293 Aula Cof
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Olavo de Carvalho
Aula 293
23 de maio de 2015
[versão provisória]
Para uso exclusivo dos alunos do Curso Online de Filosofia.
O texto desta transcrição não foi revisto ou corrigido pelo autor.
Por favor, não cite nem divulgue este material.
Tudo o que tinha de ser falado a respeito eu já falei, mas podemos fazer uma revisão hoje
inclusive para benefício dos alunos do COF que não assistiram às outras aulas. Alguém seria
capaz de fazer um resumo?
Você pode usar essa Teoria das Camadas como uma descrição de até onde o ser humano
pode chegar, até a camada 12, integrando tudo. Quer dizer, é o ideal do ser humano. Não
vale a pena você viver uma vida não vivida, não tentar chegar até a camada 11 pelo
menos. E você pode também identificar isso politicamente, antropologicamente. Você
pode usar essa mesma estrutura descritiva para descrever uma noção e diagnosticar. Você
pode tanto diagnosticar a pessoa ou se autodiagnosticar – o ideal é que você pergunte
para alguém em que camada você está porque em geral nós nos confundimos ou nos
solapamos –, mas você pode também usar isso antropologicamente, politicamente, e olhar
o Brasil e saber o porquê dos desajustes. Existem desajustes entre pessoas e desajustes
numa nação porque ela, por exemplo, pode estar na camada 4, como seria em princípio o
diagnóstico do Brasil, e que isso envolve uma série de desajustes que vão se complicando
formidavelmente, sobretudo na nossa classe política.
Olavo: Muito obrigado à Stella por esse resuminho. Só há um ponto aí que não está muito exato
que é a idéia de que as 12 camadas são um desenvolvimento humano. Não é essa a idéia. A idéia
foi descrever exigências objetivas que pesam sobre todas as vidas humanas, quer você perceba,
quer não perceba. E estas exigências vão aparecendo no curso da vida e ou o indivíduo as
integra, ou ele foge delas e estaciona numa determinada camada. Então isso não é de maneira
alguma um desenvolvimento ideal, ele é a estrutura real da existência humana. Nenhum ser
humano escapa das exigências colocadas objetivamente por essas 12 camadas. Também é bom
esclarecer que eu desenvolvi a Teoria das 12 Camadas no tempo em que eu estava tentando
elucidar a questão astrológica para distinguir justamente aquilo que não pode ter nada a ver com
o horóscopo do nascimento, quer dizer, é o elemento não astrológico que a astrologia realmente
açambarca de maneira indevida. Pelo horóscopo, mesmo que você possa saber algo por ele, você
não pode saber em que etapa do seu desenvolvimento pessoal o indivíduo está porque o
horóscopo é uma figura estática. E se ele tem algo a ver com a personalidade humana, ele só
pode ter com a parte permanente e estática, com aquilo que Kant chamava a identidade
transcendental e que eu, para simplificar, chamei de caráter. O caráter é um esquema fixo que é
compatível com vários desenvolvimentos diferentes, portanto produzindo personalidades
complemente diferentes.
Também eu não diferenciei essa teoria só das idéias astrológicas, mas de outras teorias da
personalidade que tentavam chegar a uma descrição da personalidade humana por determinados
traços que poderiam ser quantificáveis, pelo menos idealmente quantificáveis. Por exemplo, a
quantidade de coragem ou de persistência, ou de simpatia e de empatia que o indivíduo tivesse.
Esses vários traços poderiam ser quantificados e formavam então um perfil. Só há um problema:
esses traços por si mesmos, um não tem nada a ver com o outro, quer dizer, o fato de um ser alto
não determina que o outro seja baixo. São elementos soltos. Então ficava faltando o elo central
que é justamente a coisa mais característica da personalidade. A característica da personalidade é
a sua unidade. Quer dizer, o fato de que todos esses “traços” coexistem numa mesma pessoa
dentro da qual estão articuladas de alguma maneira. E é justamente essa articulação dos
diferentes traços que constitui a personalidade, e não os traços por si mesmos. Quer dizer, você
pode ter uma coleção de qualidades que você descreve aparentemente de uma pessoa, mas o elo
central, que é a própria personalidade, está faltando. Então eu procurei proceder da maneira
exatamente inversa: procurar averiguar em cada etapa do seu desenvolvimento qual seria a
motivação fundamental que articula as várias condutas, as várias reações, etc. e etc.
Essa motivação fundamental tinha de procurada não em objetivos declarados, quer dizer, o
indivíduo diz que está procurando isto ou procurando aquilo, mas justamente o contrário: são
motivações que são tão constantes e tão óbvias que não lhe parecem um traço pessoal, mas lhe
parecem um traço universal porque ele está presente em todos os seres humanos. Quer dizer,
aquilo que para ele é o mais importante da vida numa certa etapa é o que ele acha que é
importante para todos os demais seres humanos. Este é um dos motivos pelos quais o diagnóstico
de que qual camada o sujeito está é mais facilmente feito por outras pessoas, porque de certo
modo na conduta a motivação aparece de maneira simplificada e mais unívoca, ao passo que
dentro do indivíduo ela pode coexistir com um monte de contradições e dificuldades. Não que
ele esteja mentindo, não que ele esteja falsificando, não que ele esteja se enganando, mas
simplesmente a figura do indivíduo é mais instável desde dentro do que desde fora. Isso é uma
coisa fácil, toda pessoa pode observar. Sempre que alguém nos descreve – você é isso ou você é
aquilo –, nós sempre vemos alguma contradição nisso porque há momentos em que não somos
aquilo e há também outros aspectos que são compositivos e que estão dentro de nós, de modo
que nenhum traço definitivo nos define, nenhum traço estático nos define. Mas na conduta essas
constantes aparecem de maneira bastante nítida para outras pessoas.
Em segundo, ao contrário de exposições anteriores que eu fiz sobre Teoria das Camadas – eu
sempre expus a Teoria das Camadas como uma psicologia evolutiva, quer dizer, como a
psicologia da evolução temporal do indivíduo –, desta vez eu tentei mostrar as camadas como
elementos estáticos permanentes. Quer dizer, são exigências que pesam sobre todos os seres
humanos, as quais ele vai responder de algum modo. Então a primeira exigência é que, para
existir, o sujeito tem de estar num lugar do espaço, quer dizer, tem um corpo. E este corpo já
vem com certas características que não vão mudar muito ao longo da vida, ele será ou mais alto
ou mais baixo, ou mais fraco, mais forte, mais gordo, [00:10] menos gordo, mais enérgico, menos
enérgico. Tudo isso já vem com ele e representa uma série de determinações que vão ter de ser
aceitas e trabalhadas de algum modo. Mesmo que o indivíduo não goste do corpo que tem,
decida “preciso fazer musculação, preciso isso, preciso emagrecer, preciso engordar”, ele está
lidando com um dado que apareceu, que lhe foi imposto.
O segundo dado que é imposto pela situação é que existe em torno dele um ambiente físico no
qual ele vai ter de se mover, vai ter de mover os objetos de alguma maneira e adquirir algum
domínio do ambiente físico. Vamos supor [que] na pior das hipóteses o indivíduo nasceu
totalmente paralítico, ainda assim ele terá alguma relação com o ambiente físico. Todos nós
temos e não temos como escapar disso. E evidentemente a nossa relação com o ambiente físico é
diferenciada de indivíduo para indivíduo. Você verá que alguns indivíduos têm mais iniciativa
física do que outros e assim por diante.
E a terceira camada de exigências é a comunicação com outros seres humanos. Ele vai ter de
aprender a falar, vai ter de aprender a se comunicar de algum modo, e durante algum tempo isso
tem de ser objeto de interesse predominante dele porque é a conquista de um meio de atuação
sobre os seres humanos. Então isto quer dizer o aprendizado não só da linguagem falada, mas
dos signos em geral se torna um objeto de preocupação. Entre outros aspectos, existe o problema
da adequação aos vários meios sociais. Quer dizer, o indivíduo um dia sai da sua casa, vai para a
escola; na escola ele vê que vigoram outros critérios de julgamento, outros critérios de aprovação
e reprovação, e tudo isso são códigos que ele vai ter de aprender. Todos nós freqüentamos
diferentes ambientes, e sabemos que nesses diferentes ambientes vigoram códigos diferentes,
códigos tácitos que não são [...] Se cada lugar que você chegasse tivesse um manual de
instruções, seria tudo mais fácil. Mas tudo isso tem de ser adivinhado, e claro que isto é um
desafio tremendo que o sujeito coloca.
Também no curso do desenvolvimento humana chega uma etapa em que o indivíduo já tem uma
história pessoal. Ele pode comparar essa história com a história dos outros, sobretudo do ponto
de vista de se ele está satisfeito ou não, se ele está feliz ou infeliz. Quer dizer, chega uma etapa
da vida que a luta pela felicidade se torna uma exigência absolutamente incontornável, todo
mundo passa por isso e tem de passar. Em seguida você tem outra etapa na qual o essencial é
você enfrentar os desafios do ambiente no sentido da auto-afirmação. Quer dizer, você ser
alguém perante você mesmo, você provar as suas forças para você mesmo. Algum dia todo
mundo passa por isso, não tem como escapar.
E por fim, fechando esse primeiro ciclo da existência humana, existe a necessidade de uma
adequação funcional ao ambiente. O indivíduo vai ter de trabalhar em alguma coisa, vai ter de ter
uma função social qualquer na qual se espera dele um resultado objetivo, que já não é o mesmo
resultado subjetivo que ele esperava na etapa da auto-afirmação. Quer dizer, uma coisa é provar
algo para você mesmo e outra coisa é obter algum resultado efetivo num trabalho, no seu
desempenho social, etc. e etc. Então foi aí que eu disse que, numa sociedade normal, todas as
pessoas adultas estão na 6ª camada: sabem mais ou menos o que estão fazendo, conhecem seu
trabalho, conhecem seus direitos e deveres naquele ambiente de trabalho e sabem agir de
maneira a produzir um resultado objetivo e verificável.
Acontece que as pessoas podem ficar presas em camadas anteriores à situação objetiva em que se
encontram – quer dizer, passaram por essas etapas mas não venceram a camada que lhes
corresponde. Então, o indivíduo que está preso na camada 4, mas já tem um emprego, já tem
uma função social, então ele está na etapa 6, mas na camada 4, logo vai interpretar errado os
sinais do ambiente: as exigências disciplinares e as exigências de eficiência, etc. serão
interpretadas para ele como uma rejeição pessoal, e os mecanismos que ele vai acionar para se
adaptar à situação são completamente deslocados da situação objetiva. É claro que isso é fonte de
inumeráveis confusões.
A 7ª camada é o que corresponde ao que seria o cidadão de uma República moderna: o indivíduo
que já tem noção de obrigações e direitos que tem não em face do seu ambiente imediato, como
por exemplo, o ambiente de trabalho, mas em face da sociedade como um todo. Ou seja,
obrigações que ele tem para com pessoas que ele não conhece, que ele nunca viu e
provavelmente jamais verá. Um conhecimento mínimo das leis e das obrigações do cidadão
idealmente todo mundo devia ter, e de fato isto é exigido de todas as pessoas. Se você transgride
uma lei, mesmo que não a conheça, vai pagar. O princípio de que ninguém pode alegar
desconhecimento da lei é de aplicação universal. Todos os Estados modernos se baseiam numa
impossibilidade: a de que todos os cidadãos conheçam todas as leis. Mas, à medida que o número
de leis aumenta e se torna humanamente inabarcável, o mais certo seria dizer que ninguém pode
alegar o conhecimento da lei, e não o seu desconhecimento. De qualquer modo, a estrutura do
Estado é baseada nisto: todos estão obrigados a cumprir a lei, mesmo que não a conheçam. É
claro que isso coloca para o indivíduo desafios que são completamente diferentes daqueles que
ele tem no seu ambiente de trabalho, no seu ambiente imediato.
Ambos são um sistema de direitos e obrigações, mas, num caso, com relação a pessoas concretas
que você conhece, com as quais você se relaciona – seu patrão, seu chefe, seus colegas de
trabalho, seus clientes etc. – e no outro com relação a uma entidade abstrata que se chama o
Estado e que, teoricamente, personifica a sociedade inteira. Aí já é uma situação um pouco mais
complexa. Se o indivíduo não consegue atravessar essa etapa, adaptando a sua camada interior às
exigências dela, ele está numa posição objetiva de cidadão de uma República ou de uma
Monarquia Constitucional, mas por dentro ele não é isso ainda. Ele não sabe o que está fazendo
ali, ele não tem as respostas adequadas. Mesmo para burlar a lei é preciso conhecê-la de algum
modo. O sujeito não está capacitado para exercer as suas obrigações legais e nem mesmo para
transgredi-las eficazmente, com conhecimento de causa. É evidente que é uma pessoa que está
abaixo da complexidade da sociedade moderna. O que não quer dizer que a pessoa deixará de ter
opiniões sobre a situação – todo mundo tem opinião política –, mas você pode chegar a uma
situação de deslocamento total entre as opiniões circulantes e a situação objetiva.
Por exemplo, durante quase vinte anos, o único sujeito que escrevia a respeito da criminalidade
no Brasil era eu, ninguém parecia reparar. Estava todo mundo preocupado com o imposto, com o
preço das coisas e a corrupção. Mas eu dizia, espera aí, estão matando aí 60-70 mil pessoas por
ano e você não está reparando? Não existe nenhum problema mais urgente do que esse. E eu não
via a menor consciência disso, nem mesmo nas pessoas que são profissionais que deveriam ter
consciência, como jornalistas. Teoricamente o jornalista se interessa por saber o que está
acontecendo de novo, quer dizer, o que não foi noticiado ainda. Mas eu lia jornal atrás de jornal e
via que eles só publicavam o que já tinha sido publicado, era só notícia velha que podia, só
quando se repetia a notícia é que publicava. Se era coisa nova, eles eram realmente não
percebiam. Você vê uma inadequação geral de toda uma camada profissional – não só
jornalistas, em outras áreas também – em relação à situação objetiva. O pessoal o tempo todo
usava a palavra [00:20] “cidadania”, mas era justamente o que mais faltava: você não tinha
cidadania alguma, porque o cidadão é algo mais do que o empregado de uma loja, por exemplo,
as obrigações dele são mais complexas.
Também o fato de que quando você comenta uma situação social ou política qualquer, em
princípio você está falando em nome da sociedade inteira. É por isso que a sua opinião se integra
num negócio chamado opinião pública. E, em princípio, a opinião pública diz respeito àquilo que
interessa ao público, àquilo que afeta a vida do público. Por exemplo, a criminalidade afetava a
vida de todo mundo, estava todo mundo aterrorizado, todo mundo vivendo fechado dentro de
grades, todos com medo de sair à rua, e aqueles que falavam em nome da população não
refletiam isso. Também o fato de que, nas pesquisas de opinião, o povo brasileiro se mostrava
acentuadamente conservador, religioso etc., e, na hora da eleição, só votava em partido de
esquerda. Isto aí é uma falha da cidadania, quer dizer, as pessoas não estão conscientes
exatamente do que é cidadania. Se você tem certos valores mas, na hora H, vota em um
candidato que tem valores contrários, você não vai obter o resultado que você está esperando, é a
coisa mais lógica do mundo. Ele vai fazer o que ele quer e não o que você quer. E as pessoas
evidentemente se sentiam frustradas por isso. Mas levou uns 20 anos para fechar o silogismo:
nós somos conservadores, votamos na esquerda, a esquerda faz política de esquerda – ah, é
mesmo! É um negócio extraordinário. Isso revela que as pessoas não alcançaram a camada 7.
Dessa crise alguns emergem com uma mudança de cosmovisão, quer dizer, o sujeito mudou os
seus valores, os seus critérios de entendimento da vida etc. e adquiriu de certo modo uma
filosofia pessoal. Alguns têm isso, outros não. Isto quer dizer que os problemas colocados pela
famosa crise dos 40 não são solúveis na esfera meramente pessoal, mas requerem um upgrade
intelectual do indivíduo, e este upgrade alguns fazem e outros não. Ou seja, você tem de encarar
a vida com mais seriedade, mas não é possível fazê-lo na pura esfera pessoal. Por quê? Porque
você está se defrontando com fatores que são universalmente humanos, que se colocam a todos
os seres humanos, e você está vivendo uma situação também que é de todos. Portanto, você vai
ter de procurar uma solução numa esfera mais geral, mais universal, e o meio de fazer isso é
adquirir cultura evidentemente. Então você vai ter de se informar, vai ter de saber mais e vai ter
de se posicionar de uma maneira mais consciente perante a vida. Então essa é a camada 9.
Vamos supor que você tenha estudado a sua vida inteira, você lê o dia inteiro. Mas, eu digo, só
depois dos 40 que você vai fazer essas contas, até lá é tudo divertimento. Você pode ser um
sujeito muito talentoso, muito inteligente, muito culto, mas a partir de um certo momento as suas
idéias se tornam necessárias para você, porque daí para adiante são elas que vão orientar a sua
vida. Até lá você está sendo levado pelo próprio processo de crescimento. Agora não: querendo
ou não, agora você é o senhor da sua vida.
Vamos falar sobre as três últimas camadas. A 10ª corresponde ao indivíduo que está no topo da
sociedade e que consegue enxergá-la como um todo e, de certo modo, consegue responder
perante ela. Aí é a frase do Éric Weil: “o único ponto de vista legítimo é o ponto de vista do
governante”, porque ele que está no topo, é ele que tem de tomar as decisões. Então, se você não
é capaz de se colocar na posição de governo, as suas análises sobre a sociedade não valerão nada.
É claro que isso, mesmo para pessoas altamente intelectualizadas, é um problema difícil. Na hora
em que você consegue encarar a sua sociedade como um todo, você passa por um processo de
desaculturação, você já não é de certo modo um membro daquela cultura, você está fora dela e
você a julga como um todo. E ela também não é mais um espetáculo que está transcorrendo na
sua frente, é uma esfera na qual você pode atuar de alguma maneira. É claro que você não
precisa ser um governante para isso. Se você é capaz de encarar as coisas com a perspectiva do
governante, pode atuar na sociedade como se fosse um governante. Existem muitas pessoas que
podem atuar dessa maneira. Isto não tem nada a ver com o cargo público que o sujeito exerce,
tem a ver com a amplitude da sua personalidade e, portanto, com a repercussão que as suas ações
e as suas palavras têm.
A 11ª camada consiste na consciência histórica: saber quem é você na história humana. Ora,
todos nós estamos dentro da história humana. Não precisamos saber nada a respeito dela. Nós
tomos estamos dentro dela e sofremos o impacto dela, mesmo que não saibamos. Temos muitos
problemas pessoais que vêm, por exemplo, de uma crise econômica num outro país, e aquilo
afeta a vida do seu e acerta você, e você nem sabe de onde veio. As decisões de governantes de
outros países afetam a sua vida, o desenvolvimento geral da cultura, da ciência, da tecnologia,
tudo isso afeta a sua vida o tempo todo. Ou seja, nós estamos dentro dessa esfera. Ela não é uma
coisa ideal, ela é um fator real que pesa sobre a nossa vida, quer o saibamos ou não. Eu me
lembro que o dr. Müller, no seu consultório, escreveu um manualzinho para orientar os seus
clientes de psicoterapia, e uma das recomendações era: “lembre-se de que os seus problemas
podem ter causas biológicas, familiares, sociais, históricas e cósmicas que estão infinitamente
acima da sua compreensão”. Ele via essa ampliação da consciência dos fatores que pesam sobre
a nossa vida como um processo de cura. A ampliação da consciência permite que você
compreenda a origem de certos sofrimentos que lhe parecem inicialmente uma coisa
exclusivamente da sua vida, e quando você percebe que aquilo resulta de fatores muito mais
amplos, sobre os quais você não tem o controle, é claro que você vai ter de se adaptar àquilo de
uma outra maneira. Essa ampliação da consciência, a passagem pelas 12 camadas, é também um
processo de cura.
Ainda aqui eu ainda estou descrevendo como uma psicologia evolutiva, só que no curso eu fiz
uma outra coisa. Eu disse que, como as camadas não representam etapas da vida do indivíduo,
épocas do seu desenvolvimento, mas representam exigências objetivas [00:30] que pesam sobre
todos nós, então de certo modo elas estão todas presentes ao mesmo tempo. Algumas estão
presentes como elementos da sua personalidade e outras, como elementos da situação que pesam
sobre a personalidade desde fora e que, de certo modo, requerem desde já uma resposta. A isso
seria preciso articular a famosa Teoria do Trauma da Emergência da Razão, que é fato de que
todos os seres humanos são dotados da capacidade racional, nascem com ela, mas os problemas
que se apresentam a ele para que ele lhes dê uma solução racional sempre transcendem a etapa
do desenvolvimento racional que ele já alcançou. Por exemplo, você é uma criança de 3 anos e
seu pai perdeu o emprego, e você não vai poder ter os brinquedos que você quer. Como você vai
entender essa situação? Você é um ser tão racional quanto o outro, só que a razão precisa ser
desenvolvida, precisa ser apropriados os instrumentos devidos – os instrumentos lingüísticos,
científicos e etc. que perfazem o desenvolvimento da razão individual.
Por definição, os problemas de ordem puramente racional que a vida nos coloca estão sempre
acima da nossa capacidade racional no momento. Isso é sempre assim. Supondo-se que o
universo inteiro fosse passível de uma explicação racional, ainda assim isso estaria acima da
nossa capacidade racional. Quando Hegel diz que “tudo o que é real é racional e tudo que é
racional é real”, eu falo: Que vantagem Maria leva com isso? É tudo racional, só que a minha
razão não alcança. É sempre assim. A impressão de irracionalidade, de caos, de desordem, às
vezes reflete um caos mesmo, mas outras vezes reflete apenas o fato de que a nossa razão não
alcança compreender aquilo. Esse permanente desajuste da razão à situação devida é um dos
motivos que nossa fazem passar de etapa em etapa. Quer dizer, buscamos novas chaves
adaptativas que nos permitam enfrentar a situação de uma maneira mais efetiva de algum modo.
Por exemplo, na passagem da camada 4 para a camada 5: na camada 4 você está esperando uma
afeição, uma proteção, um afago. O afago não veio e você decide que agora não quer mais saber,
não vai depender mais de ninguém, vai fazer as coisas por si mesmo. Você vê muito isso em
adolescente. Quando o adolescente começa a se tornar irritado com a família, com o pai e a mãe,
o que ele está fazendo? Ele está rejeitando o apoio emocional e buscando um apoio emocional
próprio, na sua própria força, na sua própria capacidade, então é mais importante para ele sair
vitorioso nos desafios do que receber o apoio do pai e da mãe. Note bem: quanto maior a
dificuldade de transpor isso, maior a tendência à hostilidade com relação ao pai e à mãe. Já que
você não consegue vencer a coisa na esfera positiva, você a vence simbolicamente
negativamente, rejeitando a afeição. Mas rejeitar a afeição não garante que você vai conseguir os
desafios na esfera da auto-afirmação. Então vira uma espécie de auto-afirmação simbólica
invertida – isso é muito comum. É uma falsa evasão da camada 4. Na verdade o que está
havendo ali é uma solicitação rancorosa de apoio e de afeição, que toma o aspecto de uma
rejeição, mas na verdade é uma solicitação. Solicitação que você sabe que não será atendida.
Então isso é uma fonte de inumeráveis problemas.
Todas essas camadas estão presentes na nossa vida. Umas estão presentes positivamente – quer
dizer, estão dentro de nós –, e outras estão fora de nós mas já pesando sobre nós. A cada
momento você pode descrever o estado interior do indivíduo pelo seu nível de desenvolvimento
interior e pela situação objetiva vivida, que já pode estar colocando para ele desafios que
transcendem enormemente a sua compreensão naquele momento, mas que talvez ele possa
compreender num momento seguinte. Então, a Teoria das Camadas é vista de duas maneiras:
uma maneira biográfica – quer dizer, descrevendo a evolução interior do indivíduo – e, por outro
lado, uma grade de exigências externas que pesarão todas sobre o indivíduo. Veja, se você pega a
camada 11, ela começa a pesar sobre você na hora em que você nasce. O sujeito pode ter nascido
e ter estourado uma guerra naquele mesmo tempo. Arthur Koestler, no seu livro de memórias,
tem um capítulo que chama “Horóscopo terrestre” em que ele foi ver não a posição dos astros no
dia em que ele nasceu, mas os acontecimentos nacionais e internacionais do dia. E ele acaba
descobrindo: “Parece que os temas da minha vida já estavam enunciados no noticiário daquele
dia”. Essa inserção do indivíduo na história começa realmente na hora em que você nasce,
embora você não saiba nada daquilo. Você vai ter de saber retroativamente.
Também o que seria preciso levar em conta é a própria idéia do caráter. Quando Kant chamava
isso de “identidade transcendental”, ele quis dizer que é uma identidade que você tem de ter
necessariamente, isto é, você tem de ser alguém. Alguma coisa você é, independentemente da
sua vontade, do seu desenvolvimento, mas isso que você é de maneira permanente é
absolutamente inapreensível, nós não conseguimos pegar. Pegamos às vezes um pouco depois
que o sujeito morre na base de verso de Mallarmé (“Tel qu'en lui-même enfin l'éternité le
change”), porque você aí já sabe o que não vai mudar mais na vida do sujeito, aquilo que tinha
de ser feito já foi feito, então já adquiriu um certo perfil. Se isso não dá a idéia do caráter
permanente do indivíduo, se isso não dá um retrato perfeito do caráter, pelo menos dá uma idéia
a respeito daquilo que foi permanente na vida dele do nascimento à morte. O que é permanente
só aparece por trás do que é transitório, e por isso mesmo Kant chamava “transcendental”.
Transcendental, para o Kant, é aquilo que é anterior à experiência mas que só se revela no curso
da experiência, quando se revela. Ou seja, você tem de fazer uma análise da experiência para
descobrir o que estava por trás e a condicionou.
A descrição do caráter é um das coisas mais difíceis que eu conheço, porque toda a nossa
linguagem foi feita para descrever os aspectos mutáveis do ser humano. A maneira mais normal
de descrevermos uma pessoa é contar a história dela. E para nós, também tentamos nos entender
através da nossa biografia. Ou seja, toda a nossa linguagem para falar do ser humano é uma
linguagem de uma narrativa, portanto de uma coisa que está em mutação. E aquilo que é estático
e permanente, justamente por ser permanente, é o mais invisível, você não tem uma linguagem
para expressar isso. Para quebrar o galho, eu inventei uma linguagem que descrevia a estrutura
de caráter só em termos cognitivos, não em termos de conduta. Quer dizer, certas estruturas
cognitivas permanecem idênticas ao longo de toda a vida, condicionando todas as mutações por
que o indivíduo vai passar. Mesmo assim eu não sei se essa linguagem funcionou muito bem: é
apenas uma hipótese, uma tentativa. Isso ainda tem de ser muito estudado, mas infelizmente eu
não terei tempo de aprofundar essa investigação.
Graciliano Ramos está exercendo uma atividade que exteriormente é de camada 9, uma atividade
intelectual, mas você vê que ele não completa uma cosmovisão suficiente, ele está em luta com
ele mesmo de algum modo. Você vê que em nenhum momento ele chega a conclusões filosóficas
sobre a vida. Ele está sempre dando o seu testemunho de novo, de novo, de novo e de novo, e
está sempre atrapalhado, sempre sofrendo. Então ele não tem uma camada 9, ele não tem uma
filosofia para lhe ensinar. Mas a atividade é de camada 9.
Aluno: A minha pergunta é o inverso. Se a pessoa está na camada 9, mas por uma circunstância
[00:40] ela tenha de estar presente na 8.
Olavo: Mas isso aí é muito comum. O indivíduo tem um alto desenvolvimento interior e está
numa posição social e existencial muito abaixo da capacidade dele. Isso acontece o tempo todo.
O exemplo que eu dei do Petre Tsutsea, um dos maiores filósofos da Romênia. Ele estava na
cadeia e socialmente ele é apenas um presidiário igual a qualquer outro, qualquer sujeito que
matou a mãe está lá junto com ele e, no entanto, ele é um filósofo. É claro que o
desenvolvimento efetivo da pessoa não tem nada a ver com a posição real porque a posição não
depende só dela, depende de circunstâncias fortuitas que podem elevá-lo acima da sua
capacidade ou baixá-lo em relação ao seu nível de consciência. Isso é a coisa mais comum; as
coisas estarem perfeitamente encaixadas umas com as outras é que é mais difícil.
Quando você vê os nossos governantes nos últimos anos, quantos desses governantes eram
governantes de verdade? Eu acho que nenhum, porque em todos os casos o horizonte de
consciência do indivíduo é estreito demais em relação à posição que ele está ocupando. Ele só
enxerga um pedacinho.
Aluno: Também se alguém está na camada 7, mas por acaso ele esteja em duas etapas
anteriores ao mesmo tempo. Isso é possível?
Aluno: Etapas.
Olavo: Na verdade, você está em todas as etapas ao mesmo tempo. Eu fiz a distinção de camadas
e etapas porque camada é onde você efetivamente está enquanto personalidade e etapa é o tipo de
desafio que está pesando sobre você, quer você perceba, quer não perceba. Mas nesse sentido até
a palavra “etapa” não é muito exata porque todas essas exigências pesam ao mesmo tempo. Se
você pensar, por exemplo, a exigência de camada 12, que é o homem perante a eternidade, esse
problema da eternidade está colocado para você a cada momento, você pode morrer a qualquer
momento.
Se você ler os livros do George Bernanos, os romances dele, você vai ver que ele tem uma
técnica narrativa que está acontecendo as coisas aqui na Terra, mas ao mesmo tempo aquilo já
tem uma repercussão na eternidade imediatamente. Quer dizer, a coisa é narrada em dois planos.
É claro que é uma coisa difícil de expressar, mas nós sabemos que algum dia vamos morrer, e
depois da sua morte algo existe ou nada existe. Por exemplo, muitas pessoas resolvem isso na
base da decisão, o que elas querem – eu creio ou eu não creio –, porém, em que medida isso que
você diz crer ou descrer se reflete concretamente na sua conduta, nas duas decisões? Às vezes o
indivíduo pode ser um crente, mas o seu destino não pesa em nada nas suas decisões, ele
simplesmente esquece daquilo porque aquilo está lhe parecendo longínquo demais, abstrato
demais, embora seja a coisa mais concreta que existe. Em toda essa ordem de estudos, o jogo do
abstrato e do concreto é muito importante. O fato de que certos elementos só cheguem a seu
conhecimento através de conceitos abstratos não quer dizer que eles sejam abstratos em si
mesmos. Quer dizer, a morte para uma pessoa de 16-17 anos é totalmente abstrata, e no entanto é
uma coisa concretíssima. Além disso, quanto mais concreto, real e presente é um fator, mais
você precisa de uma linguagem abstrata para descrevê-lo, a não ser que você o descreva
simbolicamente, poeticamente.
Isso aí foi o nosso curso com um acréscimo que são alguns truques para o indivíduo passar de
camada em camada da maneira mais eficiente possível. E, sobretudo, essa questão diz respeito à
sua relação com o seu passado. É impossível o indivíduo se desenvolver de camada em camada
sem romper com o seu passado muitas vezes. E romper com o passado significa você morrer,
você deixar de ser aquela pessoa e começar a ser outra completamente diferente, assumindo
evidentemente a responsabilidade pelo passado. Mas você assume a responsabilidade por ele
justamente na medida em que você se desliga dele. Por exemplo, o problema das suas culpas
anteriores: você pode viver com elas o resto de sua vida e elas podem determinar a sua conduta
em seguida, e a situação vai piorando cada vez mais, a não ser que você faça alguma coisa.
Porém, algumas vezes os nossos erros não têm conserto. Por exemplo, se você trouxe dano a
uma pessoa, chorar o resto da vida não vai ajudar a pessoa; mostrar os seus sentimentos também
não vai resolver nada. Então é o que está na Bíblia: você vem aqui rezar, mas primeiro vai pagar
a sua dívida, vai acertar as suas contas com o outro lá que você prejudicou. Quer dizer, isto tem
de resolvido com um ato, e este ato encerra aquele capítulo. E no caso em que você cometeu algo
irremediável, o irremediável vira um marco na sua vida. Quer dizer, é algo para você não fazer
nunca mais porque você sabe que é irremediável.
O passado ou é algo sobre o qual você caminha – quer dizer, algo que não se move mais, um
chão onde você pisa –, ou ele é um chão móvel que está se movendo o tempo todo junto com
você. Essa decisão um dia você vai ter de tomar. Agora onde você tem uma cultura da camada 4,
que é o Brasil, o passado não passa. É como o sujeito que fuma maconha: maconha não deixa o
tempo passar e os traumas de 30-40 anos atrás estão presentes a todo o momento. Então você vai
ver aquelas brigas de família que um homem de 40 anos fala para o irmão, “mamãe gostava mais
de você do que de mim”. E aquilo está presente, está doendo de algum modo.
Isto quer dizer que o principal instrumento para a travessia das camadas é dado pela cultura, não
é dado por você. Se a cultura não deu, você pode ter a imaginação de procurar para além do
repertório dela outros meios, que talvez existam em outras culturas ou que você mesmo inventa,
ou você pode se conformar com aquilo que você já tem e achar que o normal é ser assim. Quer
dizer, o que é normal? É normal ser como as outras pessoas, ainda que todas elas estejam
desajustadas e sejam um bando de fracassados e doentes, ou tentar uma coisa diferente e se
desaculturar?
Cada passagem de camada a camada implica a ruptura com o meio social. Isso não tem
escapatória. Não é possível evoluir e amadurecer e continuar tendo as mesmas relações com as
mesmas pessoas no mesmo nível. Por exemplo, a famosa patota de juventude: “Nós todos nos
embebedamos juntos, vamos lá, comemos as garotas”. Os caras vão continuar fazendo isso a
vida inteira, mas você vai continuar ali? E quando você parar, você não é mais um de nós, você
não gosta mais da gente – isso é inevitável. Eu vejo que essa transição, na sociedade brasileira, é
extremamente dolorosa, e não deveria ser. É normal você buscar um novo meio social mais
adaptado ao seu estado atual e, sem brigar, sem romper, se afastar de certas pessoas. Elas não
significam mais para você o que significavam antes.
Mas aí sempre tem pessoas que passaram pela sua vida 30 anos atrás para quem você ainda é o
mesmo. E, sobretudo, isto é um dos instrumentos de a pessoa ganhar na sua vida uma
importância que ela não tem. Isso aí é uma espécie de comércio de chantagem emocional. No
Brasil, isso é o tempo todo. Eu, por exemplo, se deixei de ver uma pessoa há 30 anos, eu sei que
ela não é a mesma. Levou um tempo para entender isso aí e levou tempo para eu entender que
aquelas cenas de juventude que vivemos juntos não são o centro da vida dela. [00:50] Ela pode ter
ido para tão longe, tão longe, tão longe, que não dá para você imaginar onde ela foi. Mas eu vejo
que essa consciência, na sociedade brasileira, falta, as pessoas estão o tempo todo de certo modo
cobrando umas das outras o seu passado. Isso é evidentemente uma coisa doente e que impede o
crescimento normal da personalidade. Por que as pessoas fazem isso? Elas também fazem por
uma motivação de camada 4, o desejo de afeição. Quer dizer, eu quero ser importante para você,
embora você não pense em mim há 40 anos. Você desapareceu da minha vida, eu desapareci da
sua, eu não o conheço mais, você não me conhece mais. É claro que existem pessoas que não são
assim. Eu tenho alguns amigos que eu posso ficar anos sem vê-los e continuamos a conversa no
ponto onde parou. Por quê? Porque nós andamos de uma maneira mais ou menos paralela. Mas
nem com todo mundo é assim.
Numa sociedade de camada 4, o retorno ao seu passado sempre pode ser uma coisa desastrosa,
porque não é o passado, você está presentificando aquilo. Eu me lembro de que uma vez um
amigo, que havia se mudado para os EUA 20 anos antes, foi para o Brasil, e a primeira coisa que
ele reparou: “Poxa, vocês aqui ainda usam filtro? Nos EUA ninguém usa filtro, tomam água da
torneira porque a água já está limpa”. Quer dizer, o filtro era uma coisa do passado. E daí ele me
disse: “Vai ter uma reunião dos ex-alunos do colégio, você não quer ir lá?” Eu falei: “Deus me
livre! Eu não vou, mas nem que me paguem”. Por quê? “Porque eu já sei o que vou encontrar lá:
eu vou encontrar aquele mesmo saudosismo idiota, aquele bando de fracassado.” Ele foi ao
negócio e voltou desarvorado no dia seguinte, dizendo: “Olha, de todo o pessoal que estava lá, o
único sujeito que acredita no que está fazendo é você”. Eu disse: “Você entende porque eu não
fui lá?”. Eu estou vivendo a minha vida e fazendo o que tenho de fazer, eu fui para frente.
Essa onda toda que falam de discriminação. Eu fui discriminado minha vida inteira, não estou
nem ligando. Discriminação dói por acaso? Não dói. O nego discrimina, discrimina ele de volta,
qual é o problema? Agora, de repente aquilo vira uma tragédia para você. Por que você está
reclamando tanto de ser discriminado? Porque você quer ser aceito e amado por todos. Se você
estivesse pouco se lixando para eles, a atitude deles não pesa para você: eles não são nada para
mim. Isso é o normal da espécie humana. Simplesmente não é normal o indivíduo ficar
esperando que a sociedade inteira o aceite e o paparique. Mas se essa política é adotada, e isso
começa a orientar a educação e até as psicoterapias, então estão infantilizando todo mundo.
Olavo: Sim, claro. Quem você acha que é? Quer dizer, você não liga mais para nós. Eu falo: não
ligo mesmo. Me dê meio motivo para ligar para você. É claro que, por exemplo, amizades de
vida inteira são uma coisa muito boa, mas elas só são possíveis quando, como dizia S. Tomás de
Aquino, a base da amizade é querer as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas. Enquanto
continuamos querendo as mesmas coisas, estamos indo na mesma direção, e se você vem vindo
junto comigo é muito bem-vindo. Mas se você decide ficar preso em emoções e problemas de
outra época, então você fica aí que eu vou embora. No dia que eu comecei a ensinar essas coisas
e fui vendo [...] No começo eu não me dei conta de que a sociedade era assim, eu fui me dando
conta pelos alunos que vinham e eu via as reações. Meu Deus do céu! Está todo mundo querendo
prender esses caras na infância e só eu estou querendo que eles fiquem adultos. Não vai dar, é
uma luta desigual.
Isso nem sempre foi assim. Em outras épocas, era mais normal as pessoas se desenvolverem. Por
exemplo, eu estou lendo agora a biografia do Getúlio Vargas, do Lira Neto. Está muito boa essa
biografia. Vocês leram? Você vê como os políticos na época eram pessoas muito mais fortes,
muito mais inteligentes e muito mais conscientes do seu papel. Mais valentes também, era
impressionante. Veja, em plena época, o pessoal que tinha feito a Revolução de 30 junto com
Getúlio estava querendo matá-lo, ele saia sozinho passeando na rua sem guarda-costas. Você é
capaz de imaginar o Lula fazendo isso? Não sai nem de casa.
Aluno: O Paulo Mercadante naquele livrinho sobre Graciliano Ramos dizia que acreditava que
a origem daquela história do Vida Secas, quando ele encontra o soldado a rua, é um episódio da
vida do Graciliano.
Olavo: Exatamente. Ele estava andando ali pela praia do Flamengo e encontra o Getúlio Vargas.
E daí diz que depois ele pôs essa cena no Vidas Secas. Na hora que Fabiano, o personagem,
encontra o soldado e quer dar um cassete no soldado, mas depois ele vê que o cara está fardado e
fala: “Não, governo é governo”. Então Graciliano deve ter pensado a mesma coisa, Getúlio era
pequeninho e Graciliano era grandão, falou: “Posso dar um cassete nesse cara! Mas, espera aí,
governo é governo”.
Quando eu era moleque, uma vez vi uma foto de um general de 1,20m passando em revista
soldados de 2m de altura, e todo mundo ali batendo continência. E eu pensava: “Por que eles
obedecem a esse baixinho?”. Quer dizer, até eu entender que tinha todo um negócio simbólico
por trás foi um tempão. Só que depois eu vi essa cena na realidade. Quando fomos a Rondônia,
fui dar uma conferência para os milicos. Então estava toda aquela milicada lá, todo mundo
esperando o comandante. Na hora que chega o comandante, era um hominho de 1,10m. Eu falei:
“Meu Deus, mas eu já vi esta cena”.
Aluno: Existe alguma especificidade em relação à camada 8? Ela é de alguma forma uma
camada de transição?
Olavo: Não. Todas as camadas são transições e todas tendem a se estabilizar de algum modo.
Aluno: Lima Barreto era um grande escritor mas que foi suprimido pelo descaso, pela
negligência e pelo alcoolismo. Como entender que um escritor tão bom tenha acedido tanto,
segundo a Teoria das Camadas? [1:00]
Olavo: O talento literário do cara não tem nada a ver com a camada em que ele está. Ele pode ser
alto talento literário e ser emocionalmente subdesenvolvido, como parece que era o caso. Eu
acho que Lima Barreto tem inclusive as partes frágeis da literatura dele, são aquelas onde ele
cede a este sentimento de discriminação, se faz um pouco de vítima. Quando você vê, Machado
de Assis não tem nada disso. A identificação excessiva com um grupo minoritário – quer dizer,
minoritário, negro no Brasil não é minoritário de maneira alguma –, com um grupo socialmente
inferiorizado pode se transformar num sério obstáculo ao desenvolvimento pessoal. Não é
porque eu pertenço a uma camada menos favorecida que eu também sou menos favorecido. Ao
contrário: se o indivíduo se desenvolve corretamente, eu acho que ele nunca vai se sentir vítima,
ainda que o seja. Por exemplo, uma cena comovente. Petre Tsutsea, que é um grande filósofo,
ficou preso muitos anos, foi torturado e etc. No leito de morte perguntam para ele como foi essa
experiência. Ele diz: “Eu não vou dizer nada sobre isto, porque isto humilharia o povo romeno”.
Você vai dizer que os negros nos EUA foram mais discriminados, mais sacaneados do que isso?
É claro que não.
A travessia das camadas tem algo a ver com o enobrecimento do ser humano, a você chegar a um
desenvolvimento que é compatível com a natureza humana. Se as 12 etapas estão todas presentes
no ser humano e elas definem a nossa condição existencial real, então estar à altura da condição
existencial real é o que se espera, o que se exige de um ser humano não é um ideal a ser atingido.
O indivíduo está abaixo disso, ele não está abaixo do seu ideal, ele está abaixo da sua condição
existencial real, o que fará dele o que chamamos vítima inerme. Portanto, um personagem
daquele que Aristóteles chamaria de irônico: o personagem que está abaixo da sua situação. É
uma coisa que não desejamos para ninguém, mas as pessoas se transformam nisso de certo modo
porque querem.
Olavo: Nada. Inclusive porque o que ali está com o nome de caracterologia é na verdade uma
tipologia. A própria caracterologia do Ludwig Klages, que talvez é a mais famosa e mais
ambiciosa, ela não é uma caracterologia, ela é uma tipologia na verdade.
Olavo: Se você entender o caráter no sentido em que estou entendendo, que é a identidade
transcendental, o lado absolutamente permanente, ele não é descritível em termos de conduta. A
conduta depende do lugar e do tempo, ela vai mudando com o tempo, e o caráter permanece
imutável, portanto, ele não pode ser descrito em termos de conduta. É mais ou mesmo como
quando você assiste a um filme. Eu digo, descreva o rolo do filme a partir do seu enredo. Não é
possível, o filme está todo no rolo ao mesmo tempo. Quer dizer, o rolo não faz parte do enredo,
mas ele determina as possibilidades do enredo. É uma imagem meio ruim, mas é o que deu para
inventar no momento. Ou a música está todinha na partitura ao mesmo tempo. Eu acho que o
estudo efetivo de caracterologia, se você quer saber, nunca existiu, existiram tipologias. E as
tipologias marcam tipos mais ou menos estáveis, por exemplo, de acordo com certas
características físicas. Isso de fato não vai mudar, mas isso ainda não é o caráter no sentido em
que eu uso a palavra.
Olavo: São traços mais ou menos permanentes. O indivíduo pode passar por mudanças físicas
extraordinárias. Hoje eu recebi um livro do José Renato Kehl, foi meu amigo 30 anos atrás e
freqüentávamos juntos a academia do Michel Veber. Ele era um sujeito magro, ele e o irmão, os
dois magrinhos. Passa uns anos, fiquei sem vê-los. Um dia fui visitar a academia, chego lá, tem
dois caras de dessa largura: “Meu Deus, o que aconteceu? Duplicaram. Eram dois fundidos, dois
num só”. Essa mudança física evidentemente consolidou a personalidade dele. A força física
sempre ajuda. Ficar mais forte dá mais segurança, principalmente se foi obtido por esforço
próprio.
Olavo: Em primeiro lugar, qualquer dado dos sentidos, por mais simples e óbvio que seja, se
complica formidavelmente na hora que você tenta expressá-lo num conceito. O conceito vai criar
discussões que não terminam mais. Para você saber do que está falando, você vai ter de se
reportar a experiência inicial, e ela é tudo quanto você vai saber. Às vezes a coisa não é
conceituável. É reconhecível, mas não é conceituável. O problema da filosofia anglo-saxônica é
que ela quer discutir tudo e analisar tudo, e ela quer provas. Ela é, sobretudo, uma busca da
prova. Eu acho isso uma perversão da filosofia. A prova é o que você precisa perante um
adversário, perante uma discordância. Ela não tem nada a ver com busca do conhecimento, a
busca da sabedoria. Desde a experiência originária, onde você tem a realidade mesma que se
impõe a você, até um conceito que pode ser discutido e provado, o caminho é muito longo. Esse
conceito é um produto universitário, por assim dizer, é um produto da própria discussão. E
quando você entra nesse terreno da discussão e da prova, isso não termina mais, então você
acaba ficando com dúvida sobre tudo porque você só aceita aquilo que foi provado. O que é um
absurdo total porque a própria existência do mundo não tem prova e, no entanto, ela é uma pré-
condição para que você busque a prova do que quer que seja. Aí as operações da racionalidade se
tornaram fins em si mesmas. Você vai ter uma espécie de culto da prova. Mas em termos até de
método filosófico, a aceitação da realidade do mundo me parece que é um pressuposto da
filosofia. E ela, portanto, não tem por que ser matéria de prova. Quando você vê nos diálogos
socráticos, Sócrates nunca prova nada, ele apela ao testemunho dos presentes, supondo-se que
esse testemunho é sincero e honesto. Esse é o máximo que podemos chegar.
Aluno: [...] Como explicar que um esclarecido como Umberto Eco escreva tantos absurdos
sobre beleza? Por exemplo, ele compara a foto da Madonna, pop star, com imagens de Nossa
Senhora, Maria.
Olavo: Umberto Eco não é sério, a resposta é esta. Simplesmente não é sério. Ele é um
brincalhão, ele gosta de brincar com conceitos, brincar [1:10] com filosofia, é isso o que ele faz.
Ele não é um grande pensador. Aliás, ele não é um pensador de maneira alguma. Agora, é um
escritor, um homem bastante inteligente, bastante preparado, bastante culto, mas eu não acho que
ele faça nada a sério. É uma pessoa para você admirar às vezes pela destreza, uma coisa assim.
Ele não é importante, não tem importância. São pessoas feitas pela mídia. É o tipo intelectual
ótimo para aparecer na televisão, para ser entrevistado. Veja se alguma televisão entrevistou
alguma vez Edmund Husserl, ou Eric Voegelin, ou Bernard Lonergan. Não, não dá. Então você
precisa de um intelectual médio característico do meio universitário para poder ser exibido em
público.
Olavo: Eu não sei, precisaria pensar. Existem vários livros sobre a beleza, mas eu nunca li
nenhum que me interessasse realmente. Se tem duas coisas que nunca me interessaram em
filosofia, uma é chamada estética, outra chamada ética.
Olavo: Roger Scruton escreveu muita coisa sobre a beleza, fez um vídeo sobre a beleza, tem
livros sobre a estética na arquitetura e tal. Mas eu não consigo me interessar por nada disso. Pode
ser uma limitação minha.
Aluno: Pode-se dizer que, à medida que se avança nas camadas, a personalidade vai se
estabilizando em função do caráter, que é o elemento fixo?
Olavo: Não sabemos. Não tenho a menor idéia de se isso é assim. Já me perguntei isso, mas eu
não tenho resposta. Se a personalidade começa a expressar o caráter. Isso é um problema porque
nós mal conseguimos dizer alguma coisa sobre o caráter.
Aluno: Mas é possível dizer pelo menos que existe um amadurecimento. E pensando no conceito
de spoudaios como homem maduro, é possível localizar o spoudaios nas camadas? Seria a 11?
Olavo: Ah, sim. No mínimo, a 11, sem dúvida. A maturidade humana ideal coincide com a 11.
Esse negócio de ética e estética, tudo aquilo que tem um sentido normativo, eu não consigo me
interessar de maneira alguma. O mundo do dever ser. Eu já não entendo nem o mundo do ser,
vou me interessar pelo dever ser agora?
Olavo: Claro, é mais fácil dizer para os outros o que eles devem fazer do que entender o que está
acontecendo. Veja, eu não consigo apreciar nem mesmo a idéia da filosofia como uma
elaboração de conceitos abstratos. Michel Dummett diz que a filosofia é para quem gosta de
conceitos abstratos, então não é para mim. Se a filosofia fosse isso, eu não me interessaria por
ela. Eu acho que isso aí é uma ocupação profissional. Para mim, a filosofia é a investigação do
ser e a busca da realidade das coisas e da realidade da vida – é isso que ela é. O resto são
instrumentos que você vai criando, são técnicas que você vai criando, que podem ajuda-lo ou
podem atrapalhá-lo. Mas evidentemente o praticante das técnicas vai achar que ela é a coisa mais
importante do mundo.
Aluno: Platão pressupõe que ele está na camada 12. Na República ele tem este ideal do filósofo
governante e a educação dessa camada...
Aluno: Nesse projeto educacional tem de alguma forma essa idéia de camada? O pensamento
educacional ali é muito forte. E é interessante que ele faz com o poeta a questão da imaginação.
Olavo: Platão nunca acreditou que fosse possível você educar todo mundo. O educador só pode
educar quem está ao alcance dele. E você não pode fazer educadores em série por um modelo
como se fabrica sapatos. Então a educação depende de duas coisas: (1) de haver o educador
qualificado, o que é uma raridade, e (2) de haver pessoas que desejam ser educadas. Portanto, a
educação no seu sentido mais elevado é sempre uma coisa para uma minoria. Não porque nós
queiramos limitar, ninguém quer limitar. Você conhece algum educador que quer limitar o
número dos seus alunos? Nenhum quer. Mas o fato é que o alcance é limitado. Agora, se você
quer um simulacro de educação para você dar para todo mundo, isso é o que o Estado moderno
oferece. Essa educação que é oferecida para todas vai cada vez caindo mais, caindo, caindo,
caindo, caindo até que chega ao ponto em que você tem aulas de masturbação na escola. Você
tira PhD em masturbação. Começou como piada – Wood Allen que inventou isso, “eu sou
catedrático em masturbação na universidade tal” –, começa como piada e vira realidade. A
famosa educação para todos deu nisso, você está fabricando analfabetos em série. Tem o livro do
Ananda Coomaraswamy, A fraude da alfabetização, e tem o livro do Richard Hoogart, um
sociólogo inglês, que diz: “Aqui na Inglaterra todo mundo já sabe ler, vamos ver o que eles estão
lendo”. Eles estão fotonovela, jornal de esporte. Quer dizer, tem toda uma subliteratura que foi
criada para alimentar esses alfabetizados e para mantê-los num nível de consciência inferior.
Então isso é analfabetização em massa. Quer dizer que se você alfabetiza todo mundo e logo em
seguida é obrigado a fornecer um material de leitura que imbecilizante, para que alfabetizou? Eu
acho que a educação deveria ser um direito de todos, não uma obrigação de todos. Educação é
para quem quer, para quem a deseja, e deve ser oferecida na medida que o sujeito deseja porque
ele de fato não vai passar disso.
Você veja que John Taylor Gatto, o grande educador americano, obtém um sucesso enorme
ensinando para as pessoas só o que elas querem. Aqui temos um aluno que só pensa em beisebol.
Está bem, então vamos ensinar tudo sobre o beisebol para ele, ele vai virar o maior conhecedor
de beisebol do mundo. Ele não ensina o que as pessoas não querem. Eu acho isso a coisa mais
certa do mundo. Procurem esse autor John Taylor Gatto, ele tem coisas muito interessantes. [1:20]
E você veja que o nosso ministro da Educação, Janine, ouviu falar disso e quer diversificar então
o currículo. Só que no Brasil o problema não é esse, o problema é como você vai educar os
professores. Se eu fosse ministro da Educação no Brasil, a primeira coisa que eu ia fazer é
diminuir o currículo, diminuir drasticamente. Vamos ensinar poucas coisas, mas coisas sem as
quais eles não podem se virar: ensinar o neguinho a ler, escrever e fazer conta, pronto, acabou.
Se conseguir fazer isso, já é muita coisa. O resto vemos depois. Mas o aprendizado da leitura no
Brasil, que é feito por esse método socioconstrutivista, está impedindo as pessoas de adquirir o
domínio da língua. Isto está assim faz 30-40 anos. Não é que está ensinando pouca coisa, é um
ensino incapacitante. Então é isso que tem de resolver primeiro, e não aperfeiçoar o currículo,
não é isto.
Aluno: O que um professor hoje pode fazer para ajudar os seus alunos?
Olavo: Depende em que nível está. Se você está no nível primário, o que você pode fazer é isto:
ensinar a ler, escrever e fazer conta pelo método que funcione mais, que certamente não é esse de
agora. Se você pegar, por exemplo, a instrução elementar chinesa: os chineses, em todos os
lugares que eles vão, são sempre os melhores alunos, aqui nos EUA inclusive. Como é a
educação primária deles? A boa e velha decoreba, tabuada, etc. e etc., e funciona. É repetição.
Aluno: Níveis posteriores à coisa vai complicando formidavelmente porque você não chega cru,
você...
Olavo: Depende. Aí o problema é diferente conforme a classe que você está, a idade dos seus
alunos etc. Eu não tenho muitas boas idéias com relação à educação de crianças, eu não sei
educar criança. Eu sei criar uma criança em casa, mas professor primário, de ginásio, eu não
seria nunca. Não sei lidar com adolescente, com criança, neste sentido, sei lidar em termos
psicológicos. Eu sempre pensei a educação do adulto jovem, esse é o meu negócio e é o que
estou fazendo. E o que o professor deve fazer? O que estou fazendo. É o que dá para fazer no
momento. Em primeiro lugar, restaurar as possibilidades de desenvolvimento do indivíduo, fazer
o sujeito tomar posse da sua inteligência, avisar o cara: tem uma inteligência aí, ela funciona, dá
para funcionar, dá para ligar. As pessoas não sabiam disso: “Ah, quer dizer que eu posso
entender as coisas?”. Pode. Você vê que incrível? A partir da hora que o sujeito tomou posse, se
ele quiser ir sozinho, ele vai. Mas eu não acredito que vá muito longe porque a sociedade
brasileira puxa o sujeito para baixo. Eu vejo, por exemplo, alunos que estudaram comigo 20 anos
atrás aprenderam muita coisa, evoluíram, mas eles param ali. Agora, se você continuar comigo,
eu vou empurrar você para frente até o fim, até você morrer. Se você decidir ir sozinho, precisa
ver que, além das capacidades que você adquiriu no meu curso, você tem a força existencial para
se sobrepor a esta pressão psicológica do ambiente, pressão imbecilizante, a chantagem
emocional, etc. A maior parte das pessoas não tem porque isso não depende do nível intelectual
dela, depende de outras condições para as quais a vida pode tê-lo preparado ou não. Mas em
geral não preparou.
Você vê que a qualquer desafio emocional mais grave as pessoas param. Eu já reparei isso aí. O
sujeito que estudou comigo um tempo acha que tudo o que ensinei para ele é só o que tenho para
ensinar, eu não aprendi mais nada, eu não sei mais nada, eu sou aquilo lá que ele aprendeu. E
isso é sinal de que a indivíduo parou. E como ele parou, ele acha que eu parei também. Se eu
pensar assim: o que eu estava ensinando 30 anos atrás? Eu estava lidando com certos problemas
que estava tentando entender na época que ou eu resolvi, ou abandonei. Mas eu vejo que eu só
fui chegando a conclusões, estabilizando certas conclusões depois dos 43 anos. Então o que quer
que eu tenha ensinado antes são etapas do problema. por isso que eu digo que tudo o que escrevi
antes dos 43 anos não vale nada, só vale como documento da minha evolução pessoal, não tem a
mais mínima importância nem mesmo para mim, porque ela já foi vencida, já passei para outra.
Então tem uma importância biográfica.
Se o sujeito quiser dizer: qual foi a sua evolução? Eu não recomendo a ninguém que siga o curso
da minha evolução, porque ela foi feita os trancos e barrancos. Eu estou passando isso para vocês
agora para que vocês percorram em menos tempo uma coisa que eu levei 30-40 anos para
percorrer. A minha educação não foi um modelo para ninguém; os resultados, sim, podem ser.
Mas eu vou recomendar que você passe por todas as experiências que passei, arriscando a minha
vida e a minha sanidade? Não faz o menor sentido. A minha vida não é um modelo. O modelo de
educação que eu fui obtendo faz parte das conclusões, e não da experiência propriamente dita.
Por exemplo, eu vou recomendar para o indivíduo entre no Partido Comunista e fique lá anos
fazendo besteira? É claro que não.
Aluno: Ensinar a pensar, a liberdade dessa criança, a independência. Propiciar...
Olavo: Eu penso, mas não gosto muito da expressão “aprender a pensar” porque pensar todo
mundo sabe, e de pensar morreu o burro. O negócio não é pensar, o negócio é saber, despertar o
senso da inteligência, o indivíduo descobrir que ele tem a capacidade de compreender. Todo
mundo que diz que vai ensinar a pensar, eu sempre desconfio que tem charlatanismo aí atrás, e
tem mesmo. Se o sujeito não sabe pensar, como é que eu vou ensinar alguma coisa para ele?
Lembre-se daquele negócio de Hugo de S. Vitor: “Não é pensar, é transitar de uma idéia para
outra”. Todo mundo faz isso, até Lula faz, Dilma faz.
Olavo: Com bastante freqüência. Agora, meditar, opa! Isto aí já ninguém sabe. Você vai rastrear
desde uma idéia que você tem até a experiência que a originou. Mas isto é muito mais
importante, quer dizer, como que essa idéia foi parar na sua cabeça? Foi de uma experiência que
você teve? Você ouviu alguém falar? Você viu na televisão? Você leu num livro? Por que você
aderiu a ela? O que você sentiu quando a leu? Por exemplo, Frithjof Schuon dizia uma coisa
muita certa: “A primeira impressão de concordância que temos com uma idéia não quer dizer
que a compreendemos, quer dizer apenas que temos a aptidão de compreendê-la”.
Aluno: Em um das aulas do COF, você fala um pouco do conceito do símbolo faltante.
Olavo: Esse negócio do símbolo faltante não é uma idéia, não é uma teoria, é uma técnica do Dr.
Müller, que ele achava que, para você sintetizar certas experiências, você precisa de um símbolo
que condense aquilo. E se o símbolo está ausente, você não vai chegar lá de maneira alguma.
Você pode obter o símbolo, por exemplo, assistindo a uma peça de teatro, vendo um quadro,
ouvindo uma música, aquilo condensa para você. E o Müller como expediente pegava o
simbolismo das plantas, dos minerais, etc. e etc., e fazia o sujeito ingerir a substância
homeopática correspondente. Eu tive algumas amostras de que isso funciona. Você ingere uma
certa substância homeopática, aquele símbolo vai aparecer no seu sonho, alguma coisa, e vai
ajudar você a sintetizar. [1:30] Então é uma maneira de desenvolver a inteligência, de desenvolver
a consciência, é possível. Mas, note bem, eu não trabalhei isso a fundo, eu não pratiquei essa
técnica. Eu sei que você pode suprir o símbolo faltante. Eu aqui dou um monte de símbolos para
vocês sintetizarem a sua experiência, e cada vez que vem um símbolo, você sintetiza um monte.
Eu sei que isso funciona, mas como aplicar isso no sentido em que o dr. Müller aplicava, com a
substância homeopática, eu não vou fazer isso. Eu li um bocado de coisa sobre homeopatia, mas
não tenho qualificação para fazer isso. Acharia muito interessante se alguém fosse investigar isso
aí e prosseguir essas coisas dele, seria muito bom. E outra coisa: eu não tenho paciência alguma
para lidar com psicoterapia. De louco chega eu. Eu não tenho paciência com louco e neurótico de
jeito nenhum. Se eu vejo que o sujeito tem problema neurótico sério, ele vai estacionar nessa
coisa e vai requerer cuidados pessoais durante muito tempo, e não dá tempo de eu fazer isso. Eu
quero ensinar para uma classe. Aqui é educação, não é psicoterapia. Pode ter alguns efeitos
benéficos, claro, como toda a educação deveria ter sempre. Se não dá para resolver o problema
na esfera da educação e precisa de uma psicoterapia, daí é outra pessoa, não é comigo mais.
Aluno: Dr. Müller deixou alguma coisa escrita?
Olavo: Muito pouca coisa. O primeiro livro dele que chama Alquimia Moderna é um livro muito
bonito, um livro poético, mas as coisas são tão condensadas, tão simbólicas, que não sei se aquilo
esclarece muita coisa.
Aluno: Pergunta prática sobre o problema de camada (?), medo de falar em público. Como é
que resolve isso? Como é que você simboliza isso?
Olavo: Não tenho a menor idéia. Esse é um problema que eu nunca compreendi porque eu nunca
tive o menor medo disso. Com 8 anos de idade, eu fazia um programa de rádio, eu era um cara-
de-pau incoercível. Se alguém da escola precisa fazer o discurso, eu digo: Eu! Então eu não
consigo ter. Tem situações em que podemos ficar inibidos. Por exemplo, você ter de falar alguma
coisa muito horrível para uma pessoa, dizer umas verdades para ela. Vai ser desagradável, vai ser
chato, ficamos um pouco envergonhados. Mas falar em público, eu não sei o que é medo de falar
em público, eu nunca vivi isso.
Por exemplo, você se apaixona por uma garota, você não tem coragem de chegar para ela e falar.
Eu tive um aluno que ficou sofrendo anos, ele sentava e ficava olhando a mulher de boca aberta,
e nós incentivando: “Vai lá, vai lá. Coragem”. No fim, ele foi. Pode acontecer essa inibição por
causa do medo da rejeição. Mas mesmo esse problema eu também nunca tive.
Aluno: As pessoas que trabalham em camada de personalidade mais baixas são mais suscetíveis
de serem acometidas pela mentalidade revolucionária?
Olavo: É claro, é evidente que todas essas coisas são falsas saídas existenciais que são oferecidas
justamente para aprisionar as pessoas naquelas camadas, e elas nunca mais saírem de lá. Você
imagina o número de coitadinhos de que qualquer dessas ideologias modernas precisa. Um
monte de gente que se sinta discriminada e que, em vez de entender que é algum problema com
ele, acha que é um problema da sociedade. Você pode dizer que uma coisa tem uma causa social,
que é externa a você, se você tentou tudo para vencer aquilo na sua esfera pessoal. Mas, você
veja, a maior parte das pessoas não tenta. Você não conhece pessoas que pertencem a grupos
minoritários e até perseguidos e que nunca tiveram a menor inibição? O mundo está cheio disso.
Você pega o Pelé: Pelé algum dia teve alguma inibição de alguma coisa? Nunca teve. “Por que
eu sou preto nunca vão gostar de mim, como? Eu sou o gênio do futebol, como é que não vai
gostar de mim? É doido?”. Quer dizer, se o indivíduo fez tudo para vencer, e ainda assim é
discriminado, então você está de fato topando com um problema externo. Pode acontecer. Se
você era um grande gênio da filosofia ou da ciência, um judeu no tempo da Alemanha nazista, aí
por mais desinibido que você seja, você não vai conseguir vencer na vida porque eles vão
colocar uma barreira objetiva. Mas em geral a idéia da discriminação é uma fantasia pessoal
apenas. Mas é preciso manter as pessoas presas a essa fantasia para você poder mobilizá-las para
fazer delas a massa de manobra. No fim, até aqueles inconvenientes que são mais obviamente
causados pelo próprio indivíduo acabam sendo atribuídos à sociedade injusta.
Vamos proclamar direitos. [1:40] Todo direito de um é obrigação de outro, portanto você está
criando obrigações. Proibições e obrigações, e só isso que a lei faz. A lei é uma maneira
eminentemente negativa de lidar com os problemas, ela não pode criar valores positivos em
hipótese alguma. Portanto, “eu quero acabar com a discriminação dos pretos”, por exemplo, você
vai fazer uma série de leis que vão criar obrigações e proibições para outra ala da sociedade a
qual, se não cumprir, será discriminada. É sempre assim. Sociedade é discriminação. Se tem uma
estrutura a sociedade, então alguém será discriminado ali necessariamente. Por exemplo, hoje em
dia você discrimina as pessoas que são contra o crime. Ser contra o crime no Brasil é ser
reacionário, é você ser fascista, é você ser racista. Então qualquer promessa de encerrar uma
discriminação vai dar um resultado contrário sempre. E na maior parte dos casos, quem inventa
essas coisas sabe qual será o resultado, deseja esse resultado.
A tendência natural do ser humano, qualquer sofrimento que ele tenha, é ele atribuir a um outro
ser humano, porque a idéia da natureza das coisas, a idéia de uma estrutura da vida, eu falo, são
idéias muito abstratas. Então você pega um culpado. Por que os alemães criaram tantas leis
contra os judeus? É simples: os judeus tinham mais dinheiro, então eles se sentiam discriminados
pelos judeus. Está lá aquela festa dos judeus no castelo cheio de mulher e está eu aqui
trabalhando como um doido, vamos acabar com eles. Virou uma discriminação. Ele pode ter
dinheiro, mas eu posso ser professor universitário, por exemplo. A sociedade que promete
receber bem todo mundo por igual, é claro que isso é um absurdo, claro que isso nunca vai
acontecer. Por exemplo, descriminar as pessoas só porque elas não trabalham. Nós temos de
aceitar as pessoas, elas são um peso para nós, temos de pagar as despesas dela etc., mas não
podemos discriminá-las. Você imagina isso levado às suas últimas conseqüências onde vai parar.
Mais ou menos a situação está aqui nos EUA: uma pá de gente que não trabalha, que os outros
têm de sustentar, e você não pode falar mal deles. Então você está discriminando o quê? O
trabalhador. Você tem de pagar as despesas do Zé Mané ali e não pode reclamar. Se reclamar,
você será discriminado. Então é assim: você só troca de discriminação. O negócio seria assim: o
que seria a forma de discriminação mais justa, mais funcional e que vai causar menos
sofrimento? É só isso.