Revista Geotecnia - Avalição Potencial Liquefação - BOM
Revista Geotecnia - Avalição Potencial Liquefação - BOM
Revista Geotecnia - Avalição Potencial Liquefação - BOM
RESUMO – O fenômeno da liquefação está diretamente relacionado à perda repentina da resistência dos
materiais granulares, fofos e saturados, induzida por uma redução significativa das tensões efetivas e, em
conseqüência, por um desenvolvimento de elevadas poropressões. O mecanismo, em muitos casos, é causado
pelos efeitos de vibrações, associadas os eventos sísmicos ou detonações. Por outro lado, em regiões
assísmicas, caso do Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais (Brasil), o fenômeno pode ocorrer mesmo sob
carregamentos estáticos. Para a investigação da susceptibilidade à liquefação dos rejeitos granulares de
minério de ferro, foram coletadas amostras em seis diferentes sistemas de contenção da região do Quadriláreto
Ferrífero e realizado um amplo programa experimental. Os estudos consistiram de séries de ensaios triaxiais
não-drenados, em amostras adensadas isotropicamente. Os resultados obtidos são apresentados neste trabalho,
constatando-se a possibilidade de ocorrência do fenômeno em rejeitos de minério de ferro e demonstrando a
consistência das metodologias de avaliação adotadas.
SYNOPSIS – The liquefaction process is strictly related to the abrupt loss of shear strength of loose, saturated
and coarse grains. It is induced by a significant decrease in the effective stress and the consequent increase in
pore pressure, which, in turn, can be related to vibration, seismic events and the use of explosives.
Liquefaction may also be present in non seismic regions, as the case of the Quadrilátero Ferrífero, in the state
of Minas Gerais, Brazil, due to static loading. In this work iron ore tailings were investigated for their
susceptibility to liquefaction. For that, tailings samples were collected in six different tailings containment
systems of the Quadrilátero Ferrífero, followed by an extensive laboratory program. Many series of triaxial
tests under undrained conditions were performed in isotropically consolidated samples. The results of these
tests are presented in this work, showing that the occurrence of liquefaction is a possibility for iron ore tailings,
corroborating also the methods used for evaluating this phenomenon.
1 – INTRODUÇÃO
A região do Quadrilátero Ferrífero, localizada no estado de Minas Gerais, Brasil, com área
aproximadamente de 7.000 km2, é caracterizada por possuir imensas reservas de minério de ferro,
ouro, manganês e outros minerais, cuja exploração sistemática e intensa resulta em volumes consi-
deráveis de resíduos. Deste acervo mineral de grandes proporções, participam grandes conglomerados
industriais (Samarco, CVRD, MBR, etc.) e um sem número de minerações de pequeno e médio porte.
Em alguns casos, podem ser usados dispositivos especiais, como os hidrociclones, por exem-
plo, para separação das frações grossa e fina em rejeitos. Em outras situações, o processo de segre-
gação natural das partículas do rejeito pode tornar-se um fenômeno bastante complexo em face das
diferentes densidades dos minerais presentes (evento típico em minerações de ferro, devido a inte-
ração de diferentes granulometrias e densidades de grãos de sílica e óxidos de ferro).
A construção de uma barragem de rejeito, geralmente, é feita pela própria mineradora e o al-
teamento ocorre de acordo com a necessidade de armazenamento do rejeito. Este processo apresen-
ta vantagens econômicas em relação às barragens convencionais compactadas, que são usualmen-
te finalizadas num curto período de tempo antes do enchimento. Entretanto, o controle construtivo
destas barragens de rejeito é geralmente limitado e podem ocorrer rupturas associadas à má apli-
cação das práticas construtivas (Gomes et al., 2001).
Adicionalmente, as barragens de rejeito, em sua maioria, são projetadas com a técnica de ater-
ros hidráulicos pelo método de alteamento para montante. Esta metodologia, no entanto, pode apre-
sentar grandes problemas relacionados aos aspectos construtivos e de segurança, pois existem pou-
cas especificações técnicas relacionadas a este tipo de estrutura.
2 – O FENÔMENO DA LIQUEFAÇÃO
152
sísmicos. Avaliações direcionadas para as tensões estáticas, como condicionantes do mecanismo de
ruptura, têm sido raramente realizadas (Fourie et al., 2001).
A liquefação pode ser basicamente entendida como sendo uma ação de levar qualquer subs-
tância de seu estado natural ao estado fluido e, no caso dos solos, do estado sólido para o estado li-
quefeito. Para tal, impõe-se um dado acréscimo da poropressão em concomitância com a redução
das tensões efetivas. Esta transformação decorre da brusca aplicação de uma determinada carga,
que pode ter origem estática ou dinâmica.
Castro (1969), em estudo sobre a liquefação das areias saturadas, definiu a liquefação como
sendo o fenômeno pelo qual a areia experimentou uma redução significativa da sua resistência ao
cisalhamento, em condições não-drenadas, resultando em uma condição de fluxo da massa de solo
até que as tensões cisalhantes em ação fossem compensadas pela própria resistência ao cisalhamento
do solo.
O fenômeno está potencialmente associado a solos que apresentam tendência à contração (re-
dução de volume) durante o cisalhamento. Os solos dilatantes, ou seja, aqueles que experimentam
acréscimos de volume durante a ação cisalhante, não apresentam susceptibilidade à liquefação. A
impossibilidade do mecanismo nestes solos está conectada à justificativa de que a resistência ao ci-
salhamento não-drenada é maior do que a resistência drenada (Poulos et al., 1985). Todavia, alguns
autores associam o fenômeno também aos solos dilatantes.
rante solicitações cíclicas e a chamada liquefação efetiva (verdadeira), relacionada a uma redução
substancial da resistência ao cisalhamento de materiais granulares, fofos e saturados. A redução da
resistência ao cisalhamento pode ser induzida pelo desenvolvimento de poropressões elevadas,
oriundas de grandes incrementos monotônicos (carregamentos estáticos) ou por eventos dinâmicos.
Uma outra classificação, mais comumente utilizada, é baseada nos agentes causadores do fe-
nômeno: a liquefação dinâmica, causada por terremotos e vibrações e a liquefação estática. A lique-
fação estática pode estar associada a eventos tais como:
Em países com índices sísmicos elevados, a ruptura sob condições estáticas não se dá, muitas
vezes, devido às medidas involuntárias adotadas em projetos que visam o combate essencialmente
voltado aos carregamentos sísmicos. Em zonas assísmicas, entretanto, o fenômeno tem sido respon-
sável por rupturas de diques, barragens e aterros hidráulicos associados à deposição de rejeitos de
mineração, pois nestas estruturas, em muitos casos, inexiste um sistema de controle as variáveis de
deposição. A proposta da avaliação da susceptibilidade à liquefação de rejeitos de minério de ferro
realizada no presente estudo está condicionada ao fenômeno da liquefação estática, uma vez que o
Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais está localizado numa região francamente assísmica (Tibana
et al., 1998; Gomes et al., 2002; Pereira, 2005).
153
3 – PROGRAMA EXPERIMENTAL
Para a realização dos estudos, foram coletadas amostras deformadas de rejeitos de minério de
ferro, considerando diferentes aspectos em termos da natureza do minério bruto, granulometria,
processos de beneficiamento industrial e características químicas e mineralógicas.
paração gravimétrica em mesa oscilatória para redução do teor de Fe presente, foram identificadas
distância do ponto de descarte ao longo da praia. Algumas amostras, submetidas aos ensaios de se-
Os resultados dos ensaios para a determinação da massa específica dos grãos (ρs) e determi-
nação dos índices de vazios limites das doze amostras estudadas são apresentados no Quadro 1.
Quadro 1 – Massa específica dos grãos e índices de vazios limites dos rejeitos analisados.
Barragem de rejeitos de
CGR-FE 4,152 0,739 1,245
Campo Grande (CVRD)
154
mm), com exceção da amostra FII-FE, que apresentou uma pequena parcela (0,2%) retida nessa
peneira. As curvas granulométricas obtidas são apresentadas nas Figuras 1 e 2. As frações
granulométricas de todas as amostras são dadas no Quadro 2.
155
Quadro 2 – Distribuição granulométrica dos rejeitos analisados.
39,0
GER01-FE 13,0 48,0
36,5 2,5 –
38,0
GER20-FE 13,0 49,0
35,5 2,5 –
66,0
ITA01-FE 13,5 20,5
47,0 18,0 1,0
69,5
ITA20-FE 13,5 17,0
54,5 14,0 1,0
26,5
FIII01-FE 18,5 55,0
18,5 7,5 0,5
37,0
FIII20-FE 18,0 45,0
23,5 12,5 1,0
76,0
FII-FE 13,0 11,0
32,0 34,0 10,0
76,5
FII-FER 10,5 13,0
22,0 33,5 21,0
30,0
CGR-FE 12,0 38,0
15,5 14,5 –
53,0
DOU01-FE 12,0 35,0
49,0 4,0 –
48,0
DOU20-FE 13,0 39,0
43,0 5,0 –
53,0
DOU01-FER 11,0 36,0
48,0 5,0 –
156
Quadro 3 – Composição química dos rejeitos analisados.
Composição (%)
Amostra
Fe SiO2 Al2O3 P MnO2
As amostras para as análises microscópicas de varredura dos rejeitos de minério de ferro fo-
ram preparadas em “stubs” (forma cilíndrica) com cerca de 15 mm de diâmetro e recobertas com
evaporação de carbono, permitindo, desta forma, a realização de micro-análises. Após preparadas
e evaporadas, as amostras foram levadas ao MEV, sendo realizadas micro-análises e análises mor-
fológicas de todos os rejeitos. Além da evidência clara da hematita e do quartzo em todos os rejeitos
de minério de ferro analisados, algumas amostras apresentaram também uma presença marcante de
goethita (Quadro 4).
Quadro 4 – Quadro resumo dos minerais identificados nos rejeitos submetidos ao MEV.
157
3.3 – Ensaio de compressão triaxial
As amostras que constituíram os corpos de prova foram moldadas a partir do rejeito granular
seco em estufa. Posteriormente, acrescentou-se um volume d’água suficiente para a manutenção da
estabilidade da amostra sobre a base do equipamento triaxial (em torno de 6 a 10% de umidade,
dependendo da granulometria do rejeito). Para tanto, foi elaborado um molde bipartido com dimen-
sões internas de 35,5 mm de diâmetro e 80 mm de altura, capaz de moldar corpos de prova de re-
jeitos com diferentes densidades. O procedimento de transferência das frações de rejeito para o
molde bipartido foi realizado com o auxílio de uma pequena colher, que era levada até o fundo para
se evitar efeitos de segregação, utilizando-se um bastão de 8 mm de diâmetro para a sua eventual
compactação. A adoção deste procedimento possibilitou uma maior uniformidade da amostra, em
termos estruturais e de densidade.
Todas as amostras foram moldadas com índices de vazios próximos ao emax, ou seja, correspon -
tra. A maioria das amostras foi moldada com valores de Dr abaixo de 20%. Entretanto, durante a
dentes aos menores valores de densidades relativas (Dr), suficientes para a estabilidade da amos-
As tensões confinantes de trabalho variaram entre 50 e 200 kPa. Como se utilizou uma contra-
pressão (up) igual a 200 kPa para todas as amostras de rejeito, a pressão de célula necessária para
atingir as tensões confinantes 50, 100 e 200 foram acrescidas deste valor de up. A contra-pressão de
200 kPa é sugerida como um valor razoável para amostras granulares reconstituídas (Head, 1986).
As velocidades adotadas variaram entre 0,04 e 0,09 mm/min, de acordo com a metodologia adotada.
Com base na correlação entre parâmetros obtidos das envoltórias p’- q e os parâmetros de
resistência c’ e φ’ (coesão e ângulo de atrito efetivos) do critério de Mohr-Coulomb, foram deter-
minados os parâmetros de resistência correspondentes às condições mais desfavoráveis (estado
mais fofo possível) dos rejeitos de minério de ferro oriundos do Quadrilátero Ferrífero de Minas
Gerais (Quadro 5).
Parâmetros de pico
Amostra ρd (g/cm3) GC (%) e n (%) Dr (%)
c’ (kPa) φ’ (o)
158
4 – AVALIAÇÃO DO POTENCIAL DE LIQUEFAÇÃO DOS REJEITOS
to, é possível a construção de diagramas p’ versus q e e (índice de vazios) versus σ’3 (tensão efetiva
de prova ensaiados sob variados índices de vazios. Aplicando-se diferentes tensões de confinamen-
principal menor), obtendo uma curva de ajuste chamada linha de regime permanente, em escala
logarítmica.
de liquefação proposto é dependente desta variável. A determinação do valor de Ssu pode ser feita a
mento não-drenada de regime permanente), uma vez que o procedimento para a avaliação do potencial
partir dos resultados dos ensaios triaxiais não-drenados, de acordo com as seguintes relações:
(1)
(2)
(3)
em que (σ1s – σ3s) é a diferença das tensões principais de regime permanente, σ’3c é a tensão
principal menor no início do cisalhamento, ∆us é a poropressão gerada no regime permanente e φs
é o ângulo de atrito de regime permanente.
No entanto, como o objeto da avaliação aplicada aos rejeitos é a condição de índice de vazios
máximo possível, justificada pela sua técnica de disposição, a sistemática do procedimento propos-
to restringiu-se essencialmente às análises com amostras moldadas em uma única densidade relati-
va (Dr). A densidade de moldagem refere-se ao maior índice de vazios conseguido durante a mol-
dagem, próximo ao índice de vazios máximo. Cabe ressaltar que a compacidade obtida no momen -
to da moldagem variou para cada tipo de rejeito, em função das suas especificidades de geração.
(4)
159
em que τd é a tensão de cisalhamento necessária para a manutenção do equilíbrio estático, que pode
ser obtida a partir de métodos clássicos de análise de estabilidade.
A maioria dos métodos clássicos de análise de estabilidade utiliza, além dos parâmetros de
resistência dos materiais presentes, informações relativas à geometria da estrutura analisada, posi-
ção do nível freático, etc. No entanto, o procedimento foi aqui trabalhado com a consideração das
propriedades e do comportamento dos rejeitos, sendo aplicadas situações hipotéticas relacionadas
às variáveis geométricas das estruturas de contenção dos rejeitos.
A análise foi amparada na proposição de Ishihara et al. (2000). Nesta concepção, a tensão de
cisalhamento é obtida por meio da análise simplificada da estabilidade de uma massa de material
granular, com ruptura potencial paralela à inclinação de um talude hipotético (Figura 3), tal que τd
é expressa da seguinte forma:
(5)
Poulos et al. (1985) e adaptada por Ishihara et al. (2000), dependerá fundamentalmente da inclina -
Dessa forma, o fator de segurança contra a liquefação, segundo a proposta apresentada por
Os resultados foram processados com base na adoção dos valores médios de FL (Figuras 4 e
5). A adoção dos valores médios contempla a posição de diversos autores (por exemplo, Sladen et
al., 1985) de que a estabilidade de materiais granulares à liquefação, em condição de regime per-
manente, é função somente do índice de vazios e, assim, os efeitos de confinamento não devem ser
considerados como variáveis intervenientes no fenômeno.
160
Fig. 4 – Relação entre valores médios de FL e a inclinação para o rejeitos
GER01-FE, ITA01-FE, FIII01-FE e CGR-FE.
ruptura associados à liquefação. No caso do segundo, porém, valores de FL < 1 ocorrem para talu-
rejeitos GER01-FE e CGR-FE apresentam-se bem estáveis face aos mecanismos potenciais de
des com α > 24º, ou seja, taludes com inclinação superior a 1V:2,2H.
Os depósitos de rejeitos FIII01-FE e ITA01-FE somente seriam estáveis para inclinações muito
suaves, da ordem de 1V:2,9H e 1V:3,2H, respectivamente. Contudo, quando os seus comportamen-
po de estrutura, por exemplo, acima de 1V:2,5H, FL tende assumir valores de 0,87 para o rejeito
tos são analisados levando em consideração taludes mais íngremes, tipicamente aplicados neste ti-
FIII01-FE e de 0,80 para o rejeito ITA01-FE, evidenciando, portanto, condições críticas em termos
de uma ruptura por liquefação, mesmo sob condições estáticas de carregamento.
muito susceptíveis à liquefação sob carregamentos estáticos, com base nos valores de FL. Durante
Esta condição é ainda mais crítica no caso dos rejeitos FII-FE e DOU01-FE, que se mostram
o cisalhamento não-drenado desses materiais, observou-se uma geração excessiva das poropressões.
Em contrapartida, ocorreram quedas abruptas das tensões efetivas, tendo o regime permanente de
resistência no plano de ruptura (Ssu) assumido valores relativamente mais baixos. Este fato evi-
denciou o aparecimento de números de FL abaixo da unidade para os rejeitos FII-FE e DOU01-FE,
161
mesmo quando avaliados sob baixas inclinações. Esta característica foi visivelmente evidenciada
em todos os níveis de carregamento.
Cabe destacar que os mesmos rejeitos, quando submetidos à redução do teor de ferro, apresen -
taram um ganho considerável de estabilidade quanto aos potenciais mecanismos de ruptura associa-
FER, para uma inclinação de 1V:4H, o valor de FL assume um valor em torno de 3 vezes maior,
dos à liquefação estática, como mostrado na Figura 5. Analisando os resultados da amostras FII-
com segurança à liquefação (valores de FL maiores que 1) para baixas inclinações de taludes.
quando comparado à FII-FE. De uma condição de total instabilidade, o rejeito passa a se comportar
(6)
em que Spico é a tensão de tensão de cisalhamento de pico e Ssu é a resistência ao cisalhamento não-
drenada de regime permanente, definido anteriormente (Equação 1).
(7)
em que qpico a semi-diferença das tensões principais de pico (σ1p e σ3p) e φpico , o ângulo de atrito
de pico.
O valor de IBu varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo da unidade, maior a fragilidade do mate-
rial, resultando em uma característica mais elevada de ruptura por liquefação. Tal característica
condiciona a classificação dos rejeitos FII-FE e DOU01-FE como possuidores do maior grau de
fragilidade e, consequentemente, maior tendência de ruptura associada à liquefação Durante o car-
regamento monotônico não-drenado, se o material comportar-se como dilatante, o índice de fragili-
dade é definido como sendo igual a zero. A proposta de avaliação classifica os rejeitos GER-FE e
CGR-FE como os menos susceptíveis ao fenômeno, ratificando as análises anteriores.
processos de beneficiamento industrial. Em caráter preliminar, verifica-se que, para valores de IBu
razoável considerando a dispersão dos dados e a natureza distinta do minério de origem e dos
superiores aos limites de 0,21, 0,14 e 0,07, relativas às inclinações de 1V:4H, 1V:3H e 1V:2H,
respectivamente, as estruturas de contenção dos rejeitos de minério de ferro tenderiam a ser estáveis
à liquefação estática.
162
Fig. 6 – Correlação proposta entre FL e IBu para todos os rejeitos em 3 diferentes graus de inclinação.
regime permanente. Sladen et al. (1985) plotaram IBu versus a razão p’0/p’s, que caracteriza a
pode ser ainda comparado com outros dados que utilizam relações diretas com a condição de
relação entre a tensão efetiva média inicial e a de regime permanente, para quatro tipos de areias
finas e uniformes. A estreita inter-relação entre os dois índices, relatada pelos autores, também é
sente estudo, indicando que IBu é uma função bem definida de p’0/p’s para o conjunto dos rejeitos
observada nos rejeitos de minério de ferro. A Figura 7 apresenta os índices plotados durante o pre-
ensaiados.
Fig. 7 – Relação entre IBu e p’0/p’ para as amostras dos rejeitos analisados.
Particularmente, observa-se uma concentração de pontos para valores da razão p’0/p’ entre 0,6
e 2,0. Estes pontos correspondem aos rejeitos que se comportam estaticamente instáveis para talu-
163
des com inclinações abaixo de 1V:4H, p’0/p’s poderia assumir valores inferiores a 2,0 para garantir
des com inclinações elevadas, mas seguros para taludes mais suaves. Portanto, considerando talu-
Cabe destacar que, tanto as análises de IBu quanto as de FL, estão condicionadas à estruturas
alteadas com o próprio rejeito. Os valores mínimos destas grandezas foram determinados para a
condição mais crítica de estabilidade, ou seja, a condição saturada do maciço. Evidentemente, para
a ocorrência da liquefação, o material disposto deve apresentar-se fofo e saturado de modo a per-
mitir o desenvolvimento de poropressões elevadas. Caso contrário, as metodologias não são apli-
cáveis e eventos de rupturas não podem ser associados ao fenômeno, tanto em condições estáticas
quanto dinâmicas.
A partir das trajetórias, foram definidas zonas no espaço de tensões em que é possível a ocor-
rência da liquefação por indução de um carregamento dinâmico e/ou estático e regiões onde a ativa-
ção do fenômeno é fisicamente inconsistente. As zonas, com as correspondentes tendências de li-
quefação, são apresentadas na Figura 8.
164
Na adaptação proposta, são definidos a inclinação da superfície de colapso (ML), o ângulo de
inclinação da superfície de colapso (αL) e o intercepto (aL) projetado no eixo q. A Figura 9 apre-
senta esses parâmetros representados na trajetória de Lambe (1964).
(8)
A partir da representação no diagrama p’-q, pode ser estabelecida uma analogia direta com os pa-
râmetros no critério de ruptura de Mohr-Coulomb. Assim, a superfície de colapso pode ser ainda defi-
nida por um ângulo de atrito interno (φL) e um intercepto de coesão (cL) equivalentes, expressos por:
(9)
(10)
Portanto, para que seja conhecida a superfície de colapso de um determinado material granular,
é necessário estabelecer previamente o comportamento das tensões totais e das poropressões geradas
em função das deformações. A Figura 10 mostra o diagrama tensão-deformação e poropressão-
deformação para o rejeito FII-FE, passo inicial para a determinação da superfície de colapso.
165
Fig. 10 – Diagrama tensão-deformação e poropressão-deformação do rejeito FII-FE.
Para efeito de comparações das magnitudes das poropressões geradas durante o cisalhamento
não-drenado do rejeito FII-FE, é apresentada a seguir (Figura 11) uma representação similar à Figura
10, demonstrando os baixos níveis de poropressões geradas pelo rejeito GER01-FE.
A partir da Figura 10 verifica-se que o pico de tensões é alcançado para um baixo nível de de-
formação, da ordem de 2 %, em todos os níveis de confinamento. Este ponto é correspondente ao
ponto máximo de cada trajetória de tensões efetivas apresentadas na Figura 12, cuja configuração
é típica de materiais com tendência de contração durante o cisalhamento não-drenado.
Nota-se uma expressiva região de instabilidade estática, associada a baixos níveis de deforma-
ção, evidenciando, assim, mais uma vez, os condicionantes críticos deste rejeito à liquefação, tal
166
Fig. 12 – Trajetórias de tensões efetivas do rejeito FII-FE.
como explicitado anteriormente pelos baixos valores de FL e IBu. Comportamento similar ocorreu
para outros rejeitos, com destaque para a amostra do rejeito DOU01-FE (Figura 14).
Cambridge. No entanto, um ponto vantajoso quando se considera diagrama p’-q de Lambe (1964)
Diversos autores costumam representar a superfície de colapso em termos das trajetórias de
para a representação, é o estabelecimento de uma analogia direta para a utilização dos parâmetros
de colapso no critério de ruptura de Mohr-Coulomb.
167
Assim, é possível caracterizar os parâmetros ângulo de atrito interno de colapso (φL) e intercep-
to de coesão de colapso (cL), com base no ângulo aL e no intercepto αL da superfície de colapso.
Estes valores estão apresentados no Quadro 6 e são coincidentes com os parâmetros de pico dos
rejeitos no estado mais fofo possível, uma vez que a superfície de colapso, sendo definida pelos
picos das trajetórias de tensões efetivas, é a própria envoltória de ruptura para as tensões de pico.
Parâmetros de colapso
Amostra Dr (%)
c’L (kPa) φ’L (o)
(11)
(12)
Os resultados apresentados nas condições de colapso indicam valores mínimos de FL(L) su-
periores a 1,2, para inclinações mais suaves. O rejeito FII-FE, por exemplo, que apresentou FL in-
ferior a 0,50, na consideração de um talude 1V:4H, apresenta agora um FL(L) em torno de 1,30
para as mesmas condições. O rejeito DOU01-FE também assume um valor de FL(L) acima de 1,30
para o mesmo grau de inclinação.
Outros rejeitos, que apresentavam condições de segurança apenas para inclinações mais bai-
xas, como o ITA01-FE e o FIII01-FE, apresentam fatores de segurança no colapso superiores a 1,
168
Fig. 15 – Relação entre FL(L) médio e a inclinação para o rejeitos
GER01-FE, ITA01-FE, FIII01-FE e CGR-FE.
A necessidade de baixas taxas de deformação para o advento da liquefação é abordada por di-
versos autores e esta condição se aplica amplamente para o caso dos rejeitos FII-FE e DOU01-FE.
Evidentemente, a consistência deste princípio deve ser amparada pela boa representatividade dos
ensaios de laboratório.
A adaptação da metodologia de Poulos et al. (1985), aliada aos diagramas de superfície de co-
lapso, mostra ainda que, alguns rejeitos, com capacidade real de apresentar mecanismos de ruptura
associados à liquefação estática, podem ter reduzidas, de forma significativa, as probabilidades de
rupturas. Essa redução é formalizada quando se adota nas análises parâmetros característicos da
superfície de colapso de cada rejeito.
169
Para efeitos de análises de estabilidade de taludes de barragens e pilha de rejeitos, os parâme-
tros referentes à condição de regime permanente são válidos para alguns rejeitos. A justificativa está
outros, particularmente aqueles que apresentaram baixos valores de FL, alcançam o colapso para
embutida na elevada taxa de deformação relativa ao colapso. No entanto, o que se observa é que
baixos níveis de deformação, ou seja, bem antes da condição de regime permanente. Neste caso,
convém realizar as análises de segurança dos taludes com base nos parâmetros de colapso dos
rejeitos.
5 – CONCLUSÕES
Dentro das metodologias adotadas para avaliação do potencial de liquefação dos rejeitos de
minério de ferro do Quadrilátero Ferrífero, foram estudados materiais oriundos de seis diferentes
sistemas de contenção. Inicialmente, realizou-se a caracterização tecnológica dos rejeitos, predo-
minantemente com granulometrias variando de siltes a areias finas e médias. Em termos de massa
específica dos grãos, os valores mínimos obtidos foram da ordem de 3,3 g/cm3, atingindo valores
máximos de 4,7g/cm3. Estes resultados foram fortemente influenciados pelo teor de ferro presente.
alguns rejeitos apresentando elevados teores de Fe. Em alguns rejeitos também foram constatados
As análises de microscopia confirmaram basicamente a presença de hematita e quartzo, com
goethita, em menor escala. Conclui-se que alguns rejeitos apresentam uma matriz de grãos maiores e
uniformes de quartzo envolvidos por grãos menores e uniformes de hematita, conformando um arranjo
com elevada não-uniformidade, observação feita também na curva granulométrica. Esses rejeitos são
bastante mal graduados, resultando em elevados índices de vazios, quando dispostos hidraulicamente,
enquanto outros rejeitos já incorporam, na fração granular mais fina, algumas partículas de quartzo.
Isso se dá em função do processo de beneficiamento do minério de ferro empregado.
Conclui-se que estes rejeitos, empilhados em inclinações superiores a 1V:2,5H, são susceptí-
veis aos mecanismos de rupturas associados à liquefação. Para a condição de colapso, porém, a es-
170
trutura de contenção teria que sofrer grandes deformações. De acordo com as poropressões geradas,
o rejeito ITA01-FE mostra-se potencialmente susceptível à liquefação para deformações críticas
particularmente elevadas, da ordem de 9 e 13%.
Os sistemas de contenção de rejeitos da Mina de Fábrica, abordados por esta pesquisa, com -
preendem as Barragens de Forquilha II (FII-FE) e Forquilha III (FIII01-FE). Os rejeitos armazena-
dos na primeira mostraram-se com elevado potencial de liquefação, inclusive com apresentação de
susceptibilidade ao fenômeno sob baixos níveis de deformação.
A ruptura parcial de um dique de montante, ocorrida no início do ano de 2002, quando o lança-
mento já estava paralisado há mais de um ano, pode estar relacionada à liquefação estática, hipótese
agora mais evidente, considerando-se também a condição de saturação dos rejeitos depositados na
época.
Esses rejeitos saturados, estruturados com elevados índices de vazios, apresentaram um colap-
so ocasionado pela redução repentina das tensões efetivas, em concordância com o acréscimo signi -
ficativo das poropressões, fato observado durante a compressão triaxial não-drenada. Os sistemas
de contenção dos rejeitos FII-FE somente seriam estáveis para inclinações suaves, tipicamente para
inclinações inferiores a 1V:3,5H.
Os rejeitos tipo FII-FER, submetido à redução do teor das partículas de ferro, tendeu a apre-
sentar maior estabilidade aos mecanismos de liquefação, em relação à amostra inicial, FII-FE. A al-
teração substancial do comportamento geotécnico garantiu um rearranjo e uma redistribuição es-
trutural das partículas, fazendo com que, na condição mais crítica, o rejeito manifestasse um padrão
estável para empilhamentos hipotéticos com inclinações da ordem de 1V:2,7H.
Os rejeitos da Barragem Forquilha III, identificados como FIII01-FE, mesmo sendo origina-
dos da mesma mina, apresentaram características granulométricas diferenciadas dos rejeitos dis-
postos na Barragem de Forquilha II, comportando-se como materiais granulares mais finos. Os
rejeitos FIII01-FE apresentam susceptibilidade ao colapso por liquefação para empilhamentos com
inclinações superiores a 1V:2,2H. Cabe destacar que o maciço desta barragem também é constituí-
do de terra compactada. Porém, seus alteamentos são realizados para montante, apoiados sobre os
rejeitos previamente depositados. Estando esses materiais depositados nas regiões próximas ao di-
que, em condições saturadas, o carregamento induzido pela evolução dos alteamentos pode ativar
os efeitos da liquefação estática, numa hipotética condição de carregamento em condições não dre-
nadas. Neste caso, a variável que comandará as condições de segurança do maciço é o grau de com-
pacidade dos rejeitos depositados.
A condição mais crítica, entre os materiais estudados, pode ser atribuída aos rejeitos armaze-
nados na Barragem de Córrego do Doutor (DOU01-FE). As trajetórias de tensões efetivas demons-
traram o grau de colapsibilidade para baixas deformações. Os rejeitos, na geometria de campo (com
taludes de jusante inclinados em 1H:3V), em condições fofas e saturadas, apresentaram capacida-
des claras de desenvolver poropressões elevadas. Estes materiais mostram-se seguros aos mecanis-
no entanto, que eventuais rupturas somente se concretizariam se as densidades relativas in situ fos -
mos de liquefação somente para empilhamentos com inclinações inferiores a 1V:3,5H. Reforça-se,
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buscando-se avaliar a compacidade do material depositado e a possibilidade de elevação da linha
freática, visto que a barragem, embora alteada pela linha de centro, apresenta um leve deslocamento
para montante.
6 – AGRADECIMENTOS
7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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