvalho

Capa

Arte Clube

Editoração Eletrônica Josnei e Vera Formagio

Não é permitida a reprodução de nenhuma parte deste


livro, sob qualquer forma, sem a permissão por escrito do
editor.

Filiada à AEVB e ABEC

Impresso nas oficinas da Imprensa da Fé - SP


Prefácio
Na maioria dos seres humanos existem grandes questões
acerca da vida, da morte, do sofrimento, de  sentimentos e
também sobre sexo. A sexualidade sempre  foi e será um
tema de grande interesse, visto que é parte  da
continuidade da vida, da realização filosófica do  homem e
da mulher e do mistério da relação a dois.

Durante muito tempo esta questão foi sufocada dentro do


ser humano, por falta de um referencial que permitisse  a
exploração do assunto dentro de padrões
que harmonizassem pureza e prazer.

Em nossos dias o tema da sexualidade tem sido exposto a


vulgaridades e às distorções, gerando abusos, libertinagem
e aumentando a carência de uma explanação  séria e sadia
da questão.

Neste livro, o grande escritor e teólogo John Stott aborda


de maneira clara, profunda e bíblica algumas  das grandes
questões sobre o sexo. O feminismo é o  resultado de uma
crise sexual ou de uma opressão cultural? Até que ponto o
nosso corpo nos pertence? O  aborto é uma opção da
mulher? Às vezes o divórcio é  conseqüência da traição ou
da insatisfação? O  homossexualismo é conseqüência de
uma mente deturpada ou doente?

Muitas perguntas como estas podem ser elucidadas a partir


deste material.

É, portanto, meu privilégio recomendar a você a leitura e a


utilização deste livro como um instrumento eficiente  de
consulta de assuntos angustiantes a ele relacionados.
Boa Leitura!

Alda D Araújo

1. Grandes Questões sobre Sexo

A MULHER, O HOMEM, E DEUS

Solicitou-se a uma jovem estudante que escrevesse um


ensaio sobre a razão de haver no mundo, mais mulheres do
que homens. “Deus fez Adão em primeiro lugar” -escreveu
ela. “Quando terminou sua obra, olhou-o e ponderou: “Bem,
se tentar outra vez acredito que sairá  melhor”. Então fez
Eva e apreciou tanto mais esta segunda obra, que passou a
criar mais mulheres do que homens.

A autoconfiança feminista dessa jovem se levanta como


grande alívio contra as atitudes que têm prevalecido
ao  longo dos séculos. Não resta dúvida que em
muitas  culturas as mulheres são habitualmente
desprezadas e  rebaixadas pelos homens, sendo tratadas
como meros  brinquedos e objetos sexuais, cozinheiras,
desassalariadas,  empregadas, ou babás, todas simplórias,
desmioladas,  incapazes de participar de problemas de
discussão  racional. Seus dons têm sido depreciados, a
personalidade sufocada, a liberdade reprimida e os serviços
explorados em algumas áreas, ou rejeitados em outras.

2. O SURGIMENTO DO FEMINISMO

O testemunho da opressão da mulher tem sido


tão  freqüente e generalizado que há evidente necessidade
de  a sociedade dominadora masculina reparar esse erro.
Ao  ter a intenção de concluir um capítulo sobre este
tópico,  encontrei-me de imediato em posição muito
desfavorável.  Na verdade, minha masculinidade - alguns
dirão - é mais do que uma desvantagem inicial; constitui-se
em  total desqualificação. Eles poderão estar certos. Até
onde  os homens têm capacidade de compreender as
mulheres, ao ponto de se pronunciar com autoridade sobre
elas?  Permitam-me apresentar dois pontos como
autodefesa.  Antes de tudo tenho tentado ouvir, e
cuidadosamente, o que as feministas (tanto seculares como
cristãs) estão dizendo. Fenho também lido alguns dos seus
livros, e  lutado para compreender-lhes dores, frustrações,
ira e  rebeldia. Ao mesmo tempo - e em segundo lugar -
estou  interessado em ouvir o que diz a Escritura, tanto
sobre  este como sobre outro assunto qualquer. Este duplo
ato  de ouvir é penoso. Mas ele nos livra tanto de negar
os  ensinamentos da Escritura, imbuídos da
determinação de permanecer modernos, quanto de afirmá-
los de modo a ignorar os desafios modernos, insensíveis às
pessoas mais profundamente afetadas por eles.

O velho desprezo do mundo para com as mulheres é  bem


conhecido. Platão, que acreditava ser a alma prisioneira do
corpo libertando-se apenas para reencarnar-se, sugeriu que
seria muita falta de sorte para o homem tornar a encarnar
como mulher.1 Aristóteles,  embora respeitado como o pai
da biologia em virtude de seus dois trabalhos A História do
Animal (The History of the Animal) e Gerações de Animais
(Generations of Animais), considerava a mulher uma
espécie de  macho mutilado. Escreveu: “As mulheres são
machos  imperfeitos, produzidos acidentalmente pela ina-
dequabilidade do pai ou pela influência maligna de
um vento sul úmido” 2.
Esse chauvinismo machista cru não se limitou,
infelizmente, ao mundo pagão. Escritores judeus,
mesmo  com um conhecimento do Velho Testamento que
deveria  lhes ter proporcionado melhor compreensão,
fizeram  comentários depreciativos sobre a mulher. Josefus
afirma  que a mulher é inferior ao homem em todos os
sentidos3.  William Barclay resume assim o ponto de vista
inferior  do Talmud a respeito dela: “Na forma judaica da
oração  matinal(...) o judeu, dava graças a Deus, todas as
manhãs, por não tê-lo feito “gentio, escravo ou mulher”. Na
lei  judaica, a mulher não era uma pessoa, mas uma
coisa. Não tinha o mínimo direito legal; era posse absoluta
do marido, que poderia fazer dela o que bem entendesse. 4

É uma tragédia o fato de que alguns dos antigos pais da


Igreja, mais influenciados pelas perspectivas gregas
e  talmúdicas do que pela Escritura, tenham algumas
vezes  se referido à mulher com expressões de desdém e
desprezo.

Tertuliano, por exemplo, escreveu: “Vós sois a porta do


demônio; vós sois quem rompeu o lacre daquela  árvore
(proibida); vós sois a primeira desertora da lei  divina; vós
sois quem persuadiu aquele que o diabo não  era bastante
valente para atacar. Vós destruístes muito  facilmente a
imagem de Deus, o homem. Em virtude da vossa deserção -
isto é a morte - até mesmo o Filho de Deus teve de morrer”.
5

Este tipo de linguagem exagerada é imprópria na pena de


um seguidor de Jesus, a quem tanto se deve a libertação da
mulher em nossos dias. O deplorável é que isto não  tenha
acontecido mais cedo, e a iniciativa não haja sido  mais
explicitamente tomada em seu nome.
No decorrer deste século, felizmente, o trabalho da mulher
vem experimentando rápidas mudanças,  especialmente no
Ocidente. Ela vem sendo facilmente  emancipada de quase
todas as restrições que anteriormente lhe eram impostas.
Graças à agitação corajosa  das sufragistas, alcançou
inclusive direito a voto! Em  muitos países, pelo menos
teoricamente, têm recebido  pagamento igual por trabalho
igual. Na Bretanha, através  do Ato de 1919 -
Desqualificação de Sexo (Remoção)  (Sex
Disqualifícation (Removal) Act 1919) - foram-
lhe  virtualmente abertas todas as funções públicas,
profissões e postos civis. Na década de 1960, apenas duas
profissões  permaneciam ainda fechadas para elas: a Bolsa
de Valores  de Londres e o ministério ordenado das igrejas
históricas.  Entretanto, em 1973, a Bolsa de Valores
capitulou. Hoje apenas a ordenação - e em apenas algumas
igrejas - lhe é negada.

A medida que o movimento feminista ganhava impulso,


especialmente nos anos sessenta, o tom de voz de algumas
de suas líderes se fez mais estridente. Tome-se  como
exemplo a preletora e autora australiana Germaine  Greer.
Ela considerava seu livro A Mulher Eunuco (The  Female
Eunuch) - que a revista Newsweek chamou
de  “deslumbrante combinação de erudição,
excentricidade  e erotismo - como parte da segunda vaga
feminista”. A  primeira tinha sido a das sufragistas, mas o
movimento  delas fracassou, pois jamais tiravam vantagem
das  liberdades alcançadas. “A porta da gaiola abriu-se,
mas  o canário se recusou a voar” 6. As sufragistas se
sentiram satisfeitas com a reforma pela participação de um
sistema  político existente; Germaine Greer apelava à
revolução.  Ela escreveu um capítulo intitulado “O Mito da
Classe  Média de Amor e Casamento”, onde sugere que
as  mulheres não entrem em relacionamentos
socialmente  sancionados como o casamento e, se acaso se
sintam infelizes nele, não tenham escrúpulo de sairem fora
dele.  As mulheres são o verdadeiro proletariado, a
maioria  verdadeiramente oprimida. Devem rebelar-se e
retirar seu trabalho 7 - diz ela.

Entretanto, afirmações extremadas como esta podem ser


contraproducentes, podendo afastar aquelas
mesmas pessoas que reconhecem terem as feministas uma
causa  importante que merece ser ouvida e pesada, o que
inclui  a própria Germaine Greer. Os cristãos se
sentem  desconcertados por sua tendência à vulgaridade
de  expressão. Consideram até mesmo chocante o título
do seu primeiro livro. No entanto, não há dúvida de que ela
necessita recorrer ao choque para ser ouvida. Posto  que
aquilo contra o que se rebela é o estereótipo de “a  Eterna
Feminina”, “o objeto sexual procurado por todos  os
homens, cujo valor não está nelas mesmas, mas no  desejo
que despertam”. Ela não é uma mulher; é uma boneca, um
ídolo. Sua qualidade essencial é a condição de castrada 8.

Em outras palavras: tudo o que se requer da mulher


eunuco é a submissão assexuada aos desejos sexuais
do  homem. Não é, portanto, justo revoltar-se contra
tal degradação?

A apresentação mais persuasiva que li é a obra de Janet


Radcliffe Richards, A Feminista Cética (The
Sceptical  Feminist). Ela começa descrevendo seu livro
como “uma batalha com duas frentes” De um lado combate
a posição  que afirma não haver “justificação para
existência de um movimento feminista”, de outro diz que se
trata de uma  boa porção de dogma e prática feminista
comum” '. Ela  chama a sua tese de uma indagação
filosófica, como  convém a uma preletora em filosofia, e
desenvolve seus argumentos com lógica incisiva. Para ela o
feminismo  não é um movimento irracional pela e para a
mulher,  no qual, em cada assunto específico (ainda
que indefensável), ela se coloca ao lado da mulher e contra
o  homem. O movimento resulta, pelo contrário,
da  convicção de que “a mulher sofre de injustiça
social  sistemática, em razão do seu sexo”, sendo
este,  conseqüentemente, um movimento que visa a
eliminação da injustiça baseada no sexo” in.

Toda queixa de injustiça e todo grito por justiça deve fazer


o cristão aprumar-se e ficar atento, porque a justiça  se
preocupa com os direitos dados por Deus. Temos, portanto,
necessidade de fazer diversas perguntas: Quais  são os
direitos da mulher? Onde está situada sua  identidade
essencial, e como é ela descoberta ou destruída? De acordo
com a Escritura, qual é o “status” que Deus lhe deu, e qual
o trabalho para o qual a chamou?  Buscando resumir e
sintetizar o ensino bíblico sobre  tão delicados tópicos,
enfocarei quatro palavras cruciais  - igualdade,
complementaridade, responsabilidade e ministério.

3. IGUALDADE

É essencial começar pelo início, a saber, pelo primeiro


capítulo do Gênesis.

“Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem,


conforme a nossa semelhança; tenha ele  domínio sobre os
peixes do mar, sobre as aves dos céus,  sobre os animais
domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que
rastejam pela terra.
Criou pois Deus o homem sua imagem; à imagem de Deus o
criou; homem e mulher os criou.

E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos,


multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os
peixes do mar, sobre as aves dos céus, e sobre todo animal
que rasteja pela terra” (Gn 1:26-28).

Resumindo a resolução divina (criemos o homem... e


governem eles!), a criação divina (assim Deus criou(...)) e a
bênção divina (sede frutíferos,... enchei a terra e subjugai-
a), a ênfase parece residir sobre as três
verdades  fundamentais a respeito dos seres humanos, a
saber: que  Deus os fez (e faz) à própria imagem, fê-los (e
faz) macho e fêmea, dando-lhes a prazerosa tarefa de
se  reproduzirem, e lhes deu (e dá) domínio sobre a terra
e  suas criaturas. Assim, desde o princípio o homem
foi  macho e fêmea, e homens e mulheres eram
igualmente  beneficiários, tanto da imagem divina quanto
do domínio sobre a terra. Não há a menor alusão no texto a
ter nenhum dos sexos semelhança maior com o Criador do
que o outro. A semelhança deles com Deus, e sua mordomia
sobre a terra (que não devem ser confundidas  mesmo
estando intimamente relacionadas), foram desde  o
princípio igualmente partilhadas, já que ambos os
sexos foram criados e a ele semelhantes.

Mais do que isto. A tríplice afirmação da criação de Deus


no v. 27 não é mero paralelismo poético. Aqui
há  seguramente, ênfase deliberada que
precisamos  compreender. Afirma-se duas vezes que Deus
criou o  homem à própria imagem; na terceira vez a
referência à  imagem divina é substituída pelas palavras
“homem e mulher”. Devemos ter cuidado em não especular
além  daquilo que o texto afirma. Todavia, se ambos os
sexos  trazem a imagem de Deus (como está
rigorosamente  afirmado), então isto parece incluir não
somente nossa  humanidade (autêntica
“humanicidade”refletindo a  divindade), como também
nossa pluralidade (nossos  relacionamentos de amor,
refletindo aqueles que unem  as pessoas da Trindade), e
inclusive - pelo menos no  sentido mais amplo - nossa
sexualidade. Não creio que seria demasiado afirmar que se
Deus, ao fazer o homem à sua própria imagem o fez macho
e fêmea, então o que se conclui é que dentro do próprio ser
Deus deve haver algo que corresponda ao “feminino” tanto
quanto ao masculino .

Se é assim, estará o Conselho Nacional de Igrejas de Cristo


(EE.UU da América) justificado, ao publicar
Um  Lexionário de Linguagem Inclusiva (An Inclusive
Language Lectionary), do qual foi eliminado
todo  vocabulário “sexista” ou “exclusivista”?
Certamente  devemos aplaudir o desejo aí manifesto de
“expressar a verdade acerca de Deus e seu amor inclusivo
por todas  as pessoas”, fornecendo a ambos, leitores e
ouvintes, a  certeza de pertencerem a uma comunidade de
fé cristã  na qual todos são verdadeiramente um em
Cristo. Portanto ao traduzir “irmãos” por “irmãs e irmãos”,
e o  genérico “homem” por “ser humano” ou
“humanidade”, ao fazê-lo, esclareceram, trouxeram à luz o
verdadeiro  sentido deste. Não penso, entretanto, que eles
tivessem a  liberdade de mudar o texto bíblico com o
pretexto de  considerarem sua linguagem algumas vezes
“tendenciosamente machista ou apropriadamente
exclusiva”.

Designar Deus como “o Pai ( e a Mãe); e Jesus Cristo, como


seu “Único Filho”, é rejeitar a experiência e  instrução de
Jesus, que se dirigiu a Deus como “Aba Pai”, reconhecendo-
se como “o Filho”, e nos ensinando  a chamar Deus de
“nosso Pai no céu” 11.

Contudo, o que devemos fazer é dar pleno peso às


passagens da Escritura que se referem a Deus em
termos  femininos - e especialmente maternais - visto
ajudarem  a iluminar a natureza e a igualdade de sua
“paternidade”. No Cântico de Moisés, por exemplo, Yahveh
não é  somente “a Rocha que te gerou”, mas também “o
Deus  que te fez existir”. Esta declaração notável, na qual
ele se  revela simultaneamente Pai e Mãe de Israel,
podendo  conseqüentemente Israel ficar seguro de sua
fidelidade  perseverante. Porque embora a mãe humana
possa  esquecer o filho que ainda mama, e não ter
compaixão do filho de sue ventre, todavia Yahveh promete:
“Eu não  te esquecerei!” Pelo contrário, ele amará e
consolará  infalivelmente seu povo: assim como a mãe
conforta o  filho, ele nos confortará. Além disso, se Yahveh
se revelou  neste texto como a mãe de seu povo Israel, o
israelita  individual se sentia com liberdade de participar
deste  relacionamento. O salmista ousava mesmo comparar
a  sua tranqüila confiança em Deus à confiança da
criança alimentada ao seio. O próprio Jesus usou em certa
ocasião  a imagem feminina, comparando Deus a uma
mulher  que perdera uma moeda do mesmo modo que ao
pai  que perdera um filho. Ele mesmo, em sua
angústia  nascida da preocupação com a impenitente
Jerusalém,  semelhou-se à figura da galinha, desejosa de
ajuntar seus pintinhos sob as asas. 12

Voltando à história da criação, veremos a partir do primeiro


capítulo da Bíblia, e daí em diante, afirmada a  igualdade
fundamental dos sexos. O que é essencialmente humano em
ambos, homem e mulher, reflete a imagem  divina que
trazemos em nós, sendo igualmente chamados  para
governar a terra, e cooperar com o Criador
no desenvolvimento das suas riquezas para o bem comum.

Contudo, esta igualdade sexual primitiva foi deformada


pela queda. Parte do julgamento de Deus contra nossos
progenitores desobedientes foi sua palavra à  mulher: “O
teu desejo será para o teu marido, e ele te governará”. Em
razão disso os sexos experimentaram  certa dose de
alienação de um para com o outro. Em lugar de igualdade e
complementaridade em seu  relacionamento (o que ainda
teremos de considerar), o  que se viu acontecer foi o
governo de um sobre o outro.  Pretendia-se, desde o
princípio, que a complementaridade  sexual incluísse a
“liderança” masculina, como argumenta Paulo, mas isto se
degenerou em prepotência.

O fato é que o homem tem explorado esse julgamento de


Deus, subjugando, oprimindo brutalmente a mulher,  de
maneira jamais desejada por Deus. Vemos exemplo  disto
em muitas culturas. Lembrarei três. O primeiro foi extraído
da Autobiografia de Gandi. “Um esposo hindu se considera
senhor e dono da esposa, que deve sempre  serví-lo
solicitamente” 13. Consideremos agora o sutra 4 do Corão,
intitulado “Mulher”: “O homem tem  autoridade sobre a
mulher porque Alá fez um superior  ao outro(...) aquela da
qual você teme desobediência,  repreenda-a, mande-a para
cama separada, e espanque-a(...)” 14. Meu terceiro exemplo
vem dos esquimós.  Raymond de Coccola viveu doze anos
entre os  krangmalit, no Ártico Canadense, como
missionário  católico romano, e chegou a conhecê-los
bastante bem.  Sentiu-se chocado quando um caçador
esquimó  empregou para uma mulher uma palavra
também  aplicada a uma loba ou a uma cadela. Treinada
para  fazer toda sorte de tarefas inferiores - disse ele - a
mulher  esquimó é usada para suportar as fraquezas e os
apetites dos homens. Mas eu não podia conformar-me com
o  que parecia ser um relacionamento senhor-escravo,
que era como o caçador tratava a esposa” 15.

Estes, entretanto, são exemplos da exploração ilegal da


mulher. No Velho Testamento o esposo era certamente  o
patriarca do seu clã, e seu baal (senhor e
governador).  Todavia, suas mulheres não eram
desprezadas ou  maltratadas mas consideradas partes
integrantes da  comunidade da aliança. Basta lembrar que
“homens,  mulheres e crianças” se reuniam para ouvir a
leitura da  Tora e participar da adoração (Deuteronômio
31:12). O  casamento era tido em alta honra, como modelo
da  aliança de amor entre Yahveh e Israel; a beleza do
amor  sexual era celebrado (como no Cântico dos
Cânticos);  as qualidades da boa esposa, exaltadas (Pv 31);
mulheres  piedosas e empreendedoras como Ana, Abigail,
Noemi, Rute e Ester eram destacadas com admiração. Além
disso,  enfatizava-se constantemente o dever de cuidar das
viúvas.

Os profetas, contudo, aguardavam os dias da Nova Aliança,


quando a igualdade original dos sexos seria  reafirmada,
pois Deus derramaria seu Espírito sobre toda  carne,
inclusive sobre filhos e filhas, servos e servas. Não haveria
absolutamente desqualificação em virtude de sexo.

Veio então Jesus, na plenitude do tempo, nascido de


mulher, (G1 4:4). Embora os protestantes se
mostrem  precavidos no sentido de evitar a exagerada
veneração à  Virgem Maria por parte da Igreja Católica
Romana e Ortodoxa, é preciso no entanto evitar o extremo
oposto,  ou seja, o não honrá-la. Se o anjo Gabriel a ela se
dirigiu  como “agraciada”, e sua prima Izabel a chamou
“bem-aventurada^..) entre as mulheres”, não vamos
nos  intimidar, não nos referindo a ela nos mesmos
termos da grandeza do seu Filho.

Entretanto, não foi apenas o fato de Jesus haver nascido de


mulher que lhe trouxe de volta sua dignidade perdida com
a queda, mas a atitude de Cristo para com ela. Além  dos
apóstolos, todos homens, Jesus era acompanhado  em suas
viagens por um grupo de mulheres que havia curado, e que
lhe proviam recursos. Depois, junto ao  poço de Jacó ele
dirigiu a palavra a uma certa mulher,  que por ser
samaritana e pecadora tinha tríplice desqualificação. Ele na
verdade a envolveu numa  discussão teológica com ele. O
mesmo aconteceu com a mulher que fora apanhada em ato
de adultério; numa  atitude compreensiva e magnânima,
recusando-se a  condená-la. E mais: permitiu que uma
prostituta se  aproximasse por detrás, quando reclinado à
mesa, lhe lavasse os pés com suas lágrimas e os enxugasse
com os  cabelos. Aceitou seu amor, que interpretou como
gratidão pelo perdão que lhe concedera. Ao proceder dessa
maneira  arriscou sua reputação, e ignorou a silenciosa
indignação  do hospedeiro. Ele foi o primeiro homem a
tratar com  dignidade essa mulher, antes puro objeto para
homens lascivos e egoístas. 

Aqui ficam registradas três ocasiões nas quais Jesus recebe


mulheres pecadoras em público. Os judeus
estavam  proibidos de se dirigir a uma mulher na rua,
mesmo  que fosse esposa, filha ou irmã. Era também
proibido  ensinar a lei a uma mulher . Seria preferível que
as  palavras da lei fossem queimadas - diz o Talmude -
do  que confiadas a uma mulher. Mas Jesus quebrou
estas  regras de tradição e convencionalismo. Quando
Maria  de Betânia se assentou aos pés para ouvir-lhe
os  ensinamentos ele a elogiou, dizendo que fazia a
única  coisa necessária. E honrou outra Maria, como a
primeira  testemunha da Ressurreição. 18 Tudo isto não
teve  precedentes. Sem nenhum alvoroço ou publicidade
Jesus  encerrou a maldição da Queda, revestiu a mulher
com  sua nobreza parcialmente perdida, e reivindicou para
a  nova comunidade do reino a bênção original da
criação  da igualdade sexual. Vê-se este pensamento
claramente  na afirmação epistolar de Paulo à liberdade
cristã: “...não  pode haver judeu nem grego; nem escravo
nem liberto;  nem homem nem mulher; porque todos vós
sois um em Cristo Jesus” (G1 3:28).

Isto não significa que judeus e gregos tenham perdido suas


diferenças físicas ou distinções culturais. Eles
ainda  falavam, vestiam-se e comiam de maneira
diferente,  também não quer dizer que diferenças sociais
houvessem sido eliminadas entre escravos e livres.

A maioria dos escravos permaneciam escravos, e os livres,


livres. Não quer dizer também que o homem  perdeu sua
masculinidade, e a mulher sua feminilidade.  O que Paulo
tentou dizer é que com respeito ao nosso  estar diante de
Deus - porque estamos “em Cristo”e  gozamos
relacionamento comum com ele - tornam-se  irrelevantes
todas as distinções raciais, nacionais, sociais  e sexuais.
Pessoas de todas as raças e classes, e de ambos  os sexos
são iguais diante dele. O contexto é de justificação só pela
graça, mediante a fé apenas. O  apóstolo afirma que todos
os que pela fé estão em Cristo são igualmente aceitos, são
igualmente filhos de Deus,  sem qualquer distinção,
discriminação ou favoritismo  de raça, sexo ou classe.
Assim, com referência a tudo quanto mais tarde se venha a
dizer a respeito de papéis  sexuais, não deve haver dúvida
alguma sobre ser um dos  sexos superior ou inferior ao
outro. Perante Deus e em  Cristo “não há homem nem
mulher": somos iguais. A  igualdade sexual estabelecida
pela criação e no contexto  pervertida pela Queda, foi
recuperada pela redenção que  está em Cristo. O que a
redenção corrige é a Queda; o que recupera e estabelece é
a Criação. Homens e mulheres  são assim absolutamente
iguais em valor diante de Deus. É uma igualdade criada por
Deus, semelhante a ele,  justificada pela graça mediante a
fé e regenerada pelo  derramento do Espírito. Em outras
palavras: na nova  comunidade de Jesus não somos apenas
partilhadores  da imagem de Deus, mas também herdeiros
da sua graça  em Cristo (I Pd 3:7), e igualmente habitados
pelo seu  Espírito. Essa igualdade trinitária (nossa
participação  comum no Pai, no Filho e no Espírito Santo)
ninguém pode destruir. Muito embora cristãos e igrejas em
culturas

diferentes o tenham negado este é um fato indestrutível.

4. COMPLEMENTARIDADE

No entanto, e ao mesmo tempo, embora homens e mulheres


sejam iguais não são a mesma coisa. Não se deve confundir
igualdade com identidade. Embora  diferentes um do outro
complementamos um ao outro nas qualidades distintivas da
nossa sexualidade, tanto  psicológica como fisiológica. Este
fato forma a base dos  nossos papéis - diferentes e
apropriados na sociedade.  Como escreveu J. Yoder:
“Igualdade de valor não é identidade de papel”.
Entretanto, ao investigarmos os papéis do homem e da
mulher, devemos ter cuidado para não concordarmos  de
maneira acrítica com os estereótipos que nossa
cultura particular tem desenvolvido; muito menos imaginar
que  Moisés os trouxe do Monte Sinai, junto com os
Dez  Mandamentos. Isto constituiria séria confusão
de Escritura e convenção.

A expectativa é que as mulheres devem inserir-se num


papel pré-determinado, contra o qual as
feministas  compreensivelmente se rebelam. Afinal, quem
fixa o  molde senão o homem? Isto é o que a
psicóloga  americana Betty Friedan quer dizer por
“mística  feminina” em seu livro com o mesmo título. É a
imagem  à qual as mulheres são compelidas à
conformidade, e  que lhes tem sido imposta por uma
sociedade dominada pelo homem. “É minha tese”, escreveu
ela, “que o cerne  do ploblema das mulheres, hoje, não é
sexual, mas sim  de identidade - uma parada ou fuga de
crescimento que  é perpetuada pela mística feminina...
Nossa cultura não  permite que as mulheres aceitem ou
gratifiquem suas  necessidades básicas de crescer e
cumprir suas  potencialidades como seres humanos...20 A
maternidade  é na verdade uma vocação divina e exige
grandes sacrifícios. Mas não é a única vocação da mulher.
Há  outras formas de servir à sociedade, igualmente sérias
e altruístas, para as quais ela pode ser chamada.

Não há nada na Escritura que sugira, por exemplo, que a


mulher não deve seguir a própria carreira ou  ganhar a
vida; ou fazer todas as compras, cozinhar,  limpar, etc.
enquanto o marido permanece como  beneficiário que não
paga por seu trabalho. Ou dê a  idéia de que criar filhos é
uma área exclusivamente  feminina, que não deve ser
invadida pelo tal germânico  que restringe o território da
mulher à “Kinder, Küche  und Kirche” (criança, cozinha e
igreja) é um típico  exemplo do gritante chauvinismo
machista. A Escritura silencia sobre essa espécie de divisão
de trabalho. Acaso  faz ela referência a relações e papéis
sexuais? As duas  histórias da criação - Gênesis, 2
suplementando e  enriquecendo Gênesis, 1 - são duas
histórias que mostram a deliberada providência de Deus.

“Disse mais o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja


só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea. Havendo,
pois o Senhor Deus formado da terra todos  os animais do
campo, e todas as aves dos céus, trouxe-os ao homem para
ver como este lhes chamaria; e o nome que o homem desse
a todos os seres viventes, esse seria o  nome deles. Deu
nome o homem a todos os animais domésticos, às aves dos
céus e a todos os animais  selváticos. Para o homem,
todavia, não se achava uma  companheira que lhe fosse
idônea. Então o Senhor fez  cair pesado sono sobre o
homem, e este adormeceu; tomou uma das suas costelas e
fechou o lugar com carne.  E a costela que o Senhor Deus
tomara ao homem,  transformou-a numa mulher, e lha
trouxe” (Gn 2:1822).

O que é revelado nesta segunda história da criação é que,


embora Deus houvesse feito iguais o homem e a  mulher,
também os fez diferentes. Em Gênesis 1,  masculinidade e
feminilidade se relacionam com a  imagem de Deus,
enquanto em Gênesis 2 eles se  relacionam um ao outro,
sendo Eva tirada de Adão e trazida a ele. Gênesis 1 declara
a igualdade dos sexos; Gênesis 2 esclarece que “igualdade”
não significa  “identidade”, mas “complementaridade”
(incluindo, como logo veremos, certa liderança masculina).
É este  “igual mas diferente” que temos dificuldade em
manter.  Todavia, as duas partes não são incompatíveis;
pelo contrário: elas pertencem uma à outra.

Porque homem e mulher são iguais (por criação e em


Cristo), não pode haver dúvida quanto à inferioridade  de
um em relação ao outro. Mas pelo fato de
serem  complementares não pode haver dúvida quanto
à  identidade de um e do outro. Ademais, esta dupla
verdade  lança luz sobre os relacionamentos e os papéis
macho-fêmea. Criados por Deus com igual dignidade, o
homem  e a mulher devem respeitar-se, amar-se e servir-
se  mutuamente, sem desprezar um ao outro. Porque
foram  criados complementares, homem e mulher
devem  reconhecer suas diferenças, sem tentar eliminá-las
ou usurpar as características um do outro.

Comentando a criação especial de Eva, Mathew Henry


escreve, com singular profundidade, que ela não foi
tirada  da sua cabeça, para dominá-lo, nem dos pés, para
ser  pisada por ele, mas do seu lado, para ser sua igual;
de  sob o seu braço, para ser por ele protegida e de perto
do  seu coração, para ser amada. Talvez ele tenha
recebido  esta idéia de Pedro Lombardo, que cerca do ano
1157  AD, pouco antes de tornar-se Bispo de Paris,
escreveu  em seu Livro de Sentenças-. “Eva não foi tirada
dos pés de Adão, para ser sua escrava, nem de sua cabeça,
para ser  ele seu senhor, mas do seu lado, para ser
sua companheira”.21

E quando começamos a elaborar o sentido de


complementaridade, tentando explicar de que maneira  os
dois sexos complementam um ao outro, e a definir os traços
distintivos de masculinidade e feminilidade, que  entramos
em dificuldade. As feministas se tornam  insatisfeitas. Elas
se sentem receiosas de tentar definir  feminilidade, em
parte porque as definições são  usualmente feitas pelos
homens que têm (pelo menos muitos têm) capital investido
para assegurar uma  definição que lhes seja apropriada, e
em parte porque  muitas características sexuais, como
temos visto, não  são intrínsecas, mas estabelecidas pelas
pressões sociais. Como Janet Radcliffe Richards entende, as
feministas  consideram que “não é por natureza que as
mulheres são tão diferentes do homem, mas por artimanha”
22

Mas as diferenças sexuais permanecem inerentes, muito


embora alguns desejem abolí-las. Um autor que  tem
enfatizado a sua importância é George F. Gilder,  em seu
livro Suicídio Sexual (Sexual Suicide). “As  feministas se
referem muitas vezes(...) a seres humanos -escreve ele.
Mas eu não tenho interesse em encontrar  um sequer. Só
me interesso por homens e mulheres. 23  Pois não há seres
humanos, apenas homens e mulheres.  Quando negam sua
sexualidade divergente rejeitam as  íontes mais profundas
de identidade e amor. Cometem suicídio sexual.24 Também
alcançam sucesso em “exaltar uma excentricidade sexual -
o andrógeno”25 Geoge Gilder cita Margaret Mead, dizendo
que se qualquer sociedade  liumana(...) deseja sobreviver
deve ter um modelo de vida  humana que chegue a um
acordo com relação às  diferenças sexuais. Porque -
continua ele - as diferenças entre os sexos são o fato mais
importante da sociedade humana”. 26

5. RESPONSABILIDADE

Todos os estudantes do livro de Gênesis concordam que o


capítulo 1 ensina igualdade sexual, e o
2,  complementaridade sexual. Paulo no entanto
acrescenta  a “liderança” masculina. Ele a afirma
duplamente,  dizendo que “o marido é o cabeça da
mulher”(Ef 5:23) e, de maneira mais geral, que “Cristo é o
cabeça de todo homem, e o homem o cabeça da mulher, e
Deus o cabeça de Cristo” (I Co 11:3). Pergunta-se: como se
pode conciliar liderança com igualdade e
complementaridade sexual?

Alguns responderão imediatamente que não se pode. Por


exemplo, o Dr. Paul Jewett, no seu livro - admirável  sob
outro aspecto - intitulado: Homem como Macho
e Mulher como Fêmea (Man as Male and Woman as Fe-
male) sua tese pode ser apresentada de maneira simples. A
“parceria” original que era intenção de Deus para  homens
e mulheres foi substituída, nos dias do Velho  Testamento,
por um modelo hierárquico derivado do  meio cultural de
Israel. Mas então, com Jesus, aconteceu  algo novo: Ele
falou de mulheres, a elas se referindo  como sendo
plenamente humanas iguais ao homem, de  todas as
maneiras. A este respeito Jesus foi verdadeiramente um
revolucionário.27 Esta dialética entre o Velho Testamento e
Jesus foi incorporada em Paulo,  que ora expressou um
ponto de vista, ora outro. Como apóstolo da liberdade cristã
ele pronunciou a palavra  mais decisiva em favor da
libertação da mulher (Gálatas  3:28: “não há homem nem
mulher”); mas como antigo  rabino judeu, seguindo a
interpretação rabínica de  Gênesis, 2 pronunciou a palavra
mais decisiva em favor  da sujeição da mulher (I Coríntios,
11:3: “o homem é o  cabeça da mulher”).28 “Estas duas
perspectivas - continua o Dr. Jewett - são incompatíveis;
não há meio  satisfatório de harmonizá-lasi’ 29 Na verdade
“a  subordinação feminina” é incompatível com: (a)
as  narrativas bíblicas da criação do homem; (b) a
revelação  que nos é dada na vida de Jesus, e (c) a
afirmação fundamental de Paulo sobre a liberdade cristã (i.
e. Gálatas,  3:28). 30 Esta incongruência, conclui ele, é
devida ao fato  de que a Escritura é humana, tanto quanto
divina, e a

“percepção”do próprio Paulo tinha ‘‘limitações


históricas”. 31 Em outras palavras: Paulo enganou-se.
Ele  não apreendeu as implicações totais da própria
afirmação  de que em Cristo não há homem nem mulher.
Ele não  conheceu sua própria mente. Temos que escolher
entre  o      apóstolo da liberdade cristã e o rabino não-
reformado.  Diz o Dr. Jewett: nós preferimos de longe, o
primeiro.

Há muita coisa excelente no livro do Dr. Jewett,


cspecialmente sua exposição das atitudes e
dos  ensinamentos de Jesus. Abandonar a tarefa
da  harmonização e declarar que Paulo se mostrou dúbio
e enganado é uma deliberação de desespero. É melhor dar-
lhe crédito de consistência de pensamento. Açverdade
é que submissão não implica inferioridade, e identidades e
papéis sexuais distintos não são incompatíveis
com igualdade de valor.

Outros rejeitam o ensino de Paulo sobre liderança, basea


nd o-se no fato de ela ter sido condicionada t ulturalmente,
podendo conseqüentemente ser válida  para sua geração,
mas não obrigatória para a nossa. Faz-se às vezes a
tentativa de fortalecer o argumento cultural  mediante
referência à escravidão, porque se Paulo disse  às esposas
que fossem submissas aos esposos, disse  também aos
escravos que fossem submissos ao seu senhor.

1       l.i muito que os escravos foram libertados. Será


que  ainda não passou o tempo de também serem libertas
as  mulheres? Este paralelo entre escravos e mulheres, e
entre  abolicionismo e feminismo, foi estabelecido há
muito  tempo, em 1837, com a publicação dos livros
americanos  - “A Bíblia Contra a Escravidão”, por
Theodore Weld, e “Cartas Sobre a Igualdade dos Sexos,
por Sarah  Grimke, sua cunhada. O texto chave da
argumentação  de ambos era Gálatas, 3:28, no qual Paulo
escreve que  em Cristo, de um lado, “não há escravo nem
livre” e, do outro, “não há homem nem mulher”.

Entretanto, o argumento é falho. Porque a analogia entre


mulheres e escravos é extremamente inexata, e por  dois
motivos. Primeiro, porque as mulheres não são
bens  móveis, que se compram e vendem no mercado,
como  eram os escravos. E segundo, porque embora
Paulo  procurasse regulamentar o comportamento de
escravos  e senhores, jamais apelou à Escritura em defesa
da  escravidão, enquanto baseava seus ensinamentos sobre
a  liderança masculina na doutrina bíblica da criação.
Ele chamou a atenção dos seus leitores para a prioridade
da  criação (“Primeiro foi formado Adão, depois Eva”
I  Timóteo 2:13), o modo da criação (“o homem não
foi  feito da mulher; e, sim, a mulher do homem” I
Co,  11:8), e o propósito da criação (“o homem não foi
criado  por causa da mulher; e sim a mulher por causa
do homem” - I Coríntios 11:9).

Assim, de acordo com a Escritura, embora seja o homem


“nascido da mulher”e os sexos sejam independentes (I
Corindos ll:llf), a mulher foi feita depois  do homem, tirada
do homem e para o homem. Estes  três argumentos não
podem ser arrogantemente  descartados (como alguns
escritores têm tentado fazer),  com “exegese rabínica
tortuosa”. Pelo contrário - como demonstrou o Dr. James B.
Hurley em seu livro O  Homem e A mulher na
Perspectiva Bíblica (Man and  Woman in Bible
Perspective) -, eles estão exegeticamente  bem
fundamentados: (a) Pelo direito de primogenitura  o
primogênito herdava autoridade sobre os recursos e
as  responsabilidades da liderança, (b) Quando Eva foi
tirada  de Adão e a ele trazida ele a chamou ‘'varoa”- e o
poder  de dar nome estava ligado a controle, (c) Ela foi
criada  para ele, não como reflexão tardia nem como
brinquedo,  mas como companheira e cooperadora,
destinada a  partilhar com ele “no serviço de Deus e no
governo preservador da terra”. 13

í;, essencial notar que os três argumentos de Paulo são


(irados de Gênesis 2, não de Gênesis 3, o que significa que
eles são baseados na Criação, não na Queda. Refletindo os
fatos da nossa criação humana eles não  são afetados pelo
padrão de uma cultura transitória, visto que o que a criação
estabeleceu nenhuma cultura é capaz de destruir. O uso do
véu ou o estilo de cabelo era, na  verdade, expressão
cultural de submissão à liderança  masculina,34 mesmo
podendo ser substituído por outros  símbolos mais
apropriados ao século vinte, ainda assim  a própria
liderança tem origem na criação, não na cultura.

Como, então, interpretaremos liderança?

Alguns eruditos mostram que no grego clássico kephalê (


cabeça ) podia significar “fonte” ou
“começo”,  argumentando então a partir daí que Paulo só
queria  dizer que o homem é a ‘origem’ da mulher,
referindo-se  a prioridade de criação. Entretanto, mesmo
que fosse assim, isto não pode ser usado para contradizer a
noção  de liderança.35 Liderança implica defmitivamente
algum tipo de autoridade à qual a submissão é necessária.
Como  quando “Deus pôs todas as coisas debaixo dos seus
pés  (de Cristo) e, para ser o cabeça de todas as coisas, o
deu  à Igreja” (Efêsios 1:22). Mas devemos ter cuidado e
não  exagerar isto. É verdade que a mesma exigência
de  submissão se faz das mulheres ao marido, dos filhos
aos  pais, dos escravos ao senhor, dos cidadãos ao Estado.
É  necessário, contudo, que entre tais atitudes haja
um  denominador comum. Não posso todavia acreditar
que  alguém conceba como idênticas a submissão da
esposa  ao esposo, a das crianças, dos escravos e dos
cidadãos.  Existe na mente um relacionamento muito
diferente. Além disso, a palavra autoridade não é usada no
Novo  Testamento para descrever o papel do esposo,
nem  obediência o da mulher. Nem me parece
que  subordinação seja a palavra ideal para
descrever  submissão. Embora seja uma tradução
formalmente correta do grego hupotage, esta palavra tem
na  linguagem moderna uma conotação infeliz -
de  inferioridade, algo que lembra fila militar e
disciplina.36  Sugiro em seu lugar a palavra
“responsabilidade” que mais se adequa ao tipo de liderança
contemplada. Baseio  minha alegação não tanto na palavra
em si, mas nos  dois modelos que Paulo usa em Efésios 5
para ilustrar a  atitude da cabeça em relação ao corpo. O
primeiro, é a  atitude de Cristo para com seu corpo, a
Igreja; o segundo,  o interesse pessoal pelo bem-estar do
próprio corpo.

Primeiro: “o marido é o cabeça da mulher, como também


Cristo é o cabeça da Igreja, sendo este mesmo salvador do
corpo” (v.23). Estas últimas palavras são  reveladoras.
Cristo é o cabeça da Igreja no sentido de ser  seu
“Salvador”. Mudando a metáfora, ele amou a sua  Igreja
como esposa, “e a si mesmo se entregou por ela”  para
santificá-la e para apresentá-la a si mesmo Igreja  gloriosa,
sem mácula nem ruga” (vv 25-27). Em segundo  lugar, os
maridos devem amar sua mulher como ao  próprio corpo.
“Quem ama sua esposa, a si mesmo se  ama. Porque
ninguém jamais odiou sua própria carne, antes a alimenta e
dela cuida, como também Cristo o faz com a Igreja; porque
somos membros do seu corpo” (vv 2K-30). O mundo antigo
não pensava no relacionamento da cabeça com o corpo em
termos da neurologia  moderna, porque não tinha ainda
conhecimento do sistema nervoso central. Pensava-se que a
cabeça se integrava ao corpo e dele se nutria. Paulo ainda
fez  referência em outro lugar, a Cristo como cabeça da
Igreja,  a quem todo corpo está “bem ajustado e
consolidado”, e  “cresce” (Efésios 4:16; Colossenses 2:19).
Podemos  perceber diariamente que a liderança do esposo
sobre a esposa se refere mais a cuidado do que a controle;
mais  a responsabilidade que autoridade. Como sua
“cabeça” ele se dá a si mesmo por ela em amor como Cristo
fez  por seu corpo, a Igreja, dela cuidando assim
como  cuidamos do nosso corpo. Seu interesse não é
espezinhá-la, mas liberá-la. Assim como Cristo se deu a si
mesmo  pela Igreja, a fim de apresentá-la a si mesmo
radiante e  sem mácula, assim o esposo a si mesmo se dá
pela esposa, a fim de criar condições mediante as quais ela
possa crescer na plenitude de sua feminilidade.

Mas que é feminilidade, qualidade essa que necessita de


condições apropriadas a seu florescimento? Pode-se  acaso
definir “masculinidade” e “feminilidade'’ em termos  de
características invariáveis? Muitos eruditos o
negam,  explicando que culturas diferentes têm
arbitrariamente  atribuído qualidades diferentes,
conseqüentemente papéis diferentes ao homem e à mulher.
Margaret Mead, por exemplo, em sua obra clássica Homem
e Mulher (Male  and Female), “um estudo dos sexos num
mundo em  mudanças”, compara entre si os conceitos de
sexualidade  em sete povos do Mar do Sul, e na América
contemporânea. Mostra ali a enorme diversidade de
traços  masculinos e femininos, e a grande variação, de
cultura  para cultura, de diferenças e semelhanças,
vulnerabilidade,  obstáculos e potencialidades. Há no
entanto algumas  regularidades, esclarece ela - que
parecem retroceder, em  última análise, a distinções
fisiológicas básicas entre homem e mulher, relativas a uma
tensão existente entre  atividade e passividade, iniciativa e
resposta, potência e  receptividade. 37 Janet Radcliffe
Richards mostra-se  compreensivelmente interessada
quanto à mesma questão. Ida tem um capítulo intitulado “A
Feminista e o  feminino”, no qual pergunta: “De que tem
medo o povo,  quando se declara em guerra contra o
feminismo, sob a  alegação de que ele resultará no fato de
as mulheres cessarem de ser femininas.38 Mesmo correndo
o risco de ofender penso ser necessário encarar a descrição
do  apóstolo Pedro, referindo-se à mulher como “o sexo
mais  fraco” (I Pd 3:7). Sem dúvida nenhuma
reconhecemos  que as mulheres podem ser extremamente
fortes. Em algumas culturas elas são responsáveis inclusive
por todas as tarefas manuais pesadas, revelando-se capazes
de  admiráveis façanhas de resistência física. Lembremos
as  Amazonas, as guerreiras da mitologia grega... No
entanto,  mesmo uma ardente feminista como Janet
Richards se vê obrigada a concordar que “presumivelmente
as  mulheres, em algum sentido, tenderão a ser mais
fracas  que os homens”.39 E Margaret Mead escreve: Em
toda a sociedade os homens são geralmente maiores do que
as  mulheres, e mais fortes que elas. 40 A razão pela
qual  nos sentimos um tanto embaraçados em fazer
tal  afirmação é o fato de não ser a “fraqueza” uma
qualidade  que os ocidentais do século vinte normalmente
admiram. É que temos absorvido algo da filosofia do poder
de  Nietzsche... Como conseqüência, temos a tendência
de  desprezar a fraqueza. No entanto Pedro nos diz que
ela  deve ser honrada. Além disto, o reconhecimento de
que  a mulher é “mais fraca”não é incompatível com a
outra  afirmação do apóstolo no mesmo versículo -, de que
ela  e o esposo são igualmente “herdeiros do dom
gracioso da vida [eterna].

Sob a rubrica de “fraqueza” talvez devamos incluir certos


traços caracteristicamente femininos, como a  gentileza, a
ternura, a sensibilidade, a paciência e a  devoção. São
plantas delicadas que irracionalmente  esmagamos sob os
pés, e que murcham e morrem se o  clima é adverso. Não
posso considerar como ofensiva  para as mulheres a
afirmação de que a liderança masculina  é meio dado por
Deus, pelo qual a sua feminilidade é protegida e habilitada
a florescer. É evidente que o  homem necessita da mulher
(não é bom que o homem esteja só), mas também a mulher
necessita do homem. A verdadeira liderança masculina não
tem a intenção de sufocá-la, mas servir a ela e garantir que
ela seja e possa tornar-se mais plenamente ela mesma.

O grito sincero da feminista é pela “liberação”. Ela se sente


inibida pela ameaça do domínio masculino, a  possibilidade
de o homem descobrir sua verdadeira  identidade. Letha
Scanzoni e Nancy Hardesty, por  exemplo - que seguem o
Dr. Paul Jewett no seu tratamento do material bíblico - logo
no início do seu  livro intitulado Tudo o que Tencionas Ser
(All We’re  Meant To Be) dizem: “A mulher cristã liberta é
livre  para se conhecer, para ser ela mesma e desenvolver-
se em  sua própria maneira especial, usando criativamente
e ao  máximo seu intelecto e seus talentos”. Lá pelo final
eles escrevem: “Quais são as questões básicas da liberação
da  mulher? Deseja ela tornar-se homem? Não! O que
ela  almeja é simplesmente ser pessoa humana
plena,  completa; livre para oferecer ao mundo tudo o que
sua mente e personalidade individual tem para oferecer. 41

O desejo firme e ardente de autoconhecimento, a aspiração


de simplesmente desenvolver-se e usar seus dons  no
serviço ao mundo é tão obviamente a vontade de  Deus em
relação a ela, que negar-lhe isso ou frustrá-la é  terrível
opressão. É direito básico da mulher, e  responsabilidade
sua descobrir-se a si mesma, desvendar  sua identidade e
sua vocação. A questão fundamental  reside nesta
indagação: em que relacionamento com o homem a mulher
se encontrará e será ela mesma?  Certamente não será
mediante uma subordinação que implique inferioridade em
relação ao homem ou produza  auto estima inferior. Letha
Scanzoni e Nancy Hardsty insistem em sua necessidade de
“um companheirismo  plenamente igual". Igualdade e
companheirismo entre  os sexos são realmente princípios
bíblicos muito  saudáveis. Contudo não o serão, se
pressionados no sentido de negar a liderança masculina de
cuidado  protetor. É, sem dúvida, realmente a idéia de
uma  liderança deformada de domínio o que tem
convencido as mulheres a respeito da impossibilidade de se
acharem  a si mesmas desta maneira. Somente o ideal
bíblico de  liderança amoravelmente altruísta pode, com
justiça, ser  chamado de semelhante a Cristo. Somente Ele
poderá  convencer a mulher de que irá facilitar, e não
destruir sua verdadeira identidade.

Aplicar-se-á esta verdade exclusivamente à mulher casada,


cujo cabeça protetor é o esposo? Mas que dizer da solteira?
Provavelmente a razão de esta questão não ser diretamente
tratada na Escritura é o fato de, naqueles dias, as mulheres
não casadas permanecerem sob o cuidado protetor do pai,
assim como as casadas sob o  do marido. No entanto, é
muito comum hoje, pelo menos  no ocidente, a mulher não
casada abandonar o lar dos  pais a fim de se estabelecer,
em sua própria casa,  independente. Não vejo razão para
oposição a isso. Penso, contudo, que não é natural a mulher
isolar-se  completamente do homem, posto que homem e
mulher  necessitam um do outro. O pleno florescimento de
sua feminilidade certamente se daria num outro contexto -
ou no trabalho, ou na igreja (no caso de ser cristã), quando
poderia então contar com o cuidado de um  homem. Se é
verdade que não é bom que o homem  esteja só, sem a
companhia feminina, também não é  bom que a mulher
esteja só, sem a liderança masculina.
6. MINISTÉRIO

O chamamento da mulher para o ministério é um fato que


dificilmente necessitará de demonstração.  “Ministério é
serviço” (diakonia), e todo cristão -homem e mulher,
jovem e velho - é chamado para seguir as pegadas daquele
que não veio ser servido, mas para  servir (Mc 10:45). A
única questão sobre a qual refletir é  a forma que deve
assumir seu ministério, e se deve colocar  limites a ele;
também se a mulher deve ser ordenada.

A Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa Oriental não


têm mulheres no ministério; eles adotam uma posição firme
contra este desenvolvimento. Muito  embora enfrentando
sérias divergências, muitas igrejas  luteranas as têm no
ministério. Na Escandinávia, por  exemplo. A Igreja
Reformada da França em 1965 aceitou  mulheres no
ministério, e no ano seguinte o mesmo  aconteceu à Igreja
da Escócia. Entre as Igrejas Livres  Britânicas, desde 1917
as Congregassionais têm tido  ministério feminino,
enquanto os Metodistas e Batistas  vêm só recentemente
seguindo seu exemplo. Na Igreja  Anglicana o padrão é
irregular. O Bispo R. O. Hall, de Hong Kong, foi o primeiro
a ordenar uma mulher para o ministério (isto é: presbítera).
Isto aconteceu em 1944. Em 1968, a Conferência Lambeth
(de bispos anglicanos)  declarou que “os argumentos
teológicos apresentados a  favor e contra a ordenação de
mulheres para o sacerdócio são inconclusivos”. Entretanto,
em 1975 o Sínodo Geral da Igreja da Inglaterra expressou o
ponto de vista segundo  o qual “não há objeções
fundamentais à ordenação de mulheres para o sacerdócio” -
muito embora nenhuma mulher tenha ainda sido ordenada
pela Igreja da Iglaterra. Então, na Conferência Lambeth, de
1978, os bispos  reconheceram que algumas províncias
Anglicanas  tinham agora mulheres clérigas. Concordaram
então em  respeitar a disciplina uns dos outros nesta
matéria. Contudo, o que prevalece é uma profunda divisão -
em  parte teológica, em parte ecumênica. A razão é o
possível  dano que a ordenação de mulheres provocará
nos  relacionamentos anglicanos com a Igreja
Católica  Romana e a Igreja Ortodoxa. Um grupo
apreciável  rompeu com a Igreja Episcopal Americana em
razão deste assunto, e divisão semelhante ameaça a Igreja
da  Iglaterra, caso haja ordenação de mulheres.
Entretanto,  no que se refere a outras esferas, como
exemplo o de  diaconisa e missionária pioneira, a mulher
tem notável registro de serviço eficaz e dedicado.

Alguns cristãos imbuídos do desejo de pensar e agir


biblicamente dirão que é inadmissível a ordenação
de  mulheres. Não só eram homens todos os apóstolos
e  presbíteros no tempo do Novo Testamento, como
as  instruções específicas de que as mulheres
devem  “permanecer caladas na igreja” e “não ensinar ou
ter autoridade sobre os homens”,42 encerra a matéria.

Entretanto, este é apenas um lado do argumento; do outro


lado, uma forte alegação bíblica pode ser formulada  em
favor da ativa liderança feminina na igreja, inclusive  no
ensino e no ministério. No Velho Testamento
havia  profetisas tanto quanto profetas, as quais eram
chamadas  e enviadas por Deus para serem portadoras da
sua Palavra. Mulheres como Hulda, no tempo do rei Josias.
Antes  dela Míriam, irmã de Moisés, foi descrita
como  “profetisa”, enquanto Débora foi mais: ela
“julgou”  também Israel por alguns anos, resolvendo suas
disputas  e conduzindo-os à batalha contra os cananitas. 43
No  Novo Testamento, embora na verdade Jesus não
tenha  tido nenhuma mulher no apostolado, foi à mulher
que  ele primeiro se revelou depois da Ressurreição,
tendo confiado a ela as boas-novas da sua vitória. 44 O livro
de  Atos e as Epístolas, por sua vez, contém muitas
referências  a mulheres que falavam e mulheres que
trabalhavam. As  quatro filhas não casadas de Felipe, o
evangelista, tinham  o dom de profecia. Paulo, por seu
turno, se refere às mulheres que oravam e profetizavam na
igreja de Corinto. Parece que ele permaneceu várias vezes
em companhia de Aquila e Priscila (“meus cooperadores em
Cristo”,  como os chamava). Priscila era evidentemente
ativa no  trabalho de Cristo, em seu companheirismo
conjugal. Por duas vezes é mencionada antes do marido. Os
dois  convidam Apoio a sua casa, a fim de instruí-lo
mais precisamente acerca do caminho.45 Parece que Paulo
teve  mulheres auxiliadoras em sua companhia, assim
como  Jesus. É expressivo o número de mulheres que
menciona  em suas cartas. Eudócia e Síntique, em Filipos,
são por  ele descritas como “cooperadoras” (termo que
também  emprega para homens como Timóteo e Tito)
combatentes  ao seu lado “na causa do evangelho”. Em
Romanos 16  ele se refere aproximadamente a oito
mulheres,  começando pela irmã Febe, serva (e talvez
diaconisa) da  igreja de Cencréia, “protetora de muitos”,
inclusive dele  próprio. Envia então saudações a Maria,
Trifena, Trifosa, e Pérsis (entre outras), as quais - diz ele -
trabalharam “duro” ou “muito duro” no serviço do Senhor.
46

E verdade que todos os exemplos bíblicos do parágrafo


anterior são de ministério de mulheres que eram
ou  “carismáticas” (e.g.profetisas), ou informais, ou
privadas  (e.g. Priscila ensinando a Apoio em sua casa),
sendo que  nenhum foi “institucional”(e.g. presbíteras). Se
Deus não  viu nenhum obstáculo que impedisse a vocação
da  mulher para o papel de ensinar, permanece sobre a
Igreja  o peso de reduzir provas que mostrem que as
mulheres  não devem ser apontadas para o exercício de
responsabilidades semelhantes.

Entretanto, além das referências específicas feitas acima


há mais uma a corroborar com o ministério
da  mulher(inclusive liderança e ensino). E que, no dia
do  Pentecoste, em cumprimento da profecia Deus
derramou  do seu Espírito sobre “toda carne” - inclusive
“filhos e  filhas” e “servos, homens e mulheres”. Se o
próprio Espírito  foi dado a todos os cristãos, de ambos os
sexos, também  (oram concedidos os dons que dele
procedem. Não há  evidência, nem sequer insinuação, de
que os carismas se  restringiam ao homem. Pelo contrário,
os dons do  Espírito foram distribuídos entre todos, para o
bem  comum, tornando possível o que é muitas vezes
chamado  de “ministério de todo membro do Corpo de
Cristo” 47.

Devemos concluir que Cristo não apenas concedeu dons


(inclusive os de ensinar) à mulher, mas paralelamente com
os dons, chamou-a a desenvolver e exercitar esses dons em
seu serviço e no serviço aos outros, para a  edificação do
seu Corpo.

Até aqui, tudo claro. Mas, voltemos agora à dupla ordem


dada a mulheres para permanecerem em silêncio  nas
assembléias públicas. Como tratar esses textos? Têm-se
feito tentativas no sentido de restringir sua aplicação  às
circunstâncias locais particulares. Certamente o  contexto
de I Coríntios 14 é a edificação da Igreja (e.g. vs. 3fs e 26).
Daí a exigência de que “tudo seja feito com  decência e
ordem”(v.40).

Portanto, é bem possível, conforme sugerem alguns


comentadores, que assim como os que falavam em
línguas  deviam permanecer calados na igreja caso não
houvesse  intérprete (v.28), e o profeta precisava parar de
falar se  uma revelação fosse dada a algum outro (v.30),
também  mulheres tagarelas deviam “permanecer
silenciosas na  igreja”. Se tivessem perguntas, que as
fizessem ao marido,  em casa (v.34f). Porque (e este era o
princípio que  governava o comportamento público na
igreja) Deus  não é de confusão mas de paz (v.33)48. Será
difícil  interpretar como proibição qualquer fala de mulher
na  igreja. Basta lembrar que Paulo se referiu
anteriormente  às profetisas (11:5), e aqui permite a cada
um que  contribuía com salmo, doutrina, revelação, língua
ou  interpretação (v.26), sem limitar essa oportunidade
ao homem.

Não acho que tenha sido bem sucedida a tentativa de uns


de entender I Timóteo 2:11, em alusão a algum movimento
feminista particular herético.4y A instrução  do apóstolo foi
bem geral: “A mulher aprenda em silêncio  com toda
sujeição.”

O que me impressiona a respeito destas sentenças (e sobre


I Coríntios 14:34) - o que aliás não tem
sido  suficientemente considerado pelos comentadores - é
o  fato de Paulo expressar duas antíteses: a primeira
entre  “aprender caladas” ou “em silêncio” e “ensinar”, e
a  segunda entre “toda submissão” e ‘autoridade”. A
última,  ponto substancial, confirma o ensino constante de
Paulo sobre a submissão da mulher à liderança masculina e
se  acha firmemente radicado na descrição bíblica da
criação (porque Adão foi criado primeiro, depois Eva). Mas
a  outra instrução (a exigência de silêncio e a proibição
de  ensinar), a despeito da referência polêmica ao fato
de  que Eva foi “enganada”, não Adão, parece ser
uma  expressão da sídrome submissão-autoridade, em
lugar  de adição a ela. Não parece haver nada inerente à
nossa  sexualidade distintiva que torne
universalmente  impróprio a mulher ensinar ao homem.
Assim, é  porventura possível (embora a exigência de
“submissão” seja de validade permanente e universal visto
estar  radicada na criação) que a exigência de “silêncio”,
bem  como a de “cobrir a cabeça” (I Coríntios 11) tenha
sido  uma aplicação cultural do primeiro século? É
possível, então, que a experiência do silêncio feminino não
tenha  sido uma proibição absoluta de as mulheres
ensinarem  aos homens, mas proibição de algum tipo de
ensino que  possa infrigir o princípio da liderança
masculina.

Minha resposta provisória às minhas próprias perguntas é


afirmativa. Eu creio que há situações nas  quais é
perfeitamente apropriado à mulher ensinar ao  homem,
visto que ao fazê-lo ela não está usurpando uma autoridade
indevida sobre ele. Para isso três condições  precisam ser
cumpridas, relativamente ao conteúdo, ao  contexto e ao
estilo do ensino.

Primeiro, o conteúdo. Jesus escolheu indicou e inspirou


seus apóstolos como mestres infalíveis da sua  Igreja. E
todos eram presumivelmente homens, portanto,  seus
ensinamentos fundamentais requeriam alto grau
de  autoridade. A situação hoje é inteiramente diferente.
Há  muito o Cânon da Escritura foi encerrado, e não
há  apóstolos na Igreja. Na verdade a função primária
dos  mestres cristãos é “guardar o depósito'’ da
doutrina  apostólica no Novo Testamento e a expor.
Portanto, eles  não reivindicam autoridade própria, mas se
colocam a  si mesmos e seus ensinos sob a autoridade da
Escritura.

Sendo assim, não podem as mulheres ser contadas entre


eles?

Em segundo lugar há o contexto do ensino, que deve ser


entregue à equipe ministerial na igreja local. Quer  direta
ou indiretamente, Paulo indicou “presbíteros”  (plural) em
todas as igrejas.50 Muitas igrejas locais em  nossos dias
estão se arrependendo do ministério não  bíblico de um só
homem, e voltando ao modelo sadio de supervisão pastoral
pluralista. Os membros de uma equipe podem capitalizar a
soma total de seus dons, e  nela deve haver seguramente
uma mulher, ou mulheres. Mas, mantendo o ensino bíblico
da liderança masculina, penso que um homem deve liderar
a equipe. A prática da '‘transposição culturafiprocura vestir
a essência  imutável da revelação com roupagem cultural
nova e  apropriada. No primeiro século, a liderança
masculina  se expressava na exigência de as mulheres
cobrirem a  cabeça, e na proibição de ensinarem aos
homens. Não poderá ser isto expresso hoje, de maneira que
seja tanto fiel à Escritura quanto relevante ao século vinte,
em  termos de participação feminina na equipe de
ministros  da qual os homens sejam líderes? O conceito de
equipe  deve também cuidar do problema da
disciplina  eclesiástica. Diz-se, acertadamente, que
disciplina envolve  autoridade, não devendo, portanto, ser
exercida por  mulheres. Mas, então, não pode ser também
exercida  por um homem exclusivamente. A disciplina
(especialmente na forma extrema de exclusão da
comunhão)  deve, preferencialmente, ser aplicada por toda
a  membresia da igreja local, e antes que decisão
definitiva  seja alcançada por uma equipe de líderes ou
presbíteros juntos.51

A terceira condição da aceitação do ensino pela mulher diz


respeito ao estilo: Os mestres cristãos não devem
ser  valentões, sejam homens ou mulheres. Sua
humildade  deve manifestar-se tanto na submissão à
autoridade da Escritura quanto em seu espírito de modéstia
pessoal. Jesus advertiu os apóstolos contra a imitação, quer
do  autoritarismo cheio de vanglória dos fariseus, quer
da  fome dos senhores do governo secular.52 E o
apóstolo  Pedro, sensível à tentação de orgulho que todo
líder  cristão enfrenta, exorta os companheiros de
presbiterato  a colocarem o avental da humildade, não
como  dominadores dos que foram confiados aos seus
cuidados  pastorais, mas tornando-se modelo do rebanho
de  Cristo.53 Estas instruções aos homens seriam ainda
mais  claramente exemplificadas nas mulheres que
atingiram  sua identidade feminina e não estão tentando
ser, creio eu, homens.

Então, parece biblicamente permissível que as mulheres


ensinem aos homens, desde que o conteúdo do ensino seja
bíblico, seu contexto uma equipe, e seu estilo  humilde.
Porque, em tal situação,elas estarão exercitando seus dons
sem reivindicar uma “liderança”que não lhes pertence.

Quer dizer então que as mulheres não devem ser


ordenadas? A dificuldade que tenho em dar resposta
direta a esta pergunta se deve às camadas de confusão que
a têm envolvido. Que é “ordenação”? E para que espécie de
“ministério” ela se torna a porta? Os cristãos de convicção
católica tendem a dizer que as mulheres não  podem ser
“sacerdotisas”. Mas desde que eu não creia  que o
ministério pastoral é “sacerdotal” no sentido  “católico”,
este problema deixa de ser meu. Os cristãos  de convicção
reformada tendem a ver o presbiterato como um ofício fixo
que envolve necessariamente ambos,  ensino autorizado e
exercício de disciplina - não aberto,  conseqüentemente, às
mulheres. Mas é duvidoso se o Novo Testamento nos dá um
projeto rígido de ministério em que todos os pastores sejam
“presbíteros docentes”,  de acordo com o modelo
Reformado.

Supondo que a supervisão contemplada no Novo


Testamento não seja sacerdotal no sentido “católico”,  mas
pastoral; e supondo que não seja também necessariamente
presbiterial no sentido Reformado fixo  de autoridade e
disciplina, porém mais fluido, modesto  e variado,
oferecendo tipos e graus diferentes de  ministérios; e
supondo que a ordenação envolva o  reconhecimento
público de dons dados por Deus,  juntamente com a
autorização pública para seu exercício numa equipe, devem
o ministério e a ordenaçao  concebidos nestes termos, ser
negados às mulheres? Não  posso ver por quê. E verdade
que os pastores de igreja local são descritos como “acima”
da congregação no  Senhor, e se diz que as congregações
devem “obedecer a seus líderes e à autoridade”.54 Se todo
ministério cristão ordenado tem inevitavelmente este sabor
de autoridade  e disciplina, penso ser ele exclusivamente
destinado a  homens. Mas se há circunstâncias nas quais o
cuidado  pastoral do povo é um ministério muito mais
modesto,  e o estilo para seu exercício é modesto, então
nenhum  princípio bíblico é infringido se as mulheres
dele  participarem. Espero que esteja claro que a questão
fundamental perante a igreja não é nem “sacerdócio”,
nem  “ordenação”, mas o grau de autoridade
necessariamente  inerente ao presbiterato. O problema
prático, pelo menos da perspectiva anglicana, é se a mulher
deve ou não ser ordenada para o presbiterato. E que então
seu ministério seja restringido pela licença à membresia de
uma equipe  pastoral. Não penso ainda ser biblicamente
apropriado à mulher tornar-se Reitora ou Bispo.

Concluo com algumas observações fundamentais: Se Deus


dota as mulheres de dons espirituais (Ele o faz), e as chama
para exercitarem seus dons para o bem comum (Ele o faz),
então a igreja deve reconhecer os dons e o  chamado de
Deus estabelecendo esferas apropriadas de  serviço a elas
acessíveis - bem como "ordená-las (isto é, comissioná-las e
autorizá-las) para o exercício do ministério dado por Deus,
pelo menos na base de  situações de equipe. Nossas
doutrinas bíblicas da criação  e redenção nos dizem que
Deus deseja que o povo por  Ele dotado se sinta realizado,
nunca frustrado, e sua  Igreja seja enriquecida através de
seu serviço.

Notas Bibliográficas

1    • Platão, Timeus, Loeb Classical Library, trad. R. G.

Bury Heinemann, 1929, pág. 249, parág. 91a.

2    • Aristóteles, The Generation of Animals, II, iii Loeb

Classical Library, trad A. L. Peck (Londres, Heinemann,


1943), pág. 175

3    • Josephus, Against Apion ou On The Antiquity of

the Jews, Livro II, para 201, Loeb Classical Library, trad. H.
St. J. Thackeray (Heinemann, 1926), pág.373.  4* William
Barclay, Ephesians,Daily Study Bible (St.  Andrews Press)
págs, 199ff.

5    • Tertuliano, On the Apparel of Women, Livro 1,

Capítulo 1, The Ante - Nicene Fathers, Vol. IV Grand


Rapids, Eerdmans, republicado em 1982), pág. 14.

6    • Germaine Greer, The Female Eunuch, (Paladin,

1971), pág. 12

7    • Ibid., págs. 18,22

8    • Ibid., págs. 59-60

9* Janet Radcliffe Richards, The Sceptical Feminist, a


philosophical Enquiry (1980; Penquin, 1982), pág. 11.

10'Ibid., págs, 13-14,16.

11 • An Inclusive Language Lectionary: Readings For Year


A (Cooperative Publication Association, 1983).

As citações são do Prefacio e da Introdução.

12-Dt 32:18 cf. Is 42:14; Is 49:15; 66:13; SI 131: Iff, Lc


15:8ff; Mt 23:37.

13    • Gandhi: An Autobiography (1949); Jonathan Cape,

1966), págs. 360f.

14    "The Koran, traduzido por N. J. Dawood (Penguin,

1966), págs. 360f.


15    • Raymond de Coccola, Ayorama (1955; Paper Jacks,

Ontario, 1973), pág.212.

16    «Lc 1:28,42.

17    • Lc 8:Iff; Jo 20:10ff;Jo 8:Iff; Lc 7:36ff

18'Lc 10:38ff; Jo 20:11 ff; John Venham argumenta


convincentemente em Easter Enigma  (Paternoster, 1984)
que Maria de Betânia era, de  fato, Maria Madalena
(págs.22,23).

19'Jonh Howard Yoder, The Politics of Jesus (Eardmans,


1972) pág. 177, rodapé 23.

20    • Betty Friedan, The Femine Mystique (Pelican, 1963),

pág. 68.

21    • Leslie F. Church, ed. Matthew Henry’s Commen

tary (1708; Marshall Morgan & Scott, 1960), pág.7. 22*


The Sceptical Feminist, pág.65.

23'George F. Gilder, Sexual Suicide (1973; Bantam, 1975),


pág.v.

24    • Ibid, pág.46

25    • Ibid. pág. 246.

26    • Ibid. pág. 63.

27    • Paul K. Jewett, Man as Male and Female

(Eardmans. 1975), pág. 68.


28    • Ibid. pág. 86.

29    • Ibid. pág. 112.

30    • Ibid. pág. 134.

31    • Ibid. pág. 138.

32* Ver Discovering An Evangelical Heritage, por Donald W


Dayton (Harper & Row, 1976). Em seu  capítulo intitulado
“As Raízes Evangélicas do  Feminismo” (pág.85-98), o Dr.
Dayton traça as  raizes do movimento feminista americano
até os  reavivamentos de Charles G. Finney, cujo
Oberlin College se tornou o primeiro colégio co-educacional
do mundo” (pág.88).

33    ‘James B. Hurley, Man and Woman in Biblical

Perspective, um estudo do papel dos relacionamentos e


autoridade (IVP, 1981) págs, 206214.

34    «James B. Hurley nos dá um estudo completo sobre

os “véus”. Ele mostra que o Velho Testamento não contém


lei alguma sobre o uso do véu, e o costume hebreu e greco-
romano era estar a mulher  normalmente sem véu. Em
ambas as culturas  também era comum às mulherés
erguerem o  cabelo: cabelos soltos ou pendurados eram
sinal

de tristeza ou de separação da comunidade (e.g.,por lepra,


votos de nazireu ou suspeita de adultério).  O Dr. Hurley
argumenta, entretanto, que o  “cobrir” e o “descobrir” que
Paulo menciona se refere ao levantar e abaixar os cabelos.
A NIV (New  Internacional Version) também na margem
adota  esta interpretação (ibid, págs.45-47; 66-68, 162-
171, 178-9 e 254-71).

35    • O argumento “origem” é aparentemente derivado

de artigo de S. Bedale, “The Meaning of Kephale in Pauline


Epistles” (Journal of Theological Studies, 5, 1954). tem sido
erroneamente pensado  como negando os elementos de
“autoridade”. Ver  James B. Hurley, op. cit. pág. 164
(rodapé).

36    • Stephen B. Clark opta por esta palavra em sua

magistral pesquisa Man and Woman in Christ, um exame


dos papéis do homem e da mulher à luz da Escritura e das
ciências sociais (Servant  Bocks, 1980), págs. 23-45. A
despeito da sua  distinção entre subordinação “coerciva”
“mercenária” “voluntária”, mantenho-me pouco à  vontade
com a palavra.

37»Margaret Mead, Male and Female (1949; Penguin, 1962), e.g.págs.41,71,86


e 192ff. Considera também  o ensino Chinês muito antigo sobre o
equilíbrio entre Yin (princípio feminino ou passivo) e Yang (masculino ou ativo).
Stephen B. Clark resume as  conclusões da psicologia e da antropologia
nas diferenças entre os sexos (obra cit, págs. 371-465).

38» The Sceptical Feminist, pág. 192).

39 • Ibid., pág. 175.

40*Male and Female, pág.88.

41 • Letha Scanzoni e Nancy Hardesty, All We re Meant To


Be, uma abordagem bíblica à libertação  feminina (Word,
1974), págs. 12 e 206.
42*1 Co 14:34; I Tm 2:12.

43*11 Rs 22:11 ff; II Cr 34:19ff; Ex 15:20; Jz 4 e 5.

44 *Jo 20:10ff; Mt 28:8ff.

45* At 21:9; I Co ll:5cf.Jl 2:28; At 2:17, At 18:26.

46*Fp 4:2ff; Rm 16:1 ff.

47* At 2.T7ff; I Co 12:4ff.

48*Em interessante artigo intitulado “Pandemônio e


Silêncio em Corinto”, em The Reformed Journal, vol. 28 n°
6 (Junho 1978), Richard e Catherine  Clark Kroeger
mostram que a antiga Corinto era  um centro bem
conhecido do culto de Baco  (Dionísio), que incluía gritaria
frenética,  especialmente de parte das mulheres.
Sugerem,  portanto, que Paulo fazia um apelo em favor
do  auto-controle no culto, e que o laleio que
proibia  (palavra onomatopaica) era ou a gritaria
insensata de “alala”, ou o balbucio mexerico.

de 1980), Richard e Catherine Clark Kroeger se referem de


maneira geral à ênfase nas Epístolas  Pastorais na
necessidade de “silenciar”heréticos  (e.g.Tt 1:10) e, em
particular, os sistemas gnósticos  posteriores que
“baseavam sua gnose em revelação  especial dada a uma
mulher”, notavelmente Eva.  Ela foi a primeira a comer da
árvore do  conhecimento (gnose), e também
(pensavam  alguns) desfrutara de existência prévia. Tinha,
pois, duas qualificações para instruir Adão. Se tal heresia já
era correspondente (o que é especulativo), a insistência de
Paulo em afirmar que Adão foi criado  primeiro e Eva
enganada (não iluminada)  primeiro, teria certamente
assumido significação  extra. Outros comentadores
argumentam que o  forte verbo authenteo (único aqui no
Novo  Testamento, e significa dominar) foi algumas
vezes usado com conotação sexual, e o que Paulo proíbe é a
sedução de homens, indubitavelmente comum  na
prostituição do templo de Éfeso. Mas isto é, na  melhor
hipótese, especulativo, e a ordem de  “silêncio” pareceria
um meio estranhamente sinuoso de proibir tais práticas.

50    • e.g. At 14:23; 20:17; Fp 1:1; Tt 1:5.

51    -e.g. Mt 18:17; I Co 5:4f; Hb 13:17.

52-Mt 23:lff e Mc 10:42ff.

53* I Pd 5:1 ff.

54- I Ts 5:12; Hb 13:17.

7. CASAMENTO E DIVÓRCIO

EMBORA EM TODAS AS SOCIEDADES o casamento seja


uma instituição reconhecida e  regulamentada, não é uma
invenção humana. O ensino  cristão sobre este tópico
começa com a alegre afirmação  de que o casamento é
concepção de Deus, não do homem. Como diz o Prefácio do
Serviço de Casamento de 1662, ele foi “instituído por Deus
mesmo no tempo da inocência do homem”; foi “adornado e
dignificado pela presença de Cristo, numa festa nupcial em
Caná, e  simboliza a “união mística entre Cristo e sua
Igreja”.  Vemos, pois, que Deus formalizou, endossou e
enobreceu  o casamento. Se bem que ele chama alguns a
renunciar a  ele e permanecer solteiros durante toda a
vida1, sendo que no mundo futuro, após a ressurreição, ele
será  abolido2. No entanto, enquanto durar a ordem
presente o casamento deve ser honrado por todos; aqueles
que o  proíbem são falsos mestres, seduzidos por
espíritos  enganadores1. Além disso, por ser uma
“ordenação da  criação”que precede a Queda, deve ser
considerado um dom gracioso de Deus à humanidade.

A teologia clássica tem seguido a revelação bíblica, ao


identificar três propósitos principais pelos quais
Deus  ordenou o casamento. Ela os tem relacionado
usualmente na ordem em que são mencionados em Gênesis
1 e 2,  ao mesmo tempo que comenta que, a prioridade
de  ordem não significa necessariamente prioridade
de  importância. O primeiro mandamento ao homem e
à  mulher, feitos por Deus à sua própria imagem, foi:
“Sede  fecundos e multiplicai-vos” (Gn 1:28). Assim,
a  procriação de filhos tem normalmente encabeçado a
lista,  acrescentando-se a isso, no entanto, que sua criação
deve dar-se em clima de amor e disciplina.4

Em segundo lugar, diz a Palavra que “não é bom que o


homem esteja só. Far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe  seja
idônea” (Gn 2:18). Vemos que o desejo de Deus era  que o
casamento (citando outra vez o Livro de Oração Comum, de
1662) fosse “para convívio, auxílio e conforto  mútuo, que
cada um pode receber do outro, tanto na  prosperidade
como na adversidade”. O Dr. Jack  Dominian usa uma
fraseologia mais moderna, escrevendo que marido e mulher
devem dar um ao outro sustento (apoiando e cuidando um
do outro), cura (porque a vida conjugal é o melhor contexto
no qual as feridas da  primeira infância podem ser saradas
pelo amor), e  crescimento ou auto-realização (estimulando
um ao outro a atingir sua potencialidade individual e assim
se tornarem pessoas amadurecidas)5.
Em terceiro lugar, o casamento almeja ser o
compromentimento recíproco de amor altruísta,
que  encontra expressão natural na união sexual, ou no
tornar-

se “uma só carne” (Gn 2:24).

Estes três propósitos têm sido fortalecidos pela Queda. A


disciplina de amor da vida familiar tem-se
tornado profundamente necessária em razão da obstinação
dos  filhos; o apoio mútuo, em virtude das dores de
um  mundo fraturado, e a união sexual pelas
terríveis  tentações da imoralidade. Os três propósitos,
porém, já  existiam antes da Queda, e devem ser vistos
como  provisão amorável de Deus na instituição do
casamento.

Quanto mais alto for nosso conceito sobre o ideal de Deus


com relação ao casamento e à família, mais devastadora se
tornará a experiência do divórcio. Um casamento que teve
início em ambiente de amor terno e  ricas esperanças se
transforma em ruínas. O rompimento  conjugal é sempre
uma tragédia. Contradiz a vontade de  Deus, frustra seu
propósito, traz ao esposo e à esposa as dores da alienação,
da desilusão, da recriminação e da  culpa, e precipita os
filhos na crise da confusão, da  insegurança e
freqüentemente do ódio.6

8. MUDANÇAS DE ATITUDES

Todavia, a despeito dos sofrimentos envolvidos, o número


dos divórcios continua a aumentar. Em 1980, houve na Grã
Bretanha, 409.000 casamentos (dos quais  35 por cento
eram re-casamentos) e 159.000 divórcios.
Calculou-se que no ano anterior realizou-se um casamento
em cada 85 segundos, e um divórcio em cada  180. O
número total de pessoas divorciadas na Bretanha  vai além
de dois milhões, e há um número alarmante de famílias de
um pai ou mãe. A taxa britânica de divórcio,  que tem
aumentado de 600 por cento durante os últimos  vinte e
cinco anos, é atualmente uma das mais altas do  mundo
ocidental. No Reino Unido desfaz-se um  casamento em
cada três; e nos EUA, mais de um em cada dois.7

As razões sociológicas que explicam o crescimento da taxa


do divórcio são muitas e variadas. Inclui a emancipação da
mulher, mudança no padrão de emprego  (esposo e esposa
trabalham), pressão sobre a família em  decorrência do
desemprego e de aperturas financeiras, e,  sem dúvida, as
provisões da lei civil, que tornou o  divórcio mais fácil.
Indubitavelmente, porém, a maior  de todas as razões é o
declínio da fé cristã no Ocidente,  juntamente com a perda
do comprometimento em  relação à compreensão cristã da
santidade e permanência  do casamento, e o crescente
assalto não-cristão ao  conceito tradicional sobre sexo,
casamento e família.  Clara indicação da secularidade
destas áreas é o fato de que, enquanto em 1850 somente 4
por cento dos casamentos britânicos se realizavam perante
o Registro Civil (em oposição à igreja, capela ou sinagoga),
em

1979 esta porcentagem subiu para 51.

Considera-se como exemplo de atitudes mudadas o livro


escrito por George e Nena O’Neill, intitulado  Casamento
Aberto: um novo estilo de vida para casais (Open Marriage:
a new lifestyle for couples). Eles declaram que o casamento
monogâmico é obsoleto, e exortam seus leitores a substituir
uma “instituição arcaica,  rígida, obsoleta, opressiva,
estática, decadente e vitoriana”  por uma que seja “livre,
dinâmica, honesta, espontânea  e criativa”. Recusam-se a
glorificar, quer o casamento  tradicional, quer a
maternidade, e consideram os parceiros  iguais, pessoas
independentes que desfrutam reversibilidade completa e
descompromissadas.8

Em carta divulgada ao jornal The Times, de 14 de julho de


1983, o Dr. Jack Dominian expressou sua opinião de que a
sociedade está agora testemunhando “uma  profunda
mudança na natureza do casamento”. “O nome permanece
o mesmo - escreveu ele - mas seu  mundo interior está
mudando, deixando de ser  primariamente permanente em
que os filhos e seu bem  estar eram a preocupação
principal, para se tornar  relacionamento que aspira a ser
permanente, em que o  companheirismo, a igualdade e a
realização pessoal estão  se tornando tão importantes
quanto o bem-estar dos filhos”.

O Dr. Dominian foi muito delicado ao chamar esta mudança


por seu nome apropriado: “egoísmo”. E seguramente é isso
mesmo. Se cada cônjuge passa a  considerar o casamento
basicamente uma busca da sua  (dele ou dela) auto-
realização, em lugar de uma aventura  de mútua-entrega,
através da qual pais e filhos crescem  em maturidade, o
resultado é provavelmente tornar-se  gelado. No entanto, é
exatamente esta atitude auto-cêntrica do casamento que
está sendo advogada hoje  por muitos. Eis aqui uma
despudorada citação do livro  Divórcio, como e quando
separar-se (Divorce: how and when  to let go), de John H.
Adam e Nancy Williamson Adam  (Prentice Hall, 1979).
Apareceu na edição de junho de  1982, da revista Nova
Mulher (New Woman), que alega  ter mais de oito milhões
de leitores: “Sim seu casamento  pode estar roto. As
pessoas mudam seus valores e estilo-de-vida. Mudança e
crescimento pessoal são características  das quais você
deve orgulhar-se. Elas mostram uma mente  pesquisadora.
Você deve aceitar a realidade de que no  mundo
multifacetado dos nossos dias é especialmente fácil a duas
pessoas crescerem separadas. Descartar-se do  seu
casamento - se não mais lhe agrada - pode ser o ato  mais
bem-sucedido que você jamais praticou. Obter o  divórcio
pode ser um passo positivo, solucionador de  problemas,
orientado no sentido do crescimento. Pode  ser um triunfo
pessoal”, aqui está a mente secular em  sua mais cínica
perversidade. Celebra o fracasso como  sucesso, a
desintegração como crescimento, e o desastre como vitória.

O ponto de vista cristão do casamento como


comprometimento ou contrato indissolúvel não é
apenas  sustentado hoje por uma minoria no Ocidente.
Também  a Igreja está em perigo de se dar por vencida
diante do mundo; também entre cristãos o casamento não é
mais  estável como costumava ser, e o divórcio está se
tornando  praticamente um lugar comum. Até mesmo
líderes cristãos se divorciam e tornam a casar-se ao mesmo
tempo  que conservam sua posição de liderança cristã.
Também nesta área a mente cristã dá sinais de capitulação
diante do secularismo.

Meu interesse neste capítulo é chamar a atenção para


compreensão cristã do casamento, tal como exposta
na  Escritura. Aspectos políticos-legais (como o lugar
da  ofensa matrimonial no conceito de colapso
irrecuperável,  justiça em acordos financeiros, custódia e
acesso aos  filhos) são muito importantes. São
igualmente  fundamentais as questões sociais e
psicológicas, algumas das quais já mencionei. Considerarei,
na parte final, os  assuntos pessoais e pastorais. Para a
mente cristã, entretanto, questões bíblicas têm importância
primária,  e nem mesmo o trauma penoso de um
casamento fracassado pode constituir-se em desculpa para
evitá-las.

Qual é a vontade de Deus à luz de sua revelação, com


respeito ao casamento, e à possibilidade de divórcio e novo
casamento? E como estruturar as nossa praxes e  práticas
de acordo com os princípios bíblicos? Sem  dúvida não há
respostas fáceis. A Igreja, de modo particular, sente a
tensão que existe entre sua responsabilidade profética de
dar testemunho dos padrões  revelados de Deus, e sua
responsabilidade pastoral de  mostrar compaixão para com
os que se têm mostrado incapazes de manter seus padrões.
John Williams está certo quando nos convida a lembrar que
“o mesmo Deus que disse por meio de Malaquias “eu odeio
o divórcio”  (2:16), também disse por meio de Oséias
“curarei a sua  infidelidade, eu de mim mesmo os amarei,
porque a minha ira se apartou deles” (14:4).y
9. O ENSINO DO VELHO TESTAMENTO

O ponto em que a Bíblia chegou mais perto de uma


definição de casamento é Gênesis 2:24, que o próprio Jesus
citou posteriormente, quando indagado a respeito  das
bases permissíveis para o divórcio, como palavra de  Deus
(Mateus 19:4,5). Imediatamente depois de Eva ter  sido
criada e trazida a Adão, e de Adão a ter reconhecido (num
rasgo de amor poético), como sua esposa dada por Deus, o
narrador comenta: “Por isso deixa o homem pai e mãe, e se
une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne”.

Podemos deduzir daí que o casamento existe aos olhos de


Deus quando o homem deixa os pais e se “une” à
sua  mulher, tornando-se com ela uma só carne. O
“deixar”  e o “juntar-se”relacionam-se mutuamente e terão
lugar  nesta mesma ordem. Denotam a substituição de
um  relacionamento humano (filho-pai), por outro (esposo-
esposa). Há algumas semelhanças entre estes
relacionamentos, porque ambos são complexos e
contêm  vários elementos. Estes são físicos (um caso,
concepção,  nascimento e nutrição, e no outro intercurso
sexual),  emocional (o “crescimento” sendo o processo de
passar  da fase de dependência infantil para a da
maturidade de  cônjuge), e social (filho herdando uma
unidade familiar  já existente, e pais criando uma nova
unidade). Todavia,  há também uma diferença essencial
entre elas. A expressão  bíblica “uma carne” indica
claramente que a união física,  emocional e social entre
esposo e esposa é pessoalmente mais profunda e misteriosa
do que o relacionamento  entre filhos e pais. Reconhece-se
de maneira crescente  que o desenvolvimento como ser
humano necessita de certa medida de separação emocional
destes. E como  entende o Dr. Dominian, a falha em
conseguir um  mínimo de independência emocional é uma
das principais causas do fracasso matrimonial.10

Gênesis 2:24 implica ser a união conjugal exclusiva (um


homem... sua mulher...), publicamente reconhecida ( deixa
os pais), permanente (junta-se à sua mulher), e consumada
pelo intercurso sexual (torna-se uma carne). Pode-se então
aplicar a seguinte definição ao casamento:  “Casamento é
uma aliança hetero-sexual exclusiva entre  um homem e
uma mulher, ordenada e selada por Deus, precedida do ato
público de deixar os pais, consumada  pela união sexual,
resultando numa parceria permanente  de apoio mútuo, e
normalmente coroada pela dádiva de  filhos”. Não estamos
com isso afirmando que o  casamento é literalmente
“indissolúvel”, no sentido de que nada poderá dissolvê-lo, já
que o divórcio (que é a dissolução dos vínculos conjugais) é
permitido em certas  circunstâncias extremas, como
veremos. Todavia, mesmo quando permitida a dissolução é
sempre o afastamento  da intenção e do ideal divino. Em
princípio o casamento é união para a vida, que John Murray
chama de “original e idealmente indissolúvel”.11 Divórcio é
ruptura de  aliança, ato de “traição”, que Deus afirma que
“odeia”(Ml, 2:13ff).

Isto nos leva a Deuteronômio 24:1-4, que é de importância


particular, pois é a única passagem do Velho  Testamento
que se refere a bases ou processo para o divórcio.

“Se um homem tomar uma mulher e se casar com ela, e se


ela não for agradável aos seus olhos, por ter ele achado
coisa  indecente nela, e se ele lhe lavrar um termo de
divórcio, e lho  der na mão e a despedir de casa; e se,
saindo de sua casa, for e  se casar com outro homem, e se
este a aborrecer, e lhe lavrar  termo de divórcio, e lhe der
na mão e a despedir da sua casa, ou se este último homem
que a tomou para si por mulher vier  a morrer, então seu
primeiro marido, que a despediu, não  poderá tornar a
desposá-la, para que seja sua mulher, depois  que foi
contaminada, pois é abominação perante o Senhor;  assim
não farás pecar a terra que o Senhor Deus te dá
por herança

O primeiro ponto a ser esclarecido diz respeito à falha na


compreensão desta legislação. Ela não requer,
nem  recomenda, nem mesmo sanciona o divórcio.
Diz  respeito, primariamente, não ao divórcio, de
modo  algum, nem mesmo a certificados de divórcio.
Seu  objetivo é proibir o homem de tornar a casar-se com
a  primeira esposa, se se divorciou dela, posto que isto
seria  “abominação aos olhos do Senhor”. Pensa-se que
o  propósito da lei era proteger a mulher do primeiro
esposo  - imprevisível e talvez cruel. De qualquer modo,
os  primeiros três versículos são todos prótese ou
parte  condicional da sentença; a apódose ou conseqüência
não começa senão no versículo 4. A lei não é para aprovar
o divórcio; o que ela diz é que se um homem se divorciar de
sua esposa, e se dá a ela um certificado, e se ela o deixa e
torna a casar-se, e se seu segundo marido se  desagrada e
se divorcia dela, ou morre, então o primeiro  marido não
pode casar-se com ela outra vez.

Em segundo lugar, embora o divórcio não seja encorajado,


se todavia acontecer, a base para que ocorra  é que o
marido achou “alguma coisa indecente” (Almeida,  ed.
revista e atualizada) ou “inconveniente” (Bib. de Jerusalém)
em sua mulher. Isto não pode referir-se ao  adultério por
parte dela, visto que este era punido com  morte, não com
divórcio.12 Então, que seria? Durante o primeiro século a.C.
os partidos farisaicos liderados pelo  Rabi Shammai e pelo
Rabi Hillel discutiam justamente a respeito disso. Shammai
era rigoroso, e entendia  “alguma coisa indecente” (cuja
raiz hebraica alude a  “nudez” ou a expor-se) como ofensa
sexual de alguma  natureza que, embora não definida, era
menos que adultério ou promiscuidade. Rabi Hillel por sua
vez era  mais liberal. Ele esmiuçou as frases relativas ao
fato de a  mulher “não ter sido agradável” ao primeiro
marido  (v.l), ou aquela que diz que o segundo marido
“aborreceu-se” dela (v.3). Interpretou-as como incluindo
até mesmo  as falhas mais triviais como por exemplo:
estragar o  alimento que estava cozinhando para ele, ser
briguenta,  ou ao fato de ele encontrar uma mulher mais
bonita,  perdendo assim seu interesse pela primeira.13 De
fato,  qualquer coisa que provocasse aborrecimento ou
estorvo  ao marido se transformava logo em base legítima
para um processo de divórcio.14

Um terceiro ponto digno de nota, que decorre desses


versículos de Deuteronômio era aquele que dizia que se  o
divórcio era permitido também era, evidentemente,
o  segundo casamento. O texto pressupõe que uma vez
que  a mulher recebera seu certificado de divórcio e
fora  despedida de casa estava livre para tornar a casar-
se,  mesmo sendo a parte culpada por ter feito
“alguma  coisa indecente”, em virtude da qual recebera o
divórcio.  De fato, até onde sabemos, todas as culturas do
mundo  antigo entendiam que o divórcio trazia consigo
a  permissão de um novo casamento. Ele não
era  considerado um divorcium a thoro et mensa (de cama
e  mesa, isto é, separação legal, sem ser também
vinculo  matrimonii (do próprio vínculo conjugal). O Dr.
James B. Hurley resume as leis do casamento e do divórcio
do Código de Hammurabi, que foi rei da Babilônia, no início
do século dezoito a.C. quando Abraão deixou Ur, e das leis
assírias mais severas, do tempo do êxodo de  Israel do
Egito.E o Dr. Gordon Wenham acrescentou informações do
século quinto a.C, extraidas dos papiros  de Elefantina,
pequena cidade judia fortificada do sul do Egito, bem como
de Filo, Josefus e do mundo grego e romano.16 Todas estas
culturas forneceram evidências  do divórcio pelo marido, e
em alguns casos também  pela mulher, com liberdade de
novo casamento.

Normalmente o dote da esposa divorciada lhe era


devolvido, e ela recebia também algum dinheiro
do  divórcio. O divórcio era comparativamente
pouco  freqüente no mundo antigo, porque a dissolução de
um  casamento e os arranjos para um segundo tinham
se tornado financeiramente extorsivos.

10. O ENSINO DE JESUS

As instruções do Senhor sobre o casamento e o divórcio


foram dadas como respostas a uma pergunta  dos fariseus.
Marcos diz que eles formularam a pergunta  para o
“experimentar” (10:2), e Mateus elabora a perguntateste
nos seguintes termos: “É lícito ao marido repudiar  sua
mulher por qualquer motivo?” (19:3). Talvez atrás  dessa
pergunta estivesse o escândalo de Herodias, que  deixou
seu esposo Filipe a fim de casar-se com Herodes  Ântipas.
João denunciara corajosamente sua união como “ilegal”(Mc
6:17ff). Em conseqüência disso foi preso. Seria  Jesus
igualmente franco, especialmente quando - como  parecia
provável se encontrava naquela hora dentro da  jurisdição
de Herodes (Mc, 10:1)? Certamente os fariseus  desejavam
enredá-lo no debate Shammai-Hillel, já  mencionado. Daí a
ênfase na pergunta sobre as “razões”  ou “causas” que
justificariam o divórcio.

3 "Vieram a ele alguns fariseus, e o experimentavam,


perguntando: E lícito ao marido repudiar a sua mulher
por qualquer motivo?
9 Então respondeu ele: Não tendes lido que o Criador
desde o princípio os fez homem e mulher ?
5    e que disse: Por esta causa deixará o homem pai e mãe,
e se unirá à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne
6       De modo que já não são mais dois, porém uma só
carne.  Portanto, o que Deus ajuntou, não o separe o
homem.
7       Replicaram-lhe: Por que mandou então Moisés dar
carta de divórcio e repudiar?
8       Respondeu-lhes Jesus: Por causa da dureza do vosso
coração  é que Moisés vos permitiu repudiar vossas
mulheres; entretanto, não foi assim desde o princípio.
9       Eu, porém, vos digo: Quem repudiar sua mulher,
não  sendo por causa de relações sexuais ilícitas, e casar
com outra, comete adutério (e o que casar com a repudiada
comete adutério).
10      Disseram-lhe os discípulos: Se essa é a condição do
homem relativamente à mulher, não convém casar.
11       Jesus, porém, lhes respondeu: nem todos são aptos
para  receber este conceito, mas apenas aqueles a quem é
dado.
12    Porque há eunucos de nascença; há outros a quem os
homens  fizeram tais; e há outros que a si mesmos se
fizeram eunucos, por causa do reino dos céus. Quem é apto
para o admitir, admita”. (Mateus 19:3-12).

É claro que Jesus se dissociou da frouxidão do Rabi Hillel.


Já o fizera no Sermão do Monte. Seu ensino sobre  o
divórcio naquela passagem foi apresentado como uma  das
seis antíteses, introduzidas pela fórmula: “ouvistes o  que
foi dito... eu, porém, vos digo...” Aquilo a que ele
se  contrapunha nessas antíteses não era a Escritura
(“está  escrito”) mas a tradição (“o que foi dito”), não era
a  revelação de Deus, mas a perversa interpretação
dos  escribas. O objetivo das suas distorções era reduzir
as  exigências da lei e torná-la mais cômoda. Na
antítese  sobre o divórcio, a citação do escriba (“tem sido
dito  “qualquer que divorciar sua mulher, dê-lhe carta
de  divórcio””) parece ser uma abreviação
deiíberadamente  enganosa da passagem de Deuteronômio
24. Ela dá a  impressão de que o divórcio era prontamente
permissível,  mesmo por razões triviais (como ensinava
Hillel). A única  condição era dar-se um certificado. Jesus
rejeita isto de maneira categórica. Que ensina ele?

Primeiro, Jesus endossou a estabilidade do casamento.


É significativo o fato de ter dado aos fariseus  a resposta
direta à pergunta que lhe fizeram sobre o  divórcio. Em
lugar disso ele lhes falou sobre o casamento; reconduziu-os
a Gênesis 1 e 2 e perguntou-lhes  incredulamente, se não
tinham lido esses capítulos.  Chamou a atenção deles para
dois fatos, a saber: que a  sexualidade humana era criação
divina, e que o casamento era ordem divina. Ele ligou dois
textos - Gênesis 1:27 e 2:24 - e fez Deus o autor de ambos.
O mesmo Criador  que “no começo... homem e mulher os
criou”, também  diz (no texto bíblico). “Por isso deixe o
homem pai e  mãe, e se una à sua mulher, tornando-se os
dois uma só  carne”. “De modo que - prosseguiu Jesus,
acrescentando sua afirmação explanatória - já não são mais
dois, porém  uma só carne”. E acrescentou sua própria
proibição: “O que Deus ajuntou (literalmente, “uniu-os com
jugo”), não o separe o homem”.

Não há ambigüidade no ensino. Os laços matrimoniais são


mais do que um contrato humano: são um jugo divino. E a
maneira pela qual Deus coloca este jugo sobre o par que se
casa não é criando uma espécie de  união mística, mas
declarando seu propósito em seu  mundo. O fracasso
conjugal, e mesmo a chamada  “morte”de um
relacionamento, não pode então ser  considerado como
sendo em si mesmo razão ou fundamento para a dissolução,
visto que a base para a união não é a flutuante experiência
humana (“Eu te amo”, “Eu não te amo”), mas a vontade e a
Palavra divina (eles se tornam “uma só carne”).

Em segundo lugar, Jesus declarou que a provisão


mosaica do divórcio era uma concessão temporária ao
pecado humano. Os fariseus responderam a esta  citação
do Gênesis fazendo uma segunda pergunta: “Por  que
mandou então Moisés dar carta de divórcio e repudiar?” A
isto Jesus respondeu: “Moisés vos permitiu repudiar vossas
mulheres em razão da natureza do vosso  coração. Mas
desde o princípio não foi assim”. Assim, o  que eles
denominavam “mandamento”Jesus chamava
de  “permissão”, e permissão relutante, devida à
obstinação humana, antes que à intenção divina.17

Desde que Jesus se referiu à provisão de Moisés como uma


concessão ao pecado humano, que era também tencionado
a limitar seus maus efeitos, não pode,  possivelmente, ser
tomado como significando a  aprovação do divórcio por
parte de Deus. Era certamente  uma concessão divina,
porque de acordo com Jesus, tudo o que Moisés disse, Deus
disse. Entretanto, a concessão  divina do divórcio era
“desde o princípio” contrária à  intenção divina para o
casamento. O erro dos rabinos  estava em ignorar a
diferença entre a vontade absoluta de Deus (Gênesis 1 e 2)
e a provisão legal a  pecaminosidade humana
(Deuteronômio 24). “A conduta humana que fica aquém do
mandamento absoluto de Deus é pecado, e permanece sob
seu  julgamento. A provisão que a misericórdia de
Deus  designou para a limitação das conseqüências do
pecado  do homem não deve ser interpretada como
aprovação do pecado”18.    i

Em terceiro lugar, Jesus chamou de adultério o segundo


casamento depois do divórcio. Reunindo seus ensinamentos
nos Evangelhos Sinóticos, e deixando de lado a cláusula de
exceção, podemos resumi-los desta maneira: O homem que
se divorcia de sua mulher,  casando-se outra vez, ambos
cometem adultério.1'' E  como se presume que a esposa
divorciada também tornará  a casar-se, leva-a
conseqüentemente a também cometer  adultério (Mateus
5:32). A mulher que se divorcia do  seu marido e torna a
casar-se, semelhantemente comete  adultério (Marcos
10:12). Além disso, o homem (e presumivelmente também a
mulher, assumi ndo reciprocidade nesta situação, como em
outras) que casa  com a divorciada também comete
adultério/11 São  palavras duras. Ele expõe com franqueza
as conseqüências  lógicas do pecado. Se acontecem um
divórcio e um  segundo casamento sem a sanção de Deus,
então qualquer  outra união que se segue, sendo ilegal, é
adúltera.
Em quarto lugar, Jesus permitiu o divórcio e o segundo
casamento sobre a base única da imoralidade.  É bem
sabido que em Mateus 5:32 e 19:9, ambos os versos contêm
a “cláusula de exceção”, cujo propósito é  isentar de ser
classificado de “adultério” uma categoria  de divórcio
seguido de segundo casamento. Muita controvérsia se tem
desencadeado em torno desta cláusula.  Sobre isso penso
que posso apenas indicar três conclusões a que cheguei:

a. A cláusula excetiva deve ser aceita como


autêntica  declaração de Jesus. Pelo fato de não acorrer
nos ditos  paralelos de Marcos e Lucas, muitos
eruditos  apressadamente a têm rejeitado muito. Alguns
sugerem  ser ela uma interpolação escriba anterior, não
integrante  do texto origina] de Mateus. Mas não há
nenhuma  evidência manuscrita de que tenha sido uma
glosa; nem mesmo a leitura alternativa do Codex Vaticanus,
mantida  na margem da RSV (Revised Standard Version),
omite a  cláusula. Outros eruditos atribuem a cláusula a
Mateus  mesmo e ou à igreja em que ele escrevia, mas
negam que Jesus jamais o tenha dito. Mas sua omissão por
parte de  Marcos e Lucas não é, em si mesma, base
suficiente para  rejeitá-la como invenção editorial ou
interpretação pelo  primeiro evangelista. É perfeitamente
possível que Mateus  a tenha incluído visando aos leitores
judeus, que se interessavam muito pelas bases permissíveis
para o  divórcio, enquanto Marcos e LuCas, escrevendo
para  leitores gentios, não tinham o mesmo interesse. O
silêncio deles não se deve à ignorância; é bem possível que
tenham  igualmente tomado a cláusula como matéria de
fato. As culturas pagãs consideravam o adultério base para
o divórcio. Assim procediam também as escolas de Hillel e
de Shammai, a despeito de seus desacordos em
outros pontos. Não havia disputa neste aspecto.
b. A palavra “porneia” significa imoralidade sexual

Ao decidirmos sobre a tradução de porneia, devemos evitar


tanto o extremo da frouxidão quanto o da rigidez.  Vários
pontos de vista “rígidos” têm sido mantidos,  identificando
porneia como pecado sexual particular  ou fornicação no
sentido de se descobrir imoralidade  premarital, ou
casamento dentro de grau proibido,  adultério ou pós-
casamento. A principal razão para a  rejeição desta
tradução é que, embora porneia possa ter  todos estes
sentidos, não poderá ser entendida como se  referindo a
qualquer deles se não houver qualificação  posterior.
Porneia era de fato uma palavra geaérica  aplicada a
infidelidade sexual ou “infidelidade conjugal” (Arndt-
Gingrich).

O ponto de vista “frouxo” sustenta que porneia inclui


ofensas que podem ser consideradas não “sexuais”
em  termos físicos, mas porque solapa os fundamentos
da  unidade do casal, por exemplo como a crueldade,
ou  mesmo uma incompatibilidade temperamental
básica.  Pode ser possível usar outros argumentos a favor
da  legitimidade do divórcio em bases como essas, mas
não  é possível fazê-lo a partir do sentido da palavra
porneia. Porneia significa imoralidade sexual; a razão pela
qual  Jesus a fez base única permissível para o divórcio
deve  ser a de ela violar o princípio “uma carne”,
fundamental ao casamento como ordenação divina e
biblicamente definido.

c. O divórcio por imoralidade é permissível, mas  não


obrigatório.

Jesus não ensinou que a parte inocente deve divorciar-se do


cônjuge infiel, mesmo que a infidelidade sexual ipso facto
dissolva o casamento. Ele nem mesmo  encorajou ou
recomendou o divórcio por infidelidade. Pelo contrário, ele
enfatizou o máximo a durabilidade do casamento segundo o
propósito de Deus, e a  impossibilidade de divórcio e
segundo casamento. Sua  razão de acrescentar a cláusula
excetiva foi o  esclarecimento de que o único divórcio e
“recasamento”  que não equivalia ao adultério era o da
parte inocente,  cujo cônjuge fora infiel - visto que em tal
caso a  infidelidade já teria sido praticada pelo cônjuge
culpado. O propósito de Jesus não era encorajar o divórcio
por  esta razão, mas para desencorajá-lo por qualquer
outra  razão. Como escreveu Murray: “É a única exceção
que  dá proeminência à ilegalidade de qualquer outra
razão. Não se deve jamais permitir que a preocupação com
a  única razão obscureça a força da negação de todas
as outras”.21

A esta altura, preciso mencionar o ponto de vista extremo


que de maneira plausível tem sido discutido  pelo Dr.
Gordon Wenham nos artigos Terceiro Caminho (Third Way),
já mencionados. Ele crê que a cláusula  excetiva de Jesus
permitiu o divórcio no sentido de  separação, mas ele
proibiu todo recasamento. Fundamenta a sua tese em dois
argumentos principais. Primeiro, que durante cinco séculos
(com a única exceção  dos Ambrosianos, no quarto século)
os Pais da Igreja  negaram todo direito de “recasamento”
depois do  divórcio, insistindo em que nada pode desfazer
o  casamento senão a morte, e que esta posição
permaneceu  como padrão da Igreja Ocidental, até que
Erasmo  defendeu o direito da parte inocente de tornar a
casar-se  após o divórcio, e os Reformados Protestantes o
seguiram.  Em segundo lugar, Gordon Wenham argumenta
que  somente tal proibição total do
“recasamento”pode explicar a perplexidade dos discípulos.
A resposta deles  foi: “Se esta é a posição do homem
relativamente à  mulher, não convém casar”(Mt 19:10).
Além do mais  Jesus contestou isto, referindo-se aos três
tipos de “eunucos”- significando “celibato”.

A tese do Dr. Wenham é forte, mas não conclusiva.


Primeiro, porque os Pais da Igreja podem ter-se enganado a
respeito desta matéria, como se enganaram sobre
outras. Em segundo lugar, a declaração em Mateus 5:32 de
que  o marido que ilegalmente se divorcia da sua mulher
“leva-a a cometer adultério” só pode ser verdadeira se
depois  do divórcio ela tornar a casar. Em terceiro lugar,
a  perplexidade dos discípulos que levou o ensino
sobre  celibato deve certamente ter nascido em virtude
do  radicalismo de Jesus. Ele não somente rejeitou a
frouxidão  trivial da escola de Hillel, mas também a
interpretação  de Shammai, e na verdade a própria
referência de Moisés  a “alguma coisa indecente”, como
sendo muito imprecisa. Somente a infidelidade sexual podia
ser admitida como  base para o rompimento dos vínculos
conjugais.

Isto tinha sido claramente reconhecido no Velho


Testamento porque era passível de punição com a
morte. Mas a sentença de morte para o adultério caíra em
desuso,  e em nenhum caso os romanos permitiam que os
judeus  a aplicassem. Assim, quando José suspeitou que
Maria  tinha sido infiel pensou em divórcio, não em
morte  (Mateus l:18f). E Jesus recusou-se a se deixar
apanhar  por aqueles que lhe perguntaram se a mulher
apanhada  em adultério devia ser apedrejada (João 8:3fs).
Parece,  então,que ele revogou a pena de morte para a
infidelidade sexual, e fez desta a única base legítima para a
dissolução  dos vínculos conjugais pelo divórcio, não pela
morte, e  então só como uma permissão. A ordenança
original da  criação referente à união pela vida é o melhor
caminho,  e será aceita pelos cidadãos do seu reino. James
B. Hurley assim o resume:

“Podemos ver agora porque os discípulos ficaram tão


surpresos diante do ensino de Jesus. Ele proibiu o
divórcio  por quaisquer razões que tinham sido aduzidas
em  conexão com Deuteronômio 24:1, e o permitiu
somente  em bases que eram desconhecidas no Velho
Testamento.  Ele o permitiu somente por violações sexuais
dos laços  matrimoniais, violações que no Velho
Testamento  significariam sentença de morte. De acordo
com Jesus,  somente relações sexuais ilícitas (porneia:
adultério, homossexualidade, bestialidade) são razões para
terminar o casamento”.22

11.O ENSINO DE PAULO

O ensino de Paulo que temos de considerar ocorre em I


Coríntios 7:10-16, e diz respeito, em particular, ao
assim chamado privilégio Paulino;
10      “Ora, aos casados ordeno, não eu, mas o Senhor, que
a mulher não se separe do marido
11      (se porém ela vier a separar-se, que não se case, ou
que se reconcilie com seu marido).
12       Aos mais digo eu, não o Senhor: Se algum irmão
tem  mulher incrédula, e esta consente em morar com ele,
não a abandone;
13   e a mulher que tem marido incrédulo, e este consente
em viver com ela, não deixe o marido.
14       Porque o marido incrédulo é santificado no convívio
da esposa, e a esposa incrédula é santificada no convívio do
marido  crente. Doutra sorte os vossos filhos seriam
impuros; porém, agora, são santos.
15 Mas se o descrente quizer apartar-se, que se aparte; em
tais casos, não fica sujeito à servidão, nem o irmão, nem a
irmã;  Deus vos tem chamado à paz. Pois como sabes, ó
mulher, se salvarás a teu marido? e como sabes, ó marido,
se salvarás a tua mulher?

Devemos observar, primeiro, que Paulo está dando


instrução apostólica autorizada. A antítese
que estabelece entre o versículo 10 “...aos casados ordeno
(não eu, mas o Senhor)” e o versículo 12 (“aos demais digo
eu,  não o Senhor”) tem sido muito mal compreendida.
É  grande engano imaginar que ele está colocando em
mútua  oposição o seu ensino e o de Cristo, com a
decorrente  implicação que o de Cristo tem autoridade,
enquanto o  seu não. Não, seu contraste não é entre o
ensino divino infalível (de Cristo) e o ensino humano, falível
(o seu), mas entre duas formas de ensino divino e infalível,
uma  dominical (do Senhor) e outra apostólica (sua
própria).  Não pode haver dúvida de que isto é correto,
porque Paulo continua a usar o apostólico autoritativo ego
“EU” neste capítulo, no v.17 (“...é assim que eu ordeno em
todas as  igrejas”) v.25 (“não tenho mandamento do
Senhor” i.e.,  nenhuma palavra registrada de Jesus, “mas
dou minha  opinião como tendo recebido do Senhor a
misericórdia de ser fiel”), e v.40 (“...epenso que também eu
tenho o Espírito do  Senhor”). Mais adiante, e
semelhantemente, coloca sua  autoridade acima da dos
profetas, e declara que sua  instrução é mandamento do
Senhor: “Se alguém se considera  profeta ou espiritual,
reconheça ser mandamento do Senhor o  que vos escrevo
”(14:37).

Em segundo lugar, Paulo repete e confirma a proibição


de Jesus relativa ao divórcio. Nos versículos  10 e 11,
como em seu ensino em Romanos 7:1-3, e como  no ensino
do Senhor registrado por Marcos e Lucas, a  proibição do
divórcio é afirmada em termos absolutos. “A mulher não se
separe do marido(...) o marido não se separe  de sua
mulher”. Isto é porque ele está expressando o  princípio
geral. Não é necessário supor que ele nada sabia a respeito
da cláusula excetiva do Senhor.

No versículo 11 ele adiciona um importante parêntese


lembrando que, se a mulher se separar do marido, não deve
casar-se ou reconciliar-se com ele. O verbo que Paulo  usa
para separar (chorizo) podia referir-se ao divórcio, e  era
assim usado tanto nos contratos de casamento em  papiro,
quanto por alguns pais primitivos da Igreja  (Arndt-
Gingrich). Mas o contexto sugere que ele não  está se
referindo ao divórcio, mas considerando uma  situação na
qual o marido não foi sexualmente infiel, e  a mulher não
tem, por conseqüência, o direito de  divorciar-se dele.
Alguma outra razão (não mencionada) a leva a “separar-se”
dele. Neste caso, enfatiza Paulo, não tem direito de tornar
a casar-se. Sua vocação cristã é  permanecer solteira ou
reconciliar-se com o marido, mas

não tornar a casar-se.

Em terceiro lugar, Paulo permite o divórcio na base da


deserção de um cônjuge incrédulo. Ele endereça  três
parágrafos sucessivos “aos solteiros e viúvos” (vs.8,9), “aos
casados” (vs. 10,11), e “aos mais” (vs. 12-16). O  contexto
revela que pela expressão “aos mais” ele tem em mente um
tipo particular de casamento misto. Ele  não dá direito ao
cristão de casar-se com o não cristão,  porque a mulher
cristã “fica livre para casar com quem quizer, mas somente
no Senhor” (v.39). E o inverso é  igualmente verdadeiro
para o cristão (II Coríntios,  6:14fs.). Paulo está antes
tratando daquela situação surgida  ao se casarem dois não
cristãos, dos quais um  posteriormente se converte. Os
coríntios evidentemente  lhe haviam enviado perguntas a
este respeito. Tornou-se  o casamento impuro? Deve o
cônjuge cristão divorciar-se do não cristão? Qual a situação
dos filhos? A resposta de Paulo é clara.

Se o cônjuge incrédulo deseja “viver com o crente”, então o


crente não deve recorrer ao divórcio. A razão dada é que o
cônjuge incrédulo é “santificado” pelo esposo (ou esposa) e
igualmente os filhos. A “santificação" em mente claramente
não é a transformação do caráter na semalhança de Cristo.
Como John Murray o coloca  a santificação da qual Paulo
fala... deve ser a santificação  de privilégio, ligação e
relacionamento”.23

Mas se por outro lado o cônjuge incrédulo não quer íicar e


decide partir, então que o faça. O cristão ou a  cristã não
está preso a tais circunstâncias. As razões dadas  são que
Deus nos chamou para a paz, e o crente não pode garantir
ganhar o incrédulo insistindo ou  perpetuando uma união
que o incrédulo não deseja continuar.24

É importante compreender a situação precisa que o


apóstolo analisa, e não tirar deduções indefensáveis de seu
ensino. Ele afirma que, se o incrédulo se recusa a  íicar, o
crente “não lhe fica sujeito”, isto:é não fica sujeito  a
continuar ligado a ele ou a ela (na verdade
ligado  propriamente ao casamento).25 Várias
observações  negativas devem ser feitas com relação à
liberdade dada aqui ao cônjuge cristão.

a. A liberdade do crente não se deve à conversão dele  ou


dela, mas à não conversão do cônjuge e à falta de desejo de
ficar. Às vezes os cristãos advogam o que eles chamam de
“realismo evangélico”, argumentando que  em virtude de a
conversão fazer novas todas as coisas  um casamento
contratado em dias de pré-conversão, não  continua
necessariamente com força de ligação, e em seu lugar pode
encetar-se um novo começo. Este é, todavia, um raciocínio
perigoso. São porventura  cancelados todos os contratos
anteriores à conversão,  inclusive todos os débitos que se
tem? Não, o ensino de  Paulo não oferece apoio algum a
este ponto de vista. Pelo contrário, o contradiz. Seu ensino
não afirma que  depois da conversão o cônjuge cristão é
tornado impuro pelo incrédulo, devendo ele portanto livrar-
se do  relacionamento. É o oposto que acontece: o
cônjuge  incrédulo se torna santificado pelo cristão. Con-
seqüentemente este não deve tentar escapar. Além
disso,  Paulo exorta nos versículos 17-24 que os cristãos
devem  permanecer no estado em que se encontravam
quando Deus os chamou, e que somos capazes de proceder
assim porque agora estamos ali “com Deus”.

b.       A liberdade do cristão não reside na sua decisão


de  conseguir o divórcio, mas apenas na sua aceitação
da  deserção do cônjuge, ou sua relutância em
permanecer  no lar. A iniciativa não deve partir do cristão.
Se a parte  incrédula deseja ficar, ele não deve deixá-la,
nem ela a ele  (vs. 12,13). O máximo que Paulo concede é
no caso de a  parte incrédula insistir em ir embora, que vá
(v.15).
c.    A liberdade do cristão não reside em qualquer tipo de
deserção, nem na desistência de alguma forma
de  incredulidade (i.e., o ponto de vista da Igreja
Católica Romana de que o casamento não é reconhecido se
o  cônjuge não for batizado), mas apenas na negativa
da  pessoa não convertida em continuar vivendo com
o  cônjuge agora convertido. A aquiescência de
Paulo,  portanto, não oferece base para o divórcio sobre o
alicerce da deserção; esta não é opção cristã. Resumindo o
que a  Escritura ensina nas passagens até aqui
consideradas,  podemos lazer as três afirmações que se
seguem:

1.       Deus criou o homem, no princípio, macho e


fêmea,  lendo ele mesmo instituído o casamento. Era
seu  propósito e ideal qua a sexualidade humana se
realizasse  .itravés do casamento, e que esta fosse uma
união exclusiva, amorosa e vitalícia.

2.       Em nenhum lugar da Escritura se aconselha ou


se  encoraja o divórcio. Pelo contrário, mesmo no caso
de  ser biblicamente justificado ele continua sendo
um l.unentável pecado em relação ao ideal divino.

3.       O divórcio e o novo casamento são permissíveis  (não


imperativos) sobre duas bases. A primeira é aquela em que
há uma parte inocente e outra culpada de  imoralidade
sexual. Em segundo lugar, o cristão pode concordar com a
deserção do cônjuge no caso de este se recusar a viver com
ele ou ela. Entretanto, em ambos os  i íisos a permissão é
concedida em termos negativos e  iclutantes. Somente
querendo alguém se divorciar sobre  o fundamento de
infidelidade conjugal é que o  rrcasamento não resulta em
adultério. Somente se a parte  não cristã insiste na não
convivência é que a parte cristã “não está mais sujeita”.
12. O PRINCÍPIO DA ALIANÇA

Uma versão mais antiga e mais curta do que escrevemos


acima apareceu na revista “Churchman”, no outono
de  1971, publicada no ano seguinte em forma de
brochura  Falcon. Minha posição foi criticada pelo Dr.
David  Atkinson em seu livro Ter e Reter (To have and To
hold,  1979). Ele a chama de “legislativa”, e expressa
sua  discordância nos seguintes termos: “A dificuldade
com  este ponto de vista é que na prática pastoral ele
pode  levar a uma espécie de casuísmo, capaz de tornar-
se  negativamente legalista. Concentra-se em adultério
físico,  mas negligencia outras ‘ infidelidades”, podendo
significar  qua a bênção da Igreja para o segundo
casamento se  restringe apenas aos bastante afortunados
pelo fato de  haver seu primeiro consorte cometido
adultério. Levanta  a questão sobre o que rompe os laços
conjugais”.26

É, na verdade,em razão dos problemas práticos que nos


assediam quando insistimos numa “ofensa matrimonial”
como o único lastro legítimo para o divórcio,  que uma
abordagem alternativa e mais flexível tem sido  procurada.
O relatório Putting Asunder (1966) da Igreja  da Iglaterra
recomendou o conceito “rompimento  irrecuperável” como
alternativa, e em 1969 o Ato de

Reforma do Divórcio baseou-se nele. Então a Comissão da


Igreja da Inglaterra presidida pelo Cânone
Professor  Howard Root, relatou-o em Casamento,
Divórcio e  Igreja (Marriage, Divorce and The Church
SPCK 1971), investigou mais profundamente o conceito de
que alguns  casamentos “morrem” enquanto ambos os
cônjuges  ainda vivem. Poucos anos depois, a Comissão
presidida  pelo Bispo Kenneth Skelton de Lichfield, que
apresentou  relatório em O Casamento e a Tarefa da
Igreja (Marriage and the Church’s Task, CIO, 1978),
seguiu linha  semelhante. Pode-se porventura encontrar
fundamento  bíblico para este abandono diante de
“ofensa matrimonial”para divórcio?

É claro que a Escritura considera o casamento uma aliança;


na verdade - embora entre seres humanos - uma aliança de
Deus (Prov. 2:17, literalmente), instituída e  testemunhada
por ele. Na carta que recebi há alguns  anos, Robert
Beckwith, Guardião de Latimer House,  resumiu o que lhe
pareceu serem as cinco condições de  uma aliança de
casamento: (1) Amor (como em toda a  aliança),
naturalmente envolvendo obrigações específicas;  (2) yida
em comum, como uma só família; (3) (idelidade  ao leito
conjugal; (4) provisão para a esposa por parte do marido e
(5) submissão da esposa ao marido. E sugeriu mais: se uma
destas cinco condições fundamentais da  aliança do
casamento for violada, a parte ofendida fica  livre dos seus
compromissos.

No seu livro Ter e Reter (To Have and To Hold), com o


subtítulo “a Aliança Conjugal e a Disciplina do Divórcio” Dr.
David Atkinson desenvolve mais a idéia  da aliança,
definindo-a como “um acordo entre partes  baseado em
promessas, as quais incluem os seguintes  elementos: (1)
compromisso mútuo de fidelidade obrigatória; (2) aceitação
deste compromisso pela outra  parte; (3) conhecimento
público do tal compromisso e  sua aceitação; e (4)
crescimento do relacionamento pessoal  baseado em tal
compromisso e que resulte em expressão sua.
Não é difícil aplicar a definição da “aliança” ao casamento,
especialmente porque o casamento humano  é usado nas
Escrituras como um modelo da aliança de  Deus com seu
povo, e aliança de Deus como um modelo para o casamento
humano.28

David Atkinson prossegue argumentando que “a estrutura


de aliança do casamento fortalece o ponto de vista de que o
casamento não é um “status” metafísico  que não pode ser
destruído, e sim um compromisso  moral que deve ser
honrado”.29 Todavia, uma aliança  pode ser quebrada.
Entretanto as alianças não se quebram, mas são quebradas;
o divórcio significa não só pecado  como tragédia”. Sob a
perspectiva moral bíblica, não  podemos então anular a
categoria de “ofensa matrimonial”e sim nos lembrarmos do
conceito menos pessoalmente enfocado de “separação
irrecuperável”.30 O modelo aliança do casamento coloca em
vez disso a questão do divórcio na área da responsabilidade
moral”.31  Sua conclusão é que tudo quanto represente
infidelidade  à aliança casamento - persistente e infensa
ao  arrependimento de tal maneira que torne a
reconciliação  impossível, pode ser suficiente para romper
os laços do  casamento, liberando o outro consorte de sua
promessa  de aliança”.32 Há mais coisa compulsória no
modelo  aliança. Para começar ela é uma noção totalmente
bíblica.  Dá ênfase também ao ato solene, tanto de
estabelecer  quanto de quebrar a aliança - no primeiro
caso,  enfatizando o amor, o compromisso, o
reconhecimento público, a fidelidade exclusiva e sacrifício;
no segundo,  o pecado de descumprir as promessas e
romper um  relacionamento de amor. Entretanto, confesso
que meu  problema consiste em descobrir como fundir os
dois  conceitos de lealdade de aliança e desentendimento
matrimonial. Posso entender as razões de não se
desejar  estabelecer permissão para o divórcio sobre duas
ofensas. Mas, se a Escritura considera o casamento aliança
passível de ser quebrada de várias maneiras, como explica
a única  ofensa mencionada na cláusula-exceção do
Senhor?  Certamente o relacionamento de aliança
contemplado  no casamento (a união “uma carne”) é muito
mais  profundo do que em outras alianças, como nesse
tratado  de suserania, uma transação de negócio, ou um
pacto de  amizade. Portanto, não poderia ser que nada
menos do  que uma violação (por infidelidade sexual)
desse  relacionamento fundamental fosse capaz de romper
o casamento aliança?

O casamento aliança de Deus com Jerusalém


(personificando seu povo), descrito detalhadamente
em  Ezequiel 16, é apropriado para esse tema. Deus diz a
ela:  “Dei-te juramento, e entrei em aliança contigo(..) e
passaste a  ser minha” (v.8). Mas Jerusalém “agiu como
prostituta” (porque ela deu a paga em lugar de recebê-la),
ou seja: ela foi uma esposa culpada de adultério promíscuo
(vs 1534). Portanto, Deus disse que a sentenciaria à
“punição de  mulher que cometeu adultério” (v.38). No
entanto, apesar de ter sido o seu procedimento pior do que
o da sua  irmã mais nova, Sodoma (vs.46-52), e ainda que
tenha  desprezado o juramento de Deus “rompendo a
aliança jy.59), todavia, Deus disse: “Eu me lembrarei da
aliança  feita contigo nos dias da tua mocidade”f.Gò),
trazendo perdão e arrependimento.

Creio que devemos permitir que estas perspectivas da


aliança de Deus moldem nossa compreensão do casamento
aliança. O casamento aliança não é um  contrato humano
comum, que em caso de renúncia de  uma parte pode ser
renunciada pela outra. É semelhante à aliança de Deus com
seu povo. Nesta analogia (que a  Escritura desenvolve),
somente a infidelidade sexual fundamental rompe a aliança.
E mesmo esta não leva  automática ou necessariamente ao
divórcio, pode ao  contrário, ser até mesmo uma
oportunidade de reconciliação e perdão.
13. REALIDADES PESSOAIS E PASTORAIS

Este capítulo resultou bastante longo. Talvez alguns


leitores se tenham irritado através de sua leitura, julgando-
o academicamente árido, ou insensível diante
dos  profundos sofrimentos de pessoas cujos
casamentos  fracassaram, ou distante das realidades do
mundo  Ocidental contemporâneo. Posso entender suas
reações.  Foi, no entanto, necessário submeter o material
bíblico  a um exame completo, porque este livro se destina
ao  desenvolvimento da mente cristã com relação a
temas correntes. Os discípulos conscientes de Jesus sabiam
que  a ação cristã é impossível sem o pensamento cristão,
e  resistiam a tentação de seguir atalhos. Ao mesmo
tempo,  o processo de resolver significa alcançar uma
decisão  com conseqüências práticas. Quais poderão ser
elas? Em virtude da grande seriedade com que a Escritura
vê tanto  o casamento quanto o divórcio, concluo
anunciando quatro necessidades pastorais urgentes.

Primeiro, há necessidade de meticulosos ensinos


bíblicos sobre o casamento e a reconciliação.
Os  pastores devem ministrar instruções positivas sobre
estes  dois assuntos. Nos sermões, na Escola Dominical,
nas  classes de preparação para a profissão de fé, temos
de  manter perante a congregação que servimos a
intenção  e o ideal divino de casamento exclusivo,
comprometido,  vitalício e fiel. Devemos também ministrar
ensino claro e prático sobre o dever e os meios de perdão,
porque a  reconciliação é o cerne do cristianismo. Durante
os  últimos anos tenho seguido a regra de, sempre
que consultado por alguém a respeito do divórcio, recusar-
me a responder antes de manter uma conversa a
respeito  de dois outros assuntos, a saber: casamento
e  reconciliação. É uma tentativa simples de seguir
o  exemplo de Jesus em suas prioridades. Quando os
fariseus  lhe perguntaram sobre os fundamentos do
divórcio, ele recomendou que considerassem antes de tudo
a  instituição original do casamento. Se nos
preocupamos  com o divórcio e seus fundamentos antes do
casamento  e seus ideais, resvalamos para o farisaísmo. O
propósito  de Deus é o casamento, não o divórcio, e seu
evangelho  são as boas-novas de reconciliação. Precisamos
ver a  Escritura como um todo, nunca como algo isolado,
como o divórcio, por exemplo.

Em segundo lugar, há necessidade de preparação para o


casamento. Os pares que fazem essa preparação  cultivam
geralmente altos ideais em relação ao futuro,  estando
prontos e até mesmo ansiosos para receber  auxílio.
Todavia, pastores pressionados pela falta de  tempo não
conseguem ter com cada par senão uma única  entrevista,
durante a qual questões legais e sociais não deixam espaço
para a consideração das dimensões espirituais e morais do
casamento. Alguns deles promovem cursos para grupos ou
pares comprometidos;  outros oferecem literatura
especializada aos jovens pares  ou uma breve lista anotada
de leituras recomendáveis.

Melhor talvez do que todos estes métodos é a resolução de


usar a ajuda de casais leigos e amadurecidos
que  pertençam à congregação , dispostos a empregar
várias  tardes com um par de noivos, mantendo contato
com  eles após o casamento, especialmente na fase inicial
de entrosamento.
Em terceiro lugar, há a grande necessidade de um culto de
reconciliação. No Reino Unido, os oficiais encarregados de
recuperação social parecem estar mais  envolvidos do que
qualquer outra pessoa com casais e  famílias que
necessitam de ajuda. Há também  organizações de
voluntários, como o Concílio Nacional  de Orientação no
Casamento e a Agência de Discussão/ Família. Gostaria que
as igrejas se envolvessem mais  ativamente neste
ministério, especialmente no nível lo-cal. Os cristãos
deveriam se envolver na questão da  reconciliação. Um
número muito maior de pessoas  procuraria auxílio - e isto
bem cedo, quando mais  necessário se faz - se estivessem
informadas sobre onde  buscar simpatia, compreensão e
aconselhamento.  Algumas vezes é necessário uma terapia
marital, outras ocasiões basta um ouvido pronto a escutar.
Como  escreveu o Dr. Jack Dominian: “ A reconciliação
conjugal depende, em última análise, da habilidade de
os  cônjuges se transformarem suficientemente, de modo
a  irem ao encontro das necessidade mínimas do
outro.35  Mas um amigo pode muitas vezes ser o catalisador
capaz  de auxiliar as pessoas a detectar a necessidade de
mudança e desejá-la.

Os cristãos americanos estão à frente dos britânicos nesta


área; como resultado da epidêmica ocorrência de  litígios (
em 1982 foram registrados 22.000 processos por  dia) a
Sociedade Legal Cristã tomou a iniciativa, em 1977,  de
estabelecer o Serviço de Conciliação Cristã. Em resposta ao
chamado de Cristo aos seus seguidores para  que sejam
pacificadores, de acordo com seu ensino em Mateus 18:15-
17 e I Corindos 6:1-8, cies estão procurando  resolver
conflitos e decidir litígios em negócio, casamento, e outros
campos , fora dos tribunais. Oferecem então  mediação ,
reconciliação e (se estes falham), arbitragem,  como
alternativas à abordagem litigiosa dos tribunais civis.36

Em quarto lugar, há necessidade de ministério pastoral


para os divorciados. Em virtude de ser o casamento uma
“ordenança da criação”, não varia o propósito que  Deus
tem para ele; é o mesmo para o mundo, tanto quanto para a
Igreja. O mundo não-cristão muitas vezes  não é capaz de
cumprí-lo em razão da dureza do coração  humano.
Provavelmente por isso tem sua própria  legislação para o
divórcio. Entretanto, é justo esperar padrões mais altos no
seio da comunidade de Jesus. Ele  falou repetidamente aos
seus seguidores que não imitassem a maneira de proceder
do mundo. “Não deve  ser assim entre vós ”, disse ele.
Portanto, no casamento,  a vocação da Igreja não é
conformar-se com a tendência  popular, mas dar
testemunho do propósito de Deus com  relação à sua
permanência.

Contudo, a “dureza de coração” não se restringe ao mundo


não-cristão. Como acontece com o povo de Deus  do Velho
Testamento, bem como o do Novo Testamento, é necessário
haver alguma concessão à falibilidade e à  fraqueza
humana, e cada igreja ou denominação terá de  elaborar
seus próprios regulamentos. A política  sustentada pela
Igreja da Inglaterra, por várias décadas,  tem sido a de
recusar -se a casar na igreja qualquer pessoa  com esposa
anterior ainda viva, procurando ao mesmo tempo, oferecer
um ministério de compaixão/pastoral  aos divorciados.
Entretanto, em 1981, revertendo uma  votação feita em
1978, o Sínodo Geral resolveu que há  “circunstâncias em
que a pessoa divorciada pode casar-se na igreja, ainda que
esteja vivo o primeiro cônjuge”.
Assim sendo, procuram-se agora meios pelos quais algumas
pessoas divorciadas possam casar-se na igreja. Isto parece
certo, porque se Jesus e os apóstolos permitiram o divórcio
e o segundo casamento em certas  circunstâncias, então
esta permissão de um novo começo necessita daquilo que o
Professor Oliver ODonovan  chamou de visibilidade
institucional’. 

Que “arranjos institucionais” a igreja deve fazer? O


Professor 0’Donovan continua: ‘A questão primária  reside
em descobrir algum arranjo que dê forma adequada tanto à
sua crença com relação à permanência do  casamento,
quanto à sua crença concernente ao perdão  do pecador
arrependido’.i,y Pode-se expressar a  ambivalência ou
permitindo o segundo casamento na  igreja (dando ênfase
ao evangelho da redenção),  adicionando algum tipo de
disciplina (o reconhecimento do ideal divino do casamento)
ou recusando-o (dando ênfase ao ideal), enquanto adiciona
alguma expressão de  aceitação (reconhecendo o
evangelho). Eu, pessoal mente, me inclino para o primeiro.
Mas antes que se permita qualquer cerimônia na igreja, de
uma pessoa divorciada, esta deve exemplificar claramente,
e de duas maneiras,  sua adesão à revelação de Deus:
certificando-se de que o  segundo casamento se enquadra
nos limites das permissões bíblicas, verificando que o casal
interessado  aceita o ideal divino de permanência do
casamento.

Neste caso, a cerimônia eclesiástica não poderia ser


inteiramente idêntica à cerimônia de um
casamento  normal. Alguma expressão de arrependimento
deve ser incluída ou em ato privado, preliminar à cerimônia
ou  durante a própria cerimônia pública. Em qualquer
caso,  é preciso haver reconhecimento de que o divórcio é
um  declínio do ideal divino. Isto não significa
assumir  qualquer tipo de julgamento orgulhoso e
paternalista  com relação às pessoas envolvidas, mas, pelo
contrário,  confessar a nódoa universal de pecado que nós
mesmos levamos, tanto quanto eles.

Em tudo isto continuamos a ser atingidos pela tensão entre


a lei e a graça, o testemunho e a compaixão, o  ministério
profético e o cuidado pastoral. Devemos de  um lado, ter a
coragem de resistir aos ventos prevalecentes  da
permissividade e manter-nos na defesa do casamento, e em
oposição ao divórcio. O Estado continuará a  elaborar suas
próprias leis de divórcio, e a Igreja pode  ter acertado em
propor o conceito de ‘rompimento  irreversível’ como a
última base insatisfatória para a legislação numa sociedade
secular. Mas a Igreja também tem que afirmar seu próprio
testemunho com relação  aos ensinamentos do seu divino
Senhor, exercendo sua própria disciplina.

Por outro lado, devemos procurar compartilhar com


profunda compaixão do sofrimento daqueles
cujo  casamento fracassou, especialmente aqueles que
não  podemos conscientemente recomendar a buscar fuga
pelo  divórcio. Podemos, em determinada ocasião, sentir-
nos  com liberdade para recomendar a legitimidade de
uma  separação sem divórcio, ou mesmo um divórcio
sem  segundo casamento, tomando como justificação
I  Coríntios 7:11. Mas não temos liberdade de ir além
das  permissões do nosso Senhor. Ele conhecia a vontade
do  Pai, e se preocupava com o bem-estar dos seus
discípulos.  Seguindo-o, alcançaremos sabedoria, justiça e
compaixão.

Notas Bibliográficas
1* Mt 19:11 fI Co 7:7

2* Mc 12:25

3« Hb 13:14; I Tm 4:Iff.

4    • Ver a obra de O. Raymond Johnston, em 1978

London Lectures in Contemporary Christianity, publicada


sob o título Who Needs the Family?  (Hodder &
Stoughton, 1979).

5    • Marriage, Faith and Love de Jack Dominian

(Darton, Longman & Todd, 1981), págs. 49-83. Ver também


seu livro anterior Christian Marriage (Darton, Longman &
Todd, 1965)

6    • Ver Helping Children Of Divorce, de Judson J.

Swihart e Steven L. Brigham (Inter-Vasity Press, Illinois,


1982).

7    • Estatísticas tiradas de Social Trends, n9 13, ed. Deo

Ramprakash (HMSO, 1983), págs.29-31; e artigo por John


Witherow em The Times de 21 de  novembro de 1983; e
Spotlight 2, panfleto  publicado pelo Office Of Population
Censuses and Survey (HMSO, 1980)

8    • Open Marriage: a new lifestyle for couples

(Evans, New York, 1972), por George e Nena O'Neill. Este


livro é consultado e citado por George G. Gilder em Sexual
Suicide (1973; Bantam, 1975) págs. 47ff.
9* John Williams, For Every Cause? estudo bíblico do
divórcio (Paternoster, 1981), pág.12  10* Jack Dominian,
Marital Breakdown (Penguin, 1968), pág.42.

11 • John Murray, Divorce (Committee of


Christian  Education, Orthodox Presbyterian Church,
1953), pág.l.

12* Dt 22:20ff. cf. Lv 20:10.

13    • Os detalhes podem ser encontrados no tratado

Gittin, no Talmud Babilónico. Ver também Ed, 25:26.

14    • William L. Lane, The Gospel of Mark, New

International Commentary Series (Eerdmans and Marshall


Morgan & Scott, 1974) pág. 353.

15    • James B. Hurley, Man and Woman in Biblical

Perspective, (IVP, 1981), pág. 22-28.

16    • The Biblical View of Marriage and Divorce,

três artigos editados no Third Way, em outubro e novembro


de 1977 (vol. 1, números 20-22)

17* É verdade que/Marcos 10:3ff. registra que Jesus usou o


verbo "mandar"; mas parece haver aí a  referência ou à
legislação mosaica em geral, ou em particular à emissão do
certificado de divórcio. 18 • C.E.B.Cranfield em The Gospel
According to  Mark. Cambridge Greek Testament
Commentary

(CUP, 1959), págs. 319-20.


19- Mt 19:9; Mc 10:11; Lc 16:18.

20* Mt 5:32; Lc 16:18.

21 • John Murray, op.cit. pág.21

22* James B. Hurley, ob cit. p.103; cf também com p. 111.


As conclusões de John Murray são muito semelhantes ( op.
cit. págs. 27-28).

23    • John Murray, op.cit.,pág.65.

24    • RSV e NIV traduzem ‘como sabes tu...se salvará a

tua (teu) esposa/o?’ entendendo que a pergunta expressa


dúvida, ou mesmo resignação. Entretanto,  bem pode ser
que o apóstolo esteja expressando esperança. A Good News
Bible traduz o versículo assim: ‘Como podes ter certeza de
... que não  salvará tua (teu) esposa/o?’ A versão NEB é
ainda mais forte: ‘Pensa nisto: como esposa tu podes ser a
salvação do teu marido...’ Como comenta  F.F.Bruce: ‘Um
casamento misto pode ter assim  potencialidades
missionárias’ (New Commentary  Bible, 1971,pág.70). Por
isso o cônjuge cristão deve fazer o máximo para preservar
o casamento.

25    • Em The Teaching of the New Testament on

Divorce (William & Norgate, 1921), R.H. Charles


argumenta que, desde que em I Coríntios 7:39 o  oposto a
‘ligado’ é ‘livre para casar’, no v.9, portanto, ‘o direito para
tornar a casar é concedido

aqui ao marido ou à mulher cristã que é abandonado/a pelo


consorte incrédulo’ (pág.58).  26 • David Atkinson em To
Have and To Hold, The  Marriage Covenant and the
Discipline of Divorce (Collins, 1979), pág.28.

27* Ibid. pág. 70

28    • Ibid. pág. 71

29    • Ibid. págs. 75-76

30    • Ibid. pág. 91

31    • Ibid. pág. 151

32    • Ibid. pág. 152

33    • Ibid. pág. 154

35 • Care and Councel, 146 Queen Victoria Street, Londres,


EC4V 4BX

35    • Marital Breakdown, pág. 61

36    • Ver Lynn R. Buzzard e Laurence Eck, Tell it to

the Church; Reconciling out of Court (David C. Cook,


1982). O endereço de The Christian Legal  Society é Caixa
Postal 2069, Oak Park, Illinois  60303,USA. Ver também
Reconciliation and  Conciliation in the Marriage
Breakdown and  Conciliation (Board of Social
Responsability, Newsletter n- 111, dezembro de 1982.

37    • Oliver O'Donovan, Marriage and Permanence,

Grove Booklet em Ethics n- 26 (Grove Books, 1978),pág.20.

38* Ibid, pág.21


14. O DILEMA DO ABORTO

O debate sobre o aborto é admissivelmente complexo,


envolvendo aspectos legais, teológicos, éticos, sociais
e  pessoais. Consideremos também que se trata de
matéria  altamente emocional pois toca nos mistérios
da  sexualidade humana e da reprodução envolvendo,
muitas vezes, dilemas bastante dolorosos.

Apesar desta complexidade, os cristãos não têm a opção de


silenciar diante de uma tomada de decisão pessoal ou uma
discussão pública sobre este tópico. Pelo contrário,  dois
fatos fazem com que ele ocupe a prioridade da
nossa agenda.

Primeiro, o que a questão do aborto envolve é nada menos


que nossas doutrinas cristãs, tanto do homem  quanto da
mulher ou mais precisamente, a soberania de  Deus e a
santidade da vida humana. Todo o povo cristão  crê que o
Deus Altíssimo é o único doador, sustentador e aquele que
pode tirar a vida. De um lado, “ele mesmo é quem dá vida
respiração e tudo mais”; e “nele vivemos,  e nos movemos,
existimos,...” (At 17:28) De outro, como  diz o salmista a
Deus, “quando lhes retiras o fôlego, morrem e retornam ao
pó”. De fato, quando alguém  morre, a fé cristã luta para
afirmar como Jó: “O Senhor  o deu, e o Senhor o tomou;
louvado seja o nome do Senhor!”1

Para o cristão, portanto, tanto dar como tirar a vida, são


prerrogativas divinas. Embora não possamos  interpretar
“não matarás” como uma proibição absoluta,  já que a
mesma lei que proibia matar, também a sanciona  em
algumas situações (i.e. pena de morte e guerra santa), tirar
a vida humana é uma prerrogativa divina permitida a seres
humanos apenas por mandado divino específico.  Sem isto,
dar fim a vida humana é o máximo da  arrogância. Daí, as
fortes reflexões da Madre Tereza sobre o aborto:

“...somente Deus pode decidir pela vida e pela morte... Esta


é a razão do aborto ser um pecado terrível, pois não se está
matando apenas uma vida, mas se colocando  no lugar de
Deus; ainda assim, as pessoas decidem quem tem que viver
e quem tem que morrer. Querem fazer de  si mesmas o
Deus altíssimo. Querem tomar o poder de  Deus em suas
mãos. Querem dizer, “Posso fazer sem  Deus. Posso
decidir.” Isto é a coisa mais diabólica que a mão do homem
pode fazer...”2

Além disso, a questão do aborto tem a ver com nossa


doutrina do homem tanto quanto de Deus, pois, conquanto
o embrião possa ainda não ser desenvolvido,  todos
concordam que tem vida e é humano.

De qualquer forma que decidamos formular uma relação


entre a criança recém nascida e a não nascida,  nossa
avaliação do ser humano está inevitavelmente  envolvida.
Portanto, a atual prática quase indiscriminada  de aborto
reflete a rejeição da visão bíblica da dignidade humana. Era
este aspecto da situação que mais tocava Francis Schaeffer
e Everett Koop, em seu livro e filme “O Que Aconteceu com
a Raça Humana?” que trata do  infanticídio e da eutanásia
da mesma forma que o aborto.  Eles relacionaram com
perfeição “a erosão da santidade da vida humana” à "perda
do consenso cristão”.1

Logo, se a soberania divina e a dignidade humana são


desafiadas no debate do aborto, nenhum cristão consciente
pode ficar fora dele.
A Revolução nas Atitudes Públicas A segunda razão para se
levar esta questão a sério diz respeito à revolução que vem
acontecendo nas atitudes  públicas. Se realmente os
médicos assinaram ou não o  Juramento de Hipócrates
(quinto século a.C.), o fato é  que eles assumiram suas
próprias responsabilidades:

“Eu seguirei o método de tratamento que, de acordo com


minha habilidade e julgamento, considero benéfico para os
meus pacientes, e ainda, me absterei do que for deletério e
enganoso. Não prescreverei qualquer  medicamento mortal
a quem quer que seja, caso solicitado, nem darei sugestão
neste sentido; e do mesmo  modo, não darei à mulher um
contraceptivo para que aborte”.

Sendo algumas outras cláusulas do Juramento


decididamente antiquadas, a Declaração de
Genebra  (1948) as atualizou, enquanto que, ao mesmo
tempo, cuidou de incluir a promessa:

“Manterei o maior respeito pela vida humana desde sua


concepção.”

Não seria de se esperar que um país como o Japão, cuja


população cristã é de um por cento, refletisse uma  visão
bíblica de santidade da vida humana (embora, obviamente,
as tradições budistas professem que toda a vida é sagrada).
Assim, não ficamos surpresos com as  estatísticas que se
seguiram à liberação da legislação do aborto em 1948. Nos
primeiros oito anos, nada menos  que cinco milhões de
abortos foram realizados, e no  ano de 1972 o número
cresceu para um milhão e meio.4  Mas no Ocidente, o
herdeiro de muitos séculos de tradição, as expectativas são
ainda maiores.
Na Inglaterra o aborto permaneceu ilegal até o Ato da Vida
(Preservação) do Menor, de 1929, estabelecendo
que  nenhum ato seria punido “quando praticado na
intenção  de salvar a vida da mãe”. O Ato do Aborto de
1967, de  David Steel, pareceu a muitos como sendo
unicamente  uma extensão cautelosa do anterior. Solicitou-
se a dois  praticantes da medicina, registrados, que
manifestassem sua opinião, “formada em boa fé”, de que a
continuação  da gravidez envolveria tanto (1) risco para a
vida da mãe grávida quanto (2 e 3) risco de dano para ela
ou para a  saúde física ou mental do seu bebê, “maior do
que se a gravidez fosse terminada” ou “risco substancial da
criança  nascida sofrer de anormalidade física ou mental,
que a  tornasse seriamente deficiente”. Quaisquer que
tivessem  sido as intenções da Associação de Reforma da
Lei do  Aborto (quem dava a tônica do regulamento),
parecia  claro que suas consequências catastróficas não
foram  previstas pelos seus patrocinadores parlamentares.
Antes do Ato se tornar lei, o número de abortos legais
levados  a efeito anualmente nos hospitais do Serviço
Nacional  de Saúde da Tngíaterra e do país de Gales se
arrastou com lentidão à casa dos 6.100 (1966).5 Em 1968,
contudo,  o número já era de 24.000, e o ápice de 167.000
foi  alcançado em 1973.6 Por volta de 1983, mais de
dois  milhões de abortos legais tinham sido executados
desde a aprovação de Ato de 1967.

A situação nos Estados Unidos era ainda pior. Em 1970


uma senhora texana (usando o pseudônimo de Jane  Roe)
engravidou e decidiu lutar contra a legislação anti-aborto
do seu estado, levando à corte Henry Wade,  procurador
distrital de Dallas. Em janeiro de 1973, no agora conhecido
como caso Roe x Wade, a Suprema Corte  dos Estados
Unidos declarou por sete votos contra dois  que a lei do
Texas era inconstitucional.7 Seu julgamento  inibiu todo o
regulamento do aborto nos seus segundo  e terceiro
trimestres, regulando apenas em relação à saúde  física ou
mental da mãe. Este regulamento permitia  implicitamente
o aborto em qualquer estágio da gravidez.  O número de
abortos legais nos Estados Unidos em 1969 não chegava a
20.000. Em 1975, ultrapassou a marca de um milhão, e em
1980 já havia atingido a mais de um  milhão e meio. Isto
significa que em 1980, para cada  1.000 “nascimentos”
(naturais e induzidos), 300 foram abortos. De fato, mais de
4.250 bebês são abortados  diariamente, 177 por hora ou
três a cada minuto. No Distrito de Washington, a capital do
país, os abortos  agora superam o número de nascimentos
na proporção de três para um.8

O número total de abortos legais e ilegais através do


mundo era estimado, em 1968, entre trinta e trinta e cinco
milhões.9 Já deve ter aumentado até agora.

Estes números são tão surpreendentes que desafiam a


nossa imaginação. Não acho que Francis Schaeffer
e  Everett Koop estão exagerando quando escrevem
“O  Massacre dos Inocentes” ou John Powell SJ
quando  intitula o seu comovente livro de “Aborto: O
Holocausto Silencioso”.10 Para fortalecer ainda mais o seu
argumento,  apresenta seu livro com um mapa das “baixas
de guerra”,  no qual cada cruz representa 50.000
combatentes americanos mortos. As guerras da Coréia e do
Vietnam  têm apenas uma cruz cada. A Primeira Guerra
Mundial  tem uma cruz e meia; a Segunda Guerra Mundial
onze;

mas a “Guerra do Não Nascido” tem nada menos que 240


cruzes, representando os 12 milhões de abortos
legais americanos até o início de 1981.
Toda sociedade que tolera e legisla para si tais coisas,
deixou de ser civilizada. Um dos maiores sinais
da  decadência do Império Romano foi que os seus
bebês  indesejáveis eram “expostos”, isto é: eram
abandonados  à morte. Será que podemos dizer que a
sociedade  ocidental contemporânea é menos decadente
porque consigna seus bebês indesejáveis a um incinerador
de  hospital, em vez de os abandonar numa lata de lixo?
Na  realidade, o aborto moderno é ainda pior do que
as  exposições antigas neste aspecto, porque tem
sido  comercializado e se tornado, pelo menos para
alguns  médicos e clínicas, uma prática extremamente
lucrativa.11  A reverência pela vida humana é uma
característica  indispensável a uma sociedade humana e
civilizada.

A Questão Chave

Estas duas campanhas para uma política frouxa do aborto,


e os apologistas de uma mais rígida partem
seus argumentos de posições opostas.

Os favoráveis ao aborto enfatizam os direitos da mãe,


especialmente seu direito de escolha; os que se
opõem  eníatizam os direitos da criança não nascida,
e especialmente o seu direito de viver. Os primeiros vêem o
aborto como sendo um pouco mais do que
um  contraceptivo retroativo; os segundos, como um
pouco  menos que um infanticídio pré-natal. O apelo dos a
favor é usualmente o da compaixão (embora também para a
justiça dos que o vêem como os direitos da mulher); citando
situações nas quais a mãe e/ou o resto da família existente
sofreria com uma pressão intolerável se uma  gravidez
indesejável fosse levada a termo. O apelo dos  contra é em
geral e, especialmente, a justiça; eles acentuam  a
necessidade de defender os direitos da criança não nascida
impossibilitada de se defender.

Contudo, aqueles que se opõem ao aborto não estão faltos


de compaixão. Eles reconhecem as durezas e até mesmo as
tragédias que muitas vezes um bebê não  planejado possa
trazer. Por exemplo, seria financeiramente desastroso para
uma mãe grávida que já esteja desgastada por uma família
grande e exigente com um  lar já super povoado e o
orçamento familiar altamente  sacrificado, ter mais alguém
para alimentar. A família  simplesmente não poderia
suportar mais uma criança.  Vários são os fatores a
considerar: a própria mãe é quem  sustenta a família (por
ser viúva, divorciada, o marido é doente ou desempregado)
e ter um outro filho arruinaria  tudo; o marido é violento e
cruel, talvez alcoólatra ou  até mesmo um psicopata e sua
esposa não ousa permitir  que outro filho venha a sofrer
esta influência; ela é solteira e acha que não pode encarar
o estigma ou a desvantagem que ela ou a criança teriam de
suportar numa família  sem pai; ela é estudante, e dar
continuidade a gravidez  interferiria em sua educação ou
carreira; talvez sua gravidez seja fruto de adultério, incesto
ou ainda estupro,  e estas tragédias já são grandes demais
em si mesmas sem  que se lhes ajunte uma criança não
planejada e indesejada;  ela contraiu rubéola ou teve uma
ultra-sonografia prénatal que a leve a temer ter uma
criança com Síndrome de Dow ou qualquer outro defeito.

Todos estes casos, e muitos outros, causam grande


sofrimento pessoal e suscitam nossa sincera
compaixão  cristã. É fácil compreender porque algumas
mulheres  em tais situações optam pelo aborto, por lhes
parecer a única maneira de fugir delas e, também, porque
alguns  doutores interpretam a lei da forma mais liberal
que podem para justificar esta prática.

Mas os cristãos que confessam Jesus como Senhor e que


desejam viver sob a autoridade da sua verdade, justiça  e
compaixão, não podem jamais ser pragmatistas. Temos que
questionar a nós mesmos que princípios estão  envolvidos.
Nossa compaixão necessita tanto dos  pressupostos
teológicos quanto dos morais, pois se ela  se expressa às
custas da verdade ou da justiça, deixa de  ser uma
compaixão genuina.

A questão chave, então, é moral e teológica e diz respeito à


natureza do feto (foetus é a palavra latina para  “fruto”).
Como devemos pensar no embrião dentro do  ventre da
mãe? Pois é a nossa avaliação do feto que irá,  em grande
escala, determinar nossa atitude com relação  ao aborto.
Além do mais, embora outras questões de  princípios
estejam envolvidas na engenharia genética,  fertilização in
vitro e experiências embrionárias (não estou  pretendendo
abordar estas questões neste capítulo), ainda  nestas áreas
a principal questão é a mesma: qual o estado  do óvulo
fertilizado diante de Deus, quer seja no útero ou num tubo
de ensaio?

Rejeitamos como totalmente falsa e fundamentalmente


abominável a noção de que o feto é meramente uma massa
informe gelatinosa, uma bolha de tecido ou
uma  protuberância no ventre da mãe que pode, portanto,
ser  extraído e destruído como dentes, tumores ou
amídalas.  Parece que alguns ainda adotam posição
extrema. Por  exemplo, K. Hindell e Madelaine Simms
(manifestantes pró-aborto) escreveram que “clinicamente e
legalmente embrião e feto são meramente partes do corpo
da mãe e não seres humanos”.12 Tais pessoas insistem que
o feto  pertence à mãe que o carrega; que não se pode
referir a  ele como sendo independente dela ou como um
ser  humano em seu próprio direito; que removê-lo não
é  mais significativo do que uma remoção cirúrgica
de  algum tecido indesejável; e a decisão de abortar ou
não  abortar repousa unicamente sobre a mulher. Já que é
o  seu corpo é também sua a escolha, não cabendo
a  ninguém mais (e certamente nenhum homem,
as  feministas acrescentariam) se manifestar sobre o
assunto.  Uma mulher emancipada não pode ser forçada a
ter um filho; ela tem controle absoluto sobre seus poderes
e processos reprodutores.

Depois de uma passeata no Hyde Park organizada pela


Sociedade para a Proteção do Filho Não Nascido (Society
for the Protection of Unborn Child) em junho de 1983, nos
dirigíamos à rua Downing 10 para apresentar uma petição
ao primeiro ministro, quando do alto do  Whitehall um
grupo de mulheres jovens começou a gritar:

- Nem Estado nem religião.

Deixem que as mulheres decidam sua situação.

Subi para falar com elas e, calmamente mostrei-lhes que


nossa preocupação não era o destino da mulher, mas sim o
seu filho não nascido. Sua única resposta foi  berrar
obscenidades impublicáveis, e deixar bem claro  que eu
jamais conseguiria dar à luz uma criança em um milhão de
anos. Não estou querendo dizer que elas  estivessem
totalmente erradas, pois reconheço que aborto  é um
assunto que tem mais a ver com a mulher do que  com o
homem. É ela quem vai engravidar, talvez sem  seu
consentimento; é ela quem vai ter que aguentar
uma  gravidez, e quem vai ter que suportar o fardo de
cuidar  de uma criança nova. Para o homem também é
muito  fácil se esquecer disto. Entretanto, seu filho tem
direitos independentes antes e depois do seu nascimento, e
são  esses direitos que aquelas jovens em Whitehall
não reconheciam.

Não é apenas um fato teológico, mas fisiológico que


embora um embrião esteja dentro do corpo da mãe, ele não
é parte desse corpo. Isto é, parcialmente, porque o  filho
tem um genótipo distinto da mãe, mas também porque todo
o processo de gestação - da ovulação ao nascimento - pode
ser visto como uma espécie de  “expulsão” do filho com
vistas a sua suprema independência.

Há um segundo grupo de pessoas que busca o momento


decisivo da “humanização” do embrião em  alguns pontos
entre concepção e nascimento. Alguns  optam pela
implantação quando o óvulo, quatro ou cinco dias depois da
fertilização, desce da trompa de  falópio e se anexa ao
útero. Tanto é verdadeiro que a  implantação é um estágio
indispensável no desenvolvimento do feto, quanto que o
maior número de  abortos espontâneos (sempre devido a
anomalias do feto)  acontecem antes deste momento.
Contudo, a implantação muda apenas o ambiente do feto,
não sua  constituição. Em gerações anteriores a
“aceleração” era  vista por muitos como o momento do
“surgimento da  alma” do embrião ou pelo menos sua
evidência. Nós, porém, sabemos que este novo começo não
é o movimento da criança, mas a percepção da mãe.

A terceira opção é a “viabilidade”, o tempo que o feto, se


nascido prematuramente, seria capaz de  sobreviver.
Técnicas da medicina moderna, no entanto,  estão
continuamente adiantando este momento.
A quarta opção refere ao próprio nascimento como o
momento crucial.

Esta foi a opção adotada por Rex Gardner no seu livro


“Aborto: O Dilema Pessoal” (Abortion: The Personal
Dilemma) (1972). “Minha visão pessoal” ele  escreveu, “é
que enquanto o feto precisa ser cuidado de modo crescente
à medida que se desenvolve, deveríamos  assumir sua
primeira respiração, ao nascer, como o momento que Deus
lhe dá tanto a vida quanto o oferta  de Vida.” Cita Gênesis
2:7 como evidência bíblica,  quando Deus soprou nas
narinas o “sopro da vida”.  Apelou também para a
experiência humana comum: “um  sinal audível de alívio
circula pela sala de parto quando o bebê dá o seu primeiro
suspiro”.” Certamente é verdade  que não se prepara
nenhum funeral para um bebê que está para nascer, e que
as Escrituras geralmente falam de  nova vida que começa
com o novo nascimento .  Ainda assim isto não resolve a
questão, já que as Escrituras  também falam de Deus nos
“gerando”e da semente  “plantada”que leva a um “novo
nascimento”.14

Acrescentem-se a isto, gravuras de crianças no momento


exato que precede o nascimento revelando não
haver  diferença fundamental entre o bebê por nascer, e o
que  já nasceu: ambos estão independentes em suas mães,
ainda que de uma forma diferente.

O terceiro grupo de pessoas (no qual acho que deveria


incluir todos os cristãos) embora usando
diferentes formulações e chegando a diferentes conclusões,
se  voltam para a concepção ou fusão como o
momento decisivo em que um ser humano tem início. Esta é
a posição oficial da Igreja Católica Romana. O papa Pio XII,
por exemplo, disse em seu pronunciamento à  Sociedade
Católica Italiana de Parteiras, em 1951: “O bebê ainda não
nascido é um homem no mesmo grau e pela  mesma razão
da mãe”.15 Similarmente, muitos  protestantes - embora
alguns tenham dificuldade com o  não reconhecimento do
“grau” - afirmam que não existe um ponto entre concepção
e morte que possamos dizer  “depois deste ponto eu era
uma pessoa, mas antes eu  não era”. Pois, certamente, o
concebido está vivo, e a vida que possui é.vida humana. De
fato, muitos médicos  que não fazem profissão de fé cristã
reconhecem este  (ato. Assim, a primeira Conferência
Internacional sobre  o Aborto realizada no distrito de
Washington, em 1967,  declarou: “Não podemos encontrar
um ponto no tempo entre a união do esperma ao óvulo e o
nascimento de uma criança que nos permita dizer que isto
não é uma vida humana.16

As Bases Bíblicas

Para mim o fundamento bíblico das Escrituras para esta


visão se encontra no Salmo 139, onde o autor se maravilha
da onisciência e onipotência de Deus, e no  curso de sua
meditação faz uma declaração importante  sobre nossa
existência pré-natal. Este salmo não pretende ser estudo de
embriologia, mas através de imagens  poéticas e de
linguagem altamente figurativa (verso 15  “...no oculto fui
formado, e entretecido como nas profundezas da terra”), o
salmista está afirmando pelo  menos três coisas
importantes.

A primeira diz respeito à criação “pois tu formaste o meu


interior, tu me teceste no seio da minha mãe” (verso  13).
Duas metáforas simples são usadas para ilustrar
a  habilidade criativa de Deus, que são,
respectivamente, oleiro e tecelão. Deus é como um artesão
habilidoso que  o “criou” (ou melhor, “formou”) como um
oleiro  trabalha o barro. O mesmo pensamento aparece em
Jó  10:8, onde Jó afirma que as mãos de Deus o
“plasmaram  e o aperfeiçoaram” ou “formaram e
modelaram”. A outra  figura é a do tecelão que o “teceu”
(verso 13), que ainda  nos é apresentada em outra versão
como “me teceste”. Similarmente, Jó pergunta:

“Por ventura de pele e carne não me vestiste, e de ossos e


tendões não me entreteceste?” (10:10-11).
Em  conseqüência, o salmista prossegue: “Graças te dou,
visto  que por modo assombrosamente maravilhoso
me formaste; as tuas obras são admiráveis” (verso 14).

Mesmo sem pretender dar um relato científico sobre o


desenvolvimento do feto, os autores bíblicos
estão,  contudo, afirmando (no imaginário familiar do
antigo oriente) que o processo de crescimento embrionário
não  é casual nem mesmo automático, mas trata-se de
obra divina de habilidade criativa.

A segunda ênfase do salmista recai sobre a Continuidade.

Ele já é um adulto, mas olha para trás, para sua vida antes
e depois do nascimento. Refere-se a si mesmo, tanto antes
quanto depois do nascimento, usando os mesmos pronomes
pessoais “eu” e “mim”, pois tem conhecimento  de que
durante sua vida pré-natal e pós-natal ele é a
mesma pessoa, e faz um levantamento de sua existência em
quatro  estágios: Primeiro (verso 1), “tu me sondaste” (o
passado), segundo (verso 2 e 3), “sabes quando me assento
e quando me levanto e conheces todos os meus caminhos”
(o  presente); terceiro (verso 10), “ainda lá me haverá de
guiar  a tua mão, e a tua destra me susterá” (o futuro); e
quarto  (verso 13), “me entreteceste no seio da minha
mãe”(estágio  pré-natal). Em todos estes quatro estágios
(antes do  nascimento, do nascimento até o presente, no
presente momento, e no futuro), ainda assim, ele se refere
como  “eu”. Quem pensa e escreve como homem crescido
tem  a mesma identidade pessoal como o feto no útero.
Ele  tem conhecimento de não haver descontinuidade
entre  o seu ser pré-natal e pós-natal. Ao contrário, dentro
e  fora do útero da sua mãe, antes e depois do
seu  nascimento, como embrião, bebê, jovem e adulto, ele
é consciente de ser a mesma pessoa.

Chamarei a terceira verdade expressa pelo salmista, de


Comunhão pois ele é sabedor de que há uma
comunhão muito particular e pessoal entre Deus e ele. É o
mesmo Deus que o criou que agora o sustenta, conhece, o
ama,  e o susterá para sempre. O salmo 139 talvez seja o
relato  mais radicalmente pessoal do Antigo Testamento
da  relação de Deus com o crente individual. A relação
“eutu” aparece em quase todas as linhas. Tanto o
pronome  quanto o possessivo na primeira pessoa (“eu-me-
meu”)  aparecem quarenta e seis vezes no salmo, e na
segunda  pessoa (“tu-tua”), trinta e duas vezes. Mais
importante  do que a relação “eu-tu” é sua consciência da
relação  “tu-eu”, de Deus o conhecendo, cercando,
segurando  (versos 1-6), e aderindo a ele em aliança de
fidelidade,  jamais o deixando ou permitindo que parta
(versos 712)- „ „ .

De fato, “Comunhão” pode não ser a melhor descrição

desta terceira consciência porque a palavra implica um


relacionamento recíproco, enquanto o salmista está

dando um testemunho de um relacionamento estabelecido


por Deus e sustentado por Deus. Talvez a palavra “Aliança”
fosse mais adequada, uma aliança unilateral, ou aliança de
“graça”com Deus tenha se  iniciado e tenha sido mantida
por Deus. Pois Deus, nosso  Criador, nos amou e se
relacionou conosco muito antes que pudéssemos responder
num relacionamento consciente. O que faz de nós pessoas,
então, não é o fato de conhecermos Deus, mas que ele nos
conhece; não que amemos a Deus, mas que ele estabeleceu
o seu amor  sobre nós. Assim, cada um de nós já era uma
pessoa no  ventre da nossa mãe porque Deus já nos
conhecia e nos amava.

São estas três palavras (Criação, Continuidade e Comunhão


ou Aliança) que nos dão a perspectiva bíblica  essencial
para começar a pensar. O feto ainda não é
uma  protuberância no ventre da mãe nem mesmo um
ser  humano em potencial, mas já é uma vida humana
que,  embora ainda não madura tem a potencialidade de
crescer  dentro da plenitude da humanidade individual que
já possui.

Outras passagens bíblicas expressam o mesmo senso de


continuidade pessoal devido à graça divina. Muitas  vezes,
na Literatura de Sabedoria do Antigo Testamento,  há a
convicção expressa de que o Deus que “me fez no  útero"’
(Jó 31:15; Salmo 119:73), ainda que não saibamos como “se
formam os ossos no ventre da mulher”, (Ec,  11:5) e,
portanto, tem sido meu Deus “que me tirou do  ventre da
minha mãe” (Salmo 22:9,10; 71:6). Os
profetas  compartilhavam da mesma crença, seja da forma
individual como Jeremias ("Antes que te formasse no
ventre  materno, eu te conheci”, 1:5) ou do “Servo do
Senhor”  (que o Senhor formou e chamou no útero, Is
49:1,5) ou  por analogia com a nação de Israel (Is 46:3,4).
As  implicações destes textos na continuidade pessoal
não  podem ser evitadas por analogia às afirmações do
Novo  Testamento de que Deus nos “escolheu” em Cristo e
nos  “deu” sua graça em Cristo “antes da criação do
mundo”  (i.e. Ef 1:4; 2 Tm 1.9). O argumento seria, então,
de que  assim como não existíamos antes do início do
tempo,  exceto na mente de Deus, também não
tínhamos  existência no ventre, embora digam que Deus
nos  “conhecia” em ambos os casos. A analogia é
inexata, pois as situações são diferentes. Em passagens que
falam da vocação (se o chamado de profetas como Jeremias
ou de apóstolos como Paulo - cf.Gál 1:16), a ênfase não está
apenas na escolha graciosa de Deus, mas em
sua  “formação” ou “moldagem” deles para seu serviço
particular. Isto não foi “antes da criação do mundo”
nem  mesmo “antes da concepção”, mas “antes do
nascimento”, antes que eles tivessem sido
totalmente “formados”, isto é: enquanto eles ainda estavam
sendo  “moldados” no ventre. A continuidade pessoal antes
e depois do nascimento é para este ensinamento.

Há apenas uma passagem no Antigo Testamento segundo a


qual alguns intérpretes depreciam o feto  humano; trata-se
de Êxodo 2T22-25.17 A situação abordada  não está em
questão. Enquanto dois homens lutam,  acidentalmente
ferem uma mulher grávida, resultando  numa
descontinuação da gravidez ou ela “dá à
luz  prematuramente”. A pena estabelecida.dependia do
grau  do dano causado: não sendo grave, cabería uma
multa;  do contrário, seria necessário retribuição na
mesma  medida “vida por vida”etc. Alguns têm
argumentado  que a primeira categoria (sem dano grave)
significa a  morte da criança, enquanto a segunda é dano
sério à  mãe, e que, portanto, a mera imposição de uma
multa  no primeiro caso indica que o feto foi tido como
de  menor valor que a mãe. Esta é uma interpretação
barata.  Contudo, parece muito mais provável que a escala
de  penalidade deveria corresponder ao grau da injúria,
à  mãe ou ao filho; no caso mãe e filho são avaliados
da mesma forma.

Voltando ao Novo Testamento, tem sido sempre mostrado


não apenas na ocasião do encontro entre Maria  e Isabel
quando, ambas grávidas, o bebê de Isabel (João  Batista)
“saltou no seu ventre” em saudação ao bebê de  Maria
(Jesus), e que Lucas aqui usa a mesma palavra  “brefos”
para uma criança não nascida (1: 41-44) como  ainda mais
adiante vai usar a mesma palavra para bebê recém-nascido
(2: 12-16) e para as crianças que eram trazidas para Jesus
abençoar (18:15).

É por manter toda esta continuidade que a tradição cristã


afirma a respeito de Jesus no Credo dos Apóstolos, que ele
era “concebido do Espírito Santo, nascido da Virgem Maria,
sofreu sob o poder de Pondo Pilatos, foi crucificado, morto
e sepultado,... e ao terceiro dia  ressurgiu...” Através de
todos estes eventos, do início ao  fim, Jesus era, e é o
mesmo Jesus que foi concebido no ventre da virgem mãe.

A ciência médica moderna parece confirmar este ensino


bíblico. Foi apenas nos anos 60 que o código genético  foi
elucidado. Agora, sabemos que o momento em que o óvulo
é fertilizado pela penetração do esperma, os  vinte e três
pares de cromossomas estão completos, o  zigoto tem um
único genótipo que é distinto de ambos os pais, e o sexo da
criança; tamanho e forma; cor de  pele; cabelos e olhos;
temperamento e inteligência já estão  determinados. Cada
ser humano começa como uma  simples célula fertilizada,
enquanto um adulto tem cerca de trinta milhões de células.
Entre estes dois pontos (fusão  e maturidade), quarenta e
cinco gerações de divisões de  células são necessárias, e
quarenta e uma delas ocorrem antes do nascimento.

A fotografia médica pré-natal tem demonstrado as


maravilhas do desenvolvimento fetal. Guardo na  memória,
particularmente, as belíssimas fotos do livro  Uma Criança
Nasce (A Child is Born)18 do fotógrafo suíço  Lennart
Nilsson. Entre três semanas e três semanas e  meia, o
coraçãozinho começa a bater. Na quarta, embora  o feto
seja apenas cerca de um quarto de polegada
de  comprimento, a cabeça e o corpo já se distinguem,
como  também os olhos rudimentares, orelhas e boca. Na
sexta  ou sétima semana o funcionamento cerebral pode
ser  detectado, e na oitava (o tempo que o aborto começa
a  ser executado), todos os membros do corpo
estão  aparentes, incluindo dedos das mãos e dos pés
e impressões digitais. Na nona ou décima, o bebê pode usar
suas mãos para segurar, a boca para sugar e pode  até
mesmo chupar o dedo. Lá pela décima terceira  semana,
completa-se o primeiro trimestre; o embrião
está  totalmente organizado, e um bebê em miniatura
repousa  no ventre da mãe. Ele pode mudar de posição,
responder  a um sofrimento, barulho, luz e até mesmo ter
um acesso de soluços. Daí em diante, a criança vai apenas
se  desenvolver em tamanho e força. Ao término do
quinto mês e início do sexto (antes que o segundo trimestre
se  complete e enquanto a gravidez ainda não está dois-
terços  completa), o bebê tem cabelos, pestanas, unhas
e  mamilos, e pode chorar, agarrar, bater e chutar (o
que  algumas vezes acontece depois que um aborto foi
feito  por esterectomia, para o extremo desgosto da
equipe médica).
Gestantes afirmam por experiência própria que têm a
sensação de estar carregando uma criança viva.
Algumas  vezes os pais dão ao seu pequeno ser um
apelido engraçado, especialmente se ainda desconhecem o
sexo.  Mas, também, dizem com orgulho: “Temos um bebê
a caminho!” Durante a gravidez, uma senhora disse que se
“sentia ser a mãe de uma pessoa, com
certas  responsabilidades maternais antes do nascimento e
outras  depois do nascimento”. Uma outra escreveu:
“meus  sentimentos sabem que isto é uma pessoa e, que,
portanto,  tem os seus direitos independentes diante de
Deus”.

Um Debate Cristão Contemporâneo

Seria desonesto dizer que todos os cristãos vêem o assunto


sob o mesmo prisma, mesmo aqueles que buscam  se
submeter à autoridade das Escrituras. Uma
aparente  diferença de opinião surgiu a partir de um
seminário  interdisciplinar de teólogos e doutores em
1983,  patrocinado pelo Instituto de Londres para
o  Cristianismo Contemporâneo e a Irmandade
Cristã  Médica. A mensagem chave foi dada por Canon
Oliver 0’Donovan, catedrático de Teologia Moral e Pastoral
de  Oxford, sob o título de “E Quem é uma Pessoa?”
Seu  ponto de partida foi a parábola do bom samaritano.
Foi  exatamente quando Jesus declinou de responder
à  pergunta “e quem é meu próximo?" estabelecendo
uma  série de critérios para que não houvesse critérios
(quer  seja auto-conscientização, razão ou amor
responsivo)  pelos quais decidir quem é uma “pessoa”. Em
vez disto,  o bom samaritano identificou seu próximo
se  preocupando com ele, já que “a verdade do próximo
se conhece pelo engajamento”.
Dessa forma, a questão “quem é uma pessoa?” não pode
ser respondida especulativamente. E o contrário:  só
chegamos a reconhecer alguém como uma pessoa “a partir
de um compromisso moral prévio de tratá-la como  uma
pessoa”. Mais tarde, então, chegaremos a conhecê-la à
medida que ela se descobre para nós em  relacionamentos
pessoais. Não que pessoalidade se confira  a alguém pela
nossa decisão de tratá-lo como pessoa, mas pessoalidade se
revela desta forma. A pessoalidade se  torna aparente em
relacionamentos pessoais, embora não  seja estabelecida
por eles. Ao mesmo tempo, antes de  nos comprometermos
com o serviço de uma pessoa, é  correto buscar evidências
de que é apropriado fazê-lo,  quer pela aparência (no caso
de um feto), quer por nosso conhecimento científico de seu
genótipo singular.

Temos, portanto, três estágios: Primeiro, deve haver


reconhecimento, adequando o entrosamento com
uma  pessoa como pessoa; a seguir, temos compromisso,
nos  preocupamos com ela como pessoa; Terceiro, vem
o  encontro: “Aqueles que tratamos como pessoas
quando  ainda nem são nascidos, se tornam conhecidos de
nós como  pessoas depois de nascidos”. Estes três
estágios  reconhecem a gradualidade do desenvolvimento
dentro  do encontro pessoal, enquanto afirmando a
realidade da  pessoalidade desde o momento da
concepção.1'

Em um artigo não publicado de nome “A Lógica dos


Começos”, o professor Donald MacKay, diretor
do  Departamento de Pesquisa de Comunicação e Neu-
rocíência da Universidade de Keele discorda do argumento
do professor 0’Donovan. “Coisas são trazidas  à existência
de vários modos,’' escreve. Por exemplo,  artefatos (como
um carro) são montados peça por peça; nuvens de chuva se
formam pela condensação; uma mistura explosiva de gás e
ar se desenvolve gradualmente, enquanto plantas e animais
crescem. Cada um desses  processos tem um produto final
(um carro, uma nuvem  nimbo, uma explosão, uma planta
madura ou um animal), mas é difícil perceber o momento
exato que isto vai acontecer, a natureza exata da mudança
que acontece, e quando.

Isto leva Donald MacKay a criticar a linguagem de


“potencialidade”. Para se certificar, o início de
cada  processo tem a potencialidade de alcançar o
produto  final, garantidas as condições capacitadoras, mas
isto  não justifica assertivas ontológicas sobre os
estágios  anteriores. Por exemplo, vários componentes se
tornarão  um carro se juntados de forma apropriada, mas
não nos  referimos a ele como um “carro em potencial”,
porque  ele poderia, em vez disto, acabar no ferro velho.
Podemos então nos referir a um óvulo fertilizado como um
“ser  humano em potencial”? Sim, no sentido de que ele
irá  amadurecer se proceder a uma gestação normal, mas
não,  se isto nos levar a atribuir ao óvulo as
propriedades específicas do produto final.

O valor da linguagem da “potencialidade” é que ela enfatisa


a importância dos começos, expectativas e  obrigações
resultantes; o perigo é imaginar que todos os  atributos e
direitos do produto final já pertençam ao começo. Eles não
pertencem, mesmo que haja uma linha  direta de
continuidade entre os dois.

Em particular, Donald MacKay conclue, antes que o leto


possa corretamente ser considerado uma “agência  pessoal
consciente”, há certos requisitos de processamento  de
informação necessários à auto-supervisão humana.  Não se
trata de reduzir uma pessoa a um cérebro, mas de  dizer
que uma pessoa não pode ser personificada numa estrutura
que ainda carece de um desenvolvimento cerebral
adequado. “A capacidade de manter
pessoalidade  consciente é uma propriedade sistêmica do
sistema nervoso central.” Por um lado, o óvulo fertilizado é
uma  “estrutura com a mais rica e o mais
estranhamente  misterioso repertório conhecido do
homem”, pois pode  se desenvolver na “corporificação de
um novo ser humano à imagem de Deus, amado por Deus,
repleto  de potencialidades, de significado não meramente
terreno, mas de significado eterno”. Por outro lado, tratá-lo
como  “uma pessoa com os direitos de uma pessoa” é
um exemplo conspícuo de um “ponto de partida”.20

Resumindo, Oliver 0’Donovan insiste que o feto tem


“pessoalidade” desde o momento da fusão e que, portanto,
devemos nos empenhar em seus cuidados,  embora apenas
mais tarde sua pessoalidade será revelada  em
relacionamentos pessoais. Donald MacKay concorda  que a
partir do momento da fusão, há vida biológica e  um
maravilhoso repertório de potencialidade, mas apenas  se
torna pessoa possuindo direitos e exigindo
cuidados  quando o desenvolvimento do cérebro torna
possível a auto-supervisão.

O conflito entre os dois professores parece irreconciliável.


Ainda assim, eu creio haver muito mais em comum entre
eles do que possa parecer à primeira vista, e não creio que
um possa estar negando de todo as  afirmações do outro.
Donald MacKay enfatiza o desenvolvimento do feto, embora
não negue que o óvulo fertilizado tenha um repertório rico.
Oliver 0’Donovan afirma que desde o início da concepção já
existe um genótipo único e completo, e é verdadeiramente
uma  pessoa, conquanto não negue que o seu destino
seja  alcançar a maturidade humana. Não estará isto na
base  da velha tensão (com a qual o novo Testamento
nos  familiarizou) entre o “já” e o “ainda não”? Tertuliano
já  expressou isto no fim do segundo século: “Ele também
é  um homem que está por ser; você tem o fruto já
na  semente.”21 Em nossos próprios dias, Paul
Ramsey  colocou desta forma: “O indivíduo humano vem a
existir  como uma partícula de minuto de informação...
Seu  subseqüente desenvolvimento pré-natal e pós-natal
pode ser descrito como um processo de se tornar o que já é
desde  o momento de sua concepção”.22 Lewis Smedes
chama o  estado de um feto de “profunda ambiguidade
ontológica - a ambiguidade de não ser alguma coisa ainda e
ao  mesmo tempo tendo as qualidades essenciais do
que sera /

Isto me leva de volta ao Salmo 139, e à razão do senso de


continuidade do ser do salmista, isto é, o constante amor de
Deus. De fato, é o compromisso pessoal,  amoroso de Deus
com a criança ainda não nascida que  me deixa
desconfortável com as analogias impessoais de  Donald
MacKay (artefatos materiais, nuvens, gases,  plantas e
animais). A iniciativa soberana de Deus em c riar e amar é
a compreensão bíblica da graça. Donald MacKay declina de
atribuir pessoalidade ao feto recém  concebido, porque
como ainda não tem cérebro para  sustentar tanto a auto-
supervisão quanto relacionamentos  conscientes. Mas,
suponhamos que o relacionamento  vital que confere
pessoalidade ao feto seja o amor  comprometido e
consciente de Deus com ele, em vez do dele com Deus? um
tal relacionamento unilateral é visto nos pais que amam seu
filho e se empenham no seu cuidado e proteção muito antes
que ele seja capaz de  corresponder. Uma iniciativa
unilateral é o que faz a graça ser graça. E, de fato, a graça
de Deus que confere à criança que ainda não nasceu, desde
o momento da sua  concepção, a situação singular que já
goza e o destino  singular que herdará adiante. É a graça
que une esta  dualidade do atual e do potencial, o já, e o
ainda não.

Implicações e Conclusões

Como irá nossa avaliação da singularidade do feto humano


afetar nosso pensar e agir?

Para começar, isto mudará nossas atitudes. Já que a vida do


feto humano é uma vida humana com o  potencial de se
tornar um ser humano maduro, temos  que aprender a
pensar na mãe e na criança não nascida  como dois seres
humanos em diferentes estágios de  desenvolvimento.
Médicos e enfermeiras têm que  considerar que eles têm
dois pacientes em vez de um, e devem buscar o bem estar
de ambos. Advogados e  políticos precisam pensar da
mesma forma. Consta na

Declaração dos Direitos da Criança (1959) das Nações


Unidas, que a criança necessita de “salvaguardas
e  cuidados especiais, incluindo proteção legal
apropriada,  antes e depois do nascimento”. Os cristãos
desejariam  acrescentar “cuidados extras antes do
nascimento”, pois  a Bíblia tem muito a dizer sobre o
cuidado de Deus  pelos indefesos, sendo as crianças que
ainda não nasceram as mais indefesas de todas as pessoas
pois elas não têm voz para pleitear sua própria causa e são
indefesas para  proteger sua própria vida. Assim, é nossa
responsabilidade fazer por elas o que não podem fazer por
si mesmas.
Todos os cristãos, portanto, deveriam ser capazes de
concordar que o feto humano é um princípio
inviolável.  Quando Lord Ramsey era arcebispo de
Canterbury disse à Assembléia da Igreja em 1967: “Temos
que declarar como  normativa a inviolabilidade geral do
feto... Temos o  direito de continuar a ter, como um dos
maiores dons  do mundo, a crença de que o feto humano
deve ser  reverenciado como o embrião de uma vida capaz
de vir a refletir a glória de Deus...3

É esta combinação do que o feto humano já é com o que um


dia poderia ser que faz as realidades do aborto  tão
horríveis. Como pode alguém, conceber harmonizar  as
técnicas brutais do aborto com um potencial espelho  da
glória de Deus?

O método mais antigo é “D e C” dilatação e curetagem,


onde a cérvice é dilatada para facilitar a inserção de
um  instrumento: tanto pode ser usada uma “cureta” com
a  qual a parede do útero é arranhada até que o feto
seja  cortado em pedaços, quanto pode ser usado um tubo
de  sucção, através do qual ele é despedaçado. Em
qualquer  dos casos, acontece um desmembramento
violento e sangrento.

O segundo método (empregado entre doze e dezesseis


semanas após a concepção) é o de se injetar uma
solução  tóxica (usualmente salina) através de uma
agulha  comprida que entra pelo abdome da mãe, indo até
o  saco amniótico envolvendo o feto, que é
assim  envenenado, queimado e morto, e então “espon-
taneamente”expelido.

Num estágio mais adiantado de gravidez, usa-se a cirurgia,


tanto uma histerotomia que lembra uma  cesariana (exceto
que neste caso o bebê é tirado do útero para ser morto, não
para ser salvo) ou uma histerectomia completa pela qual o
útero e o feto são removidos juntos, e descartados juntos.

Um quarto método, uma alternativa para a cirurgia, é o uso


de prostaglandina, um hormônio que induz a um  parto
prematuro imediato - sempre de um bebê vivo.

Um conhecimento factual destes procedimentos deveria


nos levar a rever nosso vocabulário, pois os  eufemismos
populares tornaram mais fácil para nós esconder a verdade
de nós mesmos. O ocupante do útero  da mãe não é um
“produto de concepção” ou “material gamétrico”, mas uma
criança não nascida. Cada “gravidez” não diz mais do que o
fato de que uma mulher foi “emprenhada”, ao passo que a
verdade em linguagem  antiquada diz que ela está “de
barriga”.

Como podemos falar do “término da gravidez” quando o


que está terminada não é apenas a gravidez da mãe, mas a
vida da criança? E como podemos descrever o aborto médio
de hoje como “terapêutico” (uma palavra  originalmente
usada apenas quando a vida da mãe estava  em risco),
quando a gravidez não é uma doença que  necessita de
terapia? E ainda: o que o aborto efetua  atualmente não é
uma cura, mas um assassinato. Como  podem as pessoas
pensar em aborto como nada mais  que uma espécie de
anticoncepcional, quando o que ele  faz não é prevenir
contra a concepção, mas destruir o cencebido? Precisamos
ter a coragem de usar a linguagem correta. Aborto induzido
é feticídio: é a deliberada  destruição de uma criança não
nascida; o derramamento do sangue de um inocente.

Então o aborto não é justificado nunca?


Para responder a esta pergunta de uma maneira que seja
tanto fiel quanto realística, teólogos e doutores  precisam
uns dos outros. São necessárias mais
consultas interdisciplinares pois os médicos são compreen-
sivelmente impacientes com os teólogos (porque
estes  tendem a não ser práticos), fazendo
pronunciamentos  de torre de marfim não relacionados a
dilemas clínicos  dolorosos. Teólogos, por sua vez, são
compreensivelmente  impacientes com os médicos (posto
que tendem a ser pragmáticos), tomando decisões clínicas,
não controladas  pelos princípios teológicos. O princípio
pelo qual  deveríamos ser capazes de concordar é bem
expresso como  o primeiro objetivo da Sociedade para
Proteção da  Criança Não Nascida, que é: “a vida humana
não deveria  ser tirada, exceto em casos de necessidade
urgente”.

O professor G. R. Dunstan deve estar certo quanto a haver


uma ética de “feticídio justificável”, por analogia  com
“homicídio justificável”.24 Mas se aceitarmos
a  inviolabilidade geral do feto humano, então cada
exceção  tem que ser rigorosa e especificamente
questionada. Desde o Ato da Vida da Criança (Preservação)
de 1929, o aborto para salvar a vida da mãe tem sido legal
na Inglaterra,  embora não perdoado pela Igreja Católica
Romana.  Devido às técnicas médicas modernas e
melhoradas é  difícil surgir um caso destes, mas se pode
imaginar uma  situação próxima a esta quando uma
gravidez indesejada  passa a constituir uma ameaça de
colapso total para uma mãe já sobrecarregada e neurótica,
podendo se transformar numa “ruína física ou mental”25 ou
ainda  representar um risco dela vir a tirar a sua própria
vida.
De acordo com a tradição cristã, a vida humana pode ser
tirada para proteger uma outra vida i. e. , em
defesa  própria; não temos nenhuma liberdade de
introduzir morte numa situação onde ela não existe.

O que dizer a cerca do “risco substancial” da criança


nascer “seriamente incapacitada”, que é a quarta
cláusula  do Ato do Aborto de 1967? Exames pré-natais
como a  ultra-sonografia ou um teste do líquido amniótico
já  podem revelar anormalidades no feto por volta do
quarto  mês de gravidez. Seria o aborto então justificado?
Muitos  acham que sim. O Dr. Glanville Williams assim
se  manifestou sobre o assunto: “Permitir o
desenvolvimento  de um feto deficiente é um mal horrível,
muito pior do  que qualquer outro que possa ser visto no
aborto.26  Discutindo a trágica possibilidade de uma mãe
dar à luz um filho possivelmente idiota ou um monstro, ele
vai  ainda mais longe: “Uma eutanásia praticada pela mãe
é  exatamente igual a uma cadela que mata seus
filhotes  deformados não podendo, em confiança, ser
pronunciada como imoral.”2'

Como poderia uma consciência cristã reagir a uma tal


possibilidade? Certamente que com horror. A
única  exceção seria para a criança anacefálica (nascida
sem o  cérebro) ou uma criança tão totalmente disforme
que  seria incapaz de uma existência independente; a
estas  poder-se-ia permitir a morte, pois, em tais casos, o
feto  não é reconhecido como um ser humano, mas a
quem, geralmente, se refere como sendo um “monstro”.

Contudo, há pelo menos três razões pelas quais um


procedimento tão drástico deva ser reservado apenas
para  os casos mais excepcionais, e não ser extendido a
outras  anormalidades mais graves. Primeiro: diz-se
atualmente,  com muita freqüência, que a questão não é a
“santidade”  da vida, mas a “qualidade” da vida, e que não
vale a  pena viver quando se é gravemente deficiente.
Quem, entretanto, tem a presunção de poder decidir isto?

Para mim, o mais comovente discurso sobre o assunto foi


feito por Alison Davis, no Comício de Hyde Park, em junho
de 1983. Falando de uma cadeira de rodas, ela referia a si
própria como uma “feliz atrofia de coluna  adulta”. “Posso
imaginar bem poucos conceitos mais terríveis do que dizer
que algumas pessoas estariam  melhor mortas e que,
portanto, poderiam ser mortas para o seu próprio bem. Um
médico ouvindo-a dizer que  era feliz por estar viva, “fez a
inacreditável observação  de que ninguém podia julgar a
sua própria qualidade de  vida, e que outras pessoas
poderiam muito bem considerar miserável uma vida como a
minha!” Pelo  contrário, ela insistiu, “em sua maioria, as
pessoas  deficientes estão bem satisfeitas com a qualidade
de suas  vidas”. Acima de tudo, é o amor que dá qualidade
à vida, e faz valer à pena viver, e somos nós - os vizinhos -
que podemos decidir se damos amor aos deficientes,  ou
não. A qualidade de suas vidas está em nossas mãos.

Em segundo lugar, aceito o fato de que uma criança


deficiente posse ser destruída antes do nascimento,
porque  não o fazemos também depois do nascimento? De
fato,  a prática do infanticídio já começou. Os médicos,
por  certo, não usam esta palavra, e alguns tentam
persuadir a si mesmos de que deixar os bebês morrerem de
fome  não é matar, “mas eu gostaria de apostar como
mudariam de opinião,” diz Alison Davis, “se fizéssemos isto
com  eles!” O fato solene é que se a sociedade está
preparada  para matar uma criança que não nasceu sob as
bases  únicas de que ela será deficiente, não há razão
lógica  para que não continuemos a matar o bebê
excepcional;  não há razão lógica para não matarmos o
bebê  deformado; o que está em estado de coma, vitimado
por  um acidente; o idiota e o senil. O deficiente se
torna  descartável quando sua vida é julgada “imprestável”
ou  “improdutiva”, e aí então, estamos de volta ao
horrível Terceiro Reich de Hitler.

Os cristãos concordarão com Jean Rostan, o biólogo


francês, que escreveu: “De minha parte, creio que não  há
vida tão degradada, desestruturada, deteriorada
ou  empobrecida que não mereça respeito e que não valha
à  pena defender com zêlo e convicção... tenho a
fraqueza  de crer que é uma honra para nossa sociedade
pretender  se dar o luxo de sustentar a vida pela sua
inutilidade,  incompetência, e incurabilidade de membros
doentes.  Eu quase mediria o grau de civilidade de uma
sociedade pelo acúmulo de esforços e vigilância que impõe
sobre si própria, por puro respeito â vida.”’8

Uma terceira razão para não abortar o deficiente é que, em


assim fazendo, mortais falíveis estariam  brincando com
Deus. Nós não temos tal autoridade, e os que se conferem
este direito estão para cometer graves erros.

Maurice Baring costumava contar a história de um médico


que perguntou a outro:

“Quero ouvir a sua opinião sobre o término de uma


gravidez. O pai era sifilí tico e a mãe tuberculosa.
Dos  quatro filhos nascidos, o primeiro era cego, o
segundo  morreu, o terceiro surdo e mudo e o quarto
também tuberculoso. O que teria feito?”

-    Eu teria posto fim a gravidez.


-    Então você teria matado Beethoven.29

Em toda esta discussão, temos de estar atentos contra as


racionalizações egoístas. Temo que a verdadeira razão pela
qual dizemos que uma deficiência grave seria um  fardo
insuportável para uma criança (se nos fosse  permitido
nascer) é que ela seria um fardo insuportável  para nós.
Mas os cristãos devem lembrar que o Deus da  Bíblia
expressou o seu cuidado especial pelo deficiente e fraco.

O que faremos? Primeiro, precisamos nos arrepender.


Concordo com Raymond Johnston, o diretor da
CARE  Trust,30 que escreveu num artigo de jornal:
“Pessoalmente,  estou convencido de que a destruição de
um não nascido nesta escala deliberada, massificante, tem
sido a maior  ofensa regularmente perpetrada na Grã-
Bretanha e seria a primeira coisa que um profeta do Velho
Testamento redivivo reprovaria em nós.”

Dr. Francis Schaeffer e Dr. Everett Koop dedicaram seu


livro 0 Que Aconteceu à Raça Humanai “Àqueles que foram
roubados da vida - os não nascidos, os fracos, os doentes e
os idosos - durante os anos obscuros da loucura,  egoísmo,
luxúria e ganância pelas quais as últimas décadas do século
XX são lembradas”. Estariam eles certos ao condenar nossa
civilização ocidental “iluminada” como  a “época obscura”?
Pelo menos nesse assunto eu acho  que estavam, e como
cristão estou envergonhado de não  termos sido “a luz do
mundo” que Jesus queria que fôssemos.

Em segundo lugar, temos que assumir total


responsabilidade pelos efeitos de uma política de
aborto  arrochada, caso isso possa acontecer. Tomar
providências nesse sentido sem que estejamos prontos para
assumir  as conseqüências seria mera hipocrisia. Não
devemos  ser ocasionadores de “abortos de fundo de
quintal”, em  vez disto, devemos querer ajudar a mulher
grávida a superar qualquer relutância que possa sentir com
relação  a ter o seu bebê, e ver se lhe foram dadas todas
as  oportunidades - pessoal, médica, social, e
suporte  financeiro. Deus nos diz para “levarmos as cargas
uns  dos outros, e assim cumpriremos a lei de Cristo”
(Gl,  6:2). Devemos querer nos certificar de que, embora
alguns  bebês não são desejados (e até mesmo desamados)
pelos seus pais, nenhum bebê é indesejável pela sociedade
em  geral, e pela Igreja em particular. Não deveríamos
hesitar  em nos opor ao aborto, e desejar o nascimento de
cada criança.

Gravidez é um tempo de instabilidade emocional e, dessa


forma, as mentes e sentimentos das mães algumas  vezes
mudam.

Rex Gardner se refere a dois relatórios sobre mulheres às


quais o aborto havia sido recusado. Em um dos casos, 73%
delas e, em outro, 84% disseram que ficaram felizes  por
não terem tido suas gestações terminadas. Ele faz menção
ainda de Sir Stallworthy que conta que algumas  das
pessoas mais felizes que conhece são as que lhe disseram:
“Você não se lembra, mas a primeira vez que  vim aqui eu
queria um aborto. Dou graças a Deus por  você não ter
concordado, porque esta criança trouxe uma alegria para o
nosso lar como jamais experimentamos  antes.” Como para
aqueles que acham que o trabalho de  criar um filho seria
grande demais, há uma extensa fila  de casais inférteis
ansiando por uma chance de adotar um.

Madre Tereza diz, “estamos combatendo o aborto com a


adoção”. Eu agradeço a Deus pelas organizações que  têm
sido pioneiras no ministério de apoio a mulheres  grávidas,
como o “Direito de Nascer” no Canadá e  Estados Unidos,
“Alternativas para o Aborto Internacional” (cuja publicação
é chamada de Batimento  Cardíaco (Heartbeat), a LIFE e
SPUC (Sociedade para a Proteção da Criança Não Nascida)
na Inglaterra.31 De modos diferentes, elas estão oferecendo
serviços tais como: aconselhar mulheres com gravidez não
planejada;  prestando socorro de emergência àquelas que
estão em  desespero; dando conselho para problemas
práticos;  encontrando acomodação para mães, tanto antes
quanto  depois do parto; ajudando a obter empregos para
elas;  ajuda financeira e organizando grupos de apoio
pessoal.

Como escreveu Louise Summerhill, fundadora do “Direito


de Nascer”, “Nós ajudamos em vez de abortar;  preferimos
dar um mundo melhor para os bebês que  estão chegando,
em vez de lhes tirar a vida.”32

Em terceiro lugar, precisamos manter uma campanha


positiva, social e educacional. Os cristãos não devem
se  envergonhar de ensinar exaustiva e constantemente
o  entendimento bíblico da humanidade e do valor,
até  mesmo sagrado, da vida humana. Temos que
reconhecer  que todo aborto se deve a uma gravidez
indesejável, e  que sempre se deve a uma falência de
alguma espécie.  Muitas vezes, é à falha sexual, quer seja
pela falta de  autocontrole sexual (especialmente dos
homens, que  geralmente escapam as trágicas
conseqüências dos seus  atos) ou pelo mau uso de um
contraceptivo. O Quadro  do Sínodo para Responsabilidade
Social da Igreja da Inglaterra apelou para um esforço maior
na educação  social”(e também moral, devemos
acrescentar), para  "reduzir o número de gravidez
indesejada”, “para correr  insidiosamente o hábito mental
que leva diretamente do reconhecimento da gravidez ao ato
da busca do aborto”,  e levar o público a “buscar uma
solução melhor”.33 Este é “O Melhor Caminho” sobre o qual
Rex Gardner escreve em seus capítulos 28 e 29.34

A gravidez indesejada muitas vezes é também motivada


pela falência social, condições de pobreza, desemprego
e  superpopulação. Por esta razão, devemos trabalhar
por  uma sociedade melhor. Os males sociais devem
ser  combatidos; eles não serão solucionados com
mais abortos.

Mais importante do que educação social ou ação social -


vital como as duas - são as boas novas de Jesus Cristo. Ele
veio para consertar o coração que se partiu e  para trazer
amparo ao fraco. Ele nos chama a tratar toda  a vida
humana com reverência, tanto o não nascido,  como a
criança, o deficiente ou o senil.

Não desejo me colocar em posição de fazer julgamento


pessoal, tanto da mulher que decidiu por um aborto, quanto
do homem cuja auto-indulgência sexual é responsável pela
maioria dos casos de gravidez  indesejáveis. Em vez disto,
eu quero dizer-lhes que “há  perdão em Deus” (Salmo
130:4). Pois Cristo morreu pelos  nossos pecados e nos
oferece um novo começo. Ele ressuscitou e vive, e pelo seu
Espírito pode nos dar um  novo poder interior de auto-
controle. Ele está construindo  uma nova comunidade
caracterizada pelo amor, alegria,  paz, liberdade e justiça.
Um novo começo. Uma nova  comunidade. Isto é o
evangelho de Cristo.

Notas Bibliográficas
1    • Atos 17:25,28; Salmo 104:29; Jó 1:21

2    • Desmond Doig, Madre Tereza: Seu Povo e Sua

Obra (Collins, 1976), pág. 162.

3    • Francis A. Schaeffer e C. Everett Kopp, Whatever

Happened to the Human Race<* (Revell, 1979; edição


britânica revisada por Marshall Morgan & Scott, 1980). Ver
particularmente o Capítulo 1 “ O Aborto da Raça Humana"
(págs. 2-27) e Capítulo 4 “ As  Bases para a Dignidade
Humana” (págs.68-99).

4    • As estatísticas do aborto japonês são fornecidas

por C. Everett Koop no seu livro O Direito de Viver; o


Direito de Morrer (Tyndale House USA e Coverdale House,
UK, 1976), pág. 46.

5    • Relatório do Comitê de Trabalho sobre o Ato do

Aborto 1967, Vol. 1 (HMSO 5579, Abril 1974), pág. 11. 6*0
Registro da Revisão Estatística Geral da Inglaterra  e País
de Gales para os anos 1968-73; Suplemento  sobre o
“Aborto” (HMSO).

7 • Uma total descrição e discussão do caso Roe x Wade por


ser encontrada em Morte Antes do Nascimento, por Harold
O. J. Brown (Thomas Nelson; 1977) pág. 73-96.

8* Estes números foram extraídos de (1) Abstrato


Estatístico dos Estados Unidos: 1982-83 (U. S. Bu-

reau de Censo, 1982) pág. 68, e (2) “ Intercessores para o


Informativo da América”, Vol. 10, nó 2 (Fev. 1983).
9    • Citação do livro de Daniel Callahan's Aborto: Lei,

Escolha e Moralidade, pág. 298 por Lewis B. Smedes em


Mera Moralidade (Eerdmans, 1983) pág.267 rodapé 21.

10    «John Powell S. J., Aborto: o Holocausto Silencioso

(Argus Communications, Allen, Texas, 1981), i.e. pág. 20-


39.

11    «Para práticas e perspectivas antigas, veja Aborto e

a Igreja Primitiva, atitudes judaicas e pagãs no mundo


greco-romano, por Michael J. Gorman  (Inter-Varsity Press,
Ilinois, 1982).

12    • Citação do livro Lei Reformada do Aborto (1971)

por R.F.R. Gardner em Aborto: O Dilema Pessoal


(Paternoster Press, 1972), pág. 62.

13    • R.F.R. Gardner, Aborto: O Dilema Pessoal (Pater

noster Press, 1972), pág. 126.

14    »Veja, por exemplo, Tiago 1:18; 1 Pedro 1:23-25 e 1

João 3:9.

15    • Citado por John T. Noonan em A Moralidade do

Aborto (Flarvard University Press, 1970), pág.45.

16    • Citado por C. Everett Koop em O Direito de Viver,

o Direito de Morrer, págs. 43-44.


17    «John M. Frame discute esta passagem totalmente,

incluindo o significado das palavras hebraicas usadas, em


seu capítulo Não Mataras, o Caso Cristão Contra o Aborto,
ed. Richard L. Gang (Arlington House, 1978), pág. 50-57.

18 • Primeira edição por Faber em 1965.

19* Para a posição de Oliver CDonovan, veja o seu livro O


Cristão e a Criança não Nascida (Livretes de  Grove sobre
Ética, n°l, 1973) e suas conferências  sobre Cristianismo
Contemporâneo procriação humana e técnica médica (OUP,
1984).

20* Veja ainda as Conferências sobre Cristianismo


Contemporâneo em Londres, 1977, Ciência Humana  e
Dignidade Humana (Hodder & Stoughton,
1979), especialmente págs. 64-5 e 98-102.

21    • Apologia, de Tertuliano, capítulo IX. Michael J.

Gorman dá um relato popular mas acurado da posição


unânime pró-vida, anti-aborto dos  primeiros cinco séculos
do Cristianismo em seu  liVro Aborto e a Igreja Primitiva
(IVP Americano,

1982) . Suas referências a Tertuliano estão nas págs. 54-58.

22    • Homem Fabricado, de Paul Ramsey, a ética do

controle genético (Imprensa da Universidade de Jale,


1970), pág. 11.

23    • Mera Moralidade, de Lewsi B. Smedes. (Eerdmans,

1983) , pág. 129.


24    • Da contribuição do professor G. R. Dunstan ao

artigo sobre “Aborto” no Dicionário de Etica Médica, ed.


por A.S. Duncan, G. R. Dunstan e R.B.  Welbourn (Darton,
Longman e Todd, edição revista e ampliada, 1981).

25    • A expressão usada pelo Sr. Justice Mc Naughten

no caso Rex x Bourne de 1938.

26    • Glanville Willians, A Santidade da Vida e a Lei

Criminal (Faber, 1958), pág.212.

27* Ibid, pág.31

28    • Citado do seu livro Humanamente Possível de C.

Everett Koop no início do seu 0 Direito de Viver, o Direito


de Morrer.

29    • Citado por Norman St. John Stevas no Direito à

Vida (Hodder & Stoughton, 1963), pág.20.

30    • op. cit. pág.225-6

31    • Os endereços destas organizações são: “Birthright”,

777 Coxwell Avenue, Toronto, Ontario, Canada, M4C3C6.


Alternativas para o Aborto, Internacional 26061/2 West 8th
Street, Los Angeles,  California 90057, USA. LIFE, 7 The
Parade, Leamington Spa, Warwickshire. SPUC, 7 Tufon St.,
London, SW1, CARE Trust 21a Down Street,  London,
W1Y7DN.

32    • Citado por Rex F.R. Gardner em Aborto: O Dilema


de Nascer, p. 276. Ver também A História do Direito de
Nascer. A Alternativa para o Aborto por Louise Summerhill
(Prow Books, Kenosha, 1973).

33* Aborto: um Dilema Ético, um relato do quadro para


Responsabilidade Social (CIO, 1965),pág.57.  34 • op. cit.
págs. 248-262.

15. HOMOSSEXUALISMO Parceiros Homossexuais?

Devido à natureza explosiva deste tópico, deixem-me


começar pela descrição do contexto apropriado aos nossos
pensamentos a respeito dele e pela afirmação de  um
grande número de verdades sobre meus leitores e  sobre
mim mesmo.

O Contexto da Discussão

Primeiro, somos todos seres humanos. O que significa que


não existe este fenômeno: o “homossexual”.
Existem  apenas pessoas humanas feitas à imagem e
semelhança de Deus, ainda que caídas, com toda a glória e
a tragédia  que este paradoxo possa implicar, incluindo o
potencial  sexual e os problemas sexuais. Conquanto
possamos  desaprovar com todas as nossas forças as
práticas  homossexuais, não temos nenhuma liberdade
para desumanizar aqueles que nelas estão engajados.

Segundo, somos todos seres sexuais. De acordo com a


Escritura e a experiência nossa sexualidade é básica
para  nossa humanidade. Os anjos podem ser assexuados;
nós,  humanos não somos. Quando Deus fez a
humanidade, ele nos fez macho e fêmea. Assim, falar sobre
sexo é  tocar num ponto muito próximo do cerne da
nossa  personalidade. Nossa verdadeira identidade está
sendo  discutida, talvez endossada ou ameaçada. Logo, a
matéria

exige um grau incomum de sensibilidade.

Além do mais, não apenas somos todos seres sexuais, mas


temos todos uma orientação sexual particular. A  famosa
investigação do zoólogo americano Alfred C. Kinsey sobre a
sexualidade humana o levou a colocar cada ser humano em
algum lugar sobre um espectro de  0 (uma linha
exclusivamente heterossexual, pessoas  atraídas apenas
pelo sexo oposto) a 6 (uma linha  exclusivamente
homossexual), com pessoas atraídas  apenas pelo mesmo
sexo, tanto homossexuais machos  como “lésbicas”, fêmeas
homossexuais. Entre esses pólos,  Dr. Kinsey assinalou
graus variantes de bissexualidade,  se referindo a pessoas
com orientação sexual dupla,  indeterminada ou flutuante.
Suas pesquisas o levaram a  concluir que quatro por cento
dos homens (pelo menos  os americanos brancos) são
exclusivamente homossexuais  por toda a vida; dez por
cento o são por até três anos; 37 por cento têm algum tipo
de experiência homossexual entre a adolescência e a idade
adulta. A percentagem de mulheres homossexuais, segundo
observou, é mais baixa,  embora atinja a casa dos quatro
por cento entre as idades  de 20 e 35.' Estes índices são
altos o bastante para  garantirem ao Dr. D.J. West o seu
comentário “a  homossexualidade é uma condição
extremamente comum.”2

Terceiro, somos todos pecadores de fato (entre outras

coisas); pecadores sexuais. A doutrina da depravação total


assegura que cada parte do nosso ser humano está sendo
tentada e movida pelo pecado, e isto inclui
nossa  sexualidade. Dr. Merville Vincent, do Departamento
de  Psiquiatria da Escola Médica de Harvard, foi
certamente  correto quando escreveu em 1972: “Suspeito
que na visão  de Deus somos todos desviados sexuais.”
Duvido que haja alguém que não tenha tido um pensamento
lascivo  que o tenha desviado do ideal de sexualidade
perfeita de  Deus.”3 A exceção de Jesus Cristo, não há
ninguém que  esteja isento de pecado sexual. Assim sendo,
não há,  portanto, como abordar este estudo com a
atitude  horrorosa de uma superioridade moral do tipo
“mais-santo-que-você”. Sendo todos pecadores, nos pomos
sob  o julgamento e a urgente necessidade da graça de
Deus.  Além disso, pecadores sexuais não são os únicos
nem  necessariamente os mais pecadores; orgulho e
hipocrisia são certamente piores.

Quarto, além de seres humanos, criaturas sexuais e


pecadoras, assumo que somos todos cristãos. Pelo
menos  os leitores que tenho em mente neste capítulo não
são  pessoas que rejeitam a soberania de Jesus Cristo, mas
são  os que têm o desejo sincero de se submeter a
esta soberania. Querem entender, à luz da Escritura, o que
é  revelado sobre este assunto, com a predisposição
de  buscar a graça de Deus para perseguir a sua
vontade  quando têm o conhecimento dela. Sem este tipo
de  compromisso, seria muito difícil para nós chegar a
um  consenso. Esclarecendo, devo dizer que os padrões
de  Deus para os não cristãos são os mesmos, só que
eles estão menos dispostos a aceitá-los.

Tendo delineado o contexto para nossa discussão estou


pronto a fazer uma pergunta: a parceria homossexual
é  uma opção cristã? Expresso minha questão
propositalmente, e ela nos introduz três
distinções fundamentais.

Pelo menos desde o Relatório Wolfenden de 1957 e o


resultante Ato das Ofensas Sexuais de 1967,
temos  aprendido a distinguir entre pecados e crimes.
Adultério  tem sido sempre (de acordo com a lei de Deus)
um  pecado, mas na maioria dos países não é uma
ofensa punida pelo Estado. Estupro, por outro lado, não só
é pecado como crime. O que o Ato das Ofensas Sexuais de
1967 fez foi declarar que um ato homossexual
praticado  entre adultos responsáveis acima de 21 anos de
idade, em carater privado, não deveria mais ser uma ofensa
criminal. O Ato não “legalizou” de fato este
comportamento,  escreveu o professor Sir Norman
Anderson, pois ainda é  referido na lei como imoral,
carecendo de qualquer reconhecimento legal; tudo o que o
Ato fez, foi remover  a sansão criminal de tal ato quando
praticado em caráter  privado entre dois adultos
responsáveis.4

Crescemos acostumados a distinguir entre uma orientação


homossexual ou “inversão”(pela qual as  pessoas não são
responsáveis) e práticas homossexuais  físicas (pelo que
são). A importância desta distinção vai  além da atribuição
da responsabilidade; da atribuição  de culpa. Não podemos
culpar as pessoas pelo que são,  embora possamos culpar
pelo que fazem. Devemos ser  rigorosos quanto à toda
discussão sobre homossexualismo, fazendo diferença entre
este “ser” e “fazer”,  ou seja, entre a identidade de uma
pessoa e a atividade;  preferência sexual e prática sexual;
constituição e conduta.

A esta altura temos que chegar a uma conclusão quanto a


uma terceira distinção: práticas homossexuais que
são  fortuitas (e provavelmente anônimas), atos de auto-
gratificação, e aquelas que (dizem) são
simplesmente expressão do amor humano autêntico como a
relação sexual no casamento.

Nenhuma pessoa homossexual responsável (quer seja


cristã ou não) está advogando uma promiscuidade do  tipo
“que resiste a uma noite”, deixando de lado a violência ou a
corrupção de jovens e crianças. O que  alguns estão
questionando, contudo, especialmente no  chamado
Movimento Cristão Gay é que o casamento heterossexual e
a parceria homossexual são “duas  alternativas igualmente
válidas”,5 sendo igualmente ternas, maduras e fiéis.

A questão diante de nós, então, não está relacionada a


práticas homossexuais de natureza casual, mas diz respeito
a serem ou não uma opção cristã as
parcerias  homossexuais - duradouras e amorosas.
Nossa  preocupação é sujeitar as atitudes prevalescentes
(se à  reação total ou um endosso acrítico) ao escrutínio
bíblico.  Será a nossa “preferência”sexual uma simples
questão de  “gosto”? Ou Deus tem revelado sua vontade
com relação a uma norma? Em particular, pode a Bíblia ser
mostrada  como que sancionando as parcerias
homossexuais ou pelo menos não as condenando? O que, de
fato, a Bíblia condena?

As Proibições Bíblicas

O falecido Derrick Sherwin Bailey foi o primeiro teólogo


cristão a reavaliar o entendimento tradicional  das
proibições bíblicas. Seu famoso livro que
provocou subseqüentes avaliações cuidadosas por parte de
escritores  sobre o tópico em questão, e que se chamou
Homossexualidade e a Tradição Cristã Ocidental, foi
publicado  em 1955. Embora muitos sejam capazes de
aceitar sua  tentativa de reconstrução, em particular a sua
re-interpretação do pecado de Sodoma, há outros
escritores menos cautelosos em padrões de escolaridade do
que ele  que referenciam seu argumento como
meramente  preliminar, edificando sobre suas fundações
uma posição muito mais permissiva. É essencial considerar
este de-bate.

Há quatro passagens bíblicas principais que se referem (ou


parecem se referir) à questão homossexual de
forma  negativa: (1) a história de Sodoma (Gn 19:1-13), à
qual é  natural associar a verdadeira história de Gibeá (Jz
19);  (2) os textos levíticos (Lv, 18:22 e 20:13) que
explicitamente proibem “deitar com um homem como quem
deita com  uma mulher”; (3) o retrato da sociedade pagã
decadente feito pelo apóstolo Paulo em seus dias (Romanos
1: 1831); e (4) duas listas paulinas de pecados, cada uma
delas  incluindo uma referência a práticas homossexuais
de algum tipo (1 Co 6:9-10 e 1 Tm 1:8-11).

(1) As Histórias de Sodoma e Gibeá

A narrativa de Gênesis deixa claro que “os homens de


Sodoma eram maus e grandes pecadores contra o
Senhor”  (13:13), e que “o clamor contra Sodoma e
Gomorra era tão grande e o seu pecado havia se agravado
tanto”, que  Deus resolveu investigar (18:20,21) e, ao final
“subverteu  aquelas cidades e toda a campina, e todos os
moradores  das cidades”(19:25) por um ato de julgamento
que era inteiramente consistente com a justiça do “Juiz de
toda  a terra” (18:25). Não há controvérsia acerca
destes acontecimentos da história bíblica. A questão é: qual
foi  o pecado do povo de Sodoma (e Gomorra) que levou
a sua destruição?
A visão cristã tradicional tem sido de que eles foram
culpados de práticas homossexuais que tentaram
(sem  sucesso) infligir aos dois anjos que Ló estava
recebendo  em sua casa. Daí, o nome “sodomia”. Mas
Sherwin Bailey contesta esta interpretação sob duas bases.
Primeiro, a  suposição gratuita (ele argumenta) de que a
exigência  dos homens de Sodoma “Traga-os até nós para
que possamos conhecê-los’ significava “para que possamos
fazer  sexo com eles”. A palavra hebraica para “conhecer”
(Yada)  ocorre 943 vezes no Velho Testamento, das quais
apenas  10 se referem a intercurso físico e, ainda assim,
apenas  intercurso heterossexual. Seria melhor, portanto,
traduzir  a frase “para que possamos travar conhecimento
com  eles”. Podemos, então, compreender a violência
dos  homens como devida a sua ira por Ló haver
excedido seus direitos como um estrangeiro residente, pois
ele havia  hospedado dois estrangeiros em sua casa “cujas
intenções  poderiam ser hostis e cujas credenciais não
haviam sido examinadas”.6 Neste caso o pecado de Sodoma
foi invadir  a privacidade do lar de Ló, e escarnecer das
velhas regras  de hospitalidade. Ló implorou-lhes que
desistissem,  “porquanto se acham sob a proteção do meu
teto” (vs. 8).

O segundo argumento de Bailey era de que em nenhum


lugar do Velho Testamento está sugerido que a natureza da
ofensa de Sodoma foi homossexual. Em vez disto,  Isaías
deduz que tenha sido hipocrisia e injustiça social;

Jeremias conclui pelo adultério, engano e perversidade


generalizada e, no relato de Ezequiel,
observamos referência à arrogância, ganância e indiferença
pelo  pobre.7 O próprio Jesus (embora Bailey não
mencione  isto) em três ocasiões distintas aludiu aos
habitantes de  Sodoma e Gomorra, declarando que seria
“mais tolerável” para eles o dia do julgamento do que para
aqueles que  rejeitaram o seu evangelho.8 Em nenhuma
destas  referências encontramos nem cheiro ou rumor
de  malversação homossexual! É apenas quando
chegamos  às escritas palestinas do segundo século a. C.
que o pecado  de Sodoma é identificado como sendo um
comportamento sexual não natural. ' Isto encontra um
eco  claro na Carta de Judas, na qual está escrito que
“Sodoma  e Gomorra e as cidades circunvizinhas se
entregaram à  prostituição (v.7), e nas obras de Filo e
Josefus, escritores  judeus que estavam chocados pelas
práticas homossexuais da sociedade grega.

Sherwin Bailey lidou com a história de Gibeá da mesma


maneira, pois havia um estreito paralelo enlre  ambas. Um
outro residente estrangeiro (desta vez um “velho” anônimo)
convida dois estrangeiros (não anjos,  mas um levita e sua
concubina) para sua casa. Uns homens cruéis cercaram sua
casa e fizeram a mesma exigência dos sodomistas, para que
o visitante fosse  trazido para fora “para que o
conhecessem”. O dono da casa primeiro lhes implorou que
não fossem tão “vis” com seu “hóspede”, e depois ofereceu
sua filha e a concubina no lugar dele. Sugere-se mais uma
vez que o pecado dos homens de Gibeá não foi sua proposta
de  intercurso homossexual, mas sua violação das leis
da hospitalidade.

Embora Bailey sabendo que sua reconstrução de ambas as


histórias foi mais uma tentativa, ele ainda exagerou  no
apelo de que “não há a menor razão para se crer como fato
histórico ou verdade revelada, que a cidade de  Sodoma e
suas vizinhas tenham sido destruídas por causa de práticas
homossexuais”.10 Em vez disto, a tradição  cristã sobre
“sodomia” foi derivada, mais tarde, das fontes  apócrifas
judáicas.

Mas o caso de Sherwin Bailey não é convincente por um


número de razões: (1) Os adjetivos “perverso”, “vil”  e
“desgraçado” (Gn 18:7; Juízes 19:23) não
parecem  adequados para descreverem uma violação de
hospitalidade; (2) a oferta das mulheres no lugar dos
homens  “realmente parece como se houvesse alguma
conotação sexual no episódio”;11 (3) embora o verbo “yada”
seja  usado apenas dez vezes para intercurso sexual,
Bailey  omite mencionar que seis dessas ocorrências estão
em  Gênesis, e uma na própria história de Sodoma
(acerca  das filhas de Ló que não “tinham conhecido”um
homem,  v.8); (4) para aqueles de nós que levamos os
documentos  do Novo Testamento a sério, a inequívoca
declaração de  Judas não pode ser descartada como
simplesmente um  erro copiado do pseudo-epigrafado
judaico. Para falar a  verdade,o comportamento
homossexual não era o único  pecado de Sodoma; mas de
acordo com a Escritura, ele certamente foi um deles.

(2) Os Textos Levíticos

Ambos os textos em Levítico pertencem ao “Código de


Santidade’’ que é o coração do livro, e que desafia o  povo
de Deus a seguir as leis e não copiar as práticas,  tanto do
Egito (onde viviam) quanto de Canaã (para  onde ele os
estava trazendo). Estas práticas mcluiam  relações sexuais
dentro de graus proibidos, uma variedade  de desvios
sexuais, sacrifícios de crianças, idolatria e injustiças sociais
de diversas espécies. É nesse contexto que devemos ler os
seguintes textos:
18:22 “Com homem não te deitarás, como se fosse mulher:
é abominação.”

20:13 “Se também um homem se deitar com outro homem,


como se fosse mulher, ambos praticaram
cousa  abominável; serão mortos; o seu sangue cairá sobre
eles.”

“É difícil pensar que estes textos deixam margem à


duvida,” escreveu Bailey, “de que ambas as leis em
Levítico  se relacionam a atos homossexuais comuns entre
homens, e não a rituais ou outros atos executados em nome
da  religião.” Outros, contudo, afirmam exatamente o
ponto  negado por Bailey. Eles vão direto ao ponto de que
os  dois textos estão baseados num contexto de
grande  preocupação com a limpeza nos rituais, e Peter
Coleman  acrescenta ainda, que a palavra traduzida
“abominável”  ou “detestável” em ambos os versículos está
associada à  idolatria. “Em inglês a palavra expressa
desgosto ou  desaprovação, mas na Bíblia seu significado
predominante está mais relacionado à verdade religiosa,
do  que moralidade ou estética.”13 Serão então estas
proibições  meros tabus religiosos? Estarão relacionadas à
outra  proibição “Das filhas de Israel não haverá quem
se  prostitua no serviço do templo, nem dos filhos de
Israel  haverá quem o faça” (Dt 23:17)? Pois certamente o
culto  à felicidade cananéia incluía ritual de prostituição
e,  portanto, continha “prostitutas e prostitutos
sagrados'’  (mesmo não havendo evidência clara de
haver  envolvimento de intercurso sexual). Os reis do mal
de  Israel e Judá os estavam introduzindo
constantemente  na religião de Javé, e os reis justos os
estavam repelindo  constantemente.14 O “lobby”
homossexual argumenta,  portanto, que os textos levíticos
proibiam práticas  religiosas que já haviam deixado de
existir há longo  tempo, e não têm relevância para as
parcerias homossexuais de hoje.

(3) As Declarações de Paulo em Romanos 1

Verso 26 “Por causa disso os entregou Deus às paixões

infames; porque até as suas mulheres mudaram o hábito


natural de suas relações íntimas, por outro contrário
à natureza;”

Verso 27 “Semelhantemente, os homens também, deixando


o contacto natural da mulher, se inflamaram  mutuamente
em sua sensualidade, cometendo torpeza,  homens com
homens, e recebendo em si mesmos a merecida punição do
seu erro”.

Todos concordam que o apóstolo está descrevendo


idólatras pagãos no mundo greco-romano de seus dias. Eles
tinham um certo conhecimento de Deus através da criação
do universo (versos 19,20) e o seu próprio senso  de
moralidade (v.32), ainda assim, suprimiram a verdade  que
conheciam para praticarem torpeza. Em vez de dar a Deus
a honra devida, eles se voltaram para os
ídolos,  confundindo o Criador com suas criaturas.
Em  julgamento sobre eles, “Deus os entregou” às suas
mentes  depravadas e suas práticas decadentes (vs.
24,26,28),  incluindo o sexo “desvirtuado”. Parece que à
primeira  vista é uma condenação definitiva ao
comportamento  homossexual. Mas dois argumentos
avançam pelo outro  lado: (1) embora Paulo não soubesse
de nada sobre a  distinção moderna entre os “invertidos”
(que têm uma  disposição homossexual” e os “pervertidos”
(que, embora  inclinados à heterossexualidade se voltam
para as práticas  homossexuais), contudo, são os últimos
que ele está condenando, e não os primeiros. Isto pode ser
assim, porque eles são descritos como tendo “abandonado”
as  relações naturais com mulheres, considerando
que  nenhum macho exclusivamente homossexual jamais
as  teria tido. (2) Paulo está, evidentemente, retratando
o  comportamento indiferente, desavergonhado, devasso
e promíscuo do povo do qual Deus “desistiu” judicialmente;
que relevância tem isto para os parceiros  homossexuais
que se entregam amorosamente?

(4) Os Outros Textos Paulinos

1 Co 6:9,10 "Ou não sabeis que os injustos não herdarão o


reino de Deus? Não vos enganeis: nem  impuros, nem
idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas,
nem ladrões, nem avarentos, nem  bêbados, nem
maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus.”15

1 Tm 1:9,10,11 “Tendo em vista que não se promulga lei


para quem é justo, mas para transgressores e
rebeldes,  irreverentes e pecadores, ímpios e profanos,
parricidas e  matricidas, homicidas, impuros, sodomitas,
raptores de  homens, mentirosos, perjuros, e para tudo
quanto se  opõe a sã doutrina, segundo o Evangelho da
glória do Deus bendito, do qual fui encarregado.”

Aqui estão duas listas feias de pecados que Paulo afirma


serem incompatíveis, em primeiro lugar, com o Reino  de
Deus, e em segundo, com a lei e com o Evangelho.

Será ainda observado que um grupo de pecadores são


chamados de malakoi e o outro (em ambas as listas)
de  arsenokoitai. O significado destas duas
palavras  “inevitavelmente sugere uma inversão genuína,
mesmo  para aquele que é homem de moral irretocável,
estando ele automaticamente rotulado de injusto e excluído
do  Reino de Deus.” Felizmente, os revisores atentaram
para  o protesto, e a segunda edição (1973), embora
ainda  combinando as palavras, as traduziram por
“pervertidos  sexuais”. O ponto é que todas as dez
categorias listadas  em I Coríntios 6:9,10 (com a possível
exceção de “os  avarentos”) denotam pessoas que pecaram
por suas ações. Ex: idólatras, adúlteros e ladrões.

As duas palavras gregas malakoi e arsenokoitai não


deveriam ser combinadas, pois têm “significados exatos”. A
primeira é literalmente “macia ao toque”
e,  metaforicamente, entre os gregos, significava machos
(não  necessariamente rapazes) que representavam o
papel  passivo no intercurso homossexual. A segunda
significa,  literalmente, “macho na cama” e os gregos
usavam esta  expressão para descrever aquele que ficava
com o papel ativo.”16

A Bíblia de Jerusalém segue James Moffatt no uso das


palavras feias “catamitos e sodomitas”, enquanto,
entre  suas conclusões, Pedro Coleman sugere que
“provavelmente, Paulo tinha a pederastia comercial em
mente,  entre homens mais velhos e rapazes na idade pos-
puberdade, o modelo mais comum de
comportamento  homossexual no mundo clássico”. 17 Se
assim é, então, mais uma vez (e assim se tem feito) pode-se
questionar que as condenações paulinas não são relevantes
aos  adultos homossexuais que são comprometidos
e consentidos um ao outro. Não que esta seja a conclusão a
que chega o próprio Peter Coleman. Ele resume
dessa  forma: “Juntem-se os escritos de São Paulo que
repudiam  o homossexualismo como um vício dos gentios
em  Romanos; como um bloqueio ao Reino em Coríntios;
e  uma ofensa a ser repudiada pela lei moral em
1 Timóteo.”18

Revendo estas referências bíblicas sobre o comportamento


homossexual, que agrupei, temos que concordar que elas
são apenas quatro. Devemos então  concluir que o assunto
está à margem daquele que se constitui no principal ataque
da Bíblia? Devemos aceitar ainda que constituem uma base
razoavelmente inconsistente para que possamos tomar uma
firme  posição contra um estilo de vida homossexual?
Estarão  certos aqueles que dizem que as proibições
bíblicas são  altamente específicas”'1' contra as violações
da  hospitalidade (Sodoma e Gibeá); contra os tabus
cúlticos  (Levítico); contra as orgias desavergonhadas
(Romanos);  e contra a prostituição masculina ou a
corrupção dos jovens (1 Co e 1 Tm), e que nenhuma dessas
passagens  alude, sem falar nas condenações, a uma
parceria amorosa entre genuínos invertidos homossexuais?
Esta é a  conclusão alcançada, por exemplo, por Letha
Scanzoni  e Virginia Mollenkorr em seu livro “E o
Homossexual meu Vizinho<*” Elas assim escrevem:

“A Bíblia condena claramente certos tipos de prática


homossexual (...estupro em grupo, idolatria
e  promiscuidade concupiscente). Contudo, ela parece
se  calar quanto a outros aspectos da homossexualidade -
como a “orientação homossexual” e “uma relação de  amor
análoga à monogamia heterossexual”.20
Mas, não, por mais plausível que possa parecer, não
podemos manipular o material bíblico desta forma.
A  rejeição cristã às práticas homossexuais não se
baseiam  em “umas poucas provas textuais isoladas e obs-
curas”(como algumas vezes é), cuja tradicional
explicação possa ser subvertida. E é preocupante para mim
que  aqueles que escrevem sobre este assunto, e incluem
em  seu tratamento a seção sobre o ensino bíblico,
todos  parecem lidar com ela desta forma. Por
exemplo,  “Considerações sobre a atitude cristã sobre as
práticas  homossexuais,” escreveu Sherwin Bailey,
“inevitavelmente começam com a história da destruição de
Sodoma e  Gomorra.”21 Mas este começo não é
“inevitável”  absolutamente. De fato, isto é positivamente
um erro,  pois as proibições negativas de práticas
homossexuais nas Escrituras fazem sentido apenas à luz do
seu ensino positivo em Gênesis 1 e 2, sobre a sexualidade
humana e o casamento heterossexual. Apesar disto, o livro
de  Sherwin Bailey não contém nenhuma alusão a
estes  capítulos. E até mesmo Peter Coleman, cujo livro
“Atitudes Cristãs para o Homossexualismo” é certamente o
mais  compreensivo levantamento bíblico, histórico e
moral  que já se publicou, os menciona apenas em uma
referência  a I Corindos 6, onde Paulo cita Gênesis 2:24.
Ainda, sem o salutar e positivo ensinamento da Bíblia sobre
sexo e  casamento, nossa perspectiva sobre a questão
homossexual tende a ser distorcida.

Sexo e Casamento na Bíblia

O lugar essencial para começar nossa investigação, me


parece, é a instituição do casamento em Gênesis 2, embora
já a tenhamos visto nos capítulos 13 e 14. Como  os
membros do Movimento Cristão Gay, deliberada mente,
estabelecem um paralelo entre os  casamentos
heterossexual e homossexual, é necessário  perguntar se
este paralelo pode ser justificado.

Temos visto que em sua providência, Deus nos tem dado


dois relatos distintos de criação. O primeiro  (Gênesis 1) é
genérico, e afirma a igualdade dos sexos,  pois ambos
compartilham da imagem de Deus e a mordomia da terra. O
segundo (Gênesis 2) é particular,  e afirma a
complementaridade dos sexos, que constitue a base para o
casamento heterossexual. Neste segundo relato da criação,
três verdades fundamentais emergem.

Primeira, o humano necessita de Companheirismo. “Não é


bom que o homem esteja só”(v,18). Esta afirmação foi mais
tarde qualificada quando apóstolo Paulo
(certamente  ecoando Gênesis) escreveu: “É bom que o
homem não  se case”/' Isto equivale a dizer que embora o
casamento  seja a boa instituição de Deus, o chamado ao
celibato é também uma boa vocação para alguns. Contudo,
como  regra geral, “Não é bom que o homem esteja só”
pois Deus nos criou seres sociais. Já que ele é amor, e nos
fez  a sua própria semelhança, ele nos deu uma
capacidade  de amar e ser amados. Sua intenção é que
vivamos em  comunidade, não em solidão. Em particular,
Deus  continuou, “far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe
seja  idônea.”Além do mais esta “auxiliadora” deveria
ainda  ser sua parceira sexual, com quem ele deveria se
tornar  uma so carne , para que pudessem consumar seu
amor e procriar seus filhos.

Segundo: Gênesis 2 revela a divina provisão de encontrar


esta necessidade humana. Tendo afirmado a  necessidade
de um parceiro para Adão,começou a busca  de um que
fosse idôneo. Deus primeiro fez desfilar seus  animais
selváticos, domésticos e aves do céu, e Adão  começou a
lhes dar nomes, simbolizando sua tomada

*NT. A Edição Revista e Atualizada da Bíblia por João


Ferreira de Almeida diz que: “É bom que o homem não
toque em mulher...” para seu serviço. Mas (verso 20) “para
Adão, todavia, não se achava uma auxiliadora que lhe fosse
idônea”,  que pudesse viver “junto” dele ou “oposta a ele”,
que  pudesse ser seu complemento, sua contraparte,
sua  companheira, em suma, sua fêmea. Assim, fazia-
se necessária uma criação especial.

O debate sobre o quão literal devemos entender o que


ocorreu (a cirurgia divina sob um anestésico divino)
não deve nos desviar do ponto principal.

Alguma coisa aconteceu durante o sono profundo de Adão.


Uma obra especial da criação divina aconteceu. Os sexos se
tornaram diferenciados. Homem e mulher  surgiram da
humanidade indiferenciada de Adão. E Adão  acordou do
seu sono profundo para contemplar diante dele um reflexo
dele mesmo.

A seguir, tendo criado a mulher do homem, o próprio Deus


a trouxe até ele, assim como hoje o pai da noiva a entrega
ao noivo. E Adão fez irromper espontaneamente o primeiro
poema de amor da história; “Esta, afinal,  (contrastando
com as aves e os animais) é osso dos meus ossos e carne da
minha carne; chamar-se-á varoa,  porquanto do varão foi
tomada.”

Não há porque duvidar da ênfase desta história. De acordo


com Gênesis 1, Adão e Eva foram criados à  imagem de
Deus. Quanto ao modo de sua criação, de  acordo com
Gênesis 2, ela não foi feita do nada (como o universo), nem
do “pó da terra” (como Adão, verso 7),  mas foi feita de
Adão.

A terceira grande verdade de Gênesis 2 concerne à


resultante instituição do casamento. O poema de amor
de  Adão está registrado no verso 23. O “portanto” ou
“por esta razão” do verso 24 é a dedução do narrador:

“Por isso deixe o homem pai e mãe, e se una a sua mulher,


tornando-se os dois uma só carne.”

Até mesmo o leitor desatento se chocará com as três


referências à “carne”: “isto é... carne da minha carne... e
se  tornarão uma só carne... Podemos estar certos de que
isto  é deliberado, não acidental. Ensina que
intercurso heterossexual no casamento é mais do que uma
união; é  uma espécie de reunião. Não é uma união de
pessoas  estranhas que não pertencem uma à outra e não
podem  se tornar apropriadamente uma carne. Pelo
contrário, é  a união de duas pessoas que originalmente
eram uma, foram então separadas uma da outra, e agora no
encontro sexual do casamento se juntam novamente.

É certamente isto que explica o profundo mistério da


intimidade sexual que os poetas e filósofos têm
celebrado  em cada cultura. O intercurso heterossexual é
muito  mais do que uma união de corpos: é uma mistura
de  personalidades complementares, através da qual, no
meio  da alienação prevalecente, a unidade do ser
humano criada com riqueza é novamente experimentada. E
a  complementaridade dos órgãos sexuais do macho e
da  fêmea é apenas um símbolo, no nível físico, de
uma complementação espiritual muito mais profunda.
Contudo, para se tornar em uma só carne, e
experimentarem o mistério sagrado, certas
preliminares  são necessárias; que são partes que
constituem o matrimônio. “Portanto” (verso 24)

“o homem” (o singular indica que o casamento é uma união


exclusiva entre dois indivíduos)

“deixa o pai e a mãe” ( uma ocasião social pública está em


vista) “e se une a sua mulher” (casamento é
um  compromisso amoroso ou aliança de união,
heterossexual e permanente)

“tornando-se os dois uma só carne” (pois o casamento deve


ser consumado em intercurso sexual, que é um sinal  e um
selo da aliança do casamento, e sobre o qual ainda não foi
lançada nenhuma sombra de vergonha ou embaraço, verso
25).

O próprio Jesus endossou este ensinamento mais tarde. Ele


citou Gênesis 2:24 declarando que tal união
duradoura  entre o homem e sua esposa foi a intenção de
Deus desde o início, e acrescentou “o que Deus ajuntou não
o separe o homem” (Marcos 10:4-9).

Assim, as Escrituras definem o casamento que Deus


instituiu em termos de monogamia heterossexual. E a união
do homem com a mulher, que deve ser  publicamente
reconhecida (deixar os pais), permanentemente selada (ele
se “unirá a sua esposa”) e  fisicamente consumada (“uma
carne”). E as escrituras não vislumbram nenhum outro tipo
de casamento ou  intercurso sexual, pois Deus não deu
outra alternativa.
Os cristãos não deveriam, portanto, escolher o intercurso
homossexual para condenação especial. O fato  é que cada
relacionamento sexual ou ato que se desvia  da intenção
revelada de Deus é ipso facto desagradável a ele e está sob
seu julgamento. Isto inclui poligamia e  poliandria (que
infringe o princípio de “um homem-uma mulher”), uniões
clandestinas (desde que estas não  tenham envolvido ato
decisivo de deixar os pais),  encontros casuais e
concubinatos temporários, adultério  e muitos divórcios
(que são incompatíveis com “união”  e com a proibição de
Jesus “não o separe o homem”, e  parcerias homossexuais
(que violam a declaração de que  “um homem” se unirá a
“sua mulher”).

Em suma, a única experiência “uma carne”que Deus


pretende e que as Escrituras contemplam, é a união
sexual de um homem com sua esposa, reconhecida por Ele
como "carne da sua carne”.

Argumentos Contemporâneos Considerados

Os cristãos homossexuais, contudo, não estão satisfeitos


com sua instrução bíblica sobre a sexualidade  humana e a
instituição do casamento heterossexual. Eles  suscitam uns
cem números de objeções a ela, para  defenderem a
legitimidade das parcerias homossexuais.

(1)0 argumento sobre as Escrituras e a cultura.

Tradicionalmente, tem-se assumido que a Bíblia condena


todos os atos homossexuais. Mas serão os  escritores
bíblicos dirigentes confiáveis desta matéria? Não seriam os
seus horizontes cerceados pelas suas próprias experiências
e culturas? O argumento cultural,  geralmente, toma uma
das duas formas.
Primeiro, os autores bíblicos se voltavam para questões
relevantes a suas próprias circunstâncias, e estas
eram muito diferentes das nossas.

Nas histórias de Sodoma e Gibeá eles estavam preocupados


com convenções de hospitalidade no antigo oriente próximo
que são agora obsoletas ou (se o pecado era absolutamente
sexual) com o fenômeno extremamente incomum de
estupro homossexual em grupo.

Nas leis levíticas, a preocupação era com os antigos rituais


de fertilidade, enquanto Paulo estava se referindo,  em
particular, às preferencias sexuais de pederastas
gregos.  Tudo isto é tão antiquado. O aprisionamento dos
autores  bíblicos em suas próprias culturas exprimem
seus ensinamentos sobre este tópico irrelevante.

O segundo e complementar problema cultural é que os


escritores bíblicos não estavam se lançando às
nossas  questões. Assim, o problema nas Escrituras não é
apenas  quanto ao ensino, mas também quanto ao silêncio.
Paulo  (deixando de lado os autores do Velho Testamento)
não  sabia nada de psicologia pós-freudiana. Ele nunca
tinha  ouvido falar em “condição homossexual”; ele
tinha apenas conhecimento de certas práticas. A diferença
entre  inversão e perversão teria sido incompreensível
para  ele. A única noção de que dois homens ou duas
mulheres  podiam se apaixonar entre si e desenvolver um
profundo  relacionamento, estável, amoroso, comparável
ao  casamento, jamais entrou em sua cabeça.
Assim,  justamente como os escravos, negros e mulheres
haviam  sido liberados, a “liberação gay” está há muito
superada.
Se o único ensino bíblico sobre esta matéria deveria ser
encontrado nos textos proibitivos, poderia ser
difícil  responder a tais objeções, mas uma vez vistos
aqueles  textos em relação à divina instituição do
casamento, estamos de posse de um princípio de revelação
divina  que é universalmente aplicável. Era aplicável a
situações  culturais do antigo oriente próximo e ao mundo
greco-romano do primeiro século, e é igualmente aplicável
às  questões sexuais modernas sobre as quais os antigos
eram bastante ignorantes. A razão das proibições bíblicas é
a  mesma razão porque os parceiros homossexuais
amantes  devem ser também condenados i. e. , são
incompatíveis com a ordem criada por Deus. E desde que a
ordem  (monogamia heterossexual) foi estabelecida pela
criação,  não pela cultura, sua validade é permanente e
universal.  Não pode haver “liberação” das normas criadas
por Deus; a verdadeira liberação somente é encontrada em
sua aceitação.

(2) 0 argumento sobre criação e natureza.

Algumas vezes tenho lido ou ouvido este tipo de


declaração: “Sou gay porque Deus me fez assim. Assim, gay
deve ser bom. Pretendo aceitar e até celebrar o que sou por
criação.” Ou, ainda: “Podem dizer que a
prática  homossexual é contra a natureza e a normalidade;
mas  não é contra a minha natureza, e não é nem um
pingo  anormal para mim” Norman Pittenger foi bem
franco em seu uso deste argumento cerca de duas décadas
atrás.  Uma pessoa homossexual, escreveu, não é uma
pessoa  “anormal” com desejos ou hábitos “desnaturais”.
Ao  contrário, “uma pessoa voltada à heterossexualidade
age  “naturalmente” quando age de acordo com seu desejo
e motivação homossexual inatos.”22
Outros argumentam que o comportamento homossexual é
“natural” (a) porque em muitas sociedades primitivas ele é
bem aceito, (b) em algumas civilizações  avançadas (os
gregos antigos, por exemplo) era até mesmo  idealizado, e
(c) porque é muito comum em animais. O Dr. D.J. West, que
reportou isto, continua a citar o Dr. F. A. Beach, um perito
em sexualidade animal, que por  causa do comportamento
homossexual do animal diz que descrever o comportamento
homossexual humano  como “não natural” é “desviar-se da
estrita exatidão”23 Entretanto, estes argumentos expressam
uma visão  extremamente subjetiva do que é “natural” e
“normal”. Não deveríamos aceitar a declaração de Norman
Pittenger  de que não há “padrões eternos de normalidade
ou  naturalidade”.24 Nem podemos concordar que
o  comportamento animal estabeleça padrões para
o  comportamento humano! Pois Deus estabeleceu
uma  norma para sexo, casamento e procriação. Isto já
foi  reconhecido na era do Velho Testamento. Assim,
relação  sexual com animal era proibida porque, “isto é
uma  perversão” (Levítico 18:23), em outras palavras:
uma  violação ou confusão da natureza que indica um
“senso  embriônico da lei natural”.2" O mesmo veredito
é  pronunciado contra Sodoma pelo Testamento de
Naftali  do segundo século a.C: “Como o sol e as estrelas
não  mudam sua ordem, assim as tribos de Naftali
devem  obedecer a Deus ao invés do estado de desordem
da  idolatria. Reconhecendo em todas as coisas criadas
o  Senhor que as fez, eles não acabarão como Sodoma,
que inverteu a ordem da natureza... 26

O mesmo conceito estava bem claro na mente de Paulo em


Romanos 1, quando escreveu sobre mulheres que  tinham
“trocado suas relações naturais por outras que  não eram
naturais”, e de homens que “haviam  abandonado as
relações naturais”. Ele queria chamar “natural” (phusis), a
ordem natural das coisas que Deus  estabeleceu (como em
2:14, 27 e 11:24). O que Paulo estava  condenando,
portanto, não era o comportamento  pervertido do povo
heterossexual que estava agindo  contra sua natureza, mas
qualquer comportamento que é contra a “Natureza”, isto é,
contra a ordem criada por Deus. Como C.K. Barrett coloca:
“Nos obscenos prazeres aos quais Paulo se refere, deve ser
vista precisamente  aquela perversão que acontece quando
os homens colocam a criação em lugar do criador.”27

(3) 0 argumento sobre a qualidade dos relacionamentos.


O  Movimento Cristão Gay rouba das Escrituras a
verdade de que o amor é a maior coisa do mundo (o que é),
da  “nova moralidade” ou “ética de situação”dos anos 60,
e  a noção de que o amor é um critério adequado pelo
qual  se julga cada relacionamento (o que não é). Mas
esta  visão está ganhando terreno hoje. O “Relatório
dos  Amigos”voltados para uma Visão Quaker de Sexo
(1963),  por exemplo, incluiu as sentenças “não se deveria
deplorar  o “homossexual” mais do que o canhoto”28 e,
“certamente  a natureza é a qualidade de um
relacionamento que  importa”.27 Semelhantemente, em
1979, a Divisão da  Responsabilidade Social da Igreja
Metodista, em seu  relatório Um Entendimento Cristão da
Sexualidade  Humana, argumentou que “atividades
homossexuais” não são intrinsicamente erradas", desde que
“a qualidade  de qualquer relacionamento homossexual
seja... avaliada pelos mesmos critérios básicos que têm sido
aplicados a relacionamentos heterossexuais.

Para homens e mulheres homossexuais, relacionamentos


permanentes caracterizados pelo amor podem ser um
caminho cristão e apropriado de expressar
sua  sexualidade.”30 No mesmo ano (1979), um
partido  trabalhista anglicano emitiu o relatório
“Relacionamentos  Homossexuais” uma contribuição à
discussão. Era mais  cauteloso, judicioso e ambivalente do
que os relacionamentos quaker e metodista. Seus autores
não se  sentiam capazes de repudiar séculos de tradição
cristã,  mesmo assim, eles “não pensavam ser possível
negar”que  em algumas circunstâncias"individuais pode-se
“escolher  de forma justificável” um relacionamento
homossexual  em sua busca de companheirismo e amor
sexual “similar” àqueles encontrados no casamento.'1

Em seu “Tempo de Consentimento” Norman Pittenger lista


seis características de um verdadeiro
relacionamento amoroso. Elas são: (1) compromisso (a livre
auto-doação  de um ao outro); (2) mutualidade no dar e
receber (um  compartilhar no qual cada um acha o seu eu
no outro); (3) ternura (nenhuma coerção ou crueldade); (4)
fidelidade  (a intenção de um relacionamento duradouro);
(5) esperança (cada um servindo à maturidade do outro);

(6) desejo de união.’2

Se, então, um relacionamento homossexual, quer seja entre


dois homens ou duas mulheres é caracterizado por  estas
qualidades de amor, certamente (o argumento corre)  ele
deve ser afirmado como bom e não rejeitado como  mau?
Ele resgata pessoas da solidão, egoísmo e  promiscuidade.
Ele pode ser tanto rico e responsável, liberador e realizador
quanto um casamento heterossexual. Mas o cristão bíblico
não pode aceitar a  premissa básica sobre a qual este caso
repousa, que é, o amor é o único absoluto, que ao lado dele
toda lei moral é abolida, e aquilo que parece ser compatível
com amor  é ipso facto bom, sem restrição a todas as
outras  considerações. Isto não pode ser assim, poisõo
amor  necessita de lei para guiá-lo. Enfatizando o amor
por  Deus e ao próximo como os dois grandes
mandamentos,  Jesus e seus apóstolos não descartaram
todos os outros  mandamentos. Pelo contrário, Jesus disse
“se você me  amar vai guardar os meus mandamentos”, e
Paulo escreveu “o amor é o cumprimento (não a anulação)
da lei”. 33

Assim, a qualidade amorosa de um relacionamento é


critério essencial, embora insuficiente em si mesmo,
para  autenticá-lo. Por exemplo, se o amor fosse o único
teste  de autenticação, não haveria nada contra a
poligamia, pois um polígamo poderia certamente desfrutar
de um  relacionamento com várias esposas, o que reflete
todas  as seis características do Dr. Pittenger. Aqui,
contudo, vai uma ilustração melhor, desenhada a partir da
minha  própria experiência pastoral. Em várias e
diferentes  ocasiões, um homem casado tem-me dito que
se  apaixonou por outra mulher. Quando gentilmente
o  censurei, ele respondeu com palavras parecidas a
estas:  “Isto deve estar certo”. Mas, não! eu tenho que
admitir  que não está. Nenhum homem é justificado
quando  quebra a aliança do seu casamento com sua
esposa  baseado na qualidade do seu amor por outra
mulher. Qualidade de amor não é a única medida pela qual
se mede o que é bom ou certo.

Similarmente, não nego a alegação de que relacionamentos


homossexuais possam ser amorosos (embora a prion eu não
vejo como eles possam ter a  mesma riqueza que a
mutualidade heterossexual que Deus  ordenou). Mas sua
qualidade-amor não é suficiente para  justificá-los. Na
verdade, devo acrescentar que eles são  incompatíveis com
o verdadeiro amor porque são  incompatíveis com a lei de
Deus. O amor diz respeito à  felicidade suprema da pessoa
amada. E, nossa felicidade  humana máxima é encontrada
na obediência à lei e  propósito de Deus, não em revolta
contra eles.

Alguns líderes do Movimento Cristão Gay parecem estar


seguindo a lógica de sua própria posição, pois
estão  dizendo que até a monogamia pode ser abandonada
aos interesses do “amor ’.

Malcom Malcourt, por exemplo, escreveu que a visão da


Liberação Gay é de uma “ampla variedade de modelos  de
vida”, sendo que cada uma “ocupa um lugar de igual estima
na sociedade”. Dentre elas, ele enumera as  seguintes
alternativas: parcerias monogâmicas e múltiplas; parcerias
para a vida e para um período de crescimento  mútuo;
parceria do mesmo sexo e de sexo oposto; vivendo  em
comunidades e em pequenas unidades familiares.34  Parece
não haver limites para o que algumas pessoas  buscam
justificar em nome do amor.

(4) 0 argumento sobre aceitação e o


Evangelho.  “Certamente” algumas pessoas estão dizendo,
“é dever  dos cristãos heterossexuais aceitar os cristãos
homossexuais”. Paulo nos disse para aceitar - até
mesmo  acolher uns aos outros. Se Deus acolhe alguém,
quem  somos nós para julgá-lo (Rm 14: lf)? Norman
Pittenger  vai além, e declara que aqueles que rejeitam
um  homossexual “falharam completamente no
entendimento do Evangelho Cristão”. Nós não recebemos a
graça de  Deus porque somos bons e confessamos os
nossos  pecados, ele continua; é o oposto. “É sempre a
graça de  Deus que vem primeiro,... seu perdão desperta o
nosso  arrependimento.35 Ele chega até mesmo a citar o
hino  “assim como sou, sem justificativa”, e acrescenta:
“o ponto integral do Evangelho cristão é que Deus nos ama
e aceita exatamente como somos”.36

Esta é, contudo, uma declaração que tem sido muito mal


compreendida do Evangelho. E verdade que Deus  nos
aceita “assim como somos”, e não temos que nos fazer bons
antes, pois não podemos. Mas sua “aceitação” significa que
ele perdoou total e graciosamente todos os  que se
arrependem e creem; não que ele aceita que continuemos a
pecar. Mais uma vez, é verdade que  devemos aceitar uns
aos outros, mas apenas como  companheiros penitentes e
companheiros peregrinos, não  como companheiros
pecadores que são absolvidos para  persistir em nossos
pecados. Não há nenhuma promessa de aceitação para nós,
tanto de Deus quanto da Igreja, se endurecermos os nosso
corações contra a Palavra ou a vontade de Deus.

Fé, Esperança e Caridade

Se a prática homossexual deve ser considerada à luz da


revelação bíblica total, não como uma variante dentro  da
ampla abrangência da normalidade aceita, mas como  um
desvio das normas de Deus; se devemos, portanto, chamar
as pessoas com tendências homossexuais à  abstenção das
práticas e das parcerias, que conselho e que ajuda podemos
dar para lhes encorajar a responder a este chamado?

Eu gostaria de tomar esta tríade de Paulo: fé, esperança

e caridade, e aplicar aos homossexuais.

(1) O chamado cristão à fé. Fé é a resposta humana à


divina revelação e à crença na Palavra de Deus.
Primeiro, a fé aceita os padrões de Deus. A única
alternativa para o casamento heterossexual é a abstinência.
Penso que sei das implicações disto. Nada  me ajudou a
entender mais o sofrimento do celibato homossexual do que
o comovente livro de Alex Davidson  “Os Retornos do
Amor”. Ele escreve a respeito dessa  “incessante tensão
entre a lei e a luxúria”, “este monstro que fica de tocaia nas
profundezas”, este “tormento abrasador”.'

O mundo secular diz: “Sexo é essencial para a realização


humana. Esperar que os homossexuais se  abstenham das
práticas homossexuais é condená-los à  frustração ou levá-
los à neurose, ou até mesmo ao suicídio. É ultrajante pedir
que alguém negue a si mesmo  o que para ele é a maneira
normal e natural de expressar  a sexualidade. É
“desumano”;38 de fato, é positivamente  cruel”. Entretanto,
o ensinamento da Palavra de Deus é  diferente. A
experiência sexual não é essencial à realização  humana.
Para ser claro, é uma boa dádiva de Deus, mas não dada a
todos, e não é indispensável à humanidade. Entretanto, nos
dias de Paulo diziam que era, e o seu  “slogan” era “A
comida é para o estômago e o estômago  para a comida;
sexo para o corpo e o corpo para o sexo”

(1 Co 6:13). Mas isto é uma mentira do diabo. Jesus Cristo


era solteiro, ainda assim, perfeito em sua  humanidade.
Além disso, os mandamentos de Deus são  bons, e não
opressivos. O jugo de Cristo traz descanso e não desordem;
o conflito vem apenas para aqueles que o resistem.

Assim, fmalmente esta é a crise da fé: em quem devemos


acreditar? Em Deus ou no mundo? Devemos nos  submeter
ao senhorio de Jesus, ou sucumbir às pressões  da cultura
dominante? A verdadeira “orientação” dos cristãos não é o
que somos por constituição (hormônios), mas o que somos
por escolha (coração, mente e vontade).

Segundo, a fé aceita a graça de Deus. Abstinência não é


apenas bom, se Deus nos chama ao celibato, mas  também
possível, embora muitos o neguem. “Você sabe  a força
imperiosa a que o sexo impele,” dizem, “e não  está certo
pedir que nos controlemos.” E “tão próximo  de uma
impossibilidade,” escreve Norman Pittenger, “que nem vale
a pena discutir o assunto”.39

Realmente? O que devemos fazer então com a declaração


de Paulo depois de sua advertência aos Coríntios de que os
prostitutos e os homossexuais não  herdariam o Reino de
Deus? “E é isto o que alguns de  vocês eram. Mas vocês
foram lavados, santificados e  justificados no nome do
Senhor Jesus Cristo e pelo  Espírito do nosso Deus”(l Co
6:11)

O que diremos a milhões de pessoas heterossexuais que são


solteiras? Para falar a verdade, todos os
solteiros  experimentam a dor da luta e da solidão. Mas
como  podemos chamar a nós mesmos de cristãos e
declarar  que castidade é impossível? Isto tem-se tornado
mais  difícil pela obcessão da sociedade contemporânea.
E  fazemos mais difícil ainda para nós mesmos,
quando  damos ouvido aos argumentos plausíveis do
mundo.  Escorregamos para a auto-comiseração ou
alimentamos  nossa imaginação com material pornográfico
e assim habitando um mundo fantasioso do qual Cristo não
é o  Senhor ou ignoramos as ordens de arrancar nossos
olhos  e cortar fora nossas mãos e pés, o que significa:
ser  implacável com os caminhos da tentação. Mas,
qualquer  que seja o “espinho na carne”, Cristo vem a nós,
assim  como foi a Paulo e diz: “A minha graça te basta,
pois  meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2 Co 12:9).
Negar  isto é retratar os cristãos como vítimas
desprotegidas do  mundo, da carne e do diabo; é
contradizer o Evangelho da graça de Deus.

(2) O chamado cristão à esperança. Não tenho dito nada


até agora sobre a “cura” para os homossexuais,  agora
entendido não como domínio próprio, mas como  o inverso
de sua inclinação sexual. Nossa expectativa  desta
possibilidade dependerá grandemente de
nosso entendimento da etiologia da condição homossexual,
e  não chagamos a nenhum argumento final sobre
isto. “Pesquisar as causas do homossexualismo, “escreve D.
J.  West, “tem deixado um monte de mistério
sem  resolução.”40 A seu ver, contudo, “as crianças não
nascem sem o instinto sexual especificamente voltado para
um  sexo ou para o outro. A preferência exclusiva pelo
sexo oposto é uma peculiaridade adquirida...”41

A maioria concorda que carecendo de meios heterossexuais


para dar vazão, e sob pressões culturais,  uma grande
percentagem de pessoas poderia (ou ao menos  deveria)
agir homossexualmente. De fato, embora possa  haver um
fator ou componente genético, a condição é  mais
“aprendida” do que “herdada”.

Alguns atribuem a experiências traumáticas na infância,


tais como a carência do amor materno, inibindo  o
crescimento sexual.42 Então, sendo ele aprendido
não poderia ser desaprendido?

A possibilidade de uma mudança pelo poder e graça de


Deus também se baseia no nível da decisão pessoal
de resolver este problema, o que por si mesmo está ligado
a uma série de outros fatores.
Aqu eles que não estão pessoalmente determinados
poderão mudar através de fortes influências e
motivações.  Mas a maioria dos pesquisadores concluem
que o  homossexualismo por constituição é
irreversível. “Nenhum método conhecido de tratamento ou
punição, escreve D. J. West,”pode dar esperanças quanto a
qualquer  drástica diminuição na vasta legião de adultos
que  praticam o homossexualismo”; e seria mais
“realístico achar um espaço para eles em nossa sociedade”.
Ele apela  para a “tolerância”, mas não para o
“encorajamento” do comportamento homossexual.43 Outros
psicólogos vão  ainda mais longe, e declaram que o
homossexualismo  não deveria mais ser tratado como uma
condição patológica, ao contrário, deveria ser aceito, e não
curado.

Em 1973 os responsáveis pela Associação Americana de


Psiquiatria removeram o homossexualismo da categoria de
“doença mental”.

Não são estes pontos de vista, contudo as de-sesperadoras


opiniões da mente secular? Os cristãos sabem que a
condição homossexual, sendo um desvio  das normas de
Deus, não é um sinal da ordem criada, mas da desordem da
queda. Então, como podemos  consentir nela ou declará-la
incurável? Não podemos. A única questão é saber quando e
onde devemos esperar que a Divina Restauração aconteça.
O fato é que apesar  de os cristãos apregoarem que as
“curas” para o  homossexualismo acontecem (por
regeneração ou pelo trabalho do Espírito Santo), não é fácil
para nós  substanciar tais curas. Martim Hallet, que antes
de sua  conversão era um membro ativo no cenário gay,
fundou  o “True Freedom Trust”, um
ministério  interdenominacional de ensino e
aconselhamento sobre  o homossexualismo e problemas a
ele relacionados.“4 Eles publicam um panfleto chamado de
Testemunhos, onde  homens e mulheres homossexuais têm
dado seu testemunho a respeito do que Cristo fez por eles;
como acharam uma nova identidade nele, e um novo senso
de  realização como filhos de Deus. Foram libertos de
culpas, vergonha e medo pelo perdão e aceitação de Deus,
e  libertos da escravidão da sua antiga
atividade  homossexual, pelo poder do Espírito Santo que
neles  habita. Mas não foram libertos de sua
tendência  homossexual, e portanto, algum sofrimento
íntimo  persiste ao lado da sua nova alegria e paz. Aqui
temos  dois exemplos: “Minhas orações não foram
respondidas  da maneira esperada, mas o Senhor tem-me
abençoado  grandemente, me dando dois amigos cristãos
que me  aceitaram amorosamente do jeito que eu era.”
“Depois  de ter orado com imposição de mãos, um espírito
de  perversão me deixou. Eu louvo a Deus pela
libertação  que encontrei naquela tarde... Posso testificar
que são passados três anos desde a libertação. Mas não me
fiz um heterossexual naquela época.”

Não existe, então, esperança alguma de uma mudança


substancial de tendência? A Dra. Elizabeth Moberly crê que
sim. Através de suas pesquisas, ela tem sido levada à visão
de que “uma tendência homossexual não depende  de uma
pressuposição genética, desequilíbrio hormonal,  ou
processos de aprendizados anormais, mas das dificuldades
no relacionamento pais-filhos, especialmente nos primeiros
anos de vida”. “O princípio básico”, continua ela, “é que o
homossexual - quer seja mulher ou  homem - sofre de
alguma deficiência no relacionamento com um dos pais do
mesmo sexo que o seu) e que corresponde a uma tendência
de tornar boa esta deficiência através do agente do mesmo
sexo ou  relacionamento homossexual.”45 A deficiência e o
agente  andam juntos. O agente de reparação para o amor
do  mesmo sexo não é patológico em si mesmo,
mas “justamente o oposto - é a tentativa de resolver e curar
a  patologia”. “A condição homossexual não
envolve necessidades anormais, mas necessidades normais
que  têm, de forma anormal, sido deixadas de lado no
processo  normal do crescimento. “Homossexualismo
“é,  essencialmente, um estado de
desenvolvimento incompleto” ou de carência não suprida.46
Assim, a solução apropriada é “o encontro das carências do
mesmo sexo sem atividade sexual”, pois erotizar o aumento
das  carências é confundir as carências emocionais
com  desejos fisiológicos.47 Como, então, poderão
estas  carências ser supridas? As carências são legítimas,
mas  quais são os meios legítimos de supri-las? A resposta
da  Dra. Moberly é que “os relacionamentos substitutos
para  os cuidados paternos estão no plano redentor de
Deus,  da mesma forma que os pais estão no seu plano
criador”.4*'  O que se necessita são relacionamentos
amorosos,  duradouros e do mesmo sexo, mas não
relacionamentos sexuais, especialmente na Igreja. “Amor”,
ela conclui, é  a terapia básica tanto na oração como nos
relacionamentos, Amor é o problema básico, a
grande  necessidade, e a única solução. Se desejamos
buscar e medir o amor curador e redentor de Cristo, então
a cura  do homossexual será uma grande e gloriosa
realidade49  Contudo, mesmo assim, a cura completa do
corpo,  mente e espírito não acontecerá nesta vida. Algum
grau  de deficiência ou desordem permanece em cada um
de  nós. Mas não para sempre! Pois os horizontes do
cristão  não são limitados por este mundo. Jesus está
voltando  novamente; nossos corpos serão redimidos; o
pecado, o  sofrimento e a morte serão abolidos; nós e o
universo  seremos transformados. Então, seremos
finalmente  libertos de tudo que perverte ou distorce a
nossa  personalidade, e esta garantia cristã nos ajuda a
suportar  qualquer que seja o nosso presente sofrimento,
pois existe  sofrimento no meio da paz. “Porque sabemos
que toda a criação a um só tempo geme e suporta angústias
até  agora. E não somente ela, mas também nós que
temos  as primícias do Espírito igualmente gememos em
nosso  íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção
do  nosso corpo” (Rm 8:22f). Assim, nossos
gemidos  expressam as dores do parto da nova era.
Estamos  convencidos de que '“os sofrimentos do tempo
presente não são para comparar com a glória por vir a ser
revelada em nós” (Rm 8:18).

Esta esperança confiante nos sustenta.

No meio de sua homossexualidade, Alex Davidson tira


conforto desta esperança cristã. Ele pergunta: “Uma  das
maiores infelicidades a respeito desta condição, não  é
quando você olha adiante e tem a impressão de que
a  mesma estrada impossível parece não ter mais fim?
Você  é levado à revolta quando pensa que não há um
ponto final para isto, e se desespera quando pensa que não
há  limites para tal. Esta é a razão pela qual eu acho
conforto  quando me sinto desesperado ou rebelde ou as
duas coisas, e me lembro da promessa de Deus de que um
dia tudo vai acabar...”50

(3) 0 chamado cristão ao amor. Presentemente, estamos


vivendo "no meio dos tempos”, entre a graça
que  agarramos pela fé e a glória que antecipamos
pela esperança. Entre elas, o amor repousa.
Apesar disto, é justamente aí que a Igreja tem geralmente
falhado; ela não tem demonstrado amor às  pessoas
homossexuais. Jim Cotter reclama amargamente  de serem
tratadas como “objeto do escárnio, insulto,  medo,
preconceito e opressão.”51 Norman Pittenger  descreve a
correspondência “vituperativa” que recebeu,  na qual os
homossexuais são tratados, até mesmo por  cristãos
praticantes, como; “criaturas repulsivas”,  “pervertidos
repugnantes”, “pecadores abomináveis” e  outras coisas do
gênero.52 Pierre Berton, um cronista social, escreve que “o
homossexual é o equivalente moderno  à lepra”53 e Rictor
Norton é ainda mais cortante: “O  registro da Igreja em
relação aos homossexuais é uma atrocidade do princípio ao
fim: não cabe a nós buscar o  perdão, mas a Igreja fazer
expiação.”54

A atitude de hostilidade contra os homossexuais, é, hoje em


dia, denominada de “homofobia”.55 É uma mistura de medo
irracional, ódio e até repulsa. Não se  quer tomar
conhecimento de que a grande maioria das  pessoas
homossexuais não são responsáveis pela sua  condição
(embora seja, é claro, pela sua conduta). Já que  não são
deliberadamente pervertidos, eles merecem
nossa  compreensão e compaixão (embora muitos achem
isto  paternalismo), e não nossa rejeição. Não é de
admirar  que Richard Lovelace apele para um “duplo
arrependimento”, ou seja: “que cristãos gays renunciem
ao  estilo de vida ativo” e que “cristãos rigorosos
renunciem à homofobia”.

O Dr. David Atkinson está certo ao acrescentar: “Não


temos a liberdade de instar com os cristãos
homossexuais quanto ao celibato ou uma expansão de seus
re-lacionamentos, a menos que, com relação a
primeira  situação, haja apoio, e oportunidades para a
segunda,  em genuino amor.”-' Penso que, realmente, a
existência  do Movimento Cristão Gay (para não falar do
chamado “Companheirismo Evangélico” dentro dele), é um
voto de censura à Igreja.

No coração da condição do homossexual está uma profunda


solidão; a natureza humana está faminta de  amor mútuo,
uma busca de identidade, e um desejo de complementação.
Se as pessoas homossexuais não podem  achar isto dentro
da “família da igreja” local, não há  mais porquê
continuarmos a usar esta expressão. A alternativa não está
entre o calor do relacionamento físico do intercurso sexual
e o sofrimento do isolamento no  frio. Há uma terceira
questão, que é um ambiente cristão de amor, compreensão,
aceitação e apoio.

Não acho que exista qualquer necessidade de encorajar os


homossexuais a descobrir sua situação para todo  mundo;
isto não é necessário nem vai ajudar. Mas eles precisam de,
pelo menos, um confidente com quem  possam se abrir,
livrando dos seus fardos, e que os possa apoiar em amizade
e oração; provavelmente aconselhamento pastoral,
profissional, privado e confidencial;  possivelmente com a
ajuda de uma terapia de grupo  profissional; e muitos
amigos sinceros e afetuosos de  ambos os sexos. As
amizades do mesmo sexo devem ser  encorajadas, como se
vê na Bíblia entre Rute e Noemi,  Davi e Jônatas, Paulo e
Timóteo. Não há qualquer  indicação de que houvesse
evidências de homossexualismo no sentido erótico em
qualquer dos casos, mas se tratava sim, de uma afetividade
evidente (como  entre Davi e Jônatas).58 É claro que é
importante que se tome precauções.
Nas culturas africanas e asiáticas é comum ver dois
homens andando de mãos dadas pelas ruas sem
nenhum embaraço. Diz-se que nossa cultura ocidental inibe
o  desenvolvimento de relacionamentos preciosos de
pessoas  do mesmo sexo, pela indução do medo ao ridículo
ou à rejeição como “bicha”.

Estes relacionamentos, tanto do mesmo sexo quanto do


sexo oposto, precisam ser desenvolvidos dentro da  família
de Deus, que, apesar de universal, tem suas manifestações
locais. Sua intenção é de que cada igreja  local seja uma
comunidade calorosa e de apoio. Quando  me refiro a
“aceitar”, não estou querendo dizer  “aquiescer”; como
também ao me referir à rejeição à  “homofobia” eu não
estou rejeitando a correta  desaprovação cristã ao
comportamento homossexual.  Não, o amor verdadeiro não
é incompatível com a manutenção dos padrões morais. Há,
portanto, um lugar  para a disciplina da igreja em caso de
membros se  recusarem ao arrependimento e persistirem
em manter  relacionamentos homossexuais. Deve ser
exercida, contudo, em espírito de humildade e amabilidade
(Gl,  6:lf); devemos ser cuidadosos para não fazer
discriminação dos pecados entre homens e mulheres, e
entre  homossexuais e heterossexuais; e uma
disciplina necessária no caso de um escândalo público não
deve ser confundida com uma caça às bruxas.

Por mais perplexo e doloroso que o dilema do homossexual


cristão possa ser, Jesus Cristo oferece, tanto a ele quanto a
ela, (na verdade, a todos nós) fé, esperança  e amor - a fé
para aceitar seus padrões e sua graça para  os manter, a
esperança para olhar adiante do sofrimento  presente, um
futuro de glória, e o amor para cuidar e  suportar uns aos
outros. “Porém, o maior destes é o amor” (1 Co, 13:13).
Notas Bibliográficas

1    • Ver o Comportamento Sexual no Macho Humano

(1948) e Comportamento Sexual na Fêmea Humana (1953).


Contudo seus métodos de pesquisa e  descoberta têm sido
criticados: o primeiro, por  ser seletivo e o último, como
consequência, por  mostrar um alto percentual de
anormalidade.

2    • Donald J. West, Homossexualidade (1955, 2~ ed.

Pelican, 1960; 3á ed. Duckworth, 1968), pág.12.

3    • De um artigo intitulado “Deus, Sexo e Você” na

revista Eternidade, Agosto de 1972.

4    • J. N. D. Anderson,Morahdade, Leie Graça (Tyndale

Press, 1972), pág. 73.

5    • Malcolm Macourt ed., Rumo à Teologia da Libertação

Gay (SCM Press, 1977), pág.3. A citação vem de própria


introdução do Sr. Macourt ao livro.

6    • Derrick Sherwin Bailey, Homossexualismo e a

Tradição Cristã Ocidental (Longmans, Green, 1955), pág.4.

7* Is 1:10 fs; Jer 23:14; Ez 16:49 fs.

8* Mt 10:15; 11:24; Lc 10:12.

9 • Sherwin Bailey dá referências no Livro dos Jubileus e o


Testamento dos Doze Patriarcas (op. cit. págs.ll-20). Há
uma avaliação ainda mais repleta dos  escritos do período
inter-testamentário no livro

de Peter Colemman Atitudes Cristãs para o


Homossexualismo (SPCK, 1980), págs. 58-85.  10»Sherwin
Bailey, op. cit. pág. 27.

11 • James D. Martin em Rumo à Teologia da Libertação


Gay, ed. Malcolm Macourt (SCM, 1977), pág.
53. 12»Sherwin Bailey, op. cit. pág.30.

13 • Peter Coleman, op. cit. pág.49.

14«Veja, por exemplo, I Reis 14:22 fs; 15:12; 22:46 e II Reis


23:7.

15»Sherwin Bailey, op. cit. pág. 39.

16    • Peter Coleman, op. cit. págs. 95-6.

17    • Peter Coleman, op. cit. pág. 277.

18    »Peter Coleman, op. cit. pág. 101.

19    • Rictor Norton em Rumo à Teologia da Libertação

Gay, pág.58.

20    • Letha Scanzoni e Virgínia R. Mollenkott. E o

Homossexual meu Vizinho? (Harper & Row, e SCM, 1978),


pág.111.

21    • Sherwin Bailey, op. cit. pág.l.

22    • Norman Pittenger, Tempo de Consentimento (3-


ed. SCM, 1976), págs. 7 e 73.

23    • Donal J. West, op. cit. págs. 17-32

24    • Norman Pittenger, op. cit. pág. 7.

25    • Peter Coleman, op. cit. pág. 50.

26»Capítulo 3:3-5, citado por Peter Coleman, op. cit. pág.


71.

ZI • C. K. Barret, Comentário sobre a Epístola aos Romanos


(A. & C. Black, 1962), pág. 39.

28    • Pág. 21.

29    • Pág. 36.

30* Capítulo 9.

31    • Capítulo 5.

32    • Norman Pittenger, op. cit. págs. 31-33.

33    «João 14:15; Rm 13:8-10.

34    • Malcolm Macourt, op. cit. pág. 25.

35    • Norman Pittenger, op. cit. pág. 2.

36    • ibid. pág. 94.

37    »Alex Davidson, Os Retornos do Amor (IVP, 1970),

págs. 12, 16, 49.

38    • Norman Pittenger em Rumo à Teologia da


Libertação Gay, pág. 87.

39    • Tempo de Consentimento, pág. 7.

40    • Donald J. West, op. cit. pág. 261.

41    • ibid, pág. 15.

42    • Professor R. J. Berry dá um sumário útil da opinião

atual sobre etiologia em sua contribuição as Conferências


de Londres (1982). Livre para ser  Diferente (Marshall,
Morgan & Scott, 1984), págs. 108-116.

43    • D. J. West, op. cit. págs. 226 e 273.

44    • O endereço da True Freedom Trust é 45. Elizabeth

R. Movberly, Homossexualidade: Uma Nova Etica

Cristã (James Clarbe, 1983), pág. 2.

46    • ibid. pág. 28.

47    • ibid. págs. 18-20.

48    • ibid págs. 35-6.

49    • ibid pág. 52.

50*Alex Davidson, op. cit. pág. 51.

51    • Rumo à Teologia de Libertação Gay, pág. 63.

52    • Tempo de Consentimento, pág. 2.

53    • Citação de O Banco de Igreja Confortável (1965)


por Letha Scanzoni e Virginia Mollenkott.

54    • Rumo à Teologia de Libertação Gay, pág. 45.

55    • A palavra parece ter sido usada primeiro por

George Weinberg em Sociedade e o Homossexual Sadio


(Doubleday, 1973).

56    • Richard F. Lovelace, Homossexualidade e a Igreja

(Revell, 1978) pág. 129 e conf. pág. 125.

57    • David J. Atkinson, Homossexuais no

Companheirismo Cristão (Latimer House, 1979), pág. 118.


Dr. Roger Moss concentra sobre questões pastorais em seu
livro Cristãos e Homossexualidade (Paternoster, 1977).

58* i.e. 1 Sm 20:41 e 2 Sm 1:26.

Grandes questões sobre

Jamais em toda história, as questões sobre sexo estiveram


tão presentes em discussões e debates nos mais diversos
segmentos da sociedade, como em nossos dias.  Este livro
aborda temas como:

•    A Relação entre o Homem, a Mulher e Deus

•    A Questão do Feminismo

•    Igualdade de Direitos

•    Responsabilidades Conjugais

•    Casamento e Divórcio

•    0 Dilema do Aborto

•    A Revolução de Hábitos

•    Homossexualismo

•    Proibições Bíblicas

•    Sexo e Casamento na Visão Bíblica

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