Inteligência Artificial e A Educação Além Da Curva 2

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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E A EDUCAÇÃO ALÉM DA CURVA


Copyright 2019 © Ronaldo Casagrande
Dados da Catalogação Internacional na Publicação (CIP)
__________________________________________________________________

C334 Casagrande, Ronaldo


Inteligência artificial e a educação além da curva / Ronaldo Casagrande – 1.ed.
Curitiba, PR : Instituto Casagrande, 2019.
ISBN 978-65-900889-0-1
__________________________________________________________________

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total deste livro


Contato: www.ronaldocasagrande.com.br

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INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL E A
EDUCAÇÃO ALÉM DA
CURVA

RONALDO CASAGRANDE

3
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 5
1. O MUNDO MIGROU DO FÍSICO PARA O DIGITAL ............................ 9
Migramos de um ritmo linear para exponencial ............................................. 15
A quarta revolução industrial............................................................................. 19
2. A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL ..................................................................22
Como ocorre a aprendizagem na Inteligência Artificial................................. 29
Aprendizagem Supervisionada .......................................................................... 29
Aprendizagem Não Supervisionada ................................................................. 32
Aprendizagem por Reforço ............................................................................... 33
O Paradoxo de Moravec .................................................................................... 35
3. A PREPARAÇÃO DAS NOVAS GERAÇÕES FRENTE À LETARGIA
DAS INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS .....................................................38
As instituições educacionais .............................................................................. 41
4. A TECNOLOGIA E SUA INSERÇÃO NA EDUCAÇÃO .......................46
5. AS TECNOLOGIAS BASEADAS EM INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
QUE IMPACTARÃO A EDUCAÇÃO ..........................................................59
Chatbots ............................................................................................................... 60
Análise preditiva .................................................................................................. 63
Tradução simultânea de voz .............................................................................. 65
Tutoria inteligente ............................................................................................... 66
Outras aplicações ................................................................................................ 69
6. CONCLUSÃO .....................................................................................................72
REFERÊNCIAS .......................................................................................................74
SOBRE MIM.............................................................................................................76
Credenciais: .......................................................................................................... 77

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INTRODUÇÃO

A educação está em crise? A resposta para esta pergunta


parece bastante óbvia na atualidade. Uma das notícias que
mais me chocou ultimamente a esse respeito foi de que as
empresas da nova economia, como Google, Apple e IBM,
não exigem mais diploma universitário de seus funcionários.
É patente que o fim dessa exigência não se deve ao fato da
escassez de profissionais com formação superior e, sim, pelo
fato de que, tal formação não desenvolve os diferenciais
necessários que tais empresas necessitam. Como boa parte de
minha trajetória profissional estive vinculado ao ensino
superior, tal notícia me entristece e, mais que isso, me
preocupa. Se a formação superior norte-americana, que é
abastecida de universidades de renome internacional, como
Harvard, Stanford, Berkley, MIT, entre outras, está em
xeque, imagino a nossa formação dos trópicos que não
apresenta universidades com tal envergadura. Para quem
trabalha com o ensino superior, essa notícia deve, no
mínimo, gerar uma inquietude e provocar reflexões a
respeito, pois estampa, para todos, que o trabalho que viemos
fazendo não surte os resultados esperados. Vale ressaltar que
essa notícia não aparece de forma isolada. Eu que procuro
acompanhar diariamente as notícias do setor, de tempos em
tempos, me deparo com notícias que tangenciam esse
assunto. Ao observar o crescimento experimentado nos
últimos anos por muitas instituições de educação não formal,
vejo que realmente precisamos repensar nossa formação
superior, se já não for tarde. Cursos de graduação de áreas
desregulamentadas, como as vinculadas à economia criativa -

5
TI, Design, Comunicação, Gastronomia, entre outros - são
os primeiros que estão sentindo o forte impacto na queda de
suas matrículas. Os jovens estão dando preferência em
desenvolver competências nessas áreas em cursos livres de
curta duração, extremamente focados e objetivos, a dedicar
anos de suas vidas numa formação universitária. Tudo indica
que esse caminho, em breve, será seguido por outros jovens
que buscam formação em outras áreas.
Ao analisar a educação básica, especialmente a
brasileira, nos deparamos com um cenário pior. O processo
sistemático das avaliações de aprendizagens externas
realizadas por instituições governamentais e não
governamentais, implantado nos últimos anos, especialmente
após os anos 90, desnudou uma realidade que, para parcela
significativa da população, não era tão explícito. Mostrou que
a educação básica brasileira patina e não consegue fazer com
que seus alunos desenvolvam competências básicas para
exercer sua cidadania com plenitude. Ocupamos as últimas
posições no exame do PISA (Programa Internacional de
Avaliação de Alunos), que mede o nível educacional de
jovens de 15 anos por meio de provas de leitura, matemática
e ciências, entre os países que participam de tal avaliação. Ao
analisar o resultado de avaliações internas realizadas pelo
Governo, não somos surpreendidos com notícias diferentes.
Atualmente, 7 entre cada 10 alunos do ensino médio tem
nível insuficiente em Português e Matemática. Segundo a
OCDE - Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico – somente 2,1% dos alunos
carentes brasileiros aprendem nível aceitável em ciências.

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Poderia descrever mais dezenas de análises oriundas de
tais avaliações para mostrar a situação de nossa educação
básica, mas acredito que não se faça necessário. Ao buscar
compreender as causas que levam a esse cenário, nos
deparamos com um círculo vicioso de difícil solução.
Professores são mal remunerados, pois nosso sistema
público não consegue, via de regra, remunerar,
significativamente, melhor do que o faz hoje. A baixa
remuneração faz com que a carreira do magistério não seja
mais atrativa como no passado, atraindo profissionais, muitas
vezes, sem a qualificação devida para ensinar nossos jovens.
Sem uma aprendizagem adequada na educação básica,
dificilmente conseguiremos um crescimento econômico
sustentável, o que impedirá de valorizar a carreira do
magistério a nível adequado. Esse círculo danoso a nossa
sociedade precisa ser quebrado em algum momento para que
possamos vislumbrar um futuro melhor para nosso país.

RANKING DA EDUCAÇÃO MUNDIAL

Posição País Posição País Posição País

1 Coréia do Sul 7 Estônia 58 Colômbia

2 Finlândia 8 Letônia 63 Equador

3 Noruega 9 Israel 87 Peru

4 Russia 10 Suécia 92 Bolívia

5 Hong Kong 45 Argentina 96 Brasil

6 Japão 50 Chile 109 Venezuela

Fonte: OCDE, 2018

Figura 1: Qualidade da educação básica brasileira em relação a outros países

7
Essa breve análise que fiz anteriormente tem como
objetivo aclarar sobre esse problema e mostrar que a nossa
educação, seja básica ou superior, está em xeque. Precisamos
repensar e agir rapidamente para reverter esse quadro, pois
estamos entrando em um novo ciclo em nossa sociedade
mundial, ocasionado pelo que se intitula de 4ª Revolução
Industrial.
O objetivo deste livro é analisar o quadro que nos levou
a esse contexto, bem como refletir sobre a nova disruptura
de hábitos e costumes que estamos sendo submetidos com o
surgimento da quarta revolução industrial, ocasionada pela
eclosão da inteligência artificial. No capítulo 2 deste livro,
faço uma análise dessa mudança que estamos atravessando
em nossas vidas e o porquê de ela vir ocorrendo. O capítulo
3 dedico a uma explanação mais detalhada sobre o que vem
a ser a inteligência artificial, procurando desconstruir a
complexidade que envolve esse tema. No capítulo 4, busco
analisar como se deu a inserção das tecnologias de
informação e comunicação nos ambientes educacionais com
a eclosão da terceira revolução industrial. Os impactos que a
inteligência artificial terá nas ocupações futuras e como a
instituição educacional, com sua letargia histórica, deverá dar
respostas a isso, são abordados no capítulo 4. No capítulo 5,
discorro sobre algumas tecnologias ancoradas em inteligência
artificial que estão sendo aplicadas no segmento educacional
e ouso fazer alguns prognósticos de outras soluções
tecnológicas que deverão invadir o setor nos próximos anos.
As conclusões finais são abordadas no capítulo 6. Boa leitura.

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1. O MUNDO MIGROU DO FÍSICO PARA O
DIGITAL

O desenvolvimento acelerado da indústria


microeletrônica, iniciada na década de 70, potencializado
com a democratização da internet no final da década de 90,
gerou um cenário propício para que nossa sociedade e nossas
indústrias (termo “indústria” aqui utilizado de forma a
retratar qualquer organização produtiva) migrassem do
ambiente físico para o digital. Quase não percebemos, mas
nos últimos anos, os smartphones passaram a funcionar
como uma extensão de nosso corpo físico. Dificilmente
falamos que nosso celular está sem bateria ou sem conexão à
internet. É comum expressarmos tais situações como “Estou
sem bateria” ou “Estou sem internet”, referindo-se a
situações que estão intrinsicamente ligadas ao aparelho e não
a nós. Os nossos costumes mudaram e, nos dias de hoje, o
smartphone é o responsável por fazer a interface com esse
novo mundo. Hoje temos muito mais contato com nossos
amigos via rede social digital (como Facebook e Instagram)
do que fisicamente. As reuniões e discussões acaloradas de
família que, antes aconteciam nos almoços de finais de
semana ao redor de uma mesa, hoje ganham espaços nos
grupos de WhatsApp. As fotos pessoais e de família
capturadas em ocasiões especiais e que recheavam álbuns
guardados carinhosamente em lugar de destaque na casa, hoje
foram acrescentadas de outras milhares de fotos em ocasiões
menos relevantes e passaram a ser guardadas, na maioria das
vezes, desordenadamente, na nuvem (termo usado
metaforicamente para designar uma rede global de grande

9
computadores que armazenam e processam informações),
em plataformas como Google Fotos, iCloud, Dropbox, entre
tantos outros. Os armários e estantes de casa, repletos de
caixas de CDs de música, deram espaços para armazenar
outras tantas quinquilharias (muitas delas compradas em lojas
virtuais, pela facilidade da transação), pois as nossas músicas
preferidas foram para aplicativos digitais como Spotify,
Apple Music, Deezer, entre tantos outros, que permitiram,
além de organizar melhor nossas playlists, ampliar o
repertório de músicas para nossos momentos de relaxamento
e curtição. Muitas pessoas, especialmente as tímidas,
encontraram no Tinder e outros aplicativos de namoro, o
“cupido” ideal para buscarem sua cara metade, dispensando
locais físicos para facilitar tal busca. Temos nos deparado,
diariamente, com notícias de jornais físicos de grande
circulação que estão deixando de existir, reduzindo sua
tiragem ou limitando a sua circulação para poucos dias da
semana, por não terem mais público para a frequência ou
tiragem de outrora. Aos poucos temos vivenciado a migração
do dinheiro em papel ou do cartão de crédito físico, para
dentro de nossos celulares. Mas, o Brasil ainda está atrasado
nessa tecnologia, na China a maioria dos pagamentos já são
realizados com os celulares. Já tivemos projeto de lei no
Brasil que propunha a extinção do dinheiro em espécie, ou
seja, no formato de cédulas e moedas. As transações
financeiras, segundo esse projeto de lei, deveriam ser
realizadas apenas através do sistema digital. Ideia fora de
propósito? Talvez não, somente o timing estava errado. Tudo
aponta que, em pouco tempo, a maior parte das transações
comerciais se dará por meio dos smartphones. Um dos

10
grandes divertimentos das famílias nos finais de semana era
gastar parte de seus sábados nas locadoras de vídeo
escolhendo aquele filme apropriado para o sábado à noite ou
domingo à tarde. Em pouco tempo, esse hábito deixou de
existir, pois a Netflix proporcionou milhares de filmes e
séries a um baixo custo. Assim como para mim, acredito que
a ausência desse hábito deixou saudades a muitos. Mas isso é
assunto para outro momento.

Os smartphones passaram a funcionar como


uma extensão de nosso corpo físico

Enfim, esses são apenas alguns exemplos que, na


correria do dia-a-dia, passam despercebidos, que mostram a
mudança de hábito e costumes que experimentamos nos
últimos anos nessa transição do mundo físico para o digital.
Mas essa migração não impactou somente nossas vidas.
Muitas empresas e segmentos deixaram de existir ou estão
agonizando nos últimos anos. Ao analisar o mercado
fonográfico, percebemos que o Spotify e outas plataformas
digitais de música levaram a derrocada de muitas gravadoras.
As agências de turismo sofreram impacto muito forte com
plataformas digitais de reservas de hotel e compras de
passagens aéreas como Booking, Decolar, Trivago, entre
tantas outras. Os tradicionais anúncios de venda de produtos
em jornais, feitos por pessoas físicas, foram substituídos
pelos anúncios no OLX. O Airbnb fez com que
experimentássemos novas formas de hospedagem,
reduzindo os movimentos dos hotéis. As empresas de

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telefonia fizeram várias tentativas, sem sucesso, de bloquear
ligações telefônicas, via aplicativos, como WhatsApp, pois
viram isso como uma grande ameaça para as suas receitas,
ancoradas na quase totalidade em ligações telefônicas. E essa
queda de receita realmente aconteceu. A nova geração não
assiste mais TV aberta. Na maioria do tempo que estão em
frente a uma tela (e normalmente nos smartphones), estão
assistindo a um programa do Youtube ou Netflix. As TVs
abertas estão tentando se reinventar, pois o modelo de
negócio que as trouxe com sucesso até aqui não garantirá o
mesmo sucesso para o futuro. Presenciamos recentemente
conflitos em várias cidades dos taxistas contra os motoristas
de Uber. Guerra perdida. O Uber está invadindo, dia-a-dia,
mais cidades e o mercado do táxi, como o conhecemos,
deixará de existir ou será insignificante.
Esses são apenas alguns exemplos que nos fazem
refletir sobre a velocidade com que a transformação digital
vem mudando nossos hábitos e nossos modelos de negócio.
Quase não percebemos, mas quase todas essas situações que
relatei anteriormente aconteceram basicamente nos últimos
cinco anos. A migração do físico para o digital está levando a
extinção de modelos de negócios que foram criados para
fazer a intermediação entre o gerador do produto ou serviço
e o consumidor final. É o que chamo de “processo de
desintermediação”. Como relatei anteriormente, as agências
de turismo vêm experimentando uma redução drástica de
suas operações nos últimos anos. Isso se deve ao fato de que,
na maioria das vezes, operavam como intermediadoras entre
os hotéis e companhias aéreas e os clientes finais. Esse tipo
de trabalho fazia todo o sentido, anteriormente, quando não

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se tinha a possibilidade de “conhecer” um hotel antes de sua
viagem ou fazer uma compra facilitada de uma passagem
aérea. Você confiava à agência de viagem esses papéis. Ela
designava a você um hotel que atendesse às suas expectativas
e lhe entregava a passagem aérea no dia e horário escolhido.
Hoje, com as plataformas digitais de locação de hotéis e de
compra de passagens, nós passamos a ter mais autonomia.
Conseguimos analisar todas as instalações e serviços do hotel
por meio de fotos e, principalmente, pela avaliação das
demais pessoas que passaram por ele, situação essa que, até
então, quase não era possível com as agências de turismo. Da
mesma forma, qualquer pessoa hoje consegue, em minutos,
comprar passagem para qualquer lugar do mundo.
Temos observado as lojas de varejo físico indo para o
mesmo caminho. Basta entrar numa dessas lojas,
especialmente as lojas de eletrônicos e eletrodomésticos, para
identificarmos tal situação. Você observa as pessoas
analisando os produtos, anotando e fotografando suas
especificações, para, depois, realizarem a compra, por menor
preço, na internet. Isso acontece, pois as lojas físicas de
varejo também fazem um processo de intermediação entre a
fábrica e o consumidor final. É outro modelo de negócio que
vem sofrendo forte impacto com essa migração do físico para
o digital. Outro exemplo clássico desse processo de
desintermediação ocorreu com o acesso a filmes e séries. As
locadoras de vídeo, hoje extintas, intermediavam a
negociação entre a produtora de vídeo e o consumidor final.
Hoje, a Netflix está produzindo, em muitos casos, suas
próprias produções e entregando diretamente ao consumidor
final. Outro setor que corre grande risco de desintermediação

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é o de imobiliárias. Há alguns anos existem plataformas
digitais que já facilitam o processo de compra e venda de
imóveis entre as partes. Mas por se tratar de montantes
financeiros bastante elevados, as imobiliárias ainda têm (ou
tinham) um papel crucial nessa negociação. Falo isso, pois,
recentemente, tem surgido plataformas que estão se
preocupando exatamente com a parte final da negociação,
dando garantias e seguranças plenas da transação financeira a
ambas as partes. É só essas plataformas de fato entregarem
esse serviço com qualidade e se popularizarem para que a
desintermediação das imobiliárias ocorra.

A migração do físico para o digital está


levando a extinção de modelos de negócios
que foram criados para fazer a intermediação
entre o gerador do produto e serviço e o
consumidor final.

Ao analisar todo esse cenário de transição do mundo


físico para o digital e a consequente desintermediação, faço-
lhe uma pergunta para sua reflexão. Será que a instituição de
ensino, da forma como a conhecemos hoje, corre o risco de
ser desintermediada, na medida que, muitas vezes, faz a
“ponte” entre o produtor do conhecimento (normalmente o
professor) e o aluno? Particularmente acredito que, em parte,
sim. Especialmente no ensino superior e em outros cursos
que visam o desenvolvimento de habilidades técnicas. Hoje
plataformas de cursos livres, como Udacity e Udemy, tem
milhares de ofertas, com milhões de alunos matriculados.

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Nessas plataformas, os alunos apreendem de
programação de computadores a balé, de gastronomia a
violão, de teatro a equações matemáticas complexas. Tudo
isso digitalmente, sem a existências de uma instituição de
ensino. Nessas plataformas, continua existindo a figura do
professor, como fomentador e organizador do processo de
ensino, e o aluno, como protagonista de sua aprendizagem.
Mas a figura da instituição de ensino, como a conhecemos,
não faz mais parte desse modelo de “escola”. Será que a
Netflix, ou outra empresa do gênero, não terá condições, em
breve, de cumprir esse papel? Segundo o futurista norte-
americano Thomas Frey (que foi engenheiro na IBM e
ajudou a fundar o Instituto DaVinci - organização focada em
inovação tecnológica que visa promover um futuro melhor),
a maior empresa digital em 2030 será uma escola online que
ainda não existe. Com certeza essa escola a que ele se refere
foge totalmente dos padrões como a conhecemos hoje.
Enfim, fica aqui essa questão para que possamos refletir. Só
o futuro nos dará a resposta.

MIGRAMOS DE UM RITMO LINEAR PARA


EXPONENCIAL

Antes de entender o porquê de essa migração se


suceder e o impacto que isso tem nas nossas vidas e na
sociedade, é necessário entender esses dois conceitos. A
figura 2, apresentada a seguir, ajuda a elucidar esses
conceitos.

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Figura 2: Diferença entre crescimento linear e exponencial

Ao analisar o gráfico da Figura 2, independente do que


ele retrate, vemos que o crescimento da curva de linha cheia
ocorre num formato reto e linearmente progressivo. Nossa
vida é rodeada de exemplos que seguem uma curva
relativamente linear. Ao comprar uma camisa, por exemplo,
gastamos “x”; ao comprarmos duas camisas iguais, gastamos
“2x”, ao comprarmos três camisas iguais, gastamos “3x” e,
assim, sucessivamente. Ao andar numa velocidade normal,
em 1 hora conseguimos caminhar 5 km; em 2 horas
conseguimos andar 10 km e, assim por diante. Trouxe esses
dois exemplos, que não funcionam exatamente dessa forma,
mas exemplificam modelos lineares.
A curva pontilhada do gráfico mostra um crescimento
exponencial. Pode-se observar que a partir de um
determinado momento, a curva cresce vertiginosamente.
Esse tipo de curva, representa, por exemplo, o nosso
crescimento populacional. O mundo só chegou a 1 bilhão de

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pessoas em 1850. Levou milhares de anos para atingir essa
marca. Já em 1950, o contingente populacional alcançou 2,5
bilhões de habitantes. Quarenta anos depois, a população
mais que dobrou, chegando a 5,2 bilhões de habitantes. Hoje
temos mais de 7 bilhões de pessoas no mundo. Nos últimos
10 anos, a população mundial cresceu, aproximadamente, em
1 bilhão de pessoas, tempo muito inferior se comparado aos
milhares de anos para se chegar ao primeiro bilhão. Isso é
característica de crescimento exponencial.
Para mostrar a diferença impactante entre as
características dessas duas curvas, vamos a um outro
exemplo. Você, ao caminhar 20 passos, percorre uma
distância de 14 metros, se cada passo seu tiver uma extensão
de 70 cm. A caminhada tem característica linear. Suponha
agora que você conseguisse caminhar de forma exponencial,
sendo que seu primeiro passo tivesse uma extensão de 70 cm,
o segundo, 140 cm, o terceiro, 280 cm e assim,
sucessivamente, dobrando o tamanho do passo a cada vez.
Após a mesma caminhada de 20 passos, seguindo essa
tendência exponencial, você teria percorrido uma distância
superior a 500 mil quilômetros e chegaria até a lua. Esse
exemplo denota a característica marcante de algo que é
exponencial.

Ao realizar 20 passos de forma linear você


percorre 14 metros. Ao fazê-lo de forma
exponencial, você chega na lua.

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Mas o que isso tem a ver com o contexto que estamos
discutindo? O nosso progresso tecnológico até a alguns anos,
seguiu uma tendência relativamente linear. É evidente em que
alguns momentos tivemos grandes rupturas tecnológicas,
como aconteceu nas revoluções industriais, mas ao analisar a
progressão tecnológica ao longo de nossa história, como um
todo, especialmente da idade média até anos recentes, vemos
um avanço relativamente linear nesse progresso. Esse
crescimento tecnológico linear ao longo de todos esses anos
fez com que nossa percepção de avanço tecnológico também
seja linear. Assim, projetamos o avanço tecnológico futuro
com base em histórico passado, o que não é mais verdade.
Tivemos um passado de avanço tecnológico linear mas
vamos experimentar, cada vez mais, um avanço tecnológico
de forma exponencial.
Esse avanço tecnológico exponencial tem um motivo e
foi profetizado a mais de 50 anos, especificamente em 1965,
pelo norte-americano Gordon Earle Moore, que juntamente
com Robert Noyce, fundaram a Intel, a primeira fabricante
de chips eletrônicos do mundo. Essa profecia foi
denominada de Lei de Moore. Na ocasião, Moore profetizou
que a cada 18 meses, o número de transistores (componente
central da eletrônica) que caberia num chip, dobraria
(característica exponencial). Isso implicaria que a capacidade
de processamento dos chips eletrônicos também dobraria a
cada 18 meses. Desde então, essa característica exponencial
de avanço da eletrônico vem se confirmando, mais ou menos
nesse tempo. Nas primeiras décadas de sua profecia, isso não
gerou tanto impacto (crescimento lento de curvas
exponenciais no início, como pode ser verificado na Figura

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2), mas hoje sentimos fortemente esse crescimento. Por isso,
somos surpreendidos, diariamente, com notícias impactantes
de avanços tecnológicos e, muitos deles, passam
despercebidos sob nossos olhos. Estamos vivendo a
ascendência acentuada da curva exponencial prevista por
Moore e esse crescimento vertiginoso das tecnologias
oriundas da microeletrônica nos traz à porta da Quarta
Revolução Industrial.

Lei de Moore: A capacidade de


processamento dos dispositivos eletrônicos
avança em ritmo exponencial.

A QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

Há poucos anos, o alemão Klaus Schwab, fundador do


Fórum Econômico Mundial - espaço que reúne os principais
líderes empresariais e políticos para discutir questões
mundiais – cunhou o termo “Quarta Revolução Industrial”,
lançando em 2016, um livro sob o mesmo nome. Essa nova
revolução vem transformando a forma como a sociedade
vive, produz e se relaciona. Estamos apenas enxergando a
ponta desse iceberg que nos bate à porta. Para entender como
chegamos a esse ponto, vamos mergulhar rapidamente na
história e entender como se deram as outras revoluções.
A Primeira Revolução Industrial tem seu marco com a
criação da máquina a vapor por James Watt, em 1777, o que
permitiu a substituição da força animal pela máquina. Tal fato
ocasionou um conjunto de mudanças que aconteceram na

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Europa nos séculos XVIII e XIX, sendo responsável pela
substituição do trabalho artesanal pela produção realizada
com o uso das máquinas à vapor.
A Segunda Revolução Industrial ocorreu,
aproximadamente, após um século da primeira, tendo como
marco, a disponibilização da eletricidade para fins industriais.
Junto a isso, Henry Ford introduziu o processo de produção
seriado, onde vários operários, com ajuda de máquinas,
tornaram-se especializados em diversas funções específicas e
repetitivas, trabalhando de forma sequencial. A
administração científica, que ainda rege muito das nossas
organizações, remonta desse período, tendo o norte-
americano Frederick Taylor como um de seus expoentes.
A Terceira Revolução Industrial surgiu após a Segunda
Grande Guerra, tendo a eletrônica como um marco de seu
surgimento, permitindo a automação e a robotização nos
processos industriais. Nossa sociedade passa a ser impactada
pelos dispositivos eletrônicos e pela internet, tecnologia essa
gerada a partir da microeletrônica. As tecnologias de
informação e comunicação invadiram nosso cotidiano e, a
partir daí, nossa forma de viver e de se relacionar não foi mais
a mesma. Somos drenados pelos avanços constantes da
tecnologia, somos drenados pela Lei de Moore. Esse avanço
exponencial no poder computacional experimentado nos
últimos anos, aliado a uma massa gigantesca de dados,
gerados por pessoas, máquinas e empresas no dia-a-dia,
fornece o terreno fértil para a eclosão de uma tecnologia, que
surge na década de 50, e que é o gatilho para a Quarta
Revolução Industrial: a Inteligência Artificial. Para alguns
pesquisadores, essa é a segunda grande revolução industrial a

20
que estamos sendo submetidos: a primeira, substituindo a
força humana; a segunda, a sua inteligência.

Figura 3: As Quatro Revoluções Industriais

Para alguns pesquisadores, essa é a segunda grande


revolução industrial a que estamos sendo submetidos. A
primeira, veio substituir a força humana; a segunda, a sua
inteligência.

21
2. A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

A primeira pessoa a utilizar o termo “Inteligência


Artificial” foi o cientista norte-americano John McCarthy, em
1956, definindo-a como a ciência de produzir máquinas
inteligentes, similar à humana, por meio de programas
computacionais (software).
De forma muito simplista e superficial vou classificar,
para fins didáticos neste livro, os sistemas computacionais
em dois tipos: sistemas tradicionais e sistemas inteligentes.
Os sistemas tradicionais seguem um algoritmo - sequência de
passos processuais - pré-determinado. Quando vamos
cozinhar um alimento - arroz, por exemplo - seguimos uma
sequência de passos pré-determinada. Quando vamos
escovar nossos dentes pela manhã, também fazemos uma
sequência pré-determinada de passos e, assim, para várias
coisas que realizamos em nossa vida. Ou seja, executamos
algoritmos pré-determinados para muitas coisas em nossa
rotina. Uma vez aprendido o procedimento, faz-se sempre a
mesma coisa e de forma quase que automática. Da mesma
forma acontece com os sistemas computacionais tradicionais.
Portanto, os sistemas tradicionais são sistemas limitados que
reproduzem o que foi previamente programado neles. Temos
como exemplo, aqui, todos os sistemas utilizados numa
instituição de ensino, tais como sistemas acadêmicos, sistema
de gestão, entre outros. Esses sistemas sempre vão executar
a mesma tarefa pré-programada neles. Não têm condições de
“aprender” nada diferente. Se um programa acadêmico está
programado para calcular a média aritmética das notas dos

22
alunos nos quatro bimestres letivos do ano, sempre o fará da
mesma forma, a não ser que alguém o reprograme.
Já os sistemas inteligentes têm um funcionamento
diferente. Uma vez implementado, eles têm a propriedade de
aprender continuamente, o que os aproxima de nós. A
inteligência artificial é o expoente desse tipo de sistema. Não
existe uma definição única para inteligência artificial, assim
como não existe para inteligência. Mas gosto de conceituar
inteligência artificial como um sistema computacional que
simula a capacidade do ser humano em resolver problemas.
Por enquanto, a capacidade de “sentir” ainda não faz parte
do mundo artificial (pelo menos por enquanto).

Inteligência artificial: sistema computacional


que simula a capacidade do ser humano em
resolver problemas.

Um dos algoritmos mais poderosos da inteligência


artificial é denominado de Redes Neurais Artificiais, pois
simula, em parte, o funcionamento de nosso cérebro. Assim
como em nossa rede neural temos os neurônios, o algoritmo
baseado em redes neurais artificiais também os incorpora em
sua lógica de funcionamento, só que de forma digital. Face à
característica de rede, a plasticidade se encontra presente
tanto nas redes neurais biológicas quanto nas artificiais, o que
lhes proporciona a capacidade de aprendizagem quando
sujeito a novas experiências. Uma diferença marcante entre a
rede neural biológica e a rede neural artificial, é a quantidade
de neurônios existentes em cada uma. Numa rede neural

23
biológica, como a nossa, o número de neurônios gira em
torno de 76 bilhões, enquanto que numa rede sofisticada de
inteligência artificial, esse número não passa, ainda, da casa
de milhões, pois a velocidade de processamento das
máquinas ainda limita essa expansão. Nesse quesito, 1 x 0
para nosso cérebro. Por outro lado, as sinapses em nosso
cérebro se dão por reações químicas enquanto que na rede
artificial se dão por corrente elétrica (movimento de
elétrons). Devido a isso, os neurônios biológicos são de
cinco a seis ordens de grandeza mais lentos que os neurônios
eletrônicos. Enquanto o processamento biológico é na
ordem de milissegundos (10-3s), o eletrônico é na ordem de
nanossegundos (10-9s). Aqui, 1 x 0 para a máquina. E nesse
duelo entre homem e máquina, quem ganhará em eficiência
na realização de certas atividades cognitivas no futuro? Isso
não podemos prever, pois depende, também, do tipo de
atividade. Mas é importante que saibamos que, enquanto
nossa evolução neuronal é regida, principalmente, pela
seleção natural, presente na Lei de Darwin, a evolução da
inteligência artificial é regida, principalmente, pelo avanço da
eletrônica, presente na Lei de Moore.
Por que a inteligência artificial somente agora recebe
tamanha notoriedade e importância, se sua origem remonta
da década de 50? A resposta para isso deve-se a dois fatores
que mencionei anteriormente: poder computacional e
quantidade de dados. Esses dois componentes, juntos,
formam o combustível perfeito para a eclosão da inteligência
artificial. Nós, seres humanos, somos agraciados com esses
dois componentes desde nossa origem. O cérebro humano,
como já mencionado, tem em torno de 76 bilhões de

24
neurônios, o que nos dá um grande poder de processamento
de informações. Nossos cinco sentidos - visão, olfato,
paladar, audição e tato - capturam uma quantidade muito
grande de dados a cada momento, proporcionando
combustível para um aprendizado constante. Só para fins de
exemplo, um ser humano obtém uma imagem a cada 0,2
segundos, em média. Assim, aos 3 anos de idade, uma criança
foi submetida a centenas de milhões de “fotos”. Por isso
consegue, a partir de um treinamento básico, diferenciar um
cão de um gato, tarefa ainda difícil para uma máquina.
Somente agora estamos conseguindo gerar dados suficientes
para ensinar sistemas artificiais na proporção que os seres
humanos obtêm por seus cinco sentidos.
A Lei de Moore e sua característica exponencial é
implacável no que tange à capacidade de processamento. Em
2015, um computador tinha a capacidade de processamento
similar a de um rato. Se a Lei de Moore continuar válida para
os próximos anos e décadas (isso é controverso entre os
cientistas), em 2023, a capacidade de processamento de um
computador será similar a de um cérebro humano; em 2045,
a da população mundial inteira. Isso soa assustador quando
imaginamos o poder computacional que as máquinas terão
no futuro, aliado a um sistema de aprendizagem próprio e
autônomo.
Em 2015, um computador tinha a capacidade de
processamento similar à de um rato. Se a Lei de Moore
continuar válida no futuro, em 2045, a capacidade de
processamento de uma máquina será equivalente a
capacidade de processamento da população mundial inteira.

25
Na mesma linha do poder computacional, o outro
combustível da inteligência artificial - os dados - cresce a
passos largos, em tendência exponencial. A Figura 4 ilustra o
crescimento na geração de dados até hoje e as perspectivas
futuras. Como pode ser visto na Figura 4, a geração de dados
deste ano para o próximo deve aumentar em torno de 30%.
Qual o motivo para essa explosão de geração de dados? Hoje,
na era digital, a geração de dados acontece a todo momento.
A cada minuto que você está a frente de seu smartphone ou
computador, está gerando uma quantidade grande de dados
(tempo em que fica em cada página, forma como movimenta
o mouse e digita, estilo e música que gosta de ouvir, tempo
gasto em redes sociais, e assim por diante). Da mesma forma
quando você faz uma compra com cartão de crédito, muitas
informações estão sendo disponibilizadas para a rede (tipos
de produto que compra, com que frequência, em que valor
etc.). Tais informações, aliadas a seu perfil socioeconômico
(idade, sexo, classe social etc.), permitem que sistemas de
inteligência artificial aprendam mais sobre hábitos de compra
do que você possa imaginar. Com a evolução da internet das
coisas, que se acena para os próximos anos, suas roupas e
seus objetos pessoais também fornecerão dados para a rede.

26
Figura 4: Geração de dados no mundo

Capacidade de processamento e volume de


dados são os combustíveis para a Inteligência
Artificial.

Um dos grandes avanços provocados pela inteligência


artificial nos últimos anos, foi a capacidade dos sistemas de
conseguirem interpretar dados não estruturados, como um
texto, por exemplo. Até então somente dados estruturados,
como uma tabela, eram passíveis de entendimento pelos
sistemas computacionais. A Figura 5 ilustra um “boletim” de
um aluno (dado estruturado) e uma postagem de sua mãe, em
uma rede social (dado não estruturado), a respeito de suas
notas. Para um algoritmo compreender e processar
informações estruturadas, como o do “boletim”, por
exemplo, é muito simples. Qualquer sistema, tradicional ou
inteligente, faz isso. O grande desafio é conseguir processar
informações não estruturadas como a do texto. Para nós,

27
humanos, isso é trivial (ou deveria). Hoje, os algoritmos de
inteligência artificial conseguem entender o contexto dos
dados não estruturados e retirar a essência da informação que
procuram transmitir. No exemplo da Figura 5, o algoritmo
poderia capturar somente as informações sublinhadas em
vermelho - feliz resultado filho escola. vai bem. caiu em
história. feliz resultado em artes. Grande artista futuro. Esse
dado não estruturado retrata, em poucas palavras, uma
análise sobre o boletim escolar do aluno em questão.

Figura 5: Dados Estruturados x Dados Não Estruturados

Essa capacidade dos algoritmos de inteligência artificial


compreenderem dados não estruturados abre uma janela de
oportunidade de aprendizado muito grande, na medida em
que a grande maioria dos dados existentes são não
estruturados. Já que abordei esse tema agora, quero explorar
contigo a respeito de como os sistemas de inteligência
artificial aprendem.

28
COMO OCORRE A APRENDIZAGEM NA
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Como pôde ser observado até o presente momento, a


inteligência artificial se assemelha, em muitos aspectos, à
inteligência biológica. E isso não é muito diferente em relação
ao processo de como os algoritmos de inteligência artificial
aprendem. A aprendizagem na inteligência artificial pode ser
classificada, de forma simplista, em três tipos: aprendizagem
supervisionada, aprendizagem não supervisionada e
aprendizagem por reforço.

Figura 6: Os tipos de aprendizagem na Inteligência Artificial

APRENDIZAGEM SUPERVISIONADA

Como o próprio nome sugere, a aprendizagem nesse


caso ocorre com a supervisão de um ente externo. O sistema
é ensinado para classificar elementos em grupos ou para
estimar valores. Quero exemplificar esse tipo de aprendizado

29
por meio de uma experiência pessoal. Durante o meu
programa de Doutorado, no início dos anos 2000, tive o
primeiro contato com a inteligência artificial. Na ocasião,
dirigia uma faculdade de cursos de graduação com mais de
2000 alunos. Como tinha acesso fácil aos dados
socioeconômicos dos alunos e suas situações acadêmicas e
financeiras na instituição, decidi implementar, para fins
meramente acadêmicos, um algoritmo de inteligência
artificial, sendo que, na época, esse tema era ainda
praticamente desconhecido fora do meio de tecnologia. Tal
sistema tinha, por objetivo, predizer se, um aluno novo, ao
ingressar na instituição, se tornaria inadimplente na
instituição ao longo de sua vida acadêmica. Treinei o sistema
de inteligência artificial com os dados que dispunha dos
alunos, informando, aluno a aluno, seus dados
socioeconômicos e sua situação financeira (se tinha se
tornado inadimplente ou não na instituição). Após treinar o
sistema com centenas de casos, ele conseguiu reconhecer um
certo padrão nos dados informados e inferir, para um aluno
novo, se ele se tornaria ou não inadimplente na instituição. O
índice de acerto no prognóstico foi em torno de 70%, o que
achei muito bom para a época, face ao número limitado de
dados para treinamento do sistema, e minha pouca
experiência no desenvolvimento de algoritmos de
inteligência artificial. Esse problema é um exemplo clássico
de aprendizagem supervisionada.
O aprendizado de uma criança em distinguir um gato
de um cachorro, como no exemplo que citei anteriormente,
é também um exemplo de aprendizagem supervisionada.
Mostra-se à criança, várias vezes, gatos e cachorros e diz a ela

30
do que se trata. Quanto maior for a exposição desses animais
à criança, melhor deverá ser seu aprendizado a respeito.
Frente a uma nova exposição de um desses animais,
possivelmente a criança saberá do que se trata. Esse acerto,
ou mesmo o erro, retroalimenta seu aprendizado, e ela ficará
cada vez melhor no processo de reconhecimento desses
animais. O mesmo acontece com a inteligência artificial. Os
sistemas reconhecem padrão nos dados, tornando-se cada
vez melhores, em um processo contínuo de aprendizado.

O aprendizado de uma criança em distinguir


um gato de um cachorro é um exemplo de
aprendizagem supervisionada.

O aprendizado supervisionado pode também informar


um número contínuo como resposta ao invés de uma classe
a que pertence. Para entender melhor essa situação, vamos a
um exemplo. Suponhamos que queiramos desenvolver um
sistema de inteligência artificial que consiga predizer a nota
de um aluno no Enem com base em seu histórico passado.
Treinamos o sistema com dados de milhares de alunos
(lembre-se de que quanto maior o número de dados, maior é
o aprendizado) e informamos ao sistema as correspondentes
notas que tais alunos obtiveram na prova do Enem. Se o
sistema conseguir aprender e reconhecer um padrão nos
dados informados, ele poderá inferir a nota que um aluno
deverá obter no Enem, com base em seu histórico.

31
APRENDIZAGEM NÃO SUPERVISIONADA

Diferentemente do aprendizado supervisionado, esta


aprendizagem não recebe a classificação prévia da classe a
que pertence o elemento. O sistema de inteligência artificial
deve identificar padrão entre os dados informados, ou seja,
gerar aprendizado, em saber a respeito da classe a que
pertence cada elemento a ele submetido. No processo de
aprendizagem não supervisionada, o algoritmo de
inteligência artificial busca encontrar padrões entre os dados
informados, e agrupar os elementos por similaridade que
encontra.
Uma plataforma de educação à distância, por exemplo,
tem condições de monitorar todo o percurso que um aluno
faz em seus estudos. Dessa forma há a possibilidade de um
sistema de inteligência artificial, por meio de aprendizado não
supervisionado, agrupar alunos pelo tipo de aprendizagem
predominante - alunos que aprendem mais por meio de
leitura de textos, alunos que aprendem mais por meio das
videoaulas e assim, sucessivamente. Isso permite que o
sistema tenha condições de adequar o material a cada aluno
em função do seu perfil de aprendizagem. Essa situação
também poderia acontecer na educação presencial, desde que
tivéssemos dados objetivos a respeito do processo de
aprendizagem de cada aluno, o que é mais difícil em
momentos presenciais. Se isso fosse possível, poderiam ser
agrupados alunos por tipo de aprendizagem preponderante -
auditivos, visuais e cinestésicos - o que poderia auxiliar o
docente nas suas estratégias de ensino.

32
Na aprendizagem não supervisionada, o sistema precisa
reconhecer padrões nos dados por conta própria.
Fazer associações entre os dados apresentados é outra
característica marcante na aprendizagem não supervisionada.
Um caso clássico de aprendizagem desse tipo aconteceu
numa rede de supermercados norte-americana. Com base em
todos os dados de compra dos clientes, o sistema de
inteligência artificial reconheceu um padrão de compra
realizada por um grupo específico de homens que, ao
comprarem fraldas à noite, também compravam cervejas. Ao
dispor os dois itens próximos na prateleira, a venda de
cervejas disparou. Trazendo essa situação para o ambiente
escolar, seria possível que um sistema de inteligência artificial
que fosse submetido aos dados socioeconômicos e
acadêmicos dos alunos, identificasse algum padrão entre eles?
Sim, isso é totalmente possível. Se em um determinado
momento, você for surpreendido com a notícia de que
alguma rede escolar identificou algum padrão dentro desse
processo (exemplo: crianças do sexo feminino, de pais mais
velhos e que são filhas únicas, tem desempenho superior em
matemática em relação às outras crianças), saiba que a
inteligência artificial não supervisionada foi utilizada nesse
processo de aprendizagem.

APRENDIZAGEM POR REFORÇO

Nos algoritmos de aprendizagem por reforço, o sistema


aprende por tentativa e erro ao atuar sobre um ambiente
dinâmico. Desta maneira, não é necessária uma supervisão
externa que auxilie no processo de aprendizagem. A fonte de

33
aprendizado é a própria experiência do algoritmo, que busca
otimizar seu desempenho. Esse tipo de aprendizado ocorre
normalmente com animais. Um cachorro normalmente
aprende a executar tarefas sob comando, pois sabe que tal
aprendizagem lhe trará um benefício (normalmente comida
após a realização da tarefa solicitada). Ao fazer a tarefa
correta, ganha uma recompensa, o que lhe retroalimenta no
processo de aprendizagem.

Na aprendizagem por reforço, a tentativa e


erro formam os pilares desse tipo de
aprendizagem.

Tenho uma filha de poucos meses de vida. Uma das


primeiras aprendizagens dela se deu por reforço. Percebeu
que quanto mais alto era seu choro, mas rápido sua
mamadeira chegava. Isso retroalimentava sua aprendizagem
positivamente, fazendo com que seu choro fosse cada vez
mais alto e sua mamadeira, consequentemente, chegasse cada
vez mais rápido. Os dois exemplos que aqui citei a respeito
dessa aprendizagem são do tipo reforço positivo. Mas a
mesma aprendizagem pode ocorrer por reforço negativo.
Esses dois tipos de aprendizagem são também muito
discutidos no processo de aprendizagem de bebês e crianças.
Após todos esses exemplos de aprendizagem que
mencionei, talvez tenha surgido uma curiosidade em você. Se
um sistema de inteligência artificial aprende muito
semelhante a nós, por que ele consegue identificar padrões
em dados que para nós é praticamente impossível? Por que

34
ele consegue antever se um aluno vai se tornar inadimplente
ao longo de sua jornada acadêmica com base em seus dados
socioeconômicos e nós não? Como o sistema de inteligência
artificial consegue “enxergar”, no meio de milhões de dados,
que homens que compram fraldas à noite no supermercado
compram também cervejas? Para entender esse processo é
importante conhecer uma análise feita pelo cientista e
futurista austríaco Hans Peter Moravec, conhecida
popularmente por Paradoxo de Moravec.

O PARADOXO DE MORAVEC

O ser humano, de forma geral, apresenta muita


dificuldade em resolver problemas de alta complexidade que
exigem raciocínio abstrato. Já, para realizar funções motoras
básicas como andar, saltar, correr, entre outras atividades
físicas, tira de letra. O mesmo processo acontece com
funções sensoriais. É relativamente fácil para os humanos
perceber se uma pessoa está triste ou feliz, se está prestando
atenção em algo ou não, ou se está calma ou ansiosa. Nas
máquinas dotadas de inteligência artificial ocorre o oposto. É
muito simples e rápido para as máquinas resolverem
problemas lógicos e complexos, como reconhecer padrões
em volumes gigantescos de dados e, por consequência,
fazerem predições futuras e associações. Porém, a
complexidade torna-se alta para a máquina quando da
realização de atividades físicas, como escalar e correr. A
mesma dificuldade está presente quando se exigem das
máquinas que percebam diferentes emoções nas pessoas. A
esse fenômeno dá-se o nome de Paradoxo de Moravec.

35
Mas por que isso ocorre? Uma possível explicação para
isso é o próprio processo de seleção natural dos seres
humanos. Ao longo de milhares e milhares de anos de nosso
desenvolvimento, a seleção natural promoveu melhorias em
nossa estrutura física e sensorial, de forma que realizar
atividades físicas e capturar sinais por meio de nossos
sentidos, tornou-se algo simples e o fizemos de forma
inconsciente. Portanto, para nós, humanos, é difícil
decodificar como a aprendizagem desses aspectos se dá. Se
temos dificuldade de decodificar essa aprendizagem, fica
muito difícil ensinar para uma máquina tais habilidades.
Tarefas fáceis de serem desempenhadas pela
inteligência artificial são difíceis de serem desempenhadas
pela inteligência humana. A recíproca é verdadeira. Eis o
Paradoxo de Moravec.
Por outro lado, o pensamento abstrato tem feito parte
do comportamento humano há menos de 100 mil anos. É
algo recente quando comparado a outros aspectos de nossa
aprendizagem. Em virtude disso, a nossa capacidade de
resolver problemas abstratos é consciente, ou seja,
conseguimos decodificar o processo de como se dá a
aprendizagem desses problemas em nosso cérebro. Como
isso é decodificável, conseguimos ensinar as máquinas a
respeito de problemas cognitivos complexos. Portanto, é
muito mais fácil ensinar para algoritmos de inteligência
artificial resolver problemas abstratos e complexos do que
identificar emoções nas pessoas ou realizar movimentos
físicos complexos.

36
Mas qual a razão que faz com que uma máquina consiga
resolver facilmente problemas cognitivos complexos quando
comparado aos humanos? Um dos motivos principais para
isso deve-se à velocidade de processamento dos dispositivos
eletrônicos, como já mencionado. Um processamento
eletrônico, que ocorre nos sistemas de inteligência artificial é,
em média, 100 mil vezes mais rápido que um processamento
biológico, que ocorre em nossos neurônios. Essa diferença
de velocidade dá as máquinas uma capacidade muito maior
que a nossa no processamento de informações complexas.
Face a esse cenário apresentado, como devemos
preparar as novas gerações? As máquinas tomarão nossos
empregos? As instituições educacionais darão conta do
recado?

37
3. A PREPARAÇÃO DAS NOVAS GERAÇÕES
FRENTE À LETARGIA DAS INSTITUIÇÕES
EDUCACIONAIS

As instituições de ensino enfrentam um grande desafio.


Se elas não têm sido eficientes na preparação dos jovens para
as funções atuais, como preparar, então, a nova geração para
a sociedade o mercado futuro? Para que tipo de ocupação?
Estima-se que:
• até 2030, 80% das profissões serão novas;
• 65% das crianças que hoje ingressam na escola
trabalharão em funções que ainda não existem;
• a inteligência artificial destruirá os postos de trabalhos
que são relativamente repetitivos e cognitivos.
Um fato é certo. Devemos compreender muito bem a
análise feita por Moravec, de forma a não formar nossos
jovens para atuar em áreas onde a inteligência artificial tem
condições de atuar. É uma batalha perdida. Como visto, nas
atividades onde a inteligência artificial consegue atuar, o ser
humano não o faz com a mesma rapidez e eficácia. Funções
como de advogados, médicos e outras profissões que exigem
cognição especializada sofrerão grande impacto com o
avanço da inteligência artificial nos próximos anos. Devemos
formar a nova geração em competências mais humanas e
menos técnicas.

Devemos formar a nova geração em


competências mais humanas e menos técnicas.

38
Ao analisar as dez competências previstas na BNCC –
Base Nacional Comum Curricular – (Quadro 1), observa-se
uma migração nesse sentido, ou seja, dá-se mais ênfase hoje
para as competências socioemocionais. Esse deve ser o
caminho. Como vimos, é muito mais difícil para a inteligência
artificial trabalhar aspectos socioafetivos do que para nós,
humanos.
Formar para a especialização é de grande risco, pois as
crianças de hoje atuarão em funções distintas ao longo de sua
trajetória profissional. Por pensarmos de forma linear,
tendemos a imaginar que essas diferentes ocupações
ocorrerão de forma sequencial, ou seja, uma de cada vez, o
que não deverá acontecer. A tendência é que a nova geração
atue profissionalmente em várias atividades,
simultaneamente. É uma coisa que já percebemos nos dias de
hoje. Conheço pessoa que já trabalha em atividades
totalmente díspares e de forma simultânea; no período da
manhã trabalha em um fábrica, à tarde, trabalha com Uber e
à noite, produz vídeos para o youtube, o que lhe dá boa
remuneração. Essa é a nova realidade e é para ela que
precisamos formar a nova geração. Portanto, é necessário
preparar a criança para que ela saiba que possa atuar em várias
frentes no futuro. Para isso, precisa compreender qual é sua
motivação, e o autoconhecimento - que é uma das
competências da BNCC - é fundamental para isso. A criança
e o jovem de hoje precisam ter clareza do que faz sentido
para eles, ou seja, quais são seus reais desejos, o que gostam
de fazer e o que querem ser. Mas é fundamental que
entendam que a decisão que estão tomando hoje não se

39
perpetuará. Precisam ter consciência de que tarefas
mecânicas e mesmo cognitivas serão automatizadas e
realizadas por máquinas dotadas de inteligência artificial. Para
ter sucesso no futuro, é importante a polivalência, ou seja, ter
capacidade de fazer um pouco de tudo, com visão holística
sobre as coisas. Inovação, criatividade e pensamento crítico
são, também, competências que serão muito valorizadas no
futuro.
Mas como as instituições educacionais podem
caminhar nesse rumo, proporcionando uma formação menos
cartesiana, se hoje estão presas num modelo de ensino que
não atende nem a geração atual? Vamos nos debruçar um
pouco sobre esse tema e entender melhor as várias amarras
que dificultam nossas instituições de mudar.

40
COMPETÊNCIA NO QUE CONSISTE OBJETIVO
Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o
mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, Entender e explicar a realidade, colaborar
Conhecimento
continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, com a sociedade e continuar a aprender.
democrática e inclusiva.
Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências,
Pensamento incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a Investigar causas, elaborar e testar
Científico, Crítico e criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e hipóteses, formular e resolver problemas
Criativo resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos e criar soluções.
conhecimentos das diferentes áreas.
Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às
Fruir e participar de práticas diversificadas
Repertório Cultural mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-
da produção artístico-cultural.
cultural.
Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e
Expressar-se e partilhar informações,
escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das
sentimentos, ideias, experiências e
Comunicação linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar
produzir sentidos que levem ao
informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e
entendimento mútuo.
produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.
Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação
Comunicar-se, acessar e produzir
de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais
informações e conhecimento, resolver
Cultura Digital (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações,
problemas e exercer protagonismo de
produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria
autoria.
na vida pessoal e coletiva.
Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de
Entender o mundo do trabalho e fazer
conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações
Trabalho e Projeto de escolhas alinhadas à cidadania e ao seu
próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da
Vida projeto de vida com liberdade, autonomia,
cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência
criticidade e responsabilidade.
crítica e responsabilidade.
Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para Formular, negociar e defender ideias,
formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que pontos de vista e decisões comuns com
Argumentação respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o base em direitos humanos, consciência
consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento socioambiental, consumo responsável e
ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. ética.
Cuidar da saúde física e emocional,
Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional,
Autoconhecimento e reconhecendo suas emoções e a dos
compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e
Autocuidado outros, com autocrítica e capacidade para
as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.
lidar com elas.
Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação,
Fazer-se respeitar e promover o respeito
fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos
Empatia e ao outro e aos direitos humanos, com
humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de
Cooperação acolhimento e valorização da diversidade,
grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem
sem preconceito de qualquer natureza.
preconceitos de qualquer natureza.
Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, Tomar decisões com princípios éticos,
Responsabilidade e
resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e
Cidadania
democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. democráticos.

Quadro 1: As dez competências da BNCC

AS INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS

Para entender o estágio que as instituições educacionais


se encontram, é interessante resgatar as quatro revoluções

41
industriais, anteriormente discutidas, pois elas têm reflexo
direto em nossa sociedade.
Ao analisar uma instituição educacional tradicional de
hoje, vemos que ela é um reflexo perfeito da Segunda
Revolução Industrial. Moldou muito bem o modelo
industrial da época e portanto, cumpriu seu papel em atender
a sociedade daquele momento. Muitas das características
marcantes das indústrias do início do século XX foram
assimiladas pelas instituições de ensino e continuam em vigor
até hoje em muitas delas. Vamos a alguns delas.
1. As fábricas, tradicionalmente, tinham um apito bastante
alto que indicava o momento de início e término de cada
turno de trabalho. Isso servia como aviso a todos os
operários, e demarcava, muito bem, seus tempos de
trabalho. As atividades precisavam ser paralisadas nos
momentos em que o apito soava. Ao analisarmos uma
instituição educacional, o mesmo acontece. Há um sinal
que indica o início e término de cada aula, servindo como
guia para o trabalho de professores e alunos. Os tempos
nas instituições educacionais são, ainda, extremamente
demarcados.
2. Cada indústria tinha um uniforme característico. Os
operários usavam uniformes que indicavam a quais
indústrias pertenciam, e serviam, também, para proteger
suas roupas e peles da fuligem gerada pelos processos
produtivos. Nas nossas escolas, o processo não é muito
diferente, pois os alunos ainda usam uniformes escolares,
próprios de cada escola.
3. As indústrias tinham supervisores que andavam nas
fábricas para ver se os operários estavam realizando seus

42
trabalhos a contento. Caso percebiam irregularidades, os
operários eram punidos. Nas escolas, ainda temos a figura
de inspetores que têm papel semelhante.
4. Se ao final de uma linha de produção era identificado uma
falha no produto produzido, o mesmo era inteiramente
reprocessado, voltando ao estágio inicial. Nesse paralelo
que estou analisando, a reprovação que temos nas escolas
é muito diferente disso?
5. E por fim, não podemos nos esquecer da especialização
do trabalho, característica tão marcante daquela época.
Com o surgimento da produção seriada na Segunda
Revolução Industrial, cada operário tinha uma função
muito bem especificada na produção do bem, havendo
pouca ou nenhuma interrelação com as demais atividades
do processo produtivo. A pessoa que realizava um
processo de soldagem no carro, por exemplo, não tinha,
e nem precisava ter, qualquer contato com o profissional
que fazia a pintura do mesmo, que, por sua vez, não se
comunicava com o profissional que fazia a montagem dos
para-choques. Cada profissional desempenhava sua
função separadamente e o carro, no final da linha de
produção, era produzido sem maiores problemas. O
controle de qualidade implantado nas indústrias fez com
que os processos executados por cada operário, gerasse
um todo harmônico e de qualidade. As instituições
educacionais também espelharam muito bem essa
característica das indústrias. Cada professor passou a ter
uma função muito bem definida no processo de ensino e
aprendizagem. O professor de matemática ficou
incumbido do desenvolvimento do raciocínio lógico e

43
analítico dos alunos. Ao professor de física, coube fazer
com que seus alunos entendessem os fenômenos da
natureza. Já o professor de português deveria fazer com
que seus alunos tivessem uma boa comunicação oral e
escrita de sua língua mãe, e, assim, sucessivamente com
cada área do conhecimento. Da mesma forma como
aconteceu na indústria, essa especialização do trabalho
docente permitiu a falta de integração entre as áreas,
dificultando a interdisciplinaridade, tão exigida
atualmente. Mesmo ao tomarmos duas disciplinas como
Física e Educação Física, que até no nome são
semelhantes, tal diálogo não acontecia. Ao longo do
século XX, com o advento de novos métodos de
produção, a especialização do trabalho foi perdendo força
nas indústrias. Os operários, que no início da era da
produção seriada, eram estritamente especializados,
passaram a ser mais generalistas ao longo do tempo, pois
verificou-se que isso auxiliava, também, na qualidade final
do produto e nas inovações necessárias no processo de
produção. A educação seguiu no caminho contrário. Ao
invés dos professores atuarem de forma mais ampla nas
instituições de ensino, foram especializando-se cada vez
mais. O professor que antes tinha a incumbência do
ensino da física, como um todo, por exemplo, passou a
trabalhar só eletricidade. Coube a outro docente focar na
parte de mecânica e, a outro, na parte da óptica. Essa
especialização ocorreu para muitas disciplinas e
instituições a partir da segunda metade do século XX e
persiste até hoje, andando na contramão do que se
preconiza para a nova educação.

44
Assim como a fábrica sequenciou seu
processo produtivo no início do século XX, a
instituição educacional o fez com seu
processo de ensino e aprendizagem.

Ao analisar cada um dos seis pontos colocados


anteriormente, vimos que grande parte das instituições
educacionais, ainda hoje, repetem esse modelo, que serviu,
muito bem, até a plenitude do reflexo da Terceira Revolução
Industrial em nossas vidas, que ocorreu na década de 80. Até
esse período, considero que as instituições de ensino
desempenharam muito bem seu papel. Auxiliaram na
construção de uma sociedade alinhada ao modelo produtivo
da época. Porém, o mundo mudou e as instituições não
conseguiram romper com esse modelo. A sociedade
percebeu essa necessidade de mudança tecnicista na
educação e, como consequência, foi estabelecida, com alguns
anos de atraso, a Lei 9394 de 1996 que tinha por objetivo
fazer essa transição, o que de fato não ocorreu.
Vemos, portanto, que a instituição não conseguiu fazer
a transição da Segunda para a Terceira Revolução Industrial,
ficando presa a hábitos e processos típicos daquela
revolução. Não conseguimos descontruir, nas nossas
instituições e nos processos de ensino e aprendizagem, essa
visão processual linear e rígida, quebrada com a inserção das
tecnologias de informação e comunicação em nossa
sociedade. Mas por que isso ocorreu? Vamos refletir sobre
isso.

45
4. A TECNOLOGIA E SUA INSERÇÃO NA
EDUCAÇÃO

O computador entrou pela porta dos fundos da escola.


Essa é uma frase que se escuta muita nas rodas de conversa
quando o assunto é o uso da tecnologia na educação e nos
ambientes escolares.

O computador entrou pela porta dos fundos


da escola, ou seja, a inserção da tecnologia nas
instituições educacionais ocorreu por vontade
alheia daqueles que efetivamente seriam
beneficiados com seu uso.

Quando se trata de tecnologia, no contexto da


educação, se está falando das tecnologias de informação e
comunicação oriundos da eletrônica e dos sistemas de
informação. Destacam-se aqui os microcomputadores,
lousas interativas, softwares de gestão, softwares de
aprendizagem e demais tecnologias usadas na educação, seja
na gestão ou no processo de ensino e aprendizagem.
A tecnologia, por definição, é algo criado pelo homem
para facilitar e melhorar sua vida. Portanto, faz sentido
usufruir de uma tecnologia quando ela cumpre essa missão.
Caso contrário, não faz o mínimo sentido utilizá-la. Nos
diversos setores econômicos, como indústria, bancos,
hospitais, setor varejista, entre outros, a tecnologia foi
incorporada para atender a problemas ou necessidade que
esses setores apresentavam, seja para reduzir custos, seja para

46
melhorar seus processos. Os caixas eletrônicos, incorporados
pelas agências bancárias, foram implantados para agilizar o
atendimento dos clientes e, também, para reduzir custos com
funcionários. Os diversos dispositivos tecnológicos hoje
utilizados nos hospitais, auxiliam os médicos na obtenção de
diagnósticos mais precisos e em tratamentos mais eficazes. A
utilização do sistema de código de barras, no setor varejista,
permitiu maior controle sobre os estoques. Ou seja, em todos
esses setores, primeiro surgiu a necessidade e, só depois, a
tecnologia veio como uma solução. Já nas instituições
educacionais, via de regra, observou-se o contrário.
A tecnologia veio para facilitar a vida do homem e não
para complicá-la. Mas é isso que de fato aconteceu quando
analisamos a inserção das tecnologias nos ambientes
educacionais.
A tecnologia foi incorporada nas instituições
educacionais vários anos após o surgimento da Terceira
Revolução Industrial, chegando muito atrasado se
comparado a outros segmentos. Após sua inserção, foi
necessário trabalhar com os diversos atores internos das
instituições para fazer uso dessas tecnologias. Com o boom
dos microcomputadores no final da década de 90 e início dos
anos 2000, muitos governantes e gestores de sistemas
educacionais decidiram equipar suas escolas com
laboratórios de informática. Grandes quantidades de
computadores foram adquiridas pelos sistemas estaduais e
municipais de ensino para esse fim. Porém, tal aquisição não
se deu com base em demandas requeridas pelas escolas,
tampouco em solucionar problemas que os professores
tinham nas disciplinas que ministravam. Foram adquiridos

47
porque se supunha que as escolas não poderiam ignorar o
uso dessa tecnologia e os alunos deveriam ser capacitados
para usá-los adequadamente. Não se pode ignorar a razão de
tal aquisição. Parece óbvio que os alunos, em seus processos
de formação, no contexto em que viviam, deveriam fazer uso
dos microcomputadores e seus softwares básicos, haja vista
que tais tecnologias já estavam incorporadas no dia-a-dia das
pessoas. Não é sensato imaginar que as escolas ignorassem o
uso dessa tecnologia num mundo já totalmente dominado
por ela.
Entretanto, a aquisição de tais computadores não se
deu de forma “puxada”, por demanda dos beneficiários, e
sim, “empurrada”, por interesses alheios. Dessa forma, o que
era para ser uma solução, passou a ser um problema. As
escolas tiveram que organizar seus espaços para receber as
máquinas, pensar num sistema de manutenção periódica dos
equipamentos, o que foi um grande problema face à
burocracia do sistema, e rever as matrizes curriculares, de
forma a incorporar aulas de informática para os alunos. Os
professores tiverem que se capacitar para dominar tal
tecnologia e, mesmo assim, muitos ficaram desconfortáveis
pois, talvez, na primeira vez na história, alguns alunos
conheciam mais sobre algum assunto que seus próprios
professores. Isso não deveria ser um impedimento na
aceitação da tecnologia, pois o professor deve ser humilde e
reconhecer-se inacabado, pois ambos, alunos e professores,
estão aprendendo constantemente.
Na sequência, no início dos anos 2000, foi o momento
de muitas redes de ensino incorporarem a internet para uso
dos alunos. Ótima iniciativa, não? Como trabalhar num

48
processo formativo sem que os alunos saibam pesquisar
adequadamente informações, separando o que é verdadeiro
do que é falso, o que é útil do que é inútil? Como formar
cidadãos que não tenham domínio completo do uso da
internet num mundo totalmente conectado? Mais uma vez
parece óbvio e necessária a incorporação de tal tecnologia
nos ambientes escolares. O grande problema é que,
novamente, tal demanda não surgiu das escolas. De forma
geral não existia, por parte dos docentes e da própria gestão
das instituições de ensino, um problema ou demanda real que
requeresse o uso da internet. Novamente a incorporação se
deu de forma “empurrada”, pela gestão, de tais redes de
escolas. O que poderia parecer um grande salto no processo
educacional se tornou, novamente, um grande problema para
professores, pois os alunos começaram a dispersar nos
momentos de aula em busca de conteúdos da internet, com
maior atratividade para eles. Grande parte dos professores
não conseguiu usar a internet como aliada no processo
formativo, e sim, vista como uma nova tecnologia
inoportuna que passou a atrapalhar suas aulas. O tema de
incorporar a internet na sala de aula não é um problema só
nos trópicos. Fomos surpreendidos, recentemente, por uma
decisão governamental na França que proibiu os alunos de
trazerem seus celulares para as salas de aula. Não dá para
condenar tal decisão totalmente, pois se os professores e a
escola não souberem lidar com essa conexão durante as aulas,
é compreensível tal decisão, pois, os alunos, entre assistirem
a uma aula tradicional, linear, em que o professor é o centro
do processo, e estarem conectados, com as portas abertas
para o mundo, com certeza farão essa opção.

49
Outra inserção tecnológica que ocorreu em muitas
escolas no final da década de 90 e início dos anos 2000, para
facilitar o processo de ensino e aprendizagem, foi a lousa
digital, especialmente nas escolas privadas. Algo, também,
que, à primeira vista, revolucionária os ambientes de
aprendizagem, demonstrou-se, ineficaz. Substituir a lousa
tradicional, um dos principais recursos utilizados pelos
professores nas suas aulas, por outra, carregada de recursos
para facilitar o processo de ensino e aprendizagem, parece
óbvio e previsível de muito sucesso. Mas não foi isso que a
experiência mostrou, na grande maioria dos casos. O que se
viu foi uma cobrança acirrada dos gestores escolares para que
os professores fizessem uso dessa tecnologia. Muitos
professores se esforçaram para utilizar alguns recursos em
algumas de suas aulas, e com isso, atender a uma demanda a
eles imposta, mas que de fato não houve agregação no
processo de aprendizagem dos alunos, atributo proposto por
tais dispositivos. O que se observou, passados alguns anos,
foi mais um modismo que não emplacou nas instituições. Ao
circular hoje pelas escolas, percebo que tal dispositivo é de
uso restrito, quando não inexistente.
Esses são apenas alguns exemplos, mas muito
emblemáticos, que corroboram com a frase colocada,
anteriormente, em que o computador (leia-se aqui
tecnologias de informação e comunicação) entrou pela porta
dos fundos da escola. Percebe-se, pelas explanações feitas,
que o principal motivo pelo insucesso da implantação de tais
tecnologias deve-se ao fato de que o verdadeiro demandante
de tais tecnologias não via, infelizmente, necessidade para
elas.

50
Até o momento, mencionei as tecnologias de sala de
aula, que deveriam ser fortes aliadas no processo de ensino e
aprendizagem e não o foram. Mas o problema não reside
somente aí. As tecnologias que deveriam auxiliar na gestão
das instituições de ensino também têm seu uso restrito.
Ainda o que se observa, em grande parte das instituições de
ensino, são sistemas de informações arcaicos, com
pressupostos dos anos 80, que auxiliam no processo de
controle acadêmico e financeiro dos alunos. Excetuam-se
aqui as redes de ensino maiores que, por exigência do
negócio, já mantêm sistemas de informações mais robustos,
porém, muito aquém, de sistemas utilizados por setores da
economia mais profissionalizados.

O problema do uso das tecnologias nos


ambientes escolares não está somente na sala
de aula. O problema reside também no uso da
tecnologia na gestão das instituições
educacionais.

Ao mesmo tempo em que nos deparamos hoje com


assistentes pessoais inteligentes nos nossos smartphones, que
em breve gerenciarão parte de nossas atividades corriqueiras,
ao adentrar numa instituição educacional de ensino,
verificamos filas enormes de alunos e pais para fazerem suas
matrículas e de seus filhos. Enquanto estamos hoje
discutindo as moedas virtuais, como o bitcoin, que criarão
segurança nas transações virtuais, nos deparamos com um
número significativo de boletos de cobrança de mensalidades

51
escolares com erros em seus valores. Ao mesmo tempo em
que vemos notícia de que, em breve, teremos viagens
intercontinentais realizadas em menos de uma hora,
professores gastam tempo precioso de suas aulas para
fazerem controle de presença de alunos. Um aluno de ensino
superior, no primeiro dia de aula, que vai para sua instituição
de carro, utilizando-se de assistentes virtuais para guiá-lo pelo
melhor caminho, sente-se perdido, ao adentrar na instituição
e encontrar sua sala de aula. Hoje existem milhares de
aplicativos e outros recursos que facilitam a comunicação
rápida e segura, mas ainda assim percebe-se uma grande
lacuna no processo de comunicação instantânea entre os pais
e a escola de seus filhos.
Esses são apenas alguns exemplos para elucidar o
quanto as instituições de ensino estão atrasadas quando o
assunto é o uso da tecnologia de informação e comunicação
em seus processos, sejam administrativos ou pedagógicos.
Mas por que isso ocorre? Para alguns especialistas, a resposta
reside no fato de que a instituição educacional, na sua
maioria, é formada por profissionais que são mais refratários
à incorporação de novas tecnologias, sejam em suas vidas
pessoais ou profissionais. Dão prioridade para outros
aspectos, relegando a aplicação das tecnologias a segundo
plano. Outros argumentam que a utilização incipiente da
tecnologia nas instituições deve-se ao fato de que esse setor
não está profissionalizado o suficiente, que requeira
tecnologias mais aprimoradas. Outros especialistas apontam
que o problema está na capacitação. Para eles, o grande
problema reside no fato de que a inserção da tecnologia não

52
veio acompanhada de um plano de formação e capacitação
de seus usuários, em especial, dos professores.
No que tange a gestão educacional, especialmente das
instituições privadas, a profissionalização é a palavra de
ordem do novo momento em que o segmento atravessa. Há
alguns anos, uma instituição bem ou mal administrada,
conseguia dar resultados, pois o setor era mais regulado e,
por consequência, a concorrência era bem menor. O que
diferia é o montante do resultado apurado. Hoje esse cenário
mudou completamente. Uma instituição educacional mal
gerida não consegue mais sobreviver nesse meio de alta
concorrência e profissionalismo que o segmento vem
experimentando nos últimos anos. E isso não se refere
apenas a resultados financeiros. Os resultados acadêmicos,
que antes ficavam restritos aos ambientes internos da
instituição, hoje são expostos para toda a sociedade. Muitos
gestores têm dificuldade em entender a relação que a
tecnologia tem com tais resultados e como ela pode auxiliar
nesse processo. Por isso, é importante frisar que as
tecnologias, quando bem empregadas, têm um papel
preponderante e são excelentes ferramentas para auxiliar as
instituições educacionais na redução de custos e na melhoria
de performance de seus processos acadêmicos e
administrativos.
No que se refere à educação em si, a escola não tem
mais como excluir a tecnologia dos ambientes de
aprendizagem. Os modelos tradicionais de ensino não
cativam mais os alunos da nova geração, que já são nativos
digitais. Mesmo aqueles alunos que não dispõem de tanta
tecnologia, nasceram e cresceram na era digital e têm a

53
maioria das habilidades digitais dessa geração, algumas
apenas esperando para serem lapidadas. O grande problema
é que os avanços nas tecnologias, nem de longe, são
acompanhadas pelos avanços no campo da aprendizagem.

A escola não consegue caminhar na velocidade


dos avanços tecnológicos.

Esse novo aluno está clamando para que a escola


incorpore as tecnologias digitais na sala de aula. Está dando
sinais claros, por meio de sua alienação às aulas, que esse
método não se ajusta mais à forma como ele se insere nesse
mundo. A escola tradicional não se conecta mais com esse
aluno que possui dificuldades para absorver informações
quando trabalhadas de forma linear, como o fazem as escolas
hoje, espelhando a Segunda Revolução Industrial. Ele lida
mais facilmente com hipertextos e com leituras dinâmicas ao
invés de uma leitura sequencial por completo.
Hoje esse novo aluno passa horas na rede jogando
complexos games de estratégia, montando táticas em
conjunto com pessoas que nem conhece pessoalmente, ao
mesmo tempo em que houve músicas em seu celular, troca
mensagens eletrônicas com seus amigos e, de tempos em
tempos, olha a série que está rolando da TV. O conceito de
multitarefa está impregnado nessa geração. Essa faceta
multitarefa se estende também para o estudo. Enquanto na
escola o aluno estuda uma coisa de cada vez e utiliza um
recurso por vez, na sua casa, ao estudar, esse processo se

54
inverte. Ao mesmo tempo que está lendo seu livro texto para
entender determinado assunto, busca no Youtube vídeos
complementares que tratam do assunto em questão,
comunica-se com seus amigos por meio de mensagens
eletrônicas para tirar dúvidas pontuais e acessa páginas de
internet para complementar seus estudos. Tudo isso ao
mesmo tempo. Esse aluno, que hoje está imerso em uma
cultura digital, pesquisa, investiga, formula perguntas e
questiona, busca respostas em seus diferentes meios de
convívio, mas não o faz em sua escola quando constata a
dissonância de seus interesses pessoais com a sequência de
conteúdos ministrados à revelia do esquema cognitivo de que
dispõe, das curiosidades e interesses que possui e das
questões a que deseja responder.

O aluno está desconectado da escola atual.

O uso da tecnologia na sala de aula, aliada a


metodologias ativas no processo de ensino, tem um papel
fundamental para trazer o aluno para o protagonismo de sua
aprendizagem. Juntos, podem ser os grandes responsáveis
por resgatar esse aluno que está desconexo da escola. O uso
de aplicativos nos ambientes de aprendizagem pode trazer
muitos benefícios, na medida em que estimula o
desenvolvimento da autonomia, da criatividade, da
curiosidade e da socialização, ao mesmo tempo, em que
proporciona motivação e colaboração entre os alunos, uma
vez que o processo de aprendizagem se torna atraente,
divertido e significativo.

55
Segundo a UNESCO, as tecnologias eletrônicas podem
ter sua utilização em várias frentes na educação:
• Expandir o alcance e a equidade da educação;
• Facilitar a aprendizagem individualizada;
• Fornecer retorno e avaliação imediatos;
• Permitir a aprendizagem a qualquer hora, em qualquer
lugar;
• Assegurar o uso produtivo do tempo em sala de aula;
• Criar comunidades de estudantes;
• Apoiar a aprendizagem fora da sala de aula;
• Potencializar a aprendizagem sem solução de
continuidade;
• Criar uma ponte entre a aprendizagem formal e a não
formal;
• Minimizar a interrupção educacional em áreas de
conflito e desastre;
• Auxiliar estudantes com deficiências;
• Melhorar a comunicação e a administração;
• Melhorar a relação custo-eficiência entre crianças e
adolescentes.
Para que se tenha sucesso na inserção das tecnologias
nas escolas, é fundamental que os professores e educadores
sejam parceiros nessa jornada. A implantação de tecnologias
de forma “empurrada”, como já destacado anteriormente,
está fadada novamente ao fracasso. O professor não precisa
ter apropriação plena das tecnologias a serem utilizadas na
sala de aula, mas certamente precisa saber de suas existências,
como operam basicamente e suas potencialidades.

56
Apropriar-se delas em algum grau é fundamental para a sua
utilização. Usar tecnologias é trabalho dos alunos, mas
compete ao professor ser guia no uso efetivo delas como
apoio à aprendizagem.

Alunos e professores devem ser parceiros no


uso das tecnologias.

O professor não pode ser mais resistente à


incorporação de tecnologias no processo de ensino e
aprendizagem. Professores que simplesmente se negam a
considerar a utilização de tecnologia nas suas atividades com
seus alunos correm um risco enorme de falar sem serem
ouvidos. Como destaca Paulo Freire, ensinar exige risco,
aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de
discriminação. O professor que, de forma geral, é um
imigrante digital, precisa romper a resistência que tem no uso
das tecnologias, pois só assim a escola poderá ficar conectada
ao mundo em que vivemos. A escola pode ser retardatária,
mas não pode ser retrógrada, como falava Rubem Alves.
Enfim, a tecnologia pode e deve ser uma forte aliada da
educação nos próximos anos. Caso contrário, o
distanciamento entre a educação e o mundo fora da escola
provocará uma ruptura entre ambos, havendo dois mundos
desconexos que poderá levar a falência da escola nos moldes
como a conhecemos hoje.
Especialistas da área de tecnologia afirmam que o
impacto que a inteligência artificial terá nas nossas vidas nos

57
próximos anos será maior que o impacto ocasionado pela
internet. As instituições educacionais não poderão,
novamente, fechar os olhos para essa nova realidade que se
apresenta. Ou elas surfam nessa onda, usufruindo de todos
os benefícios que essa tecnologia poderá trazer para a gestão
educacional e para o processo de ensino e aprendizagem, ou
correm o risco de serem arrastadas por ela, dando espaço ao
surgimento de novos modelos educacionais mais eficazes.
Na sequência, quero apresentar algumas tecnologias
ligadas à inteligência artificial que deverão impactar
fortemente a educação e as instituições de ensino nos
próximos anos. Vamos a elas.

58
5. AS TECNOLOGIAS BASEADAS EM
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL QUE
IMPACTARÃO A EDUCAÇÃO

Tenho por objetivo aqui apresentar apenas algumas


soluções e tecnologias existentes ou que estão prestes a serem
lançadas no segmento educacional e que fazem uso da
inteligência artificial, seja para a educação em si ou para as
instituições de ensino. O número de soluções baseadas nessa
tecnologia para ser aplicada no segmento educacional é
bastante grande e está em franco crescimento. Não é
prudente tentar discorrer sobre muitas delas, pois esse
mercado é muito dinâmico. A chance de errar o alvo é muito
grande. Ao apresentar tais soluções, tenho como objetivo:
• apresentar soluções tecnológicas que fazem uso da IA
no segmento educacional que já existem ou que estão
na iminência de serem lançadas, de forma que você, que
atua nesta área, possa compreender seus potenciais.
Considero isso muito importante, pois como tal
tecnologia vem evoluindo muito rápido, hoje começam
a aparecer muitas soluções interessantes e que passam
despercebidas aos nossos olhos.
• sensibilizar para o grande avanço que a inteligência
artificial vem tendo em soluções para o segmento
educacional de forma a não mais ignorar a penetração
de tal tecnologia nesse segmento.
• permitir que você vislumbre, com base nos exemplos
apresentados, novas soluções em inteligência artificial
que podem ser úteis para a educação.

59
• tangibilizar a aplicação da inteligência artificial, por
meio de exemplos e, com isso, desmistificar, um pouco,
a respeito dessa tecnologia.

CHATBOTS

Anteriormente a explicação do que isso consiste, faz-se


necessário conceituar o que vem a ser chatbot. Não é meu
objetivo trabalhar com termos técnicos, mas o termo chatbot
é muito comum quando se trata desse tipo de solução. Por
isso, não é prudente ignorar o termo ou buscar uma tradução
literal para a nossa língua. O termo chatbot vem da junção de
Chat e Bot. O termo Chat refere-se a uma forma de
comunicação à distância, realizada de forma escrita,
utilizando computadores ou outros dispositivos eletrônicos
de comunicação (smartphones, tablets, etc.) ligados à
internet. Temos hoje, como um exemplo mais comum de
chat, o WhatsApp. Nele, há uma comunicação escrita entre
duas ou mais pessoas, mediadas por dispositivos eletrônicos
conectados à internet, o que permite que tal comunicação
seja realizada à distância. O termo Bot é uma abreviatura da
palavra Robot (ou Robô em português). Portanto, ao juntar
os dois termos, dá-se origem à palavra Chatbot, que significa
uma conversação escrita com robô. De fato, o que temos
numa comunicação via chatbot é que, de um lado temos
como emissor/receptor da comunicação um ser humano, de
outro, um robô. É importante frisar aqui que quando se fala
em robô, nesse sentido, não devemos pensar numa máquina
em forma de pessoa, ao estilo do que vemos em filmes, e sim,
um programa computacional.

60
Chatbot: conversão entre um robô e um ser
humano.

Temos como melhor exemplo para ilustrar um chatbot,


a Siri, assistente virtual presente nos Iphones, ou o assistente
virtual da Google, disponível a todos gratuitamente. Neles,
podemos fazer perguntas sobre diversos aspectos, e o
próprio smartphone (robot) nos fornece a resposta. Então,
nessa situação temos uma comunicação entre o homem e a
máquina, ou seja, um chatbot.
Os chatbots já existem a bastante tempo e não
necessitam de inteligência artificial para funcionarem. Os
primeiros chatbots criados trabalhavam com um conjunto de
perguntas e respostas. A pessoa fazia uma pergunta ao robô,
que a recebia e comparava com as perguntas previamente
cadastradas em sua base. Uma vez encontrada a pergunta,
fornecia a resposta correspondente à pessoa solicitante.
Normalmente eram usados chatbots para sistemas de
atendimento a clientes cujas perguntas eram rotineiras e
repetitivas. Isso permitia que uma organização substituísse
uma atendente real, que emitia as mesmas respostas com
grande frequência, por um assistente virtual (robô). O grande
problema desses chatbots originais, desprovidos de
inteligência artificial, é que os sistemas não conseguiam
entender o contexto da pergunta, ou seja, só conseguiam
decifrar perguntas feitas basicamente da mesma forma como
programada. Os sistemas não compreendiam perguntas que
tinham o mesmo objetivo de resposta, quando feitas de

61
formas diferentes. Isso era um grande problema, pois
normalmente fizemos uma mesma pergunta de diversas
formas, em contextos diferentes.
Esse ainda é o princípio básico de um chatbot. Porém,
com a incorporação da inteligência artificial, seu potencial
aumentou significativamente. Hoje, os sistemas baseados em
inteligência artificial conseguem entender o contexto da
frase. Isso fez com que os chatbots dessem um salto em
termos de eficiência.
Hoje, os chatbots estão sendo incorporados com
grande velocidade nas instituições educacionais,
especialmente para resolver demandas administrativas de
pais e alunos. A grande vantagem é que, além da resposta ser
conseguida imediatamente, a mesma pode ser obtida, por
meio do celular, a qualquer hora do dia, sete dias por semana.
Perguntas como as apresentadas a seguir, são, hoje,
facilmente possíveis de serem respondidas por meio de
chatbots:
• Qual o período de férias de meu filho no final de ano?
• Tenho alguma parcela financeira em aberto que ainda
não paguei?
• Qual a nota de matemática que meu filho obteve no
segundo bimestre?
• Qual a disciplina que meu filho está tendo melhor
desempenho este ano?
• Quando serão divulgadas as notas do terceiro bimestre?
Esses são apenas alguns exemplos que mostram o
potencial que tal ferramenta tem na prestação de um serviço
de qualidade. As instituições que trabalham com educação à

62
distância estão também ingressando fortemente com
chatbots para tirar dúvidas administrativas de seus alunos,
liberando seus professores-tutores para atividades mais
nobres. Mesmo dúvidas acadêmicas que são recorrentes
podem ter nos chatbots um forte aliado.

ANÁLISE PREDITIVA

Hoje a análise preditiva ganhou espaço significativo


como uma solução poderosa de antever cenários futuros,
mas o conceito em si, remonta da década de 80. A inteligência
artificial, aliada ao grande poder computacional e ao volume
de dados existentes hoje, trouxeram esta solução para um
lugar de destaque. A análise preditiva é uma solução
tecnológica que permite que se façam previsões futuras com
base em dados. Dessa forma, o algoritmo que está por trás
de um sistema desse tipo, procura encontrar padrões em
dados e aplicar, com sucesso, a análise preditiva, gerando
cenários e tendências para futuros próximos ou relativamente
distantes. Com isso, uma organização pode utilizar análise
preditiva para situações adversas ou ganhar tempo para se
adaptar às circunstâncias desafiadoras.

Análise preditiva: previsões futuras com base


em dados históricos.

Quando apresentei anteriormente o processo de


aprendizagem supervisionada, mencionei que desenvolvi,

63
durante o meu Doutorado, um algoritmo que previa se um
aluno seria inadimplente ou não, ao longo de sua trajetória
acadêmica, logo no seu ingresso na instituição. Esse é um
exemplo clássico de análise preditiva que pode ser realizado
numa instituição de ensino.
Para que um algoritmo de inteligência artificial consiga
realizar análise preditiva, é necessário que a instituição de
ensino disponha de muitos dados a respeito de seus alunos e
de dados de muitos alunos para fazer o treinamento do
sistema. Quanto maior o volume de dados existentes para
realizar o treinamento do sistema (lembre-se que isso é um
dos combustíveis da inteligência artificial), mais fácil é de se
encontrar padrão nos dados e, consequentemente, maior a
probabilidade de acerto na previsão realizada.
Em se tratando de análise preditiva, muitas soluções
podem surgir a partir daí para as instituições educacionais. A
predição de alunos inadimplentes é uma excelente solução
para que instituições de ensino privadas possam antever tal
situação e criar estratégias, em conjunto com os alunos, para
que os mesmos não se tornem inadimplentes na instituição.
É sabido que alunos inadimplentes tem alta propensão à
evasão, o que não é de interesse de nenhuma das partes.
Situação semelhante pode ser aplicada para antever alunos
que deverão evadir da instituição. Nesse caso o princípio é o
mesmo. As instituições que trabalham com educação à
distância têm um excelente ferramental, que são os LMS -
plataformas de educação à distância, que capturam muitos
dados a respeito dos alunos, durante seus momentos de
estudo. Tais dados, aliados a seus dados pessoais, formam

64
um excelente combustível para uma análise preditiva de
evasão.
Esses são apenas dois casos que quis trazer para essa
reflexão a respeito da análise preditiva. Mas como pode se
observar, há um leque de opções onde tal solução pode ser
aplicada com sucesso nas instituições educacionais.

TRADUÇÃO SIMULTÂNEA DE VOZ

Um dos grandes problemas que limita nossos alunos a


terem acesso a conteúdos produzidos mundialmente, é a
língua. Infelizmente, a língua portuguesa não está entre as
línguas mais faladas do mundo, o que faz com que grande
parte do conteúdo produzido em outros países não seja
acessível a pessoas que não dominem outras línguas, em
especial o inglês. Hoje grande número de universidades
norte-americanas e de outros países produzem conteúdos
riquíssimos, em diversas áreas, mas não atingem a maioria de
nossos estudantes pela barreira imposta pela língua. Em
breve essa barreira deverá cair.
Hoje já se está trabalhando com dispositivos que farão
tradução simultânea de voz. Como isso funcionará? Simples.
Basta que o ouvinte tenha um fone de ouvido (com receptor
de áudio acoplado), dotado de inteligência artificial, criado
para esse fim. Tal fone conseguirá, por meio de seu receptor
de áudio, identificar a língua que está sendo falada pelo
emissor e fazer a tradução simultânea, por voz, para a língua
escolhida pelo ouvinte. Ou seja, o emissor fala numa língua e
o receptor ouve em outra. A tecnologia para produzir esse

65
dispositivo já existe e é plenamente dominada. O que limita
ainda é a capacidade de processamento e a velocidade de
internet. Vale ressaltar que essa tradução não será feita
propriamente no fone de ouvido e, sim, na nuvem (em algum
computador no mundo). Esse processo precisa ser muito
rápido, pois senão a tradução não ocorre de forma
simultânea, que é um fator crítico de sucesso para esse
dispositivo. Tão logo isso seja criado e seu preço se torne
acessível, uma grande barreira se dilui entre os países que hoje
falam línguas diferentes, trazendo oportunidade de
compartilhamento de informações entre estudantes do
mundo todo.

TUTORIA INTELIGENTE

Um dos grandes problemas enfrentados pelo sistema


educacional é a forma como o sistema dispensa atenção aos
diferentes ritmos de aprendizagem e peculiaridades de cada
aprendiz. A escola tradicional trata todos os alunos pela
média. Alunos que têm dificuldade de aprendizagem em
determinados temas são atropelados pelo ritmo do professor.
Já, aqueles que têm facilidade nesses mesmos temas, tem seus
potenciais subaproveitados, na medida em que o professor
tem que dar atenção àqueles com maior dificuldade. O
mesmo raciocínio vale para o que é ensinado. Hoje,
independente do talento do aluno, todos aprendem (ou
deveriam aprender) as mesmas coisas. O aluno que tem um
talento especial não é estimulado a aprofundar seus estudos,
de forma a desenvolver ainda mais esse talento. Aquele aluno
que tem um dom nato para as artes, e não tem aptidão para

66
lidar com números, é submetido aos mesmos conteúdos e
ensinado da mesma forma que aquele que ama matemática e
ciências e rejeita as aulas de educação artística. A escola,
infelizmente, não consegue tratar essas desigualdades e
reforçar os dons e talentos que cada aluno possui. Sabe-se
hoje que o desenvolvimento dos pontos fortes de uma pessoa
é fundamental para o seu sucesso profissional. O aluno que
é visual, ou seja, que aprende mais analisando esquemas e
lendo textos, é ensinado da mesma forma que aquele que é
mais auditivo, ou seja, que aprende mais pela audição. Sorte
daquele aluno cujo método de ensinar do professor se ajusta
a sua forma preferida de aprendizagem.
Realmente, sem o uso de tecnologias apropriadas, esse
desafio é muito complexo para os educadores, com muitos
alunos em sala. A inteligência artificial começa a dar sinais
que poderá ser uma grande aliada nesta tarefa, num futuro
próximo, por meio da tutoria inteligente.
Tutoria inteligente são sistemas que auxiliam os alunos
em seus processos de aprendizagem, fornecendo instruções,
orientações e feedbacks personalizados a eles, sem a
intervenção de seres humanos. Uma de suas características
mais marcantes reside no fato de que tal tutoria é capaz de
responder ao estilo individual de aprendizagem do aluno,
gerando orientações sob medida. Funcionam como
professores particulares que proporcionam um ensino
adaptado a cada aluno.

67
Tutoria inteligente: sistemas que auxiliam os alunos em
seus processos de aprendizagem, fornecendo instruções,
orientações e feedbacks personalizados.
Os primeiros sistemas com tutoria inteligente têm
origem na década de 70. Porém, face à limitação
computacional da época, que impedia a incorporação de
inteligência artificial em sua estrutura, seu uso acabou
limitado e seu potencial pouco aproveitado. Mesmo assim,
casos de sucesso já foram registrados, como seu uso
integrado no currículo de matemática em várias escolas de
ensino médio americanas, gerando resultados significativos
na aprendizagem dos alunos.
Hoje, a adoção de tutoria inteligente para aprendizagem
de alunos é muito discutida, especialmente em sistemas que
trabalham com educação à distância, face a sua facilidade de
implementação, via plataformas de LMS. Pesquisas em
inteligência artificial estão sendo realizadas no sentido de
capturar emoções das pessoas, o que não é tão simples, como
vimos no Paradoxo de Moravec. Mas, uma vez resolvida essa
barreira, os tutores inteligentes atuarão como perfeitos
professores particulares dos alunos, estimulando e gerando
desafios, onde o aluno apresenta mais potencial e reforçando
a aprendizagem onde o aluno tem mais dificuldade, tudo isso
com recursos alinhados à preferência de aprendizagem dos
alunos. Ao capturar emoções, a tutoria inteligente terá
condições de verificar os momentos em que o aluno está
entusiasmado com o assunto apresentado, cansado das
atividades realizadas ou com sono. Essa é uma tecnologia
muito promissora e que poderá causar uma grande revolução
na educação do futuro.

68
Talvez uma pergunta lhe venha à mente. A tutoria
inteligente, desenvolvendo-se da forma como colocada, não
poderá substituir o professor? Particularmente acredito que
não. Vejo com uma complementariedade perfeita. Um
sistema de tutoria inteligente terá muito mais dificuldade de
dar aquele conselho na hora certa; de dar aquele abraço no
momento de dor; de propiciar aqueles insights tão
necessários para disparar gatilhos de aprendizagem, de
estender seu braço para apoiar o aluno quando ele mais
precisa. Isso são características marcantes de um bom
professor, que dificilmente podem ser copiadas pelas
máquinas.

OUTRAS APLICAÇÕES

Como mencionei no início deste tópico, não tenho o


objetivo e a pretensão de apresentar a diversidade de
aplicações baseadas em inteligência artificial que estão se
desenhando para o segmento educacional para os próximos
anos. Destaquei quatro aplicações que julguei mais
pertinentes e que terão fortes impactos no processo
educacional ou nas instituições de ensino.
Vale destacar, porém que temos aplicações mais
simples e menos relevantes que estão batendo às portas das
instituições de ensino. Um deles é o sistema corretor de
redação. Hoje, sistemas corretores de redação, que estão
sendo pesquisados e aprimorados em vários lugares do
mundo, já conseguem fazer o trabalho a que se propõem com
excelente eficiência, comparados a professores exímios nessa
tarefa. Mas com uma diferença. Enquanto um sistema

69
corretor levaria poucos segundos para corrigir uma grande
quantidade de redações, um professor, trabalhando 40 horas
por semana com afinco nessa tarefa, levaria alguns anos para
realizar a mesma tarefa. Mais uma vez, a velocidade de
processamento eletrônico dando rasteira no nosso
processamento biológico.
Outra tecnologia que em breve entrará nas salas de aula
é o sistema de reconhecimento pessoal, seja por face, por íris
ou por outro meio de reconhecimento de padrão. Logo não
fará mais sentido professores perderem minutos valiosos de
seu tempo, a fim de identificar os alunos que estão presentes
ou não em suas aulas. Essa tecnologia já existe e funciona
perfeitamente. O que impede sua utilização em larga escala
nas instituições de ensino é o seu preço que ainda é elevado
para os padrões aceitos na educação.
Outra tecnologia baseada em inteligência artificial que
tem avançado muito é o reconhecimento de pessoas por
meio da digitação em teclado. Isso mesmo. Já existem
sistemas que conseguem, após um período curto de
treinamento pela digitação, saber se é você ou outra pessoa
que está digitando no teclado. Cada pessoa tem uma forma
de digitar. Os sistemas conseguem identificar pequenas
nuances de digitação, reconhecer padrões e identificar
pessoas. Isso passa a ter um grande valor a partir de agora
nos processos de avaliação de aprendizagem em cursos à
distância. A tendência é que os alunos possam realizar suas
avaliações em suas casas, sem a necessidade de irem a polos
de educação à distância ou à instituição de ensino.

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Enfim, poderia discorrer páginas e páginas deste livro
sobre aplicações promissoras que farão uso da inteligência
artificial nos próximos anos e que auxiliarão as instituições de
ensino em seus processos de gestão ou que auxiliarão os
alunos nos seus processos de aprendizagem. É importante
ressaltar que esse novo mundo é ainda muito desconhecido
e muitas especulações são feitas a respeito. As soluções que
apresentei neste livro são apenas algumas amostras do que
vem por aí. A inteligência artificial poderá impactar a
educação de muitas outras formas que ainda não se pode
supor. Quando surgiu a internet não se imaginava que ela
teria um impacto tão forte nas relações pessoais e comerciais
como se tem hoje. As especulações iniciais sobre ela se
referiam muito à revolução no processo de comunicação e
troca de informações, o que de fato aconteceu, mas que não
parou por aí.
Acredito que os sistemas de inteligência artificial trarão
oportunidades e ameaças ao setor educacional. Compete a
nós, que estamos inseridos nele, aproveitar o que tem de
melhor e buscar minimizar os impactos negativos que essa
tecnologia poderá provocar.

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6. CONCLUSÃO

Como podemos perceber, estamos sendo varridos por


uma nova onda que, na correria de nosso dia a dia, muitas
vezes, não nos damos conta. A rotina de nossas atividades
faz com que joguemos luz, apenas, para o que nos diz
respeito e, muitas vezes, essa luz está focada para problemas
que tem significância pequena, frente à dimensão das
mudanças que estamos atravessando. Isso nos provoca
letargia e nos impede de caminhar na velocidade necessária.
Nos últimos anos, tenho acompanhado de perto o
surgimento de novas organizações, muitas delas derivadas de
startups, criadas por jovens da nova geração, que tem
preceitos totalmente desalinhados aos das organizações
tradicionais de ensino. Vejo muitas delas crescendo em ritmo
exponencial, característica marcante das empresas bem-
sucedidas que estão ancoradas em plataformas digitais e que,
em breve, estarão sendo observadas se aproximarem em alta
velocidade por retrovisores de instituições estagnadas.
Por isso, acredito que veremos muitos “corpos” nessa
travessia, rumo a esse novo mundo que estamos nos
dirigindo. Muitas instituições tradicionais não conseguirão
fazer essa transição necessária e isso se dará, não por
incompetência de seus gestores, mas por terem um mindset
construído que não se ajusta mais ao novo mundo e aos
novos modelos de negócios que estão surgindo, inclusive no
segmento educacional. Isso se tornará cada vez mais comum,
em todos os setores. Já nos acostumamos com “corpos” pelo
caminho: locadores de vídeo, companhias de táxis, redes
hoteleiras, agências de turismos, entre tantos outros

72
segmentos e empresas que já não conseguiram acompanhar
a caminhada e foram atropeladas por negócios similares ou
por produtos substitutos. Já nos petrificamos e não nos
surpreendemos mais com tais notícias.
Acredito que devemos ficar alertas e acompanhar de
perto, tudo que está acontecendo, referente a esse momento
que estamos vivendo. É necessário para nos preservarmos
vivos. Não podemos ficar inertes, assistindo como meros
espectadores, esse novo trem passar. Não podemos ser
coadjuvantes dessa mudança, como o personagem retratado
pelo cantor e compositor Zé Geraldo, em um trecho de sua
obra: “Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça, dando
milho aos pombos”.

73
REFERÊNCIAS

BNCC: Base nacional comum curricular. Disponível


em: < http://basenacionalcomum.mec.gov.br/>. Acesso
em março de 2019.
Copeland, Jack. Artificial Intelligence: a philosophical
introduction. Malden: Blackwell Press, 2001.
Freire, Wendel (Org.). Tecnologia e educação: as mídias
na prática docente. Rio de Janeiro: Editora Wak, 2008.
Giraffa, Lucia. (Re)invenção pedagógica? Reflexões
acerca do uso de tecnologias digitais na educação. Porto
Alegre: Editora PUCRS, 2017.
Haykin, Simon. Redes neurais: princípios e práticas.
Porto Alegre: Editora Bookman, 2001.
Huxley, Aldous. Admirável mundo novo. São Paulo:
Globo Livros, 2014.
Magaldi, Sandro; Salib, José. Gestão do amanhã: tudo o
que você precisa saber sobre gestão, inovação e liderança
para vencer a 4ª revolução industrial. São Paulo: Editora
Gente, 2018.
Malone, Michael; Ismail, Salim; Geest, Yuri.
Organizações exponenciais. São Paulo: HSM Editora, 2015.
Mitchell, Thomas. Machine Learning. Nova York:
Editora McGraw-Hill, 1997.
Santos, Carla; Santos, Danielle; Barros, Eduardo; et al.
Educação e tecnologia: novas possibilidades, novos
caminhos. Edição 1. Disponível em <
https://www.amazon.com.br/Educa%C3%A7%C3%A3o-

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Tecnologia-Novas-Possibilidades-Caminhos-
ebook/dp/B07B113K5P>. Acesso em fevereiro de 2019.
Schwab, Klaus. A quarta revolução industrial. São
Paulo: Edipro, 2016.
Sutton, Richard; Barto, Andrew. Reinforcement
learning: an introduction. Massachusetts: MIT Press, 1998.
Unesco. Diretrizes e políticas para aprendizagem
móvel. Disponível em <
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000219641>.
Acesso em março de 2019.
Veen, Wim; Vrakking, Ben. Homo zappiens: educando
na era digital. Porto Alegre: Editora Artmed, 2009.

75
SOBRE MIM

Durante toda a minha


vida, caminhei lado a lado ao
ambiente educacional, tendo
em casa a minha primeira
referência nessa área: minha
mãe, como professora de escola
pública. A facilidade com a
matemática e a física me levou
à faculdade de Engenharia
Eletrônica e hoje, explica muito da minha postura
essencialmente racional e da minha garra ao encabeçar
projetos, sempre com foco em resultados mensuráveis. A
junção desses dois universos – área educacional e engenharia
– foi decisiva para toda a minha trajetória profissional. De
modo muito natural, eu alio a racionalidade e o pensamento
ágil de um profissional de engenharia, ao conhecimento
profundo da gestão educacional.
Hoje, sou diretor executivo da Alleanza Educação,
empresa de consultoria e assessoria estratégica na área
educacional, da qual sou sócio-fundador.
Dedico os meus esforços profissionais e a minha
experiência para transformar pequenas ideias e sonhos em
grandes negócios e em negócios de alto impacto.
Sou casado com a Thaís, pai do Felipe e da Cecília.
Quando não estou exercendo o meu papel profissional,
dedico o meu tempo a eles para transformar pequenos
momentos em grandes lembranças.

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CREDENCIAIS:

• Doutor em Métodos Quantitativos aplicados à gestão


educacional, UFPR-PR.
• Mestre em Engenharia de Produção, com linha de
pesquisa em Qualidade, UFRGS-RS.
• Especialista em Educação do Amanhã, PUC-RS.
• Especialista em Planejamento e Gestão de Negócios,
FAE.
• Graduado em Engenharia Eletrônica, CEFET-PR.
• Autor de artigos publicados em congressos nacionais e
internacionais na área de Administração e Educação
(disponível na Plataforma Lattes – CNPq).
• Voto de Louvor da Câmara Municipal de Curitiba pela
contribuição com a educação profissional do Estado do
Paraná.
• Ocupou cargos elevados em reconhecidas instituições
privadas de ensino superior de Curitiba, implantando e
gerenciando projetos de inovação educacional de
grande sucesso e relevância para o mercado.

Para saber mais, acesse: www.ronaldocasagrande.com.br

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