Juizo Final
Juizo Final
Juizo Final
MATEUS)
GOIÂNIA
2006
1
MATEUS)
GOIÂNIA
2006
2
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
FERREIRA, Francisco Albertin. And when the Son of Man will come… The Last
Judgment in Matthew 25,31-46. Goiânia: Universidade Católica de Goiás, 2006.
The present dissertation discusses the Last Judgment that is a current theme of
investigation. This is due to the fact that the three major monotheistic religions
approach it in their religious essence. In judaism, it is related to the acts of piety
present in the Old Testament; in christianity, to acts of mercy which involve a
compromise of love to God and neighbor and are fundamental for obtaining
salvation; and, in Islam, the good or evil that one practices with his brothers are
important acts for either gaining paradise or ending in hell. In the first part, the
question of text in its context is approached: the social reality of the Roman Empire,
of the judeo-christian community, in Antiocus, and the necessity of solidarity that this
text expresses. In the second part, there is a complete exegesis in all its steps to the
Last Judgment (Matthew 25,31-46), within these, there is the delineation, the
structure, the linguistic configuration, the wording, the characteristics of God present
in the text and much other exegetical informations. In the third part, the updating of
the message of the Last Judgment is presented which has, as its base, three
dimensions: the personal, ecclesiastical and social, where, according to Jesus’
teachings, the acts of mercy, practiced in relation to the least of God’s creature, here
and now, will be decisive at the Last Judgment, when the Son of Man will judge each
according to his acts.
2 Rs : 2 Reis
Sl : Salmo
2 Sm : 2 Samuel
ss : seguintes
Tb : Tobias
Tg : Tiago
2 Tm : 2 Timóteo
1 Ts : 1 Tessalonicenses
v., vv. : versículo, versículos
Zc : Zacarias
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 12
4 Análise Literária.................................................................................................. 47
CONCLUSÃO...................................................................................................... 160
REFERÊNCIAS................................................................................................... 168
12
INTRODUÇÃO
comunidade, um casal muito pobre me disse que tinha acabado de se mudar para
fazendo dois dias que todos estavam sem comer e que não havia nada em casa. Os
Vicentinos sempre ajudam nesses casos. O fato é que, pelas suas regras, primeiro
o que demora por volta de uma semana -, e eles não podiam esperar, porque
mas, por incrível que pareça, não foi preciso, isto porque, assim que entrei na
vizinha, tinha acabado de deixar uma cesta básica para distribuir a alguma família.
Ora, a conversa com o casal não demorou mais do que sete minutos. Vi, neste gesto
pesada, e juntamente com o casal me dirigi até a pequenina casa por eles alugada.
Assim que colocamos a cesta no chão, a filha, de nome Renata, que contava com
mais ou menos dois anos de idade, disse: “olha, papai, tem arroz e nós vamos ter
hoje o que comer”. Naquele instante, veio, à minha mente, a “Parábola do Juízo
Final”, principalmente a passagem que diz: “tive fome e me destes de comer” (Mt
25,35). Eu estava com muitos compromissos naquele dia, mas, no momento, pensei:
13
pra que ficar com tantas preocupações se, muitas vezes, esquecemos o essencial?
necessitados naquilo que eles precisam. Naquele dia, decidi, se Deus me desse a
graça, que escreveria, um dia, sobre o que é o essencial na fé cristã, pois muitos,
como eu, às vezes se preocupam com muitos afazeres e se esquecem daquilo que
Jesus nos deixou como sendo o mais importante: são as obras de misericórdia aos
estamos praticando a justiça. Assim sendo, decidi escrever sobre: “E quando vier o
secularizado.
A modernidade traz, em si, várias conquistas nos mais diversos campos, onde
a isto muitos outros êxitos nos mais diversos ramos sociais. Todavia, a modernidade
gerou um abismo entre os países ricos e os países pobres. Segundo Santos (1999,
p. 293), “calcula-se que 1 bilião de pessoas [...] viva em pobreza absoluta, ou seja,
dispondo de um rendimento inferior a cerca de 365 dólares por ano. Do outro lado
mundial”.
ser da sociedade atual. Michael Ramminger (2004, p. 221) diz que o neoliberalismo
éo
consomem 70% do rendimento mundial, isto equivale dizer que 85% desta ficam
com apenas 30%. Resultado: poucos ricos e uma maioria esmagadora pobre. Numa
pobreza absoluta ou na miséria com menos de U$1,00 (um dólar) por dia.
sobre este termo, segundo Peter L. Berger (1985, p. 119): “Por secularização
Por outro lado, diante dos nossos olhos, não podemos deixar de enxergar a
somarmos os adeptos das dez maiores religiões do mundo, vamos chegar à incrível
marca de 74,79% da população mundial1, isto sem computar os dados das religiões
restantes.
Juízo Final - Mateus 25,31-46 - tendo, por base, os ensinamentos de Jesus Cristo,
questiona a todos aqueles que se dizem “cristãos”, ou seja, de acordo com o site
1
1. Cristianismo – 2.106.962.000; 2. Islamismo – 1.283.424.000; 3. Hinduísmo – 851.291.000; 4.
Religiões Chinesas – 402.065.000; 5. Budismo – 375.440.000; 6. Sikhismo – 24.989.000; 7. Judaísmo
– 14.990.000; 8. Espiritismo – 12.882.000; 9. Fé Bahá’í – 7.496.000; 10. Confucionismo – 6.447.000.
15
questiona também, de uma certa maneira, àqueles que se dizem muçulmanos, num
ao Juízo Final. No seu histórico sermão, disse aos seus seguidores no vale de
Jesus, filho de Maria, o mensageiro de Allah, [...] Mas Allah fê-lo ascender até Ele,
Alcorão Sagrado (9:7,8) diz: “Aquele que fizer um bem, que seja do peso de um
átomo, vê-lo-á; e aquele que fizer um mal, que seja do peso de um átomo, vê-lo-á”.
Ambos se referem à salvação dos fiéis, e os que praticarem o bem irão para o
paraíso (céu) ou os que praticarem o mal irão para o inferno. Tudo é uma questão de
conduta do crente durante a sua vida terrena até o dia do Juízo Final.
dentre eles Jesus Cristo. Assim sendo, o próprio indivíduo é o único responsável por
seu destino na outra vida, ou seja, se praticar o bem, irá para o paraíso, se praticar o
islamismo, tudo será uma questão de praticar o bem ou o mal para com os irmãos.
Disso depende a vida eterna (paraíso) ou o inferno. Com isso, pode-se dizer que,
16
morte, onde se terá a vida eterna ou o paraíso para quem praticar o bem e o inferno
para quem praticar o mal, e isto vai ocorrer no Juízo Final. Somando-se o judaísmo
que tem as obras de piedade, este número chega a 3.405.376.00, ou seja, 50,07%,
Todavia, este trabalho não vai descrever o islamismo ou o modo de viver dos
muçulmanos ou comentar qualquer outro dado. O que foi escrito acima tem como
única pretensão ilustrar a importância do tema abordado, o qual está dividido em três
passa por uma crítica textual e pela tradução do texto denominado “Juízo
Final”. Logo após, são feitas a análise literária, a análise das formas, a
teológica;
Neste último item da dissertação, é comentado que o Juízo Final não vai
agora, são os critérios decisivos para que o “Filho do Homem” realize o julgamento
final.
18
Síria.
Mas não é possível conhecer tal realidade social se antes não se tiver, em
mente, o que foi o Império Romano e o modo pelo qual interferiu diretamente na
Romano, enquanto tal, não é o objeto de estudo deste trabalho. Apenas serão
isso, ficará mais fácil entender a realidade social da cidade de Antioquia, bem como
Síria.
19
O verbo dominar é muito forte, ainda mais quando se trata de uma conquista
(31 a.C. a 14 d.C.). Jesus nasceu neste período, muito embora tenha sido morto
Antes de se chegar aos escritos de Mateus, por volta do ano 85, houve outros
imperadores: Calígula (37-41); Cláudio (41-54); Nero (54-68); Galba, Otão, Vitélio
seu domínio ao longo de sua duração - calcula-se que o Império Romano possuía
por volta de 80 milhões de habitantes. Foi um grande estadista e fez uma grande
serviço postal eficiente. Buscou pessoas sábias e experientes para ocuparem cargos
2
Algumas reflexões sobre o Império Romano e o governo de Otávio Augusto neste trabalho também
estão contidas em um livro de minha autoria: “O reino da justiça e do amor”, publicado pela Ed.
Santuário.
20
Otávio Augusto instalou as bases que ficaram conhecidas depois como Pax
Romana - se é que pode ser chamada de “paz” o que alguns historiadores, dentre
eles Tácito, chamaram de uma “paz toda manchada de sangue”, ou seja, garantida
romanos, tais como: ginásios, fontes, pórticos, templos, oficinas, escolas. Além, é
claro, da ideologia do dominador, uma vez que, para não ter questionamentos e
Outra coisa que fica evidente nos romanos é que eles, “Desde os primórdios,
tiveram mais interesse pela autoridade e pela estabilidade política do que pela
escritos de Mateus se não for levada em conta a realidade social em que viveram
sob o domínio romano. Assim sendo, o objetivo agora é descrever o contexto social
de Antioquia, na Síria, onde, ao que tudo indica, foi escrito o Evangelho de Mateus.
Alexandria.
Antioquia da Síria foi fundada por Seleuco I Nicanor, por volta do ano 300
Antíoco I (280-261 a.C.) fez desta cidade a capital do reino selêucida. Conforme dito
21
acima, ela foi dominada por Pompeu, no ano 64 a.C., ou seja, um ano antes de
Jerusalém e a Palestina estarem sob o domínio romano e, no ano 27, foi a capital da
Mediterrâneo. Daí porque fica fácil entender que tinha uma importância capital, tanto
rotas comerciais, tanto no sentido norte-sul, como leste-oeste, além de ser um ponto
de encontro entre a cultura grega e semita. Era uma cidade onde havia várias
que possuía mais de quinhentos mil habitantes (RICHARD, 1998, p. 213). Segundo
dados da época,
mil soldados encarregados de garantir a pax romana mesmo com uso de força e
várias seitas, cultos, deuses e templos. Dentro desse contexto, surge a comunidade
judaico-cristã de Mateus.
22
bem como as suas conquistas, derrotas e projetos, faz-se necessária uma pequena
ano 48. Paulo e Barnabé, “com o apoio e solidariedade da igreja de Antioquia” (Cf.
At 15,3), foram para tal assembléia que tratou especificamente da “Boa Notícia
anunciada aos pagãos” e, por fim, houve a famosa carta conciliar (At 15,22-29), cuja
essência fica nesta decisão: “Pois decidimos, o Espírito Santo e nós, não vos impor
Paulo morreu, provavelmente, por volta do ano 67, embora haja controvérsias
Antioquia atraiu milhares de judeus e muitos cristãos, por ser próxima de Jerusalém
e por ser um importante centro cultural e comercial. Há quem diga que “[...] a colônia
judia podia ter um pouco mais de 50 mil pessoas” (RICHARD, 1998, p. 33), muito
23
embora não se possa entusiasmar com tal quantidade, visto que os seguidores de
Jesus eram bem menores. Na verdade, não se sabe, ao certo, quantos cristãos
havia em Antioquia por volta do ano 85, quando foi escrito o Evangelho de Mateus.
Segundo Warren Carter (2002, p. 54.76), “talvez 19, 150 ou ainda 1.000”. Pelo que
consta, era “[...] uma comunidade inclusiva, adotando, [...] uma práxis de
de gênero”.
que:
as sinagogas dos judeus e tinham suas diferenças, mas, dentro do possível, tinham
uma certa união devido a alguns pontos em comum, dentre eles: a torá (lei), as
afirmarem que Jesus era o Filho de Deus e o Messias esperado pelo povo judeu
gerou uma série de conflitos e dificuldades nesse relacionamento. Isto fica evidente,
pois:
oficialmente pelo Império Romano como legítimo representante do povo judeu. Com
isso, ocorreu o famoso evento de expulsão dos cristãos das sinagogas. Ora,
comprovar que Jesus veio cumprir as profecias, o que fica claro ao longo de todos
os seus escritos que estão sempre correlacionados com estas e outras diversas
mais judaico dos evangelhos em suas tradições e interpretações e o mais crítico dos
evitar a ruptura definitiva, a história nos diz que fracassou nessa tentativa. Deu-se a
ruptura, apesar de tudo” (SEGUNDO, 1997, p. 279). Ruptura esta que se refere ao
judaísmo e cristianismo. Saldarini (2000, p. 23) diz que “a partir do século II, o
evangelho de Mateus passou a ser lido como obra cristã, não judaica, e valorizado
judaicas”.
dentro dela e em seu ambiente original para que se possa conhecê-la melhor. O que
mensagem de Jesus escrita no Evangelho de Mateus. Para isso, não se será servido
É bom que se conheça onde e em que condições viviam estas pessoas que
e outros. Tudo indica que “Mateus, segundo os exegetas de maior valor no meu
critério, deve ter escrito seu evangelho em algum lugar da Síria, depois da
transparecer isto: “E a fama de Jesus espalhou-se por toda a Síria” (Mt 4,24). Muito
embora haja também opiniões de que tenha sido escrito em algum lugar da
aconteceu o que já era esperado, ou seja, “[...] o Templo foi destruído. Tal
golpe político, isso significava a destruição do centro cultural e religioso dos judeus”
(CNBB, 1998, p. 21). Talvez, poderia até ser dito que esse acontecimento resultou
que o Templo era o centro de toda a vida judaica. Não tinham mais como oferecer os
sacrifícios, as liturgias, a parte social, já que ele era também um órgão social. O
sistema financeiro também foi destruído, já que funcionava também como banco.
Jesus
torno de 5% a 10%.
Interessante é o modo pelo qual Stark (apud CARTER, 2002, p. 47) descreve
que vivia boa parte da comunidade cristã que tinha inúmeras dificuldades e desafios,
Jerusalém, por volta do ano 70, muitos judeus e judeo-cristãos foram morar em
Antioquia.
Segundo Stegemann (2004, p. 144), a questão dos tributos mostra que “as
Tudo tinha imposto e, nesse sentido, a dominação romana era implacável. “Qualquer
28
tanto para Israel, como para todos os povos que faziam parte do Império Romano.
camponeses tinha que vender suas terras ou até mesmo se tornar escravos de tais
poucos que se tornavam latifundiários. Os pobres cada vez mais pobres e, ainda,
29
sem terra, tinham que trabalhar como diaristas, e Mateus (20,1-16) relata muito bem
isto: um patrão sai em diversos horários para contratar trabalhadores que estão na
praça e lá tem vários deles “Porque ninguém os contratou” (Mt 20,7). Ocorre que, às
tornavam escravos por dívida. Além de entregarem suas terras, eles, juntamente
literalmente muitos deles passavam fome. Mas se engana, quando se pensa que
(2004, p. 69) afirma que “a maioria da população rural da Antigüidade vivia na corda
Por tudo isso, ficam evidentes as condições miseráveis em que a maioria dos
camponeses vivia, tanto na época de Jesus Cristo, como no período em que foi
essa realidade desesperadora, o Juízo Final (Mt 25,31-46) é um retrato fiel de como
devem ser as relações solidárias de partilha dos bens para que os mais pobres
Na verdade, a partilha dos poucos bens destes mais pobres significava, para muitos,
O que chama a atenção nesse texto é a questão do Juízo Final estar ligado
diretamente ao presente e às boas obras em relação aos mais pobres, muito embora
ele tenha uma pequena introdução e o seu último versículo conclusivo em sentido
Por que Mateus escreveu esse texto importantíssimo utilizando, como pano
de fundo, a questão apocalíptica? Por que, ao se referir sobre o Juízo Final que
supõe o futuro, colocou seus critérios básicos no presente? São perguntas que
devem ser esclarecidas para um entendimento melhor de tal texto. Para que fique
ainda mais claro, faz-se necessário obter uma pequena visão do que vem a ser a
apocalíptico mais antigo foi transmitido sob o nome de Daniel” (LOHSE, 2000, p. 60).
certa convicção de que Deus estava atento a tudo e que bons e maus teriam
Final, este estilo de linguagem. Mas, antes de passar para o texto propriamente dito,
é importante dizer que ele está incluso no bloco denominado “escatológico” (Mt 24—
25). Sobre isto, D. Sim (apud CARTER, 2002, p. 581-2) argumenta que:
31-32a. E quando vier o Filho do homem em sua glória, e todos os anjos com ele,
então se assentará sobre o trono da sua glória. E reunir-se-ão diante dele todas as
nações;
34. Então dirá o rei aos da sua direita: Vinde, benditos do meu Pai, herdai o reino
41. E então dirá aos da sua esquerda: “afastai-vos de mim, malditos, para o fogo
46. E irão estes para o castigo eterno, e os justos para a vida eterna.
A questão é saber por que Mateus quis utilizar, nesse texto, que tem vários
atenção para a urgência da situação precária que vivia sua comunidade. Também o
aos que forem justos e praticarem as obras de justiça e misericórdia, e também irão
para o “fogo eterno” os que praticarem o mal e não praticarem as obras de justiça e
Porém, esse julgamento final tem um caráter tipicamente cristão. Isto se deve
ao fato de que:
mesmo tal título que aparece trinta vezes no Evangelho de Mateus. Ocorre que, no
texto do Juízo Final, este Filho do Homem é identificado ainda mais como sendo o
próprio Jesus Cristo, ao dizer: “34. Então dirá o rei aos da sua direita: Vinde,
benditos do meu Pai, herdai o reino preparado para vós desde a criação do mundo”.
Deus.
Mesmo o Juízo Final tendo um caráter futuro por se referir ao final dos
tempos, o que fica em destaque são os critérios para tal julgamento que tem, por
presente.
ser solidário para com os mais pobres. O estilo apocalíptico foi um recurso utilizado
35
por Mateus para chamar a atenção de sua comunidade sobre a urgência dessa
partilha. No entanto, deve ficar claro que o importante não é o Juízo Final em um
futuro, mas num momento presente, e as obras de misericórdia e justiça são a razão
presente e dar uma esperança que, no futuro, os que permanecerem justos terão a
que as podem levar à morte. Nesse caso, “elas têm fome e sede, vestem apenas
perguntar sobre a solidariedade para com os mais “pequeninos”. Tudo gira em torno
destas obras: "Porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de
(que aparece como Filho do Homem, pastor e rei) vai dizer aos justos: “Em verdade
vos digo: cada vez que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim
o fizestes” (Mt 25,40). E também aos injustos (malditos): “Em verdade vos digo: cada
vez que não fizestes a um destes pequeninos, a mim não o fizestes” (Mt 25,45).
estas obras para com os mais pequeninos é fazer ou deixar de fazer ao próprio
nenhum texto revela isso tão claramente como este do Juízo Final, onde as obras de
misericórdia e justiça são fundamentais para a manutenção de uma vida digna ou,
pelo menos, com o mínimo necessário. Saldarini (2000, p. 269) afirma que “a fiel
mateano”.
(HORSLEY, 2004, p. 132). Mateus deixa bem claro que a Palavra de Deus não é
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teórica ou bonita, mas para ser vivida na prática do dia-a-dia, pois é cumprindo as
em seu contexto, um outro fato muito importante ocorreu por volta do ano 85,
proporcionavam aos judeus e, o pior, tinham que prestar culto ao imperador. Como
isto era uma idolatria, eles se recusavam a oferecer sacrifícios e incenso diante da
morte. Outro fator agravante era que não mais se beneficiavam das sinagogas no
que se refere à parte social como: ajuda aos pobres, viúvas, assistência médica e
sepultamento, entre outros. Tudo isso exigia uma fé inabalável nos ensinamentos de
Jesus.
38
Este capítulo é essencial nesta dissertação. Por isso, muitos autores que
tomada por base a obra elaborada por Uwe Wegner: “Exegese do Novo
1. Texto em grego;
2. Crítica textual;
3. Tradução;
4. Análise literária;
6. Análise da redação;
7. Análise do conteúdo;
8. Análise teológica.
1 Texto em Grego
39
31. {Otan de. e;lqh| o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou evn th/| do,xh| auvtou/ kai. pa,ntej oi` a;ggeloi metV
32. kai. sunacqh,sontai e;mprosqen auvtou/ pa,nta ta. e;qnh( kai. avfori,sei auvtou.j avpV avllh,lwn(
33. kai. sth,sei ta. me.n pro,bata evk dexiw/n auvtou/( ta. de. evri,fia evx euvwnu,mwnÅ
34. to,te evrei/ o` basileu.j toi/j evk dexiw/n auvtou/\ deu/te oi` euvloghme,noi tou/ patro,j mou(
35. evpei,nasa ga.r kai. evdw,kate, moi fagei/n( evdi,yhsa kai. evpoti,sate, me( xe,noj h;mhn kai.
sunhga,gete, me(
36. gumno.j kai. perieba,lete, me( hvsqe,nhsa kai. evpeske,yasqe, me( evn fulakh/| h;mhn kai. h;lqate
pro,j meÅ
37. to,te avpokriqh,sontai auvtw/| oi` di,kaioi le,gontej\ ku,rie( po,te se ei;domen peinw/nta kai.
38. po,te de, se ei;domen xe,non kai. sunhga,gomen( h' gumno.n kai. perieba,lomenÈ
39. po,te de, se ei;domen avsqenou/nta h' evn fulakh/| kai. h;lqomen pro,j seÈ
40. kai. avpokriqei.j o` basileu.j evrei/ auvtoi/j\ avmh.n le,gw u`mi/n( evfV o[son evpoih,sate e`ni. tou,twn
41. to,te evrei/ kai. toi/j evx euvwnu,mwn\ poreu,esqe avpV evmou/ Îoi`Ð kathrame,noi eivj to. pu/r to.
42. evpei,nasa ga.r kai. ouvk evdw,kate, moi fagei/n( evdi,yhsa kai. ouvk evpoti,sate, me(
43. xe,noj h;mhn kai. ouv sunhga,gete, me( gumno.j kai. ouv perieba,lete, me( avsqenh.j kai. evn fulakh/|
44. to,te avpokriqh,sontai kai. auvtoi. le,gontej\ ku,rie( po,te se ei;domen peinw/nta h' diyw/nta h'
xe,non h' gumno.n h' avsqenh/ h' evn fulakh/| kai. ouv dihkonh,same,n soiÈ
45. to,te avpokriqh,setai auvtoi/j le,gwn\ avmh.n le,gw u`mi/n( evfV o[son ouvk evpoih,sate e`ni. tou,twn
46. kai. avpeleu,sontai ou-toi eivj ko,lasin aivw,nion( oi` de. di,kaioi eivj zwh.n aivw,nionÅ
2 Crítica Textual
Na verdade, quem faz exegese tem que decidir entre esta ou aquela palavra ou
seguintes:
majoritário. E o texto tal qual foi proposto é testemunhado pelos mss maiúsculos B D
seqüência, “mais pequeninos”. Assim, há no v. 40: tw/n avdelfw/n mou tw/n evlaci,stwn e
no v. 45: tw/n evlaci,stwn (”mais pequeninos” somente). Aland nos diz que a omissão
médio Egito e testemunhas textuais como Irineu, tradução latina e Cipriano. O texto
W Q 067. 0128, pelos mss minúsculos da família 13 e 33, pelo texto majoritário dos
mss latinos e a vulgata (lat), todos os mss da versão Siríaca e versão copta Boáirica
3 Tradução Literal
42
A tradução será feita em dois momentos, ou seja, uma literal e outra final. A
realidade brasileira.
31. {Otan de. e;lqh| o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou evn th/| do,xh| auvtou/ kai. pa,ntej oi` a;ggeloi metV
E quando vier o Filho do Homem na glória dele e todos os anjos com ele, então
32. kai. sunacqh,sontai e;mprosqen auvtou/ pa,nta ta. e;qnh( kai. avfori,sei auvtou.j avpV avllh,lwn(
E reunir-se-ão diante dele todas as nações, e separará eles uns dos outros, assim
33. kai. sth,sei ta. me.n pro,bata evk dexiw/n auvtou/( ta. de. evri,fia evx euvwnu,mwnÅ
34. to,te evrei/ o` basileu.j toi/j evk dexiw/n auvtou/\ deu/te oi` euvloghme,noi tou/ patro,j mou(
Então dirá o rei aos da direita dele: para cá os benditos do meu pai, herdai o reino
35. evpei,nasa ga.r kai. evdw,kate, moi fagei/n( evdi,yhsa kai. evpoti,sate, me( xe,noj h;mhn kai.
sunhga,gete, me(
Porque tive fome e destes para mim comer, tive sede e me destes de beber,
36. gumno.j kai. perieba,lete, me( hvsqe,nhsa kai. evpeske,yasqe, me( evn fulakh/| h;mhn kai. h;lqate
pro,j meÅ
para mim.
37. to,te avpokriqh,sontai auvtw/| oi` di,kaioi le,gontej\ ku,rie( po,te se ei;domen peinw/nta kai.
38. po,te de, se ei;domen xe,non kai. sunhga,gomen( h' gumno.n kai. perieba,lomenÈ
39. po,te de, se ei;domen avsqenou/nta h' evn fulakh/| kai. h;lqomen pro,j seÈ
40. kai. avpokriqei.j o` basileu.j evrei/ auvtoi/j\ avmh.n le,gw u`mi/n( evfV o[son evpoih,sate e`ni. tou,twn
E respondendo o rei dirá a eles: verdadeiramente digo a vós, sobre tanto quanto
41. to,te evrei/ kai. toi/j evx euvwnu,mwn\ poreu,esqe avpV evmou/ Îoi`Ð kathrame,noi eivj to. pu/r to.
E então dirá aos da esquerda: “ide de mim malditos para o fogo eterno o preparado
42. evpei,nasa ga.r kai. ouvk evdw,kate, moi fagei/n( evdi,yhsa kai. ouvk evpoti,sate, me(
Tive fome e não destes a mim comer, tive sede e não me destes de beber.
43. xe,non h;mhn kai. ouv sunhga,gete, me( gumno.j kai. ouv perieba,lete, me( avsqenh.j kai. evn
44. to,te avpokriqh,sontai kai. auvtoi. le,gontej\ ku,rie( po,te se ei;domen peinw/nta h' diyw/nta h'
xe,non h' gumno.n h' avsqenh/ h' evn fulakh/| kai. ouv dihkonh,same,n soiÈ
45. to,te avpokriqh,setai auvtoi/j le,gwn\ avmh.n le,gw u`mi/n( evfV o[son ouvk evpoih,sate e`ni. tou,twn
Então responderá a eles dizendo, verdadeiramente digo a vós, sobre tanto quanto
46. kai. avpeleu,sontai ou-toi eivj ko,lasin aivw,nion( oi` de. di,kaioi eivj zwh.n aivw,nionÅ
45
E afastar-se-ão estes para a punição eterna, mas os justos para a vida eterna.
Para que se tenha uma boa tradução, é fundamental manter-se o mais fiel
possível ao texto em grego. Mas não basta só isso, pois é necessário também fazer
com que este texto seja compreensível em português e que ele mantenha sua
mensagem original. Depois da crítica textual e várias reflexões, a tradução final fica
assim:
31. E quando vier o Filho do Homem em sua glória, e todos os anjos com ele, então
32. E reunir-se-ão diante dele todas as nações, e ele separará uns dos outros, assim
34. Então dirá o rei aos da sua direita: “vinde, benditos do meu Pai, herdai o reino
35. Porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, era
estrangeiro e me recebestes.
37. Então lhe responderão os justos dizendo: “Senhor, quando te vimos faminto e te
40. E respondendo o rei lhes dirá: “em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a
41. E então dirá aos da sua esquerda: “afastai-vos de mim, malditos, para o fogo
42. Porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de
beber.
não me visitastes.”
44. Então responderão eles dizendo: “Senhor, quando te vimos faminto ou sedento
45. Então responderá a eles dizendo: “em verdade vos digo: cada vez que não
46. E irão estes para o castigo eterno, e os justos para a vida eterna.
Num primeiro momento, foram feitas uma tradução literal dos versículos em
procurando ser o mais fiel possível. Ao comparar esta tradução com um exegeta, em
(1993, p. 85) traduzem por “bode”. J. Jeremias (1976, P. 205) diz “que o pastor
palestino não separa ovelhas e cabritos, mas ovelhas e cabras”, as ovelhas gostam
parábola reflete um ambiente pastoril palestino e não grego, cabra reflete melhor a
realidade diária da vida dos rebanhos. Também Xabier Pikaza, Warren Carter (2002,
- vv. 37 e 44: peinw/nta, diyw/nta – estes dois verbos estão no particípio presente,
Já nos vv. 35 e 42, há: evpei,nasa evdi,yhsa. Estes dois verbos estão no indicativo
aoristo, ativo, 1 p. sing., o que seriam traduzidos por “fome” e “sede”. Na tradução
final, como a de Xabier Pikaza, tais termos foram traduzidos de acordo com o tempo
verbal, ou seja, nos vv. 37 e 44: “faminto e sedento” e, nos vv. 35 e 42: “fome e
“foi a mim que o deixastes de fazer”; por Xabier Pikaza como: “tampoco a mi me lo
hicisteis”; e na tradução final: “a mim não o fizestes”. Pouca diferença, mas com o
mesmo sentido.
“enquanto os justos irão para a vida eterna”; por Xabier Pikaza como: “los justos, en
cambio, a la vida eterna”; e na tradução final: “mas os justos para a vida eterna”.
4 Análise Literária
importantíssimo é a análise literária. Uwe Wegner (2001, p. 325) diz que seu objetivo
a. delimitação do texto;
b. análise de coesão;
c. estrutura do texto;
simplesmente estar descrito como “Juízo Final”. Ele tem uma unidade literária
da lei (torá): que Jesus é o Messias esperado. E ele utiliza também a maneira de
pensar e escrever dos judeus. Assim sendo, entendo que ele escreve todo o seu
meu livro: “O Reino da Justiça e do Amor” (ALBERTIN, 2005, p. 30-2), e tem, por fio
injustiça.
este Reino está aberto para todos, mesmo aos que pertencem ao Reino
construir também tal Reino. Muito embora tenha que renunciar ao Reino
do poder existente;
Mateus.
Para ficar mais clara essa divisão, pode utilizar-se o seguinte esquema
resumido:
D’19—23 - O Reino aberto para todos: conversão para uma humanidade nova;
escatológico (24—25). A partir de agora, o objetivo é delimitar ainda mais este texto
proposto por Gilberto Gorgulho e Ana Flora Anderson (1990a, p. 53-4), no que se
Introdução: Mt 24,1-3
Homem.
Conclusão: Mt 24,32—25,46
37-39.
44.
VIGILANTES – Mt 24,45-51.
52
13.
Mt 25,14-30.
característico” (WEGNER, 2001, p. 99). Assim sendo, será feita a análise de coesão
uio.j tou/ avnqrw,pou – Filho do Homem (31): Ele é o responsável para exercer o
julgamento e será comparado ao pastor (32), rei (34.40) e será chamado de senhor
53
(37.44), neste caso, referindo-se a Jesus Cristo, pois, no v. 34, ele diz: “Vinde
qro,nou do,xhj – trono de glória (31): quando o Filho do Homem vier para julgar
se assentará em seu trono de glória. Trono lembra rei e este era o responsável para
castigo eterno ou vida eterna. O Filho do Homem assume o significado de rei que vai
pa,nta ta. e;qnh – todas as nações (32): significa que todos os povos, inclusive
se repetem nos vv. 32 e 33. Estão no sentido figurado de separar os homens uns
dos outros, assim como o pastor separa as ovelhas dos cabritos ou cabras à noite.
cabras e aquele que decide quais irão para o lado direito e quais irão para o lado
esquerdo.
Alías, tudo gira em torno delas, pois constituem a razão de ser do julgamento. O
54
critério para estar à direita e ser “benditos” se refere aos que praticaram tais obras, e
os que estão à esquerda são os “malditos” e que não praticaram tais obras.
nos vv. 35, 43 e 44, enquanto que o segundo está no acusativo e aparece no
v. 38;
gumno.j, gumno.n – nu: sendo que o primeiro está no nominativo e aparece nos
vv. 36 e 43, enquanto o segundo está no acusativo e aparece nos vv. 38 e 44;
“pequeninos”;
“pequeninos”.
ou deixamos de fazer.
56
C) Terceiro bloco: v. 46
nele é a sentença final e conclusiva do Filho do Homem àqueles que estão à sua
enquanto os justos que praticaram tais obras irão para a zwh.n aivw,nion (vida eterna).
central deste texto de Mateus giram em torno das obras de misericórdia e justiça em
relação aos evlaci,stwn (pequeninos). Como se vê, o primeiro bloco (vv. 31-33) é uma
preparação para tal jugamento, o segundo bloco (vv. 34-45) são os critérios de tal
sentença, onde os “malditos”, que estão à esquerda, irão para o castigo eterno e os
“benditos”, que estão à direita, irão para a vida eterna. Dentro do segundo bloco (vv.
34-45), há o advérbio de tempo que faz a ligação e amarra o texto - po,te (então) e no
57
esclarecedora. Assim, pode-se dizer que estas palavras, mesmo que seja mudado o
tempo verbal, como fome para faminto, sede para sedento, ou até mesmo de comer
servimos?”, levando-se em conta que, nos vv. 35-39, está a sentença no sentido
positivo e, nos vv. 42-44, a sentença está no sentido negativo, estas constituem o
Nos vv. 40 e 45, quando Jesus diz: Em verdade vos digo: cada vez que o
fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes (ou não
no terceiro bloco, quando os que estão à esquerda irão para o castigo eterno e os
58
que estão à direita, que são os justos, irão para a vida eterna. Mas não é só isto, a
questão de estar à direita ou à esquerda constitui a razão de ser deste texto no que
se refere ao julgamento. Isso se deve ao fato de que os que estão à direita são os
“benditos”, em oposição aos que estão à esquerda, que são os "malditos”. Os que
estão à direita são aqueles que praticam as obras de justiça e misericórdia aos mais
kaqi,sei (v. 31), sunacqh,sontai avfori,sei (v. 32) e sth,sei (v. 33), enquanto que, no
segundo bloco, há 6 verbos também no indicativo futuro, sendo: evrei/ (verbo dizer -
A preposição aditiva kai. (e) liga também todo o texto, aparecendo 4 vezes no
Em relação à sentença final, esta será dada pelo Filho do Homem - o` ui`o.j tou/
avnqrw,pou – (31) que, ao longo do texto, assume a função de pastor - poimh.n – (32)
julgamento, assume o papel de rei - basileu.j - para julgar (34.40), muito embora
tanto os que estão à direita (37), como os que estão à esquerda (44), chamá-lo-ão
de ku,rie (Senhor). No último bloco (46), aquele, que julga, dará a sentença, tanto
para os justos que estão à direita e que irão para a vida eterna, como para os
subdivisões, bem como do gênero literário a que pertence. Assim sendo, após vários
(1984, p. 14)4:
31. E quando vier o Filho do Homem em sua glória, e todos os anjos com ele,
32. E reunir-se-ão diante dele todas as nações, e ele separará uns dos outros,
34. Então dirá o rei aos da sua direita: Vinde, benditos do meu Pai, herdai o
3
GOURGUES, no livro: As parábolas de Jesus em Marcos e Mateus, em sua página 191, apresenta
esta estrutura:
I. Preparativos do julgamento (v. 31-33);
II. Julgamento
A. Sentença positiva (v. 34-36) A’. Setença negativa (v. 41-43)
B. Explicação (v. 37-40) B’. Explicação (v. 44-45)
III. Execução do julgamento (v. 46).
4
Em sua página 14, apresenta esta estrutura:
1) 25,31ab: venida del HH, como introducción apocalíptica que enmarca el conjunto temporal de la
escena.
2) 25,31c-33: juicio como gesto del HH [...],
3) 25,34-45: juicio como palabra del HH que explicita la razón de su gesto a través de dos
conversaciones paralelas, también en ritmo de três tiempos: a) sentencia (25,34-35.41-43); b)
pregunta (25,37-39.44); c) fundamentación de la sentencia (25,40.45).
4) 25,46: conclusión que expone el cumprimiento de la sentencia.
60
35. Porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber,
D) Resposta de Jesus
40. E respondendo o rei lhes dirá: Em verdade vos digo: cada vez que o
41. E então dirá aos da sua esquerda: “afastai-vos de mim, malditos, para o
42. Porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes
de beber.
45. Então responderá a eles dizendo: Em verdade vos digo: cada vez que não
46. E irão estes para o castigo eterno, e os justos para a vida eterna.
do julgamento (v. 46) -, tais divisões ficam claras pelo modo que Mateus utilizou para
claro o motivo pelo qual se tem o julgamento. Começa com o v. 34 (to,te evrei/) e o v.
41 (to,te evrei/), onde há: “então dirá” (advérbio de tempo e verbo indicativo, futuro e
ativo). É o rei ou o Filho do Homem ou, em outros termos, o próprio Jesus que dirá
tanto aos que estiverem à direita (vv. 34-36), como aos que estiverem à esquerda
(vv. 41-43), as obras de justiça e misericórdia são a razão de ser de tal julgamento,
lembrando que os que estão à direita praticam estas obras e os que estão à
Pergunta dos que estão à esquerda (v. 44) -, há: no v. 37 (to,te avpokriqh,sontai) e, no
perguntas nos vv. 37-39 e de uma pergunta no v. 44. Todas referentes às obras de
Jesus aos que estão à direita (v. 40): avmh.n le,gw u`mi/n( evfV o[son evpoih,sate e`ni. tou,twn
tw/n avdelfw/n mou tw/n evlaci,stwn( evmoi. evpoih,sateÅ (Em verdade vos digo: cada vez que
resposta de Jesus aos que estão à esquerda (v. 45): avmh.n le,gw u`mi/n( evfV o[son ouvk
evpoih,sate e`ni. tou,twn tw/n evlaci,stwn( ouvde. evmoi. evpoih,sateÅ (Em verdade vos digo: cada
Juízo Final, é um pouco complicado de se chegar a uma idéia clara delas. Primeiro
porque não é uma “parábola”, pois, conforme se observa, este texto é composto de
utilizaram, como fonte, o evangelho de Marcos ou a “fonte Q”, fica fácil deduzir a
fonte utilizada com uma certa segurança. Agora, quando se tem um texto escrito
O que se pode dizer sobre o texto do Juízo Final, mesmo sendo exclusivo de
transmissão oral e na vida das comunidades primitivas, além, é óbvio, que teve o
Final. Além, é claro, de ter ele utilizado fontes do A.T. ao acrescentar o v. 31 que,
como se sabe, tem a ver com a citação de Zc 14,5, e o v. 46 que tem por base Dn
separará. Essa terminologia muito cedo tornou-se um sinal dos tempos da salvação
Estas seriam algumas fontes utilizadas por Mateus ao redigir o texto do Juízo
Final.
5
A parábola mais original está na p. 56.
64
configuração lingüística” (BERGER, 1998, p. 13). Daí porque é tão importante saber
o processo pelo qual o texto foi elaborado e qual é a sua forma final. Até agora, foi
compõem este texto, não só isto, como também se faz necessário enquadrar estas
conteúdo com a sua intenção”6. O texto do Juízo Final tem formas específicas, onde
há vários gêneros literários e foi escrito tendo, por base, um “lugar vivencial”, onde se
tem um conteúdo com uma determinada intenção por detrás. Da mesma forma,
pode-se dizer que “o gênero é constituído pela relação existente entre conteúdo,
literários. Isto se deve ao fato de que, na estrutura, foi adotado o texto como um
Resposta de Jesus (vv. 40); B’) A razão de ser do julgamento (vv. 41-43); C’)
Pergunta dos que estão à esquerda (v. 44); D’ Resposta de Jesus (v. 45); A’)
A abordagem das diversas formas que compõem este texto e os seus gêneros
6
Confere com os métodos empregados descritos por Uwe Wegner em seu livro: Exegese do Novo
Testamento, p. 328. Klaus Berger, em seu livro: As formas literárias do Novo Testamento, p. 14, vai
falar que o estudo das formas literárias de um texto ajuda a conhecer sua relação com a ação e com
a realidade; e como este aponta para o interesse especial de seus destinatários.
65
31. E quando vier o Filho do Homem em sua glória, e todos os anjos com ele,
32b. e ele separará uns dos outros, assim como o pastor separa as ovelhas
das cabras.
34. Então dirá o rei aos da sua direita: Vinde, benditos do meu Pai, herdai o
35. Porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber,
40. E respondendo o rei lhes dirá: Em verdade vos digo: cada vez que o
41. E então dirá aos da sua esquerda: “afastai-vos de mim, malditos, para o
42. Porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes
de beber.
45. Então responderá a eles dizendo: Em verdade vos digo: cada vez que não
v. 34, há uma alegoria, onde o pastor, do v. 32, passa a ser agora “rei”, o mesmo
apocalíptico.
46. E irão estes para o castigo eterno, e os justos para a vida eterna.
Final, assim como foi o mesmo para dar início à sua descrição. Mateus começa e
Mateus, com este texto, pode ter aproveitado para chamar a atenção da
comunidade pela realidade de pobreza existente. Com isto, utilizou uma linguagem
compete a Deus e não aos homens, além de mostrar que o critério de tal julgamento
judeu.
Alguns biblistas dizem que este texto não pode ser classificado neste gênero
Ana Flora Anderson (1990a, p. 51-60) se refiram a este texto, usando-o como sendo
uma “parábola”, deixando claro que ele sofreu influência do gênero de alegoria,
constitui, dentro do N.T., um caso a parte e que não tem um gênero preciso, pois, há
“parábola del pastor, alegoría escatológica del rey, norma judicial, imagen
apocalíptica”.
Klaus Berger (1998, p. 275) classifica este texto dentro do que ele chama de
modo particular, diz: “Surpreendentemente, mas com influência histórica tanto maior,
acima.
68
onde este afirma que: “Cada parábola foi pronunciada numa situação concreta da
vida de Jesus, sendo isso o que constitui seu sentido original. De acordo com
comunidade”. Berger vai amplia ainda mais esta visão e diz que: “O entrelaçamento
gêneros do NT, e não apenas das parábolas”. O fato é que muitos autores, dentre
eles também Berger, admitem que as parábolas retratam uma realidade existente.
Nada melhor que dizer que “as parábolas são comparações feitas a partir da vida
observa-se que ele fala de imagens concretas da vida do povo na pesca, que era
uma fonte de renda para muitos pobres na Palestina. Gorgulho e Anderson (1990b,
dívida, dentre elas, podem ser citadas: administrador infiel, talentos, rico e pobre e
maus, joio no trigo, rico avarento, fariseu e publicano, o bom samaritano e outros. O
que tudo isto tem a dizer? Muita coisa, tanto para refletir sobre a questão do Reino de
capítulo, foi abordada a questão do texto em seu contexto, onde ficaram bem claras a
69
A história diz como era a vida social na Galiléia e Antioquia e de toda aquela
volta do ano 85 d.C. De modo geral, o povo vivia sob o jugo e opressão do Império
agir. A sobrevivência era a luta diária. Com a guerra judaica, que iniciou no ano 66, e
com a destruição do Templo, por volta do ano 70, muitos judeus e muitos cristãos
tiveram que sair da Palestina e viver em outras regiões próximas, mas, de modo
geral, a maioria foi tentar viver na Antioquia, que era a capital da província romana da
Síria, uma cidade que era o ponto de convergência para várias rotas comerciais, pois
mão-de-obra barata. Tinha uma densidade populacional intensa. “Com tal densidade
(CARTER, 2002, p. 37). Não bastasse isso, o Império Romano cobrava de suas
províncias e
Não bastasse tudo isso, devido à expulsão dos cristãos das sinagogas, por
parte dos judeus, em torno do ano 85, os cristãos não mais se beneficiavam da
liberdade de culto que o Império Romano proporcionava aos judeus. Com isto,
70
tinham que prestar culto ao imperador e amaldiçoar Jesus. Isto ocasionou uma
Jesus, muitos foram mortos. Mas, como se ainda não fosse suficiente tudo isso, os
cristãos também não mais se beneficiavam dos benefícios sociais das sinagogas, ou
seja, ajuda financeira e alimentícia aos pobres, viúvas e órfãos; não tinham mais a
morte, ter uma sepultura digna que as sinagogas ofereciam aos mais pobres.
Vivendo neste “mar” de dificuldades, pelo que tudo indica, levando muitos (não
gênero” (CARTER, 2002, p. 76). Devido a essa “realidade vivencial” e tendo, por
acolhimento dos estrangeiros, vestir os nus, cuidar dos doentes e presos. Tudo isso
era mais que urgente. Daí porque este texto começa e termina de maneira
fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (v. 40), ou "a
mim não o fizestes" (v. 45) para aqueles que não praticam estas obras. Pelo que tudo
ser citadas: 14,13-21; 15,32-39; 16,8-10. Na multiplicação dos pães, é Jesus quem
diz: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (14,16). Estava evidente que era a comunidade
que deveria partilhar os seus bens com os mais necessitados. Mateus também
“Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados” (Mt 5,6). Por tudo
comunidade.
6 Análise da Redação
Para se fazer exegese correta de um texto dentro dos evangelhos, deve-se ter,
em mente, o texto escrito por este ou aquele evangelista. Ao que tudo indica, antes
72
geral, pela via oral sobre os ensinamentos de Jesus, ou até mesmo em pequenos
pessoal, redacional ou até mesmo teológica para se colocar este texto onde está.
apocalíptico. Ao que tudo indica, foi colocado nesta seção para mostrar a urgência de
porque não curiosidade em saber o que vai acontecer após a morte, num outro
mundo.
73
31. E quando vier o Filho do Homem em sua glória, e todos os anjos com ele,
Homem”, o que mais chama a atenção é a sua fonte original, onde o profeta Daniel
diz:
principalmente, sua linguagem apocalíptica para iniciar o seu texto sobre o Juízo
Iahweh, meu Deus, virá, todos os santos com ele” (Zc 14,5). Há também uma outra
passagem que diz: “todos os santos estão em tua mão. Eles se prostaram aos teus
enquanto tal, rara no A.T., o mesmo não se pode dizer da expressão “trono”, que
Jeremias 14,21: “Não nos desprezes por causa do teu Nome. Não desonres o trono
de tua glória. Lembra-te! Não rompas a tua aliança conosco”. Sentar-se no trono
designa tomar posse e ter poder. O rei senta-se no trono. Deus tem o seu trono de
74
glória e poder, a ele pertencem todas as nações. Num ambiente escatológico, quer
195).
32b. e ele separará uns dos outros, assim como o pastor separa as ovelhas
das cabras.
cabras.
esquerda. Vai ter a separação. Gilberto Gorgulho e Ana Flora Anderson (1990a, p.
55) mostram que a terminologia pastoril é empregada na forma passiva que mostra
que o sujeito da ação é Deus que reunirá e separará e que esta terminologia se
tornou um sinal dos tempos da salvação. Por outro lado, Warren Carter (2002, p.
612) diz que: o lado direito era um lugar de honra e bênção e o lado esquerdo podia
Os vv. 32b-33, possivelmente, foram tomados de uma parábola que teria sido
contada por Jesus sobre “as ovelhas e os cabritos”, onde Mateus a teria
Nos vv. 34-39, há os critérios do julgamento para os que estão à direita, que
de Jesus com os mais pequeninos. Nos vv. 41-44, há estes mesmos critérios para
os que estão à esquerda e que não fizeram as obras de misericórdia e justiça aos
praticam as obras acima citadas (vv. 41-44). A questão de bênçãos e maldições era
necessitados, não há nenhuma novidade dizer que elas estão presentes ao longo de
todo o A.T. Dentre algumas passagens, pode ser citado o profeta Isaías, quando se
refere ao verdadeiro jejum que agrada a Deus, o qual consiste em: “repartir o teu
aquele que vês nu” (Is 58,7); Ezequiel, ao se referir a quem é justo, diz que “[...] dá o
“Estende tua mão ao pobre para que tua bênção seja perfeita.
Que tua generosidade atinja todos os viventes, mesmo aos
mortos não recuses a tua piedade. Não fujas dos que choram,
aproxima-te dos que estão aflitos, não temas visitar doentes,
porque serás amado por isso” (Eclo 7,32-35);
“Dá de teu pão aos que têm fome, e de tuas roupas aos que estão nus. Dá
J. Jeremias (1976, p. 206) diz que tanto textos egípcios, como rabínicos e
muitos outros abordam estas obras de “misericórdia”, ressalta, porém, que visitar os
presos não fazia parte das obras de misericórdia judaica e que, no livro dos mortos
(Egito), o falecido diz: “Eu agradei a Deus por aquilo que ele ama: dei pão aos
demonstrar o papel fundamental que estas exercem na vida dos judeus e dos
cristãos. Estas “de un modo muy preciso evocan el mensaje de Israel las obras de
1984, p. 22).
ponto de Iahweh dizer: “Hoje tomo o céu e a terra como testemunhas contra vós: eu
Jesus: “Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um destes meus irmãos
77
mais pequeninos, a mim o fizestes” (v. 40) ou “a mim não o fizestes” (v. 45), isto é
“El evangelio sabe que Jesús habla de un Dios que acoge a los
pequeños, busca a los perdidos, se complace en el perdón,
ofrece el reino y asume como suya la suerte de los pobres: con
ellos sufre, para ellos actúa, con ellos espera” (PIKAZA, 1984,
p. 23).
46. E irão estes para o castigo eterno, e os justos para a vida eterna.
Aqui, Mateus utiliza esta passagem: “E muitos dos que dormem no solo
poeirento acordarão, uns para a vida eterna e outros para o opróbrio, para o horror
eterno” (Dn 12,2). Ele faz uso da tradição apocalíptica para concluir o Juízo Final,
que, de uma certa forma, aponta para a escatologia e o fim último do homem.
Jesus Cristo, o Emanuel. – Deus é Rei, o Redentor dos pobres (cf. Pr 23,11; Jó
7 Análise do Conteúdo
sendo objeto de reflexão e estudo ao longo dessa exegese. Agora, o objetivo será
na época de Jesus. Para isto, faz-se necessária a análise semântica destes termos
respeito ao Juízo Final, algumas palavras merecem uma análise semântica, sem a
que diz:
do A.T. Ele tem aspectos de um ser divino e transcendental e que tem um império
eterno.
muito provável que a parte do livro escrita em aramaico (2—7) seja mais antiga, que
a parte escrita em hebraico (cap. 1 e 8—12)” (SOUSA, 1997, p. 72). Assim sendo,
Mateus, quando está sendo interrogado pelo Sinédrio se era o Messias, o Filho de
Deus, vai dizer claramente: “é como você acabou de dizer. Além disso, eu lhes digo:
Poderoso, e vindo sobre as nuvens do céu” (Mt 26,64). Nessa passagem, fica
definir o que Jesus queria dizer ao referir-se a si mesmo como Filho do Homem. Em
7
(8,20; 9,6; 10,23; 11,19; 12,8.32.40; 13,37.41; 16,13.27.28; 17,9.12.22; 19,28; 20,18.28;
24,27.30.30.37.39.44; 25,31; 26,2. 24.24.45; 26,64).
81
momento algum dos evangelhos, ele define ou explica este termo. Em Mateus 16,13-
23, quando Jesus chega à região de Cesaréia de Filipe e pergunta aos seus
aos discípulos: “E vocês quem dizem que eu sou?”. Pedro responde: “Tu és o
Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16). Jesus elogia Pedro pela resposta dizendo
que ela não foi revelada por um ser humano, mas pelo próprio Pai que está no céu.
Com isto, podemos deduzir, de acordo com o Evangelho de Mateus, que Jesus
- será entregue às mãos dos homens e eles o matarão, mas no terceiro dia
ressuscitará (17,22-23);
- não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida como resgate
(20,28);
descendente de Davi, que vai acabar com os inimigos de Israel e que terá um trono
real para sempre (2 Sm 7,13-16), mas como o rei do amor e do serviço, aquele que
quer construir o “reino de Deus e sua justiça” (Mt 6,33). Nesse caso, tem-se a
Homem vier em sua glória, e todos os anjos com ele, então se assentará no trono de
sua glória. E serão reunidas em sua presença todas as nações” (Mt 25,31-32).
passa a ser o rei que julga de modo justo. Os que praticam o bem ficarão à direita e
beber, acolher o peregrino, vestir o nu, visitar os doentes e cuidar dos presos (Cf. Mt
25,35-36). O rei deixará bem claro: “Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a
um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). Da mesma
O Filho do Homem aparece só uma vez no Juízo Final (v. 31), porém com
várias características: Filho do Homem que vem em sua glória, com os anjos e
sentado no trono da glória (v. 31); Filho do Homem que separa os homens uns dos
outros, assim como o pastor que separa as ovelhas dos bodes; Filho do Homem que
assume a função de um rei e é chamado de Senhor (vv. 34, 37, 40, 44); Filho do
Homem que se identifica com os mais pequeninos (pobres) (vv. 40, 45).
o Filho do Homem como Juiz. Ele exerce o julgamento e não Deus Pai. Ele é o rei do
83
amor e do serviço e não um rei político que domina e explora os mais necessitados.
O surpreendente é que ele se identifica com os mais pequeninos (pobres). Isto fica
evidente nos versículos 40 e 45. Ao ser interrogado pelos justos de quando eles lhe
deram de comer, quando ele estava com fome, de beber, quando ele estava com
sede, de recolher, quando ele era forasteiro, de vestir, quando ele estava nu, de vê-
lo, quando ele estava doente e preso, a resposta é também surpreendente: “Em
verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um destes meus irmãos mais
pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). O mesmo vai acontecer aos que estiverem
à esquerda e que não fizeram isto aos pequeninos, também eles vão perguntar ao
rei, quando não o fizeram. Ele dirá: “Em verdade vos digo: cada vez que não fizestes
Tudo isso leva a dizer que não se pode transformar este texto “em simples
julgamento. O acento recai sobre o amor ao próximo, valor moral supremo” (BÍBLIA
do julgamento.
Em relação ao Filho do Homem nos evangelhos sinóticos, seria bom dar uma
pequena visão desta expressão no que eles têm em comum. A Bíblia de Jerusalém
auxilia muito nesta questão, pois sempre coloca as passagens e suas referências nos
Homem vindo sobre as nuvens do céu com poder e grande glória” (Mt 24,30); “E
verão o Filho do Homem vindo entre nuvens com grande poder e glória” (Mc 13,26);
84
“E, então verão o Filho do Homem vindo numa nuvem com poder e grande glória” (Lc
21,27);
Deus, no Sinédrio: “Jesus respondeu: ‘Tu o disseste. Aliás, eu vos digo que, de ora
nuvens do céu’” (Mt 26,64); “Jesus respondeu: ‘Eu sou. E vereis o Filho do Homem
sentado à direita do Poderoso e vindo com as nuvens do céu” (Mc 14, 62); “Mas,
doravante, o Filho do Homem estará sentado à direita do poder de Deus” (Lc 22,69).
Paixão, Jesus retoma o profeta Daniel para referir-se a si mesmo, como o Filho do
Homem. Por falar em Paixão, os três evangelistas têm passagens em comum. Serão
citadas estas:
e eles o matarão, mas no terceiro dia ressuscitará” (Mt 17,22-23); “O Filho do Homem
será entregue às mãos dos homens e eles o matarão e, morto, depois de três dias
ele ressuscitará” (Mc 9, 31); “O Filho do Homem será entregue às mãos dos homens”
(Lc 9,44);
- em relação ao perdão dos pecados: “Pois bem, para que saibais que o Filho
‘Levanta-te, toma tua cama e vai para casa’” (Mt 9,6); “Pois bem, para que saibais
que o Filho do Homem tem poder de perdoar pecados na terra, eu te ordeno – disse
ele ao paralítico – levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa” (Mc 2,10-11); “Pois
bem! Para que saibais que o Filho do Homem tem o poder de perdoar os pecados na
terra, eu te ordeno – disse ao paralítico – levanta-te, toma tua maca e vai para tua
- veio para servir, não ser servido: “Desse modo, o Filho do Homem não veio
para ser servido, mas para servir e dar sua vida como resgate por muitos” (Mt 20,28);
“Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida
em resgate por muitos” (Mc 10,45); “Eu, porém, estou no meio de vós como aquele
12,8); “de modo que o Filho do Homem é senhor até do sábado” (Mc 2,28); “O Filho
quais são citadas aqui três: “e lhe deu o poder de exercer o julgamento, porque é
Filho do Homem” (Jo 5,27); “Em verdade, em verdade, vos digo: Vereis o céu aberto
e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem” (Jo 1,51); “Em
verdade, em verdade, vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não
esta passagem, onde o próprio Estêvão diz: “Eu vejo os céus abertos, e o Filho do
Em Hebreus, toma uma citação do Salmo 8,5: “Que é o homem, para que dele
semelhante a um filho de Homem, vestido com uma túnica longa e cingido à altura do
peito com um cinto de ouro” (Ap 1,13); “Depois disso, olhei: havia uma nuvem
86
uma coroa de ouro na cabeça e nas mãos uma foice afiada” (Ap 14,14).
Esta foi uma visão geral de algumas citações que aparecem com a expressão
“Filho do Homem” no Novo Testamento, o que permite entrar, um pouco mais a fundo
Alguns motivos: os gregos eram considerados um povo muito religioso, com uma
imortais e celestiais, mas não eram eternos. Isso porque existe diferença entre
morte, pois é imortal; a segunda supõe que algo, para ser eterno, não pode ter
começo, nem meio e nem fim e é a transcendência. Parmênides foi o primeiro a dizer
que: “Se nasce, morre”, e a morte começa com o nascimento. Se não morre é porque
não nasceu. Isto acaba com vários mitos sobre deuses e questiona a sua própria
Na verdade, só uma vez, Paulo vai utilizar uma expressão parecida com Filho
do Homem, em Corinto, quando diz: “Assim está escrito: o primeiro homem, Adão, foi
feito alma vivente; o último Adão tornou-se espírito que dá a vida. [...] O primeiro
homem tirado da terra, é terrestre. O segundo homem vem do céu” (1 Cor 15,45.47).
interpretada de maneira errônea pela cultura grega. “Os gregos, pois, teriam
geralmente se aceita, foram escritos entre 40 a.C. e 70 d.C.” (STURZ apud COENEN;
87
BROWN, 2000, p. 2357). Embora possa admitir que Mateus tenha utilizado imagens
apocalípticas de Enoque, não se pode admitir que ele tenha utilizado o termo “Filho
livro de Enoque (37—71), que são encontrados muitos pontos em comum de Mateus
com Enoque.
Estas parecem ter influenciado os escritos de Mateus conforme visto logo acima.
7.1.2 Glória
88
Deus” (AALEN apud BROWN; COENEN, 2000, p. 899), o que se torna evidente em
diversas passagens do A.T., principalmente no Salmo 24,10, que diz: “Quem é esse
Rei da glória? É Javé dos Exércitos! Ele é o Rei da glória!” e “Eu sou Javé: esse é
meu nome. Não vou dar para outro a minha glória, nem vou ceder minha honra para
O termo glória “doxa se acha 165 vezes no NT” (AALEN apud BROWN;
na Sua obra de salvação” (AALEN apud BROWN; COENEN, 2000, p. 902). Isto fica
Jesus, dentre elas, são destacadas: “Porque o Filho do Homem virá na glória do seu
Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com a própria
conduta” (16,27); “[...] e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu com
(25,31).
aparece a palavra glória e trono de glória. Sobre esta, será feita também a análise
Além de tudo, o que foi descrito acima, glória pode ser entendida no sentido
de ter dinheiro, poder e prestígio social ou fama. Daí porque foi mencionado o
breve, no sentido mais humano. Isso fica claro, quando Jesus diz: “é que eles
preferiram a glória humana à glória que vem de Deus” (Jo 12,43). Sobre os lírios do
campo, vai dizer: “nem o rei Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como
dizer que,
glória humana, no sentido de ter poder, riqueza e fama, onde Paulo diz aos cristãos:
“quer vocês comam, ou bebam, ou façam qualquer outra coisa, façam tudo para a
glória de Deus” (1 Cor 10,31). Paulo diz claramente que não procura os seus
interesses pessoais (Cf. 1 Cor 10,33) e nem faz as coisas para receber elogios dos
homens (1 Ts 2,6).
suas raízes no “trono real, no seu sentido mais restrito, deriva do oriente. Assentar-
apud BROWN; COENEN, 2000, p. 1702). É evidente que este modo de conceber
poder do rei” (BLENDINGER apud BROWN; COENEN, 2000, p. 1702). Ter um trono
ou assentar-se nele era símbolo de ter e obter posse do poder. Javé é um rei
“Não nos desprezes por causa do teu Nome. Não desonres o trono de tua glória.
Lembra-te! Não rompas a tua aliança conosco” ou “Um trono de glória, sublime
N.T. (BLENDINGER apud BROWN; COENEN, 2000, p. 1704). O “trono da glória que
389). Em relação ao desprendimento dos discípulos que estão seguindo Jesus, ele
promete: “Eu garanto a vocês: no mundo novo, quando o Filho do Homem se sentar
tronos para julgar as doze tribos de Israel” (Mt 19,28). Mas, no que se refere ao
julgamento final ou último julgamento, a passagem mais clara sobre o modo pelo
qual o Filho do Homem (Jesus) irá julgar, bem como os seus critérios, é encontrada
Juízo Final, há: “Quando o Filho do Homem vier em sua glória, e todos os anjos com
ele, então se assentará no trono da sua glória” (Mt 25,31). Sentar no trono da glória
é só o início do julgamento, significa que Jesus tem o poder de julgar e é ele quem
“gentios”. Ela é complexa e, de acordo com esta análise semântica, o ideal será
Começando pelo A.T., pode-se dizer que a palavra ethnos se deriva de ethos,
povo. Esta palavra aparece na LXX cerca de 1000 vezes e traduz o hebraico gôy ou
português, deriva do latim gens, “nação”. Apenas em 130 casos, é tradução de ‘am
em hebraico ou laos em grego. Neste contexto, está ligada sua definição a qualquer
nação ou a todas elas, fora a nação judaica e em 130 vezes no sentido de “povo”.8
O que leva a concluir que “Israel é o povo da própria possessão de Deus (Êx
Estes também eram vistos pelos judeus como imorais e idólatras. Embora em
algumas passagens bíblicas dos profetas “no tempo do fim, as nações virão ao
esta palavra aparece 15 vezes. Assim: “Galiléia das nações!” (4,15); “De fato, são os
gentios que estão à procura de tudo isso” (6,32); “Não tomeis o caminho dos
8
Este parágrafo foi baseado nas informações do DICIONÁRIO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA DO
ANTIGO TESTAMENTO, p. 1734.
93
gentios” (10,5); “Para dar testemunho perante eles e perante as nações” (10,18); “E
ele anunciará o Direito às nações” (12,18); “E no seu nome as nações porão sua
vos será tirado e confiado a um povo” (21,43); “Pois se levantará nação contra
nação” (24,7); “E sereis odiados de todos os povos” (24,9); “Como testamento para
(25,32); “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos” (28,19).
Das 15 vezes que aparece ethnos neste evangelho, 10 vezes são traduzidas
por nações, 3 vezes como gentios e 2 vezes como povo(s). Isto de acordo com a
Nos escritos paulinos, o que fica claro é que Paulo, “o apóstolo dos gentios”,
mostra que estes são chamados a serem cristãos, independentemente da lei dos
judeus. “Pois aquele que operava em Pedro para a missão dos circuncisos operou
também em mim em favor dos gentios” (Gl 2,8). Paulo deixa claro seu modo de
pensar ao dizer:
traduzida por “nações” e pode também significar que “os ethne são todos os povos,
Depois desta análise semântica, fica claro que todas as nações significam a
complexa e de difícil tradução: ta. pro,bata avpo. tw/n evri,fwn( que aparece em Mt 25,32,
e ta. me.n pro,bata evk dexiw/n auvtou/( ta. de. evri,fia evx euvwnu,mwn, no versículo seguinte (Mt
25,33). A questão é definir o significado de evri,fwn, pois, no texto, fica claro que
Jeremias diz: “Ai dos pastores que perdem e dispersam as ovelhas do meu
nosso Deus, e nós somos o seu povo, o rebanho que ele conduz”. Assim,
Jesus, e ele mesmo se autodenomina: “Eu sou o bom pastor; conheço as minhas
ovelhas e as minhas ovelhas me conhecem, [...] Eu dou minha vida pelas minhas
“Fica claro, pelo uso que Jesus faz das ovelhas nas Suas
parábolas e no Seu ensino, que Seus contemporâneos sabiam
muito bem quão completamente perdida a ovelha ficava, se
fosse deixada a si mesma, sem os cuidados de um pastor (Lc
15,4). Sabiam que a grande necessidade da ovelha era a
proteção amorosa e abnegada (Mt 12,11; Lc 15,4), e este fato
básico fica por detrás do uso que Jesus fez da metáfora. A
ovelha sem o pastor é ‘aflita e indefesa’ (Mt 9,36), ‘desgarra’ (1
Pd 2,25) e fica ‘perdida’ (Mt 10,6; 15,24). Jesus, ao seguir o
uso vetero-testamentário e comparar Seu povo com um
rebanho de ovelhas sem pastor (Mc 6,34; cf. Nm 27,17; 1 Rs
22,17), chama atenção ao fato de que estão no caminho da
destruição certa, a não ser que apareça um meio de salvação”
(TUENTE apud BROWN; COENEN, 2000, p. 431).
9
7,15; 9,36; 10,6.16; 12,11.12; 15,24; 18,12; 25,32.33; 26,31.
96
Todavia, Jesus é o bom pastor que vai proteger e salvar o seu povo e suas
“ovelhas”.
Mateus 25,32, há: “Como o pastor separa as ovelhas dos bodes” (Bíblia de
“Como o pastor separa dos cabritos as ovelhas” (Bíblia Almeida revista e atualizada);
“Como o pastor separa as ovelhas dos cabritos” (Bíblias: TEB, Pastoral e CNBB).
nota de rodapé da Bíblia TEB (1994, p. 1908), que a traduz por cabritos, “tal é o
sentido da palavra grega”. Ocorre que há dois outros argumentos mais fortes no
sentido de traduzir tal palavra por cabra. Isto porque, quando se refere ao rebanho,
(CARTER, 2002, p. 611). Aqui fica claro que, se for tomada esta palavra no sentido
grego, a tradução correta é cabrito, conforme visto acima. Agora, se for tomada no
sentido sírio-palestinense, o sentido é cabra. Mas, para ficar ainda mais claro, será
dos pastores, na época de Jesus Cristo, quando se tinha um rebanho misturado, era
7.1.6 Fome
A.T. e 25 vezes no N.T. Esta é a expressão correta, conforme o texto do Juízo Final.
Não se pode deixar de mencionar uma palavra semelhante: limo.j que significa
846). Isso porque a região da Palestina possui terras desérticas e terrenos não
apropriados à agricultura, da mesma forma que possui terras boas ao cultivo, como
agricultura, na época de Jesus, não eram suficientes para manter, com dignidade, o
vinha a fome. Fome esta que Filo diz ser a “mais insuportável de todos os males”
humana e que se constituem como um mal insuportável, pode-se dizer que “a fome
e a sede são ocasiões para o exercício do amor. Satisfazê-las para outras pessoas
p. 849). Daí porque Jesus vai dizer: “Tive fome e me destes de comer ou não me
onde tudo aquilo “que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim
necessidade de dar pão a quem tem fome se refere às multidões no deserto, onde
“Não é preciso que vão embora. Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16). Aqui
entra a partilha em oposição ao egoísmo que quer tudo só para si. Onde há partilha,
Dar de comer a quem estava com fome era tão importante que ninguém podia
ser excluído nem mesmo o inimigo, o que leva Paulo a dizer: “mas, se o seu inimigo
tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber” (Rm 12,20).
Mas o significado de “ter fome” vai além do que vem a ser literalmente.
aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”. Da mesma
99
forma que se tem fome e é necessário ter alimento, no sentido de satisfazer uma
necessidade humana básica, deve-se ter fome e sede de justiça para que se possa
construir um mundo novo com dignidade e paz. Por outro lado: “Não só de pão vive
o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4). Por tudo isso, fica
evidente a presença do alimento material para saciar a fome dos que necessitam e
pão em abundância como a justiça são essenciais para que o Reino de Deus
aconteça.
7.1.7 Estrangeiro
estão no texto do Juízo Final e significa “estrangeiro”, “estranho”. Sua raiz tem
estranho é basicamente um inimigo, por ser desconhecido [...] nunca tinha direitos”
Em Israel, a lei era muito clara em relação aos estrangeiros. Eles deveriam
ser tratados com dignidade e não podiam ser afligidos (Ex 22,20), desfrutavam do
descanso do sábado, como todo israelita (Ex 20,10), beneficiavam-se também da lei
De estrangeiro no Egito para um “povo livre” em Canaã, assim foi Israel. Ele,
melhor do que ninguém, sentiu a luta pela sobreviência e maus tratos em um país
100
estranho, agora, como nação, deveria tratar bem seus estrangeiros. Mas com tantas
leis que proíbem a opressão em relação a estes, tudo indica "que o ger fosse
adorador de deuses falsos (2Mc 10,2.5)” (MACKENZIE, 1984, p. 311). Assim sendo,
eram vistos como “idólatras” e altamente suspeitos de seduzirem pessoas aos seus
falsos deuses e profanarem o verdadeiro Deus de Israel. Tudo indica que tiveram
dificuldades para sobreviverem em Israel, que eram vistos como suspeitos e até
maltratados.
Jesus quem vai se identificar com essa classe sofrida ao dizer: “era estrangeiro e
me recebestes” (Mt 25,35). Nesse caso, “cuidar do xenos é cuidar do próprio Jesus
pessoa sem distinção. Essa “atitude da Igreja primitiva a respeito do estrangeiro foi
Todos eram ou deveriam ser amados como verdadeiros “irmãos” em Jesus. Pelo
que tudo indica, esta comunidade era inclusiva e adotou “uma práxis de misericórdia
indiscriminada [...] sem preocupar-se com limites éticos, sociais ou de gênero. [...]
seguirem o cristianismo.
7.1.8 Pequeninos
a expressão tw/n avdelfw/n mou tw/n evlaci,stwn é traduzida, pela Bíblia de Jerusalém,
como “dos meus irmãos mais pequeninos”. Este termo aparece por volta de 14
vezes no N.T., sendo 5 vezes no Evangelho de Mateus: “E tu, Belém, terra de Judá,
de modo algum és o menor entre os clãs de Judá” (Mt 2,6); “Aquele, portanto, que
mesmo, será chamado o menor no Reino dos Céus” (Mt 5,19); ”Em verdade vos
digo: cada vez que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o
fizestes” (Mt 25,40); “Em verdade vos digo: cada vez que não fizestes a um destes
o caso destas quatro passagens: “E quem der, nem que seja um copo d’água fria a
um destes pequeninos, por ser meu discípulo, em verdade vos digo que não perderá
sua recompensa” (Mt 10,42). A Bíblia TEB traduz, nesta passagem e também em
pequeninos que crêem em mim, [...]” (Mt 18,6); “Não desprezeis nenhum desses
102
pequeninos, [...]” (Mt 18,10); “Assim também, não é da vontade de vosso Pai, que
Vale ressaltar que mesmo a Bíblia TEB, que segue uma tradução mais literal,
grego, pode-se dizer que: evla,cistoj Îa±Ð( h( on, Sup. de evlacu,j, O próprio Léxico do
N.T. grego/português, p. 70, diz que este termo é usado como superlativo de mikro,j(
“Se Javé se afeiçoou a vocês e os escolheu, não é porque vocês são os mais
numerosos, entre todos os outros povos; pelo contrário, vocês são o menor de todos
os povos! Foi por amor a vocês e para manter a promessa que ele jurou aos
Outra dúvida que paira sobre estes pequeninos é se Jesus Cristo estava se
porque, conforme foi escrito acima: "aquele que der um copo d’água a um destes
pequeninos, por ser meu discípulo” (Cf. Mt 10,42), fica evidente que são os
discípulos, uma vez que Jesus tinha dito já anteriormente: “Quem vos recebe, a mim
uma outra passagem que Jesus diz, onde tem o termo mikrw/n:
103
feito aos pequeninos com o acolhimento feito ao próprio Jesus, nada indica que as
crianças de que fala então Jesus sejam discípulos” (GOURGUES, 2004, p. 206). Ele
“universalista”. No que se refere ao julgamento, ele diz que tanto “para ‘os
falando, não é o termo ‘pequenos’ (mikroi) como tal que é utilizado em Mt 25,40 e
comentando Mt 25,40, diz: “Por ‘irmãos’ não se entendem neste lugar os discípulos,
expressão eulogeo ocorre por volta de 450 vezes no A.T. e apenas 41 vezes no N.T.
104
“malditos”. Bênção e maldição estão, na maioria das vezes, interligadas. Isto fica
claro em diversas passagens do A.T., mas, em Deuteronômio, capítulo 28, fica ainda
mais evidente a questão da bêncão e maldição até mesmo como opção de vida:
mandamentos e à voz de Javé. Por outro lado, este mesmo capítulo apresenta
ordeno, todas estas maldições virão a ti e te atingirão” (Dt 28,15), seguindo também
Deuteronômio, percebe-se tal opção a ponto de Iahweh dizer: “Hoje tomo o céu e a
No A.T., estas palavras são muito utilizadas. Já no N.T., nem tanto, 41 vezes
Em Mateus, que é o objeto direto deste estudo, a palavra bênção aparece 5 vezes:
Na multiplicação dos pães, onde Jesus “tomou os cinco pães e os dois peixes,
Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana no mais alto dos céus!” (21,9);
“Bendito aquele que vem em nome do Senhor!” (23,39); “Então dirá o rei aos que
estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, recebei por herança o Reino
preparado para vós desde a fundação do mundo” (25,34); “Enquanto comiam, Jesus
exatamente no Juízo Final: “Em seguida, dirá aos que estiverem à sua esquerda:
‘Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno preparado para o diabo e para os
disse-lhe: ‘Rabi, olha a figueira que amaldiçoaste: secou’” (Mc 11,21); “Bendizei os
que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos difamam” (Lc 6,28); “Abençoai os que
vos perseguem; abençoai e não amaldiçoeis” (Rm 12,14) e, falando sobre a questão
da língua, Tiago diz: “Com ela bendizemos ao Senhor, nosso Pai, e com ela
abençoar (bendizer) os que lhes amaldiçoam e rezar por aqueles que os difamam
106
(Cf. Lc 6,28). Agora, o que Mateus escreve neste sentido, usando outras palavras, é:
“Eu, porém vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mt
5,44).
Ainda sobre a maldição, Jesus mostra que esta “torna evidente a finalidade do
julgamento divino. Os malditos, kateramenoi (Mt 25:41), são os pecadores que são
maldição (Gl 3,13) [...] os cristãos podem unicamente ser exortados a abençoar, sem
reservas (Rm 12,14)” (LINK apud BROWN; COENEN, 2000, p. 217). “A igreja de
obra de Cristo é eficaz também para Seus inimigos” (WESTERMANN apud BROWN;
complicada para definir, com precisão, seu significado. Em primeiro lugar, a palavra
castigo ocorre apenas 4 vezes no N.T., sendo 2 vezes como verbo: “Então,
tinham meio de castigá-los, por causa do povo” (At 4,21); “Isso tudo mostra que o
Senhor sabe libertar da prova aqueles que o servem, e reserva os ímpios para o
Como substantivo, há também duas passagens: “No amor não existe medo;
pelo contrário, o amor perfeito lança fora o medo, porque o medo supõe castigo” (1
107
Jo 4,18); “Portanto, estes irão para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a
sobre o Juízo Final, muito embora se possa afirmar também que a palavra castigo,
injustos” (ZABATIERO apud BROWN; COENEN, 2000, p. 313). Fica difícil decidir
seu exato significado, uma vez que, no A.T., é utilizada poucas vezes e ocorre
“O Senhor não age conosco como faz com os outros povos, esperando
vida eterna está relacionada com uma passagem do A.T. do livro de Daniel. “Ela faz
parte de uma descrição (Dn 11,40—12,10) que se refere ao ‘tempo do fim’ (11,40).
206): “E muitos dos que dormem no solo poeirento acordarão, uns para a vida eterna
Mateus também descreve o destino dos justos e dos injustos: “E irão estes
para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna” (Mt 25,46).
Mais duas passagens bíblicas comentam este tema: “É desejável passar para
a outra vida às mãos dos homens, tendo da parte de Deus as esperanças de ser um
dia ressuscitado por ele. Mas para ti, ao contrário, não haverá ressurreição para a
vida!” (2 Mc 7,14); “Não vos admireis com isto: vem a hora em que todos os que
108
repousam nos sepulcros ouvirão sua voz e sairão; os que tiverem feito o bem, para
uma ressurreição de vida; os que tiverem praticado o mal, para uma ressurreição de
sacrifícios de crianças (Lv 18,21+), veio a designar mais tarde o lugar maldito
teológica, quase interminável e sem uma definição consensual, não faz parte deste
trabalho, por não ser seu objetivo principal. Apenas situar que:
ligado ao inferno é a palavra geena que começou a ser utilizada por volta do século
local, onde os reis Acaz e Manassés sacrificaram seus filhos ao deus Moloque (Js
compreensão, onde se começa a noção sobre a ressurreição. Isto fica muito claro
passagem: “Você, bandido, nos tira desta vida presente, mas o rei do mundo nos
fará resuscitar para uma ressurreição eterna de vida, a nós que morremos pelas leis
dele” (2 Mc 7,9). Também Daniel, em 12,2, diz sobre a ressurreição dos justos para
a vida eterna e os ímpios para um castigo eterno. “O sheol aparece, então, aí, como
mansão infernal destinada aos ímpios para castigo eterno” (LIBÂNIO; BINGEMER,
1994, p. 254).
passagens, destacam-se: “Não temais os que matam o corpo, mas não podem
matar a alma. Temei antes aquele que pode destruir a alma e o corpo na geena” (Mt
10,28); “O Filho do Homem enviará seus anjos e eles apanharão do seu Reino todos
haverá choro e ranger de dentes” (Mt 13,41-42); “E irão estes para o castigo eterno,
(INFERNO)
fiéis.
b. Critica-se com todo direito que o conceito de inferno foi usado como meio
10
Esta concepção do que vem a ser o inferno foi desenvolvida por Renold J. Blank em seu livro:
Escatologia da Pessoa, em sua página 261. Participei de um curso sobre escatologia com Blank e
devo dizer que foram surpreendentes suas concepções sobre a ressurreição, juízo final, purgatório,
céu e, principalmente, sobre o inferno.
111
aiõn, ‘duração da vida’, conforme é definido pelo A.T., deve ser entendida
primariamente como sendo a vida que pertence a Deus” (GUHRT apud BROWN;
outros termos, era inconcebível uma outra vida além da morte, ou, para ficar ainda
mais claro: a morte era o fim de tudo. “Os mortos não reviverão, as sombras não
A concepção que tinham da vida é que esta era um sopro de Deus. “Em Gn
2,7 o homem torna-se um ser vivo quando Iahweh sopra em suas narinas. É uma
o espírito, o sopro que lhe foi insuflado por Iahweh” (MACKENZIE, 1984, p. 961), ou
seja, a vida teria um certo tempo de duração, conforme o sopro e o espírito que
Iahweh, de acordo com sua vontade, tinha estabelecido, findo este, a vida terminava
para sempre, não haveria qualquer outra chance de vida, a morte era o fim da vida e
Todavia, deve ficar claro que “O AT não conhece nenhuma vida depois da
morte até seus últimos livros; quando a idéia surgia, só podia ser concebida como
Israel fica sob o domínio grego, por volta do ano 333 a.C. Começa, então, com o
112
passar do tempo, uma certa concepção da existência de uma outra vida após a
morte, de certa maneira influenciada pela cultura grega. Assim, há livros, como o de
morte. “A partir do livro de Daniel, ‘vida eterna’ é uma expressão para as bênçãos
apud BROWN; COENEN, 2000, p. 2458). Ele diz: “E muitos dos que dormem no solo
poeirento acordarão, uns para a vida eterna e outros para o opróbrio, para o horror
ainda, com mais precisão, a noção de uma outra vida além da morte: “Você,
bandido, nos tira desta vida presente, mas o rei do mundo nos fará ressuscitar para
uma ressurreição eterna de vida, a nós que agora morremos pelas leis dele” (2 Mc
7,9) e “Vale a pena morrer pela mão dos homens, quando se espera que o próprio
Deus nos ressuscite. Para você, porém, não haverá ressurreição para a vida” (2 Mc
7,14).
diferente, onde ele mesmo diz: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em
mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e acredita em mim, não
morrerá para sempre” (Jo 11,25-26). No episódio com os saduceus, Jesus deixa
claro que, “na ressurreição, os homens e as mulheres não se casarão, pois serão
como os anjos do céu” (Mt 22,30). Com isto, pode se afirmar que “A vida assim
obtida é especificada como vida eterna no mundo que virá e, portanto, ultrapassa a
de Mateus, há o episódio do Jovem Rico, onde este pergunta a Jesus o que deve
fazer de bom para possuir a vida eterna. Jesus responde que ele deve cumprir os
113
mandamentos, e ele diz que já os cumpre e pergunta o que ainda lhe falta. Aí entra
a exigência de Jesus:
podem servir a Deus e às riquezas” (Mt 6,24). Como pode alguém dizer que é cristão
se acumula bens materiais só para si e não partilha nada com os que mais
distribuísse o dinheiro com os pobres e seguisse Jesus, isto seria uma prova de que
Deus ocupava o primeiro lugar em seu coração e não as riquezas. Se ele fez isto
posteriormente, não sabemos, o texto diz que, “quando ouviu isso, o jovem foi
Em João,
ensinamentos e diz:
ressuscitam, utilizando o exemplo de uma planta (Cf. 1 Cor 15,35ss). Assim, pode-se
dizer que
agora, também pode ser dito que, quanto à vida eterna, vem, à mente, a questão do
nesta ou naquela concepção teológica, mas isto não é objeto deste estudo. De
“Céu = Vida
pode-se dizer que o texto gira em torno deste eixo: os versículos que estão entre
parênteses ( ) se referem aos vocábulos que não estão escritos, mas subentendidos.
Não se pode deixar de ressaltar que, nos vv. 40 e 45, Jesus deixa claro a
importância destas obras ao dizer: “Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a
um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (ou não fizestes - v. 45).
como sentença positiva e sentença negativa, não se pode esconder que estas estão
em vista de um julgamento, onde se tem uma sentença final do Juiz. Neste caso, o
Final traz, em si, algumas palavras importantes que permitem entender seu contexto
social.
117
7.2.1 Político-social
sentido:
Ora, se há um rei, supõe-se que este tenha sua equipe de governo que constituía a
todo o povo. Embora houvesse, nesta sociedade, homens livres e escravos, patrões
excluídos da sociedade.
escatológica. Neste caso, o reinado é do amor, da justiça e da paz, onde todos são
Os que têm fome/Os que têm sede/Os que são estrangeiros/Os que estão
nus/Os que estão doentes/Os que estão presos: constituem categorias sociais e
vítimas de uma política excludente; uma maioria que não tinha nem vez e nem voz
pobres eram vistos como um peso para a sociedade. Os estrangeiros não tinham
Neles, está presente o próprio Jesus. Quem faz a eles as obras de caridade faz ao
para com os mais necessitados, são apegados aos seus bens e ligados ao esquema
com os mais necessitados, partilham os seus bens, vivem no amor e buscam a vida,
7.2.2 Econômico
119
Como sempre, o fator econômico é o eixo principal e o motor que move toda a
Trono da sua glória/rei: trono lembra reinado, poder, rei; glória está ligada ao
numa sociedade, onde há ricos, quase que, como conseqüência, haverá também
pobres. Poucos ricos e muitos pobres. Não era diferente no Império Romano e na
sociedade de hoje, onde uns esbanjam, outros ficam na miséria. É o contraste social
pelo leite, como pela carne, além da lã das ovelhas. O rebanho misto era muito
de uma sociedade dividida entre ricos e pobres; expressa a mais clara exploração e
opressão. Muitas doenças são frutos de uma falta de alimentação adequada ou falta
pobres que não conseguem ter acesso ao direito e justiça dos tribunais. Sem contar
que ricos “pagavam” para não serem presos, como muitos fazem ainda hoje.
que tinham fome, sede e estavam nus expressavam a população pobre e sem os
7.2.3 Religioso
misericórdia aos mais pequeninos, onde o próprio Jesus está presente em cada um
deles.
texto, ele aparece tendo, por base, um ser celestial (v. 31) presente no livro do
profeta Daniel (7,13-14). Depois, é comparado a um pastor (v. 32), onde Deus
Ezequiel (34) e do próprio Evangelho de São João (10), onde Jesus diz: “Eu sou o
(10,14). Depois, assume o papel de um rei (vv. 34, 40...) não político, mas do amor e
do serviço. É chamado de Senhor (vv. 37, 44) e vai dizer: “Vinde benditos de meu
Pai” (v. 34), o que o revela como o próprio Jesus. Este Jesus se revela como
presente nos “mais pequeninos”. Ele é o Juiz que dá a sentença final (v. 46).
Trono de sua glória: trono de Deus. Deus é rei e reina no amor e na justiça. É
o único rei da terra, do céu e do mar. A glória deve ser dada só a Deus.
Anjos: mensageiros celestes. São eles que vão separar os maus dos justos,
peixes (Mt 13,47-50). No texto desta exegese, é o próprio Jesus que separará os
expressão “de meu Pai” revela que é Jesus que está sendo responsável pelo
julgamento.
Os meus irmãos mais pequeninos: são os que têm fome, têm sede, são
deles. Aqui está o grande segredo do texto, que surpreende a todos os envolvidos,
pois é o próprio Jesus que vai dizer: “Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes
a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (v. 40) ou “a mim não
o fizestes” (v. 45). É Jesus que se identifica, está presente e se revela nos “mais
Justos: são aqueles que vivem de acordo com a vontade de Deus. No texto,
são todos os que estão à direita e praticam as obras de justiça e misericórdia aos
misericórdia aos mais pequeninos. São amaldiçoados e irão para o castigo eterno.
Diabo e seus anjos: são todos aqueles que são “adversários” do plano de
Deus, que é vida, felicidade e paz para todos. São os que praticam o mal e são
Castigo eterno: reservado para todos os que praticam o mal. Em Daniel 12,2,
fala sobre a ressurreição dos justos para a vida eterna e dos ímpios para um castigo
eterno. “O sheol aparece, então, aí, como mansão infernal destinada aos ímpios
para castigo eterno” (LIBÂNIO; BINGEMER, 1994, p. 254). No texto, Jesus diz que
122
são os “malditos” que estão à esquerda e que não praticam as obras de misericórdia
‘duração da vida’, conforme é definido pelo AT, deve ser entendida primariamente
como sendo a vida que pertence a Deus” (GUHRT apud BROWN; COENEN, 2000,
p. 2458). Jesus refere-se, várias vezes, como sendo a ressurreição e a vida: “Eu sou
a ressurreição e a vida. Quem acredita em mim, mesmo que morra, viverá” (Jo
11,25), ou “todo homem que vê o Filho e nele acredita, tenha a vida eterna, e eu o
ressuscitarei no último dia” (Jo 6,40). No texto, os justos que praticam as obras de
7.2.4 Ideológico
A ideologia reinante na época era que os ricos eram abençoados por Deus e
“bendito” e feliz quem possuía dinheiro, que dominava e tinha poder. Os pobres,
Incrivelmente, Jesus vai inverter essa ideologia. O giro vai ser de cento e
oitenta graus. Para ser ainda mais exato: os “benditos” são aqueles que ajudam os
pobres, e é nestes, “nos pequeninos”, que o rei, isto mesmo, o rei se identifica e se
torna um deles. Inconcebível: um rei igual aos seus súditos pobres e miseráveis?
Por outro lado, os “malditos” são todos aqueles que têm bens materiais e riquezas e
Por outro lado, no julgamento dos homens, no tribunal, só os ricos tinham vez
e voz. O direito e a justiça estavam ao lado dos que detinham o poder e possuíam
riquezas. Agora, no julgamento divino, os pobres têm voz e vez, são queridos e
amados por Deus e vão possuir a felicidade eterna ou a vida eterna, enquanto que
totalmente com um “Filho do Homem” que é rei, mas um rei que está ao lado dos
pobres e abandonados, um Senhor que se faz pequeno e diz: “Em verdade vos digo:
cada vez que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o
fizestes” (40).
de raça “pura” e que todos os outros povos eram considerados como “impuros” e
“pagãos”, também vai por terra. Na verdade, “todas as nações” serão julgadas pela
prática ou não das obras de caridade e misericórdia aos mais “pequeninos”, inclusive
os judeus. Muito mais do que no templo, nos sumos sacerdotes e nas suas leis,
Até agora, foi feito, nesta análise de conteúdo, o que está escrito e como
entender o texto. O que implica este texto vai ser o objeto de estudo na análise do
implicação teológica.
cada bloco, dando ênfase a cada versículo e a sua interpretação e àquilo que ele
quer dizer.
31. E quando vier o Filho do Homem em sua glória, e todos os anjos com ele,
Este versículo utiliza uma linguagem apocalíptica, o que implica em dizer que
era urgente a questão abordada. Mateus vai utilizar a figura do “Filho do Homem” de
Daniel 7,13. Era um tipo de linguagem que despertava admiração, espanto e uma
reflexão maior nos ouvintes por ter vários símbolos, figuras e falar sobre as coisas
futuras ou escatológicas.
substituído por 'rei' (vv. 34,40), é possível que a figura do rei fosse original, e 'Filho
do Homem' uma adaptação Cristã” (BEARE, 1987, p. 493). Por outro lado, como
volta de 31 vezes, atribuindo este título a si mesmo, fica evidente que ele é quem é o
Juiz no julgamento final. Vale dizer que, só nas passagens que envolvem
escatologia (Mt 24—26), este termo aparece 12 vezes. Jesus é o Senhor e Juiz.
Assim “Quando o Filho do Homem vier: Esta parusia cuja motivação é a de chamar
32. E reunir-se-ão diante dele todas as nações, e ele separará uns dos outros,
semântica. Apenas situar que este versículo implica dizer que o julgamento é
universal. Vários autores confirmam isto, dentre eles: Pierre Bonnard (1976, p. 546)
que diz: “Sus funciones se ejercen sobre la humanidad entera (las naciones) y no
deste versículo, em particular, é que “La reunión de todos los pueblos ante el tribunal
del Hijo del hombre presupone también la resurrección de los muertos” (SCHMID,
1974, p. 313).
lado direito, que era um lugar de honra e bênção, como já foi visto, e outros do lado
11
Foi colocado logo após o versículo 26:12 (sic) pois é assim que está no texto. Todavia, olhando
esta passagem em várias bíblias, ela se encontra no v. 26,13, inclusive na Bíblia em Grego de Nestle-
Aland.
126
34. Então dirá o rei aos da sua direita: Vinde, benditos do meu Pai, herdai o
julga com justiça, onde deve prevalecer a verdade, ou deveria ser, pelo menos, na
concepção dos orientais. Isto, como se sabe, ficava muito na teoria, mas, na prática,
a realidade era outra. Contudo, o julgamento que se faz é que o rei é justo, pois é o
próprio Jesus quem vai julgar. Ele começa dizendo que os que estão à direita são
fato que:
35. Porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber,
julgamento. No v. 35: dar de comer aos que estão com fome; dar de beber aos que
estão com sede e receber os estrangeiros. No v. 36: continuam estas obras, onde os
12
Relembrando que a palavra “esquerdo”, em latim, é sinistro.
127
que estão nus recebem roupa, os doentes e os presos são visitados. Ocorre que
esta última obra de misericórdia não fazia parte do costume judaico e de suas obras
visita a pessoas encarceradas era não só importante, mas vital, visto que elas não
37. Então lhe responderão os justos dizendo: Senhor, quando te vimos faminto
compreensão por parte dos julgados, o que se manifesta em três perguntas, através
do advérbio “quando?”, nos vv. 37, 38 e 39. Na verdade, é uma repetição das obras
tais obras.
dúvidas:
40. E respondendo o rei lhes dirá: Em verdade vos digo: cada vez que o
Jesús son, pues, los pobres en general” (SCHMID, 1973, p. 510). Por outro lado, o
que tem que ficar evidente é que “No son las intenciones ni los sentimientos, sino los
gestos de ayuda los que cuentan en el juicio final” (BONNARD, 1976, p. 547). Afinal
128
de contas, não basta ficar só na boa vontade, é preciso ter uma ação concreta em
favor dos mais pequeninos. A resposta de Jesus é clara, onde ele diz que cada vez
que se faz alguma coisa em favor dos que necessitam, é a ele mesmo que está se
41. E então dirá aos da sua esquerda: “afastai-vos de mim, malditos, para o
Neste versículo, o que fica bem explícito é que Jesus pede aos que estão à
sua esquerda para se afastarem dele. São chamados de “malditos”, pois não
observa-se que, no v. 34, Jesus diz: “vinde benditos de meu Pai” para os justos que
ainda vão receber por herança o reino preparado por Deus. Agora, estes “malditos”
vão “para o fogo eterno preparado para o diabo e para os seus anjos”. “O vocábulo
uma era por vir'; a ênfase na duração do tempo é secundária” (HILL, 1972, p. 331).
“castigo eterno”. Porém, “El fuego del infierno estaba destinado en principio, no a los
42. Porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de
beber.
129
e não me visitastes.
35 e 36. Só que estas agora não foram praticadas pelos que estão à esquerda. Com
Este versículo difere dos vv. 37, 38 e 39, onde os justos perguntam a Jesus
servimos?”.
45. Então responderá a eles dizendo: Em verdade vos digo: cada vez que não
fato é que, todas as vezes que estes não fizeram as obras de misericórdia aos mais
pequeninos, foi ao próprio rei (Jesus) que não as fizeram, e é nisto que consistem os
critérios do julgamento. Isto implica dizer que tais obras são essenciais e a sua
46. E irão estes para o castigo eterno, e os justos para a vida eterna.
Novamente, Mateus vai utilizar uma linguagem apocalíptica que, como se sabe, foi
tirada quase que literalmente de Daniel 12,2, que diz: “E muitos dos que dormem no
solo poeirento acordarão, uns para a vida eterna e outros para o opróbrio, para o
horror eterno”. O que fica claro é que a sentença final depende de cada um: os que
praticarem as obras de misericórdia, que são os justos, irão para a vida eterna e os
misericórdia aos mais pequeninos no mundo em que se vive. A surpresa é que este
rei está presente nos mais necessitados. Com isto, pode-se afirmar que a vida
8 Análise Teológica
Para fazer a teologia deste texto do Juízo Final, Wegner (2001, p. 332) diz
texto, atentando para a indicação de textos paralelos [...] procura-se avaliar que
características de Deus são ressaltadas por eles que podem iluminar a teologia do
texto em estudo”.
131
John Bright escreve que a exegese teológica se caracteriza por ser “uma
texto, mas que vai mais além para descobrir a teologia que informa o texto” (BRIGHT
acontecimentos dos finais dos tempos, ele exorta a todos sobre a importância da
vigilância ativa. Isto fica evidente quando Jesus diz: “Vigiai, portanto, porque não
sabeis em que dia vem vosso Senhor” (Mt 24,42) e na parábola das dez virgens,
responder pelos seus próprios atos na espera do seu senhor, como na parábola do
servo fiel (Mt 24, 45-51) e na parábola dos talentos (Mt 25, 14-30), onde todos têm
que fazer os seus talentos darem frutos. Com isto, fica visível que Mateus quer
as obras pelas quais seremos julgados. Aqui, fica clara a importância da vigília e das
nuvens do céu, um como Filho de Homem” (7,13); ele se torna ainda mais misterioso
no julgamento final. Isto porque ele vai se identificar e estar presente nos pobres e
132
uma espessa nuvem sobre a montanha” (Cf. Ex 19,16). Passa pela tradição
deuteronomista, quando esta afirma: “Nações, exultai com seu povo, e afirmem sua
força todos os anjos de Deus!” (Dt 32,43). Ainda em Daniel, tem-se: “a ele foi
serviram. Seu império é império eterno” (Dn 7,14). E ainda a questão de Zacarias
14,5 que, no final deste versículo, diz: “E Iahweh, meu Deus, virá, todos os santos
com ele”. Lembrando que este texto comenta o combate escatológico e até mesmo
terá a reunião de todas as nações contra Jerusalém (Cf. Zc 14,2). Quando diz sobre
a vinda do Filho do Homem em sua glória e os seus anjos com ele, ele vai assentar-
se em seu trono de glória. Este lembra a teologia davídica de que Iahweh diz:
“firmarei para sempre teu trono real sobre Israel, como prometi a Davi, teu pai,
isto leva a uma teologia muito abrangente que demonstra o poder de Deus e
também a questão do julgamento. Daí, Mateus diz que, diante do Filho do Homem,
serão reunidas todas as nações e ele separará os homens uns dos outros (25,32).
Há, em Mateus, várias passagens que falam desta vinda escatológica (13,41; 19,28;
enraizadas na tradição dos judeus. “De un modo muy preciso evocan el mensaje de
intertestamentario” (PIKAZA, 1984, p. 22). Além de citar que o verdadeiro jejum que
Deus quer consiste em: “repartir o pão com o faminto, em recolheres em tua casa os
pobres desabrigados, em vestires aquele que vês nu” (Is 58,7); Em Tobias, capítulo
4, há vários conselhos:
(Mt 6,1-18). Porém, dá um alerta a todos: “Se a vossa justiça não ultrapassar a dos
escribas e a dos fariseus, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 5,20). Ainda neste
povo. Lembra a teologia do Êxodo: “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no
Egito. Ouvi seu grito por causa dos seus opressores; pois eu conheço as suas
época de Mateus, porém um pouco posterior, que é o Midrash sur les Psaumes:
misericórdia e justiça, irão para o castigo eterno, enquanto os justos, que praticarem
tais obras aos pequeninos, irão para a vida eterna. Novamente, neste v. 46, há a
misericórdia, serão chamados, no Juízo Final, de “benditos” (v. 34) e irão para a vida
eterna; os que não as praticarem, serão chamados de “malditos” (v. 41) e irão para o
castigo eterno. No fundo, a salvação final e a vida eterna dependem do que se faz
real, vivo e presente no meio dos sofrimentos e angústias do seu povo. Mostra, por
outro lado, uma fé que tem, por essência, as boas obras, não uma fé teórica ou por
135
palavras. Basta ver o verbo utilizado por Mateus, que é o verbo “fazer”. Daí, Jesus
diz: “Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um destes meus irmãos mais
pequeninos, a mim o fizestes” (v. 40) e “Em verdade vos digo: cada vez que não
Num primeiro momento, o texto parece ser muito cristológico. Parece até nem
incluir Deus-Pai, a não ser como mera referência, quando Jesus diz: “Vinde,
benditos de meu Pai” (v. 34). Ocorre que, quando ele diz
“pequeninos” e quem quer alcançar a vida eterna tem que ajudar os necessitados
enfrentava um outro desafio: os cristãos tinham sido expulsos das sinagogas que, de
uma certa forma, davam assistência aos mais necessitados. E agora que estão a
mercê das sinagogas e do Império Romano, contar com quem? A resposta é clara:
(Jesus) é a prova mais evidente de que o valor máximo está centrado em uma vida
136
digna que se constrói sob o alicerce da fé e do amor. Fazer aos irmãos é fazer ao
próprio Deus.
Para isto, o texto do Juízo Final utiliza muitas imagens para representar o
está cercado de anjos e vai sentar-se num trono de glória. Ele é o responsável pelo
“Pastor” – num mundo agrícola e pastoril, esta imagem fala muito alto. O
pastor é aquele que conduz as ovelhas e as protege dos perigos (lobos). O pastor
conhece suas ovelhas e elas escutam sua voz. Em Ezequiel, no capítulo 34, é o
próprio Deus que se queixa da má conduta de alguns pastores e vai dizer que Ele
mesmo vai cuidar de cada uma de suas ovelhas e diz: “Eu as apascentarei com
“Rei” – a imagem que se tinha no oriente era que a missão de um rei consistia
rei utilizada poderia dar uma impressão negativa, ou seja, os reis exploravam o seu
povo, viviam no luxo às custas da fome e pobreza de muitos. Mas Deus quer mostrar
aquela imagem de um rei do amor e do serviço, um rei que se preocupa com seu
contas quem reina e a quem se deve servir? Mateus diz: “Ninguém pode servir a
é clara: afinal quem é o Senhor da nossa vida? Servimos a Deus nos irmãos mais
senhor e até mesmo o Filho do Homem, que se faz presente como sendo um deles.
Impensável, na época, um rei todo poderoso se fazer como um dos seus súditos
miseráveis. Nestes pequeninos, está Jesus que passa pelos mesmos sofrimentos e
angústias e que busca pela vida digna. Nos pobres e oprimidos, que eram
o Juiz. Este não é um julgamento qualquer, mas a sua sentença decide toda uma
existência eterna. O Juízo consiste não em defender os ricos e dar a eles a causa,
outros. São duas imagens utilizadas para demonstrar o lugar de bênção, que é à
direita, tanto é verdade que são chamados de “benditos” (v. 34) e vão receber, por
herança, o reino dos céus, isto porque praticaram as obras de misericórdia aos mais
pequeninos, são chamados de justos e vão ter a “vida eterna”. Os da esquerda são
os “malditos” (v. 41), estes vão para o fogo eterno, pois não praticaram as obras de
misericórdia aos mais pequeninos. Sua sentença final é receber o “castigo eterno”.
um amor e uma fé que implicam uma prática. Não é uma mera lei, pois, conforme se
sabe, o mundo judeu girava em torno da lei (torá) e alguém dos fariseus pergunta a
indissolúvel. “Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia o seu irmão, é um
mentiroso: pois quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não
Deus é um só, e as obras, que se fazem aqui na terra em relação aos mais
presente com a vida no porvir. Deus está presente junto aos pobres e a
solidariedade em relação a eles é critério decisivo para que a vida continue no porvir,
essencial que Martínez (apud WEGNER, 2001, p. 311) diz que uma exegese que
mente, a belíssima mensagem do Juízo Final, pois: “Toda escritura é inspirada por
Deus e é útil para ensinar, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de
que o homem de Deus seja perfeito, preparado para toda boa obra” (2 Tm 3,16-17).
continua sofrendo neles e faz um apelo veemente: “Em verdade vos digo: cada vez
que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt
25,40). Assim sendo, pode-se dizer que: “a tarefa da atualização é construir uma
ponte entre o significado do texto no passado e sua relevância para os dias atuais”
(WEGNER, 2001, p. 310). Referindo-se à metodologia proposta por este autor, para
1. pessoal;
2. eclesial;
3. social.
141
sobre tal tema. No entanto, tendo por base algumas reflexões, este importante
ensinamento de Jesus deve ser vida em nossa vida e nos levar à luta por um mundo
1 Dimensão Pessoal
sonhada justiça e solidariedade e, principalmente, uma vida mais digna para o ser
ao mísero”, ou seja, àquele que necessita. Mas é necessário se estar atento(a), pois
“no son las intenciones ni los sentimientos, sino los gestos de ayuda los que cuentan
justiça exercidas em relação a todos aqueles que delas necessitam. Tal atitude é
de seus membros. Para que o outro possa mudar, devemos mudar primeiro e dar o
pessoal é muito importante, pois, sem ela, é impossível ter as dimensões eclesial e
social.
espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5,3), o que equivale dizer que o
importante é ser “pobre no íntimo, de pobreza sincera e profunda, [...] não se trata do
presente o próprio Jesus. Além do mais, é dever do cristão praticar tais obras por
amor, por convicção, de coração e sem esperar qualquer recompensa, pois ser
cristão supõe viver no amor a Deus e ao próximo, como a lei máxima deixada por
Jesus. É esse amor que deve nos levar à luta por um mundo mais justo e humano,
onde a vida possa ter dignidade. Não bastam apenas as obras de caridade, deve
A solução para o problema da fome hoje não se faz só com a boa vontade de
uns e o espírito de caridade de outros, mas com um trabalho estrutural que envolve
sobre a importância da dimensão pessoal em tudo isso, já que ela, num primeiro
fica evidente que tudo começa exatamente pela conversão do coração de cada um.
Para que se tenha um todo, é necessário primeiro que se tenham as partes que o
compõem. Nesse sentido, fica ainda mais compreensível que são “Bem-aventurados
os puros de coração” (Mt 5,8), porque estes conseguem ver Deus nos pobres, nos
143
passa necessariamente pelo coração das pessoas. No fundo, tudo começa com a
ela não é suficiente para consolidar o Reino de amor e justiça desejado por Deus,
sendo a dimensão eclesial fundamental para que, de fato, este Reino aconteça e se
2 Dimensão Eclesial
fiéis como é o caso dos cristãos. No entanto, podemos dizer que a Igreja Cristã tem
uma missão essencial quanto às obras de justiça e solidariedade para com os mais
necessitados.
Léxico grego (1991, p. 67), “a igreja ou congregação cristã: como uma reunião da
justiça.
brasileiros, o que equivale dizer que 73,60% da população brasileira se diz católica,
muito embora saibamos que nem todos que se dizem católicos são praticantes de
fato. É, sem dúvida alguma, um número muito expressivo. Por outro lado, foi
Jesus Cristo.
Deus e ao próximo (Cf. Mt 22,34-40) e, para que isto fique ainda mais evidente,
Jesus, no episódio do Juízo Final, vai dizer: “cada vez que o fizestes a um destes
meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40), referindo-se às obras
de justiça e misericórdia aos mais necessitados. Ora, se quase 90% dos brasileiros
com suas obras, o que Ele mesmo disse, ou seja, além de ter pregado o amor a
quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, acolher os pobres e peregrinos, dar
roupa aos que estão nus, visitar os doentes e presos e muitas outras obras de
prática do amor a Deus e ao próximo, seja na Igreja Católica, seja nas Igrejas
Evangélicas, onde os seus membros são chamados de “irmãos”, tanto uma, como a
145
cristãos.
”Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um destes meus irmãos mais
pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40); “Em verdade vos digo: cada vez que não
de “pequeno”, “pouco”, que aparece nas seguintes passagens: “E quem der, nem
que seja um copo d’água fria a um destes pequenos, por ser meu discípulo, em
verdade vos digo que não perderá sua recompensa” (Mt 10,42); “Caso alguém
escandalize um destes pequenos que crêem em mim, [...]” (Mt 18,6); “Não
desprezeis nenhum desses pequenos, [...]” (Mt 18,10); “Assim também, não é da
vontade de vosso Pai, que está nos céus, que um destes pequenos se perca” (Mt
18,14).
146
Mesmo no texto do Juízo Final, temos: tw/n avdelfw/n mou tw/n evlaci,stwn, ou
seja, a um destes meus irmãos mais pequeninos (v. 40), e tou,twn tw/n evlaci,stwn, isto
Jerônimo (1989, p. 333) “é o primeiro a dar uma indicação que ‘meus irmãos
referem aos não-cristãos como beneficiários viáveis da caridade dos fiéis” (GRAY,
1989, p. 333).
universal, vai afirmar que, no fim do século XIX e início do século XX, começaram a
“afirma que Mateus quer dizer que Cristo chama seu povo para
servir ao mundo. Os necessitados da parábola não são outros
membros da Igreja, mas todos os necessitados do mundo. Foi
sobretudo neste século e no anterior que se cultivou a
chamada tendência universalizadora” (OVERMAN, 1999, p.
380).
Muito embora Overman descreva o Juízo Final como “parábola”, ao dizer que
literário, mas em outros também. Segundo ele (1999, p. 378), “esta parábola tornou-
Mas, e hoje? Quem são os mais “pequeninos”? Evidente que ainda são os
necessários para terem uma vida digna. Neles, hoje, está o próprio Jesus que nos
alerta mais uma vez: ”Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um destes
A Carta Encíclica “Deus Caritas Est” (Deus é amor) será base para o
desenvolvimento deste tema num primeiro momento. Nela, o Papa Bento XVI (2006,
posteriormente, foram chamados de “cristãos” (At 11,26), o tríplice dever dito pelo
Papa Bento XVI. Foi o próprio Jesus Cristo quem enviou os discípulos em missão
paz (Mt 10,5-15; Mc 6,7-13; Lc 10,1-11). Mesmo depois de ressuscitado, Jesus vai
dizer aos seus discípulos: “Vão e façam com que todos os povos se tornem meus
ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês. Eis que estarei com vocês
Quanto à prática do amor, Jesus a anunciou com a sua própria vida, com
seus gestos, atitudes e o seu modo de ser. Disse claramente que o amor a Deus e o
amor ao próximo como a si mesmo é a razão de ser de toda a lei e os profetas (Mt
22, 36-40) e ainda deixou claro: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos
outros como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por
seus amigos. Vós sois meus amigos, se praticais o que vos mando” (Jo 15,12-14).
Por tudo isso, o Papa Bento XVI (2006, p. 29) diz que:
comunidade dos crentes não deve haver uma forma de pobreza tal que sejam
negados a alguém os bens necessários para uma vida condigna” (BENTO XVI,
2006, p. 28).
fome nos questionam. Como explicar que a Igreja é uma família, onde nenhum
150
ensinamentos de Jesus, a fé e a nossa realidade atual são gritantes. Por outro lado,
Em sua obra “A guerra dos deuses”, Michael Löwy (2000, p. 60), ao comentar
resolveu fazer “a opção preferencial pelos pobres”, mas ressalta que: “esses pobres
são os agentes de sua própria libertação e o sujeito de sua própria história – e não
onde,
fome”, diz:
Ainda em relação ao texto do Juízo Final, as obras exigidas não podem estar
É nesse sentido que caminha a teologia da libertação, onde “os pobres já não
De um modo geral,
prática, para que aconteça, de fato, uma Igreja como sacramento da humanidade e
a chamada “fraternidade”. Uma Igreja onde os pobres sejam agentes de sua própria
libertação e o sujeito que conduz a sua história. O verbo utilizado por Jesus, no
Juízo Final, é o "fazer". Por isso, ele diz: “Em verdade vos digo: cada vez que o
fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40).
152
3 Dimensão Social
“contra a dureza do mundo”. Hoje, mais do que nunca, vivemos numa sociedade que
é um termo também polêmico. Tanto que Peter L. Berger (1985, p. 118/9) diz que:
289), “mesmo admitindo que existe uma economia-mundo desde o século XVI, é
últimas décadas”.
Por outro lado, Michael Ramminger (2004, p. 221) comenta este conceito e
diz:
ricos que ficam cada vez mais ricos e uma maioria esmagadora de pobres que ficam
detêm 70% do rendimento mundial. Isto quer dizer que 85% da mesma população
detêm apenas 30%. É um verdadeiro abismo que separa os ricos e os pobres. Outro
dado questionador é que 1 bilhão de pessoas, no mundo, vivem com menos 1 (um)
dólar por dia, o que pode ser denominado de indigente ou de miséria absoluta.
não sobre esta em si, a qual, segundo Maria da Glória Gohn (2003, p. 35), faz parte
movimentos é:
esses países, como nos demais, ainda hoje falta a partilha e, principalmente, cumprir
o mandado de Jesus: “Vocês é que têm de lhes dar de comer” (Mt 14,16).
155
partilhar e lutar pela vida digna de seus irmãos. Outra vergonha consiste na
pobres.
seja, 89,01%, o que equivale dizer que quase 90% são cristãos. Diante desse
Getúlio Vargas, esses indigentes são os que têm uma renda mensal inferior a R$
http://www.consciencia.net/educacao/hist/censo.html:
Toda essa realidade social, num país governado, em sua maioria, por
cristãos, o que se questiona é até que ponto os ensinamentos deixados por Jesus,
falando, pode ser chamado de “rico”, enquanto a maioria de seu povo é “pobre”, com
que interessa são os indicadores econômicos para que o país tenha um prestígio
como a população mais pobre, a qual clama por justiça e é considerada um peso
para o país.
até meio salário mínimo por mês; e que, entre esses, 21,9
milhões são muito pobres ou indigentes, com renda per capita
mensal igual ou inferior a 1/4 de salário mínimo” (CNBB/80,
2005, p. 74/5).
De acordo com os dados desse Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada -
contraste entre ricos e pobres é chocante, quer entre os países, quer dentro de cada
inadmissível para quem se diz cristão, seja ele ligado ao governo ou não. Ninguém
em relação aos que são considerados pobres ou miseráveis. São “Pobres os que
vivem com renda diária de até dois dólares, e como miseráveis os que ganham até
50% mais pobres receberam apenas 13,3% desta” (CNBB/80, 2005, p. 82). Esta
e “escandaliza-nos o fato de saber que existe alimento suficiente para todos e que a
fome se deve à má repartição dos bens e da renda” (CNBB/69, 2002, p. 9). Falta
“Fome Zero”. Este último torna-se importantíssimo, mas não deve ter apenas o
passo, todavia é necessário seguir o seu plano de metas e abrir caminhos para a
promoção social, criando novos empregos, fazendo uma justa reforma agrária,
CONCLUSÃO
Por trás do texto do Juízo Final (Mt 25,31-46), há todo um contexto social.
Com a destruição do Templo, em Jerusalém, por volta do ano 70, pelos romanos,
muitos judeus e cristãos foram para a Antioquia por ser um centro cultural e
Calcula-se que, das pessoas que viviam em Antioquia, “Cerca de 90% da população
subsistência” (SALDARINI, 2000, p. 70). Para complicar ainda mais, estes judeus e
para mostrar que a história não termina aqui, mas que há um outro mundo, onde
161
Deus se está atento às obras que praticam os justos e os ímpios. Assim sendo,
haverá um Juízo Final, onde o “Filho do Homem” será o responsável pelo julgamento
e dará a vida eterna aos que praticarem as obras de misericórdia e o castigo eterno
aos que não as praticarem. Todavia, este Juízo Final tem, por critério, a partilha dos
bens e a solidariedade, aqui e agora, no presente da história. Tudo gira em torno de:
“Porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, era
também é pastor e rei, e Jesus mesmo vai dizer: “Em verdade vos digo: cada vez
que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” e “Em
verdade vos digo: cada vez que não fizestes a um destes pequeninos, a mim não o
também estar descrito simplesmente como “Juízo Final”, a mesma foi baseada no
edição, onde, depois da crítica textual e da tradução, o destaque fica por conta dos
32 verbos, num total de 58, que estão no indicativo aoristo e todos se referem ou
Dos dezesseis versículos (31-46) que compõem o texto do Juízo Final, doze
v. 32, passa a ser, agora, “rei”, e o mesmo acontece nos vv. 40 e 45.
mostrar que Deus se estava atento a tudo e que, no julgamento final, os bons
13
A parábola mais original está na p. 56.
164
de misericórdia aos mais “pequeninos” (evlaci,stwn). E quem são estes? Em seu livro:
(1989, p. 337) diz que, das 504 referências, nos seis séculos e meio, na era dos
“Padres da Igreja”, 312 (62%) estão no sentido neutro, 166 (33%) estão em sentido
necessitados.
“afirma que Mateus quer dizer que Cristo chama seu povo para
servir ao mundo. Os necessitados da parábola não são outros
membros da Igreja, mas todos os necessitados do mundo. Foi
sobretudo neste século e no anterior que se cultivou a
chamada tendência universalizadora”.
Nessa mesma linha, há muitos outros hoje, dentre eles Gourgues (2004, p.
206), o qual afirma que tanto para “os mais pequeninos” como para “todas as
205), comentando Mt 25,40, diz que “’por irmãos’ não se entendem neste lugar os
Evidente que, ainda, são os famintos, os sedentos, os andarilhos, os que estão nus,
necessários para terem uma vida digna. Neles, hoje, está o próprio Jesus que nos
alerta mais uma vez: ”Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um destes
maneira, porém deixando muito a desejar, tem desenvolvido um trabalho social que
visa à dignidade dos pobres e a sua libertação, bem como também um trabalho
reconhece que:
pessoal e eclesial” para reconhecer, de fato, o rosto de Jesus nos mais pobres. Falta
também, a uma parte da Igreja e dos cristãos, trocar de verbo, ao invés de ficar com
o verbo “falar”, passar a agir e ao verbo “fazer”, pois Jesus é claro ao dizer: “Em
verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um destes meus irmãos mais
pequeninos, a mim o fizestes” e “Em verdade vos digo: cada vez que não fizestes a
(31,7% da população brasileira) vivem na pobreza, com renda per capita de até meio
salário mínimo por mês” (CNBB/80, 2005, p. 74). E não pára por aí, pois o país tem
que não sabem ler e escrever; 95 milhões de brasileiros que moram em casas não
social, o que se questiona é qual tem sido o papel dos brasileiros para mudar esta
realidade. Na verdade, são 89,01% de cristãos, quase 90% dos brasileiros. Uma
maioria plena dos que governam nosso país se dizem também cristãos. O que se
questiona é o por que de tanta miséria e injustiças. Ainda, estamos muito longe de
Jesus a sério.
que muitos cristãos, a Igreja Católica e o Governo Brasileiro têm feito alguma coisa
até certo ponto, mas, ainda, há muita coisa para se fazer. O “Bolsa-Escola”, o
“Bolsa-Família” e o “Fome Zero” são programas sociais que devem ser ampliados e
inconcebível que, de acordo com os dados de 2003, “1% dos brasileiros mais ricos
receberam apenas 13,3% desta” (CNBB/80, 2005, p. 82). Para que o texto do Juízo
Final aconteça e para que haja, de fato, uma inclusão social, ainda falta a
conversão, ou seja, a mudança de vida de muitos cristãos, de uma boa parte das
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