Bom Jesus
Bom Jesus
Bom Jesus
(BA-TÃT-AES DE OUTR'ORA}
1 ; ; ;. :· ..
Bom Jesus da Cana Verde
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JEAN DE FAANS
Bom Jesus
da Cana Verde
BATATAES DE OUTR'ORA
SÃO PAULO
1939
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J
,,,.
/
INDICE
PRIMEIROS TEMPOS . 9
1872 16
FESTAS POPULARES . 37
ASSOMBRAÇÕES E CRENDICES 64
ERRATA
72 8 Visagem MIRAGEM
80 34 Levar LAVAR
111 36 Estrada ENTRADA
117 12 Rua 6 RUA 7
132 32 Mais um, MAIS UMA
Paginas evocativas da velha Bom Jesus
da Cana Verde, que, assentada nos verdes
Canipos Lindos das Araras, é hoje a progres-
sista e hospitaleira cidade de Batataes.
('
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e
Primeiros tempos
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«111 lado impar, numa casa entre as ruas Barão de Cotegipe e Affonso
l 'c•11na que pertenceu depois a Custodio José Vieira, mais tarde ao
corouel Manoel Gustavino e posteriormente ao Guariba (Antonio Ga-
bricl Pereira) ; Antonio Carlos Martins, na mesma rua do Chafariz,
numa casa de esquina em. que, já nos nossos dias, Constantino Fer-
nandes Braga e José Camillo Lellis Junior foram estabelecidos com
açougues e morou mais tarde Cláudio José Gomes; e José Firmino
elo Carmo, irmão do coronel Manoel Theodolindo do Carmo e cujo
armazern, por mais que investigasse, não me foi possível descobrir
onde ficava. Havia duas alfaiatarias, a cujas tesouras peritas rêcorria
.,..,.,,r.,1;,,., da ::'":)P!açãó. mormente os moços, na ancia muito
!!1Stificada de se apresentarem brumelicamente elegantes nas tardes
de domingos : - a do X ogueira ( Antonio José K ogueira), na casa
onde, cinco annos depois, o Cozéca (José Bernardino do Carmo) se
tubelcccu com casa de seccos e molhados e, reconstruida pelo Quin-
ra, I'creira (Joaquim Pereira. Lima), .pertenceu depois a Cesario Or-
dim'. e foi a popular Casa da Ma11_queira, no largo da Matriz, e a de
1,·c111ardo Clemente Tavares, artista hnbilissimo e que não deixava de
crn;:1r :1 orvlhn com o pt'-. 1111111;1 ras:1 da ma do Cornmercio, do lado
i111p;11', n,ul,~. 1·111 Ji,.:q,. 111:11s 011 11w1111:1, 11 vr lho Moysés Arruda esteve
11111 11 c,·1llc-1.'ln!Í11 ,~sl111liud ,~ p:1!1t011 d,;pnis :, Jo:tq11i111 Autunio Pereira
l.hun. Exi~tlr1111 1nnil1c111, 11,.•··t,c r11111ü, ,·111 Ba1:1t 11 , quní rr: carpinta-
tl,111: 1Jc, <.'lc·111t•111e 'l'cixc-ln1 dt• Jfo,:lt:i t· j,_i;io 11:t, lin:ia ,b Silva,
11111!,1111 111, l,ain11 d.:, Ct,nl,•11,,, de t.r:~1111!to Ji:1!:1· cLt Silv11, 110 Lirgo ela
l.!11 it, e• i;J,111 i11,·, J\hN1 1~1111di111, 11:i f;11.1·111la :--.10 Jo!iÍ'. 1 )11:,-, Icrra-
ririr,, rc1111i111!11 <!.• 11 ,pn·t1\n:, .1rli~las ª" f1111rçm:.., (k ft.:rreirn~ 1· ícrra-
dnrc· , 11111a 1111 Uul ro ~! 1111do, de José Pires ela Annuuciação, e a
011! ra 110 Castcllo, ele 'I'ristão Antonio <la Silveira. Eram dois os pe-
dreiros de fama, capazes de erguer uma casa com a maxima segurança
e todas as exigencias da architectura: - o popularíssimo Mané José
( Manoel José de Souza) e Pedro José de Souza, ambos com arraiaes
no Outro Mundo. Se poucos eram os alfaiates, em compensação con-
sumia-se muito calçado, pois havia nada menos de seis sapatarias : -
a do Trovoada (Antonio Joaquim da Silva), de João Candido Alves
Falleiros, de José Gonçalves, do Brigagão (José Nunes Brigagão J,
do Leonardinho (Leonardo Maurício de Carvalho Junior) e de Ma-
noel da Costa Ramos, todas funccionando na rua Direita. Talvez
porque o meio de transporte, naquelles ditosos tempos, fosse q ca-
vallo, havia quatro sellarias, todas muito afreguezadas: - de Albano
José de Almeida, na Outra Banda, na primeira esquina á esquerda de
quem subia, passado o correge; de Ezequiel Guimarães Corrêa, que
nos ultirnos tempos residia em Rio Preto e em Batataes esteve estabe-
lecido na rua Direita; do J uca Severino (José Severino de Almeida),
sogro do Bino (Felisbino Cust~ de Moraes), logo no começo da
rua Direita, e de Leonel Antonio ~a Silva, no Castello.
A instrucção publica, dirigida pelo vigario Padre Joaquim, ins-
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pector literario, era ministrada por duas unicas escolas, uma do sexo
masculino e uma do feminino. Aquella funccionava na esquina'. das
ruas do Cornmercio e do Theatro, casa hoje pertencente ao collegio
das irmãs salesianas e onde, antes disso, moraram Néca do
Carmo ( Manoel Theodolindo do Carmo) e o Tito (João Baptista
Ferraz de Menezes); regia-a Caetano Leite Machado, desde 1865.
A <lo sexo feminino era regida, desde 1870, por minha mãe, dona
Augusta. Eugenia Fernandes, e funccionava na mesma esquina, na
casa onde está actualmente a Pharmacia Fernando.
O destacamento policial, commandado por um sargento, era ape-
'i .,.:i.~ ,t /');.,.., ...,r"""S. for11N'i<l,is neh1 nuarta companhia do Corpo Mu-
mc•:,1.: de ~~·L;,• •.. "'"·: J do Te11ente-C.:>ronef Carlos
Maria de Oliva, t. m. o sem duvida exíguo para aquel!e tempo de
valentões e correrias e para aquellas paragens tão distantes.
A população do município, de tão vasto territorio, era de 8. 881
habitantes, nesse total incluidos 2. 506 escravos matriculados, mais
de 28 %, bella proporção.
Das estradas municipaes, a que se dirigia a São Simão fazia parte
da rêde provincial, pertencente á chamada "Linha Campinas-Franca",
subordinada á Inspectoria Geral de Obras Publicas, então dirigida pelo
bacharel Antonio Cavai-cante de Souza Raposo; a fiscalisação desse
trecho estava dividida'. em duas secções e confiada, respectivamente,
a José Ribeiro da Fonseca e J acintho José de Souza.
O orçamento votado para o anno de 1872, pela augusta Assem-
bléa Provincial, era elevado: - 2 :530$000. Nessa importancia esta-
vam incluídos os vencimentos dos empregados do município, obras
publicas, expediente da Camara e da policia, illuminação da cadeia ...
A illustre edilidade, que, de quando em quando, sahia de sua lethargia
J
t
e dava o ar de sua graça, nesse anno, alem da incurnbencia das obras
da cadeia, pelas quaes clamava já em 1852, em vibrante appello ao 1
presidente da Província, e de aquinhoada com a construcção de uma
ponte no ribeirão do Saltador, apanhou a 13 de abril de 1872 o régio
presente de um codigo de posturas. Recebeu-o da Assembléa Legis-
lativa Provincial, presidiáa pelo virtuoso conego Scipião Ferreira
Goulart Junqueira, residente em Santos e deputado pelo segundo dis-
tricto, e secretariada por outro reverendo, o padre João Vicente Valia-
dão, ;vigario de Conceição dos Guarulhos e representante do 1.0 dis-
tricto. E' muito provável que, como aquelle typo que era dono ele
rica bibliotheca, mas nunca lêra um só dos volumes que alli conser-
vava, impeccavelmente alinhados e ricamente encadernados, apenas
por serem bonitos, a Camara Municipal de Batataes recebesse e guar-
dasse esse codigo como "objecto bonito", unicamente. Era preciso,
era chie ter um codigo de posturas Z". é ella o tinha. Mas o estado de
abandono em que jazia a povoação, até oitenta e poucos, senão até
o gesto altamente patriotico do Marechal Deodoro, leva a crer que a
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1111 <'ilfü da pessoa louca, entraria com os dois mil réis da multa e pas-
i;:11 ,a dois dias no xadrez. Os fiscaes e as autoridades policiaes podiam
ru.uular matar os cães bravios. Da mesma fórma, qualquer pessoa,
nn momento em que fosse mordida, ficava autorisada a matar o atre-
\ ido podcngo, "o mesmo podendo fazer quando accornettida por outros
anirnacs bravos, como vaccas, bois ou touros, dentro das povoaçõe,
110 rocio dellas ou em terras do conselho e seu patrimonio". Convém,
todavia, accentuar que o popular podia matar o cão da maneira que
:; prauca, mas o riscal ou a po.icia, não: - a matança só
poderia ser feita "com bolas venenosas envolvidas em pedaços de
carne", fornecidas (ministradas, résa o codigo) "por medico ou boti-
cario profissional de reconhecida probidade". Com as vaccas, os bois,
11<. touros e "animaes silvestres bravios" o caso mudava de figura,
porq,tL' podiam ser abatidos "a tiro ou como mais facil fôr", assim
runto os "cães, gatos ou outros animaes atacados de hydrophobia,
\ 11 l~o damuados ". Dentro da cidade a ninguem era licito criar - cabri-
to'!, ti:>lcrados apenas nos arrabaldes; por isso mesmo ordenava o codi-
1;,,: - "os (cabritos) que forem encontrados dentrodellas (povoa-
1;ii1·s). ns r:tlir:ts lvilviras 11:10 pendas ou porcos" seriam recolhidos ao
"1)lli'11tl do <'tu1q·lho"
l,,•111d1111rln 11 ,,x1i11r1_;111 d1j forn1ig1ll:iros nso quintaes, preceituava
11 t•rnli~:o que O!l "cxi~t nt nos fllíl!J e! pr:1ç1:, publicas" seriam extin-
11(1!1 f, <'tl!ll.i {111 <'f1(1't' rh 11H111ki11:tli,l.1d1• l• HI rl'l:tllln, só cinco annos,
c•i111•11 111nr!!i ·~ vi,11,• ,, 1111\'f.' di,,s "'"''• l.11d1·, 1u1 s1•p na sessão ordinária
d,• 11 .1,, ,_11il1d1111 d,: 1877, n v,n·;ufnr Manoel Theodolindo do Carmo
p111p1111lt11 :i rou1p1;i d,1; duns primeiras latas de formicida, para ex-
t i11cc)11 do~ f ouuigueiros ela cidade, não dizendo os livros se foram
:1clq11i ridas ...
1,: ia por ahi o codigo, cuidando esmiuçadamente da limpeza e
illuminação das ruas, do socego publico, da moralidade publica, da
medicina, das boticas e vaccinas, do córte de carne verde, do commer-
cio e industria, do diabo, emfim. Prohibia, por exemplo, terminante-
mente, "algazarras, vozerias, matina'das ou tumultos", de noite ou de
dia, "gritos de proposito, sem que por isso obrigue a necessidade ou
medo"!. . . Era egualmente prohibida a "dansa de batuque e cateretês
com cantarólas e sapateados" e, nas ruas e praças, "a dansa de ~o-
çambique. que os pretos costumão a fazer em certas épocas do anno".
Prohibia ainda, expressamente, o "espectaculo de. curro", ou fossem
as touradas, que, apezar de disposição tão taxativa, foram sempre
realisadas, com vaccas mansas e bois de carro. Mais ainda: - prohi-
hia o jogo de entrudo com agua, laranjinhas ou qualquer liquido ou
pós, e, o que é mais precioso, "o brinquedo do Judas"! Invadiam as
posturas o terreno da religiã:...,_ determinando que "ninguem podia en-
l1 ar 11a igreja, para ouvir missa ou officios divinos, ou acompanhar as
procissões, com esporas ou chicote, nem tão pouco fumar dentro do
1,·111plo". Era tolerado o estabelecimento de "casa publica de tabola-
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gem para jogos de bilhar, bola, pila, vispora, gamão, damas e cartea-
das ", mas eram vedados, sem appello, "os jogos de parada, o buzio,
lasquenet, carimbo, trinta e um, primeira, roda da fortuna e qualquer
outro jogo fraudulento". Cahissc alguem na tolice de jogar com es-
cravo ou filho familia: - era <,brigado a restituir o que porventura
houvesse auferido, era multado e por fi111 mcttido na cadeia. O toque
de recolhida seria dado ás 8 horas ela noite, "no tempo de escuridão",
e ás 9 horas, nas noite de luar. Os chiq11l'irns não podiam deixar 1de
se:- rorrados de m" 11..I · _ .,. º"=" ~ -
rem "miasmas pt.. ridos" . .'\ pc:,·..ro que "entrasse de Ióra", - certa-
mente para distinguir da» que entrassem para íôra -, r ""~das de
bexigas, sem que est i vcsse grnssnndo ainda tal enfermidade, seria
immediatamentc n ti radn e\:~ pm·oaçao, "ministrando-se-lhe pessoas _1á
isentas do mal para t r;1tal a e todos os soccorros assim temporaes como
espirituacs". I•, açc1Tscentava: - "Aberta a vaccinação", a pessoa
alguma era cheio deixar de receber "o pús vaccinico". O dono da
casa onde houvesse bexiguento, pestoso, cholerico ou atacado de outra
enfermidade epidemica, poria, "pendente na porta da rua", uma ban-
deirinha preta, á guisa de aviso, para que todos passassem de largo.
A Camara concedia "aneis" ou "dedaes" de agua, do rego da
servidão publica, aos particulares que pagassem, de uma só vez, a im-
portancia de cem mil réis, ficando desse modo o "anel" ou "dedal"
d'agua "pertencente ao seu predio in perpetum". Esses "aneis" eram
abertos em taboa grossa de aroeira, jacarandá ou outra perduravel,
com "a circumferencia de urna moeda de quinhentos réis do novo
cunho".
Ninguém podia andar tocando realejo pelas ruas ou nas portas
das casas (santa disposição!) sem pagar o imposto de licença, que era
de dez mil réis. Os espectaculos nocturnos começariam ás 8 horas e
seriam "annunciados por um foguete". Esse costume de foguete,
para annunciar a hora do espectaculo, perdurou até bem pouco tempo ...
As estradas de rodagem deveriam ter sessenta palmos de largura,
"sendo os vinte do centro de viação capinados e aterrados, livres de
tócos e pedras grandes soltas, e os vinte de cada lado apenas roçados,
abertos e descortinados". Só quem conheceu as nossas estradas na
éra pre-auto~novel poderá dizer da existencia desses aterros e . da
ausencia desses tócos e pedras soltas. . . Eram, em geral, prohibidas
nas estradas "as porteiras de varas" e, á beira dellas, "cercas de espi-
nho, caraguatá ou vallos, de modo que estreitem o caminho e póssão
causar damno aos viajantes", sendo que as porteiras "de bater ou
cancellas" leriam espaço bastante para dar passagem a qualquer carro.
Era prohibido, sob pesada multa, que oscillava entre vinte e trinta
mil réis, "enterrar-se corpos humanos'j., senão no cemiterio publico,
para onde os cadáveres, "depois da competente encommendação na
igreja", seriam levados, "á mão ou em um carro funebre, caixão ou
esquife, do modo por que tivessem disposto em seus testamentos ou
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::.
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mentos. Depois· da audicncia do ministério publico, então, como já
vimos, representado pelo doutor L•'n.:irinho, foi a queixa recebida: pelo
juiz e os vereadores rccalcitrautcs submcuidos a processo de iéspon-
sabiildade. O processo deu muito que falar, quando mais não fosse
por constituir 11111 facto viri.:1·111 110s annacs cio íôro local. Concluídas
todas as <liligc11cias, olrscrvndns lod:is as formalidades processuaes,
assignarlos eis prazos rq,:-i111t·11tacs pura deícsa, ouvidos os orgãos com-
pctvntes, o juiz prnnuuriou os referidos vereadores, menos um, -
Dio,•o G:irci;t ck l•'iv1wirc·<I" ~olirinhn Fst« \·Pre,rlnr ouando viu a
mal parada, arrepiou carreira. Muito embora e~r: esse á cesta
da Carnara, - que assim tão desassoml Jc.1íknte e de viseira erguida
af'Irontava as iras pro: uh.ncraes, - um homem da envergadura de
Antonio Augusto I opes ele Oliveira, o preclaro edil julgou preferível
dar o ditu por não dito e, sem titubear, retratou-se formalmente em
juízo. Ellc, positivamente, não era homem para aquellas encrencas
e o negocio, segundo uma expressão muito batataense, já lhe cheirava
a chifre queimado. Recorreram os pronunciados, para a Relação de
São Paulo, dessa sentença, averbada de injusta e parcial. O accordam
do egregio tribunal não se fez demorar: - o recurso teve provimento,
os vereadores foram despronunciados.
Mas o melhor, em toda essa formidavel encrenca, não pára ahi.
Processada a Camara, ficou ella, ipso facto, suspensa de suas funcções.
Foi então chamada a administrar o município, durante o processo, a
Camara transacta, que· estava desta maneira constituída: - Daniel
Joaquim de Oliveira, presidente, Gabriel Garcia de Oliveira, Francisco
ele Paula Arantes ( Chico da Estiva), João Garcia de Macedo, Boa-
\T11t nra Ferreira ela Rosa e lnnoccncio Alves Pereira. Reuniu-se essa
C:1111:1ra i11111t<.:diata11w11[(', logo após a sua convocação. O vereador
C::d11·i, 1 C:,,1ria ck Olil'l'ira foi o primeiro a fazer uso da palavra e o
f1•7. r11111 1',fo:nwtu ia. l•:11r:irou desde logo a intrincada questão que ha
lrn1gus 111e'1.l:S :,1• a1 rnstava, quebrando, com manifesto escandalo, a
prov; rbial pacatez da cidade. tão pouco affeita a imbroglios seme-
lhantes. O caso reclamava um paradeiro, urgia uma solução para o
problema. Como medida preliminar, propunha que, com a máxima
urgencia, fosse expedido diploma de vereador a José Basilio da Luz
e convocado para coparticipar dos trabalhos municipaes o vereador não
pronunciado, Diogo Garcia Sobrinho, que em juízo se retratára.
Proposta tal, a despeito da boa intenção que porventura a houvesse.
dictado, só poderia merecer repulsa unanime. Pois isso não se deu.
A Camara approvou-a, fez o que lhe pediu o orador: - diplomou José
Basílio e convocou Diogo. Houve, porem, uma voz discordante: - a
do presidente da sessão, o vereador Daniel Joaquim de Oliveira. Re-
cebendo, como lhe cumpria, a proposta ,,que acabava de ser formulada
e submettendo-a á apreciação dos seus pares, logo que se tornou co-
nhecido o resultado da votação, tomou a palavra e lançou um protesto
formal. Foi um discurso ponderado, reflectido, sensato, corri consi-
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deracôcs muito opportunas, que deveriam ter calado fundo nos que
vinham de assumir tão extravagante attitude. Deu-se aquelle vereador
por vencido na resolução tomada. O acto da Camara envolvia uma
flagrante illegalidade e manifesto absurdo. O vereador Diogo, muito
embora se retratasse em tempo habil, muito embora impronundado,
pertencia á Camara suspensa. José Basilio, por sua vez, fôra eleito
para essa mesma Camara. Finalmente, os vereadores alli presentes
eram da Camara anterior á suspensa. Logo, não podiam servir con-
~ ·,~:-:ne;ite vereadores de Camaras distinctas. Diante da resolução
:· mada, ia consultar a respeito o presidente da Província e, a segu:r,
suspendeu a sessão e abandonou o recinto. A indignação dos presentes
explodiu, pela voz do seu leader. O presidente da Camara excedera-se.
.'\ augusta assembléa tumultuava, á voz irritada de Gabriel Garcia. E
nesse mesmo dia, á uma hora da tarde, reuniram-se os vereadores
Francisco de Paula Arantes, Garcia de Macedo, Boaventura Rosa,
Innocencio Pereira e Gabriel Garcia, que assumiu a presidencia e dei-
tou discurso. Era indispensavcl á Camara protestar, de maneira elo-
quente, o( fendida como Iôra cm seus brios, contra o acto "exorbi-
tante, desusado e clispanitaclo" do vt-rvaclor e presidente Daniel, de-
,·,·11CI<> tSSl' protesto ser t rnusmitt irl« an conlwri111l'lllo cio g-ovcr110
pn1\'i11ci:d, por <''.St: t1·111p11 j;'1 1·111 111;11,.., do r1111<;1·llwirn J11i10 Alfredo
C1.1111·:1 dl' ()li,,·i1·a. 1: .1 ,1 ~q111· d, 11 \H>'I·'·· 'illli o·, ;1ppla11s11!'> dns ckma,,
\TIi 11\11111, :i J11,1~ l\.1,d111 d:1 l,111., 11;1• .,111d11 ., l,1111.ua :1 f1111ccionar
r11111 11111 111l'1ul>111 :1 111:tÍ, q111 11 dl'l1•1111i11ado pela lei ck 1X28. E ao
f1111d,11111:11t:ir :;11a prnpw,ta, C;tl1ril'l Carcia a i íirmava, cm tom
c\11·,~111 iu, 1111t· a fazia "em obscrvancia á lei". Pobre lei, que para
tudo tem servido. E o vereador Daniel Joaquim de Oliveira, por suas
justas restricções, tendo de seu lado a lei e o direito, foi accusado
de uma illegalidade ! . . . ü bom velho desde ahi abandonou a activi-
dade política e só quiz saber de sua escola e dos negocios ecclesiasticos,
como escrivão da vara e zelador da igreja do Rosario. Andou acer-
tadamente. Vá lá um filho de Deus empenhar-se para que a lei tenha
o respeito que merece. . . -
Despronunciados os vereadores, pelo accordarn da Relação, e
assim reconhecida a incompatibilidade de José Basílio da Luz, - que,
em todo caso, tivéra a consolação de alisar durante alguns clias, embora
irregularmente, a suspirada cadeira, - foi a Camara suspensa: reinte-
grada no exercício do seu mandato e procedeu-se a nova eleição. Foi
eleito por quatro votos Manoel Paulino Paz. Serenaram os animos,
acabou a encrenca, era uma vez a borrasca. O nome suffragado era
propicio e significativo. Convidava á concordia. E por isso a paz
foi feita!
I
ooulares
senhor Miguel ::\Iartins, até então sem prestigio na localidade, fez sua
estréa no pulpito batataense e grangeou fama de bom prégador. Con-
tam que, mal entrou o andor na igreja, elle galgou o pulpito de um
salto e, sem que ninguern esperasse, exclamou: - "Levanta-te, Je-
rusalem ! ... " E foi, por allí a fóra, empolgando a assistencia.
O Enterro, na sexta-feira, era urna procissão pittoresca. Desti-
nada a despertar a piedade, tinha, no entanto, coisas capazes de pro-
vocar o riso. Sabia invariavelmente ás 22 horas, depois do officio
de trevas. Descia a rua das Palmeiras até a da Cadeia, tomava por
esta. passava em frente á igreja do Rosário, subia a rua do Theatro
até a rua Coronel Pereira e por esta até o largo da Matriz, cuja volta
razia. De todas as procissões era a mais extensa. Abriam-ná o for-
nicõco e o menino da matraca. Uma cruz negra, enorme, com a elas -
sica toalha branca nos braços, vinha a seguir. Depois, filas de homens,
as irmandades e o estandarte roxo do Encontro, deitado, em signai
de luto. Anjinhos e virgens a seguir. A Veronica, figura indispen-
savel até hoje, apparecia então, precedida de um moleque, carregando
uma cadeira. Em determinados pontos a procissão parava, o menino
azeitava a cadeira, a moça encara·pitava-se e, á medida que desenrollava
111n prumo branco, - o sudario -, no qual se destacava, mal pintada,
1 , ilwn d1· ( '11 i-.ti:1, 1,mf.1\a 1•111t'r1ll'cida:
1,; 1,111i11;11vr,, (11111 1, c 111111·as 11:1 voz, rapazes de arrancar lagrimas aos
1
- ,L .lernus,
verrnelh :.. ; as tres
Marias, conhecidas por "trcs Bcús", cantando umas lamentações im-
pcrtiucntv-, 1: Al,nli.111 1 ., 11a111110 1 1.1t, l ,lt conduz indo ao hombro
um p<:qu<'no fc1xt• ck lenha l' nquvlh-, ck longas barbas brancas e alvís-
sima tunica, lcvnntando magcstosameutc u111a catana Iorminanda, de
cuja ponta cabia uma fita '.,nrnca, que um anjo segurava. A respeito
desses figurantes, é sabido que, um armo, dona Marianna Alves Freire,
senhora do pharmaceutico capitão João Baptista Frei re, cedeu, para
servir de Isaac, preparando-o cuidadosamente, um pequeno escravo
da casa, de nome Flausino, uma interessante criança de cabellos en-
caracollados, clara, bonita como poucas, contando cinco ou seis annos.
O menino despertou a admiração geral e uns caixeiros viajantes que
se encontravam na localidade e assistiam á procissão, sabendo da triste
condição da encantadora criança, quotisaram-se e, terminadas que
foram as cerimonias dessa noite, dirigiram-se incorporados á presença
da senhora do pequenino escravo, pedindo-lhe que, em homenagem
áquelle dia e ao facto que se cornmemorava, - a morte daquelle que
viéra remir todos os escravos, - concedesse a liberdade ao Flausino,
A senhora, que tinha um certo orgulho em possuir um escravo da-
quella especie, foi surda: a todos os rogos, recusou-se terminantemente,
a despeito dos seus sentimentos religiosos, a attender ao pedido dos
"cometas": - não cederia o menino por preço nenhum. Estava,
porem, escripto que aquella criança não ficaria captiva e o Flausino
mezes depois morria.
A procissão era: fechada pelo esquife do Senhor Morto, de peso
excessivo, conduzido ao hombro por homens robustos, chamados "san-
tos-padres", mettidos numas camisolas brancas com capuzes, a que
davam o nome de "alvas"; pelo andor de Nossa Senhora das Dores,
que, á altura do coração, levava cravado um punhal; pelo pallio, que
abrigava um padre conduzindo a tal relíquia que nunca soube ao certo
o que era; pela banda de musica, a desenfardelar todas as possíveis
marchas funebres do repertorio, e pelç povo, ou melhor, pelas mu-
lheres, pois antigamente não se tolerava, nas procissões, a mistura de
homens e mulheres, indo aquelles formar alas á frente do prestito.
Antes da sahida da procissão, havia, na Matriz, o descimento da cruz.
-44-
Arimathéa e Nicodemus marinha"vam por duas escadas collocadas
atraz da cruz e, á medida que subiam, batiam com os martelos nos
degraus, de um modo especial. Uma vez lá em cima, mettiam um len-
çol por baixo dos braços da imagem e deixavam-na escorregar para as
mãos dos padres, que a esperavam em baixo e a conduziam· para o
~~k -
Outra festa apparatosa era a do Divino. Os festeiros punham
capricho em lhe dar o maximo brilhantismo. Não lhe escasseavam
chamarizes: - ,pau de cebo, levantamento do mastro, imperio, leilões,
fogos de vista, o casteIIo. ,O castello era uma obra prima da pyro-
technia de antanho. Imagine-se um throno ou coisa seme:l,a1::e. J.'.... -
minado a fogos de benga:a e em cujos degraus iam apparecenéo. sue-
cessh-amente, figuras exoticas de noivos, velhos, crianças, negros. aca-
bando a peça por uma especie de apotheose final ao Divino, que appa-
recía sob a fórma de pomba, em attitude de vôo. Havia um fogueteiro
perito nesse genero de fogo : - Bernardino Lamounier Gocfofreân,
que, na sua arte, valia o peso dos seus enormissimos beiços. O Chie-o
Fogueteiro (Francisco de Almeida Mattos), mais a mulher, a Chica
Fogueteira, tambem sabiam fazer seus castellos e dizem que o José
Thomé do Prado não lhes ficava atraz. O imperio, armado cm casa
do frstt'iro, quando este era morador na cidack, m, c·111 casa p1c,·ia-
111t·nl(· prq1ar;1cla, <p1a11clo u cln110 da f,·st:r t·r;1 ria rnç:i, pn 11di:1 t·g-ual-
1111·111,: a :111< 11,.,,, ,.:< i.i]. lhll1 :tl1i:1111, JIIC111,,i,JJ1,d111n111·. pa,,1 ,t 1\fa_
lriz, " "i111111•r:1cl11r·· ,. ,l "i1111H11·ntii1,", 11·1r;1clos 1wl:1s "da111as de hc-
11111···, :tr!l111p:111l1:11lo ... dt· 1111,si1·:1, lr,111,porl.tudo o "11111wraclor", numa
!-:d\':1 ,lt- prai:,, :1 111ddtTlin·I n,r(1a do l>i\•ino. Os roceiros se pcllavam
por s1·11H·llia111l' ··fita" e chegavam a fazer promessas ao J)ivino para
"sahircn1 sorteados" festeiros, para se darem á pose do imperio. A
promessa consistia, quasi sempre, em offerecer um novilho ao Divin<J
que ia á praça, á porta da igreja, num domingo qualquer, depois da
missa. Dahi a historia, muito commum, do boi do Divino. Com os
festeiros da cidade a regra: não era essa. Poucos se prestavam a exhi-
bições dessa natureza. Mandavam, em seu logar, duas crianças. · O
doutor Altino Arantes, por exemplo, supportou, em sua meninice e
não poucas vezes, essa imperial tarefa'. Cahindo em desuso com o
correr do tempo, em 1895 Francisco Moreira (Chico Moreira) quiz
restabelecer a moda, mettendo o Romeu Teixeira, hoje doutor Romeu,
e uma das filhas do Arthur Albino Corrêa, dona Herondina, nas
árduas funcções imperiaes. A tentativa, porem, não surtiu effeito e
o Divino voltou a passar sem as scenas do irnperío.
Mas o clou da festança toda era, naquelle tempo, a cavalhada. A
sua direcção cabia, permanentemente, "por direito de conquista", ao
major Antonio Garcia de Figueiredo, dono da fazenda Fortaleza, coad-
juvado pelo irmão, Joaquim Garcia de Figueiredo, da fazenda labo-
randy, e pelo filho, José Ga'rcia. O 'Circo, o redondel ou que melhor
nome tivesse, era armado nas proximidades do cemiterio, hoje desap-
I
- 45-
Procedesui ...
As mulheres, com voz aflautada, respondiam:
. . . ab utroque.
O Joaquim Augusto repisava· o procedenti, ella insistiam no ah
utroque e, por fim, elle e ellas cantavam, com recolhimento :
Comparsit laudatio.
-49-
Paaaadre Nosso
Q'estaes no céu,
Santificado
Seja o vosso «owe.
V eeeenha a nós
O vosso reino,
Seeeeja feita
A vossa vontade,
Assim na terra
Como nos céu.s.
E as mulheres, que iam de roldão em seguida ao padre, concluíam a
Bem.dito é o fruto
De vosso ventre,
Amen, Jesus,
Maria e José.
Depois, homens e mulheres entoavam o "Gloria", tambem com alte-
rações, por via da musica:
Gloria seja o Padre,
Gloria seja o Filho,
Gloria o Esp'rito Santo,
Seu amor tambeni!
i- m só Deus,
Pessoas tres,
Gloria p'ra sempre,
•
P'ra sempre ament
()s ràpazes arranjaram logo uma outra letra, adaptada á mesma mu-
sica e, emquanto os devotos glorificavam o Padre, elles cantavam:
Quem que me paga,
Quem que me deve?
Cinco patacas,
Quatro tostões!
Cantado o "Oioria", os cantores variavam de musica e cantavam,
pausadamente:
Amados Jesus, José,
Joaquim, Anna e Maria,
Eu vos dou meu coração,
Alma, minha salvação!
E o Camões não se erguia do tumulo para protestar contra o roubo
do classico cacophaton. Assim percorria a procissão o largo da Ma-
triz, de maneira a ser cantada a Salve Rainha final á porta da igreja.
Mas, como o Senhor Fóra, o Fogaréo, Abrahão, Nicodemus e outras
tantas velhas usanças, esse costume do "terço" cantado já desappa-
receu e delle resta apenas a saudade. .
A missa do galo foi tambem, em outros tempos, e talvez ainda o
seja nos de hoje, das de maior affluencia. Acorria gente de toda
banda e, ás dez da noite, era de ver, ao redor da igreja, homens e
mulheres chegados dos sitios, de cócoras ou sentados, rodeados de uma
criançada bulhenta, á espera da missa. A essa hora os sinos repicavam
o "primeiro toque", ás onze batiam o segundo e o terceiro, acompa-
nhado da "entrada", á meia noite. Costumavam, em annos remotos,
esconder um galo atraz do altar, para que cantasse na hora festiva do
Gloria in excelsis, mas, um anno, assustando-se antes do tempo, o galo
sahiu ás carreiràs pela igreja, cocoricando desesperadamente. O pes-
- 55-
soal citadino, emquanto aguardava a missa, improvisava reumoes ou
passeios pela cidade, que, nessa noite, a:presentava um aspecto festivo,
com as casas todas illuminadas. A missa era obrigada a musica, subs-
tituindo a banda: de musica a orchestra que não havia, e a sermão
bem declamado.
Essas festas davam ensejo para o conhecimento de certos typo~
oric611:a·s. Um delles era o Luís Pintado, avô da saudosa Maria Mar-
t i11 ,, q111· morou, a vida inteira, numa casinha da rua Coronel Pereira.
Surdo como uma porta. Tinha o habito de madrugar na igreja, aos
<ln111111i.:os. (011Hl todo surdo, falava cm voz muito alta. Úma hon.
. .,,,, .\:1 mi~sa. l:1 estava cllc. c\c' joelhos, plantado devotamente junto
.,..,n •• nc:1-nrln a resoe-
----.:-
• - 62
era cm11pa1ado p<ll 1111., no ck 11111 li1:1.crrn, por outros a uma onça
cnlJo:-;sal t· p1111tn Liltuu p.11.1 q11i- <1 rn111parasscn1 a um elephante. O
t1•1 nH q111 ,., .,· l1itl1a11,u, 111 f1111di;1 1·1 a tal que ninguém por ·fim se
:it I n 11 .1 .it 1,1v1:r,:::11 •.11~11il111 .1 111,tla, 11ll'~1110 de dia. Mas, nem por
,_•1,•111 11111it1111, i, di11 d, 1 1111 1k ;q1p;11<·1n. Ne111 bem estava ·á reta-
H1E11 r\;1 ch_1 l'h\'i1l~:11t.1 , J·1 ,1·, da í1t·11lc· " accusavam á cabeceira do
li;111d11, l{C/,1'l.'itov11111°11(1 (1111111 nlijtTlo s.1gr:ulo. Um dia um tal Mizaél,
,li, C..-l1[1r••~11. <,il,1'11 ilci;idid11 , v.d, 11L1n que não corria de cucas, achou
1q11tllc.· 11:fq11•i111, q1w 11nd:1 111ai-. l'lil que muito medo, sem cal::i'iinento,
<· ·u11H1 vez, iWd l''~r..,;hi:11 f, 1.1rhonau perto delle, metteu-lhe o chicote
· · ::zt.:sse. O cão ergueu-se. cres-
d: .•. ores, tomou proporções e· íórmas
, , ., •. . ... O Mizaél perdeu os sentidos vergonhosa-
t• \lllt1111 a s1 na manhã seguinte. E em que estado, santo
, , , 1't li.1.111l:nle havia, alli perto, um ribeirão ...
111.1 assombração, na mesma estrada, que ficou "desmascarada",
f111 aquvlla do vulto negro que orava, com os braços abertos, - em
allit11dc de quem resava uma "estação", - junto a uma cruz, dessas
que ornam, com abundancia, as estradas da roça, assignalando cs
pontos onde se deram homicidios ou desastres, e que, de quando em
quando, beijava as pedras que amparavam o madeiro. Era, sem mais
nem menos, uma vacca preta, de chifres enormes, que se habituara
a ir lamber, todas as noite, aquellas pedras. Decifrou o misterio um
carreiro sem medo e refractario a desmaios, numa noite de luar. ·
O antigo fazendeiro da:quellas bandas, Domiciano José de Souza,
da Floresta, uma noite em que vinha de uma casa das visinhanças
com a esposa e os filhos, foi atacado, numa volta do caminho, por uma
porca escura acompanhada de leitõesinhos. Defendeu-se vaientemente
com o bengalão que trazia, desfechando bordoadas a torto e a direito,
até que os atacantes desappareceram repentinamente. No dia séguinte,
logo pela manhã, o velho lavrador foi ao Jogar ela peleja, encontrou
no chão os vestigios das pancadas que distribuira, mas da porca nem
mesmo o rastro. Indagou dos sitiantes proximos e nenhum possuia
porcas com cria. Mais uma assombração. . . ·
Para os lados da Estiva era conhecido um cavalleiro fantasma,
distribuindo folhetos a quantos encontrava, sem que pessoa alguma
os tivesse recebido. Era, affirmavam com convicção, um velho lavra-
dor das cercanias, que levara a existencia colleccionando paciente-
mente folhinhas Laemmert e morrera em peccado grave.
Não param ahi as assombrações. Tantas são ellas que dariam
motivo, não para uma, mas para muitas chronicas. O Manoelsinho
Pereira (Manoel Pereira de Oliveira), por exemplo, era eximio em
arranjar, encontrar e ouvir fantasmas. Via, a cada passo, duendes,
espiritos, almas, toda a cohorte, emfim. Era só pedir por bocca. Uma
noite, por signal, quando elle morava na casa que depois foi do major
Felippe (Felippe Ribeiro de Noronha), em frente á do padre Joa-
- <~---s:---·
·
-70-
Antigamente ... Como é doce e grato evocar esse tempo que s,~
lº!'i\';1t· t:w longe, recordar coisas cuja lembrança se vae diluindo.lent«-
111t·11ti·. Ht·i11:1v:t fr.'\nca tnrdialidadc entre as familia's do Jogar. As
di, ,e 11t1J1·~ politrrns ja111ais JHtcl!'rarn pcrlurbar a harmonia que aiíi
St•111p1,, 11111w1011, c·11tn· os l,at:1tac·nsl'S. Cascudos e chimangos digla-
dr;11 :1111 ~,· i~ pnrtas r!,1s secçoes eleitoraes, "batiam bocca" á bocca das
11111:is .. 11r:i~tn11do a "carueiracla", que eram os votantes nos tempos
idos das eleições em dois graus, para o direito ou o dever do voto.
Ilavia discussões azedas, troca de palavras acres, algum mais exaltado
ia ás vias de facto, outro mais enthusiasmado atirafa uns rojões de
assobio ao fim do pleito, e no dia' immediato estava tudo apaziguado,
os chefes e cabos em perfeita camaradagem, esquecidos do que hou-
véra.
..:
- 76-
e !....,j..:Ja;;, travessas que valeriam tres das de hoje, pratos fundos que
ser,·ir:am hoje de tijelas, enormes conchas de louça. O almoço, ás
9 horas, ás 3 o jantar, e entre as duas refeições o chamado café do
meio dia, outro almoço, afinal, tal a natureza e a quantidade · Ja
"mistura".
Durante o dia era muito raro sahirem as senhoras e as moças ás
janellas, entregues todas aos affazeres domesticas. Naquelle tell'!.Pº
as donas de casa encontravam sempre o que fazer. . . Só de-
pois do jaJJl,tr sabia 111, entretendo-se em palestra com os visinhos ou
com os rn1J!wcidc,s que passavam. 'l'ambem só depois do jantar iam
fts visitas u11 passeios, procurando, neste caso, de preferencia, os cam-
pus dos arn:dort·s ou u111 dos capões que então existiam, nos extremos
da cidade. Nesses passeios os homens raramente tomavam parte; no
commum dos casos, iam as senhoras e as crianças, emquanto âqueJ!es
procuravam as casas de negocio e as ,boticas, para as indeféctiveis
plestras, que reuniam ordinariamente grupos numerosos.
As senhoras, - a não ser nas grandes cerimonias, que exigiam
vestidos de seda recamados de vidrilhos, leques enormes e. mitaines
de canhão comprido, - eram simples no trajar: - saias rodadas, com
babados; batas amplas, com rendas de bico; botinas de cano alto, abo-
toadas lateralmente; nas costas um chale escuro e de franjas, dÕbrado
triangularmente, ou um fichú azul ou cor de rosa; as tranças, abun-
dantes, enroladas, formavam um cócó logo acima da: nuca. As meni-
nas, aos 14 annos, passavam a usar vestidos compridos e, antes disso,
durante o período do vestido curto, usavam meias compridas e tinham
os cabellos presos por uma "travéssinha". Os garotos aos 10· annos,
obrigatoriamente, deitavam calças compridas e, antes disso, ·era de
apurado bom gosto a blusa com grande "revirão". A indu.mentaria
masculina .cifrava-se em "parelhos" de alpaca ou brim, reservada a
casemira: para as grandes occasiões, em que sabiam das arcas as ra-
bonas e os rodaques; para o tempo do frio, havia o cavour ou o chale-
manta e para: o verão o paletot de palha de seda. Ao paletot curto
davam, pitorescamente, a denominação de "paletot de c ..... em pé",
-
_ __ _, ..a.. .. ..•
- .
-77-
~ - ...
- 79
I
1
-80-
á hora do Gloria in ezcelsis Dei da missa, rompiam as alleluias, os
garotos, num vozerio ensurdecedor, malhavam os judas, cujos restos
arrastavam pelas ruas, triu.mphalmente, como trophéus. Não faltava
um malvado para collocar, dentro do boneco, uma casa" de vespas e
• era então de ver a correria da meninada.
Nesse sabbado, costumavam, aproveitando a boa fé de um sim-
plorio, mandai-o á procura da chave da alleluia. Ia o pobre diabo á
casa de um, que por sua vez o enca!minhava á de outro, este manda-
va-o adiante, e o coitado percorria meia cidade ,sem achar a procurada
chave, até que, estropeado, voltava ao ponto de partida. mostrando
~ inutilidade do seu trabalho. Tambem nesse dia apparecia o testa-
mento do Judas, papelucho rabiscado a lapis ou tinta, mettendo á
bulha pessoas da localidade, uns com algum espírito, mas na maioria
pouco recommendaveis e asseiados, muitas vezes pornographicos, ver-
dadeiros pasquins.
No Natal era de velha usança pedir festas, as senhoras só o
podiam fazer aos homens e estes áquellas. E a: ninguem era licito
deixar de attender esse pedido, no Anno Bom, sob pena de passar
por um refniado "ridíco". As senhoras enviavam aos homens cami-
sas, lenços, bengalas; estes áquel'la:s, córtes de vestidos, sabonetes, pe-
ças de rendas. Recebidas as festas, cumpria, ao que as recebia, mandar
os "Rt·is": - era a retribuição.
Era coisn comrnum, cm certas casas, resarem o "terço", em deter-
minados dias. diante do oratorio, com assistencia da familia e de
visinhos. l\pontavam-se pessoas peritas em "puxar o terço.": - o
Firmianinho (Firmíano Braga), o velho Daniel (Daniel Joaquim de
Oliveira), o capitão Camillo ( Camillo Ferreira de Menezes), e· outros.
Na igreja do Rosario, agora ctesapparecida, o terço era resado todas as
sextas-feiras. Na Matriz, de vez em quando, havia o exercício da·
Via Sacra e, não poucas vezes, "faziam estação", uma résa em que
. todos ficavam com os braços abertos, numa postura sobremodo in-
commoda.
Se fallecia alguma pessoa, os visinhos acudiam so'licitos, auxi-
liando e .confortando a familia. Os praticas em "levar defunto"
desempenhavam-se sem perda de tempo dessa tarefa, atirando depois
a agua na rua, pois não convinha atiral-a no quintal; vestiam o corpo
e levavam-no para a sala da frente, numa marquezinha, até que che-
gasse o caixão, que um armador pressuroso e improvisado preparava.
E acorriam as pessoas amigas e os inveterados nesse mister; para
"fazer quarto". A' noite, resavam o terço e a ladainha de Nossa
Senhora, substituído o "ora pro nobis" por "orae por elle ou ella",
conforme o sexo do fallecido. Na cida'de, offereciam a essas pessoas
caridosas, de quando em quando, café com biscoutas; nos bairro s,
era o "quentão", sendo facil de avaliar o que seriam· as madrugadas
desses "quartos".
As esmolas eram dadas aos sabbados e consistiam num "corenta"
•
- 81
Respondiam as outras :
Sornas filhas de um rei
E netas de um conde,
Qu,e 1nanda que se esconde
Debaixo de unia ponte.
Acocoravam-se todas, a do meio ia, tacteando, até tocar a cabeça de
uma, a quem cumpria substituil-a. Depois do Sá-anja, era o Suru-
pango o mais popular, tambem em roda:
-84-
Surupango da vingança,
Toda gente passará.
Lavadeira faz assim,
Faz assim, assim tambe11J,.
E esfregavam os vestidos, imitando as lavadeiras. Depois, "faziam
assim, assim tambem" as engommadeiras, as cosinheiras, as costurei-
ras, as namoradeiras, etc. Gostavam também e muito da Viuvinha:
Eu sou uma viuvinha
Das bandas de alem,
Quero me casar,
Niio acho com quem.
Entoavam as outras:
Casa commiqo,
Serei seu bem.
E a viuvinha escolhia:
E as outras retrucavam:
Menina, oh inenina,
Vae dizer para seu pae
Que a agu.lha que se perde
Não se acha mais.
As Angolinhas obrigavam as crianças a sentarem~se no chão, jun-
tando os pés, que uma dellas se punha a contar, tocando-os com o
dedo, emquanto dizia:
Uma, diws angolinhas,
Finca o pé na pa1npolinha.
O rapaz que o jogo faz,
Faz o jogo do capão.
Pinta bem Manoel Leão,
Pinta bes« que sete são,
Arrecolha esse pésinho
Na conchinha de u1na 1não !
O pé, no qual a menina tocáva ao pronunciar a palavra "mão", era
recolhido e continuava o brinquedo, até que todos os pés estivessem
recolhidos. Outro brinquedo, que, como as Angolinhas, não. era de
roda, mas muito apreciado pelas crianças, era o do J oãosinho do Cor-
-86-
A 1><1~tora d11·Pa1a, :1hr,u;a1"a 11111a dPll:is eu seu amor ia ser, por sua
. vez, a licll:1 pastora. O l'iq11c e a Maria Conçuoirn eram brinquedos
parecidos. O /iique era o ponto onde uma das crianças se collocava,
com as mãos espalmadas encobrindo o rosto, indo esconder-se as. de-
mais; uma vez escondidas, gritavam "prompto !". A que estava no
pique sahia á procura e a que fosse apanhada ia substituil-a. Na Maria
Congueira a criança ficava junto de uma parede ou de um muro, com
as costas voltadas para as companheiras; uma dellas batia-lhe umas
palmadas, dizendo:
Maria Congueira,
Bate na biinda
Vae esconder!
Corriam a occultar-se e, decorrido algum tempo, a destacada deixava
o seu canto e ia procurai-as, indo para seu Jogar a que se deixasse
agarrar. O Temoo será não deixava de ser uma variante tambem do
Pique, com uma differença: - a do canto não voltava as costas nem
tapava os olhos. As outras cantavam, ou melhor, gritavam:
Ternpo será,
E' de mivn có-có,
J\ Larwnja da China,
Tabaco em pó.
_____ ._
- 87-
- 89-
0 marquez de Carabá ; era a Gata borralheira, com o seu sapatinho
mignon; era a das Tres cidras, com a enteada enterrada viva e que
cantava, embaixo da terra:
Jardineiro de nieu pae,
Não me córte me« cabello ...
Quando não ouviam essas historias da carochinha ou do arco da velha,
que as embeveciam horas a fio, entretinham-se em brinquedos proprios
da sua idade e que as avósinhas ou as pagens lhes proporcionavam,
como o do toucinho: - tomavam a mãosinha aberta do petiz e; tocan-
do com o indicador o meio da palma, perguntavam:
"Onde está o toucinho que estava aqui?"
"O gato comeu", - respondia o pequeno.
"Onde está o gato?"
"Foi p'r'o matto".
"Onde está o matto ?"
"O fogo queimou."
"Onde· está o fogo ? "
"A agua apagou."
"Onde está a agua?"
"O boi bebeu."
"Onde está o boi?"
"Está carreando trigo."
"Onde está o trigo?"
"A gallinha espalhou."
"Onde está a gallinha ?"
"Está botando ovo."
"Onde está o vovo ?"
"O frade bebeu."
"Onde está o frade?"
"Está dizendo missa."
"Onde está a missa?"
"Está no seu altar."
"Onde está o altar?"
"Está no seu logar."
E começavam a tactear-lhe o bracinho acima, provocando-lhe risos,
ao mesmo tempo que diziam:
- "Lá vae o gatinho atraz do ratinho ... "
Quando não era assim, cuidavam de montar nos joelhos da avósinha
ou da mãe preta, cantando :
Bango balanço,
Senhor capitão,
Espada na cinta,
Alfinete na mão.
-90-
- 92
pen, pan. O panno não subia nem descia sem dois apitos, dados pelo
"ponto": - o primeiro era a "prevenção", para que o homem do
panno ficasse attento; o segundo era a "execução", para que elle me-
tesse o muque ás cordas. E quando gostava da representação, a assis-
tencia chamava os interpretes ao proscenio, gritando estentorica.inen-
te: - Scena! Scena! ...
O carnaval, - que tambem marcava época e tinha bailes de mas-
caras, dos quaes as familias não participavam, mas iam apreciar, de
camarote, pois eram realisados no theatro, · - apresentava, como prin-
cipal attractivo, a tróca de flores: - sahia o "bando'' (hoje dizemos
prestito ) á rua, levando á frente U.'11 0,t._ __ .• - _:·._:,os
fantasiados, munidos de flores de papel ou panno, propondo, ás senho-
ras e senhoritas que se debruçavam ás janellas :
- "Tráca flor. . . tróca flor ... "
Semanas antes do tríduo da alegria ia pelas casas da cidade urna
grande azafama, empenhando-se todos na conf'ccçao elas flores para
serem permutadas e tambem no preparo esmerado cl:ts laranjinhas de
cheiro, feitas com cera derretida, numa íôrma de mnck-irn. Era usada
tambem uma pequena bisnaga, mais ou menos semelhante aos tubos
de pasta dentifricia destes dias, mas que não superava a laranjinha,
que sempre teve extraordinário co11s11111n, l 1 nvnudo -se ás vezes renhi-
das batalhas, as senhoritas nas jruu-llns. os rapa1.cs 110 meio da rua.
Os bailes carnavalescos ele autanho atrahiarn as traviatas de todos os
naipes, de todos os coturnos, envergando fantasias berrantes, dispara-
tadas, quasi todas de um incrível mau gosto. Os rapazes já taludas
cahiam decididamente na folia, e muito homem casado tambem, mas-
carados já se vê, emquanto os filhos-familia contentavam-se em espiar
de longe, com agua na bocca. Porque as familias alli estavam, enchen-
do os camarotes, montando guarda e apreciando as dansas, que por
isso mesmo não descambavam para o exagero.
Excellente divertimento, mas de especie bem diversa, eram, sem
duvida alguma, as eleições. Antes da lei Saraiva, eram ellas em dois
turnos: - a "carneirada" (os votantes) elegia os eleitores da paro-
chia e estes, nas épocas prefixadas, elegiam os deputados geraes e
provinciaes e os carnaristas locaes. Depois da lei que tomou o nome
do procer bahiano, as eleições foram directas. Eram realisdas nas
igrejas, num flagrante desrespeito a local tão sagrado. Em Batataes
as secções funccionavam na Matriz e no Rosario, mas o Jogar, santo
muito embora, não era obstaculo para que, numa ou outra occasião,
surgissem altercações, rusgas, palavrões, quando não verdadeiros "ar-
ranca-rabos". Cada facção sabia a cabalar o eleitordo, pela cidade,
pelos bairros, pelas roças distantes. Havia "cabos" consumados nesse
mister de arrebanhar o povinho para: o exercicio sacratíssimo de sua
soberania ( a ironia dos nomes). E o eleitorado, numa disciplina nunca
vista, convergia em massa para as igrejas, mettido em roupas· de ver
Deus, apertadas as "lanchas" formidaveis em botinas de elastico, 42
- 93 -
para cima. Installava cada grupo sua "casa do boi". A "casa do boi"
era a casa onde o partido punha á disposição de seus adeptos mesa
farta e continuada; alli a caipirada encontrava tudo, do bom e do
melhor, para comer e beber, e só esse regalo compensava de sóbra a
vinda á "villa" e o sacrificio inaudito do calçado. Alguns mais ex-
pertos comiam por dois carrinhos, iam a todas as "casas <lo boi",
tomavam barrigadas, apanhavam indigestões e bebedeiras, recebiam
cedulas de todos e por fim "emprenhavam a chapa" como lhes désse
na veneta, cumprindo o santíssimo dever civico, que para elles não
passava de uma grande patuscada. Os chefões e chefetes. nesses dias
memorayeis, andavam numa lufa-ruía fatigante e, tempos depois, quan-
do appareceram os trolys, corriam de um lado para o outro, empolei-
rados nessas carruagens que, então, representavam o que havia de
mais confortavel em materia de transporte.
O jury constituía egualmente um acontecimento notavel na vida
pacata da cidade. Reunido de tres em tres mezes, abalava o logarejo
e seus arredores. Conheciam-se com antecedencia os réus que iriam
"sentar no banquinho", os que pela certa iriam "tomar fazenda", os
que mereciam "ir p'ra rua". Havia jurados "criminalistas", que da-
vam tudo pela condemnação do pobre diabo que lhes ia ás - garras.
Promotores houve que deixaram fama, como o doutor Canuto (J oa-
quim Canuto de Figueiredo Junior) e o doutor Freirinho ( Augusto
Freire da Silva Juior). Defensores, da mesma fórrna. Meu avô, o
velho José Umbelino Fernandes, deixou fama de valoroso tribuno.
Tambem Antonio Augusto ( Antonio Augusto Lopes de Oliveira),
Antonio J acintho ( Antonio J acintho Lopes de Oliveira), Firmia-
ninho (Firrniano Braga). A's vezes appareciam advogados de fóra.
O jurado que não "cabia no quarto", não arredava pé e ficava "cho-:
cando" a leitura do processo e os discursos inflarnmados da accusação
e da defesa.
As viagens para as localidades visinhas, não ligadas por estrada
de ferro, - Espírito Santo (Nuporanga), Matto Grosso (Aifinopo-
lis), Chapéu (Morro Agudo), Ilha Grande (Jardinopolis), Cuscuzeiro
( Santo Antonio da Alegria) e outros, - eram realisadas a cavallo,
troly ou carro de bois. Levava-se a "matúla", farnel dos mais fartos,
no qual occupava' maior espaço o clássico "virado de gallinha". Exis-
tiam pontos conhecidos de parada para' o almoço, onde os viajantes
desciam, comiam e descansavam, quasi sempre á sombra de um capão,
com boa agua. Na estrada de Espirito Santo havia um capão
a meio caminho, onde toda gente portava, para a refeição ou,
quando não o fosse, para um pequeno repouso. As senhoras monta-
vam em silhão e não dispensavam a amazona, ampla, esvoaçante, e
quasi todas eram eximias cavalleiras. Os homens Ievavam os meninos
á garupa e as meninas ao cóllo, sobre o "Santo Antonio" do sellim.
Quando de troly, occupavam o "assento grande", o "banquinho" em
frente e o Jogar ao lado do "bolieiro", empilhadas as malas na "tra-
1
j
~~
-94-
DICCIONARIO
E
LINGUAGEM DAS FLORES
DAS CORES
DAS PEDRAS PRECIOSAS
com a lista alphabetica das suas significações;
a loteria, o jogo das finezas ;
o oraculo das flores; a loteria e o telegrapho
do a'mor;
e varias poesias sobre o mesmo assumpto.
São as plantas lnmnlâes as qite
produzem. as mais bellas flores.
M. de M.
Quinta Edição augmentada
RIO DE JANEIRO
Publicada e á venda em casa de
EDUARDO & HENRIQUE LAEMMERT
Rua da Quitanda, 77
Rosa .
Cravo .
E assim por diante. Finalmente, a "Loteria do Amor". Conheci
novas edições dessa maravilha, corrigidas e augmentadas, accrescidas
da "linguagem do lenço", da "linguagem do relogio" e outras muitas
"linguagens". Imaginemos agora, fazendo uso do Diccionario, uma
senhorita a offerecer, ao eleito de seu coração, um côco da Bahia para
censurar a ingratidão do rapaz, ou este, numa jura fremente, envia'ndo
á pequena uma abobora menina, quando não désse para manifestar-lhe
seu calor amoroso por intermedio de uma: réstea de alho ...
As casinhas nunca deixavam de estar a:barrotadas de caçarolas
de ferro batido com cabos longos, de panelas enormes com tres pe-
quenos pés e duas pequenas alças, de gamelas e-gamelinhas de ma-
deira, acompanhadas das respectivas colheres de pau, de espetos de
pau ou de ferro, de chaleiras que eram verdadeiras caldeiras, desti-
nadas a ferver a agua para o banho, e de chaleirinhas para a agua
do café, de chocolateiras de folha, de cafeteiras de varias typos, de
uma profusão de canecas de todos os feitios, da taboa, do rôlo e da
carretilha para a massa dos pasteis, de peneiras de varias typos, desde
a grossa para "abanar feijão" á fina para o "fubá mimoso", de taxes
grandes e pequenos, de lavandeiras, de caldeirões, grelhas e "escuma-
deiras". O commodo destinado á casinha, nos fundos do predio, era
commumente de terra batida, "de chão", muito raramente "atijolado",
O fogão, de tijolos ou de terra socada, era' enorme e occupava o
centro do commodo, chapa comprida, de ferro, com muitos buracos.
O fogo era permanente, da madrugada, pois o feijão ia para o lume
ás cinco da manhã, até a'. noite. Ninguem cuidava de fazer economia
de lenha, que havia com fartura e pouco custava. A cosinheira, geral-
mente preta ou mulata, tinha ás suas ordens uma ou mais auxiliares,
meninas da mesma cor, as crioulinhas mencionadas em outro topico,
e ao redor orchestravam desafinadamente, miando e ladrando na
disputa dos ossos e das "muxibas", os gatinhos da casa, - o X1-ningo,
o Bichano, o Xanico, o Romão, - e os cachorrinhos de estimação, em
100 -
1.-
- - - ~· --.---.-~-
<· - 101
22) Flor no peito, burro perfeito.
23) Gato não cae deitado.
24) Emquanto eu corro meu pae tem filho.
25) Panella que todos mexem vira angú.
26) João Gouveia, sapato sem meia.
27) Chove chuva choverá, quem estiver na casa alheia, que ver-
gonha não será.
28) Nada é peixe, quando come não me deixa.
29) Mede largo e corta estreito
30) Ninguem morre na véspera.
31) Gallinha que cantou, botou.
32) Qm:m se a não senta a hora que quer.
33) Encommenaa sem dinheiro fica no Rio de Janeiro.
34) Gallinha 50 'da, .f,
1 r~1Jo vem.
35) Impossível é Deus peccar.
36) Quando a esmola é demais o santo desconfia.
37) Quem vae bater leva sacco.
38) Quem dá e torna a tomar vira cacunda debaixo do mar.
39) Nem todo dia é dia santo.
40) Café sem bucha meu boi não puxa.
41) Quem corre cansa.
42) Quem não tem vergonha todo o mundo é seu.
43) Perdido por mil que seja por mil e quinhentos.
44) Quem casa com caipira vive sempre lambendo ernbira.
45) Quem casa com hespanhol dorme na cama sem lençol.
46) Quem casa com italiano come macarrão todo armo.
47) Quem casa com boticário, anda com a seringa e o mais ne-
cessario.
48) Vergonha é roubar e não poder carregar.
49) Filho de gambá é raposa.
50) Dar na cangalha para o burro entender.
51) Quem tem bocca não manda assoprar.
53) Gato ruivo do que usa cuida.
54) O comer e o gosta'r está no começar.
55) Defunto não engeita cóva.
56) Mulher não casa com carrapato porque não sabe qual é o macho.
57) O melhor da festa é esperar por ella.
58) Cachorro magro enche a barriga e sáe sacudindo o rabo.
59) Ha muita garrafa de zurrapa com rotulo de vinho fino.
. 60) Quando a gente está infeliz cáe de costas e quebra o nariz.
61) Quem tem tempo faz a colher de pau e bórda o cabo.
62) Quem tem quem chore morre todo dia.
63) Quem tem padrinho não morre pagão.
64) Quem tem nojo morre fedendo.
65) Quem não gosta come mais pouco.
66) Para quem não quer tem muito.
102 -
---4!C_ __
- 103 -
Marcha soldado,
r,,1,,,r
" '""''
e mio marchar direito
Vae preso p'r'o quartel.
Santa Clara,
Clareae e derramae,
Isto é chouriço
P'ra o dia de seu serviço.
Dômino uobisco,
Teu pae é arisco.
Oremos,
Teu pae come torresmo.
Moça bonita,
Dos olhos galantes,
Namora com geito,
Não toma quebranto.
Arco da velha,
Cordão de retroe,
Moça bonita
Não chega p'ra nós.
104 -
Antonico pé de mico,
Manoel pé de macaco,
Anionico pica [temo,
Manoel toma tabaco.
José pregueté,
Tira bicho do pé
P'ra tomar com café,
Na porta da Sé,
Com sua mulher.
.Põe o pé no [acâsinho,
Tira o pé do .acas
Pé de pilão,
Carne secca com feijão.
Testo, panella,
Bolor, fedor,
Arrebenta o c ...
De quem p .. dou.
Pé de pato, pr de pinto,
Quem p .. dou que vá p'r'os quintos.
Pito pitou,
Canudo rachou.
Paca, tatú,
Cotia não.
Não será fóra de proposito relembrar umas tantas trovas popu-
lares, muito ao gosto da boa e santa gente daquellas eras que tão
longe vão, cantigas que, conhecidas embora de todos e por todos repe-
tidas, nunca perdiam o sabor. O Oraúna, por exemplo:
Chô, chô, chá, oraúna,
Não deixa ninquem. te pegar,
Oraúna)
i
Tenho dinheiro de prata,
Oraúna,
Para gastar có'as mulata,
Oraúnat
Tenho dinheiro de ouro,
Oraúna,
Para gastar co'as crioula,
Oraúnat
- 105 -
Na porta da venda
Brigou co'o soldado.
Atirei limão corrente
Por cima da sachristia,
Deu na caréca do padre,
Isso mesmo que eu queria.
A Maria Cachucha era móda muito aprecia'da.
Maria Cachucha
Com. quem dormes tú?
Eu durmo sosinha
Sem medo nenhum
diziam os pés quebrados da versalhada, mas a irreverencia de muitos
alterava o ultimo verso da quadra:
Eu durmo sosmha
Com o dedo no ...
,
O patriotismo já, naquelle tempo, fazia vibrar a alma infantil e a
petizada punha todo o garbo para cantar quadras como estas:
Mamãe,
Vae chamar papar,
Que eu ·vou-me embora
Para o Paraguay.
Meu filho,
Tú és tão criança,
O que uaes fazer
No paiz de Francia?
• Mamãe,
Eu sou brasileiro,
Basta só meu nome
Para ser guerreiro.
Ou saudações enthusiasticas, dirigidas a S. M. Imperial, o Senhor
D. Pedro II:
Monarcha excelsa,
Do Brasil gloria,
Astro sublime
No céu da historia.
Muitos, naquellas primeiras quadras, cantavam "No Pariz de
França" ...
Phrase velha em Batataes, naquelle tempo e por todos constante-
mente empregada, sempre que uma pessoa, por vaidade, alardeava o
- 107-
~~-
- 108 -
E como tudo isso está tão distante. E de tudo isso resta apenas
o delicioso pugir de uma saudade ! . . . ·
Movimento republicano
lt : ~~2 fala
medo. Depois daquella data já se , .. ,1 e -;..:. ;i ma.s al-rtam-nte a res-
peito e a mudança ele n:gimem era tida como coisa possível mas muito
remota. Em 1885, pode-se dizer, começou a propaganda. A principio
só havia, em rigor, um republicano verdadeiro, propagandista deci-
dido e denodado, - João Ferreira da Rosa, bacharel em pharmacia e
lavrador -, escandalisando os conterraneos com uma vasta gravata
vermelha, que, em tempos idos, era a cor republicana. Em 1887 mu-
dou-se para Batataes, procedente de Caconde, o doutor Manoel Anto-
nio Furtado, distincto clinico, e a propaganda tomou incremento. Mas,
o mais enthusiasta era João Ferreira da· Rosa, disposto sempre a
affrontar todas as iras monarchicas, promovendo conferencias, fazen-
do abertamente propaganda de seus ideaes e dando á sua pharmacia,
estabelecida á rua 7 de Setembro, entre os largos do Rosario e da Ca-
deia, de sociedade com 'l'homaz Martins de Araujo, a denominação
de "14 de Julho". Com a abolição da escravatura, libertando em
massa todos os míseros capti vos, muita gente boa ficou a pão e laranja,
e por isso mesmo as fileiras escassas cios republicanos engrossaram-se
com muitos neo-republicanos, sem convicções, é verdade, mas, como
todo christão-novo, ultra vermelhos.
A 29 de julho de 1888 conseguiram os republicanos batatacnses
constituir um club. Antes tarde do que nunca, résa, em sua sabe-
doria, o velho brocardo. A assembléa foi realisada em casa do pres-
tante cidadão Joaquim Ferreira da Rosa, na rua da Quitanda, sob a
presidencia de Martinho Ferreira da: Rosa, secretariado pelo irmão,
João Ferreira da Rosa. A essa memoravel sessão compareceram, alem
desses, mais o doutor Manoel Antonio Furtado, doutor Adolpho Eu-
genio Pinto Pacca, Affonso Froemberg, José Esteves de Lima, Boa-
ventura Ferreira: da Rosa, José Paulino Pinto Nazario, Lucio Enéas
de Mello Fagundes, Candido Ferreira da Rocha, José Osorio de Sou-
za, Joaquim Ferreira da Rosa Junior, José Pereira Guimarães Vianna,
Urbano Dias de Carvalho, José Eduardo Garcia, José Antonio da
Silva e Souza, Joaquim Prudente Corrêa, José Feliciano Dias de
Gouvêa, Henrique Monteiro da Silva, Pedro Brasiliense de ÂÍmeida
114 -
quaiquer n ansacção po.itica, devendo ser SLJll! ,L- >L ,o,,;o sut tra-
gados os nomes recommendados pelo centro republicano de São Paulo.
A' directoria do club foram outorgados amplos e illimitados p?deres
para o fim de resolver as questões porventura surgidas em relação á
política local, provincial e geral, "consultando o eleitorado do muni-
cípio sempre que a questão fosse importante". Cinco mezes esvaíram-
se sem que o club recem-organisado désse o ar de sua graça. Não
falam os seus registros e annaes do modo por que se houve a sua
directoria, no desempenho do amplo mandato que lhe fôra outor-
gado por aquelles abnegados vinte e sete republicanos de 29 de julho.
A 25 de dezembro de 1888 o doutor José da Costa Machado e_ Souza,
propagandista da Republica, advogado cm Casa Branca e fazendeiro
em São José elo Rio Pardo, presidente então da Companhia Ramal
Ferreo do Rio Pardo (hoje o ramal de Mocóca da Companhia Mo-
gyana), esteve em Batataes e alli realisou, sob os auspícios do club,
com regular concorrencia, ás seis horas da tarde, uma conferencia
republicana. Produziu uma bella peça, massiça, muito apreciada ,·
muito applaudida. A 6 de janeiro de 1889 reuniu-se o dub em segunda
assembléa, na residencia' de Boaventura Ferreira da Rosa, no largo
da Matriz, O livro da porta accusou a presençade 16 cidadãos, alguns
dos quaes não figuraram na chamada da' primeira reunião : - Marti-
nho Ferreira da Rosa, Lucio Enéas de Mello Fagundes, Adolpho E11-
genio Pinto Pacca, Boaventura Ferreira da Rosa, Antonio Ferreira:
da Rosa, Joaquim Ferreira da Rosa Junior, Alfredo Regis dos San-
tos, Henrique Alves Vieira, doutor Manoel Antonio Pereira Lima,
Henrique Monteiro da Silva, Amando Teixeira Santos, J oaquirn Fer-
reira da Rosa Neto, Adalberto Garcia da Luz, Urbano Dias d·e Car-
valho, doutor Manoel Antonio Furtado e Gabriel José Pereira. Na
ausencia de João Ferreira: da Rosa e Affonso Froemberg, serviu corno
secretario ad-hoc Amando Teixeira Santos. Nessa reunião o doutor
Furtado solicitou exoneração do cargo de vice-presidente, "allegando
diversas circumstancias, que forçaram o club a conceder-lhe a; demis-
são pedida", sendo acclamado Lucio Enéas de Mello Fagundes para
substituil-o. E o novo vice-presidente, tomando a palavra, declarou que
- 115 -
tos, morador na rua do Outro Mundo, lado ímpar, numa casinha que
havia logo adiante do corrego do Castello, e casado com a siâ
Chiquinha, parteira conhecidissima que até 1903 ainda desempe-
nhava galhardamente suas delicadas occupações de obstectriz perita.
A instrucção resumia-se em 3 escolas publicas e 2 particulares; daquel-
1as, uma do sexo feminino, no largo do Rosario, no mesmo predio do
cartorio do 2.0 officio, regida pela professora dona Augusta Eugenia
Fernandes, que a occupava desde 1870, e duas do sexo masculino, a
primeira regida, desde 1.0 de outubro de 1888, pelo professor Americo
Alves Vieira, sobrinho do coronel Lucio Enéas de Mello Fagundes,
na rua do Commercio, lado par, entre o largo da Matriz e a - rua do
Theatro e a segunda. desde 1880. pe.o ~dl-';L.:;, •... ~ •• ,.· :" e." e:,ª ,1e
Xlenezes, na rua Alegre, lado impar, esquina do la::g, ia Cadeia. -
onde esteve, muito tempo depois, a loja maçonica Caridade Univer-
sal -, e destas, uma do sexo masculino, a cargo de Daniel Joaquim
de Oliveira, no largo de Cadeia, e uma do sexo feminino, dirigida por
dona Januaria Mendes Ferraz, casada com o capitão Carnillo Fer-
reira de Menezes e cujas aulas eram dadas no mesmo predio, logo
abaixo da casa do velho D~niel de Oliveira. Funccionava também,
com boa frequencia, o Collegio Millet, do professor Eduardo Millet,
republicano histórico, na rua do Commercio, casa que foi depois de
Gabriel Theodoro Lima, junto á actual Pharmacia Fernando.
Casas de diversões, uma apenas: - o theatro municipal, antigo
São João, na rua do 'l'heatro, esquina elo largo do Rosario, occupado
periodicamente pela Sociedade Dramatica Familiar, que naquella épo-
ca já contava muitos annos de vida, dirigida por Joaquim Augusto
da Cunha e Silva, tragicamente desapparecido num desastre ferrovia-
rio um anno depois, e, de vez em quando, pelos mambembes d~
então, - Ribeiro Guimarães, Arthur Carrara, Moreira Vasconcellos,
etc. A assistencia hospitalar era: inteiramente desconhecida e assim foi
ainda por muitos annos. A religião catholica contava, para seu culto,
com dois templos: - a Matriz e a pequena igreja do Rosário, alem da
capella: da Santa Cruz. O protestantismo só muito mais tarde lá se
acclimatou. A imprensa local, fundada, alguns annos antes, por Cesar
Ribeiro e Gaspar da Silva (Visconde de São Boaventura), que publi-
caram O Seculo, e tivéra depois A União e O Clarim, aquel!e de
Eduardo Garcia de Oliveira e doutor João Paulo Diniz, e este de
Claudio José Gomes e Lucas Garcia, contava, em novembro de 1889,
dois jornaes: - o Trece de Ma.ia, valente semanario redigido por
Affonso Froemberg, coajduvado por Affonso Celso Garcia da Luz,
Soares Junior e Amando Teixeira Santos, com redacçâo e officinas
no largo da Matriz, lado par, esquina da rua Barão de Cotegipe, e
com A Matraca, jornal humoristico, de Guilherme Voss.
Possuia Batataes, quando da proclamação da Republica, 2 açou-
gues, 4 alfaiatarias, 1 salão de bilhar, 1 salão de barbeiro, 7 capita-
listas, 3 advogados, 2 engenheiros, 4 medicos, 6 officinas de carpin-
- 123 -
-
- 131 -
l
- 137 -
suas letras e tinha suas vclleidadcs povt icas. Lembro-me de umas qua-
dras dedicadas á mão ebúrnea ela 11a111u1ada, prendada senhorita do
Chapéu e nas quaes comparava a dextra assvt inacla da eleita a tanta
coisa mimosa, inclusive:
E parece a polpu ria bundu
Da criança q111• li-1'11 /1a/111ada,
concluindo por desejai-a
P'ra castiio ria 111i11/1n bcnyala!
Mas. a pa:- \..;"""· ,.~u '{a-· ••. e U-l1..._,i:..:-i;do. Haja v;sta a
LU H W
trazia, espetada á lapela, uma agulha com linha, explicando, aos que
implicavam com essa exquisitice, que não ia nisso extravagancia, mas
previsão: - era para costurar a roupa no caso de possiveis rasgões ...
Uma occasião, já velho, cheio de achaques, deixou-se ficar definitiva-
mente, fundou um collegio, tudo fazia crer que havia dado rumo
certo á vida, mas estava escripto que para elle nada seria duradouro.
E uma madrugada, no canto socegado de uma alcova modesta, partiu
para a grande viagem. Bella alma esse querido Soares Junior, meu
professor no Lyceu São José, de onde um dia, sem mais nem menos,
abalou para São Paulo, indo leccionar no Collegio São Paulo e Minas,
que funccionava á rua da Moóca, onde está hoje o Grupo Escolar
Fduardo Carlos Pereira, _-\u tempo u, ':' ,:::l de Mtuo publicou um
livro de =ersos, fs.ggrinos; depois disso, muito produziu, em prosa
e verso, mas não quiz saber mais deIivros, irritando-se mesmo quando
alguem lhe falava em enfeixar em volume as producções esparsas.
Delle guardo de memoria uma quadrinha:
Dizes tú que não me queres,
lvlas sempre querendo estás
O amor que as outras 1nulheres
Desprezam por serem más.
E ta'mbem estes versos encantadores, intitulados Bosquejo, que lem-
bram os de João de Deus:
Os sec'los vão se passando,
Os annos vão a correr,
Os dias passam voando,
Das horas. . . nem. sei dizer.
Os homens vão se finando
E a criancinha ao nascer,
Já sabe, nasce chorando,
Pois nasce para morrer,
As aguas do mar immenso,
Do sol ao ardor intenso,
Se evólam, sobem ao ar.
Mas, ai, unia vez reunidas,
Volvem logo arrependidas,
Gota a gota, ao mesmo 1Mr.
E já que estamos a tratar do Treze de Maio, são de suas columnas
estes anonymos
MURMURIOS
E' noite. Suspira o vento
Sobre uma harpa sonoroso,
- 139 -
nto,
Co1110 a rosa, como o ucnto,
Como tudo, passa a vida.
Muito bonito, realmente, tudo: - rimas, metro, grammatica ...
Publicava-se egualmente, naquelle tempo, um sernanario humo-
ristico, A Matraca, dirigido por Guilherme Voss, que muitos annos
depois, fui encontrar em N uporanga, como official do registro geral
e de hypothecas e austero chefe de familia. A Matraca mettia á bulha
o pessoal todo e aquella santa gente se via doida com as suas piadas,
os seus "dizem", as suas alfinetadas. Ao Arthur Albino Correia, por
exemplo, appellidou "typo das bandeirinhas", alcunha que pegou, com
grande quizilia do alcunhado, e isso porque aquelle saudoso cornmer-
ciante costumava, em ditosos tempos taes, enfeitar o estabelecimento,
aos domingos, com bandeirolas multicores, chamando a attenção da
caipirada.
Cerca de anno e meio ficou a cidade novamente sem jornal Foi
quando appareceu, um bello dia, em Batataes, com armas e bagagens,
José Moreira de Figueiredo Vasconcellos, natural de Sant'Anna dos
Olhos d' Agua, filho do velho Vasconcellos Patacuáda, mas ausente,
desde menino, da zona onde vira a luz e onde afinal se tornára extra-
nho. Foi residir no Hotel dos Viajantes, á rua do Commercio, de
propriedade de Amando Teixeira Santos, no trecho entre as ruas
Capitão Andrade e Carlos Gomes, lado ímpar; abriu banca de advo-
cacia, pois era provisionado, e cogitou de fundar um jornal, cujas
officinas installou no largo da Matriz, esquina da rua Coronel Pereira
e alinhamento da do Capitão Andrade, na casa em que posteriormente
residiram Aureliano da Silva Manço e Renato Jardim. E em agosto
de 1892 appareceu O Lutador, apresentando, como O Seculo, A União,
A Evolução e o Treze de Maio, quatro paginas de quatro columnas
e formato mais ou menos 42 x 30. Houve festa na inauguração do
jornal: - o director, redactor e gerente, á frente de numeroso grupo
de pessoas de destaque, dirigiu-se do hotel á séde do periodico, onde
- 140 -
usou da palavra, com a eloquencia que lhe era peculiar, Antonio Au-
gusto Lopes de Oliveira Junior; ergueu-se uma vistosa taboleta de le-
tras brancas em fundo preto, e queimaram-se girandolas. Depois retor-
naram ao hotel e alli foi serviào o obrigatorio profuso copo d'agua, dei-
tando o verbo, em ora.ções inflammadas, o redactor do jornal, Amando
Teixeira Santos, Bento Arruda, Arthur Albino Correia e outros. O
diabo, porem, foi que ninguem conseguiu ler o primeiro numero da fo-
lha, cuja primeira pagina estampava um bem lançado artigo do doutor
José Eduardo Torres Carnara, promotor publico da comarca. E isso
porque, alem de falhas, defeituosos, quasi imprestaveis os typos da
officina, devido ao uso continuado, o Vasconcellos quiz apresentar u:n
jorna, dourado e a purpurina acabou de mut..izar a edição. Xão teve
O Lutador g:-ande duração, pois o Yascnnce1los (não fosse elle Vas-
concellos) acabou com o jornal, liquidou a advocacia e mudou de ares.
Foi para Cataguazes, em Minas, onde fundou A Reacção e cuidou de
fabricar farinha com lyrio do brejo; mais tarde transferiu-se· para o
Rio de Janeiro e cuidava, nos ultimas tempos, da cura da lepra, reali-
sando varias conferencias naquella Capital, em São Paulo e outras
cidades. ·
Appareceu, nessa occasião, pois ia-se tornando moda que o jornal
grande trouxesse o filhote pela mão, O Bogarim, orgam literario, em
papel de cor, formato, - como o d'A Matraca e d'O Clarim, - de
30 x 22, dirigido por Edmundo Teixeira e por um rapazinho de nome
Eduardo, que, como o Edmundo, trabalhava n'O Lutador. Esse jor-
nalsinho veiu a lume no dia 2 de agosto de 1892, com esta apre-
sentação:
"NOSSO PROGRAMMA
Assim como já houve no mundo europeu uma cruzada
de crianças, nós tambem, obscuros typographos d'Õ Luta-
dor, podemos formar entre os combatentes pelo progresso
de Batataes. E' justo, portanto, e louvavel mesmo; que ,;e
derramem, com -perfume d' O B oçarim; um soar de palmas
dos velhos, uma gritaria alegre das crianças, um punhado
de sorrisos do bello sexo e bençãos das mães de familia,
porque elle é uma flor sem espinhos que brota cios serões
dos pequeninos artistas. Elle trará sempre engastados em
suas columnas o riso e a alegria, como suas petalas a pedi-
rem o orvalho da protecção publica. Apparece como es-
trellasinha annunciadora da grandeza da sociedade bata-
taense. Não temos espaço para maiores explanações e re-
sumimos o nosso programma em quatro palavras: - Sere-
mos uteis inda brincando. E vós, leitores, parodiae o gran-
de Mestre dos mestres: - Senite parvulos venire ·ad me.
Deixas as crianças virem a mim.
A Redacção."
- 141 -
Esse jornal, cuja duração foi afinada pela d'O Lutador, custava
1$500 por trimestre, cobrava nas publicações pagas 100 réis por linha
e declarava no "Expediente": - Não acceitão-se publicações offen-
siuas. Mantinha a secção Variedades, de Casusinha; a de Poesias,
em que appareceram estes versos:
Quando Napoleão foi rei da Syria,
Abrahão era pequeno
E lavrador em São Simão.
Mas Jacob e João Minhoca
Os fizeram de bonecos
E"' ·· "UZ çrande [uncção
versos estes de Cagliostro ; a de Charadas, de Colibri, oiferecendo,
como premies, um pé de moleque ao primeiro decifrador e uma petala
d'O Boqariui á primeira decifradora; um roda-pé, quasi sempre sem
pés nem cabeça, intitulado Folhetim, de Pedaço, denunciando no estylo
o dedo do Vasconcellos; e o N oticiario, do qual destaco estes topicos:
"No proximo numero daremos noticia dos Iallecimen-
tos no Rio e dos nascimentos em Batataes."
"Foi encontrado em Berlim um dos volumes extra-
viados na Mogyana, cheio de debentures da geral. E' o
caso de se gritar á vista do jacaré: - Sinhô do cavallo !
Livra!"
"Destraviaram-se na Mogyana alguns passageiros que
vinham de Ri:beirão Preto. O Tenente Felicissimo quer
ver se os descobre nalgum subterraneo misterioso."
Pouco tempo sem jornal e cm 1893 era lançado á publicida-
de O Cosmopolita, scrnanario noticioso, dirigido pelo Professor Mou-
ra Lacerda, que desde 1892 mantinha o Collegio Batataense, no
velho sobrado da familia'. Ferreira da Rosa, á rua da Quitanda, esquina
da das Palmeirs, e sob gerencia de Yvão Nolf Filho. As officinas
e redacção do jornal íunccionavam no predio terreo annexo e O Cos-
. 1mopolita contava com bons collaboradores. Tenho ainda presente o
l'
;}{c artigo referente á morte de Astolpho Vasconcellos, no combate da
Armação, quando da revolta capitaneada pelo Aquidaban. Nesse jor-
.nal o doutor Eduardo Guedes, que tanto tinha de medico como de
maluco, começou a publicar um romance a prestações, - O Phantas-
ma, - que ficou em meio.
Mudando-se para São Paulo o Professor Moura Lacerda, desap-
pareceu O Cosmopolita e Yvão N olf Filho e José Ravoux Darse, que
haviam ficado com o collegio, de então por diante Lyceu Batataense,
lançaram, em 1895, o jornal A Penna, que passou por diversas transfor-
mações e avançou até 1900. Por largo tempo manteve o mesmo formato
dos demais jornaes que a antecederam, mas em fins de 1899 reduziu-o
a 30 x 22. A principio dirigido por aquelles dois professores e depois
- 142
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"UMA PRENDA
Ao A.
/>afumado
N11111 m111<11/1ctc
M inlut 111õo uoc colher a rosa
no mais fresco botão nascida
P'ra o][crrccr a meu amado.
Sobre essa flor quero poisar
}.1 ais 1mza ues a minha bocca,
E, si ahi mesmo, elle tocar,
Receberá beijos de amor.
Prenda occulta da minha fé,
Doce flor, rosa embalsamada,
Pensarás: - Não é tão feliz
Como eu, a pobre namorada.
Batataes, 20 - 1 - 98.
R."
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"REALISMO
E tudo se [indou; e tudo era illusão,
Um sonho, unia utopia, mentira e nada mais !
U11s vôos de poeta, uns vôos collossaes,
Co1'1b aeas cor de rosa ao céu da inspiração!
Eu, rio-me de ti, da louca pretensão
Que tens de embriaqar a todos os nioriaes,
Cone teus sorrisos maus, sorrisos infernaes,
De pallida Phryné que vende o coração.
Eu rio-me de ti, oh paUida Dallila!
Teus labios que a sorrir outr'ora me mostravas,
Eu vejo teu sorrir esirenuo que uacilla.
E digo-te, mulher, em nome do passado,
Tú mereces um catre horrendo de hospital,
Em vez de um perfwmado leito de noivado.
MELANCOLIA
A' R.
Eu vivo triste, qual um, bardo errante
Que busca o berço de seus tempos idos,
E que não acha quem um só instante
Dê o conforto para os seus qemidos.
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Algum tempo mais t.uclv. O ni, cito passou a ser dirigido e redi-
gido pelo doutor Aris: idl's Snpa, nu-clico, e Antonio Sebastião de
Araujo, advogado. O d1111t"r Sl, pa, q111.: para alli íôra procedente de
Casa Br:111ca 1· foi v<·n·,ulw ,. pn•sid,·11k da Cnmara Municipal, era
u111 velho jornalista da rnça, lia1111clu collahnrado cf fcctivamente no
Bem l'ublic» ,. 11'01'.1/1• dr ."..-u" /'1111/11. :111 l.ul» dl' Lafayctle de To-
ledo, e.• 1u1 . Jl111111111th d1· Casa llrnnru p:11:1 1888. Mudando-se depois
para N11po1 anga, 1·scn·via nmti1111:1d:11111·11k 11a fulh:J, local, com os
ps1•11do11y11u1s /. l 'rrsn e.· '/'1 isuulrs, 1· 1.11111)1'111 cnllnhorou no Alnianacli
de N11/101a11yrr, qUl' i\1111'11:111<1 \11tn111n d.i S1k1 k1. publicar cm 1903.
A11to11io Scbnsti.in foi 0111111 pll11ali'>l,1 cl:1 rnt:1 d«· largo tirocínio,
cxccllcntv pt·ssna, l\•11d11 s1•111pr1· p11·p;11;1d.1, p:11:1 passar adiante, uma
discut.r, indignado,
Franca e que haviam feito referencias pouco hsonjeiras
Militou cm Batataes até 1903, retornando para a sua cidade natal, a ve-
lha Ayruóca, de onde, aliás. haviam chegado os primeiros povoadores
de Batataes, e alli redigiu um jornal, que tomou o nome da cidade.
O Direito, mais tarde, por artimanhas do diabo, passou a ser orgam po-
litico, assumindo sua responsabilidade o doutor Altino Arantes Mar-
ques. Nessa sua nova phase appareceu uma secção assignada por Ziei,
mettendo á bulha os politicos adversarios, chronicas que todos attri-
buiam a Synesio Passos, que por isso mesmo supportou uma campanha
injusta, pois os escriptos eram de Adolpho Affonso, ao tempo escre-
vente juramentado do cartorio do jury. Os adversarios sahiram a cam-
po e, pelas columnas d'A Penma, respondeu Respigão aos commenta'rios
de Zizi. O Direito funccionou, a principio, no mesmo predio d' A Lei,
depois na rua do Cornmercio, no predio onde fôra a redacção d'A
Idéa, e, mais tarde, obedecendo a nova orientação, foi para a rua
7 de Setembro, entre as ruas Capitão Andrade e Carlos Gomes, lado
ímpar, numa casa que íôra de José Heitor de Arantes.
Em 5 de fevereiro ele 1899 apparccia O Grito, "ergam critico e
noticioso", propriedade dt' José ele Aquino & Moraes (Evaristo de
Moraes) e gerencia ele Simplicio Ferrt·ira, typogruphos d'O Direito,
todos tres. Dizia o artiqo de f1111du:
:,
l
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Avisos :
1 ." - N:10 se vende lulhl'lc!l de ida e volta.
2." - Nüo lia l11ll1l'lt-~ dt" tl'll l'Í(J.
3.0 - Os 11u.:11i11<1s 11.1d.1 p.ig;u11 11,1 seio ele sua mãe a igreja.
4. -Não pork-m lvv.u out1:is ho1gagcns, alem das boas
0
Não se entende bem o que está ahi escripto, mas parece que o
intuito do jornalsinho era fazer rir, ou por outra, como o Manequinho,
ser util inda brincando. O futuro, porem, se encarregou de desmen-
til-o. Não foi util nem brincou. O teiró velho entre o vigariô e os
jornalistas fez com que o jornalsinho se descontrolasse na linguagem,
appareceram as Cartas de Mim a nós, o padre passou a ser Reueren-
dengo Mi'lti, Lafite, Godinho, e mettida' em dansa sua predilecção
muito pronunciada pelo gramophone, pela macarronada, pelo licor
Creme de ovos e pelo fígado de ganso. Recordo-me de uma quadrinha
visando o reverendo :
Tenho fama de leão,
Mas pareço itma leõa;
De manhã como biscouto
E de noite arrôto brõa !
de São Paulo." t,
Da capital do paiz, bem poucos. Uma ou duas pessoas recebiam
o venerando Jornal do Conimercio, mais algumas a Gazeta de Noticias
e os republicanos _O Paiz. Mais tarde teve optimo acolhimento o Jor-
nal do Brasil. E sem falar tambem numa revista literaria e de modas,
La Soison, tempos depois transformada em A Estação e que era as-
signada por elevado numero de senhoras.
E agora fechemos o capitulo, que já não é sem tempo.
--
Um pouco de polltlca
Estavam as coisas nesse pé. 'I'rcs 011 quatro dias mais tarde,
subindo á tarde! a rua do Commcrcio, ('111 dcmaudn do largo da Matriz,
ao passar pelo estabelecimento conuucrcin] do senhor Adolpho Aran-
tes Marques, o doutor Washington r .uis vncontrou alli o doutor Altino
Arantes, o tabellião Bento Arruda e o coronel Vig ilato Franco, com
os quaes se deteve cm palestra. Como fosse abordado o assurnpto que
andava na ordem do dia, o doutor \i\fashington indagou do coronel
Vigilato qual seria, em face <lo partido de que se cogitava, a attitude
do doutor ~1:'ci.h '"-'" f ôra, ""'"-
nicipio, do Par- '::! 1 Republicano Federal, que o fizera deputado fe .
pelo 7.0 districto. O cor mc:1 Vigilato já havia u,c ipto áquelle facul-
tativo a respeito, aguardando o regresso do mesmo para um entendi-
mento definitivo. Podia, no entanto, assegurar que, fosse qual fosse
a attitude do doutor Furtado, a sua e a de seus companheiros já esta-
va traçada: - se o doutor Furtado se alistasse nas fileiras do novo
partido seria, sem duvida, um dos chefes; se insistisse em se conser-
var no P. R. F., perderia seu concurso e de seus companheiros. E
tão firme estava em sua resolução que chegára a cogitar em resignar
o cargo de 1.0 juiz de paz, só não effectivando essa resolu<iªº por
serem obrigatorias as funcções que exercia.
Diante disso, o Partido Opposicionista ficou na espectativa.
Dado que aquelle medico, cuja chegada estava annunciada para pro-
xirnos dias, acceitasse o encargo de chefiar o partido em formação, .i
Opposição se absteria de ingressar no mesmo, porquanto seus mem-
bros, que representavam a maior parcella do eleitorado do município,
não podiam ser soldados de um partido chefiado por um homem que
nunca dcixára de ser seu adversario acérrimo, e attendendo ainda aos
extremos que haviam separado a política local. A entrega da direcção
ao doutor Furtado dctcrmin.u ia a inviabilidade do partido, cuja ga-
rantia de u11i;10 11ao teria durabilidade, pois a dissiclencia era de facil
previsão. O comicio dP 23 de agosto não firmára nenhum pacto
quanto á organisaçfiu elo Partido Nacional, - e dahi a attitude da
Opposiçâo, mas teve, não ha negar, grande alcance politico, sendo,
como havia sido, um acto de opposição franco, inequívoco, natural
e nobre.
Os commcntarios a que deram ensejo os acontecimentos que ficam
ahi narrados cm linhas geraes, os boatos que fervilhavam como planta
darnninha de todos os tempos, a posição assumida pelos do Partido
Opposicionistas, arrastaram o senhor Renato Jardim á secção-livre
do semanario A Penna, definindo, em publicação de 27 de setembro,
seu modo de encarar as coisas. O coronel Vigilato Franco não quiz
ficar atraz : - no dia 4 de outubro expoz, pelos a pedidos da imprensa
local, seu pensamento e esclareceu pontos que julgava obscuros. Isso
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l
Commercio estalava como um raio, considerada a attitude sempre
mantida pelo decano da imprensa: carioca e visivel como era a prece-
dencia da nota, que começava categoricamente: - "Julgamo-nos au-
torisados a declarar que o senhor Francisco Glycerio não interpreta
perante o Congresso a politica do senhor Presidente da Republica,
como se tem feito acreditar em certos grupos politicos." Era a debacle
do P. R. F. E emquanto o general caminhava para o ostracismo, :i
meditar na precariedade da gratidão dos homens, o ,partido, scindido,
era apeado das posições de mando. E o governo do Estado, nessa
emergencia, appellou para a Opposição de Batataes, que, num passe
de magica, passou a ser o partido dominante, ao mesmo aggregados
agora elementos que haviam pertencido ao P. R . F. , como o coronel
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Qu .
ninguen: porá em duvida; qu_ ,-·
estabelecer o rl'spcctini processo, não soífrc cuntestaçõ
rante a yigencia da Constituic;ãn (!e São l'.1ulo Pc,la saber ,;e
marcar o dia para as eleições faz parte elo proct·sso clcitorai.
Perscruta,ndo-se a: legislação eleitoral brasileira, vê-se que todas
as leis que estabelecem o processo eleitoral, marcam o dia das
eleições; o que significa que o competente para fazer o processo
é o competente para marcar o dia das eleições.
çados, mas dcst ruídos, na qual :til' :,q leis 1w11aes pcr111ittcm o
crime ao çidadâo : ~ a n..:sisll:ncia nctiva a l'.""ª obra tenaz e pe-
quenina de ccntralisaçao acl111i11islrativa, insi11ua<la a principio,
experimentada depois e hoje victoriosa, erguendo desenvolta-
mente o seu cólo ;:iuclatiosn.
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poderosos e uma União assim composta será respeitavel e res-
peitada.
1
1
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1
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rlio cl1· M01 a\',;, iustnurára e enviou o 2.0 delegado auxiliar, doutor
Jtht' Jnaq11i111 Saraiva Junior, que alli chegou, em trem especial, com
u 1:sr I ivào Chr istiano Guimarães, cincoenta praças de policia e varias
a~1·11ks secretas, no dia 7 de fevereiro de 1901. Foram ouvidas cerca
de cem pessoas, todas as de maior destaque na sociedade local. O padre
Vicente Passos, inegavelmente uma envergadura de lutador, homem
de acção, recebido em Batataes com certo enthusiasmo, afim de subs-
tituir o saudoso conego Joaquim Alves Ferreira, fa'llecido em ·fins de
1898 e que Iôra o idolo da população toda, ricos e pobres, sem dis-
tincção de crédo politico, - desavindo-se com algumas pessoas, dado
o seu temperamento impetuoso, creou, sem demora, para todos, uma
· , .~ C0m u correr dos dias essa situação foi-se
aggravando, tomando as o i iicinas maçónicas franca attitude de co111-
bate. Foi quando occorreu o passamentõ de um homem gera1mente
bernquisto no togar, onde residia desde muitos annos e grangeára
fundas amizades, - o velho Pedro Mascagni, fallecido a 9 de julho
de 1900. O padre, num gesto talvez irreflectido, extranhavel num
homem de sua cultura, negou-lhe sepultura no "sagrado", uma
vez que o cemiterio era: parochial, e determinou que o sepultamento
fosse feito na parte "não benzida", destinada aos que morriam íóra
da communhão da igreja, e isso porque Mascagni fôra maçon. Quan-
do a massa immensa que acorrera aos funeraes foi scienti ficada da
extranha decisão, protestou vivamente e obrigou os coveiros a darem
sepultura áquelles despojos no "terreno sagrado". Deixou cerni- o
terio formulando violentos protestos e, como a esquina em que rnornvn
o padre era passagem obrigatória para os que clemnnd:1,:1111 n n·11lrn
da cidade, ouviu certamente sua n·n·n·11diss1111a 11111it:1 1·01 ,:1 qtlt' tnlvc'r.
d1•s1·j;i~s1· ouvir. \,.qto11-i;1~ :1 f:1111ili:1 11t:11~1,11k:i. lt'ltllÍl'íllll
,. rapil 1il,,!I c111 d,_. •k'lr,~;r.1 i' \·n, (hoverm11 11,llw•J,
11,_·s~i11.•11
olld11ricd11d!' N" dir1 :11 ,\e jo11ri1,, il
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