ART04

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DOI: http://dx.doi.org/10.

1590/1516-731320150020013

Trajetória da formação de professores de ciências


para educação inclusiva em Goiás, Brasil,
sob a ótica de participantes de uma rede colaborativa

Trajectory of the training of science teachers


for inclusive education in Goiás, Brazil, from the perspective
of participants in a collaborative network

Lidiane de Lemos Soares Pereira1  Claudio Roberto Machado Benite2


 Juliana Caixeta Padilha Maria Luiza Mendes4 
3

Eveline Borges Vilela-Ribeiro  Anna Maria Canavarro Benite6


5

Resumo: Apresenta-se uma investigação com elementos de uma pesquisa participante que objetivou
apresentar o cenário da formação de professores de ciências no âmbito da educação inclusiva utilizando
interações discursivas produzidas em reuniões de uma rede de pesquisa no estado de Goiás. Os resul-
tados permitiram analisar a política de educação inclusiva no estado de Goiás, bem como refletir sobre
como o ensino de ciências pode contribuir para a formação de cidadãos dentro dessa escola inclusiva.
Palavras-chave: Formação de professores. Ensino de ciências. Educação inclusiva.

Abstract: We present an investigation using participatory research that aims to present the scenario of the
training of science teachers in education using inclusive discursive in meetings of a research network in
the state of Goiás Our results allowed us to rethink the policy of inclusive education the state of Goiás,
and reflect on how science education can contribute to the formation of a citizen in this inclusive school.
Keywords: Science Teachers Training. Science teaching. Inclusive education.

1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, Avenida Pedro Ludovico, s/n, Reny Cury, CEP
75131-457, Anápolis, GO, Brasil. E-mail<[email protected]>
2,5,6
Instituto de Química, Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brasil.
3,4
Gerência de Ensino Especial, Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte (SEDUC), Goiânia, GO,
Brasil.

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Pereira, L. L. S. et al.

A formação de professores de ciências


na perspectiva da educação inclusiva

Os cursos de licenciatura em ciências, como os demais cursos das universidades bra-


sileiras, seguem, de modo geral, o modelo da “racionalidade técnica” (SCHÖN, 1987). Dessa
forma, supõe-se que, a partir do conhecimento teórico, se torne mais fácil aprender a técnica
para utilizá-la na solução de problemas (BENITE, 2009).
Neste cenário, a educação inclusiva é uma realidade concreta na política de educação
nacional, e se configura como uma problemática discutida pelos currículos de formação de
professores, uma vez que a racionalidade técnica já não consegue responder muitos anseios. Por
sua vez, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) enfatizam que existe uma necessidade do
desenvolvimento de competências básicas para o exercício da cidadania. No caso das ciências,
o desenvolvimento do cidadão está relacionado ao aprimoramento da capacidade de as pessoas
lidarem com problemas e questões de ordem científica, tecnológica e ambiental, sabendo pen-
sar, discutir e decidir sobre o tema (SANTOS; SCHNETZLER, 2003). Nesse sentido, os PCN
orientam que é preciso refletir sobre a compreensão e a utilização dos conhecimentos científicos
para explicar o funcionamento do mundo, bem como planejar, executar e avaliar as ações de
intervenção na realidade (BRASIL, 2000). Portanto, o ensino de ciências tem intrincada relação
com as questões do efetivo domínio de quais direitos e deveres estão imbuídos do ser cidadão.
Dessa forma, acreditamos que o ensino de ciências tem potencial para contribuir com
a formação de um cidadão capaz de elaborar pensamentos autônomos e críticos, de modo a
poder decidir por si mesmo, frente às diferentes circunstâncias da vida. Aprender ciências, logo,
independe do fato de este educando apresentar necessidades educacionais especiais7 ou não.
Entretanto, para que o ensino de ciências possa formar cidadãos indistintamente, é necessário
repensarmos a formação de professores para atuar na perspectiva da educação inclusiva. Con-
cordamos com Vilela-Ribeiro e Benite (2010, p. 587) que:

Assim como em todas as outras áreas do conhecimento, o professor


de ciências (Química, Física e Biologia) deve estar preparado para lidar
com as diferenças dos alunos em sala de aula, inclusive com aqueles
com necessidades educativas especiais, e, por isso, a importância de se
discutirem as políticas educacionais de formação inicial de professores
de ciências.

Assumindo as exigências da sociedade do conhecimento, um dos modelos de for-


mação de professores defende o conceito de professor-reflexivo, que considera a reflexão e a
investigação sobre a prática docente como necessidades formativas, tornando-se constitutivas
das próprias atividades do professor, como condições para o seu desenvolvimento profissional.
Segundo Zeichner (1998, p. 215):

7
De acordo com a Resolução CNE/CB nº 02/2001 (BRASIL, 2001), estudantes com necessidades educacionais
especiais são aqueles que possuem quaisquer dificuldades de aprendizagem ou limitações, podendo estar
relacionadas a causas orgânicas ou não.

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[...] quando pensamos no nosso ensino cotidiano, também estamos


a criar saberes. As estratégias que usamos nas salas de aula encarnam
teorias e práticas sobre o modo de entender os valores educacionais.
Professores estão sempre a teorizar, à medida que estão confrontando-se
com os vários problemas pedagógicos, por exemplo, diferença entre as
suas expectativas e os resultados.

Acrescenta-se que importa a necessidade de repensar a formação dos formadores de


professores de ciências, já que estes são responsáveis pela formação inicial. Por isso, concorda-
mos com Vilela-Ribeiro e Benite (2010, p. 588), quando destacam que:

[...] para essa realidade se efetivar, os cursos de licenciatura em ciências


devem estar preparados para formar professores para inclusão, ou seja,
os professores formadores devem ser os primeiros a se prepararem,
com vistas que só serão formados profissionais aptos para inclusão se
os próprios formadores tiverem percepção sobre o assunto.

Uma das alternativas é considerar a formação inicial e continuada de professores como


uma parceria colaborativa formada por grupos assimétricos, cabendo, aos professores forma-
dores, viabilizarem, tornarem acessível, de forma útil e substantiva, aos professores do Ensino
Médio e aos futuros professores, inúmeras contribuições epistemológicas e teórico-metodoló-
gicas de pesquisas na área de Educação. Isto porque tais contribuições, quando apresentadas
e discutidas à luz das descrições e características das práticas usuais dos professores, podem,
gradativamente, auxiliá-los a melhor compreendê-las e reformulá-las, tornando-se mais cons-
cientes de seus limites e possibilidades (SCHNETZLER, 2002).
Consideramos que “[...] a formação do professor não só passa por um processo de cresci-
mento pessoal e aperfeiçoamento profissional, mas também pela transformação da cultura escolar,
que inclui a idealização, implementação e consolidação de novas práticas participativas e gestão
democrática” (ECHEVERRIA; BENITE; SOARES, 2007, p. 6).
Portanto, defendemos que uma alternativa de ação é a criação de redes de formação
participada, que permitam compreender a globalidade do sujeito, assumindo a formação como
um processo interativo e dinâmico (NÓVOA, 1995). A troca de experiências e a partilha de
saberes de forma assimétrica consolidam espaços de formação mútua, nos quais cada professor
é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e de formando.
É nessa perspectiva que a Rede Goiana de Pesquisa em Educação Especial/Inclusiva
(RPEI) se configura como espaço de discussão conceitual e formação de professores, por meio
de ações refletidas, enquanto rede social, reunindo um conjunto de pessoas ou representantes
de grupos que possuem conexões de algum tipo com um ou com todos os integrantes da rede
(BENITE et al., 2009).
A RPEI é formada por uma parceria dialógica que conta com as participações: da Uni-
versidade Federal de Goiás (professores formadores e alunos de pós-graduação e graduação),
especificamente, o Instituto de Química; do Programa de Mestrado em Educação em Ciências
e Matemática (a perspectiva acadêmica); da Secretaria de Estado da Educação de Goiás, por

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meio da Coordenação de Educação Especial (a perspectiva política e gestora), e a Associação


de Surdos de Goiânia (a perspectiva da comunidade).
Partindo desse pressuposto, a interação reflexiva (SCHÖN, 1998) sobre a prática
pedagógica é caracterizada pela observação, análise e reflexão crítica conjunta, mostrando-se
importante instrumento para a promoção de mudanças nos relatos e ações do professor, sob
a mediação do pesquisador. Com isso, a RPEI possui o intuito de promover esse processo
interacional que busca a reflexão da prática pedagógica como princípio articulador e privilegia
a formação do professor pesquisador de sua própria ação no âmbito da educação inclusiva.
Nessa perspectiva, o objetivo principal da RPEI é produzir uma “reflexão autoformadora”
(NÓVOA, 1995) na tentativa de contribuir para a superação de um profissional que apenas
transmita conhecimentos produzidos por outros, constituindo-se sujeito ativo na construção
e reconstrução de novas práticas pedagógicas. Assim, objetivamos resgatar, por meio das inte-
rações discursivas produzidas na RPEI, quais foram as principais ações formativas em ciências
no que diz respeito à educação inclusiva, nos últimos doze anos, em Goiás, e qual a percepção
dos participantes da RPEI sobre essas políticas.

A educação inclusiva no estado de Goiás: 15 anos de história

A discussão sobre a inclusão é recorrente em todas as esferas educacionais, pois, mesmo


não tendo garantia de cumprimento, as leis exigem a adequação dos sistemas educacionais para
a integração e o atendimento dos alunos com necessidades educacionais especiais.
Entretanto, cabe ressaltar a importância da inclusão escolar dessas pessoas, não apenas
pela sua integração e permanência junto aos demais, mas pela reorganização do sistema edu-
cacional, intencionando a rediscussão de nossas concepções, crenças, paradigmas educacionais
na busca pelo exercício da cidadania, respeitando a identidade própria de cada sujeito (GLAT;
NOGUEIRA, 2003).
Segundo dados de 2008 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP), a situação da educação inclusiva atual no Brasil encontra-se com avanços
significativos no que diz respeito ao aumento do número de matrículas dos alunos com neces-
sidades educacionais especiais nas escolas regulares, oriundos de escolas ou classes especiais.
Avanços como este são consequência de uma política de reestruturação do sistema educacional
vigente, que visa, também, um novo olhar para a formação inicial e continuada dos professores,
além de melhores condições de trabalho, incluindo os meios de acessibilidade destes educandos.
Fundamentados no exposto acima, pode-se inferir que a função das escolas inclusivas
é a inclusão escolar de todas as pessoas excluídas do processo educacional nas escolas ditas
não inclusivas, de modo que estudantes possam se assumir como agentes ativos, cidadãos atu-
antes na/e da própria vida. Nessa perspectiva, cabe definir que educação inclusiva se refere a
todos que estão à margem do processo educacional e que não tiveram oportunidade e acesso
ao sistema educacional.
Concordamos com Stainback e Stainback (1999), que o processo de inclusão demanda
três componentes interdependentes: (a) a rede de apoio, que é o componente organizacional,
formado por equipes e indivíduos que se apoiam; (b) a consulta cooperativa e o trabalho em
equipe, que representam o componente de procedimento que envolve indivíduos trabalhan-

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do juntos para implementar ações contemplando os alunos em ambientes integrados, e (c) a


aprendizagem cooperativa, que é o componente do ensino onde cria-se um ambiente propício
para os alunos se desenvolverem inseridos com alunos de diferentes habilidades e interesses.
A educação inclusiva propõe que a formação continuada da comunidade escolar
aconteça mediante reflexões críticas acerca de toda discussão sobre: inclusão escolar, promoção
de debates, compartilhamento de experiências, realização de ciclos de estudos, intencionando
intervenção nas ações dos mesmos e, consequentemente, no processo de aprendizagem de
todos os alunos.
No estado de Goiás, o processo de inclusão escolar teve início em 1999, por meio do
Programa Estadual de Educação para a Diversidade numa Perspectiva Inclusiva (PEEDI). Cabe
ressaltar que segundo Sassaki (2003, p. 34):

[...] aquele início foi o ponto final de um longo processo de organização


da Educação Especial como um sistema paralelo ao sistema regular de
ensino, processo esse que foi respaldado em leis e políticas públicas,
tanto federais quanto estaduais, bem como em quase 50 anos de prá-
ticas integrativas realizadas em Goiás por iniciativas governamentais e
particulares.

Portanto, como assinala o autor, o estado de Goiás passava da fase de integração para
a fase de inclusão. Existe uma diferença de sentido entre integração e inclusão. Embora ambas
se refiram à incorporação das pessoas com necessidades educacionais especiais nas salas de
aula, a primeira entende que o problema para a incorporação da pessoa é a própria pessoa
ou sua limitação, eximindo, assim, a escola de buscar soluções para a questão. A inclusão, em
oposição à integração, considera que todas as pessoas possuem diferentes necessidades, dessa
maneira, a escola, como se apresenta atualmente, está limitada, uma vez que o processo de
ensino-aprendizagem é que deve estar adaptado às distintas individualidades dos seus estudan-
tes (BUENO, 1999). Assim, a partir da fase de inclusão, as escolas estaduais foram adequadas
considerando a realidade do aluno, matriculando-o e assegurando seu acesso e permanência
nas classes regulares (SASSAKI, 2003).
O PEEDI foi uma proposta que surgiu durante um evento intitulado “Fórum Estadual
de Educação de Goiás”, realizado no município de Goiânia, em 1998, após a discussão, pelo
público, de um documento preliminar intitulado “Uma Nova Proposta Educacional com Base
nos Princípios da Inclusão”.
A proposta inicial do PEEDI consistiu em operacionalizar o programa em quatro fases:
Sensibilização, Implantação, Expansão e Consolidação. Segundo Goiás (2004), o programa foi
elaborado em consonância com a política educacional do Estado de Goiás e a legislação vigente,
e foi fundamentado no princípio de educação para todos, ressaltando que as estruturas, progra-
mas e projetos desencadeados pelo PEEDI deveriam assegurar apoio tanto aos profissionais
quanto aos alunos, pautados sempre na política inclusiva (GOIÁS, 2004).
O PEEDI deu início no estado com a execução de dez projetos, a saber:

Escola Inclusiva (projeto-chave, transformando escolas comuns em in-


clusivas), Prevenir (em parceria com a Secretaria de Saúde, na prevenção

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e detecção precoce de deficiências), Hoje (atendimento educacional em


hospitais), Espaço Criativo (inclusão pela arte em parceria com o Centro
Livre de Artes, na capital e no interior), Depende de Nós (participação da
família na inclusão de seus filhos), Comunicação (melhoria das habilidades
de comunicação de alunos surdos e cegos), Despertar (desenvolvimento
de alunos com indícios de altas habilidades), Caminhar Juntos (interfaces
com as Superintendências de Educação Infantil e Ensino Fundamental,
e parcerias com as redes municipais de ensino), Refazer (para alunos
autistas) e Unidades de Referência (ressignificação das escolas especiais).
(SASSAKI, 2003, p. 35-36. Grifos do autor.)

Estes projetos deveriam ser desenvolvidos pelas escolas, visando o desenvolvimento de


ações, e que essas fossem discutidas pela equipe escolar e contempladas no Regimento Escolar
e nos Projetos Políticos Pedagógicos das escolas.
Pautados em registros da Secretaria de Educação do estado de Goiás, percebemos
que houve um aumento considerável no número de matrículas de alunos com necessidades
educacionais especiais no Estado de Goiás, passando de 4.895 em 2000 para 11.992 em 2006
(GOIÁS, 2006). Em valores numéricos, este dado representa um aumento de 240,6% no nú-
mero de matrículas em seis anos, desde a criação do PEEDI. Entretanto, cabe considerar que
não há como existir uma escola inclusiva de qualidade sem que haja a melhoria na estrutura
física e capacitação de professores e técnicos para atender, adequadamente, os alunos que dela
usufruem. Sendo assim, apesar de avanços obtidos pela implantação do PEEDI ainda hoje,
doze anos depois, ainda nos questionamos quanto à situação da educação inclusiva no estado.

A escolha metodológica

Sob o pressuposto do Materialismo Histórico Dialético, a pesquisa se configura com


elementos de uma Pesquisa Participante (PP), pois combina investigação social, trabalho edu-
cacional e ação (HALL, 1979).
A RPEI se reúne quinzenalmente na dinâmica de discussões orientadas por textos da
comunidade científica, acordados pela RPEI. Esta opção foi feita porque o grupo acredita que
a formação profissional se dá de forma contínua, e não factual ou pontual, como propostas de
cursos de atualização de curta duração.
Segundo Vigotsky (2001), somos constituídos, enquanto sujeitos em formação, nas
interações sociais, isto é, possuímos identidade própria por meio das interações estabelecidas ao
longo de nossas vidas, em processos sistematicamente mediados pelo outro, representativos de
vivências e saberes diversificados que se requerem em relação de reciprocidade. Nos contextos
e interações sociais, são produzidos sentidos e significados formadores da mente humana, da
consciência do ser humano, de tudo o que o caracteriza como um ser específico, com determi-
nadas características de um ser individual.
Os instrumentos de coleta de dados utilizados nessa pesquisa foram: a gravação em
áudio e vídeo, que, posteriormente, foi transcrita, e o diário de campo, onde são registradas
anotações inerentes aos encontros.

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Segundo Bakhtin (2006), a construção de sentido é dialógica por natureza, onde as


enunciações devem ser analisadas na perspectiva de quem produz e, também, na perspectiva
dos interlocutores, presentes ou não no diálogo (MACHADO, 1999). Para o autor:

Todo signo, como sabemos, resulta de um consenso entre indivíduos


socialmente organizados no decorrer de um processo de interação. Razão
pela qual as formas dos signos são condicionadas tanto pela organiza-
ção social de tais indivíduos como pelas condições em que a interação
acontece. Uma modificação destas formas ocasiona uma modificação
no signo. (BAKHTIN, 2006, p. 45)

Ainda segundo o autor, a compreensão do processo de significação não acontece
somente por meio dos sons emitidos na fala, mas por meio da subjetividade de cada indivíduo
durante o diálogo. Sendo assim, é somente por meio das interações que as enunciações podem
ser compreendidas.
A análise do processo dialógico referente aos encontros da RPEI só é possível ser
compreendida admitindo-se que a RPEI se constitui enquanto grupo socialmente organizado,
onde seus atores (total de vinte e cinco) contribuem de forma assimétrica com seus conhecimen-
tos prévios acerca das questões discutidas. Assim, qualquer modificação que venha acontecer
na dinâmica do grupo ocasiona modificações na apropriação dos signos gerados a partir das
discussões.
A RPEI é composta de cinco professores formadores: PF1, PF2, PF3, PF4 e PF5, quatro
alunos de pós-graduação/mestrado: PG1, PG2, PG3 e PG4, quatro alunos de graduação: A1,
A2, A3, e A4, e 12 professores da Educação Básica: PM1, PM2, PM3, PM4, PM5, PM6, PM7,
PM8, PM9, PM10, PM11 e PM12, estes atuando como gestores da Educação Especial/Inclusiva
na Coordenação de Ensino Especial do Estado de Goiás, onde as reuniões vêm acontecendo
desde o mês de julho de 2007, após o lançamento do Edital – Programa de Fortalecimento de
Redes de Pesquisa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG).

Resultados e discussão

Apresentamos, aqui, trechos dos diálogos produzidos na RPEI, no período de junho


de 2009 a agosto de 2010, durante cinco encontros de trabalho que versaram sobre a formação
acadêmica dos professores formadores de professores de ciências do Estado de Goiás, bem
como da participação dos mesmos no desenvolvimento e implantação do PEEDI no estado.
O Estado de Goiás, em face das leis maiores que regem o sistema educacional brasileiro,
teve de se adequar à realidade nacional implantando a Educação Especial de forma isolada em
1953, por meio da Lei no 926, inaugurando, em 1955, o Instituto Pestalozzi de Goiânia (IPG)
para atender aos alunos com necessidades educacionais especiais (ALMEIDA, 2003, p. 17).
Já na década de 1970, iniciou o processo de integração das pessoas com necessidades
educacionais especiais no sistema regular de ensino, por meio da inserção de salas especiais em
algumas escolas regulares do estado, como podemos observar no diálogo a seguir:

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PM6 – Antes do PEEDI, por volta de 1970, a superintendência funcionava da


seguinte forma: “o processo de triagem [avaliação do comprometimento dos
alunos] e a avaliação pedagógica funcionavam normalmente”. O estado possuía
algumas salas especiais, onde se agrupavam os alunos. Eu me recordo que tinha uma
sala de surdos em um colégio, não era em todas as escolas, era em algumas escolas
que tinham salas especiais, salas de surdos e os demais alunos com outras deficiências
eram alocados em outra sala, ou seja, aqueles alunos padronizados. Nas escolas
especiais ficavam aqueles que tinham mais um comprometimento intelectual. Existia
essa diferença, a escola especial atendia os mais comprometidos e as escolas comuns,
regulares, possuíam as salas especiais, isso chamava integração.
PM2 – É verdade, nós da superintendência avaliávamos os alunos e encaminhávamos
ou para as classes especiais, onde ficava os alunos com pouco comprometimento, ou
seja, alunos que possuíam avanços pedagógicos, acadêmicos razoável ou para as escolas
especiais, onde ficava os alunos com deficiência moderada ou profunda.

PM6 e PM2 discorrem sobre o cumprimento da Lei nº 5.962/71, que reforma o en-
sino de 1º e 2º graus, e mostram que, em um dos artigos da lei, estabelece-se que alunos com
deficiências físicas e mentais devem receber tratamento especial. Quanto a essa década, Mendes
(2006, p. 397) faz a seguinte análise:

Foi apenas na década de 1970 que surgiu uma resposta mais contundente
do poder público a essa questão [acesso de alunos com necessidades
educacionais especiais em escolas regulares]. Possivelmente esse avanço
foi decorrência da ampliação do acesso à escola para a população em
geral, da produção do fracasso escolar e da conseqüente implantação
das classes especiais nas escolas básicas públicas, na época predominan-
temente sob a responsabilidade dos sistemas estaduais.

A partir da década de 1970, as discussões a respeito da forma como a política educacional


neste âmbito era conduzida avançaram e, em 1990, acontece um dos marcos, sendo realizada
uma Conferência Mundial em que o assunto central era uma Educação para Todos (UNESCO,
1990). Logo após a realização desta, acontece, em 1994, a Conferência sobre Necessidades
Educativas Especiais, culminando na elaboração da Declaração de Salamanca, ressaltando o
princípio da igualdade de direitos e o respeito às diferenças.
Esses movimentos foram fundamentais na elaboração da nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), que propõe, em um dos seus
capítulos, a discussão da educação especial, trazendo consigo a problemática sobre a educação
inclusiva no Brasil.
Acompanhando essa nova discussão, o estado de Goiás elaborou, em 1998, uma reinter-
pretação da Lei (GOIÁS, 1998), que viria a ser um dos pontos cruciais para essa nova trajetória
da educação no nosso estado, como podemos observar na fala de PM2 abaixo:

PM2 – Quando eu me mudei para Goiânia tinha umas salas especiais, o Colemar
Natal era uma das escolas que possuía classe especial de surdos. E em 99 com esse

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redimensionamento em 99, com essa mudança de integração para inclusão, esses


meninos iriam fazer parte da classe comum, eles iriam para as salas de 5ª serie à
8ª serie já com os demais alunos e aí estava nossa maior preocupação, pois a gente
falava que eles não iriam dar conta nunca, mas precisavam dar conta e nós também
precisávamos dar conta deles.

Assim, em 1999, foram ministrados vários cursos formativos para os próprios profes-
sores da rede estadual de ensino (CARVALHO, 2004) visando à qualificação desses profissionais
para a educação inclusiva. Deve-se salientar que estas formações promovidas pelo Estado estão
fundamentadas na Lei Complementar n. 26 do Estado de Goiás (GOIÁS, 1998), que se com-
prometeu com essa qualificação, em parceria com as instituições de Ensino Superior do Estado.
Na época, esses cursos visavam formar, dentre outros, professores em duas modalidades:
o professor de recurso, que fornece orientações para o professor regente em conformidade com a
antiga Superintendência de Ensino Especial (SUEE), que auxilia o aluno em outro turno; e o
professor de apoio, que atua de forma integrada com o professor regente quando se trata de alunos
com limitações que dificultam o aprendizado (CARVALHO, 2004). Desta forma, podemos
observar, na fala de PM6, a necessidade, na época, desses cursos:

PM6 – [...] no início do programa teve muita formação, teve uma preparação
muito grande voltada para um número muito grande de profissionais da educação,
principalmente o professor de recurso foi um profissional que na época a gente viu a
necessidade dele pra estar orientando, estar formando diante dessas necessidades, estar
trabalhando com o professor regente com escola. Então, houve uma formação muito
grande de 2000 a 2004, só que esses profissionais, alguns viram a responsabilidade
que tinham, a dificuldade que iam enfrentar que não era fácil, e cairam fora, pro-
curando outra função, outros simplesmente por um acesso (progressão automática)
porque estava na escola tinham a oportunidade e “Vamos nós pra Caldas Novas
fazer o curso”, pegava o certificado dava entrada de acesso e depois desapareciam.

Como afirma Sant’ana (2005), para uma formação voltada para a educação inclusiva,
somente a utilização de cursos é insuficiente para desenvolver a prática docente, pois esta requer
um acompanhamento contínuo de capacitação e reavaliação da prática que os professores estão
exercendo em sala da aula, onde o mesmo passa a refletir sobre a sua prática a fim de melhorar
o desenvolvimento de sua aula. Ou seja, a formação para a educação inclusiva é um processo
gradativo e, desta forma, requer uma reflexão contínua.

Sobre a formação dos formadores de professores de ciências


para a inclusão escolar

[...] a sociedade mudou, mas a escola não acompanhou o seu ritmo de


desenvolvimento e o Ensino de Ciências, em contexto escolar, ainda se
mostra marcado por limitações típicas ao ensino tradicional. Baseado nas
mesmas repetições de conteúdos apenas memorísticos, reitera a maneira
linear e fragmentada de organização do conhecimento no currículo es-

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colar, cerceado ao cunho apenas propedêutico, aliado à preparação para


concursos e seleções. (HAMES; ZANON; WIRZBICKI, 2006, p. 2)

O Ensino de Ciências ainda hoje, após anos da discussão proposta pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais, se concretiza de maneira linear e fragmentada, deixando de lado aspectos
interdisciplinares e contextuais previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 1996). Paralela a essa discussão, encontramos o respaldo à garantia de acesso e per-
manência de alunos com necessidades educacionais especiais em salas de aula regulares, além
da seguridade de condições de ensino que inclua esses indivíduos, como exposto no artigo 59
da referida lei: “Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais:
currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às
suas necessidades” (BRASIL, 1996).
Entretanto, a clareza registrada nas normativas legais, quando transferida para a execu-
ção do ato pedagógico, transforma-se em ações de alto grau de complexidade pelas dificuldades
implícitas na sua realização (BENITE et al., 2009). Além disso, se tratando de ensino de ciências,
segundo Driver et al. (1999, p. 32):

[...] existem alguns compromissos centrais ligados às práticas científicas


e ao conhecimento que têm implicações para o ensino da ciência. De-
fendemos que, na educação em ciências, é importante considerar que
o conhecimento científico é, ao mesmo tempo, simbólico por natureza
e socialmente negociado.

A partir desses pressupostos, a tentativa de explicar a ciência por meio de seu ensino
esbarra com a alta complexidade exigida para tal, pois, entre ambos, existe a linguagem simbó-
lica própria da área. Consequentemente, esse é um dos aspectos recorrente à fragmentação do
ensino como possibilidade de explicá-la. Para Morin (2005, p. 192):

[...] a complexidade pede para pensarmos nos conceitos, sem nunca


dá-los por concluídos, para quebrarmos as esferas fechadas, para res-
tabelecermos as articulações entre o que foi separado, para tentarmos
compreender a multidimensionalidade, para pensarmos na singularidade
com a localidade, com a temporalidade, para nunca esquecermos as
totalidades integradoras.
[...]
A totalidade é, ao mesmo tempo, verdade e não-verdade, e a complexi-
dade é isso: a junção de conceitos que lutam entre si.

Dessa forma, os problemas colocados frente à realidade estabelecida exigem múltiplos


olhares acerca dos fenômenos educacionais, enfocando a necessidade de se formar um profes-
sor capaz de compreender a totalidade integradora implícita nesse processo. Com isso, ao se
deparar com situações problemáticas, como é o caso da educação inclusiva, a técnica utilizada
como solução (proporcionada pelo modelo de formação) vai depender da construção anterior
de um problema bem delineado, o que não é, em si, uma tarefa técnica. Quando um profis-

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sional reconhece uma situação como única não pode lidar com ela apenas aplicando técnicas
derivadas de sua bagagem de conhecimento teórico (SCHÖN, 1987). Assim, a singularidade das
diferentes situações da prática educativa, exige reflexões e soluções adequadas (GONÇALVES;
GONÇALVES, 1998).

É no embate com a realidade escolar que as antigas certezas caem por


terra e exigem cada vez mais a busca e o entrecruzamento de saberes.
É nessa tensão que somos levados a compreender que os paradigmas
hegemônicos não fornecem respostas para todas as incógnitas que o
cotidiano apresenta, pois a realidade sempre apresentará novas e com-
plexas dificuldades. Das certezas antigas que procuravam a simplificação
da prática pedagógica, surge em nós, com grande ênfase, a consciência
dos nossos não saberes e, por conseqüência, muitas incertezas e dúvidas.
(CAMPOS; PESSOA, 1998, p. 184)

Quando refletimos sobre o contexto da Educação Inclusiva, muitas questões relativas


à formação de professores de ciências se tornam presentes. Aliado a isso, temos o desafio de
tornar o ensino mais articulado com os interesses e necessidades práticas da maioria dos alunos
presentes nas escolas, tendo eles necessidades educacionais especiais ou não.
Portanto, nas duas últimas décadas, o sistema educacional brasileiro tem vivenciado
uma transição ensejada pela inclusão escolar. Certamente, as instituições de ensino têm en-
contrado dificuldades na implementação de novas propostas, a começar pelo diagnóstico das
dificuldades de aprendizagem, passando pela urgência da capacitação profissional para atender
pedagogicamente essa proposta (BENITE et al., 2009).
Não obstante, paralelo a essa discussão imposta pela proposta da Educação Inclusiva,
ainda precisamos avançar com relação à superação do Modelo da Racionalidade Técnica, já que
muitos do que estão a promover mudanças no âmbito da educação inclusiva no estado de Goiás
foram formados por esse modelo que, ainda hoje, é o modelo que rege a formação de futuros
professores, restando, aos que se interessam pela área, fazer cursos de especialização altamente
difundidos no Brasil, para suprirem as necessidades, como podemos observar no diálogo abaixo:

PM7 – Eu tenho dois cursos superiores, primeiro fiz letra e depois direito, letras eu
fiz bacharelado e licenciatura, fiz pós-graduação no Rio de Janeiro em Metodologia
do Ensino Superior e somente agora recentemente comecei a fazer cursos na área
da Educação Especial, mas interrompi uma pós-graduação em Educação Especial
para fazer outra que me interessei, libras, que é a mistura da teoria com prática, e
agora estou voltando para terminar educação especial.
PM6 – Minha formação é em letras pela Universidade de Goianésia, hoje Uni-
versidade Estadual de Goiás, tenho um pós-graduação pela Universidade Federal
de Goiás em Língua Portuguesa e também pela a UEG em Psicopedagogia e
agora estou fazendo uma a distância pela a UNB em Desenvolvimento Humano e
Educação Inclusiva e também estou lá na UFG como aluna especial em lingüística.
PG5 – Minha área de formação é Ciências Biológicas, Biologia pela UEG. Eu fiz
uma pós-graduação em Psicopedagogia também pela UEG e como não foi contem-

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plado em minha formação disciplinas que tratavam da educação especial e inclusiva,


fiz uma pós-graduação em libras e estou no mestrado lá na federal, desenvolvendo
pesquisa nessa parte de inclusão também.
PM3 – Eu fiz licenciatura em história pela UEG e tenho duas especializações,
uma em Formação Socioeconômica, feita em Brasília e outra em Psicopedagogia,
feita aqui em Goiânia. Estou fazendo também biologia à distância pela UFG, mas
também não me foi contemplado quando me formei em história aspectos da educação
especial e inclusiva.
PG3 – Eu sou formada em química pela UEG, me formei em 2007 e até então não
havia disciplinas no meu curso que contemplavam a educação especial e inclusiva. Eu
me lembro que nossa turma, minha turma de química, foi quem iniciou uma sensibili-
zação, pois tínhamos uma matéria chamada prática e vivência que estava simplesmente
na grade para cumprir uma interpretação da lei. Então nós pegamos e reivindicamos
quando estávamos na Prática e vivência III, que era só apresentação de projeto, uma
disciplina que contemplasse todas as especificidades da Educação Inclusiva ou que
pelo menos falasse, que apresentasse para nós, professores, esta questão da diversidade.
Só que essa mudança chegou, pelo que me parece, somente depois da minha turma.

Cabe ressaltar que, enquanto a formação inicial ofereceu e ainda oferece ao cenário
educacional professores com lacunas em algumas áreas específicas, como a educação especial
e inclusiva, a maioria dos professores responsáveis pela formação dos professores de ciências
no âmbito da educação inclusiva em Goiás não possui formação específica na área de ciências,
e eles foram e são, até hoje, com raras exceções, formados em serviço, tal como se revela nos
discursos abaixos:

PM7 – Eu sempre tive vontade de trabalhar com surdos e até aprender a língua.
Eu pensava que devia ser muito triste andar por algum lugar e não achar com quem
conversar, e eu como deficiente auditivo não podia deixar acontecer isso. Então, eu
fui convidado por uma escola, pois estava precisando de professor lá. Até hoje não
entendo muito bem o que aconteceu, pois a diretora me colocou para dar aulas em
uma sala de alunos surdos e então eu falei para ela que não dava, que eu nunca
tinha trabalhado com crianças com algum tipo de deficiência. Mas, enfim, eu fui
para a associação de surdos e sempre buscando me aprimorar me saí muito bem lá.
Foi um trabalho muito bom e então desde 94 estou com eles.
PM2 – Eu tive dois alunos surdos no início de minha carreira enquanto professora
e na época não sabia o que fazer. Foi tão impressionante, mais a gente aprendeu
a conviver. No ensino superior eu vim trabalhar com uma menina que ela tinha
deficiência mental, que me fez repensar muito e então contribuiu para mudar minha
prática e sair em busca de novos conhecimentos.
PM6 – Eu terminei o magistério e já entrei em um concurso da prefeitura da minha
cidade e só tinha vagas para a escola especial. Fui a primeira semana todos os dias
e dizia quando chegava em casa, amanhã eu não vou. Foi um grande desafio, pois
eu não tinha experiência e já me colocaram para trabalhar com um aluno autista,
sem nenhum tipo de orientação, e ainda era uma criança desorganizada e agressiva e

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então falava “amanhã eu não volto” e com esse amanhã eu não volto fiquei por nove
anos na escola, sempre buscando aprender sobre esse aluno, com a minha prática.

O discurso produzido por PM6, PM7 e PM2 aponta que a formação dos formadores
de professores de ciências, no âmbito da educação inclusiva no estado de Goiás, partiu de uma
necessidade prática de enfrentar situações problemáticas antes mesmo de existir uma política
que sustentasse a educação inclusiva em nosso estado.
O início do PEEDI, em 1999, gerou a necessidade da formação de multiplicadores e,
então, a consolidação de uma equipe responsável pela formação dos primeiros a disseminar a
proposta da educação inclusiva no estado de Goiás, tal como os turnos de discurso, a seguir,
nos contam:

PM2 – Eu lembro da transição da educação de integração para inclusão no nosso


estado. Aconteceu um encontro em 98, um fórum, que eu achei muito interessante,
pois eu dou muito valor na experiência dos profissionais e eu ficava indignado com
a gestão daquela época que não valorizava, discordava com as informações trazidas
por eles. Então eu rebatia, não concordava com aquilo, parece que eles estavam sen-
tindo que as coisas iriam mudar, foi quando em 99 chamaram o professor Romeu
Sassaki para dar um curso de estudos em Educação Inclusiva para nossa equipe e
assim vieram outros.
PM3 – Tiveram vários cursos. Nós fomos capacitados, mas nem todos os professores
seguiram com as mudanças. Alguns ficaram só com a formação.
PM6 – Tivemos um curso em Anápolis e foi muito interessante, ele (Romeu Sas-
saki) falou muito bem sobre os princípios da educação inclusiva e de lá pra cá tudo
foi mudando. Podemos dizer que ele foi um construtor do programa.
PM2 – O professor Romeu veio para dar uma palestra para o município de Goi-
ânia e nesta, estava presente muitos convidados e então o professor Dalson viu que
isso não podia ficar só no município de Goiânia. Ele, filho de pai surdo, envolveu-se
muito e viu o que o pai passou em sua infância, tendo que ir para o Rio estudar.
Então ele sempre se empenhou muito para educação dos surdos e então assistindo a
esse encontro com o professor Romeu começou a conversar conosco. ‘Nós temos que
chamar esse homem para falar com a gente para esclarecer melhor, por que gostei
dele, ele traz uma realidade do Paraná, então a gente vai trazer ele, vai ouvir e vê o
que é possível a gente fazer, quero que ele fale sobre isso’.
PM7 – Foi dessa forma então que somente nós da superintendência, da secretaria,
iniciamos uma discussão acerca da educação inclusiva no estado. Não havia pro-
fessores da rede envolvidos ainda. Aí começou um a discussão do tema do encontro.
PM6 – É verdade. E então em 99 eles se sentaram com a gente e falou, vamos
propor, vamos ver o que a gente pode fazer. E então foi proposto esse redimensiona-
mento do programa, e por isso tinha que fazer os projetos. Como nós trabalhávamos
com os cegos, superdotados, surdos, trabalhávamos nessa parte específica da educação
inclusiva, tínhamos que fazer projetos direcionados ao atendimento.
PM2 – Nesta época o professor Dalson começou a fazer as primeiras viagens, e
então me chamaram para coordenar o projeto e eu até ajudei a elaborar, mas ao final

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quem elaborou não fui eu e o projeto foi chamado de educação da escola inclusiva.
Nesta época eu viajei com o professor Romeu em todas as subsecretarias.
PM7 – Iniciamos então em Goiânia com 17 escolas inclusivas e uma escola em
cada subsecretaria do estado que era apoiada pela rede estadual. No outro ano isso
expandiu e hoje todas as escolas são consideradas inclusivas em nosso estado.

O discurso revela que houve uma necessidade imediata de formação por parte dos
professores responsáveis por implantar esse programa no estado de Goiás, o que foi efetivado
mediante cursos proporcionados pela secretaria de educação, por meio da consultoria de al-
guns autores que escreviam sobre o assunto no Brasil e que já haviam efetivado políticas dessa
natureza em outros estados.
Cabe, aqui, um alerta no que diz respeito à reflexão por parte dos professores, que reve-
lam não terem havido resultados. Quando trabalhamos no âmbito da prática reflexiva, deixamos
de ser meros participantes do processo e passamos a ser atores das mudanças em nossa práxis:

[...] o movimento da prática reflexiva rejeita a visão que trata o professor


como mero participante passivo, sempre à mercê de diretrizes que ema-
nam de cima para baixo, a partir das instâncias administrativas superiores
da educação. Há um claro reconhecimento de que os professores são
profissionais que devem desempenhar um papel ativo na formulação
tanto nos propósitos e objetivos do seu trabalho, como nos meios para
os atingir. (ARRUDA, 2001, p. 31)

No contexto da formação em serviço, após a implantação do projeto denominado


“escola inclusiva” constituinte do PEEDI, iniciou-se um período de capacitação de professo-
res pela coordenação de ensino especial, como nos revela os que fizeram e fazem parte desse
tecido social:

PM1 – Nós ministramos cursos de formação continuada e às vezes sentimos que


não conseguimos alcançar todo esse universo da educação inclusiva, pois temos muita
rotatividade de professores por causa dos contratos temporários. Hoje nós já capaci-
tamos oito mil professores, ‘mas cadê eles?’
PM3 – Olha, talvez nem a metade deles esteja em sala, mas ainda continuamos
com os cursos, continuamos também em formação, continuamos assessorando, pois é
um trabalho constante, contínuo e que precisa ampliar.
PM6 – É verdade, pois hoje estamos enquanto estado e município, estamos em par-
ceria com as universidades como aqui na RPEI, mas esse é um trabalho que precisa
crescer, iniciamos com um trabalho pequeno, mas ainda bem que já foi começado.
PM1 – A gente trabalha nos cursos com formação em rede, nós reunimos nas sub-
secretarias do estado e então a formação é repassada aos professores pelos membros
das subsecretarias. Discutimos temas como: avaliação, currículo, flexibilização do
currículo, teorias de aprendizagem e outros temas.

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PM2 – O que observamos é que os professores ainda não se deram conta dessa
diversidade, eles sabem que todos precisam estar na mesma sala de aula, mas acham
que todos precisam estar no mesmo nível, então por isso é que os cursos são importantes.

Esses resultados revelam que, desde que foi implantado o PEEDI no estado de Goiás,
muitos professores já foram capacitados, em serviço; entretanto, é necessário que haja a con-
tinuidade de formação de qualidade que complementa e revoga reflexão sobre a prática, uma
vez que, hoje, todas as escolas do estado são inclusivas.
Cabe ressaltar que, paralelamente à discussão a respeito da educação inclusiva no estado,
vemos a sociedade do conhecimento configurando novos modos de ação a seus sujeitos e, com
isto, desejando um ensino de ciências a todos. Portanto, é neste contexto que nasce a RPEI,
objetivando contribuir para a melhoria do ensino de ciências no estado de Goiás por meio das
interações sociais promovidas pela mesma.
Partindo desse pressuposto, vale lembrar que não existem “receitas”, a serem seguidas
pelos professores, capazes de promover essa formação para a cidadania no que diz respeito
ao ensino de ciências no âmbito da educação inclusiva. Entretanto, é neste ponto que a RPEI
está fazendo história no estado de Goiás. A RPEI foi formada por uma parceria dialógica, que
conta com as participações: da Universidade Federal de Goiás (a perspectiva acadêmica: pro-
fessores formadores, professores em formação inicial), especificamente o Instituto de Química
e o programa de Mestrado em Educação em Ciências e Matemática (ao qual a proponente e
coordenadora da Rede está vinculada e é modulada); da Secretaria de Educação do Estado de
Goiás, por meio da Coordenação de Educação Especial (a perspectiva política e gestora), e da
Associação de Surdos de Goiânia (a perspectiva da comunidade). A constituição da RPEI é algo
que lhe confere uma característica singular. Essa assimetria na composição do grupo (não com
a conotação hierárquica, mas quanto às distinções de cada esfera) lhe confere a possibilidade
de um olhar bastante abrangente quanto ao tema (BENITE et al., 2009).
Hoje, a RPEI atua na formação inicial e continuada de professores para atuar na
educação inclusiva no estado de Goiás; e tem sido local de reflexão a respeito da ação docente:

A3 - É interessante observar que muitos de nós somos alunos em processo de for-


mação inicial e continuada, vocês professores e gestores de políticas públicas da Rede
Estadual de Ensino de Goiás e vocês professores formadores. Então sob esta ótica
esta é uma experiência que parece ser produtiva já que atuamos em diferentes níveis.

Para que a RPEI possa atingir o objetivo de se consolidar como um espaço que con-
fronte concepções teóricas e práticas por meio da sinergia entre diversas vozes, defendemos
que é por meio da participação coletiva que discursos individuais adquirem importância. Isso
se fundamenta em nossa percepção de que o conhecimento elaborado na RPEI não resulta da
interação direta entre as vozes pertencentes à RPEI, mas, sim, da participação dessas vozes na
interação entre os sujeitos nessa rede social.

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Algumas considerações

A melhoria da formação dos professores depende, fundamentalmente, da evolução


histórica da delineação do problema e da sistematização de pesquisas neste âmbito. Sendo assim,
no estado de Goiás, desde a promulgação da Lei complementar n. 26 em 1998, muitos foram
os avanços nesta política educacional. A tendência brasileira se repetiu em Goiás, uma vez que
passamos da fase de completa exclusão das pessoas com necessidades educacionais especiais,
para a fase da integração, e agora, mais recentemente, à fase da inclusão.
Com a implantação da educação inclusiva no estado a partir de 1999, a intensificação
dos esforços para o cumprimento dessa política no estado levou a discussões que culminaram
na melhoria da formação de professores que viessem a atuar nessa nova configuração educa-
cional do estado.
Nesse sentido, a RPEI se torna um importante instrumento formativo (inicial e continu-
ado), uma vez que propicia discussões no âmbito da educação inclusiva, por meio das interações
sociais da tríade de professores (professores formadores, em formação inicial e continuada). A
formação triádica, em nosso caso, levou professores em atuação a refletirem sobre o histórico
da educação inclusiva no estado de Goiás, que puderam constatar os avanços nas políticas esta-
duais sobre educação inclusiva e nas realidades escolares. No mais, essa discussão serviu como
processo de autorreflexão docente, que é um dos passos essenciais para o desenvolvimento de
práticas docentes críticas e autônomas.
Além disso, a experiência desses docentes, narrada por intermédio do resgate históri-
co, serviu como espaço formativo para os alunos de graduação e pós-graduação, uma vez que
puderam perceber a dinâmica teoria-prática no cotidiano de professores em atuação. É a partir
desse tipo de discussões que estudantes podem ressignificar os contextos e as teorias discutidas
durante suas formações na Universidade.
Assim, o principal ganho da RPEI é a promoção do debate crítico, com respeito às
diferentes opiniões e constituição históricas de seus participantes. Embora a educação inclusiva
esteja ainda “engatinhando”, percebemos que os professores, atores do processo educacional,
estão engajados em sua melhoria. Grandes percalços e dúvidas ainda existem. Por exemplo, os
professores da Educação Básica mostraram algumas iniciativas que vêm sendo desenvolvidas,
como os cursos de formação em serviço, por exemplo. Entretanto, a alta rotatividade de pro-
fessores impede o maior aproveitamento desses cursos. Para sanar esse problema, é primordial
que o governo aumente o número de professores efetivos e apoie ações formativas.
No caso do ensino de ciências, esbarramos, ainda, em dois grandes empecilhos: a difi-
culdade de transposição da linguagem científica em linguagem escolar acessível à realidade dos
estudantes, e a falta de professores de ciências licenciados em suas áreas. Embora tenha havido,
nos últimos anos, a expansão do número de vagas dos cursos de licenciatura em ciências, há
baixo interesse de as pessoas os cursarem, uma vez que a desvalorização da carreira docente
não torna os cursos atrativos. Mais uma vez, esbarramos nos clássicos problemas educacionais,
que acabam por prejudicar a efetiva implantação da educação inclusiva.

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Artigo recebido em 06/11/13. Aceito em 13/10/14.

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