Carta Aos Hebreus e Catolicas 3

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EAD

Carta aos Hebreus

3
1. OBJETIVOS
• Introduzir o estudo da Carta aos Hebreus, apresentando a
situação atual da pesquisa ao seu respeito.
• Considerar a história do texto e sua situação atual.
• Comparar a teologia da Carta aos Hebreus com a teologia
paulina.
• Introduzir os temas mais importantes da carta em uma
leitura sequencial do texto.
• Ler o texto da Carta aos Hebreus, considerando suas par-
tes e suas particularidades.

2. CONTEÚDOS
• Questões introdutórias da Carta aos Hebreus.
• Apresentação do texto da Carta aos Hebreus.
82 © Cartas aos Hebreus e Católicas

• Data e lugar da composição e seus destinatários.


• Estrutura da Carta aos Hebreus.
• O texto da Carta aos Hebreus.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) É muito conveniente que, antes do estudo da Carta aos
Hebreus, bem como do conjunto das chamadas “Cartas
Católicas”, você tenha estudado o Corpus Paulinum. As-
sim, a comparação do estilo e da teologia destas será
mais espontânea.
2) É indispensável a leitura da Carta aos Hebreus. O ideal
seria que isto ocorresse antes do estudo desta unidade.
Para tanto, procure servir-se de uma tradução o mais li-
teral possível.
3) Após o estudo dos primeiros pontos desta unidade, pas-
saremos a estudar a própria Carta aos Hebreus. Desse
modo, recomendamos que você, no decorrer da leitura
dos comentários aqui apresentados, acompanhe o texto
da carta.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
A Carta aos Hebreus é um dos escritos mais interessantes do
Novo Testamento. Ela apresenta uma espécie de resumo do An-
tigo Testamento, mostrando suas figuras, seus eventos, seus mo-
mentos fundamentais e seu desenvolvimento, completando com o
personagem mais importante − Jesus Cristo −, que é apresentado
como Sacerdote, como Pontífice da Fé.
A Carta aos Hebreus, embora seja muito importante no câ-
non do Novo Testamento e na Teologia, não é muito valorizada no
dia a dia pastoral. Infelizmente, ela não é devidamente utilizada
nas catequeses e não tem as devidas considerações quando é pro-
clamada em assembleia litúrgica, especialmente na dominical. Isto
talvez se deva à linguagem e às imagens que o texto apresenta,

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© Carta aos Hebreus 83

que nem sempre são acessíveis de imediato para quem não está
familiarizado com o pensamento de índole hebraica.
Além disso, a Carta aos Hebreus não apresenta um conjun-
to de perícopes tão direcionadas à ética e ao comportamento de
pessoas e de comunidades, e isto é algo que o Corpus Paulinum
apresenta em muitos momentos. A Carta aos Hebreus é mais mar-
cante no aspecto doutrinário, teológico − e isto nem sempre atrai
a atenção dos leitores comuns.
Contudo, a leitura da Carta aos Hebreus abre um horizonte
muito interessante para a teologia bíblica e à própria teologia, pois
se trata de uma visão diferente da paulina, apesar de desta muito
depender. Tal fato dá a entender que, embora haja uma diferença,
também há uma orientação comum em ambos os textos: a Pessoa
e a Identidade de Jesus.
Desejamos que o estudo desse texto bíblico seja marcante e
que o desta unidade seja útil e oportuno a você!

5. A CARTA AOS HEBREUS


Com 13 capítulos e 303 versículos, a Carta aos Hebreus apa-
rece logo após o Corpus Paulinum, do qual, um dia, ela fez parte,
segundo a concepção antiga de que ela era de natureza paulina.
Tal carta é, certamente, um dos escritos mais interessantes do con-
junto dos textos não narrativos do Novo Testamento.
O antigo documento chamado “Codex Chester Beatty II”,
identificado como P46, coloca Hebreus entre as cartas paulinas,
as aos Romanos e a 1ª aos Coríntios, praticamente declarando que
ela é um texto paulino. Com efeito, pela argumentação bem arti-
culada e pelo conteúdo denso, o escrito que a tradição mais antiga
já identificava como Carta aos Hebreus foi considerado uma epís-
tola de Paulo aos judeus da Igreja mãe de Jerusalém.
84 © Cartas aos Hebreus e Católicas

Corpus Paulinum––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Esse termo significa “corpo de Paulo” e se refere ao conjunto de suas cartas. A
palavra corpus é comum na teologia bíblica: temos o corpus profeticum, o corpus
evangelicum etc. O conjunto de escritos que guarda algum tipo de unidade de
autoria, de temática, de gênero, de intensidade ou de outra ordem pode ser cha-
mado de corpus, isto é, de corpo.
Sabemos, porém, que nem todas as cartas atribuídas a Paulo são, inquestiona-
velmente, dele. Temos, assim, as chamadas “cartas protopaulinas” ou aceitas
como autenticamente de Paulo. Temos, ainda, as cartas “deuteropaulinas” ou
atribuídas a Paulo, mas não com a certeza absoluta. Há muita controvérsia a
respeito.
A questão da autoria não se limita ao texto e à materialidade da mensagem. Al-
guém pode, muito bem, ser o autor de um escrito, de uma pintura ou de uma obra
de arte sem ter, necessária ou materialmente, o realizado. O que pode estar lá
expresso é o seu pensamento, os seus valores, as suas intenções etc. A autoria
vai além da materialidade da escrita: ela está no sentido, isto é, no pensamento
expresso.
Assim, o Corpus Paulinum pode ser dito de Paulo, embora algumas cartas não te-
nham, provavelmente, a sua origem nele, mas em seus discípulos. Seguramente,
são paulinas as cartas: aos Romanos; as 1ª e 2ª aos Coríntios; Gálatas; Filipen-
ses; 1ª aos Tessalonicenses; e a Filêmon. Estas são as “cartas protopaulinas”. As
outras, que são chamadas “deuteropaulinas”, conforme visto anteriormente, são:
a 2ª aos Tessalonicenses; Colossenses; Efésios; as 1ª e 2ª a Timóteo; e Tito. Não
há um consenso entre os estudiosos a respeito dessa classificação.
Hebreus, por sua vez, excetuando algumas afirmações no passado e algumas
declarações da Igreja Católica, não foi aceita como paulina.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Complexa em sua concepção argumentativa e em sua lingua-
gem alegórica, bem escrita na língua grega, pontuada por uma te-
ologia de promessa e de cumprimento que se concentra na Pessoa
do Filho e em sua Missão Sacerdotal, Hebreus é um estímulo aos
seus ouvintes e leitores para ter perseverança. Ela pode ser resu-
mida de muitos modos e com muitos dos seus 303 versículos – em
especial, um deles: “somos homens de fé, para a conservação da
alma” (10,39).

Introdução: importância e colocação no cânon


Como vimos, Hebreus já ocupou um lugar proeminente no
Corpus Paulinum. Sua colocação atual − no final do conjunto das
cartas paulinas − sugere a dificuldade de identificar o texto de He-
breus com um escrito paulino autêntico. Além disso, há a questão
da índole do próprio texto: carta ou epístola? Discurso ou homilia?

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© Carta aos Hebreus 85

O texto de Hebreus está mais para uma homilia, para uma


espécie de discurso feito a uma assembleia preparada para ouvir,
que já conhece as partes dos argumentos e que recebe a mensa-
gem de alguém que relaciona essas partes por meio de sua habi-
lidade e do testemunho de sua experiência. Assim, seria possível
falar “Homilia aos Hebreus” ou “Discurso aos Hebreus”, mas isto
tornaria tocante ao preciosismo e cansativo o uso do termo. Dessa
forma, o presente comentário vai identificar o texto como “carta”,
sabendo que, assim, sua índole é mais marcante.

Questões introdutórias
Canonicidade
Houve alguma dificuldade na aceitação canônica da Carta
aos Hebreus. Alguns padres da Igreja questionaram sua autenti-
cidade como escrito cristão e como escrito ortodoxo. O chamado
“Fragmento Muratoriano” cita 13 cartas de Paulo, excluindo He-
breus do conjunto. Ela foi atribuída por alguns, como Tertuliano,
a Barnabé. Outros escritores, como Pelágio e Ambrosiastro, não
citam o texto. São Jerônimo aponta dificuldades na aceitação de
Hebreus por parte dos latinos, mas ele mesmo não dá muita aten-
ção a isto e considera Hebreus um texto canônico. Curiosamente,
Agostinho não reconhece Hebreus como um escrito paulino.
O Oriente cristão − as Igrejas ligadas às antigas Igrejas de lín-
gua grega − está quase sempre a favor da canonicidade de Hebreus
e, além disso, de sua suposta autoria paulina. Assim, encontra-se
essa ideia em Clemente de Alexandria, em Panteno, em Eusébio de
Cesaréia e em Orígenes, que reconhecem em Hebreus um redator
distinto de Paulo que teria ditado o texto.
Autoria, época da composição e destinatários
Autoria: algumas evidências: a própria Carta aos Hebreus
não menciona qualquer autor. Há somente duas informações que
podem fornecer alguma pista para uma dedução.
86 © Cartas aos Hebreus e Católicas

• No trecho 2,1, encontra-se a afirmação: “por isso, é ne-


cessário prestarmos a maior atenção à mensagem que
temos recebido, para não acontecer que nos desviemos
do caminho reto”. O autor, no início da exortação à fideli-
dade, sugere que recebeu junto aos seus ouvintes a men-
sagem à qual deve ser fiel e não deve dela se desviar. Há
uma sugestão de transmissão, como em Paulo, na 1ª aos
Coríntios (15,1-2). A ideia é que o autor possa ser da se-
gunda geração cristã.
• Outro dado a ser considerado é a menção a Timóteo
(13,23): “sabei que nosso irmão Timóteo foi posto em li-
berdade; se ele voltar a tempo, irei com ele ver-vos”. Se-
ria esse Timóteo o colaborador de Paulo que recebe duas
cartas no Corpus Paulinum? Não pode ter havido, apenas,
um Timóteo nos círculos cristãos primitivos. Além disso,
essa informação pode ser uma inserção tardia no texto
− isto para justamente dar-lhe um sentido − embora seja
muito pouco provável.
Hipóteses de autoria: algumas hipóteses foram levantadas
durante a história e outras são levantadas pela moderna teologia
bíblica.
1) Paulo: é a hipótese mais antiga. Hebreus foi muito citada
como um escrito paulino na Antiguidade e manteve essa
identidade, especialmente na Igreja Católica. Hoje, ela é
praticamente abandonada por todos. Contudo, é signifi-
cativo que o pensamento do escrito apresente grandes
influências paulinas. A ficção literária criou a ideia de
uma autoria indireta de Paulo.
2) Lucas: há alguma semelhança de estilo entre Hebreus e
Atos dos Apóstolos. Isto levou Clemente de Alexandria
a supor que Paulo teria escrito em hebraico uma carta,
que depois foi traduzida por Lucas. Todavia, Hebreus não
parece ser uma tradução; embora possa haver algumas
semelhanças entre essa carta e o texto de Atos, as dife-
renças são mais relevantes.

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3) Clemente Romano: esta é uma hipótese levantada por


Orígenes, que pensou, em outro momento, na autoria
lucana de Hebreus. Há algumas afinidades entre a 1ª
Carta de Clemente e a Carta aos Hebreus. Aliás, esse ter-
ceiro bispo de Roma, que foi o sucessor de Pedro, cita
Hebreus nessa sua citada primeira carta.
4) Apolo: era um judeu-cristão de Alexandria, instruído
na retórica grega (cf. At 18,24ss). Assumiu, também, o
empenho missionário, mas não junto a Paulo (cf. 1Cor
1,12;3,4ss;16,12). No entanto, não há qualquer menção
a uma prática epistolar de Apolo.
5) Barnabé: essa hipótese, já levantada por Tertuliano,
é muito destacada. O cipriota Barnabé era da tribo de
Levi, fato que o tornava conhecedor das tradições sa-
cerdotais. Algumas dificuldades podem ser levantadas a
respeito: Barnabé deveria ter evoluído muito na capaci-
dade de expressão e de eloquência para poder compor
Hebreus; então, teria ele superado tão intensamente as
questões relativas ao culto e ao sacerdócio levítico como
apresenta o texto de Hebreus? Sobre a autoria de He-
breus, podemos concordar com Kümmel:
Na realidade, já não é possível determinar a identidade do autor.
Esta conclusão foi tirada por Orígenes […]. A tese […] de que Hb,
dentro do NT, se acha mais estreitamente ligada a Lc e At lingüísti-
ca e conceptualmente, adapta-se às condições mais aceitas apenas
num sentido muito limitado, e prova somente que Hb, como o au-
tor de Lc e At, foi influenciada pela visão de mundo da cristandade
gentílica posterior (1983, p. 528).

Época do escrito: não há menção ao Templo de Herodes, que


tanto deve ter impressionado os visitantes de Jerusalém, assim
como impressionou até aos apóstolos. Não se diz nada a respeito
da catástrofe do ano 70 d.C., quando Roma destruiu o lugar san-
to. Mas parece claro que o texto se serve da ideia e das imagens
do santuário ideal − aquele do Antigo Testamento, independente-
mente de sua realidade física.
Constata-se que o clima vivido pelos fiéis é de perseguição
e de provação, provavelmente após o período de Paulo. O que pa-
rece certo é que Hebreus foi escrita antes da 1 Clemente, datada
88 © Cartas aos Hebreus e Católicas

do ano 96 d.C. Se Timóteo, citado no trecho 13,23, é o discípulo de


Paulo, então ele ainda está vivo, seguramente já ancião. As perse-
guições supostas com a afirmação de 2,1 podem ser as ocorridas
no tempo de Domiciano, entre os anos 81 d.C. e 96 d.C. Esse esta-
do de coisas sugere que o texto tenha sido composto entre os anos
80 d.C. e 90 d.C. Isto coloca Hebreus como um dos últimos escritos
cristãos canônicos.
Quanto ao local no qual o texto foi escrito, as opiniões va-
riam: Roma, Alexandria, Éfeso, Antioquia etc. Todos estes eram
centros cristãos de irradiação da mensagem evangélica. Em 13,24,
encontra-se o dito: “os irmãos da Itália vos saúdam”. Isto pode su-
gerir uma origem romana. Mas não é necessário que por detrás
desse grupo não definido "da Itália" esteja o ambiente de origem.
Esses "da Itália" podem ser um grupo específico em uma comuni-
dade maior; talvez alguns conhecidos dos destinatários ou pode,
até mesmo, ser uma menção indireta dos próprios destinatários.
De qualquer forma, também não há uma indicação clara do
local de origem da composição da carta, a não ser que este era
um local tomado por perseguições e por dificuldades oriundas da
própria vivência da identidade cristã.
Hipóteses de destinatários: aqui está uma das diferenças que
saltam aos olhos entre a Carta aos Hebreus e o Corpus Paulinum.
Enquanto Paulo dirige suas cartas às Igrejas e pessoas, Hebreus
não apresenta destinatário. Este poderia ser qualquer cidade com
uma importante e notável comunidade cristã: Roma, Corinto, Éfe-
so, Antioquia, Alexandria etc.
A favor do destinatário romano, pode-se citar os seguintes
fatores:
• A citada menção aos "da Itália" (13,24) sugere pela ques-
tão da afinidade a possibilidade de que a carta seja dirigi-
da a Roma ou às Igrejas da península itálica.
• A Carta aos Hebreus foi citada por Clemente Romano, o
terceiro bispo de Roma, portanto, papa. Ele a aponta em
1 Clemente 2 − carta essa dirigida aos Coríntios.
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© Carta aos Hebreus 89

• Além disso, no capítulo 13 de Hebreus, aparece em três


lugares a expressão “os que vos guiam” ou algo seme-
lhante (cf. tradução): “lembrai-vos de vossos guias” (vers.
7); “sede submissos e obedecei aos que vos guiam” (vers.
17); “saudai a todos os que vos guiam e a todos os san-
tos” (vers. 24). Essa fórmula é encontrada diversas vezes
na 1 Clemente − o que pode sugerir semelhança literária,
origem/autoria comum ou conceitos aproximados, bem
como destinatários, o que levaria Hebreus a ser destinada
aos Coríntios!
O que parece certo é que Hebreus é destinada aos cristãos
com boa formação nas Escrituras judaicas, de segunda ou de ter-
ceira geração, que enfrentaram ou enfrentam perseguições ou di-
ficuldades pela sua identidade.

6. O TEXTO DA CARTA AOS HEBREUS


Características
Hebreus apresenta uma curiosa estrutura, difícil de ser in-
tuída de imediato, mas que, aos poucos e com diversas leituras,
passa a ser percebida. Nota-se, fundamentalmente, além de uma
introdução (1,1-4) e um epílogo (13,1-25), três partes ou centros
de atenção.
• O Filho superior aos anjos e a Moisés − parte que pode
ser identificada em 1,5-3,6.
• O Sumo Sacerdócio de Jesus − entre 3,7-10,18, parecendo
ser este o núcleo do texto.
• A Fé dos antigos e em Jesus, consequência do que veio
antes − em 10,18-12,29.
Além disso, no tecido do texto, encontram-se diversas in-
terrupções parenéticas, ou seja, instruções éticas ou morais. Elas
estão nos seguintes passos: 2,1-4; 3,7-4,11; 4,14-16; 5,11-6,12;
90 © Cartas aos Hebreus e Católicas

10,19-39; 12,1-13,17. Parece que a parte dogmática ou a exorta-


ção à adesão ao mistério está em sintonia com as consequências
morais que impõem.

Divisão
São muitas as possibilidades de divisão de Hebreus.
1) Por exemplo, pode-se considerar duas partes fundamen-
tais:
• Primeira parte: 1,1-10,18 − parte dogmática.
• Segunda parte: 10,19-13,25 − parte moral.
2) Outro plano estrutural de Hebreus pode ser uma divisão
em três partes:
• Primeira parte: 1,1-4,13 − o Filho revela-se.
• Segunda parte: 4,14-10,18 − o Sacerdócio de Cristo.
• Terceira parte: 10,19-13,25 − a fidelidade na fé.
3) Outra possibilidade de divisão é obtida pelo plano literá-
rio, bem no estilo das exortações gregas:
• Primeira parte: 1,4-4,13 − introdução e apresentação
dos temas.
• Segunda parte: 4,14-6,20 − exposição demonstrati-
va.
• Terceira parte: 7,1-10,18 − argumentos e exortações.
• Quarta parte: 10,19-13,25 − conclusões.
Apresentamos na caixa de texto ao lado um esquema funda-
mental do texto de Hebreus, que parece ser conforme à sua índole
e adequado à exposição que se seguirá.

Esquema fundamental de Hebreus–––––––––––––––––––––––


1,1–4 Prólogo
1,5—2,18 O Filho e os anjos
2,5–18 A redenção: obra do Filho
2,1–4 Exortação à fidelidade
1,5–14 A Escritura anuncia o Filho

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© Carta aos Hebreus 91

3,1—5,10 Jesus Cristo, Sumo Sacerdote


3,1–6 Cristo e Moisés
3,7–19 Estar perante Deus
4,1–13 Ouvir a Palavra
4,14—5,10 Jesus: o Filho e sumo sacerdote
5,11—10,18 Jesus Cristo e a Nova Aliança
5,11–14 Introdução
6,1–8 Motivos
6,9–20 Estímulos e encorajamento
7,1–3 A figura de Melquisedec
7,4–10 Melquisedec recebe o reconhecimento de Abraão
7,11–14 O novo sacerdócio
7,15–25 Sacerdote para sempre!
7,26–28 O sacerdote perfeito
8,1–5 Sacerdócio e santuário
8,6–13 Cristo: o mediador
9,1–14 Cristo: o herdeiro do santuário eterno
9,15–28 Cristo: seu sangue sela a Aliança
10,1–19 Os sacrifícios antigos foram superados

10,19—12,29 A Fé e a perseverança
10,19–25 Exortação à fidelidade
10,26–31 O perigo da apostasia
10,32–39 Exortação à perseverança
11,1–40 A fé dos antigos
12,1–4 A fidelidade de Cristo
12,5–13 A educação em Cristo
12,14–17 O perigo da infidelidade
12,18–29 As duas Alianças

13,1–25 Conclusões
13,1–16 Recomendações
13,17–19 Obediência aos guias
13,20–25 Despedida
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1,1-4: prólogo
O texto de Hebreus começa de modo diferente das outras
obras epistolares do Novo Testamento. Não há um destinatário,
92 © Cartas aos Hebreus e Católicas

uma apresentação pessoal ou uma motivação específica, como é


comum, por exemplo, nos textos paulinos. Todavia, assim como
em João 1,1-18, no chamado "prólogo" do Evangelho joanino,
também em Hebreus 1,1-4 se encontra um denso resumo de al-
guns temas que serão apresentados no corpo da carta.
v. 1: – Revelação histórica: muitos já comunicaram Deus;
— Acento nos Profetas.
v. 2: – Últimos tempos: revelação através do Filho;
– O Filho é "herdeiro de tudo", isto é, "Senhor";
– Por ele foi feito o tempo, isto é, mais uma afirmação de seu
"senhorio".
v. 3: – Filho: "resplendor da glória" e expressão ou "revelação" do
ser de Deus;
– Mantém o universo ou o mundo criado através de sua palavra,
isto é, sua existência;
– Realizou a "purificação dos pecados", isto é, restabeleceu a
ordem original ou fez o papel do sacerdote;
– Glorificação do Filho: identificou-se com Deus e tudo o que
fez e realizou foi obra de Deus, a "Majestade".
v. 4: – O Filho é superior aos anjos, mensageiros de Deus;
– Seu "nome" ou identidade é herdado de Deus, isto é, Ele vem
diretamente de Deus!
Essas ideias servem como uma introdução aos temas que
serão abordados na carta. O centro de tudo é o Filho e a sua co-
municação com o homem, especialmente com Israel, o Povo da
Promessa. Deus sempre se comunicou com esse povo, e agora é o
Filho quem se dá a conhecer. Não são seres intermediários que se
relacionam com o homem para levá-lo a conhecer Deus: é o pró-
prio Filho. Ele está na mesma tradição dos Profetas de Israel que,
no passado, foram testemunhas.
Alguns pontos devem ser aqui recordados: em primeiro lu-
gar, nos tempos da composição de Hebreus, não havia uma clareza
absoluta a respeito da identidade de Jesus. As afirmações de He-
breus são muito fortes para seus ouvintes originais. Além disso, o
autor parte de uma matriz hebraica; ele usa elementos hebraicos,
como, por exemplo, a figura dos antigos como modelos de adesão
à vontade de Deus.

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© Carta aos Hebreus 93

1,5-2,18: o Filho e os anjos


Essa primeira parte do texto de Hebreus, segundo a divisão
apresentada aqui, se trata de um tema importante para seus pri-
meiros leitores. Talvez hoje não seja tão evidente o problema, mas,
naqueles tempos, o assunto “anjos” tinha notável destaque.

Anjos––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A palavra “anjo” é uma possível tradução do hebraico mal’āk e do grego ágge-
los, que significam “mensageiro”. O aportuguesamento da palavra grega fixou
o substantivo “anjo”. Os conceitos são os mais variados possíveis, pois é uma
palavra de amplo e diversificado uso. No Antigo Testamento, um anjo pode ser
um mensageiro de Deus ou o próprio Deus, como em Josué (5,14s). No livro
deuterocanônico Tobias, aparece um anjo que acompanha o jovem que dá nome
a esse livro (Tb 5,5). No texto de Josué, o mensageiro de Deus confunde- se com
o próprio Deus; no texto de Tobias, eles são figuras distintas. No Novo Testa-
mento, os anjos distinguem-se de Deus como nos textos de anunciação: a José,
em Mateus (1,18-25), e a Maria, em Lucas (1,26-46). O certo é que o anjo é um
anunciador de algo importante e decisivo; é como um arauto: porta uma notícia
que dá um rumo novo ou confirma a história, o fato, a pessoa, a missão etc.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1,5-14: a Escritura anuncia o Filho


A perícope inicia com duas perguntas retóricas a respeito da
eleição do Filho: “pois a quem dentre os anjos disse Deus alguma
vez: tu és meu Filho; eu hoje te gerei?” (vers. 5); e “eu serei seu
Pai e ele será meu Filho?”. A ideia é que os anjos, aqui entendidos
como "mensageiros" de Deus ou, mais propriamente, mensagei-
ros da revelação de Deus, não têm um status igual ao do Filho. O
Filho tem a prerrogativa de ser o maior de todos, superando os
tais anjos.
As interrogações retóricas continuam nos versículos seguin-
tes, sempre contrapondo os "anjos" ao Filho e considerando a im-
portância desse último diante daqueles. Os tais anjos são “espíritos
ao serviço de Deus, que lhes confia missões para o bem daqueles
que devem herdar a salvação” (vers. 14).
Encontra-se aqui uma informação subliminar: parece que,
nos ambientes judeu-cristãos do final do primeiro século, havia
94 © Cartas aos Hebreus e Católicas

alguma influência do pensamento acerca dos anjos maior do que


era de se esperar. O autor de Hebreus inicia seu discurso com ar-
gumentos a favor da proeminência do Filho.

2,1-4: exortação à fidelidade


Após a introdução ao tema inicial de Hebreus, seu autor faz
uma pausa para a exortação, como que sabendo da necessidade
de seus leitores/ouvintes. A insistência é na observância cuidado-
sa dos ensinamentos (vers. 1). O tema dos anjos ainda continua
latente, pois eles são, agora, quase que contrapostos aos que ou-
viram a pregação do Senhor e dos que o ouviram − supostamente
as primeiras gerações de discípulos.
v. 1: — Observar com cuidado os ensinamentos;
– Para que aconteçam extravios.
v. 2: — A Palavra anunciada por anjos entrou em vigor;
– Transgressão e desobediência foram punidas.
v. 3: – Também não escaparão os que negligenciarem a salvação;
– A Salvação foi anunciada pelo Senhor;
— Ela foi fielmente anunciada pelos que a ouviram.
v. 4: – Foi testemunhada por sinais, prodígios, milagres e dons do
Espírito Santo.
Nessa pequena perícope de apenas quatro versículos, en-
contra-se uma possível alusão à autoria de Hebreus. No terceiro
versículo, o texto alude à transmissão da salvação feita, como que
em um segundo momento, a quem escreve e aos seus supostos
leitores: “tão grande salvação. Esta começou a ser anunciada pelo
Senhor. Depois, foi-nos fielmente transmitida pelos que a ouvi-
ram”. Isto sugere que o autor de Hebreus e seus leitores originais
são da segunda geração cristã, provavelmente os discípulos dos
apóstolos, herdeiros de sua pregação.

Nesse último parágrafo, foi utilizada a tradução de “A Bíblia de


Jerusalém”, que apresenta o texto com mais fidelidade ao original
grego. Nele, encontra-se uma formulação passiva do verbo com o
pronome da primeira pessoa do plural. A Bíblia da Ave Maria sim-
plesmente traduz: “anunciada primeiramente pelo Senhor e depois
confirmada pelos que a ouviram”. Nessa tradução, o autor e seus

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© Carta aos Hebreus 95

leitores não estão inseridos no texto, ou seja, “os que a ouviram”


são terceiros. Na tradução da Bíblia de Jerusalém, a ideia é que o
anúncio foi feito a quem escreve e a quem lê o presente texto.

25-18: a redenção: obra do Filho


Essa primeira parte de Hebreus está chegando ao seu ponto
alto. Pela primeira vez, aparece o nome Jesus, no versículo nono,
e a argumentação, que tem por fundo os anjos, continua. Mas o
acento está na ação do Filho.
Em primeiro lugar, o texto, citando alguns pensamentos do
Antigo Testamento e alguns das cartas paulinas, apresenta o ser
humano e a sua situação de dependência perante a criação. Tudo
está submetido a Deus: “se lhe sujeitou todas as coisas, nada dei-
xou que não lhe ficasse sujeito” (2,8). Jesus Cristo, feito um pouco
menor do que os anjos, faz parte do que está submetido a Deus.
Ele sofre a morte e depois é coroado de glória.
O autor de Hebreus lança mão da ideia de dependência e
relação entre os seres. É isto o que ele chama de "dependência"
e de "submissão". O Filho submete-se à morte e a todo tipo de
sofrimento e, assim fazendo, tem submetido a si mesmo todo o
universo. Ele conduz tudo à gloria (vers. 10).
Vêm as qualidades de Santificador e de santificados, concei-
tos aplicados, respectivamente, a Jesus e aos fiéis. Todos depen-
dem da ação de Jesus. Hebreus dá voz a Jesus, atribuindo-lhe ditos
que, por sua vez, são a expressão do que o autor compreende a
respeito do mistério de seu anúncio. Assim, lê-se: “– Anunciarei
teu nome a meus irmãos, no meio da assembleia cantarei os teus
louvores” (vers. 12); “– Quanto a mim, ponho nele a minha con-
fiança; e: eis-me aqui, eu e os filhos que Deus me deu” (vers. 13).
O texto segue com o raciocínio de equivalente. Assim como
os filhos têm igualdade – isto é, carne e sangue − entre si, e se o
Filho assumiu essa situação de submissão perante Deus, então ele
96 © Cartas aos Hebreus e Católicas

pode, com base na experiência de dependência, levar os homens


até à sua condição de libertados. Nesse ponto − e, certamente, em
outros da carta −, Hebreus aproxima-se muito da teologia do Evan-
gelho de João. Neste, o Verbo ou a Palavra, a Revelação de Deus,
torna-se fato concreto, vira pessoa humana em Jesus, conforme
declara o Prólogo (Jo 1,1-18). Essa revelação ou demonstração da
Verdade de Deus e, consequentemente, do próprio homem divini-
zado se torna a libertação dele mesmo e de seu futuro.
A Carta aos Hebreus insiste, ainda, na questão dos anjos,
agora para mostrar que a ação salvífica não foi dirigida a eles, mas
à "descendência de Abraão" (vers. 16). De modo indireto, o texto
refere-se, aqui, aos seus leitores originais. Sendo eles a "descen-
dência de Abraão", é a eles que a ação de Deus se dirigiu. Outra
vez, a argumentação é semelhante àquela do Evangelho segundo
João, quando o texto declara: “convinha que ele se tornasse em
tudo semelhante aos seus irmãos” (vers. 17). Tais “irmãos" são os
seres humanos.
No trecho 2,17, Hebreus introduz, ainda que mencionando
apenas, o tema do sacerdócio de Jesus Cristo. Sem citar o nome
de Jesus, o texto identifica-o como o sacerdote misericordioso e
fiel, que expia os pecados do povo. Esse ponto está em grande
acordo com a teologia da morte do Cordeiro, que está expressa
nas primeiras páginas de João (1,36): “e, avistando Jesus que ia
passando, [João Batista] disse: eis o Cordeiro de Deus”. O Cordeiro
é o animal sacrificado que, com o sangue derramado, satisfaz a
culpa do pecado cometido pelo homem que o oferece. Esta será
a teologia expressa em Hebreus mais adiante; aqui, ela começa a
ser esboçada.

3,1-5,10: Jesus Cristo, Sumo Sacerdote


3,1-6: Cristo e Moisés
O autor de Hebreus dirige-se aos seus leitores/ouvintes e
convida-os a considerar a figura de Jesus em relação à de Moisés.
Ele identifica Jesus como "apóstolo" e "sumo sacerdote" da fé.

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO


© Carta aos Hebreus 97

Apóstolo ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A palavra “apóstolo” é de origem grega e significa, fundamentalmente, “enviado”.
O termo é geralmente aplicado para os Doze discípulos escolhidos por Jesus,
como visto em Mateus (10,2). Paulo utiliza tal verbete de modo mais dinâmico:
“apóstolo” é todo aquele que é chamado, como em Romanos (1,1), por exem-
plo, em que ele se declara “chamado para ser apóstolo”. Pode ser, também,
um membro da Igreja, conforme se lê em Atos dos Apóstolos (16,4): “comunica-
va aos irmãos os decretos dados pelos apóstolos e presbíteros de Jerusalém,
recomendando-lhes que fossem observados”. Finalmente, a palavra “apóstolo”
pode ser aplicada ao próprio Jesus, assim como é o caso deste passo de He-
breus (3,1): “Jesus é o apóstolo, o enviado. Se é o enviado, Ele o é por alguém”.
Seguramente, o autor de Hebreus atribui esse envio a Deus.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
As figuras de Moisés e de Jesus são comparadas. Um e outro
são fiéis na missão que receberam. Contudo, Jesus tem maior hon-
ra, pois, na comparação, ele é o arquiteto, e Moisés, a casa. Um
passo depois no texto e o arquiteto passa a ser Deus, e Moisés é o
habitante da casa, sendo Jesus, o Filho. São comparações rápidas,
metáforas dependentes umas das outras, que fazem que as ima-
gens se sucedam rapidamente.
3,7-19: estar perante Deus
Essa perícope se inicia com a menção ao Salmo 95(94), des-
tacando, poeticamente, o final da citação em que se encontra a
ideia de "repouso". A dureza de coração, que é lembrada na con-
tinuação da citação do Salmo, parece ser a incredulidade. Esta foi
a situação dos que saíram do Egito liderados por Moisés. Devido
a essa incredulidade, todos os que de lá saíram e passaram pelo
deserto durante os 40 anos não puderam entrar no "repouso", que
parece ser a comunhão com Deus.
O texto faz menção ao período do deserto citando um passo
de Números (14,29), no qual Deus afirma que os saídos do Egito
e adentrados no deserto não chegarão até à terra prometida, mas
perecerão no deserto. Parece que a comparação é clara: não basta
sair do Egito para estar com a salvação garantida; é necessário pas-
sar pela provação do deserto e aderir ao Deus salvador.
98 © Cartas aos Hebreus e Católicas

Ao falar de deserto, o autor de Hebreus está citando um con-


ceito e uma realidade conhecidos na Escritura. No deserto, Israel
é provado, como se lê em todo o evento Êxodo. Ao deserto, gran-
des figuras bíblicas vão para encontrar-se consigo mesmas e com
o Deus da Aliança, como no caso de Elias, em 1ª dos Reis (19,1-
18). Para o deserto vai Jesus, imediatamente antes do início de sua
pregação − como nos contam os Evangelhos Sinóticos, como, por
exemplo, em Mateus (4,1ss).
Talvez o autor de Hebreus esteja sugerindo de um modo
velado que as dificuldades de seus leitores em seguir a Jesus na
sociedade na qual viviam fosse como os tempos de deserto. A per-
severança na fé introduz ao repouso em Deus, que é a identidade
com Ele, a segurança Nele − a libertação que se segue ao deserto
para os que são fiéis. A incredulidade, por sua vez, impede a entra-
da no “repouso” em Deus.
4,1-13: ouvir a Palavra
Para tudo isso, é necessário ouvir a palavra. Hebreus passa
a falar, particularmente, aos seus ouvintes, e o faz incluindo-se,
usando a primeira pessoa do plural. Eles, o autor e os seus ouvin-
tes, abraçaram a fé (vers. 3) e devem entrar no repouso. Os que
não aceitaram a Boa Nova não entrarão no repouso devido à in-
docilidade.
Ser indócil parece não estar em sintonia, ou seja, não acei-
tar a mensagem da salvação. Isto não ficou no passado de Israel:
outros hão de entrar no repouso de Deus no lugar de Israel, pois a
uma nova chance, um novo dia, um ‘hoje’ (vers. 7) em que se pode
ouvir a voz de Deus. O autor continua a citar o Salmo 95(94) em
sua argumentação.
Os antepassados são mencionados como modelos para a
queda. Eles caem, pois não ouviram a voz de Deus. Nesse ponto,
vem um texto citado na 1ª de Pedro (1,23). Aqui, esse texto apa-
rece em (4,12):

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© Carta aos Hebreus 99

Porque a palavra de Deus é viva, eficaz, mais penetrante do que


uma espada de dois gumes e atinge até a divisão da alma e do cor-
po, das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções
do coração.

A Palavra é a comunicação de Deus; primeiro por meio de


Moisés, já citado nos passos anteriores; depois por meio de Jesus.
Hebreus vai, aos poucos, concentrando sua argumentação em Je-
sus.
4,14-5,10: Jesus: o Filho e Sumo Sacerdote
O texto afirma: “temos, portanto, um grande Sumo Sacerdo-
te que penetrou nos céus, Jesus, Filho de Deus. Conservemos fir-
me a nossa fé” (vers. 14). Depois de abordar a incredulidade como
motivação para não entrar no "repouso" em Deus, Hebreus exorta
à firmeza na fé.
Contudo, o Sumo Sacerdote Jesus não é insensível às fraque-
zas humanas; Ele sabe que os fiéis são frágeis e que, portanto, se
compadecem das mesmas fraquezas, pois ele também padeceu
delas, menos no pecado (vers. 15). Aparece a imagem do "trono
da graça" no sentido de fonte da vida divina. Certamente, é uma
referência à Pessoa de Jesus Cristo, Sumo Sacerdote misericordio-
so.
Em seguida, Hebreus faz uma série de considerações a res-
peito do sacerdócio hebraico. Inicia afirmando: “todo pontífice é
escolhido entre os homens e constituído a favor dos homens como
mediador nas coisas que dizem respeito a Deus, para oferecer dons
e sacrifícios pelos pecados” (5,1).
Entretanto, Jesus é um sacerdote diferente, pois não depen-
de de uma linhagem, mas, sim, de um chamado. Os sacerdotes
dependiam não de sua vontade, mas da linhagem de Aarão. Jesus
não depende de algo parecido, mas herda do Pai a filiação e se
torna, no pensamento de Hebreus, sacerdote.
100 © Cartas aos Hebreus e Católicas

Nesse ponto, a Carta aos Hebreus usa do Salmo 110(109) em


uma leitura real-messiânica. O Salmo tem, dessa forma, uma in-
terpretação que vai além de uma elegia para um rei: é um hino de
glória (lembre-se do "trono da graça”) para o Messias, que aparece
revestido da qualidade de sacerdote por uma identidade eterna,
uma geração divina.
É mencionado o personagem Melquisedec como sacerdote
eterno (vers. 6). Sua menção é para destacar a figura do Cristo −
Ele sim, o verdadeiro sacerdote que se compadece dos seres hu-
manos, que se identifica com eles para poder resgatá-los. Sobre
Jesus, diz-se: “nos dias de sua vida mortal, dirigiu preces e súplicas,
entre clamores e lágrimas, àquele que o podia salvar da morte,
e foi atendido pela sua piedade” (vers. 6). Logo depois, Jesus é
identificado como Filho obediente que realiza a vontade do Pai,
aprendendo com submissão a viver o sofrimento (vers. 7-8). Por
experimentar tudo isso, ele se torna a fonte de salvação.
No final da perícope, volta a imagem de Melquisedec: Je-
sus recebe de Deus, no pensamento de Hebreus, o título de Sumo
Sacerdote segundo a ordem de Melquisedec. Isto lhe dá um sa-
cerdócio que vai além das tradições judaicas – o que torna Jesus
independente de quaisquer convenções.

Jesus Sacerdote ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––


Jesus não era de família sacerdotal, mas, sim, da família de Judá, segundo a
tradição bíblica. José, seu pai, era, declaradamente, da casa de Davi, isto é,
um descendente longínquo da herança real. Decididamente, não havia ligações
familiares de Jesus com o clero de Jerusalém. Assim, Ele nunca foi comparado
aos sacerdotes. Ao contrário, foi severamente questionado por eles nos relatos
dos Evangelhos. Dessa forma, a apresentação de Jesus como Sumo Sacerdote
poderia fazer incorrer confusão nos leitores de Hebreus. A ideia de um sacerdó-
cio não aarônico, isto é, não dependente de tradições familiares e de heranças,
mas, sim, de um personagem misterioso, quase mítico como Melquisedec, foi
uma ideia válida. O sacerdócio de Jesus é como o de Melquisedec: depende,
unicamente, de Deus; não das convenções, mesmo que daquelas das tribos.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

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© Carta aos Hebreus 101

5,11-10,18: Jesus Cristo e a Nova Aliança


Esta é a parte central da carta ou do discurso/homilia aos
Hebreus. Trata-se de apresentar Jesus como o sujeito da Nova
Aliança.
5,11-14: introdução
O autor introduz o importante tema da Aliança em Jesus
Cristo, chamando a atenção de seus ouvintes/leitores para os en-
sinamentos dos mestres. Ele distingue entre os infantis, que pre-
cisam de leite, e os adultos, que desejam o alimento sólido. Claro
está que ele se dirige a quem é adulto na experiência de fé.
Curiosamente, a exortação constata que os leitores se tor-
naram, de alguma forma, lentos na compreensão! O texto serve,
então, para reanimar os que estão desanimados.

6,1-8: motivos
O autor anuncia que não vai apresentar argumentos elemen-
tares a respeito de Cristo (vers. 1) e convida seus ouvintes a elevar
seu espírito. Os que são iluminados recebem o dom do Espírito
Santo e passam a conhecer a beleza da Palavra de Deus. Não por
isso, esses mesmos deixaram de cair e perder tudo o que é de me-
lhor, elencado anteriormente. O sinal da aceitação ou da rejeição
são os frutos, e não os abrolhos (vers. 7-8).
6,9-20: estímulos e encorajamento
O autor sabe que seus ouvintes, embora tenham falhas, es-
tão do lado certo e têm reta intenção (vers. 9). Deus está disposto
a continuar a agir na história e na vida dos fiéis como agiu na vida
de Abraão (vers. 13). A figura de Abraão surge como sinal da fide-
lidade necessária. Ele foi fiel, pois tinha esperança (vers. 19). No
final dessa perícope, tem-se a menção de Melquisedec.
102 © Cartas aos Hebreus e Católicas

7,1-3: a figura de Melquisedec


O texto apresenta a figura misteriosa de Melquisedec, iden-
tificando-o como “o rei de Salém" − entendendo-se essa Salém
como sendo Jerusalém. Ele é sacerdote do Deus altíssimo. Abraão,
já mencionado no pó passo anterior, é lembrando em sua ação de
sair ao encontro de Melquisedec, em Gênesis (14), e oferecer o
dízimo de tudo o que possuía. Melquisedec faz disto uma bênção.
Assim, tem-se um sacerdote do Deus da Aliança antes do es-
tabelecimento da Aliança e antes do sacerdócio. Hebreus afirma:
“sem pai, sem mãe, sem genealogia, a sua vida não tem começo
nem fim; comparável sob todos os pontos ao Filho de Deus, per-
manece sacerdote para sempre” (vers. 3).

7,4-10: Melquisedec recebe o reconhecimento de Abraão


Melquisedec recebe de Abraão o dízimo de tudo que este
tinha. Essa afirmação, em termos de memória histórica de texto,
valoriza a figura de Melquisedec para os argumentos posteriores e
destaca Abraão em sua identidade de origem da Aliança.

Melquisedec––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Esse Melquisedec, um nome certamente cananeu, é um personagem apto para
ser um tipo teológico. Sua presença na Escritura é reduzida, mas a leitura tipoló-
gica feita por Hebreus torna sua imagem de notável importância. Ele se encontra,
em termos narrativos, em Gênesis (14), quando Abraão, ainda Abrão, retorna de
uma batalha contra um tal Codorlaomor (14,12-16). No retorno dessa batalha,
Abraão encontra-se com Melquisedec, o rei de Salém (14,18). O Salmo 76,3, a
tradição judaica e as tradições dos Santos Padres sempre identificaram essa Sa-
lém como sendo Jerusalém. Abraão agradece a vitória oferecendo um sacrifício.
Melquisedec é o sacerdote que faz esse sacrifício. Gênesis (14,18) identifica-o
como “sacerdote do Deus altíssimo”. Se Abraão reconhece em Melquisedec a
dignidade sacerdotal, é porque reconhecia o Deus que ele cultuava, chamado
“Deus altíssimo”. Deverá ser o mesmo Deus de Abraão! Isto é complicado de
compreender, pois, sendo Abraão o primeiro a seguir esse Deus, Melquisedec
entraria na história sem as devidas considerações literárias e teológicas com
alguma dificuldade. Enfim, o texto de Gênesis, embora importante em seu con-
junto, não tem desenvolvimento.
O capítulo 14 é isolado do conjunto dos outros capítulos no ciclo de Abraão. A
figura de Melquisedec estaria, dessa forma, isolada do resto da Escritura, exceto
por uma menção indireta no Salmo 76(75),3, na qual se fala na realidade de
“Salém” como lugar da tenda de Deus; e no Salmo 110(109),4, um Salmo real,

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© Carta aos Hebreus 103

em que o rei é indicado pelo salmista como “sacerdote para sempre, segundo a
ordem de Melquisedec”. Será a Carta aos Hebreus, nos capítulos aqui analisa-
dos, que destacará sua figura e lhe dará relevo.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

7,11-14: o novo sacerdócio


Aqui estamos: no núcleo dessa parte e de toda a Carta aos
Hebreus. Trata-se de apresentar a nova situação inaugurada com
Jesus Cristo, o Filho do Pai, superior aos anjos, superior a Moisés,
que é o Sumo Sacerdote de uma ordem eterna, simbolizada por
Melquisedec.
O sacerdócio levítico não é perfeito, pois houve necessidade,
segundo o autor de Hebreus, de um novo sacerdócio, não depen-
dente da carne. Esse sacerdócio é o de Melquisedec, não o de Aa-
rão. Com um novo sacerdócio, vem uma nova lei. Isto é claro para
Hebreus, pois o sacerdócio antigo dependia da família de Levi, da
descendência de Aarão; o novo sacerdócio começou com um des-
cendente de Judá, nada tendo a ver, diretamente, com Moisés.

7,15-25: Sacerdote para sempre!


O novo sacerdócio que Hebreus propõe não depende da lei
nem das tradições levíticas. Tudo isso está abolido em função da
nova situação, ou seja, com “este outro sacerdote, que surge à
semelhança de Melquisedec” (vers. 15). Agora há um sacerdócio
para sempre, “segundo a ordem de Melquisedec” (vers. 17). E, as-
sim, surge uma esperança melhor, que aproxima o fiel de Deus.
É fundamental que se compreenda que Hebreus deseja
apresentar Jesus, já declarado superior aos anjos, superior tam-
bém aos sacerdotes levitas e ao próprio sacerdócio estabelecido e
conhecido por seus ouvintes. Ele é superior, pois tem uma origem
também superior: Deus. E isto vem pela imagem de Melquisedec
− essa figura quase mítica, que simboliza algo além desse tempo e
de seus limites.
104 © Cartas aos Hebreus e Católicas

O autor de Hebreus, mais uma vez, serve-se do Salmo


110(109), agora atribuindo a Deus um juramento a respeito do sa-
cerdócio do rei. Jesus já é o superior aos anjos, é o revelador de
Deus. Ele agora é “sacerdote para sempre” (vers. 21). Tornou-se,
então, a garantia da Aliança, que agora é melhor que a antiga. Ele
não morre como os outros sacerdotes; é sacerdote para sempre, e
“por isso que lhe é possível levar a termo a salvação daqueles que
por ele vão a Deus, porque vive sempre para interceder em seu
favor” (vers. 25).

7,26-28: o sacerdote perfeito


Hebreus passa, então, a elencar as virtudes desse Sumo Sa-
cerdote: “santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores e
elevado além dos céus“ (vers. 26). Ele não precisa renovar os sa-
crifícios assim como os outros sacerdotes, pois se ofereceu a si
mesmo uma vez por todas (vers. 27).
Lei e Palavra − essa última no sentido de revelação feita por
meio de Jesus Cristo no Novo Testamento − são contrapostos: a lei
estabeleceu sacerdotes limitados; a Palavra estabeleceu um “Filho
eternamente perfeito” (vers. 28). É assim que o Sumo Sacerdote é
o Filho de Deus, como já fora abordado nas passagens introdutó-
rias de Hebreus.

8,1-5: sacerdócio e santuário


A Carta aos Hebreus fala de uma “tenda verdadeira”, arma-
da por Deus, e não pelos homens. Certamente, a referência é à
tenda da reunião, em que as tribos que formavam o Povo de Israel
deviam encontrar-se antes da construção do Templo. Essa tenda
era o Santuário, que depois evoluiu para o formato de Templo. A
imagem é do encontro entre Deus e o seu povo, com a mediação
de um sacerdote. Na exposição de Hebreus, esse sacerdote está
sentado ao lado do trono de Deus. É clara uma menção a um sa-
cerdote com funções reais; não apenas um representante de Deus
no meio do povo, mas uma presença do próprio Deus.

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© Carta aos Hebreus 105

A carta apresenta de um modo escatológico o sacerdote,


que é a ponte entre Deus e os homens. Ele não é como os que já
oficiam o culto: é superior a eles, pois eles são a sombra (vers. 5),
e esse sacerdote é a verdade. Enquanto Moisés, a anterior origem
da relação de Deus com seu povo no Antigo Testamento, precisa-
va imitar o modelo ideal do Templo, agora, o verdadeiro lugar de
culto, de encontro, é Cristo. Este é o sentido do início da perícope
seguinte.

8,6-13: Cristo: o mediador


O ministério de Cristo é superior, pois Ele é o mediador da
Aliança bem melhor. O texto da perícope apresenta uma profecia,
que é marcada pelo pensamento e pelas palavras textuais de Je-
remias.
O texto de Jeremias apresenta o futuro de uma nova Aliança,
quando Deus conduzirá o seu povo pela mão, demonstrando inti-
midade e responsabilidade. Será uma Aliança diferente, superior
àquela surgida com a libertação do Egito. Não será uma aliança de
comportamento; ela será mais profunda. O texto diz que:
Esta é a aliança que estabelecerei com a casa de Israel depois da-
queles dias: imprimirei as minhas leis no seu espírito e as gravarei
no seu coração. Eu serei seu Deus, e eles serão meu povo (vers.
10).

O conhecimento do Senhor será a chave da Aliança. Com


uma "nova Aliança", a antiga torna-se "velha". E aqui está uma
afirmação complexa e difícil em Hebreus: “ora, o que é antiquado
e envelhecido está certamente fadado a desaparecer” (vers. 13).
O texto fala do desaparecimento da Aliança que se tornou
velha. Trata-se da Aliança do Antigo Testamento em detrimento
àquela que acontece no Sumo Sacerdote, sentado à direita do tro-
no de Deus. A Antiguidade e a consequente ultrapassagem da An-
tiga Aliança estão em função de sua limitação diante da plenitude
da Nova Aliança. Ela é feita com o Sumo Sacerdote, da mediação
da Aliança em Cristo (vers. 6). É fundamental isto: a superação
106 © Cartas aos Hebreus e Católicas

da Aliança do Antigo Testamento está em função da plenitude na


Nova Aliança em Cristo.

9,1-14: Cristo: o herdeiro do santuário eterno


Hebreus apresenta, agora, três longas perícopes, todas ten-
do como pano de fundo o sacerdócio do Antigo Testamento e as
suas práticas. Nessa primeira perícope, vê-se as imagens:
Santuário terrestre
Tenda
Santo e Santo dos Santos
Altar e objetos destinados ao culto
Sacerdote e sumo sacerdote
Ritos e oferendas
Cristo e a obra que realiza em si mesmo
Esses temas são o tecido que compõem essa recapitulação
de tudo o que foi dito até agora. Hebreus começa a concluir seus
temas e o faz apresentando de maneira plástica (descritiva) o San-
tuário e as funções que o sacerdote lá realiza. O sacrifício realizado
no Sumo Sacerdote da Nova Aliança não é dependente de objetos
e sinais, mas é realizado nele mesmo.

9,15-28: Cristo: seu sangue sela a Aliança


Hebreus deixa claro que não é pelo sacrifício de animais e
pelo uso de objetos distintos da pessoa do sacerdote que o sa-
crifício perfeito se realiza, mas, sim, no próprio Sumo Sacerdote
da Nova Aliança. Ele é o sacrifício, o local de encontro, a própria
Aliança. Isto pelo seu sangue, o “sangue da aliança que Deus vos
ordenou” (vers. 20).
Para os leitores da carta ou da homilia ou, ainda, da exorta-
ção destinada aos Hebreus, esse ponto é de notável importância
e compõe, com 7,11-14, dois eixos que sustentam a revelação da
Nova Aliança. Ela acontece na pessoa de Cristo, que é a realidade
que antes, no regime da Antiga Aliança, devia acontecer com sinais
e símbolos. Em 9, 26, lê-se:

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© Carta aos Hebreus 107

Do contrário, lhe seria necessário padecer muitas vezes desde o


princípio do mundo; quando é certo que apareceu uma só vez ao
final dos tempos para destruição do pecado pelo sacrifício de si
mesmo.

A Aliança realiza-se em Cristo. Em 7,11–14 e nas perícopes


anteriores e posteriores a ela, a ideia do sacerdócio de Jesus Cris-
to ser eterno, dependente de Deus e não das condições humanas
históricas, foi declarada e fundamentou o papel do Cristo, do Mes-
sias. Agora Hebreus declara que a Aliança acontece nele, pois ele é
o sacerdote. Vem, então, as consequências desse estado de coisas.
Serão os assuntos da próxima perícope.

10,1-18: os sacrifícios antigos foram superados


Os sacrifícios realizados à luz da Antiga Aliança foram su-
perados, pois dependiam de ofertas e vítimas que não levavam à
perfeição quem as oferecia. Hebreus cita o Salmo 40(39),7-9, que
declara:
Não quiseste sacrifício nem oblação, mas me formaste um cor-
po. Holocaustos e sacrifícios pelo pecado não te agradam.  Então
eu disse: Eis que venho (porque é de mim que está escrito no rolo
do livro), venho, ó Deus, para fazer a tua vontade.

Esses versículos são citados por Hebreus em chave ou em


compreensão cristológica. São aplicados a Jesus Cristo, como cum-
pridor das promessas e centro da verdadeira Aliança. É o corpo de
Jesus Cristo, sacrifício e sacerdote, que se encontra a santificação,
a comunhão com Deus, desejada na Antiga Aliança e realizada na
Nova. “Foi em virtude desta vontade de Deus que temos sido san-
tificados uma vez para sempre, pela oblação do corpo de Jesus
Cristo” (vers. 10).
O trecho seguinte, dos versículos de 11 a 18, é a afirmação
de tudo o que foi dito até agora. Parece a conclusão do argumen-
to. De fato, nos próximos versículos, inicia-se a última parte, que
aborda a fé e o seu testemunho. No versículos 11, o texto afirma
que os sacerdotes são incapazes de anular os pecados. Em contra-
108 © Cartas aos Hebreus e Católicas

partida, é Cristo quem o faz de modo decisivo, sendo Ele próprio


uma oferenda perfeita.
O versículo 18 é uma conclusão lapidar da argumentação:
“ora, onde houve plena remissão dos pecados, não há por que ofe-
recer sacrifício por eles”.

10,19-12,29: a Fé e a perseverança
O texto de Hebreus poderia ser dividido em duas partes: de
10,19 a 10,39, com algumas exposições de motivos para o ânimo
diante do inesperado da vida. De 11,1 a 12,29, vários exemplos e
argumentos relativos à perseverança na fé.

10,19–25 Exortação à fidelidade


O autor de Hebreus inicia com uma inferência: ele garante a
"entrada no Santuário" por meio do sangue de Jesus. É um modo
metafórico de indicar a identidade de Jesus, o verdadeiro e pleno
sacerdote e, ao mesmo tempo, a oferenda. Hebreus concentra sua
atenção cada vez mais na Pessoa e na Missão de Jesus. No versí-
culo 21, ele é chamado de "sacerdote eminente", com autoridade
sobre a casa de Deus. Essa retidão vem da fé que é, por sua vez,
adesão interior, de inteligência e de vontade ao mistério de Deus
revelado em Jesus Cristo.
Para manter essa situação, é necessário que o fiel seja per-
severante, estimulado à caridade que é, fundamentalmente, uma
relação que se tem com Deus. Essa relação deve ser comunitária,
e, nesse sentido, Hebreus insiste na participação das assembleias.
Na prática, insiste na identidade de quem crê com o grupo que
professa a fé em Jesus Cristo.
Nesse ponto, aparece a ideia de “dia”.

Dia do Senhor––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Essa expressão, “Dia do Senhor” ou Dia de Yhwh tem múltiplos significados. O
texto é este: “não abandonemos a nossa assembleia, como é costume de alguns,
mas admoestemo-nos mutuamente, e tanto mais quando vedes aproximar-se o

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© Carta aos Hebreus 109

Grande Dia” (10,25). A questão da “assembleia” não deve aqui se restringir a um


ambiente celebrativo, mas deve ser ampliada para a própria realidade da Igreja.
Trata-se de uma possível apostasia em função das dificuldades da escolha. Já
o termo “Dia” ou a expressão “Grande Dia” tem algo a ver com o Antigo Testa-
mento. Pode ser o momento da justiça de Deus, quando Ele deverá fazer que
tudo seja esclarecido e dado a conhecer; pode ser o tempo da ira, quando Deus
deverá manifestar sua autoridade em favor dos eleitos. O contexto parece aqui
sugerir uma manifestação de Deus que determinará toda a história.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

10,26-31: o perigo da apostasia


Apostasia é a negação da fé e do modo de crer já feito ante-
riormente. Essa situação é comentada com cores fortes pelo au-
tor de Hebreus quando, partindo de Moisés e de sua lei, chama
o exemplo de alguém que transgride a mesma lei. Ele precisa ser
excluído da comunidade que crê. Duas ou três testemunhas de-
vem ser apresentadas para a acusação da transgressão da Aliança.
O castigo que Hebreus sugere é fruto da ação: “quanto pior castigo
julgais que merece quem calcar aos pés o Filho de Deus, profanar
o sangue da aliança, em que foi santificado, e ultrajar o Espírito
Santo, autor da graça!” (vers. 29).
Profanação do sangue da Aliança e ultraje do Espírito Santo:
parecem ser estas as piores atitudes de apostasia. Quando ocor-
rem, elas merecem uma vingança. Nesse ponto, Hebreus apresen-
ta a difícil argumentação do castigo (vers. 30) e conclui com uma
afirmação lapidar: "é horrendo cair nas mãos de Deus vivo” (vers.
31).

A situação apresentada em Hebreus é sugestiva. Se há essa men-


ção da apostasia e da situação que ela cria nos fiéis e nas comuni-
dades, é porque existia, efetivamente, o fato. Deixar a comunhão
da Igreja ou deixar a assembleia (vers. 25) deveria ser algo muito
doloroso. Hebreus compara com o ato de pisar o Filho de Deus
e calcar o sangue da Aliança. É o rompimento com a Pessoa de
Jesus Cristo, chamado, aqui, de Filho de Deus, e com sua mis-
são, identificada com o sangue da Aliança (vers. 29). Isto deveria
acontecer em tempos difíceis, de perseguição e consequente pro-
vação. Essa circunstância provoca, segundo Hebreus, o ultraje do
Espírito da graça. Considere-se uma situação de animosidade de
muitos grupos sociais sobre a Igreja nascente!
110 © Cartas aos Hebreus e Católicas

10,32-39: exortação à perseverança


O autor de Hebreus dirige-se aos seus ouvintes com uma in-
tensa intimidade: traz-lhes à lembrança as origens de sua experi-
ência religiosa com Jesus Cristo (vers. 32). Recorda-lhes o fato de
serem apresentados como "espetáculo" em função da adesão a
Jesus Cristo (vers. 33). Talvez a ideia aqui fosse que os cristãos es-
tariam em inferioridade, seriam menos inteligentes ou capazes...
ao mesmo tempo, os fiéis eram solidários com os sofredores que
encontravam.
Ao que parece, a sociedade do tempo da Carta aos Hebreus
era acentuadamente marcada por perseguições e contradições,
frutos da adesão a Jesus Cristo. No pensamento do autor da carta,
é fundamental que os lideres da fé em Jesus Cristo tenham condi-
ções de indicar o caminho e de ser firmes e decididos na adesão
ao Senhor.
A carta faz menção, ainda que não claramente articulada,
a alguns fatos dolorosos: prisões e espoliações (vers. 34). Certa-
mente, são lembranças de acontecimentos que marcaram a ex-
periência de fé dos ouvintes da mensagem agora lida. Tudo isso
tem como consequência uma recompensa que deve ser sempre
recordada (vers. 35).
A perseverança é um tema recorrente na carta. Os ouvintes
devem perseverar, o que dá a entender que alguma dificuldade
pudesse haver. A insegurança da fé em um mundo violento, egoís-
ta e absurdamente impessoal, no qual o poder é o que determina
os fatos. Essa esperança pode ser relacionada com a justiça e a fé.
Em 10,38, a carta afirma: “meu justo viverá da fé. Porém, se ele
desfalecer, meu coração já não se agradará dele”. Assim dizendo,
Hebreus faz entender que as dificuldades do discípulo, vindas da
própria decisão de seguir o Mestre, não são motivos para uma de-
serção, mas, sim, para a perseverança.

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© Carta aos Hebreus 111

11,1-40: a fé dos antigos


O capítulo 11 de Hebreus é rico de imagens, de memórias da
História da Salvação expressas no Antigo Testamento. Ela é uma
história de fé e adesão ao Deus da Aliança feita por homens frá-
geis, mas que permitem que a ação divina ocorra em sua vida. Des-
sa forma, a história pessoal transforma-se em história de salvação,
não apenas para quem a vive, mas para quem está próximo, para
quem depende ou tem relação pessoal com os "heróis" da fé.

A Carta aos Hebreus é assim chamada pela tradição em torno de


seu texto e pelo conteúdo que apresenta. Não teria muita lógica
entendê-la como sendo dirigida aos pagãos que, originalmente,
não têm a formação adequada na Escritura e não poderiam com-
preender, de imediato, os exemplos que o capítulo 11 apresenta.
Note o estudante que o autor da carta aos Hebreus faz uma conci-
sa, mas muito válida, memória da caminhada de Israel como povo
e comunidade de fé.

O texto do capítulo 11, um verdadeiro elogio dos "heróis",


começa com uma definição de fé de grande envergadura: “a fé é
o fundamento da esperança, é uma certeza a respeito do que não
se vê” (vers. 1).
• Fé: Fundamento da esperança;
Certeza do que não se vê.
• Fundamento da esperança: fundamento é base, apoio
elementar e estrutural. Dizer que a Fé é fundamento da
esperança é declarar que, sem fé, é impossível olhar o fu-
turo com confiança. A esperança é um dom que necessi-
ta, por sua vez, de ser alimentado. O que pode alimentar
a esperança do fiel é a fé. Ela o leva a compreender os
limites, mesmo que eles estejam além de sua possibilida-
de de acesso.
• Certeza do que não se vê: certeza é a segurança de algo
que está proposto. Já a certeza do que não se vê é de-
clarar que há coisas além do que se observa diretamente
112 © Cartas aos Hebreus e Católicas

neste mundo. Algo está proposto e não pode ser ainda


visto. A certeza do que não se vê é a posse de seguranças
ou de vitórias ainda não alcançadas. A certeza do que não
se vê deve ser alimentada na comunidade que viu Jesus
ou que recebeu o seu testemunho de outros.
Esperança que determina a relação com o mundo e a visão
de algo que ultrapassa o próprio mundo. Hebreus (1,1) apresen-
tou uma definição de fé que surpreende pela amplitude e inten-
sidade. No versículo seguinte, lê-se que foi pela fé que houve o
testemunho dos antigos. Partindo dessa afirmação, apresentada
como confirmação da existência do dom da fé, a carta propõe os
exemplos.
• Criação (vers. 3): primeiro é a criação que é declarada
como obra da Palavra. Ela cria o mundo gera das rela-
ções.
• Abel (vers. 4): sua ação, um sacrifício motivado pela fé,
agradou a Deus, que a aceitou.
• Henoc (vers. 5-6): é uma figura citada apenas de passa-
gem em Gênesis (5,22ss). No judaísmo daqueles tempos,
sua figura era importante e muito valorizada.

Assim como há os livros apócrifos relativos ao Novo Testamento, às


suas figuras e aos seus acontecimentos, também há os apócrifos
relativos ao Antigo Testamento. Dentre o conjunto dos chamados
“Apócrifos Judaicos”, que citam o Antigo Testamento, encontram-
se muitos textos atribuídos ou que citam Henoc. Alguns deles são:
Livro dos segredos de Henoc, Livro Hebraico de Henoc, Livro dos
Vigilantes, Epístola de Henoc e outros. No chamado Livro dos Vi-
gilantes, encontram-se muitas histórias de anjos, com os nomes e
funções as mais diversas. Isto influenciou muito algumas correntes
de pensamento judaico nos primeiros séculos de nossa era.

• Noé (vers. 7): é o herói do dilúvio. Segundo Hebreus, foi a


fé que o levou a realizar a salvação da espécie humana e
das espécies animais quando da inundação do dilúvio.

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© Carta aos Hebreus 113

• Abraão (vers. 8-12): o pai de Israel partiu e construiu a


história de Israel das origens. O que o levou a seguir o
chamado foi a fé. Hebreus apresenta, também, Sara, os
filhos de Abraão, e fundamenta tudo na perspectiva da
promessa: Abraão e seus filhos acreditaram na Palavra
do Senhor e olharam para o futuro com segurança. Esse
futuro foi comparado a um céu estrelado, e os descen-
dentes de Abraão foram comparados, numericamente, às
estrelas.
A realização da Promessa (vers. 13-16): a fé demonstrou, na
vida de Abraão, a busca da terra prometida. Hebreus fala dessa
procura da parte dos descendentes de Abraão e anuncia que, se
houve a busca da pátria terrestre, seguramente há uma pátria ce-
leste.
A provação de Abraão (vers. 17-19): o episódio do quase sa-
crifício de Isaac, em Gênesis (22), foi motivado pela fé. Por ela,
Abraão recuperou seu filho e a promessa seguiu definitivamente.
Os Patriarcas (vers. 20-22): Hebreus cita a bênção de Isaac
sobre Esaú e Jacó, e deste sobre seu filho, José. Já o patriarca José
levou seus irmãos, germe do futuro Israel, para o Egito, de onde
sairiam no futuro e, pela mesma fé, deu ordens, segundo Hebreus,
a respeito desse momento ainda por vir.
Moisés em sua vida antes do Êxodo (vers. 23-26): Hebreus
apresenta a atuação de Moisés antes do Êxodo como sendo mo-
tivada pela fé. Desde seu nascimento, passando pelo resgate das
águas até o retorno para o grupo dos hebreus.
Moisés no Êxodo (vers. 27-29): a fé motivou ou animou Moi-
sés no embate com o Faraó. Levou-o a celebrar a Páscoa, a aspergir
o sangue para que o anjo exterminador poupasse os primogênitos
dos hebreus. Conduziu-o até o Mar Vermelho para a fuga através
de suas águas.
114 © Cartas aos Hebreus e Católicas

Na terra de Canaã (vers. 30-31): foi a fé que levou à conquis-


ta da terra de Canaã, com a tomada de Jericó e a intervenção de
Raab.
Após esses detalhes de fatos, de pessoas e de suas ações
motivadas pela fé, Hebreus faz uma inferência ao seu respeito. Re-
corda, brevemente, personagens diversos, como Gedeão, Barac,
Sansão, Jefté, Davi, Samuel e os profetas, afirmando que foi a fé
que eles realizam suas ações, como a conquista de reinos, prodí-
gios diversos, bravura, resistência na tortura etc. A ideia é que a fé
cria a história.
É nesse sentido que a definição de fé no início do capítulo é
de fundamental importância. Ela não se apresenta como uma de-
finição meramente conceitual, mas como um expressão concreta
do fato de crer – certeza, posse.
O final do capítulo apresenta o sentido que o autor desejava
apresentar: algo maior era esperado por aqueles que ele elogiou.
Assim também deve ser com seus ouvintes: eles estão agora imer-
sos nas dificuldades da adesão a Jesus Cristo; mas deverão receber
uma recompensa enorme se mantiverem sua decisão de segui-lo.
Isto lhes será dado como resposta de fé, pois, agora, eles vivem
neste caminho: o caminho da fé.

12,1-4: a fidelidade de Cristo


O argumento central dessa perícope já foi introduzido pe-
las considerações anteriores na perícope da fé e da memória dos
antigos. Eles fizeram sua história, agora compete aos que creem
fazerem a sua própria. Curiosamente, o modelo de fidelidade é o
próprio Jesus Cristo.
O desprezo das vantagens e a aceitação da cruz é paradigma
de seguimento da vontade de Deus para a Carta aos Hebreus. Je-
sus realiza a vontade de Deus na contradição da vida, e, assim, faz
real a salvação.

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© Carta aos Hebreus 115

12,5-13: a educação em Cristo


O argumento aqui é a correção como expressão de educa-
ção. O autor insiste na ideia que Deus corrige o pecador, e essa
correção, tal como um pai faz com seu filho, é para a responsabili-
dade da vida e gera a segurança do futuro.
Talvez o autor de Hebreus esteja pensando na correção de
seus próprios ouvintes. A adesão a Jesus Cristo é exigente e deve
ser constante, decidida. Não pode haver um abandono, um arrefe-
cer da fé. Talvez os ouvintes originais de Hebreus estivessem dei-
xando o desânimo tomar conta de sua expectativa e esperança,
balançando na fé. Por isso, o autor recorda que é necessária a cor-
reção paterna para que aconteça a liberdade da maturidade.

12,14-17: o perigo da infidelidade


É nesse sentido que essa perícope deve ser lida. Os fiéis em
Jesus Cristo devem ser perseverantes, não desistindo de sua iden-
tidade, do modo como Esaú desistiu da bênção paterna por uma
refeição. O tamanho do dom recebido com a fé é maior do que se
pode esperar humanamente. Mas a possibilidade de abandonar
esse projeto de vida e de seguimento é sempre muito real, pois os
fiéis estão sendo, continuamente, postos à prova.

A adesão a Jesus Cristo é exigente e não produz vantagens ime-


diatas para quem a faz. Por isso, o autor de Hebreus recorda das
dificuldades que ela poderá impor. Lembre-se de que o cristia-
nismo nascente encontrou muitas dificuldades no mundo judaico
e no mundo pagão. O cristianismo não era hegemônico; antes,
apresentava-se fragmentado por tendências diversas. Hebreus
encontra-se, seguramente, em uma situação na qual a adesão ao
Mistério de Jesus Cristo poderia ser prejudicada em função das
divergências e diversidades dos fiéis.

12,18-29: as duas Alianças


Concluindo essas argumentações relativas à fé e à adesão do
Mistério de Jesus Cristo como sinal dessa fé, Hebreus apresenta
116 © Cartas aos Hebreus e Católicas

a imagem das duas alianças. A primeira aliança, aquela do Antigo


Testamento, que, seguramente, os ouvintes de Hebreus conhe-
ciam muito bem, era assinalada pelos grandes sinais da presença
da Deus. A segunda aliança é a que nasce da proximidade com o
monte Sião e a Cidade do Deus vivo, identificada com Jerusalém.
O mundo visível é passageiro, efêmero. Hebreus está decla-
rando para seus leitores que tudo isso passará e, por isso, é ne-
cessário estar fiel ao caminho que Jesus Cristo estabeleceu. Tudo
desaparecerá, mas ficará o reino inabalável de Deus, para o qual é
necessário guardar o bem e a graça (vers. 28).

13,1-25: conclusões
Depois de enlencar modelos de fé e exemplos de abandono
da fé e depois de apresentar as motivações para o seguimento de
Jesus Cristo, o Sacerdote e Senhor, a Carta aos Hebreus inicia o tom
de conclusão. São apontadas algumas considerações a respeito da
conduta dos fiéis, o que é interessante, visto que a parte ética da
carta não é muito desenvolvida. Em seguida, são apontados, mais
uma vez, alguns elementos indispensáveis para a vida do discípulo
e fiel em Cristo. Finalmente, são feitas algumas recomendações
quanto ao respeito dos líderes. A carta vai ser concluída com dois
epílogos.

13,1-16: recomendações
A hospitalidade e os anjos: nos primeiros versículos (1-3), a
Carta aos Hebreus considera a necessidade do amor fraterno, cer-
tamente como sinal da adesão a Jesus Cristo. Esse amor parece ser
testemunhado com a hospitalidade. Nesse ponto, a carta cita pas-
sagens do Livro do Gênesis, de Juízes e de Tobias, livro deuteroca-
nônico do Antigo Testamento. O assunto é o ato de ser hospitaleiro
e suas vantagens, pois alguns personagens do Antigo Testamento
receberam anjos, mensageiros de Deus. São essas as passagens
que Hebreus recorda:

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© Carta aos Hebreus 117

– Gênesis 18,1ss: A teofania de Mamrê, quando o Senhor se apre-


senta para Abraão na forma de três visitantes misteriosos que
anunciam a próxima gravidez de Sara.
– Gênesis 19,1ss: Os anjos da teofania anterior vão até Sodoma
e Gomorra, cidades pecadoras no julgamento de Gênesis. Lá eles
são acolhidos pelo sobrinho de Abraão, Ló. Acolhidos e defendidos
corajosamente. Isto dá a Ló a possibilidade de fugir da destruição
iminente.
– Juízes 6,11s: Aqui aparece a vocação de Gedeão, importante juiz
de Israel pré-monárquico. Um anjo lhe aparece e o vocaciona.
– Tobias 5,4ss: O filho de Tobit, Tobias, encontra o anjo Rafael que
se propõe acompanha-lo em sua missão.

Nesses episódios, o tema é a presença dos anjos, mensa-


geiros de Deus e protetores dos personagens que, por ser justos
e íntegros, têm a proteção dessas criaturas misteriosas. O que é
fundamental nesses versículos não é tanto a imagem dos anjos, a
consideração de sua existência ou não: o que é mais importante
é a afirmação da proteção do Deus da Aliança sobre quem é fiel.
Abraão foi fiel à sua vocação de ser o pai do Povo Eleito; Ló foi fiel
na proteção de seus hóspedes; Gedeão foi atento ao chamado de
Deus; Tobias e Tobit foram fiéis aos costumes de seus antepassa-
dos por respeito a Deus.
Dessa forma, Hebreus sugere que a hospitalidade, sinal de
abertura e sinceridade, é uma atitude que determina a história.
Os anjos são aqui apresentados não como seres superiores, mas
como sinais da presença do Deus da Aliança e da história.
1) O matrimônio: o versículo 4 afirma a necessidade da fi-
delidade ao compromisso do matrimônio. A menção do
leito conjugal é não apenas uma metáfora para o com-
promisso dos esposos, mas uma imagem real da fideli-
dade.
2) Amor ao dinheiro: Hebreus 13,5-6 alerta para que seus
ouvintes não tenham amor ao dinheiro ou que este não
seja o determinante de sua conduta.
3) Fidelidade à Palavra: os dirigentes da comunidade que
recebe a Carta aos Hebreus são apresentados como
118 © Cartas aos Hebreus e Católicas

anunciadores da Palavra. O texto faz uma alusão ao tér-


mino da vida destes dirigentes, e não desenvolve o as-
sunto com alguma indicação clara a respeito. Talvez seja
o martírio. Ele é proposto como ideal a ser seguido.
Nesse ponto, inspirado na ideia do testemunho, Hebreus
apresenta a exortação que, no cristianismo, se tornou axioma: “Je-
sus Cristo é sempre o mesmo: ontem, hoje e por toda a eternida-
de” (vers. 8). Em função da identidade de Jesus Cristo e do seu
seguimento, o fiel é convidado a não seguir doutrinas falsas.
1) Diversas recomendações: entre os versículos 9b e 16,
são apresentadas diversas recomendações. Partindo das
ideias de conduta alimentar, muito próprias do judaís-
mo, Hebreus exorta a confiar em Jesus Cristo, não no uso
de alimentos.
Jesus é apresentado, mais uma vez, como santificador que
sai fora do acampamento, sinal do sacrifício de redenção, como o
sacrifício de vítimas (animais imolados ritualmente). Também os
fiéis devem sair e se expor aos riscos do seguimento de Cristo. Afi-
nal, eles, o autor e os leitores de Hebreus, estão aqui, nessa terra,
de passagem. O versículo 14 afirma, em outra passagem, que se
tornou axioma: “não temos aqui cidade permanente, mas vamos
em busca da futura”.
Para concluir essa passagem, Hebreus faz uma consideração
muito oportuna. Visto que o judaísmo se servia de sacrifícios ani-
mais na liturgia do Templo, e isto era função eminentemente sa-
cerdotal, aqui, Hebreus dá um salto teológico: afirma como mais
importante a beneficência e a comunhão, certamente relativa ao
Mistério de Jesus Cristo. Esses elementos são mais importantes do
que os sacrifícios.

13,17-19: obediência aos guias


Os guias são os dirigentes da comunidade. Segundo Hebreus,
eles velam pela vida dos fiéis. Não são citados ministérios especí-
ficos, como em alguns lugares do Corpus Paulinum e das Cartas

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© Carta aos Hebreus 119

Católicas. Eles são, ainda que indefinidos nesse texto, os responsá-


veis pela condução da comunidade, os que devem dar o testemu-
nho de vida e de fé.
O versículo 18 sugere que o autor, pelo uso que faz da pri-
meira pessoa do plural, no recurso do plural majestático, esteja in-
cluído no grupo desses dirigentes. A sugestão é que ele está longe
da comunidade para a qual se dirige. Não há referência a qualquer
nome, pelo menos, nesse ponto.
O que aqui pode estar acontecendo é uma intervenção re-
dacional, pois no versículo 23 é citado Timóteo, que teria sido li-
bertado. Sua presença nesse versículo e a ideia de que o autor
de Hebreus será libertado forma a imagem de Paulo nas cadeias,
escrevendo para uma comunidade ou um conjunto de comunida-
des.

13,20-25: despedida
Hebreus apresenta duas conclusões, o que é curioso e faz
levantar algumas hipóteses. A mais evidente é, como em muitos
passos da Escritura, uma intervenção redacional. Esse tipo de re-
curso literário é usado para completar um texto ou parte de um
texto que, no modo de ver de um escriba ou um copista, pode ter
ficado vago. O escriba ou copista,então, muda o texto, “melhora”
o texto, em sua maneira de pensar. Nem sempre é realmente uma
melhora. O que pode acontecer é aparecerem mais dificuldades
ou desviar o sentido da mensagem.
Aqui o que parece é uma intervenção redacional no sentido
de relacionar o texto da Carta aos Hebreus com São Paulo, nos
tempos de seu cárcere, provavelmente o segundo cárcere roma-
no. Este não é o tempo anotado pelo livro de Atos dos Apóstolos
(28). A tradição da Igreja antiga afirma que Paulo, depois de liberto
do primeiro cativeiro romano, teria, ainda, viajado até a região do
que hoje é a Espanha e, somente então, voltado para Roma, onde
teria sido, mais uma vez, preso, e, nessa segunda vez, condenado
120 © Cartas aos Hebreus e Católicas

à morte. Assim, essa segunda finalização do texto de Hebreus pa-


rece relacionar Paulo a Timóteo, discípulo de Paulo. Este estaria na
Itália, isto é, Roma. Estaria recentemente libertado, como afirma
o versículo 23.
• Primeiro epílogo: esta parece ser a despedida original da
Carta aos Hebreus. O autor faz uma ação de graças a Jesus
Cristo (vers. 21). Ele tornou os ouvintes da carta dignos e
aptos para seguir sua vocação, seu chamado.
• Segundo epílogo: este parece ser colocado pelo redator.
Tenta-se seguir o estilo paulino (vers. 22). Timóteo é cita-
do sem qualquer outra referência (vers. 23). No versículo
24, volta o estilo supostamente paulino, com a lembrança
da saudação de "os da Itália". O versículo 25 oferece a
graça em uma bela saudação que conclui todo o texto da
Carta aos Hebreus: “a graça esteja com todos vós”. Alguns
manuscritos acrescentam a expressão "Amém", dando ao
texto uma conotação de prece ou louvor.

7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Nosso estudo não estaria completo sem uma averiguação
dos conhecimentos adquiridos nesta unidade. A leitura do texto
da Carta aos Hebreus e o estudo do que aqui foi apresentado deve
ser acrescentado de mais pesquisas e, oportunamente, debates
com outros estudantes.
O que apresentamos aqui são as questões autoavaliativas,
uma proposta para ser realizada individualmente, na modalidade
Ensino a Distancia, ou na mesma modalidade, mas em grupos de
estudo, sendo usado como roteiro de debate e aprofundamento.
Para um adequado conhecimento do texto da Carta e das
considerações teológicas e literárias ao seu respeito, é muito opor-
tuno esse item, as questões autoavaliativas. No decorrer do es-

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© Carta aos Hebreus 121

tudo para as respostas, o estudante deve partilhar suas opiniões,


comparar e seguir conforme acredita, considerando que a Escri-
tura tanto do Antigo quanto do Novo Testamento são fontes de
conhecimento e vida para o estudante e o fiel.
1) Existe alguma evidência de que Hebreus seja um texto
paulino?
2) Qual é o tema fundamental de Hebreus, ao redor do
qual tudo está relacionado na carta?
3) Tendo em vista a argumentação da Carta aos Hebreus,
intensamente relacionada com o pensamento hebraico,
pergunta-se: é possível considerar essa carta como um
escrito para judeus de um cristão de origem judaica que
deseja expor sua fé aos convertidos do judaísmo?
4) A imagem que Hebreus faz de Jesus Cristo é múltipla.
Cite algumas dessas imagens.
5) Por que Jesus Cristo é comparado aos anjos na Carta aos
Hebreus?
6) A atitude de Jesus Cristo, na aceitação de sua vocação
como sacerdote, apresenta sua Pessoa e sua Missão de
qual forma, segundo o pensamento da Carta aos He-
breus?
7) Quais personagens do Antigo Testamento são citados na
Carta aos Hebreus e relacionados a Jesus?
8) Qual é o papel de Melquisedec na argumentação da Car-
ta aos Hebreus?
9) Em que sentido Jesus Cristo é apresentado como Sumo
Sacerdote?
10) Depois de ler o texto bíblico da Carta aos Hebreus e de
ter estudado esta unidade, bem como consultado algu-
mas obras que lhe dizem respeito, como pensar a Carta
aos Hebreus com base no Antigo e no Novo Testamento?
Em outras palavras: pode-se dizer que ela é uma espécie
de resumo dos dois testamento?
122 © Cartas aos Hebreus e Católicas

8. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, conhecemos a Carta aos Hebreus e a sua es-
trutura, seus textos e a data de sua elaboração.
Já na Unidade 4, analisaremos as Cartas de Pedro.
Vamos lá?

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DEN BORN, A. van (Org.). Dicionário enciclopédico da Bíblia. Petrópolis: Vozes, 1985.
DUSSAUT, L. A Epístola aos Hebreus. In: COTHENET, E. DUSSAUT, L. FORT, P. le. PRIGENT, P.
Os escritos de São João e a Epístola aos Hebreus. (Tradução de M. Cecília de M. Duprat).
São Paulo: Paulinas, 1988.
JEREMIAS, J. Jerusalém no tempo de Jesus: pesquisas de história econômico-social no
período neotestamentário. (Tradução de M. Cecília de M. Duprat). São Paulo: Paulinas,
1983.
HAWTHORNE, G. F.; MARTIN, R. P. (Org.). Dicionário de Paulo e suas cartas. São Paulo:
Vida Nova; Paulus e Loyola, 2008.
LÉON–DUFOUR, X. Vocabulário de Teologia Bíblica. Petrópolis: Vozes, 1972.
MONLOUBOU, L., DU BUIT, F.M. Dicionário bíblico universal. Petrópolis: Vozes, 1997.
VANHOYE, A. Sacerdotes antigos e sacerdote novo: segundo o Novo Testamento.
(Tradução de Ronaldo Brito). São Paulo: Academia Cristã; Loyola, 2007.
VAUX, R. de. Instituições de Israel no Antigo Testamento. (Tradução de Daniel de Oliveira).
São Paulo: Teológica; Paulus, 2003.
VOUGA, F. A epístola aos Hebreus. In: MARGUERAT, Daniel. Novo Testamento: história,
escritura e teologia. São Paulo: Loyola, 2009.

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