Introdução Ao Islão - Apontamentos Do Pe. Peter Stilwell
Introdução Ao Islão - Apontamentos Do Pe. Peter Stilwell
Introdução Ao Islão - Apontamentos Do Pe. Peter Stilwell
«A Igreja olha também com estima para os Muçulmanos que adoram o Deus único, vivo
e subsistente, misericordioso e omnipotente, criador do céu e da terra, que falou aos
homens e a cujos desígnios ocultos eles procuram com toda a alma submeter-se, assim
como a Deus se submeteu Abraão, cujo nome a fé Islâmica com agrado pronuncia.
Veneram a Jesus como profeta, embora o não reconheçam como Deus, honram a Maria
sua Mãe virginal e até algumas vezes a invocam com devoção. Esperam também o dia
do Juízo, no qual Deus há-de remunerar todos os homens ressuscitados. Pelo que têm
em consideração a vida moral e prestam culto a Deus, sobretudo com a oração, esmolas
e jejum.
Embora ao longo dos séculos não poucos desencontros e inimizades tenham surgido
entre Cristãos e Muçulmanos, o Santo Concílio exorta a todos a que, esquecendo o
passado, pratiquem sinceramente a mútua compreensão, defendam e promovam em
comum a justiça social, os bens morais, a paz e a liberdade para todos os homens.»
BIBLIOGRAFIA:
Alcorão, trad. de José Pedro MACHADO e prefácio de Suleiman Vali MAMEDE, Junta de
Investigações Científicas do Ultramar, 2ª ed., Lisboa 1980.
ARMSTRONG, Karen, Muhammad. A Biography of the Prophet, Phoenix Press, London 2001.
BLACHÈRE, Régis, O Corão, Rés Editora, Lisboa, s.d. (trad. de Le Coran, col. «Que sais-je?»)
GUELLOUZ, Azzedine, «L‘Islam», in Le fait religieux, ed. Jean DELUMEAUX, Fayard, Paris 1993,
pp. 265-350 (trad. port. As Grandes Religiões do Mundo, Presença, Lisboa, 1997).
NICHOLSON, Reynold A., The Mystics of Islam, (col. Arkana), Penguin, London, 1989.
RODINSON, Maxime, Muhammad, Penguin, London, 21996.
SMART, Ninian, The Religious Experience of Mankind, Fontana, London 1971, pp. 474-542.
STIERLIN, Henri, Islão, de Bagdade a Córdova. A arquitectura primitiva do século VII ao século
XIII, Taschen, Köln / Lisboa / London / New York / Paris / Tokyo, 1997.
TAWFIK, Younis, Islam (trad. fr.), Ed. Liana Levi, Verona, 1997.
O Islão tem a sua origem na vida e obra de MUHÂMADE BEN ABDULLAH BEN ABDUL
MUTLIB BEN HÁXIME.
«Em português, além da forma «Muhâmade», que, até na pronúncia, corresponde ao
árabe Muhammad (esta proferida por todos os muçulmanos de hoje) existe uma outra,
também usual, mas não para fins religiosos — ―Mafoma‖ —, que se lê nos mais antigos
textos da língua portuguesa, e certamente corresponde ao que diziam na Idade Média os
crentes do Islão no Andaluz, antes e depois do rei D. Afonso Henriques, que reconheceu
o seu culto e privilégios em foral. Esta última forma tem origem na vocalização que se
espalhara em alguns países árabes, com a lição Mahommad, que os clássicos do idioma
arábico procuravam corrigir, mas que explica certas formas hoje desusadas como
«Mafomede» e «Mafamede», e o turco Mahomet, que passou ao francês (italiano:
1
Maometto), e que se aportuguesou, entre nós, por ―Maomé‖, sem necessidade, como se
viu.»1
Muhâmade
2
antes do nascimento do filho, tendo este sido entregue à responsabilidade do avô. O avô
era guardião da fonte sagrada de Zamzam, junto à Caaba, onde os peregrinos se vinham
dessedentar, e que, segundo a tradição, surgira por ordem de Alá2. Estes dois elementos
indicam que a devoção ao deus superior do panteão árabe fazia parte da tradição familiar
de Muhâmade. O rapaz viveu dois anos em casa do avô, até à morte deste, tendo sido
depois transferido para os cuidados de um tio. Jovem ainda, empregou-se na casa de uma
viúva rica, de nome Cadija, onde lhe foi entregue a responsabilidade dos camelos que
transportavam mercadorias para Damasco. Aos vinte e cinco anos de idade, casou com
Cadija, quinze anos mais velha, e tiveram ao todo seis filhos. Se pusermos de lado as
muitas lendas que se ligaram à sua pessoa, pouco mais sabemos destes primeiros anos da
sua vida — a não ser que a determinada altura as suas práticas idolátricas foram
duramente criticadas por um certo Zaid. É possível que Zaid fosse um convertido cristão
ou judeu, embora as fontes árabes tendam a negar qualquer dessas hipóteses. Seja como
for, representou uma influência marcante na vida de Muhâmade, e provavelmente
precipitou o seu afastamento do politeísmo dominante.
Depois de casado, Muhâmade revelou uma predisposição religiosa muito acentuada.
Era hábito seu retirar-se para as montanhas para rezar e meditar. Aos quarenta anos, a sua
inquietação espiritual e os seus anseios profundos culminaram numa experiência em que
se sentiu, a contra gosto, chamado por Deus à vida de profeta. 3
2 Nota de P. Stilwell – O poço de Zamzam (ou Zemzem) terá sido, segundo a tradição, a fonte que
o anjo do Senhor levou a escrava Agar a descobrir quando esta se preparava para morrer de sede com o
seu filho Ismael (Gn 21,14-19). No decorrer dos séculos, o poço desapareceu. A culpa, ainda segundo a
tradição, foi de uma tribo originária do Iémen que controlou Meca durante uns tempos. Ao perder o
domínio da cidade, escondeu no poço parte do tesouro do santuário da Caaba e cobriu-o de areia. Certa
noite, o avô de Muhâmade, Abd al-Mutalib, que dormia na Hijr Isma‘il — local junto à Caaba, do lado
nordeste, onde se dizia estarem sepultados Agar e Ismael — teve a visão de uma criatura angélica que lhe
mandou abrir o poço de Zamzam. O tesouro do santuário foi recuperado e o clan de Abd al-Mutalib
tornou-se guardião do poço (cfr. Younis TAWFIK, op. cit., p. 21-23).
3 Cf. Ninian SMART, The Religious Experience of Mankind, London 1984, 475–478.
4 Sobre o Alcorão, ver Régis BLACHÈRE, O Corão, Rés Editora, Lisboa, s.d.
5 S. V. MAMEDE, loc. cit., VIII.
3
a todo o território controlado pelo Império Persa, a leste. Fora deste bloco geográfico
permanecia só a Ásia Menor, controlada ainda por Binzâncio.
Tudo indica que as experiências vividas por Muhâmade foram de uma grande densidade
emocional. Convulsionavam-no, punham-no «fora de si». Daí a impressão de se ter tornado
«poeta ou possesso» que testemunha no hadite incluído adiante entre os textos de apoio. Pelo
menos nos primeiros tempos as palavras da revelação impunham-se à sua consciência de uma
forma que o deixava extenuado. Vibravam nele como um doloroso dobrar de sinos no interior
da cabeça 6. E os resultados ainda hoje acessíveis no Alcorão manifestam a força da inspiração
sentida. «O espantoso poder da linguagem árabe do Alcorão [...] é um claro indício dos dons
poéticos e religiosos invulgares de Muhâmade» 7. Diz-se que a experiência de ouvir bem
recitado o Alcorão em árabe chega a comover quem nem sequer conhece a língua.
O temperamento do profeta era rico de feições complementares. Terrível na ira contra a
blasfémia ou a traição, era também um homem com sentido de humor, capaz de gestos de
ternura e de compaixão. Feroz na guerra, agia com grande tacto e diplomacia na paz.
Embora a tradição tenha evoluído no sentido de o considerar sem marca de pecado, tudo
indica que ele próprio não partilhava dessa opinião.
O impacto da sua personalidade está à vista de todos no modo como conseguiu, em tão
pouco tempo, congregar a multidão de tribos árabes e incutir nelas um sentido de destino
histórico e de autoconfiança, e a noção de que a vida social deve organizar-se segundo
parâmetros de justiça acima das circunstâncias sempre volúveis e dos interesses pessoais e
políticos.
Em menos de 100 anos a sua mensagem e o domínio dos seus sucessores estendia-se de
Gibraltar aos Himalaias, do Oceano Índico ao Mediterrâneo ao Mar Cáspio e ao Cáucaso.
«Muhâmade fundiu de forma singular a fé num Deus único, clemente e misericordioso com
um sentido de destino político universal. O Islão combinou a força do monoteísmo judaico, sem
as suas limitações nacionalistas, com a fraternidade do Cristianismo, sem a sua indefinição
política, e irrompeu num mundo em que as divisões e perseguições entre cristãos tornavam
atraente essa alternativa.» 8
A questão que se coloca a quem está de fora é saber se Muhâmade era ou não profeta de
Deus. O problema pode ser discutido em duas vertentes: se o seu comportamento e a sua
personalidade foram consentâneas com uma vocação tão elevada; se a sua mensagem transmite
ou não uma «verdade religiosa». A segunda vertente é sem dúvida a mais importante e aplica-se
a todas as grandes figuras da História das Religiões, mas talvez só no final de uma análise de
cada uma seja possível sistematizar alguns critérios. Quanto ao comportamento e personalidade
do profeta, parece-me menos significativo o que se possa aduzir. Não vejo que o poder de Deus,
tal como é concebido dentro e fora da tradição islâmica, possa ser limitado pela dignidade ou
não das suas criaturas (recorde-se a história da burra de Balaão, ou o poder de profetizar que S.
João reconhece ao Sumo Sacerdote em vésperas da Paixão de Jesus). Contudo, este aspecto tem
sido aproveitado pela apologética anti-islâmica para denegrir a figura de Muhâmade. Assim, por
exemplo:
Uma geração anterior de arabistas [...] levantou a hipótese de Muhâmade ter sido um
epiléptico. A acusação remontava a um escritor bizantino. Tal hipótese, porém, carece de
fundamento e pode ser atribuída a preconceitos anti-muçulmanos. O estudo dos
fenómenos da experiência religiosa tornam muito improvável que o tenha sido. Os
profetas não são pessoas normais, mas isso não nos autoriza a concluir que o seu
comportamento pouco habitual se deva a uma condição mórbida. Muhâmade foi um
6 As suras mais tardias, que reflectem as crescentes responsabilidades políticas do profeta, são mais
formais e sem a frescura e espontaneidade das primeiras.
7 Ninian SMART, op. cit., 495.
8 Ibid., 496.
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homem a quem nunca faltou o bom senso. Os que negam a sua estabilidade psíquica só o
podem fazer se ignorarem os inúmeros testemunhos da sua perspicácia na avaliação dos
outros e na apreciação do que se passava no mundo do seu tempo; e a sua persistência
frente a uma constante oposição até unir o seu povo na mesma religião, o Islão. Se
tivesse alguma vez sofrido uma crise nos momentos de tensão, quer na guerra quer nas
controvérsias, ou desmaiado quando sujeito às exigências de uma actuação vigorosa, a
acusação talvez fosse defensável. Mas todos os elementos disponíveis apontam no
sentido contrário, e a sugestão de epilepsia é tão falha de fundamento aos olhos deste
escritor como é ofensiva para os muçulmanos. Poderá acrescentar-se que a maior parte
dos autores modernos, ao invés da geração anterior, partilham desta opinião. 9
A simplicidade e a clareza doutrinal são dos elementos mais atraentes da proposta religiosa
do Alcorão. No essencial, resumem-se à conhecida frase que atesta a adesão ao Islão, a
confissão de fé: «Não há deus senão Deus e Muhâmade é o enviado de Deus» (La ilaha illa
Allah: Muhammad rasul Allah). Quem efectua um tal acto de adesão é um muslim — de que o
plural é muslimûn ou muçulmanos10. Muhâmade é visto não como o único mas como o último
de uma longa linhagem de profetas, que na tradição judaica e cristã vai de Moisés a Jesus mas
que na perspectiva muçulmana não se restringe a essa tradição. Ele próprio é o «selo dos
profetas»; aquele com quem a revelação de Deus atinge o seu fim. Note-se que Jesus é
entendido como o maior dos profetas antes de Muhâmade e o «selo da santidade».
A estes artigos básicos da profissão de fé muçulmana, a primeira das «Cinco Colunas do
Islão», acrescenta-se, necessariamente, o reconhecimento da inerrância do Alcorão, cuja origem
é divina.
Abaixo de Alá há uma multidão de anjos. Mas são criaturas de Deus, como na doutrina
cristã. Entre os anjos houve um que caiu, Iblis (nome derivado do grego diábolos), que procura
obstruir, com os seus agentes, a obra dos fiéis. Mas só pode agir dentro dos limites estabelecidos
por Alá.
A omnipotência de Alá é de tal modo vincada no Alcorão que se levanta o problema da
predestinação. O tema não é explorado a fundo no livro sagrado e tornar-se-á motivo de
divergências teológicas posteriores. Todavia parece evidente que Alá permite a condenação
eterna de alguns.
Tal como no Judaísmo tardio e no Cristianismo, o Islão crê no Juízo Final e na existência
de um Céu e de um Inferno.
A defesa da unidade de Deus contra todo o politeísmo levou Muhâmade a encarar Jesus de
uma forma que contradiz a fé cristã ortodoxa. Nenhum muçulmano pode considerar Jesus um
ser divino. Seria, na perspectiva do profeta, colocar alguém a par de Alá. Também a filiação
divina de Jesus é negada no Alcorão. O conceito de filiação no contexto da cultura árabe
implicava uma relação física de geração, incompatível com a transcendência divina. No entanto,
Jesus é considerado um profeta, e afirma-se a sua concepção por iniciativa divina no seio da
virgem Maria. Quanto à sua morte: não morreu na cruz. Na altura da paixão, foi substituído por
uma aparência e levado para o céu (o texto do Alcorão é ambíguo neste ponto, mas a leitura
aqui apresentada corresponde à mais frequente entre os muçulmanos). O mesmo Jesus virá de
novo antes do Juízo Final, mas não como Juiz, pois esse será o próprio Deus. O Alcorão afirma
9 Alfred GUILLAME, Islam, Penguin, London 1956, pp. 25-26 (cit. por N. SMART, op.cit., p. 497).
10 «[...] particípio activo do verbo aslama, palavra especializada no árabe moderno no sentido de
―se tornar muçulmano‖, ―converter-se ao Islão‖. É costume atribuir ao verbo aslama o sentido
etimológico de de ―submissão‖, e dizer que muslim significa literalmente ―submetido (a Deus)‖. Na
realidade, a verdadeira etimologia introduz uma diferença subtil: a raiz slm tem significado primordial de
―ausência de contestação‖, donde o sentido bem conhecido da palavra salâm, ―paz‖, ―saúde‖; o verbo
derivado aslama deveria significar, portanto, ―pôr-se de paz com‖ ou ―fazer a paz‖. O muçulmano é
portanto, antes de mais, aquele que se põe de paz com Deus, que coloca a existência de Deus e o seu
poder fora de toda a contestação» – Azzedine GUELLOUZ, loc. cit., p. 263.
5
ainda que Jesus recebeu do alto a força do Espírito Santo, e o Espírito Santo é mencionado
várias vezes ao longo do livro sagrado, mas nunca é encarado como uma Pessoa no seio da
Divindade.
Este quadro dá-nos uma ideia de como Muhâmade se distanciou da fé cristã. Não negou
abertamente a doutrina da Santíssima Trindade, mas sim um determinado entendimento da
filiação divina de Jesus — que o Cristianismo ortodoxo também rejeitaria.
A expansão do Islão
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autoridade: «Ó povo, quem adorava Muhâmade, que saiba que Muhâmade morreu
verdadeiramente! Quem adorava Deus, que saiba na verdade que Deus está vivo e não morrerá
jamais!»
Os primeiros quatro califas têm um estatuto especial na história do Islão. Chamados os
«quatro califas bem-guiados», o seu exemplo, junto com o de Muhâmade, é recordado como
suna (costume ou tradição).
ABU-BAKR (632-634) foi o primeiro califa escolhido. Conseguiu impor de novo a unidade
às tribos — que após a morte do profeta tinham entrado num processo de ruptura — e
empreendeu um conjunto de campanhas militares coroadas de sucesso. Nos dois anos da sua
chefia o domínio político e religioso do Islão estendeu-se ao Sul da Síria e à margem ocidental
do Golfo Pérsico, mas não à Palestina.
UMAR, ou Omar (634-644), homem de Estado e personalidade enérgica que propusera a
eleição de Abu-Bakr, foi a escolha natural para o suceder. Continuou as campanhas militares e,
numa incursão fulminante, o seu general, Khalid ben al-Walid conquistou Damasco a Bizâncio,
infligindo pouco depois uma derrota estrondosa às tropas do Imperador Heraclito. O seu
domínio alargou-se rapidamente à Palestina, a parte dos territórios do Império Persa e ao Delta
do Nilo.
Umar foi assassinado por um escravo cristão. Após a sua morte foi escolhido para califa
um aristocrata de Meca, UTHMAN, ou Otman (644-656), da família dos Omíadas e genro do
profeta. Criou mal-estar ao promover familiares a cargos de poder, ao mesmo tempo que
afastava discípulos do profeta do tempo do exílio deste em Medina. Durante seu mandato,
vibrou-se o último golpe que fez ruir o Império Persa. O Islão passou a estender-se do Alto
Egipto ao Cáucaso, da Líbia a Isfahan. Mas, em breve, as reacções de Medina à ascensão dos
arrivistas de Meca culminou no assassinato de Uthman.
ALI (656-661) foi eleito para suceder a Uthman, mas contra uma forte oposição liderada
por um omíada, Muawiya ibn Abu Sufyan, sobrinho de Uthman e governador da Síria. Ali
deslocou o centro do seu governo para o Iraque e, a partir daí, enfrentou com os seus exércitos
os que se lhe opunham. Mas as forças sírias de Muawiya afixaram versículos do Alcorão nas
lanças e os exércitos de Ali tiveram receio de atacar. Ali aceitou então negociar e viu a sua
causa derrotada. Em 661, foi assassinado por um dos seus próprios partidários que se opusera às
negociações. A dinastia omíada firmou-se no poder — do qual só se veria apeado quase um
século depois pela dinastia abássida (750-1258) — mas estavam lançadas as sementes das
divisões no interior do Islão que marcá-lo-iam até aos nossos dias, pois um grupo de partidários
de Ali formou o «partido de Ali», xi’at Ali (ou chi’at Ali), conhecido mais tarde simplesmente
como xi’a, cujos adeptos se chamam xiitas.
Depois dos ―califas bem-guiados‖, o califado transformou-se numa instituição dinástica,
vista como guardiã da Sharia, ou lei corânica. Em 1924, o califado foi abolido por Ataturk e o
consenso (ijma) do Islão sunita parece ser, actualmente, que, «se a Sharia é respeitada pelos
governos nacionais dos países muçulmanos, então não há necessidade de restaurar a posição
transnacional do califa»11.
11 David KERR, «A unidade e variedade no Islão», in AA.VV., As Religiões do Mundo, São Paulo,
1996, p. 332.
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Os ramos do Islão
SUNITAS XIITAS
Maioria de 90%. Governo por Minoria de 10%. Dirigidos por um «imã» sucessor de Ali. Ali
consenso comunitário, liderado herdou a «wilaya» de Muhâmade, os seus dons espirituais, o que
por um califa. levava a que a sua interpretação do Alcorão fosse infalível, e
passou esse carisma aos filhos do seu casamento com Fátima,
Hassan e Hussein, e estes a seus descendentes.
Musta’lis, ou
muçulmanos
Bohora (imã oculto,
não descende de
Hassan e Hussein)
SUFIS – Muçulmanos que procuram uma experiência directa e pessoal de Deus. Por isso,
muitas vezes classificados de místicos. Têm sido particularmente importantes na difusão do
Islão. Nos séculos XVIII e XIX, pelo menos metade, se não três quartos dos muçulmanos
masculinos tinham uma ligação com uma tariqa (ordem) sufi. O aparente contraste entre esta
procura de uma relação vivenciada com Deus e o cumprimento da lei corânica, ou Sharia, foi
resolvida pelo grande mestre indiano, Ahmad Sirhindi (m. 1625, AH 1034): afirmava que,
embora a experiência de estar em Deus seja real, não é toda a religião nem o seu fim; a vida
moral e virtuosa é igualmente importante. A experiência sufi da realidade absoluta (haquiqa)
não se opõe à Sharia. Pelo contrário, representa o acesso existencial ao seu fundamento.
A origem do sufismo ainda não é clara. Parece ter surgido a partir da determinação de
alguns muçulmanos dos primeiros tempos de não se deixarem distrair pela rápida expansão do
Islão, e o desejo de se fixarem na visão e na prática de Muhâmade, deixando que se realizasse
nas suas vidas a soberania absoluta de Deus. É possível que esta aspiração se tenha visto
reforçada pelo contacto com o monaquismo cristão da Síria.12
A Lei Corânica
12 Um curioso testemunho clássico da literatura sufi é a obra de Farid ud-Din ATTAR, The
Conference of the Birds (1177), (col. Classics), Penguin, London, 1984 (existe trad. brasileira, não muito
boa).