Pmagal,+19 +talita
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Resumo: Este trabalho tem por finalidade estudar os instrumentos jurídicos que cuidam de
reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro de
Fundão, situada no município de Mariana (MG), aos povos indígenas de Aracruz (ES). Para tanto,
serão mapeados e analisados processos judiciais e documentos correlatos que tratam da reparação
da população e da área estudada e, por meio de uma etnografia destes documentos, pretende-se
acompanhar as ações criadas por eles para reparar os efeitos do desastre sobre as terras indígenas
atingidas, eixo central do estudo. De outro lado, pretende-se observar e ouvir lideranças indígenas
atingidas sobre o mesmo processo de reparação. Com isso, espera-se compreender o que os
documentos revelam e/ou ocultam sobre um desastre socioambiental incidente sobre o espaço de
povos que vivem outro tipo de relação com a terra, não marcada pela perspectiva patrimonialista
dos não-indígenas, e refletir sobre o alcance da proteção jurídica aos direitos indígenas.
Abstract: This paper aims to study the legal instruments that take care of reparation of the damage
caused by the rupture of the Fundão iron ore tailings dam, located in the municipality of Mariana
(MG), to the indigenous peoples of Aracruz (ES). To this end, lawsuits and related documents
dealing with the reparation of the population and the studied area will be mapped and analyzed and,
by means of an ethnography of these documents, it is intended to follow up the actions created by
them to repair the effects of the disaster on the lands. affected indigenous peoples, the central axis
of the study. On the other hand, we intend to observe and hear indigenous leaders affected about
the same process of reparation. With this, we hope to understand what the documents reveal or
conceal about a socio-environmental disaster incident on the space of peoples living another kind
of relationship with the land, not marked by the non-indigenous patrimonialist perspective, and to
reflect on the scope of legal protection of indigenous rights.
APRESENTAÇÃO E OBJETIVOS
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IV Seminário de Ciências Sociais - PGCS UFES. 05 a 08 de novembro de 2019, UFES, Vitória - ES
Após passar pelo distrito, os rejeitos alcançaram os rios Gualaxo do Norte e do Carmo
(MG). Depois, atingiram o rio Doce (ES). Ao chegarem à usina hidrelétrica Risoleta Neves
(MG), parte dos rejeitos ficou contida no barramento e na área do reservatório da usina. A
corrente de rejeitos continuou seu fluxo pelo Rio Doce e atingiu sua foz, no distrito de
Regência, município de Linhares (ES), adentrando o mar. Os rejeitos que ultrapassaram a
barragem da usina Risoleta Neves se diluíram ao longo do Rio Doce, impactando cerca de
680 km de corpos hídricos da bacia hidrográfica, de acordo com o que foi consignado em
documento firmado entre a empresa e o Poder Público. Cerca de 39 municípios foram
impactados nos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo.
Muitas consequências foram anunciadas pela mídia e pela própria mineradora. Famílias
perderam suas casas. Propriedades rurais ficaram inundadas, impedidas de produzir. A
captação direta de água no rio Doce foi afetada, comprometendo o abastecimento. Houve
interrupção de atividades econômicas ligadas ao rio Doce, como pesca, agricultura,
extração de areia, comércio e atividades turísticas. O rompimento causou impactos à
população, incluindo mortes e desaparecimentos, danos físicos e à saúde. Foram
impactados o modo de vida de populações ribeirinhas, povos indígenas e populações
tradicionais.
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A contaminação causada pelos rejeitos de mineração privou os Krenak, que vivem à beira
do rio Doce, em Minas Gerais, de seus meios de subsistência e causou uma ferida
espiritual para este povo, que utilizada o rio (Watu) para as suas práticas espirituais.
A lama de rejeitos que chegou ao mar do Espírito Santo avançou em direção ao município
de Aracruz, atingindo a praia do Comboios e a foz do rio Riacho e do rio Piraquê-Açu e,
consequentemente, impactando as populações indígenas das Terras Indígenas de
Comboios, Tupiniquim e Caieiras Velhas II, que margeiam a praia e os estuários.
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Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta.
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Por previsão deste acordo, foi criada uma “fundação privada, sem fins lucrativos, com
estrutura própria de governança, fiscalização e controle”, “com autonomia em relação às
instituidoras” (Samarco, Vale e BHP), para gerir as ações de reparação e compensação dos
atingidos pelo rompimento da barragem - a Fundação Renova (BRASIL-TTAC, 2016).
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O acordo se refere à Ação Civil Pública nº 0069758-61.2015.4.01.3400 (12ª Vara Federal da Seção
Judiciária de Minas Gerais) e a outras ações, com exceção da ACP 0043356-50.2015.8.13.0400 (2ª Vara
Cível de Mariana).
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São denominados COMPROMITENTES, no TTAC, Governos Federal, os estados de Minas Gerais e
Espírito Santo, e outras organizações, enquanto a Samarco e seus acionistas (Vale e BHP Billiton) são
denominadas ACIONISTAS.
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Localidades e comunidades adjacentes à Calha do Rio Doce, Rio do Carmo, Rio Gualaxo do Norte e
Córrego Santarém e a áreas estuarinas, costeira e marinha impactadas.
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Esses não são os únicos instrumentos jurídicos relacionados à reparação pelos danos
decorrentes do desastre, mas já são capazes de ilustrar que a responsabilização por um
desastre socioambiental da magnitude do rompimento da barragem de Fundão passa por
um longo caminho institucional até a previsão de formas de operacionalizar tanto a criação
das ações como a sua execução.
A minuta do último instrumento citado (TAC-Governança) foi submetida, pelo MPF e pelo
MPMG, a uma avaliação participativa, por meio de reuniões realizadas em diversas
localidades ao longo da Bacia do Rio Doce, para que os participantes pudessem expressar
suas percepções a respeito do processo de elaboração da minuta do TAC-Governança e
sobre o conteúdo do documento (ABREU E SILVA, et. al. 2018).
Todo esse contexto nos instiga a analisar os instrumentos jurídicos e investigar as políticas
específicas pensadas (como e quais) para a recuperação, mitigação, remediação e/ou
reparação, e, ainda, a compensação dos povos indígenas, sujeitos de direitos diferenciados
garantidos pela Constituição Federal Brasileira de 1988.
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A partir daí, podemos pensar se esses instrumentos buscam reparar junto com os povos
indígenas e considerando suas demandas. E que, ainda que o tenham feito, estamos
tratando de um procedimento que é uma imposição do Estado de um modelo de reparação
que leva em conta a pecúnia (em última instância). Por outro lado, uma vez que o
procedimento existe e acontece, os indígenas passam a fazer parte dele e a produzir
transformações?
Com base em estudo preliminar realizado por meio de consulta a materiais já produzidos
sobre a temática e o grupo a ser pesquisado, tenho como importante que, ao analisar as
consequências do desastre socioambiental sobre e para os povos indígenas de Aracruz, não
é possível restringi-las ao aspecto material ou tangível dos danos aos bens e pessoas
atingidas.
Afinal, “o ato de pescar o peixe que se come e nadar no rio que se pesca envolve uma
relação espiritual com a vida, uma maneira própria de experimentar o tempo num espaço
estruturante dos modos de ser e de viver. Na praia, no rio, no mar, no mangue” (AS
REDES, 2018).
No caminho dos prejuízos do desastre, não podemos deixar de passar pela relação dos
indígenas com o seu território atingido. É importante ter em conta o processo de ocupação
e reivindicação dessas populações por suas terras desde o período colonial, passando pelo
processo de “luta por terra” (SILVA, 2000, p. VI) frente ao Estado, ante a sua ocupação
por posseiros e por plantações de eucalipto.
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Indústria de celulose, portos, estaleiro e oleodutos existentes na região.
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Partindo deste contexto é que este estudo pretende identificar e analisar os instrumentos
jurídicos que cuidam da reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de
Fundão (MG) aos povos indígenas de Aracruz (ES) e às suas terras, a fim de apreender o
que os documentos revelam e/ou ocultam sobre um desastre socioambiental incidente
sobre o espaço de povos que vivem outro tipo de relação com a terra, não marcada pela
perspectiva patrimonialista dos não-indígenas, e refletir sobre o alcance da proteção
jurídica aos direitos indígenas.
JUSTIFICATIVA
O presente estudo trará uma perspectiva antropológica para a análise dos instrumentos
jurídicos utilizados como meio para a reparação dos danos sofridos pelos povos indígenas
Tupiniquim e Guarani de Aracruz, decorrentes do que é apontado como o maior desastre
socioambiental do Brasil e o maior desastre envolvendo barragens de rejeito de mineração
do mundo (LOSEKANN, 2016).
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Além disso, vale ressaltar a importância de tratar de direitos indígenas no contexto político
atual, marcado por posicionamentos que ameaçam a sobrevivência dos povos indígenas do
Brasil, como o sucateamento da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a deslegitimação
de lideranças, a ameaça de paralisação de demarcação de terras indígenas e de “integração”
dos indígenas à sociedade, dentre outras medidas.
MARCO TEÓRICO
No contexto dos povos indígenas habitantes dos territórios indígenas de Aracruz (ES),
podemos pensar sua condição de “impactados” a partir de sua relação com a terra, a praia e
o rio, atingidos pela lama de rejeitos, com atenção ao que ensina Viveiros de Castro, para
quem “o problema definidor da antropologia consiste menos em determinar quais relações
sociais constituem seu objeto, e muito mais em perguntar o que seu objeto constitui como
uma relação social” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 122, tradução nossa).
Se esse trabalho vai tratar das consequências de um desastre ambiental sobre o espaço de
povos que vivem outro tipo de relação com ele, não marcada pela perspectiva
patrimonialista do campo do direito, considera-se fundamental perseguir os conceitos de
terra, território e territorialidade, com os quais construirei um diálogo.
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Como ensina Soares-Pinto (2017, p. 12), citando Capiberibe & Bonilla (2015, p. 294), no
cenário contemporâneo de genocídio e de negação dos direitos indígenas, “as lutas
indígenas são pelo reconhecimento e garantia de sua vida do modo diverso como se
apresenta, os quais dependem fundamentalmente do direito à terra”.
Tendo em conta que o termo “Terra” evoca uma polissemia, contendo em si uma
diversidade de significados (SOARES-PINTO, 2017, p. 8), será importante investigar e
tentar perceber o sentido de território a partir dos modos de viver e habitar a terra dos
indígenas da região a ser estudada.
Em estudo preliminar realizado como parte de uma pesquisa sobre os povos indígenas
Tupiniquim e Guarani habitantes de Aracruz/ES, Cláudio Ernani Litig e Luiz Eduardo W.
Wanderley bem observam que a relação entre o índio e suas terras não se limita ao direito
privado: “A terra é essencial para a sobrevivência física dos povos indígenas. É dela que
provém a comida de que se alimentam, é nela que constroem sua moradia”. E continuam:
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Nesta esteira, o território hoje ocupado pelos povos indígenas de Aracruz, conquistado e
construído ao longo de séculos de resistência, pode ser compreendido como o lugar capaz
de abrigar e proporcionar as condições de sobrevivência física e cultural deste povo, de
modo autônomo (VILLAS, 2011).
Com base nisso pode-se pensar numa possível desestruturação no seu modo de vida como
consequência da degradação ambiental causada pela lama. E questionar o que acontece
com a vida na terra desses povos, com a terra em condições ambientais adversas
ocasionadas pelo rompimento da barragem de Fundão.
MÉTODOS
Para a construção deste estudo, inicialmente, será realizada pesquisa bibliográfica como
um dos procedimentos de investigação científica, para me informar de todo o
conhecimento sobre a temática e o grupo a ser pesquisado e verificar os aspectos que
podem ser acrescidos na discussão do tema.
Para tanto, tem sido feito um levantamento da produção científica sobre o rompimento da
barragem de Fundão e seus impactos em portais de periódicos e repositórios acadêmicos.
Também serão pesquisados estudos já produzidos sobre os povos indígenas de Aracruz e
seus territórios, como etnografias, artigos científicos e relatórios oficiais.
Além disso, a pesquisadora tem trabalhado na construção de sua base teórica, exercitando
um programa de estudos sobre o fazer etnográfico com relação a documentos e sobre
categorias básicas da etnologia indígena e sobre seus direitos originários.
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A importância da boa formação teórica é apontada por Bourdieu (1999), para quem a
prática científica não pode abrir mão da teoria (assim como da empiria), nem tê-la como
questão secundária.
Os instrumentos judiciais serão lidos tanto a partir da minha experiência como operadora
do direito, bem como de minha experiência junto aos indígenas, por meio de diálogos com
a Comissão de caciques de Aracruz, que é a instância maior de sua organização social.
Pretendo escutar suas narrativas, me aproximar das perspectivas locais sobre o processo de
reparação, tendo em conta que, ainda que eu não dialogue com as falas diretamente, elas
serão essenciais para permitir outro tipo de leitura dos documentos.
Com base no que ensina Cunha (2005, p. 8), os documentos podem ser pensados como
campo, cruzado por intervenções de natureza e temporalidade distintas. Os contextos de
produção dos documentos e os invólucros institucionais que os protegem, preservam e
autorizam, indicam questões a serem enfrentadas.
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Uma etnografia desses instrumentos jurídicos permitirá perceber os documentos não mais
como meros repositórios de informações, mas sim como lugares onde o processo de
construção e objetivação das ações de reparação acontece (CUNHA, 2004, p. 294). Olhar
para os diferentes instrumentos jurídicos e acompanhar como eles surgiram, com quais
agentes eles dialogam, o que eles procuram revelar e o que podem ocultar; reparação
imagina-se (dentro e fora deles) e que ações são construídas por eles.
SUMÁRIO DA DISSERTAÇÃO
Agradecimentos
Introdução:
Sobre os povos Tupiniquim e Guarani no ES
Sobre a dissertação
Sobre mais uma luta (a lama) que chegou
Capítulo 1 - Perseguindo algumas ideias
Os direitos dos povos indígenas
Terra indígena e Território
Instrumentos jurídicos para a reparação: consequências sobre a terra e a vida
Capítulo 2. Uma interlocução com a Comissão de Caciques (sobre o que aparece e o que
não aparece nos documentos)
Capítulo 3. Até onde o direito vai?
Os efeitos dos processos judiciais
Os percursos para a criação e operacionalização das ações
Conclusão
Bibliografia
ANEXOS:
Mapa1. Terras Indígenas de Aracruz
Mapa2. O caminho da lama
PRODUTOS DA PESQUISA
Dissertação de mestrado.
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CRONOGRAMA
Meses Atividade
REFERÊNCIAS
ABREU E SILVA, Camila Mattarelli; VAZ, Beatriz Accioly; LEAL, Jonas Vaz Leandro;
SOUZA, Jorge Bruno; OLIVEIRA, Luiz Tarcizio Gonzaga de; SCHETTINO, Marco
Paulo Fróes. Parecer Pericial n° 279/2018/SPPEA. Ministério Público Federal.
Procuradoria Geral da República. Secretaria de perícia, pesquisa e análise. Ministério
Público do Estado de Minas Gerais. Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais.
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CUNHA, Olívia. 2004. “Tempo Imperfeito: uma etnografia do arquivo”. In: Mana, v. 10,
n. 2, pp. 287- 322.
CUNHA, Olívia. 2005. “Do ponto de vista de quem? Diálogos, olhares e etnografias
dos/nos arquivos”. In: Revista Estudos Históricos, v. 2, n. 36 (2005) Rio de Janeiro,
2005, pp. 7-32.
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