Serie-Monografias-29 - Andressa C Schneider - COMPLETA

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29

SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ

Andressa C. Schneider

Do Direito da Concorrência ao direito à


concorrência: o reconhecimento do direito
fundamental à concorrência a partir do direito
fundamental à defesa do consumidor

JUSTIÇA FEDERAL
Conselho da Justiça Federal
Centro de Estudos Judiciários
CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL

Ministra Laurita Vaz


Presidente

Ministro Humberto Martins


Vice-Presidente

Ministro Raul Araújo


Corregedor-Geral da Justiça Federal e
Diretor do Centro de Estudos Judiciários

Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino


Ministra Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues
Desembargador Federal Hilton José Gomes de Queiroz
Desembargador Federal André Ricardo Cruz Fontes
Desembargadora Federal Cecília Maria Piedra Marcondes
Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Desembargador Federal Manoel de Oliveira Erhardt
Membros Efetivos

Ministro Antonio Carlos Ferreira


Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva
Ministro Sebastião Reis Júnior
Desembargador Federal I’talo Fioravanti Sabo Mendes
Desembargador Federal Guilherme Couto de Castro
Desembargador Federal Mairan Gonçalves Maia Júnior
Desembargadora Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère
Desembargador Federal Cid Marconi Gurgel de Souza
Membros Suplentes

Juiz Federal Cleberson José Rocha


Secretário-Geral

Eva Maria Ferreira Barros


Diretora-Geral
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ

Do Direito da Concorrência ao direito à


concorrência: o reconhecimento do direito
fundamental à concorrência a partir do direito
fundamental à defesa do consumidor

Andressa C. Schneider
CONSELHO EDITORIAL DO CEJ

Presidente
Ministro Raul Araújo
Diretor do Centro de Estudos Judiciários

Membros
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho
Superior Tribunal de Justiça
Ministro Nefi Cordeiro
Superior Tribunal de Justiça
Ministro Mauro Campbell Marques
Superior Tribunal de Justiça
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Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Rio de Janeiro-RJ
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Juiz Federal João Batista Lazzari
Seção Judiciária do Estado de Santa Catarina
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Desembargador José Renato Nalini
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Desembargador Pedro Manoel Abreu
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
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Professor Doutor José Rogério Cruz e Tucci
Universidade de São Paulo-USP – São Paulo-SP
Professor Doutor Otavio Luiz Rodrigues Junior
Universidade de São Paulo-USP – São Paulo-SP
Professor Doutor Roberto Ferreira Rosas
Universidade de Brasília-UnB – Brasília-DF
Professor Doutor Joaquim de Arruda Falcão Neto
Diretor da Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito – Rio de Janeiro-RJ
Desembargador Federal Edilson Pereira Nobre Júnior
Tribunal Regional Federal da 5ª Região
Ministro Og Fernandes
Superior Tribunal de Justiça
Brasília-DF, dezembro de 2017 29

SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ

Do Direito da Concorrência ao direito à


concorrência: o reconhecimento do direito
fundamental à concorrência a partir do direito
fundamental à defesa do consumidor

Andressa C. Schneider
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É autorizada a reprodução parcial ou total desde que citada a fonte.
As opiniões expressas pelos autores não são necessariamente reflexo da
posição do Conselho da Justiça Federal.

EQUIPE EDITORIAL

CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS


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Servidora da Seção de Edição e Revisão de Textos
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Chefe da Seção de Programação Visual e Arte-Final
Elisa Maiby Carvalho Augusto
Estagiária

S358d Schneider, Andressa C.


Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência : o reconhecimento do direi-
to fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor.
/ Andressa C. Schneider. – Brasília : Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos
Judiciários, 2018.
378 p. – (Série monografias do CEJ ; v. 29).

ISBN 978-85-8296-022-6

1. Direito da concorrência. – 2. Consumidor. – 3. Proteção e defesa do consumidor.


– 4. Direitos e garantias individuais. – I. Série.

Ficha catalográfica elaborada por Maria Aparecida de Assis Marks – CRB 1/1590
Mais les enfants ce sont les mêmes,
a Paris ou à Göttingen.

Barbara
AGRADECIMENTOS

Esta tese, como qualquer trabalho acadêmico, é uma obra coletiva. Diversas
instituições e pessoas estiveram ao meu lado para que ela fosse realiza-
da. Dessa forma, é imprescindível que elas sejam nomeadas e recebam
minha gratidão. À Universidade Federal do Rio Grande do Sul e à Justus-
Liebig-Universität agradeço pela oportunidade ímpar de aperfeiçoamento.
À Universidade de São Paulo agradeço pela oportunidade de participar do
curso de verão sobre Direito Econômico e por permitir a consulta franca
ao acervo das suas bibliotecas jurídicas. Também às Universidades Goethe,
de Frankfurt, Ruprecht-Karls, de Heidelberg, e Unige, de Genebra, agrade-
ço por disponibilizarem suas bibliotecas à pesquisa. À Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior agradeço pelo apoio finan-
ceiro durante o período de pesquisa em Gießen, proporcionado pela partici-
pação em uma pesquisa coletiva desenvolvida no âmbito do Probral II, pro-
grama que envolveu, também, o Deutscher Akademischer Austauschdienst.
Ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande
do Sul agradeço por oportunizar o período sabático para que eu pudesse
me dedicar ao Doutorado. Agradeço, especialmente, ao Professor Doutor
Augusto Jaeger Junior pela orientação e pelo auxílio constantes. Se denken ist
danken, os pensamentos expostos nesta tese são, também, um agradecimen-
to por seu trabalho. Agradeço, igualmente, ao Professor Doutor Christoph
Benicke pela acolhida e por todo o apoio durante o período de pesquisa
na Alemanha. Sou grata, ainda, aos Professores Doutores Bruno Nubens
Barbosa Miragem, Marcelo Schenk Duque e Cristiano Heineck Schmitt, que
integraram a banca de qualificação, pela paciência de ler esta tese quando
ainda deveras incipiente e pelas contribuições inestimáveis. À Professora
Doutora Claudia Lima Marques agradeço pelas lições inesquecíveis trans-
mitidas em suas aulas e em sua obra. Mais do que lições sobre o Direito
do Consumidor, elas são lições sobre o humanismo. À Rafaela Fetzner Drey
agradeço pelo auxílio na tradução de alguns termos ingleses tricky, pelo
compartilhamento de livros e pela companhia em nossos encontros via
Skype. À Deborah Salomão, Ardyllis Soares e Laurício Pedrosa, doutoran-
dos que estiveram comigo durante a estadia em Gießen, agradeço pelos
momentos de alegria, pelas discussões inspiradoras e pela amizade eterna
com que me presentearam. À Heike e Peter Kiewert agradeço pela recepção
em Feucht, pelos passeios nos arredores e pelo apoio. Ao Leo agradeço pela
companhia em Gießen em todas as oportunidades possíveis, pelos diálogos
em alemão para que eu pudesse aprimorar meus conhecimentos naquela
língua que, afinal, fez com que nos encontrássemos, pelas discussões insti-
gantes e sugestões sempre bem-vindas e, o mais importante, por estar sem-
pre comigo. Por fim, mesmo sabendo que palavra alguma poderia expressar
com fidelidade a gratidão devida, agradeço aos meus avós, Nila e Norberto,
e à tia Sita, que é como se fosse uma avó, e a meus pais, Ana e Claudio, pelo
apoio e, claro, pela companhia em Gießen que tornou meus dias muito mais
felizes. Ao meu irmão, Douglas, também agradeço pelos dias com que me
brindou com sua companhia e pelo convívio, desde sempre.
SOBRE A AUTORA

Andressa C. Schneider é advogada e professora no Instituto Federal de


Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS).
Doutora em Direito pelo Programa de Pós-graduação em Direito da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Direito e
Especialista em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais pela UFRGS.
SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS E TABELAS................................................................... 17


ABREVIATURAS E SIGLAS............................................................................ 19
INTRODUÇÃO ............................................................................................. 21

1 A CONCORRÊNCIA: A INSTITUIÇÃO JURÍDICA PRECURSORA DA


DEFESA DO CONSUMIDOR.................................................................... 29
1.1 A Idade Média, o Mercantilismo, os Estados liberal, social e de
bem-estar social, a Revolução Industrial e a formação de trusts. 29
1.1.1 A Idade Média e o Mercantilismo....................................... 29
1.1.2 Os Estados liberal, social e de bem-estar social.............. 31
1.1.3 A Revolução Industrial e a formação de trusts................... 36
1.2 A formação do Direito Antitruste ou Concorrencial..................... 39
1.3 Um breve inventário das escolas econômicas............................. 44
1.4 O Direito da Concorrência no Brasil.............................................. 59
1.4.1 As disposições constitucionais........................................... 63
1.4.1.1 A (des)ordem econômica......................................... 64
1.4.1.2 A livre iniciativa como fundamento da República
e valor da ordem econômica.................................... 67
1.4.1.3 A livre concorrência como princípio da ordem
econômica................................................................... 69
1.4.2 As disposições infraconstitucionais.................................... 77
1.4.2.1 A Lei n. 12.529/2011.................................................. 77
1.5 Conclusão parcial............................................................................. 84
2 O CONSUMIDOR: A PESSOA HUMANA EM ESTADO DE
VULNERABI­LIDADE................................................................................. 87
2.1 A sociedade de consumo................................................................ 87
2.1.1 A pessoa humana diante da sociedade de consumo...... 91
2.1.2 A (im)pessoalização pelo consumo.................................... 93
2.2 A formação do Direito do Consumidor.......................................... 95
2.3 O Direito do Consumidor no Brasil................................................ 98
2.3.1 As disposições constitucionais........................................... 98
2.3.1.1 A defesa do consumidor como direito fundamen-
tal................................................................................. 98
2.3.1.2 A defesa do consumidor como princípio da or-
dem econômica.......................................................... 100
2.4 As disposições infraconstitucionais............................................... 101
2.4.1 O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990). 102
2.4.1.1 O consumidor em uma abordagem sociológica.... 104
2.4.1.2 O consumidor no Código de Defesa do Consu­
midor (Lei n. 8.078/1990).......................................... 107
2.4.1.2.1 O consumidor stricto sensu...................................... 107
2.4.1.2.2 O consumidor lato sensu.......................................... 112
2.4.1.3 O consumidor na Lei n. 12.529/2011....................... 113
2.5 Conclusão parcial............................................................................. 118

3 A CONCORRÊNCIA E O CONSUMIDOR: O DIÁLOGO A PARTIR DO


RECONHECIMENTO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO
CERNE DO SISTEMA JURÍDICO.............................................................. 121
3.1 O indivíduo, a pessoa, o sujeito de direitos................................ 122
3.2 A dignidade da pessoa humana..................................................... 127
3.3 A interação entre o consumidor, o fornecedor-concorrente e a
concorrência...................................................................................... 133
3.4 O caráter instrumental da política concorrencial......................... 142
3.4.1 Os objetivos do Direito da Concorrência e da Lei n.
12.529/2011............................................................................. 146
3.4.2 O bem-estar do consumidor................................................ 153
3.5 A concorrência como instituição jurídica garante da proteção
da dignidade da pessoa humana................................................... 156
3.5.1 O diálogo entre os princípios da livre concorrência e da
defesa do consumidor.......................................................... 159
3.5.2 O diálogo entre as Leis n. 8.078/1990 e 12.529/2011......... 164
3.5.3 O diálogo entre o direito à escolha e o princípio da efi­
ciência..................................................................................... 169
3.5.4 A conciliação dos Sistema Brasileiro de Defesa da Con­
corrência e Sistema Nacional de Defesa do Consumi-
dor........................................................................................... 180
3.6 Conclusão parcial............................................................................. 185

4 A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR PELA LEI N. 12.529/2011: O CON­


SUMIDOR COMO PROTAGONISTA DO “DEVIDO PROCESSO ECO­
NÔMICO” 189
4.1 A discussão doutrinária................................................................... 190
4.2 A prevenção das infrações da ordem econômica........................ 197
4.2.1 A submissão de atos de concentração econômica ao
CADE....................................................................................... 199
4.2.2 A proibição de atos de concentração econômica............. 205
4.2.3 A autorização de atos de concentração econômica.......... 205
4.2.4 O repasse ao consumidor de parte relevante dos bene­
fícios decorrentes da concentração econômica................ 209
4.2.5 A definição do modelo econômico aplicável.................... 213
4.2.6 O viés distributivo do controle de estruturas ao impor a
necessidade de compartilhar.............................................. 216
4.3 A repressão das infrações da ordem econômica......................... 223
4.3.1 A infração da ordem econômica.......................................... 223
4.3.2 O abuso de posição dominante.......................................... 228
4.3.3 O aumento arbitrário de lucros........................................... 233
4.3.4 A concorrência desleal......................................................... 237
4.4 O fundamento do reconhecimento da proteção direta do con-
sumidor pela Lei n. 12.529/2011..................................................... 242
4.5 O diálogo entre a infração da ordem econômica e a prática
abusiva e o fundamento do ne bis in idem....................................... 248
4.6 Conclusão parcial............................................................................. 258

5 O DIREITO À CONCORRÊNCIA: O RECONHECIMENTO DE UM


NOVO DIREITO FUNDAMENTAL À DEFESA DO CONSUMIDOR....... 261
5.1 Os direitos humanos e fundamentais............................................ 261
5.2 O direito à concorrência, uma proposta de conceito.................. 268
5.3 A classificação do direito à concorrência: direito difuso,
coletivo stricto sensu e individual homogêneo............................... 278
5.4 A cláusula de abertura do catálogo de direitos fundamentais a
outros direitos.................................................................................. 284
5.5 O direito fundamental à concorrência........................................... 288
5.6 A efetividade do direito à concorrência........................................ 297
5.6.1 Os remédios admitidos pelo sistema jurídico para asse-
gurar o direito à concorrência.............................................. 304
5.6.1.1 A representação ao SBDC........................................ 304
5.6.1.2 A ação individual....................................................... 306
5.6.1.3 A ação civil pública................................................... 311
5.6.1.4 A ação coletiva........................................................... 317
5.7 Conclusão parcial............................................................................. 325
CONCLUSÃO ............................................................................................. 329
REFERÊNCIAS ............................................................................................. 335
Figura 1
Tabela 1
-
-
LISTA DE FIGURAS E TABELAS

203
139

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor

17
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AC Ato de Concentração
ACC Acordo em Controle de Concentração

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
BGB Bürgerliches Gesetzbuch
CADE Comissão Administrativa de Defesa Econômica
CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Supeior
CC Código Civil
CDC Código de Proteção e Defesa do Consumidor
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CECA Comunidade Europeia do Carvão e do Aço
CFO Comité français d’organisation de la Coupe du Monde de football de 1998

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


CNDC Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor
CNRF Cadastro Nacional de Reclamações Fundamentadas
CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CFDD Conselho Federal Gestor do Fundo de Direitos Difusos
CVM Comissão de Valores Mobiliários
CPC Código de Processo Civil
DAAD Deutscher Akademischer Austauschdienst
DCE Diretório Central de Estudantes
DNRC Departamento Nacional de Registro de Comércio
DEE Departamento de Estudos Econômicos
ECD Estrutura-Conduta-Desempenho
EUA Estados Unidos da América
19
FDDD Fundo de Defesa de Direitos Difusos
FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FGV Fundação Getúlio Vargas
FTC Federal Trade Commission
HHI Herfindahl-Hirschman Index
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IES Instiuição de Ensino Superior
MEC Ministério da Educação
MF Ministério da Fazenda
MJ Ministério da Justiça
MPE Ministério Público Estadual
MPF Ministério Público Federal
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
OCDE Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento
OGM Organismo Geneticamente Modificado
OMC Organização Mundial do Comércio
ONU Organização das Nações Unidas
PEC Projeto de Emenda à Constituição
PFE/CADE Procuradoria Federal Especializada junto ao CADE
PIB Produto Interno Bruto
PND Programa Nacional de Desestatização
PPGD Programa de Pós-Graduação em Direito
PROCON Programa de Orientação e Proteção ao Consumidor
SAC Serviço de Atendimento ao Consumidor
SBDC Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência
SDE Secretaria de Direito Econômico
SEAE Secretaria de Acompanhamento Econômico
SENACON Secretaria Nacional do Consumidor
SNDC Sistema Nacional de Defesa do Consumidor
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

STJ Superior Tribunal de Justiça


STF Supremo Tribunal Federal
TCE Tratado da Comunidade Europeia
TFUE Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
TJCE Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias
TJUE Tribunal de Justiça da União Europeia
TRF4 Tribunal Regional Federal da 4a Região
UE União Europeia
20
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UnB Universidade de Brasília
UNCTAD United Nations Conference on Trade and Development
USP Universidade de São Paulo
UWG Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb
INTRODUÇÃO

Esta tese de Doutorado é, primeiramente, uma continuidade da pes-


quisa realizada entre 2009 e 2011, durante o Curso de Mestrado, no Programa

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da UFRGS, e que envolveu o tema da
proteção do consumidor pelo Direito da Concorrência, no âmbito específico
do controle estrutural, ainda na vigência da Lei n. 8.884/1994.
Ela considera o fato de o Direito da Concorrência presenciar momen-
to singular no Brasil, dado que em 2012 entrou em vigor uma nova lei con-
correncial1, que refez a estrutura do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE)2, agora dotado de um perfil mais eficiente do que ou-
trora, e que em 2014 e em 2015 houve iniciativas importantes relacionadas
à conciliação dos Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) e

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC).
O trabalho, que se insere na linha de pesquisa relacionada aos fun-
damentos dogmáticos da experiência jurídica3, aborda o sistema jurídico
nacional com incursões pontuais pelo Direito comparado, considerando a
ideia de que o sistema jurídico, que lida com expectativas, estabiliza rela-
ções sociais e propicia sua transformação (LUHMANN, 2004, p. 142 e ss.).
O trabalho se orienta, também, pelo fato de que a defesa do consumidor
é direito fundamental e princípio da ordem econômica, conforme estabe-

1 A Lei n. 12.529/2011 tem por finalidade prevenir e reprimir as infrações contra a ordem econô-
mica. Ela estabelece a forma de implementação da política de concorrência no País, dispondo
sobre a competência das autarquias e órgãos encarregados de zelar pela prevenção e repressão
de abusos do poder econômico.
21
2 Mesmo que o caráter regulador da concorrência não tenha se manifestado de forma substancial
desde o início da trajetória do CADE, que muitas vezes apresentou um papel de mero “expecta-
dor” de condutas ou de “chancelador” de alterações estruturais, sua evolução, desde a década
de 1960, é considerável, como demonstram as alterações legislativas ocorridas no período e o
aprimoramento da técnica concorrencial verificada na jurisprudência daquela autarquia, o que
também repercutiu na produção acadêmica e na expertise profissional.

3 Uma das três linhas de pesquisa atualmente mantidas pelo PPGD da Faculdade de Direito da
UFRGS. As outras duas são: (i) fundamentos teórico-filosóficos da experiência jurídica e (ii) fun-
damentos da integração jurídica. Informações disponíveis no site daquele Programa (UFRGS).
lecem os arts. 5o, XXXII, e 170, V, da Constituição da República Federativa
do Brasil (CRFB/88), além de um postulado4 a orientar expressamente a
aplicação da Lei n. 12.529/2011.
O trabalho parte, ainda, da observação de uma característica pe-
culiar do Direito da Concorrência, qual seja, a diversidade5 controversa
(PFEIFFER, 2015, p. 99) de objetivos centrais (core goals) que ele apresenta
e a multiplicidade (FORGIONI, 2012, p. 236) de interesses que ele prote-
ge, materializada sobretudo na intenção derradeira de proteger o consu-
midor e os concorrentes (elementos subjetivos), além da própria concor-
rência (elemento objetivo), como instituição de Direito da Concorrência
(ou Antitruste) (KOPPENSTEINER, 20146), por meio da prevenção e da re-
pressão às infrações contra a ordem econômica.
Por conseguinte, o trabalho considera a existência de uma confluência
explícita entre o Direito da Concorrência e o Direito do Consumidor, o que
demanda uma abordagem dialética das políticas públicas7 relacionadas
à defesa da concorrência e à defesa do consumidor para assegurar-lhes

4 Os postulados, que funcionam diferentemente dos princípios e das regras, são normas que orien-
tam a aplicação de outras. Ademais, enquanto aqueles são primariamente dirigidos ao Poder
Público e aos contribuintes (rectius: administrados), os postulados são frontalmente dirigidos ao
intérprete e aplicador do Direito. (ÁVILA, 2014a, p. 164).

5 Ao comentar a questão da dificuldade de definição dos objetivos da disciplina concorrencial,


SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

Robert Bork afirma que “despite the obtrusive importance of this issue, the federal courts in over eighty years
have never settled for long upon a definitive statement of the law’s goals. Today the courts seem as far as ever from the
necessary clarity of purpose. A survey of judicial opinions, not to mention the surrounding confusion of scholarly and
professional commentary, is likely to leave the impression that antitrust is a cornucopia of social values, all of them
rather vague and undefined but infinitely attractive”. Em tradução livre: apesar da importância indiscreta
desta questão, os tribunais federais em mais de 80 anos nunca decidiram definitivamente sobre
os objetivos da lei. Hoje os tribunais parecem tão longe como sempre da clareza necessária ao
propósito. Um levantamento de opiniões judiciais, para não mencionar a confusão em torno de
comentários acadêmicso e profissionais, é provável que deixe a impressão de que o Antitruste
é uma cornucópia de valores sociais, todas elas bastante vagas e indefinidas, mas infinitamente
atraentes. (BORK, 1993, p. 50).
22 6 Palestra realizada em evento organizado pela Faculdade de Direito da Universidade de Salzburg
em 5/11/2014 e compartilhada pelo palestrante, como manuscrito, com a autora.

7 Adota-se, neste trabalho, a definição proposta por Juarez Freitas, para quem as políticas públi-
cas constituem “programas que o Poder Público, nas relações administrativas, deve enunciar e
implementar de acordo com prioridades constitucionais cogentes, sob pena de omissão especí-
fica lesiva. Ou seja, as políticas públicas são assimiladas como autênticos programas de Estado
(mais do que de governo), que intentam, por meio de articulação eficiente e eficaz dos atores
governamentais e sociais, cumprir as prioridades vinculantes da Carta, de ordem a assegurar, com
hierarquizações fundamentadas, a efetividade do plexo de direitos fundamentais das gerações
presentes e futuras”. (FREITAS, 2014, p. 32)
eficácia recíproca. Além disso, o trabalho parte da constatação da existên-
cia de um reconhecimento doutrinário parcial envolvendo a possibilidade
de o consumidor titularizar direitos, no âmbito da Lei n. 12.529/2015, em
três situações específicas, no âmbito das infrações da ordem econômica,
o que destoa da proteção tradicionalmente oferecida ao consumidor pelo
Direito da Concorrência que, em regra, é considerada indireta8, mediata9.
A partir disso, a tese sustentada neste trabalho pretende verificar se
o direito fundamental e o princípio constitucional da defesa do consumi-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


dor permitem viabilizar uma proteção direta e imediata do consumidor
pelas normas concorrenciais e demonstrar que o reconhecimento de um
“direito à concorrência”10 ao consumidor é, além de necessário, factível,
uma vez que a livre concorrência está umbilicalmente ligada ao direito
ao consumo (VAZ, 1993, p. 11, 358) e ao direito à escolha11, por sua vez
relacionados à liberdade e à própria dignidade da pessoa humana. Ela
considera, para tanto, as disposições dos arts. 5o, § 2o 12, da CRFB/88 e 7o13
do Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC) e o fato de que o
Direito garante prestações à sociedade, assim como a sociedade oferece

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


material para o Direito na forma de conflitos, expectativas, fatos, fenôme-
nos e sedimentações de sentido (GIORGI, 2011, p. 173).

8 Como apontam Calixto Salomão Filho (2013, p. 105, 107), Heloisa Carpena (2005, p. 258), Roberto
Pfeiffer (2015, p. 151) e Paula Forgioni (2012, p. 246), entre outros.

9 Para Paula Forgioni, “nas leis antitruste, a tutela do consumidor é mediata, ao passo que a livre
iniciativa e a livre concorrência são bens imediatamente tutelados”. (FORGIONI, 2012, p. 246).

10 A propósito, identifica-se na literatura belga, em obra de 2009, referência ao droit à la concurrence


pour les opérateurs économiques, no contexto de que os Poderes Públicos deveriam garanti-lo. (BOY;
RACINE; SIIRIAINEN, 2009, p. 289). 23
11 Art. 6°, II do CDC.

12 Dispõe o art. 5o, § 2o da CRFB/88: os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte.

13 Dispõe o art. 7o do CDC: os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de
tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna or-
dinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como
dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.
Nesta tese, pretende-se, em suma, pensar o papel exercido pela “li-
vre concorrência” na implementação do valor, da regra14 e do superprin-
cípio (Übergrundrecht) da dignidade da pessoa humana, cerne do sistema
jurídico, dado que a proteção da dignidade da pessoa humana não pode
encontrar lacunas. Com isso, ela pretende contribuir, também, para a com-
preensão do papel do consumidor no âmbito concorrencial, consideran-
do que “atribuir direitos não é ajustar as pessoas a papéis adequados à
sua natureza; é deixar que elas escolham sozinhas os próprios papéis”
(SANDEL, 2014a, p. 248).
A partir, então, das premissas (hipóteses) de que (i) o consumidor é
passível de titularizar direitos concorrenciais, como ocorre em pelo me-
nos três hipóteses, relacionadas a infracões da ordem econômica, e de
que (ii) esse reconhecimento pode ser eventualmente ampliado a fim de
permitir a configuração de um “direito à concorrência”, apresentam-se os
seguintes problemas que definem a pesquisa aqui descrita e que consti-
tuem sua linha vermelha (roter Faden):
a. em que medida o consumidor é protegido pelo Direito da
Concorrência?
b. Em que consiste a proteção indireta conferida ao consumidor pela
Lei n. 12.529/2011?
c. Pode-se falar em uma proteção direta do consumidor pela Lei n.
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

12.529/2011?
d. O consumidor é passível de titularizar direitos na Lei n. 12.529/2011?
e. Em que dispositivos da Lei n. 12.529/2011 identificam-se direitos
passíveis de serem titularizados pelo consumidor? Em todas as hipóteses
de infrações da ordem econômica ou apenas naquelas já reconhecidas
pela doutrina?
f. Em caso afirmativo, qual é a eficácia jurídica desses dispositivos?
24 g. Há a possibilidade de desvirtuar-se o núcleo conceitual da defesa
da concorrência?
h. Existe um direito à concorrência? Qual é a natureza deste direito?

14 A norma da dignidade da pessoa humana é tratada como regra e como princípio, prevalecendo
contra os princípios colidentes, segundo Robert Alexy. (ALEXY, 2015, p. 111).
i. Presumindo-se que sim e identificando-se a presença de direito
subjetivo no âmbito concorrencial, quais as implicações jurídicas dessa
possibilidade, em face dos concorrentes e à instituição concorrencial?
j. A legislação, a doutrina e a jurisprudência nacional e internacional
admitem essa possibilidade, que amplia o rol de direitos do consumidor?
k. Havendo ampliação do rol de direitos subjetivos, como solucionar
a eventual propositura de demandas em massa, por consumidores, com
fundamento no mesmo direito à concorrência? Pode-se falar em aplica-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


ção da doutrina da efetivação privada de direitos concorrenciais (private
antitrust enforcement), no contexto brasileiro15, além da efetivação pública,
por meio da propositura de ações privadas individuais ou coletivas para a
reparação de danos, conforme dispõe o art. 47 da Lei n. 12.529/2011?
Em relação ao aspecto formal, adotou-se o método empírico, segun-
do propõe Karl Popper, para quem uma atitude de abertura caracteriza a
pesquisa científica, que deve submeter à prova os enunciados, permitin-
do aferir sua falseabilidade (POPPER, 2007, p. 51). Além disso, a pesquisa
caracteriza-se como qualitativa. Os procedimentos técnicos adotados fo-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


ram sobretudo a coleta bibliográfica e documental de dados jurídicos, es-
pecialmente no Brasil e na Alemanha, o que ocorreu durante um período
de pesquisa16 junto à Justus-Liebig-Universität, em Gießen, no estado de
Hessen, que teve o apoio da CAPES e do DAAD, em sede de uma pesqui-
sa coletiva desenvolvida no âmbito do Probral II. Além disso, a possibili-
dade de realização de pesquisa, no exterior, por 12 meses, foi imprescin-
dível para verificar como o tema é visto sob outros olhos e incluir, neste
trabalho, alguns aspectos comparativos17 pelo método da comparação de
direitos (Rechtsvergleichung).

25
15 O que Fabio Nusdeo (2013, p. 1200), por exemplo, expressamente reconhece.

16 Especificamente a pesquisa binacional desenvolvida no âmbito do Probral II, “A Proteção


Nacional e Internacional dos Consumidores de Serviços Bancários e Financeiros nos Processos
de Integração Mercosul e União Européia”, financiada conjuntamente pela CAPES e pelo DAAD
e da qual resultou a seguinte obra: Diálogo entre o Direito brasileiro e o Direito alemão: fundamentos,
métodos e desafios de ensino, pesquisa e extensão em tempos de cooperação internacional
(MARQUES; BENICKE; JAEGER JUNIOR, 2016).

17 Como propõe, por exemplo, Carlos Ferreira de Almeida (1998).


Como estratégia didática, adota-se a utilização de uma metáfora ao
se observar que a dinâmica concorrencial18 poderia ser representada por
um concerto. Nele, a lei concorrencial é uma partitura; o concorrente, um
músico que compõe a orquestra cujo regente é o Estado. A concorrência,
por sua vez, é a própria orquestra, enquanto a competição é a música pro-
duzida e o consumidor, a plateia, a destinatária de todo o esforço conjun-
to. Assim, ao longo do trabalho, diluíram-se informações sobre a metáfora
eleita, uma alegoria que será aos poucos apresentada ao leitor.
Estruturalmente, o trabalho foi organizado pensando-se a análise do
tema da dignidade da pessoa humana como seu centro, em sintonia com
o sistema jurídico. Ele está organizado em cinco capítulos, construídos em
espiral, além desta seção introdutória e da conclusão.
Por fim, destacam-se algumas questões residuais de fundo e de for-
ma. Em primeiro lugar, observa-se que o tema deste trabalho tem nature-
za multi, inter e transdisciplinar, envolvendo os Direitos da Concorrência
e do Consumidor, trespassados sobretudo pelos Direitos constitucional,
econômico e empresarial, além da Economia e da Sociologia. Elementos
econômicos, históricos e sociais, para além de exclusivamente jurídicos,
mostraram-se, no decorrer da pesquisa, fundamentais para a compreen-
são do Pós-Modernismo contemporâneo, contexto em que a tese que este
trabalho sustenta foi construída.
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

Em segundo lugar, é necessário esclarecer que o trabalho considera,


inicialmente, a concorrência uma “instituição jurídica”(SALOMÃO FILHO,
2013, p. 98), embora ela também perfaça um “bem jurídico” abstrato, além
de, eventualmente um direito, o que se pretende confirmar.
Em terceiro lugar, faz-se necessário referir que o corpus de pesquisa
envolveu substancialmente a CRFB/88, leis infraconstitucionais (sobretu-
do as Leis n. 12.529/2011 e 8.078/1990), normas concorrenciais outras, dou-
26 trina e jurisprudência majoritariamente brasileiras, além de estrangeiras.
Os textos em língua estrangeira, quando citados, foram vertidos para o
português por tradução livre da autora.
Em quarto lugar, deve-se esclarecer que a necessidade de inovar e de
promover a discussão foi um propósito deste trabalho, que objetiva pen-

18 Expressão que remete à obra de John Maurice Clark (1966).


sar a proteção/defesa19 concorrencial do consumidor e contribuir20 para a
ampliação do debate sobre as defesas institucionais da concorrência e
do consumidor e sobre o desenvolvimento de futuras políticas públicas e
projetos de lei, de forma que, se espera, tenha repercussões pragmáticas.
Em quinto e último lugar, é necessário notar que existe identificação entre
pesquisadora e objeto de pesquisa, uma vez que não é possível abdicar da
condição de consumidora, o que não impede que se busque um olhar o mais
possível independente e crítico, a fim de adequar a pesquisa aos seus pressu-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


postos intrínsecos de busca da neutralidade, isenção e imparcialidade.

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:

19 Embora a expressão consagrada pela Constituição seja “defesa do consumidor”, pensa-se que a 27
expressão mais apropriada e completa seria “proteção e defesa do consumidor”, a partir da con-
sideração de que a “proteção” (Schutz) é um ato preventivo, ativo, enquanto a “defesa” (Abwehr),
um ato repressivo, reativo.

20 A propósito, o item 8 da Resolução n. 39/248 da ONU fala do papel das pesquisas em universida-
des no que tange ao desenvolvimento de políticas relacionadas à defesa do consumidor, litteris:
“8. The potential positive role of universities and public and private enterprises in research should be considered when
developing consumer protection policies”. Em tradução livre: 8. O potencial papel positivo das universi-
dades e de empresas públicas e privadas em pesquisa deveria ser considerado ao se desenvol-
verem políticas de defesa do consumidor. (UNITED NATIONS, 2003)
CAPÍTULO 1

Direito à Informação e Acesso


1 A CONCORRÊNCIA: A
a Documentos Governamentais:
INSTITUIÇÃO JURÍDICA
breve estudo do Direito
PRECURSORA canadense
DA DEFESA DO
CONSUMIDOR
Luiz Guilherme Loureiro

Neste capítulo, analisam-se aspectos históricos


relacionados à formação do Direito da Concorrência.
Verificam-se as teorias das principais escolas econômicas
cujo pensamento tem repercussões importantes na aná-
lise antitruste.
Analisam-se, ainda, as disposições constitucionais
e infraconstitucionais relacionadas à concorrência, no
Brasil, a fim de que se possa compreender o significado
da concorrência, enquanto instituição jurídica, para a de-
fesa do consumidor, diante dos desafios contemporâneos
e as particularidades do sistema concorrencial.

1.1 A Idade Média, o Mercantilismo,


os Estados liberal, social e de bem-
estar social, a Revolução Industrial e a
formação de trusts
1.1.1 A Idade Média e o Mercantilismo
A organização política da Idade Média europeia ca-
racterizava-se pela ausência de Estado e pela força dos
vínculos feudais, senhoriais e corporativos de cada reino
(MIRANDA, 2002, p. 35). Direitos fragmentados e estrati-
ficados, além de privilégios corporativos, estavam presentes no cotidiano
de artesãos e de corporações de ofício, os atores de um comércio inci-
piente que se estabelecia nas comunas21. Além disso, organizavam-se,
gradativamente, algumas grandes empresas, as chamadas “medieval super-
-companies” (KOHN, 1999), exemplificadas por alguns consórcios celebra-
dos entre banqueiros e mercadores de Veneza e Florença.
As corporações de ofício, organizadas de forma a assegurar um mo-
nopólio, já que ninguém que não fosse seu membro poderia dedicar-se à
atividade que elas regulamentavam, tinham estatutos próprios, enquanto
as comunas regulavam a atividade das corporações, controlando os esta-
tutos e impondo regras de condutas para seus membros, embora algu-
mas dessas regras objetivassem proteger o interesse daquele que, hoje,
chamar-se-ia de “consumidor”.
Assim, uma regra fiorentina interessante, nesse contexto, era a que
determinava que um fiscal, ao fim do dia, deveria cortar a cauda de todos
os peixes que estivessem à venda para que se visse, no dia seguinte, que
o produto já não era fresco. E, em alguns locais, havia, inclusive, a fixação
do lucro máximo que determinada categoria de comerciantes poderia ob-
ter (SAPORI, 1940 apud FORGIONI, 2012, p. 46). Nesse mesmo sentido,
recorda-se a Lei de Pureza da cerveja, a conhecida Reinheitsgebot, lei bávara
promulgada em 1516 e que estabelecia que a cerveja deveria ser fabri-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

cada com apenas três ingredientes, quais sejam, água, malte de cevada
e lúpulo, em reação às deturpações constatadas à época no processo de
fabricação da cerveja. Além disso, a maior parte do texto da Reinheitsgebot
tratava do controle de preços. Assim, além de motivações locais, essa pre-
ocupação com o tabelamento pode estar relacionada ao prelúdio da cha-
mada “Revolução dos Preços” que afetou a Europa Ocidental entre o fim
do século XV e o começo do século XVII (FISHER, 1989).
30 Como muitas dessas regras, que inspiram o legislador até hoje, cau-
sassem problemas de acesso ao mercado (barreiras à entrada) e limitação,
enfim, da liberdade de concorrer (FORGIONI, 2012, p. 47), pelo monopólio

21 É interessante observar que, nas cidades diocesanas, os bispos faziam reinar a moral católica
e, dessa forma, impunha-se aos vendedores a prática de um justum pretium que não se poderia
exceder sem que se caísse em pecado. (PIRENNE, 2012)
que as corporações representavam, houve a necessidade de repensá-las
a partir da crise do sistema político medieval, para a qual colaboraram
fatores como as Cruzadas, o rompimento das barreiras do Mediterrâneo,
o desenvolvimento das cidades e as manifestações do espírito burguês
e da economia mercantil e capitalista (MIRANDA, 2002, p. 36). Mesmo
assim, ainda durante o Mercantilismo, diversos problemas “concorren-
ciais” foram agravados pela consolidação de monopólios exercidos pe-
los Estados-nação recém-formados ou por particulares (já que a política

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


mercantilista pressupunha a exclusividade comercial entre metrópole
e colônia, um instrumento de poder importante nas mãos do soberano
[FORGIONI, 2012, p. 50]), mediante concessão.
Além disso, o Mercantilismo propiciou o surgimento de alguns insti-
tutos jurídicos sem os quais teria sido impossível a expansão do capitalis-
mo e a Revolução Industrial, como a letra de câmbio, o contrato de seguro
marítimo e as primeiras sociedades por ações (COMPARATO, 2010, p. 60)
(por exemplo, a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais), que, futu-
ramente, pelo seu gigantismo, seriam o berço dos trusts.

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


1.1.2 Os Estados liberal, social e de bem-estar social
O Estado constitucional, representativo ou de Direito surge como
Estado liberal, assente na ideia de liberdade e empenhado em limitar
o poder político tanto internamente (pela sua divisão) como externa-
mente (pela redução ao mínimo das suas funções perante a sociedade)
(MIRANDA, 2002, p. 47). Apesar de concebido em termos racionais e até
desejavelmente universais − alguns autores que o teorizaram foram Adam
Smith, Immanuel Kant, Jeremy Bentham, Alexis de Tocqueville e John
Stuart Mill (IDEM) − ele envolve um discurso que interessava sobretudo à
burguesia22, que, dispondo de poder político e econômico, demandava a 31
intervenção mínima do Estado (DALLARI, 1995, p. 233).

22 Historicamente, o processo pelo qual a burguesia se tornou, no decorrer do século XVIII, a clas-
se politicamente dominante abrigou-se atrás da instalação de um quadro jurídico explícito, co-
dificado, formalmente igualitário, e através da organização de um regime de tipo parlamentar
e representativo. Todavia, o desenvolvimento e a generalização dos dispositivos disciplinares
constituíram a outra vertente, obscura, desse processo. Havia, paralelamente, sistemas de mi-
O pensamento liberal propõe a defesa de liberdades e de direitos in-
dividuais23 (há, nesse contexto, uma sacralização da propriedade privada,
por exemplo) e considera a existência de uma ordem natural passível de
assegurar a harmonia espontânea do mercado. A partir da regra do laissez-
-faire24 e da existência de uma ordem natural que convém não contrariar, o
liberalismo se opõe ao Mercantilismo.
Desse modo, o aspecto político desse olhar que privilegia o indiví-
duo pode ser sintetizado pela ideia de abstenção, de redução ao mínimo
das funções estatais. O viés econômico, por sua vez, pode ser identificado
pela ideia da “mão invisível” (SMITH, 1987), pela qual os interesses indi-
viduais seriam guiados na direção mais favorável aos interesses de toda a
sociedade (DROUIN, 2014, p. 16). Por fim, o viés jurídico pode ser repre-
sentado pelo postulado da autonomia da vontade, já que o Estado não
deveria intervir nas relações obrigacionais dos particulares, mas permitir
a ampla liberdade contratual (MARQUES, 2014, p. 248).
Já o Estado social (Sozialstaat) é um conceito gestado a partir das revol-
tas e tentativas de revolução europeias25 que agitaram o século XIX. Ele
remonta a algumas iniciativas legislativas ocorridas no Reino da Prússia26
e propõe, resumidamente, a integração das classes sociais menos favo-
recidas, evitando a exclusão e a marginalização pela compensação das
desigualdades e pela redistribuição da renda por meio da justiça fiscal e
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

de investimentos públicos, por exemplo. Na prática, confunde-se muitas

cropoder essencialmente inigualitários e assimétricos que constituem as disciplinas, o subsolo


das liberdades formais e jurídicas, feitas para disciplinar e conter o sujeito em locais como, por
exemplo, as fábricas. (FOUCAULT, 1997, p. 184, 185)

23 Esses direitos individuais envolvem, por exemplo, a proteção contra a privação arbitrária da li-
berdade e da propriedade, a inviolabilidade do domicílio e o segredo de correspondência. Além
disso, são exemplos das liberdades econômicas e políticas a liberdade de iniciativa, a liberdade
32 de atividade econômica, a liberdade de eleição da profissão, a livre disposição sobre a proprie-
dade, além das liberdades de associação, de reunião, de formação de partidos, de opinar, o
direito de votar, o direito de controlar os atos estatais etc. (TAVARES, 2012, p. 502)

24 Expressão que significa “não intervenção» ou «não interferência». Recorde-se a fórmula atribuída
ao fisiocrata Vincent de Gournay (1712-1759): «laissez faire les hommes, laissez passer les marchandises”,
que significa “deixai os homens fazer, deixai passar as mercadorias”. (DROUIN, 2014, p. 19, 20)

25 Pode-se citar como exemplo emblemático a Comuna de Paris, de 1871. Depois, já no século XX, o
Estado social afirmou-se como resposta à Revolução Mexicana, de 1910, e à Revolução Russa, de 1917.

26 Cita-se, por exemplo, a Allgemeines Landrecht für die Preußischen Staaten, de 1794.
vezes o Estado social e a economia social de mercado com o Estado de
bem-estar social (Wohlfahrtsstaat). Todavia, há entre eles uma diferença su-
til, pois do Estado social deriva um princípio (Sozialstaatprinzip), enquanto
o Estado de bem-estar social (também chamado de Estado-providência)
vincula-se, originalmente, a políticas públicas. Assim Pierre Rosanvallon:

a expressão inglesa Welfare State foi criada na década de 1940 (embora se


falasse de welfare policy desde o início do século XX). O termo alemão cor-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


respondente, Wohlfahrsstaat, foi empregado desde a década de 1870 pelos
‘socialistas de cátedra’ [...]. O termo Sozialstaat era igualmente utilizado para
qualificar as reformas implantadas por Bismarck nos anos 1880. Pode-se
ainda observar que a expressão Wohlfahrsstaat designava também, na pena
de historiadores alemães do século XIX, os aspectos julgados mais positi-
vos da ação de polícia (Polizeistaat) nos governos do século XVIII: polícia do
preço dos cereais, da luta contra a carestia, etc. (ROSANVALLON, 1997, p.
122, grifo do autor)

O Estado social, que seria aprofundado por Otto von Bismarck27, chan-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


celer da Alemanha então recentemente unificada (1871), muito para evitar
a ascensão dos movimentos baseados no pensamento marxista, em expan-
são à época, permaneceu até depois do fim da Primeira Guerra Mundial,
perdurando durante a República de Weimar. Indiretamente, ele se vincu-
lava ao movimento político efervescente que levaria à Revolução Russa28,

27 Embora a Inglaterra houvesse promulgado, em 1601, a Lei dos Pobres (Poor Relief Act), tornando o
Estado, pela primeira vez, prestador de assistência aos que não tivessem condições de garantir
a própria subsistência, observa-se que, preocupado com os movimentos sociais que exigiam do
Estado ações voltadas à proteção da classe trabalhadora, Otto von Bismarck, chanceler alemão,
desenhou o primeiro modelo de seguro social, que visava proteger os trabalhadores em situa-
ção de necessidade. Para realizar o custeio (financiamento) estabeleceu-se que contribuiriam os
próprios trabalhadores, as empresas e o Estado: em 15/6/1883, promulgou-se a lei que criava o
seguro obrigatório contra doenças e, em 6/11/1884, foi aprovada a lei que instituía o seguro obri-
gatório contra acidentes de trabalho. (KONKEL JUNIOR, 2005, p. 32, 34) 33

28 Mas, segundo Eric Hobsbawm, “com exceção dos românticos que viam uma estrada reta levan-
do das práticas coletivas da comunidade aldeã russa a um futuro socialista, todos tinham como
igualmente certo que uma revolução da Rússia não podia e não seria socialista. As condições
para uma tal transformação simplesmente não estavam presentes num país camponês que era
um sinônimo de pobreza, ignorância e atraso, e onde o proletariado industrial, o predestinado
coveiro do capitalismo de Marx, era apenas uma minúscula minoria, embora estrategicamente lo-
calizada. Os próprios revolucionários marxistas russos partilhavam dessa opinião. Por si mesma,
a derrubada do czarismo e do sistema de latifundiários iria produzir, e só se poderia esperar que
produzisse, ‘uma revolução burguesa’”. (HOBSBAWM, 1995, p. 64)
em 1917, em que o proletariado reivindicava a repartição da riqueza gerada
desde a Revolução Industrial, o que representou uma ameaça ao controle
do Estado pela burguesia, que se viu impelida a fazer concessões.
Nesse contexto, com o advento do Estado social – que significa ajuda
para quem necessita por parte daqueles que podem prestá-la – além de
direitos de defesa do cidadão diante do Estado (conquistas do Estado
liberal), que são direitos a ações negativas (abstenções) do Estado, há o
reconhecimento de direitos a ações positivas realizadas pelo Estado, di-
reitos a receber prestações do Estado, os assim chamados direitos presta-
cionais29. Não por acaso, as Constituições mexicana, de 1917, e de Weimar,
de 1919, trazem em seus textos, pela primeira vez, direitos sociais30. Além
disso, a percepção de que a propriedade privada apresentava uma função
social, interessando à coletividade foi, pela primeira vez, positivada, des-
tacando-se a Constituição de Weimar, que, em seu art. 153, última alínea,
dispunha: “a propriedade obriga. Seu uso deve igualmente ser um serviço
ao bem comum31”32.
Foi a partir do primeiro Pós-guerra que começaram a surgir33, nas
Constituições, capítulos destinados a legitimar princípios e regras que, di-
reta ou indiretamente, indicavam determinados fins ou metas a balizarem
os resultados ou o desempenho da atividade econômica (CANOTILHO;
MOREIRA, 2007, p. 941), uma expressão formal da “Constituição econômi-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

29 Esse tema (que envolve verificar se as disposições de direitos fundamentais devem “adscrever”
normas que conferem direitos prestacionais) é, aliás, segundo Robert Alexy, um dos mais discu-
tidos na dogmática atual dos direitos fundamentais. (ALEXY, 2012, p. 383)

30 Surge o constitucionalismo social, cujo primeiro exemplo, no Brasil, foi a Constituição de 1934,
que dedicou um capítulo à ordem econômica e social. (BARROSO, 2015, p. 90)

31 Conforme Chantal Mouffe (1999, p. 72), antes da época moderna, a comunidade se organizava em
torno de uma única ideia de bem comum substancial, não se distinguia realmente entre ética e
política e se subordinava a política ao bem comum. Com o surgimento do indivíduo, a separação
34
da Igreja e do Estado, o princípio da tolerância religiosa e o desenvolvimento da sociedade civil,
instalou-se uma divisão entre o político e o que terminou por converter-se na esfera da moral. As
crenças morais e religiosas são agora assunto privado sobre o qual o Estado não pode legislar, e o
pluralismo é um rasgo decisivo da democracia moderna, ou seja, a democracia que se caracteriza,
segundo a autora, pela ausência de bem comum substancial.

32 No original: „Eigentum verpflichtet. Sein Gebrauch soll zugleich Dienst sein für das Gemeine Beste.“

33 Mas, conforme Gilberto Bercovici, “a Constituição Econômica não é uma inovação do ‘constitucio-
nalismo social’ do século XX, mas está presente em todas as Constituições, inclusive nas liberais
dos séculos XVIII e XIX”. (BERCOVICI, 2005, p. 32)
ca” (BERCOVICI, 2005, p. 33). Surgia, aí, aliás, o próprio Direito econômi-
co, um Direito excepcional, de guerra, marcado pela intervenção estatal
(ARIÑO ORTIZ, 1999, p. 11), que, inobstante isso, sobreviveu às circuns-
tâncias históricas que motivaram sua aparição, já que, concluída a guerra
que assolara a Europa entre 1914 e 1918, a nova regulação mostrou-se
oportuna para a ordenação da atividade econômica do primeiro Pós-
guerra (GALÁN CORONA, 1985, p. 7).
Um marco, nesse contexto, foi a Constituição de Weimar, que deu origem

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


às chamadas Constituições-programa (NUSDEO, 2013, p. 1194). Consolidava-
se, assim, com Weimar, a presença do Estado no cotidiano da vida econômica
(das Wirtschaftsleben, o título de um dos capítulos daquela Constituição), impul-
sionada por duas motivações básicas: a correção ou a mitigação de algumas
falhas de mercado e a implementação de objetivos de política econômica
(IDEM), permitindo uma intervenção estatal no domínio econômico, que, em
regra, é da esfera privada. Surge o intervencionismo.
A partir disso e como consequência das graves crises econômicas e
políticas que marcaram o período subsequente à Primeira Guerra Mundial,

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


surgiram releituras das concepções liberais, entre as quais está a concep-
ção ordoliberal da Escola de Freiburg, que se desenvolveu na década de
1930, cujos teóricos passaram a defender uma economia social de merca-
do34 (soziale Marktwirtschaft) em que se reconhecia à concorrência e à política
concorrencial um papel central de ordenação para o funcionamento ade-
quado do mercado como promotor de integração social (EUCKEN, 2004,
p. 245-246).
Em essência, esse processo histórico aqui resumidamente relatado é
refletido no Direito por uma mudança de paradigma. Da regulamentação cor-
porativa passou-se à repressão da concorrência desleal como mecanismo de
proteção do direito de propriedade, para, depois, pela generalização das re-
gras, chegar-se, finalmente, ao Direito Antitruste (BAPTISTA, 1996, p. 7). 35

Assim, se, hoje, por um lado, o Estado social está em crise porque
não pode cumprir seus compromissos, além de estar em falência concei-
tual, como demonstram seus pensadores e teóricos (ARIÑO ORTIZ, 1999,

34 O termo “economia social de mercado” consta inclusive do Tratado de Lisboa (Tratado da União
Europeia), conforme o disposto no art. 3°, item 3. (UNIÃO EUROPEIA, TRATADO DE LISBOA)
p. 103), e o Estado de bem-estar social, que chegou ao fim do século XX
amplamente questionado em sua eficiência tanto para gerar e distribuir
riquezas como para prestar serviços públicos (BARROSO, 2015, p. 90), é
alvo de críticas do discurso neoliberal e está em declínio35, por outro lado,
pode-se afirmar que o Estado contemporâneo é, fundamentalmente, um
Estado implementador de políticas públicas (GRAU, 1995, p. 59) e, nesse
sentido, ainda um Estado social em que government by policies vai além do
government by law do liberalismo (BERCOVICI, 2005, p. 57). Desse modo,
ainda que exista um consenso de que o Estado não cumpre a contento
suas funções, isso não significa que é necessário diminuir sua presença
ou, mesmo, destitui-lo de suas funções. Implica atribuir-lhe outra função,
talvez mais onerosa: fazer algo que o particular e o mercado jamais farão;
incumbe-lhe redistribuir. Em suma, trata-se de um Estado que deve ba-
sear sua gestão em valores36, e não em objetivos econômicos (SALOMÃO
FILHO, 2002, p. 41).

1.1.3 A Revolução Industrial e a formação de trusts


Uma digressão histórica é necessária para abordar o tema da forma-
ção de trusts. No ínterim que liga a passagem do Estado mercantilista até o
Estado social, passando pelo Estado liberal, há um fato histórico ocorrido
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

em um primeiro momento na Inglaterra que não pode ser desprezado: a


Revolução Industrial, que revolucionou o mundo nos séculos XVIII e XIX
ao transformar os processos produtivos substituindo o trabalho manual
pelo trabalho mecanizado, substituindo a relação entre mestre e aprendiz
pela relação entre patrão e empregado (FORGIONI, 2012, p. 55).
Com a Revolução Industrial, consolida-se também a liberdade de co-
mércio e indústria, necessária às indústrias que à época se formavam, o
36 que tornou necessário desenvolver normas sobre concorrência desleal e
proteção de marcas e de patentes, uma espécie de embrião do Direito
concorrencial (BAPTISTA, 1996, p. 9-10).

35 Destaca-se que, conforme Gilberto Bercovici, não é o fato de não termos alcançado um Estado
de bem-estar social que nos impede de construir um Estado que possa superar a barreira do
subdesenvolvimento. (BERCOVICI, 2005, p. 67)

36 Como demonstra, por exemplo, Michael Sandel (2014b).


Refere-se que o primeiro exemplo significativo de regras contra a
concorrência desleal tem origem ainda na Prússia. Em 1869, o tribunal
daquele reino (Reichsgericht) dizia que todo o comportamento concor-
rencial que não fosse expressamente proibido pela lei era admissível,
proclamando a Gewerbefreiheit, a liberdade de comércio e indústria. A
partir disso, a primeira ordenação específica envolvendo a concorrên-
cia desleal nasceu já na Alemanha, onde se editou a Gesetz zum Schutz
der Warenzeichnung, de 1894, que punia alguns atos de confusão, como a

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


imitação de marcas e embalagens e a falsa utilização de denominação
de origem (BAPTISTA, 1996, p. 11).
Assim, nota-se que, desde o fim do século XIX, surge a demanda por
uma legislação que, sob o prisma profissional, protegesse as posições que
as empresas haviam conquistado no mercado, o que era feito até então
pela própria comunidade empresarial, que determinava as regras de con-
duta aplicáveis a si próprias. Como consequência, a comunidade empre-
sarial passa gradualmente a pedir a incriminação das condutas que vê
como desleais. É então que surge a técnica da chamada cláusula geral

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


(Generalklausel) (IDEM, p. 13), presente nos § 1o e § 3o da lei concorrencial
alemã de 1909 (Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb, UWG), que dispunha:
“quem no tráfego econômico desenvolva comportamentos competitivos
que sejam contrários aos bons costumes pode ser demandado para que
cesse os mesmos e indenize os danos causados”37.
Além disso, na mesma época, ocorria na Alemanha um movimento de
unificação de empresas: empenhados em fazer prosperar o capitalismo
alemão de forma ordeira e disciplinada, industriais e banqueiros passa-
ram a integrar suas empresas em enormes grupos empresariais (Konzerne)
e a formar cartéis (CARREIRA, 1992, p. 28).
Do outro lado do Atlântico, na segunda metade do século XIX, a in-
dustrialização também mudara as relações empresariais. No período en- 37

tre 1865 e 1900, os Estados Unidos da América (EUA) assumiram o status de


líder industrial e a produção em massa tornou-se lugar comum. Inovações

37 Assim dispõe a UWG § 1 „Wer im geschäftlichen Verkehre zu Zwecken des Wettbewerbes Handlungen vor-
nimmt, die gegen die guten Sitten verstoßen, kann auf Unterlassung und Schadensersatz in Anspruch genommen
werden“. (ALEMANHA, GESETZ...)
em comunicações e em transporte proviram a infraestrutura necessária
para habilitar o setor empresarial a atender aos mercados urbanos em
crescimento (FOX, 2012, p. 3).
Não por acaso, as ferrovias foram o primeiro setor a enfrentar proble-
mas concorrenciais, visto que elas demandavam investimentos iniciais al-
tos. Para compensar o elevado capital e os custos operacionais, as empre-
sas ferroviárias disputavam grandes volumes de negócios a preços baixos.
Muitas vezes, ferrovias apresentavam taxas diferenciadas, com preços me-
nores para grandes carregadores de volume e longas viagens. Como respos-
ta à competição pelo menor preço, as empresas ferroviárias formaram pools
ou cartéis que se tornaram sistemas dominantes em nível regional (IDEM).
Como os pools fossem acordos instáveis, algumas corporações proemi-
nentes se voltaram para uma forma de acordo nova e mais sofisticada, o trust,
criado quando um número de corporações, anteriormente membros de um
pool, depositavam suas ações em um conselho de administração (board of trus-
tees) recebendo, em retorno, certificados confiáveis (trust) de valor equivalen-
te. Com isso, algumas corporações realizavam acordos verticais, integrando a
produção e a distribuição, desde a obtenção da matéria-prima até o forneci-
mento de sistemas de marketing estruturados. Standard Oil, o mais conhecido
dos grandes trusts, formou-se em 1882, capturando com sucesso a indústria de
petróleo e mantendo seu controle por muitos anos (IDEM, p. 3-4).
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

Mas o fenômeno da concentração de empresas (que foi, também,


muitas vezes, fomentado pelos Estados-nação ou pelas estruturas polí-
ticas que os antecederam38) e principalmente o crescimento dos trusts na
década de 1880, nos EUA, trouxe receio quanto às suas possíveis impli-
cações econômicas (lembre-se que a ideia da autorregulação do mercado
era predominante no século XIX e que os empresários tinham na concor-
rência o grande regulador) tanto para pequenos empresários, quanto para
38

38 É interessante notar, nessa perspectiva histórica, que a Liga Hanseática foi uma aliança de cida-
des mercantis que estabeleceu e manteve um monopólio comercial sobre quase todo o norte da
Europa e o Mar Báltico, em fins da Idade Média e começo da Idade Moderna (entre os séculos
XIII e XVII). De início com caráter essencialmente econômico, desdobrou-se posteriormente em
uma aliança política, o que demonstra a recorrência da transformação do poder econômico em
poder político, fato que, hoje, é perceptível no lobby intenso que grandes grupos econômicos re-
alizam, nas mais diversas democracias, o que torna esse um tema contemporâneo sensível, alvo
da Economia Política.
os trabalhadores, recém-organizados em sindicatos. O tema das conse-
quências econômicas e sociais de acordos como os trusts afetou, enfim, a
opinião pública (CARREIRA, 1992, p. 29), que passou a clamar por medidas
capazes de contê-los. Sobre esse tema, falar-se-á no próximo tópico.

1.2 A formação do Direito Antitruste


ou Concorrencial

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Como visto, um ícone do pensamento liberal é certamente a expres-
são smithiana “mão invisível”, que descreve a habilidade de o mercado
regular a si próprio: em uma economia de mercado, a interação dos indi-
víduos deveria resultar em uma determinada ordem, como se houvesse
uma mão invisível que a orientasse.
Contudo, preocupações com os efeitos algumas vezes deletérios do
movimento concentracionista, e da formação de trusts, no que tange à con-
corrência, se antes quase inexistiam, começaram a anunciar-se a partir da
segunda metade do século XIX, quando já se reconheciam, ainda que de

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


forma incipiente, prejuízos dele derivados e ligados ao exercício abusivo
de poder econômico (FOX, 2012, p. 3), já que a empresa gigantesca torna-
ra-se uma característica inevitável da paisagem econômica (GALBRAITH,
1988, p. 15). A propósito, é necessário mencionar que mercados de aço,
automóveis, artefatos de borracha, produtos químicos, alumínio, outros
metais não ferrosos, equipamentos elétricos e aparelhos eletrodomésti-
cos, maquinaria agrícola, alimentos processados, sabonetes, cigarros, be-
bidas etc. não eram compartilhados por muitos produtores, cada um deles
sem poder sobre seus preços, mas, ao invés, por um pequeno número de
produtores com muito desse poder. Em função disso, o modelo neoclássi-
co foi alterado para abranger também o caso de mercados compartilhados
por dois, três, quatro ou alguns poucos produtores, geralmente de porte 39
muito grande. Entre a concorrência de grande número de produtores e o
monopólio da empresa única, inseria-se então o oligopólio de umas pou-
cas empresas. E, muito embora com alguma relutância inicial, o oligopólio
passou a ser reconhecido como a forma normal de organização do merca-
do (IDEM).
Desse modo, o surgimento gradual de distorções não alcançáveis
pela ideia da “mão invisível” – o próprio Adam Smith reconhecia a con-
centração de poder de mercado nas mãos de poucos produtores (no ex-
tremo apenas um, perfazendo um monopólio39), apoiados por um Estado
intervencionista, um risco ao funcionamento da economia de mercado –
fez surgir a noção de que a “mão invisível” do mercado é guiada, ao invés,
pela “mão visível” do Direito (BEHRENS, 2014) (ou, mesmo, substituída
pela “mão visível” do Estado [GRAU, 1995, p. 61]) e, particularmente, pelo
ramo do Direito que, inicialmente, chamou-se de “antitruste” e que visava
corrigir a única falha reconhecida de um sistema de outra forma “perfeito”
(GALBRAITH, 1989, p. 147).
Por conseguinte, tornou-se necessário pensar um modelo regulató-
rio, o que fez surgir o Direito Antitruste40 (símbolo de uma luta histórica
e vigorosa entre os grandes trusts e o poder político [CARREIRA, 1992, p.
29]), cujo marco histórico remonta ao final do século XIX, etapa inicial do
processo de aglomeração do capital nos países então industrializados.
Assim, o Direito Antitruste se desenvolveu primeiro no Canadá, onde
surgiu a primeira lei antitruste (HOFFMAN, 2003, p. 128-129), editada em
1889, e, logo após, nos EUA, onde o poder adquirido por algumas orga-
nizações empresariais chamadas trusts (FOX, 2013, p. 2157) levou à intro-
dução de um arsenal legislativo (Sherman Act41, em 1890, Clayton Act42, em
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

39 O poder de monopólio é um tipo de falha de mercado. Ele envolve situações em que um pro-
dutor tem a capacidade de restringir o produto e elevar preços acima do nível de concorrência.
A teo­ria econômica mostra que essa não é uma solução Pareto-ótima e, portanto, não é um re-
sultado eficiente. Quando o monopólio ou o oligopólio são resultantes da presença de subaditi-
vidade de custos, um grande número de concorrentes não é possível nem tampouco desejável.
O mercado não comporta um grande número de firmas operando em escala e escopo eficientes.
Entretanto, se a indústria for controlada por um monopolista ou por um pequeno grupo de gran-
des empresas, qual a garantia de que o consumidor se beneficiará dos custos menores? Tal resul-
tado não estará garantido pela força da concorrência. (FARINA; AZEVEDO; SAES, 1997, p. 118-119)
40
40 Segundo a tradição dos países do common law.

41 A seção 1 do Sherman Act proíbe contratos e conspirações que restringem o comércio e prescreve
prisão e multa para violadores. A seção 2 proíbe tentativas ou monopolização de fato de “qual-
quer parte do comércio entre vários estados ou entre nações estrangeiras” (uma posição de mo-
nopólio por si não é ilegal). Além disso, a lei traz as próprias penalidades criminais, que podem
incluir prisão de até três anos. (MOTTA; SALGADO, 2015, p. 3-4)

42 The Clayton Act addresses specific practices that the Sherman Act does not clearly prohibit, such as mergers and
interlocking directorates (that is, the same person making business decisions for competing companies). Section 7
of the Clayton Act prohibits mergers and acquisitions where the effect “may be substantially to lessen competition,
1914, e Federal Trade Commission Act43, também em 1914). Nesse contexto, é
interessante observar que, ao introduzir o Sherman Antitrust Act, em 1889,
o senador John Sherman afirmava que “the purpose of the bill was to contain the
concentration of economic power”44. Não por acaso, os primeiros anos de apli-
cação do Sherman Act foram marcados pela repressão contra empresas de
grande dimensão relativa que haviam adquirido essa posição em grande
parte por meio de fusões e aquisições ocorridas em época anterior, em
que não havia controle algum, e que, na maioria dos casos, haviam se

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


envolvido em condutas caracterizadas como abusivas (DIRECTOR; LEVI,
1956, p. 282).
No plano europeu, o Direito da Concorrência surge a partir de pre-
ocupações diversas, influenciado pelo ordoliberalismo (WHISH; BAILEY,
2015, p. 22), analisado ainda neste capítulo, teoria que enfatiza a liber-
dade de iniciativa e a liberdade de escolha, e não a eficiência alocativa.
Antes disso, como já se referiu, editou-se, na Alemanha, em 1909, a UWG,
que até hoje não foi alterada em suas principais estruturas, o que se deve
à adoção da técnica das cláusulas gerais, tendo havido uma alteração im-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


portante, em 1965, quando se estendeu a associações de consumidores,
e não só a consumidores individuais, o direito de propor demandas ju-

or to tend to create a monopoly.” As amended by the Robinson-Patman Act of 1936, the Clayton Act also bans
certain discriminatory prices, services, and allowances in dealings between merchants. The Clayton Act was amended
again in 1976 by the Hart-Scott-Rodino Antitrust Improvements Act to require companies planning large mergers
or acquisitions to notify the government of their plans in advance. The Clayton Act also authorizes private parties
to sue for triple damages when they have been harmed by conduct that violates either the Sherman or Clayton
Act and to obtain a court order prohibiting the anticompetitive practice in the future. Em tradução livre: A Lei
Clayton aborda práticas específicas que a Lei Sherman não proíbe claramente, como fusões e di-
reções interligadas (isto é, o fato de a mesma pessoa tomar decisões de negócios para empresas
concorrentes). A seção 7 da Lei Clayton proíbe fusões e aquisições em que o efeito “pode ser
substancialmente diminuir a concorrência, ou tender a criar um monopólio.” Conforme alterado
pela Lei Robinson-Patman, de 1936, a Lei Clayton também proíbe certos preços discriminatórios,
serviços e subsídios nas relações entre os comerciantes. A Lei Clayton foi alterada novamente
em 1976 pela Hart-Scott-Rodino Antitrust Improvements Act para exigir das empresas que pla-
41
nejam grandes fusões ou aquisições que notifiquem o Estado de seus planos com antecedência.
A Lei Clayton também autoriza particulares a processar por danos triplos quando eles foram
lesados por um comportamento que viola tanto a Lei Sherman ou Clayton e para obter uma
ordem judicial que proíbe a prática anticompetitiva no futuro. (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA,
FEDERAL...)

43 O ato criou uma agência para investigar e ordenar “métodos competitivos desleais”. (FOX, 2012,
p. 42)

44 Em tradução livre: o objetivo do projeto de lei era conter a concentração de poder econômico.
(FOX, 2012, p. 6)
diciais nesse âmbito (os concorrentes desde sempre o puderam fazer)
(SCHAUMBURG, 2006, p. 24).
Além disso, o Direito da Concorrência europeu também reflete as
preocupações da sociedade europeia da segunda metade do século XX,
quais sejam, justiça social, bem-estar do consumidor, ausência de explo-
ração etc., tornando-se um motor da integração europeia (STUYCK, 2005,
p. 6), tanto que o objetivo de instituir um sistema comunitário de defesa
da concorrência é afirmado com a entrada em vigor do Tratado de Roma
(COMUNIDADE ECONÔMICA EUROPEIA, 1957), de 1957, que instituiu a
Comunidade Econômica Europeia (CEE)45. De acordo com o art. 3o, alínea
“f” desse Tratado, a ação da CEE implicaria, entre outros, “um regime que
garanta que a concorrência não seja falseada no mercado comum”. A pro-
pósito, sobre esse contexto histórico, Jürgen Basedow observa que «de
façon générale, on peut constater, après la seconde guerre mondiale, dans beaucoup de
pays, une activité législative dans le domaine des restrictions à la concurrence. Ces lois
règlent des faits qui relèvent du droit privé» (BASEDOW, 1997, p. 29)46.
Mais atualmente, o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
(TFUE) define os princípios do Direito da Concorrência que vigoram en-
tre os Estados-membros da UE e a competência para a atuação compar-
tilhada47 entre a Comissão − e, na Comissão, a principal responsável pela
aplicação das regras da concorrência é a Direção-Geral da Concorrência
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

(DG Concorrência) − e as autoridades nacionais (por exemplo, na França,


a Autorité de la concurrence, e, na Alemanha, o Bundeskartellamt). E, devido às
trajetórias históricas diferentes, mas também às prioridades nacionais di-
vergentes, o conteúdo concreto do Direito da Concorrência varia de um

45 Pode-se afirmar que, enquanto a edição do primeiro marco legal estadunidense, o Sherman Act,
de 1890, liga-se ao Estado social, as primeiras iniciativas legislativas europeias envolvendo a ma-
téria relacionam-se com o Estado de bem-estar social, que tem o Plano Marshall, de 1947, como
42
ponto de referência histórica.

46 Em tradução livre: em geral, pode ser constatada, após a Segunda Guerra Mundial, em muitos
países, uma atividade legislativa em matéria de restrições à concorrência. Essas leis disciplinam
os fatos que sobressaem do direito privado.

47 Fala-se, na literatura, em uma descentralização, em uma delegação das funções da Comissão


para o nível nacional. Considera-se, assim, a presença de três tipos de descentralização: (i) apli-
cação do Direito Concorrencial da UE por cortes nacionais, (ii) aplicação do Direito Concorrencial
da UE por autoridades concorrenciais domésticas e (iii) aplicação pelas autoridades concorren-
ciais domésticas de seu próprio Direito Concorrencial. (DABBAH, 2003, p. 98-105)
Estado-membro para outro, no plano europeu. No entanto, ele se organiza
geralmente em torno dos mesmos objetivos e mobiliza instrumentos fa-
miliares aos diversos Estados-membros que o contemplam em seus orde-
namentos internos.
Sinteticamente, pode-se afirmar que quatro características principais
são comuns ao Direito da Concorrência na UE: (i) a repressão dos acordos
restritivos da concorrência e dos abusos de posição dominante (prevista
nos arts. 10148 e 10249 do TFUE), (ii) o controle das concentrações de em-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


presas (previsto no Regulamento n. 139/2004 da UE [UNIÃO EUROPEIA,
2004a]), (iii) a liberalização dos setores econômicos sujeitos a monopólio

48 Art. 101°: 1. São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empre-
sas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam
susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objectivo ou
efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno, designadamente as que
consistam em:
a) Fixar, de forma directa ou indirecta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras
condições de transacção;
b) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;
c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


d) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equi-
valentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;
e) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de pres-
tações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm
ligação com o objecto desses contratos.
2. São nulos os acordos ou decisões proibidos pelo presente artigo.
3. As disposições no n. 1 podem, todavia, ser declaradas inaplicáveis:
– a qualquer acordo, ou categoria de acordos, entre empresas,
– a qualquer decisão, ou categoria de decisões, de associações de empresas, e
– a qualquer prática concertada, ou categoria de práticas concertadas, que contribuam para melho-
rar a produção ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou económico,
contanto que aos utilizadores se reserve uma parte equitativa do lucro daí resultante, e que:
a) Não imponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam indispensáveis à
consecução desses objectivos;
b) Nem dêem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a uma
parte substancial dos produtos em causa.

49 Art. 102o: É incompatível com o mercado interno e proibido, na medida em que tal seja susceptível
de afectar o comércio entre os Estados-Membros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de 43
forma abusiva uma posição dominante no mercado interno ou numa parte substancial deste.
Estas práticas abusivas podem, nomeadamente, consistir em:
a) Impor, de forma directa ou indirecta, preços de compra ou de venda ou outras condições de
transacção não equitativas;
b) Limitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores;
c) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equi-
valentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;
d) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de pres-
tações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm
ligação com o objecto desses contratos.
(art. 106 do TFUE) e (iv) o controle dos auxílios estatais (previsto no art.
107 do TFUE).
Mais tardiamente, a disciplina concorrencial tem surgido em países em
desenvolvimento, onde muitas vezes ainda está em estágio embrionário,
como demonstra, por exemplo, o caso chinês50, no que tange à Ásia, e o
caso paraguaio51, no que tange à América Latina. No Brasil, a trajetória do
desenvolvimento do Direito da Concorrência será analisada no tópico 1.4.
Pelo exposto, observa-se que, gradualmente, o Direito Antitruste
transforma-se em Direito da Concorrência, já que sua pretensão não mais
se resume à repressão de trusts e de outras formas empresariais semelhan-
tes. Em síntese, pode-se dizer que o Direito da Concorrência, que se torna
intervencionista (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 240) ao garantir a preservação
da “dinâmica concorrencial”, pretende corrigir a lex mercatoria (FORGIONI,
2013, p. 780). Suas pretensões se tornam complexas e passam a contem-
plar diversos objetivos; aos poucos, assenta-se a ideia de instrumentali-
dade da concorrência, considerada um valor que deve ser protegido no
quadro de um sistema jurídico marcado por direitos e liberdades funda-
mentais (CORDEIRO, 2005a, p. 10).

1.3 Um breve inventário das escolas econômicas


SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

Se o Estado contemporâneo é um Estado implementador de po-


líticas públicas (GRAU, 1995, p. 59), como visto – e a expressão “polí-
ticas públicas” designa todas as atuações do Estado, o que permite
considerar que o próprio Direito torna-se uma política pública (IDEM,
p. 61) –, então é necessário analisar as principais concepções teóricas
envolvendo a política de defesa da concorrência, o que se faz a partir
de agora para que se possa compreender as filigranas que envolvem
44 a extensão da proteção concorrencial do consumidor em um momento
posterior deste trabalho.

50 A lei chinesa denomina-se “Lei Antimonopólio” (LAM). Ela entrou em vigor em 1o de agosto de
2008, como noticia a professora da Universidade de Macau, Wei Dan (2012, p. 237 -266)

51 A lei paraguaia é a Lei n. 4.956/2013. (PARAGUAI, 2013)


a) A Escola clássica
A Escola clássica da Economia – ou a Escola clássica da Economia
Política – surgiu no final do século XVIII e manteve-se dominante até o
final do século XIX. Seu fundador é Adam Smith, cujas ideias continua-
ram a ser desenvolvidas no início do século XIX por David Ricardo, Jean-
Baptiste Say e Robert Malthus (CHANG, 2015, p. 111).
Segundo a Escola clássica, a busca do interesse próprio por agentes
econômicos individuais produz um resultado socialmente benéfico sob a

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


forma de riqueza nacional máxima. Esse resultado paradoxal é possibili-
tado pelo poder da concorrência no mercado. Em seu esforço para obter
lucros, os produtores se empenham para fornecer artigos melhores e mais
baratos, e acabam produzindo artigos ao menor custo possível, maximi-
zando, assim, a produção nacional. A maioria dos economistas neoclás-
sicos acreditava na chamada Lei de Say, que estabelece que a oferta cria
sua própria demanda52. Além disso, a Escola clássica rejeitava qualquer
tentativa estatal de restringir o livre mercado por meio do protecionismo
ou da regulamentação, por exemplo (IDEM, p. 111-113).

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Não há, todavia, entre os clássicos, qualquer preocupação em definir
os resultados do processo econômico. Não há a tentativa de formulação
de modelos de equilíbrio até porque, à época, faltava o instrumental para
tanto. A própria parábola da mão invisível demonstra que não há a pre-
tensão de predizer os resultados do processo econômico (COMPARATO;
SALOMÃO FILHO, 2005, p. 9-10).

b) A Escola neoclássica
A Escola neoclássica surgiu na década de 1870, a partir das obras
de William Jevons e Léon Walras. Os economistas neoclássicos consegui-
ram mudar o nome da disciplina, da tradicional “Economia Política” para
“Teoria econômica”, a fim de que esta fosse despojada de aspectos polí- 45

ticos (CHANG, 2015, p. 115).

52 Ou, na versão contemporânea, de Steve Jobs: “but in the end, for something this complicated, it’s really
hard to design products by focus groups. A lot of times, people don’t know what they want until you show it to them”.
Em tradução livre: mas, no final, para algo tão complicado, é realmente difícil projetar produtos
por grupos definidos. Muitas vezes, as pessoas não sabem o que querem até que você mostre a
elas. (REINHARDT, 1998)
Na economia neoclássica, o sistema econômico é concebido como
uma rede de trocas, impulsionada, em última instância, por escolhas feitas
pelos consumidores “soberanos” (tema sobre o qual se discorrerá adian-
te). Ela enfatiza o papel das condições da demanda (derivada da avalia-
ção subjetiva realizada pelo consumidor) ao definir o valor de um bem
ou de um serviço. O valor (chamado pelos neoclássicos de preço) de um
produto não depende apenas do tempo de trabalho despendido na pro-
dução (teoria do valor-trabalho), mas do quanto o produto é valorizado
pelos potenciais consumidores (IDEM, p. 115-116).
A Escola neoclássica desenvolveu, ainda, duas ideias centrais da
Escola clássica: a ideia segundo a qual (i) os agentes econômicos são
movidos pelo interesse próprio, mas a concorrência no mercado garan-
te que suas ações produzam um resultado socialmente benigno, e (ii) os
mercados se autoequilibram, de forma que o capitalismo (ou a economia
de mercado, como essa escola o chama) não demanda atitudes externas
(IDEM, p. 117). Vilfredo Pareto, por exemplo, argumentava que, se se res-
peitarem os direitos de cada indivíduo soberano, é possível considerar
que uma mudança social foi válida apenas quando ela melhora condições
de um grupo sem piorar as de nenhum outro, o que se conhece como cri-
tério de Pareto, que hoje constitui a base das avaliações sobre melhorias
sociais na economia neoclássica, que tem um viés conservador (IDEM, p.
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

115-116).
Um marco importante, nesse contexto, foi o surgimento da Economia
do bem-estar (welfare economics), ou a abordagem do fracasso do mercado,
desenvolvida na década de 1920 por Arthur Pigou, em que se verificou
que os efeitos de algumas atividades econômicas não recebem um preço
no mercado e, assim, não têm reflexo nas decisões econômicas – o que se
conhece como “externalidade” (que pode ser negativa, caso da poluição,
46 ou positiva, caso das atividades de pesquisa e desenvolvimento), um tipo
de falha de mercado (IDEM, p. 118).

c) A Escola austríaca
Se nem todos os economistas neoclássicos defendem o livre mer-
cado, é verdade que nem todos os economistas do livre mercado são
neoclássicos: os adeptos da Escola austríaca são defensores ainda mais
apaixonados do livre mercado do que a maioria dos seguidores da Escola
neoclássica. (CHANG, 2015, p. 131)
A Escola austríaca foi iniciada por Carl Menger no fim do século XIX.
Ludwig von Mises, Friedrich von Hayek, Joseph Schumpeter ampliaram
a influência da escola, que se tornou conhecida (MÖLLER, 2008, p. 86)
principalmente quando Hayek publicou, em 1944, a obra “O caminho da
servidão” (HAYEK, 1977).
Embora destaquem a importância do indivíduo, para os teóricos aus-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


tríacos a racionalidade humana é algo limitado. Além disso, seria apenas
por meio da ordem espontânea do mercado competitivo que os planos
diversos e em constante mudança de numerosos agentes econômicos
poderiam ser conciliados uns com os outros. Assim, esses teóricos con-
sideram que o livre mercado é o melhor sistema econômico não porque
os indivíduos sejam perfeitamente racionais, como pressupõem as teo-
rias neoclássicas, mas exatamente porque sua racionalidade é limitada
(CHANG, 2015, p. 131-132).
Além disso, a característica decisiva desta escola é a consideração da

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


concorrência como um processo dinâmico, e não estático, perspectiva ex-
pressa na afirmação de Hayek segundo a qual a concorrência é um proces-
so de descoberta (das Entdeckungsverfahren) e na descrição de Schumpeter
da concorrência como um processo de destruição criadora (die schöpferische
Zerstörung), expressão bastante “plástica”, segundo observa Silke Möller
(2008, p. 86).

d) A Escola de Freiburg
Na União Europeia, o desenvolvimento do Direito da Concorrência
está historicamente relacionado à teoria ordoliberal que se desenvolveu,
nos anos 1930, na Escola de Freiburg (GERBER, 1998, p. 232). A teoria
ordoliberal trata-se de uma teoria neoliberal cujas teses foram formula- 47

das pelo economista Walter Eucken e pelos juristas Franz Böhm e Hans
Grossmann-Doerth, pertencentes a um grupo acadêmico que realizou um
projeto de pesquisa interdisciplinar ligado à reconstrução das Ciências
Econômica e Jurídica.
A Escola de Freiburg realiza uma crítica das condições que levaram a
Alemanha, no período entreguerras, a permitir o desenvolvimento de uma
profusão de cartéis53, já que, desde fins do século XIX e até as vésperas da
Segunda Guerra Mundial, a Alemanha foi chamada de “país dos cartéis”,
de tal forma eram eles aceitos ou, mesmo, estimulados como veículo para
a conquista de mercados externos (NUSDEO, 2002, p. 64).
Os membros da Escola de Freiburg atribuíam as deficiências das con-
dições econômicas, jurídicas e políticas dominantes à época ao colapso
do equilíbro entre o Poder Público (que havia sido tomado pelo nazismo)
e o poder privado (que havia sido apropriado por grupos influentes e por
conglomerados industriais altamente integrados e cartelizados). Uma re-
forma futura (após a queda desejada do regime nazista) teria, então, de
concentrar-se em um arranjo institucional que efetivamente equilibrasse
os poderes público e privado (BEHRENS, 2014).
A escola ordoliberal sustenta como ponto de partida a hipótese de
que, na regulação da economia, o Estado está vinculado a dois modelos
(ordens econômicas) predeterminados, incompatíveis entre si: o modelo
de economia de administração centralizada ou de planejamento e o mo-
delo de economia de mercado (REICH, 1985, p. 37). A propósito, segundo
o economista John Kenneth Galbraith, nos países industriais contempo-
râneos existiriam, por ironia, dois sistemas econômicos operando para-
lelamente: o das pequenas e médias empresas, operando em um siste-
ma de mercado (em que há concorrência), e o das grandes corporações,
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

operando em um sistema de planejamento (em que não há concorrência)


(GALBRAITH, 1988, p. 42, 162-163).
A Escola de Freiburg demonstra sua preferência pelo modelo da eco-
nomia de mercado, que necessita, porém, de um instrumento de direção
capaz de fazer funcionar a economia, qual seja, a concorrência (REICH,
1985, p. 37-38). Entretanto, a concorrência pretendida não era qualquer
concorrência, mas uma concorrência pelos méritos (Leistungswettbewerb ou
48

53 Identifica-se o poder econômico e o militarismo como causas determinantes para a queda da


República de Weimar e a ascensão do nazismo. Assim Peter Gay: “A grande indústria começou a
nacionalização da economia à sua própria maneira através da cartelização. Na verdade, ‘os maio-
res trustes na história alemã foram formados durante a República de Weimar’, inclusive a fusão
em 1926 de quatro grandes companhias de aço e a criação do truste químico I. G. Farben no ano
anterior, por meio da fusão das ‘seis maiores corporações desse setor’”.
(GAY, 1978, p. 33)
competition on the merits), uma concorrência completa (vollständinger Wettbewerb54
ou vollständige Konkurrenz [EUCKEN, 2004, p. 247-249]), segundo a qual não
predominaria a lógica do laissez-faire (e aí radica a distinção essencial entre
as teorias liberal e ordoliberal) (REICH, 1985, p. 38). A concorrência era
vista, enfim, como um mecanismo de controle, de certa forma autônomo,
que seria preferível ao controle estatal direto, o que poderia significar o
ressurgimento de uma intervenção estatal injustificável, colocando em ris-
co a liberdade individual. Nessa perspectiva, a concorrência, em síntese,

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


protege a liberdade.
Esse tipo de ordem econômica garantiria bons resultados, já que a
concorrência, enquanto motivadora de eficiência e instância sancionado-
ra, regularia automaticamente os processos de mercado, além de garantir
uma ordem de liberdade em que nenhuma empresa (agente econômico)
disporia de poder sobre os outros e onde a última instância de decisão
envolveria sempre o consumidor (IDEM). Deve-se mencionar que Franz
Böhm expressamente fez referência à Adam Smith, para quem a concor-
rência como um mecanismo que permite aos consumidores controlar os

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


produtores (buyers to control sellers) deveria se basear em instituições jurídi-
cas (BEHRENS, 2014).
Com efeito, para os ordoliberais, uma tal ordem econômica precisaria
de determinadas condições de ordem institucional que assegurassem seu
funcionamento. Por isso, o Direito e a política concorrencial passaram a
desempenhar um papel central para o funcionamento adequado do mer-
cado como promotor de integração social.
Além disso, a influência perturbadora do poder de mercado sobre a
concorrência constituía a preocupação principal dos teóricos ordoliberais
que, assim, concebiam a necessidade de condições jurídicas constitutivas
e de condições jurídicas de regulação para uma economia de mercado. Por
condições jurídicas constitutivas entendem-se as liberdades jurídicas clás- 49

sicas, como a liberdade contratual, a liberdade de concorrência e a liberda-

54 Segundo aponta o dicionário, Wettbewerb significa „zentrales Lenkungs– und Ordnungselement in einer
Marktwirtschaft, in der sich Unternehmen auf dem Markt als Konkurrenten gegenüberstehen. Der W. dient der
Auslese und der Leistungssteigerung sowie optimaler Lösung wirtschaftl., gesellschaftl. und wiss. Aufgaben; er genießt
daher gesetzl. Schutz (Kartellrecht u.a.).“ (GROßES LEXIKON, 1996, p. 887-888). Já o termo Konkurrenz
significa „1) Gegnerschaft, Rivalität, (wirtschaftl.) Wettbewerb. – 2) sportl. Wettkampf.”(IDEM, p. 485).
de de associação. Por condições jurídicas de regulação entende-se o exercí-
cio de uma política estatal antimonopólio ativa, objetivando a realização de
uma concorrência perfeita. Segundo Walter Eucken isso se reflete na proibi-
ção de formação de cartéis e em uma vigilância estrita de qualquer forma de
monopólio, que deve ser desmantelado ou submeter-se às condições que
existiriam em uma situação de concorrência. É aí que está a originalidade da
Escola de Freiburg: o reconhecimento da tarefa específica que tem o Estado
de lutar contra o poder de mercado (REICH, 1985, p. 38).
Nesse contexto, o poder de mercado caracterizaria algo a ser combatido,
pois indicaria um mercado injusto e, consequentemente, incapaz de fomen-
tar a integração social. (GERBER, 1998, p. 241) Portanto, ao invés de persegui-
rem apenas uma economia social (soziale Wirtschaft), os teóricos ordoliberais
passaram a defender uma economia social de mercado (soziale Marktwirtschaft).
Assim, a Escola de Freiburg argumentava a favor de proibições nor-
mativas para situações de cartel e, no que tange a posições dominantes,
seus teóricos sugeriam a existência de controle por uma agência estatal
(especialmente onde o poder de mercado fosse o resultado inevitável do
êxito do agente empresarial em dado mercado ou da situação fática, no
caso de um monopólio natural), o que poderia significar até mesmo a dis-
solução, a fragmentação dos agentes empresariais, por meio da aplicação
de medidas de desconcentração (BEHRENS, 2014).
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

A premissa subjacente a esse entendimento, que hoje é amplamente


adotado pelas legislações concorrenciais, é limitar a intervenção estatal
na economia, assim como o poder privado dos agentes empresariais, por
meio de um controle concorrencial que não fosse simplesmente mais uma
política discricionária, mas uma matéria nas mãos de autoridades esta-
tais independentes e especializadas. Afinal, se hoje se tem presente que
a proteção da concorrência é política de Estado, e não de governo55, de
50 forma que a independência lhe é um atributo fundamental, deve-se reco-
nhecer que nem sempre houve essa postura. Ela é uma conquista impor-
tante e sinaliza o amadurecimento institucional dos países preocupados
com a questão concorrencial.

55 Nesse sentido, entrevista concedida por Arthur Sanchez Badin (2010).


É também importante referir que alguns membros do grupo enfatiza-
vam, ainda, a importância de uma distribuição equitativa dos benefícios
de um mercado competitivo. Isso implicava principalmente que aqueles
que fossem incapazes de sobreviver com base no que eles poderiam (ou
não poderiam) ganhar no mercado deveriam ser apoiados por auxílios fi-
nanceiros (consequência do conceito de uma economia social de merca-
do, que, depois, tornou-se o modelo alemão de organização da economia
do Pós-guerra) (BEHRENS, 2014).

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Crítico56 da teoria ordoliberal, Norbert Reich aponta que o Estado do
século XIX suprimiu os antigos privilégios feudais, abolindo os resquícios
corporativos ao mesmo tempo em que criou uma ordem básica para a
organização da economia. Contudo, não o fez de forma autônoma, mas
em função de uma certa evolução econômica dos processos mercadológi-
cos que já se encontrava predeterminada. O Estado intervencionista, se-
gundo o autor, atua de diversas formas nesses processos, servindo-se da
concorrência para alcançar objetivos políticos e econômicos. Então, a luta
contra a concentração de poder de mercado é, por exemplo, tão somente

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


um dos aspectos da política econômica que o Estado realiza por meio do
Direito, mas de modo algum o único e decisivo, como entendem os ordo-
liberais (REICH, 1985, p. 39-40).
Desse modo, para Norbert Reich, a teoria ordoliberal oculta uma con-
cepção autoritária do Direito e do Estado, já que reivindica um Estado
forte que tenha por missão a tarefa de ordenar a economia. Segundo o au-
tor, a teoria ordoliberal tem pouca utilidade para um Estado intervencio-
nista que tome o mercado para alcancar objetivos típicos de uma política
de bem-estar social, em que a suposta autonomia da concorrência perde
lugar na medida em que ela se torna instrumental e funcional, o que tam-
bém ocorre no terreno do Direito e da política concorrencial (IDEM, p. 40).
Mesmo assim, aponta-se que o Direito concorrencial europeu foi in- 51

fluenciado (NEDERGAARD, 2013, p. 24) pela teoria ordoliberal (GERBER,


1998, p. 261 e ss.), diferenciando-se do estadunidense, marcado sobretu-

56 Para uma crítica e informações sobre a influência da teoria ordoliberal na política econômica
alemã do Pós-guerra, veja-se Foucault (2008, p. 139 e ss).
do pelas Escolas de Harvard e de Chicago, cujas características principais
serão vistas a seguir.

e) A Escola de Harvard
O Antitruste ganhou contornos acadêmicos próprios nos EUA, a partir
dos anos 1950, por meio do pensamento proposto pela Escola de Harvard,
onde floresceu a teoria estruturalista57, que desenvolveu um modelo que
interliga as estruturas, as condutas e o desempenho, o chamado paradig-
ma Estrutura-Conduta-Desempenho (ECD)58: a estrutura do mercado in-
fluencia a conduta que influencia o desempenho (FOX, 2012, p. 57).
Esse paradigma analisa as características dos agentes econômicos
presentes no mercado para avaliar sua performance, supondo para tanto que
as condutas das empresas (firmas, no jargão econômico) são condiciona-
das pela estrutura anteriormente existente (GAMA, 2005, p. 7). Entendia-
se, à época, que as influências eram fortes e, muitas vezes, determinantes
(FOX, 2012, p. 57).
Dessa forma, a perspectiva concorrencial elaborada considerando
os preceitos dessa escola preocupa-se, sobretudo, com o aumento da
concentração do mercado e com a presença de barreiras à entrada (de no-
vos concorrentes, os entrantes). Há um temor em relação às estruturas de
mercado caracterizadas pela presença de monopólios e oligopólios que,
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

por pressuposto, podem gerar poder de mercado ou capacidade de uma


empresa aumentar seus preços sem incorrer em perda significativa de ven-
das, em decorrência dos bloqueios à entrada de outros e novos concorren-
tes potenciais (entrantes) em um determinado mercado (GAMA, 2005, p. 7).
O ideal, portanto, seria um mercado com uma diversidade razoável
de agentes econômicos, mais atomizado (small is beautiful), com empresas

52
57 Que não se confunde com a corrente científica do estruturalismo, que se desenvolveu nos anos
1960 sobretudo na França. Para os estruturalistas, o mais importante não é a mudança ou a trans-
formação de uma realidade, mas a estrutura ou forma que ela tem no presente. Influenciados
pelo estruturalismo, vários filósofos franceses como Michel Foucault, Jacques Derrida e Gilles
Deleuze admitiram que a razão é histórica – isto é, muda temporalmente –, mas essa história
não é cumulativa, evolutiva, progressiva e contínua. Pelo contrário, é descontínua, se realiza por
saltos e cada estrutura nova da razão possui um sentido próprio, válido apenas para ela. (CHAUI,
2012, p. 104 e 105).

58 A primeira referência ao modelo ECD foi feita por Edward Mason, em artigo publicado em 1939.
com baixo poder de decisão e influência sobre preços, como sintetizam
Phillip Areeda e Donald Turner, fundadores da literatura ECD: “the competi-
tive market is one in which power is not unduly concentrated in the hands of one or a few
firms”59. Paula Forgioni recorda, a propósito, que o emblema estruturalista
é uma estrutura mais pulverizada, “evitando-se as disfunções no merca-
do” (FORGIONI, 2012, p. 166).
Com efeito, considera-se que, em um mercado concentrado (estru-
tura), onde as empresas têm poder de decidir o preço cobrado pelo pro-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


duto e/ou serviço oferecido, ambos os preços e as margens de lucro serão
maiores (desempenho), porque as empresas apresentam grau elevado de
coordenação (conduta). Portanto, pode-se afirmar que a estrutura influen-
cia a conduta e determina o desempenho. Além disso, de acordo com a
análise estruturalista, quanto maiores as barreiras à entrada de outros e
novos concorrentes potenciais (entrantes) em um determinado mercado,
maior a possibilidade de colusão e de elevação dos preços e melhor o de-
sempenho dos agentes econômicos em termos de lucratividade – o que,
simultaneamente, causa perdas sociais de igual proporção (GAMA, 2005,

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


p. 7-8), atingindo os concorrentes e os consumidores, além da própria di-
nâmica concorrencial.
Embora a “velha Escola de Harvard” já não exista hoje, o Direito −
que ainda é muito influenciado por ela − continua preocupado com o fato
de que uma alta concentração presente em um mercado com elevadas
barreiras à entrada tende a isolá-lo das forças da competição, criando o
cenário para desempenhos não competitivos e condutas anticompetitivas
(FOX, 2012, p. 57).

f) A Escola de Chicago
Em artigo seminal, de 1956, Aaron Director e Edward Levi apresen-
taram muitas ideias características do que se convencionou chamar de 53

pensamento da Escola de Chicago. Para os autores, já nos anos 1950, “the

59 Em tradução livre: mercado competitivo é aquele em que o poder não esteja indevidamente
concentrado nas mãos de uma ou poucas empresas. (GAMA, 2005, p. 7)
central problems in the field of antitrust as yet unsettled and pressing for solution concern
size, abuses and collusion” (DIRECTOR; LEVI, 1956, p. 296)60.
Segundo Richard Posner, a abordagem da Escola de Chicago é cética
sobre a gravidade do perigo à concorrência de uma ação unilateral de uma
empresa (firma), unilateral no sentido de não requerer a cooperação com
os concorrentes (mas que normalmente requer cooperação com clientes
ou fornecedores). A abordagem enfatiza tanto a dificuldade de haver da-
nos à concorrência causados por esses meios como o perigo de que a
aplicação heavy-handed61 da legislação antitruste possa suprimir uma práti-
ca que, embora pareça anticompetitiva, na verdade é eficiente (POSNER,
2001a, p. 251).
Dessa forma, a Escola de Chicago pode ser caracterizada por dois
adágios, quais sejam, less is more e size matters: estruturas concentradas62, se
resultarem em uma economia de recursos que compense seus eventuais
efeitos anticompetitivos63, não deveriam ser coibidas. Propõe-se, então,
a análise do efeito líquido resultante da comparação entre os ganhos de
eficiência gerados e as perdas potenciais ou reais decorrentes de efeitos
anticompetitivos (GAMA, 2005, p. 10). Dessa forma, a Escola de Chicago
atenta-se sobretudo à redução dos custos de produção, a partir da qual
haverá um reflexo nos preços que, menores, beneficiarão o consumidor.
Considera-se, assim, que a Escola de Chicago rompeu com a tradição
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

essencialmente estruturalista da teoria concorrencial (de Harvard) ao


considerar que a concentração em si não é algo nocivo, desde que seja
vista em termos de eficiência (o que pode ser sintetizado pelo aforismo
“produção ao menor custo”). Com efeito, a concorrência pode mesmo ser

60 Em tradução livre: “os problemas centrais no domínio da defesa da concorrência que ainda são
incertos e pressionam por solução envolvem tamanho, abusos e conluio.”

61 Em um viés liberal, já que, segundo Frank Easterbrook, “markets themselves are organized”.
54
(EASTERBROOK, 1984, p. 1)

62 Segundo Easterbrook, “the goal of antitrust is to perfect the operation of competitive markets. What does this
mean? A “competitive market” is not necessarily the one with the most rivalry moment-to-moment”. Em tradução
livre: o objetivo de Antitruste é aperfeiçoar o funcionamento dos mercados competitivos. O que
isso significa? Um “mercado competitivo” não é necessariamente aquele com a maior rivalidade
momento a momento. (EASTERBROOK, 1984, p. 1)

63 As concentrações (e o poder econômico que delas deriva) não são vistas como mal a ser evitado,
os acordos verticais passam a ser explicados em termos de economia de custos de transação,
eficiências e ganhos para os consumidores. (FORGIONI, 2012, p. 170)
reforçada em um quadro caracterizado por um menor número de empre-
sas que sejam, cada uma delas, de maior dimensão e capazes de um de-
sempenho mais eficiente se comparado a um cenário pulverizado por um
vasto número de empresas de pequeno porte e desempenho ineficiente
(PEREIRA, 2009, p. 98).
Segundo Robert Bork, a eficiência buscada pela concorrência pode
ser definida como uma condição para maximizar o bem-estar dos consu-
midores (BORK, 1993, p. 405-406). Além disso, para ele, a política con-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


correncial carregaria consigo um paradoxo, dado que, para promover a
concorrência, cujo objetivo último é o bem-estar do consumidor, é neces-
sário limitá-la. A preservação da concorrência, com esse fim predetermi-
nado, estaria atrelada, simultaneamente, à sua restrição; para obter um
resultado, depender-se-ia inexoravelmente do outro, oposto, o que é pa-
radoxal. Contudo, não parece difícil compreender que o paradoxo aponta-
do por Robert Bork está equivocado, como apontam, por exemplo, Calixto
Salomão Filho (2013, p. 76). É que, na tentativa de supostamente proteger
o consumidor, o pensamento neoclássico, da Escola de Chicago, pode,

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


sim, prescindir dos seus interesses, do seu bem-estar.
Para Robert Bork (1993, p. 405-406),

in judging consumer welfare, productive efficiency, the single most important factor contri-
buting to that welfare, must be given due weight along with allocative efficiency. [...] The
law should permit agreements on prices, territories, refusals to deal, and other suppressions
of rivalry that are ancilarry, in the sense discussed, to an integration of productive econo-
mic activity. [...] Antitrust should have no concern with any firm size or industry structure
created by internal growth or by a merger more than ten years old64.

Um segundo aspecto envolvendo a Escola de Chicago diz respeito


à forma com que ela define o escopo apropriado para o Antitruste. Esse
escopo é informado por premissas não intervencionistas e é melhor “cap-
55
turado” por uma negativa: se o comportamento ou a operação não dimi-

64 Em tradução livre: “ao julgar o bem-estar do consumidor, a eficiência produtiva, o fator mais im-
portante que contribui para o bem-estar, deve ser dada a devida importância, juntamente com a
eficiência alocativa. [...] A lei deveria permitir os acordos sobre os preços, os territórios, as recu-
sas para contratar, e outras supressões de rivalidade que são acessórias, no sentido discutido, de
uma integração das atividades econômicas produtivas. [...] O Antitruste não deve ter nenhuma
preocupação com qualquer tamanho ou estrutura industrial criado pelo crescimento interno ou
por uma fusão de mais de dez anos de idade.”
nuem a produção ou se têm como resultado uma pró-eficiência significati-
va, qualidades pró-inovação, então eles não são ineficientes e não devem
ser proibidos. Esse paradigma amplia o escopo da liberdade de aplicação
do Antitruste (FOX, 2012, p. 56).
Finalmente, nota-se que, a partir do final dos anos 1970, a Escola de
Harvard, que preconiza a existência de condições estruturais de concor-
rência, perde importância, pois seus defensores aceitam grande parte dos
pressupostos da Escola de Chicago, que passam a predominar com a elei-
ção presidencial, nos EUA, de Ronald Reagan, cujo governo apresentou
matizes liberais, como aponta Eleanor Fox:

from the early 1980s forward, U.S. antitrust law developed under a model that is euphe-
mistically called “maximizing consumer welfare”. But in an important sense, this modern
goal is not to maximize consumer welfare even if consumer surplus is the sole focus. U.S.
antitrust law is not designed to make consumers as well off as possible, as Justice Scalia
took pains to state in Verizon Communications, Inc. v. Law Offices of Curtis V.
Trinko. The operational goal (not accepted by all jurists) is to let business be free of an-
titrust unless its acts will decrease aggregate consumer surplus, and then again, unless
the acts are a response to the market or a way to produce or invent new or better goods or
services. This is not an indefensible modus operandi. In some circumstances it may make
sense as a guiding light for applications of U.S. antitrust law in this millennium. But it
is not the goal of antitrust unless the concept of “goal” reads ninety years out of antitrust
history (FOX, 2013, p. 2158– 2159)65.
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

De fato, muitos princípios econômicos embasam o Direito da


Concorrência, também visto como um instrumento para a conquista de
“eficiências sociais”. Assim, um sistema de livre mercado com a presença
de normas concorrenciais pode contribuir para a alocação mais eficiente

65 Em tradução livre: “desde o início dos anos 1980, a lei antitruste dos EUA desenvolveu-se sob
um modelo que é eufemisticamente chamado de “maximização do bem-estar do consumidor”.
56 Mas, num sentido importante, essa meta moderna não é maximizar o bem-estar do consumidor,
mesmo que o excedente do consumidor seja o único foco. A lei antitruste dos EUA não é proje-
tada para proporcionar tanto bem aos consumidores quanto possível, como o juiz Scalia teve o
cuidado de indicar no processo Verizon Communications, Inc. v. Law Offices of Curtis V. Trinko. O objetivo
operacional (que não é aceito por todos os juristas) é deixar os negócios livres do Antitruste, a
menos que os seus atos diminuam o excedente do consumidor agregado, e em seguida, nova-
mente, a menos que os atos sejam uma resposta ao mercado ou uma maneira de produzir ou
inventar bens ou serviços novos ou melhores. Este não é um modus operandi indefensável. Em
algumas circunstâncias, pode fazer sentido como uma luz para a aplicações da lei antitruste dos
EUA neste milênio. Mas não é o objetivo do Antitruste, a menos que o conceito de “meta” seja
lido sem considerar noventa anos de história antitruste.”
de fontes de insumo, a manutenção de preços menores e a adoção de in-
centivos para inovar, os objetivos, segundo Eleanor Fox, do Antitruste es-
tadunidense (FOX, 2012, p. 49), onde os postulados da Escola de Chicago,
que traz para o Antitruste a análise econômica do Direito66, instrumento
de uma busca maior, a eficiência alocativa do mercado (FORGIONI, 2012,
p. 169), têm importância ímpar. E, com essa abordagem, pode-se afirmar
que “US antitrust law subordinates the immediate welfare of consumers to the lon-
ger-run productivity of the economy that would benefit consumers in the longer term”

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


(BUTTIGIEG, 2009, p. 161)67.

g) A perspectiva pós-Chicago
A perspectiva pós-Chicago reúne o conjunto de teóricos “revisionis-
tas” que, apesar de ainda não terem estabelecido uma “escola” (BEHRENS,
2014, p. 32), a partir da década de 1980, passaram a questionar os pos-
tulados por vezes demasiadamente simplistas propostos pela Escola de
Chicago, ainda que reconheçam as vantagens da aplicação de modelos
econômicos à análise antitruste (FORGIONI, 2012, p. 175) e a contribuição

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


de diversos insights da Escola de Chicago ao Direito da Concorrência (FOX,
2012, p. 56). De acordo com Eleanor Fox, por exemplo, muitos teóricos da
Escola de Chicago levam às suas análises presunções segundo as quais
cartéis são inerentemente instáveis, mercados funcionam muito bem,
agentes econômicos são maximizadores de lucros racionais, atos empre-

66 Que Ronald Dworkin, por exemplo, explicitamente rejeita: “a análise econômica, no seu ramo
descritivo, parece fundamentar-se no sentido e na verdade de uma motivação direta, que é a
de que os juízes decidem casos com a intenção de maximizar a riqueza social. Meu argumento
contra o ramo normativo da análise econômica, porém, também questiona tal afirmação motiva-
cional. Não afirmei que maximizar a riqueza social é apenas um entre vários objetivos possíveis,
ou que é um objetivo social mesquinho, pouco atraente e impopular. Afirmei que ela não faz ne-
nhum sentido como objetivo social, mesmo entre outros. É absurdo supor que a riqueza social é 57
um componente do valor social, e implausível que a riqueza social seja fortemente instrumental
para um objetivo social porque promove a utilidade ou algum outro componente do valor social
melhor do que faria uma teoria instrumental fraca. Portanto, é bizarro atribuir aos juízes o motivo
de maximizar a riqueza social por si mesma ou de perseguir a riqueza social como um alvo falso
para algum outro valor. Mas uma explicação motivacional direta não faz nenhum sentido, a menos
que faça sentido atribuir o motivo em questão aos agentes cuja conduta está sendo explicada”.
(DWORKIN, 2005, p. 393-394)

67 Em tradução livre: “a lei antitruste dos EUA subordina o bem-estar imediato dos consumidores
para a produtividade a longo prazo da economia, que beneficiaria os consumidores a longo prazo.”
sariais são sempre eficientes e a atuação estatal é sempre ineficaz (IDEM),
exceto em casos que envolvam hard core cartel (OECD, 2010a).
Embora se considere que os postulados da Escola de Chicago pre-
dominam na análise econômica aplicada ao Direito da Concorrência, essa
prevalência se dá, sobretudo, na análise das estruturas. Esses pressupos-
tos, porém, são criticáveis: quando filtrados pela análise jurídica, têm sua
aplicação bastante restringida (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 385), já que o
discurso utilizado, que é positivista (POSNER, 2001b, p. 3), baseia-se no
pragmatismo e no tecnicismo, como se as decisões antitruste não derivas-
sem de opções políticas (FORGIONI, 2012, p. 172). Assim, questiona-se,
sobretudo, a consideração da eficiência econômica como o paradigma-ba-
se da aplicação das normas concorrenciais, como observa William Kovacic:

discussions of U.S. competition policy from the early 1970s to the present often emphasize
the ascent of Chicago School perspectives in guiding doctrine and enforcement policy. In
this narrative, Chicago School views ordinarily endorse what Frank Easterbrook has cal-
led a “profoundly skeptical program” that consists of “little other than prosecuting plain
vanilla cartels and mergers to monopoly.” Such an approach generally would disregard
vertical contractual restraints, vertical and conglomerate mergers, and most claims of ille-
gal monopolization or attempted monopolization. Chicago School scholars typically propose
that the attainment of economic efficiency be the exclusive basis for the design and appli-
cation of antitrust rules68. (KOVACIC, 2007)
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

Desse modo, segundo Eleanor Fox, os teóricos pós-Chicago prefe-


rem moderar as presunções relativas ao livre mercado e privilegiar o con-
texto e os fatos do que a teoria envolvendo as atitudes que empresas
e mercados eficientes provavelmente adotariam, questão analisada pela
Economia comportamental (FOX, 2012, p. 56).

58
68 Em tradução livre: “discussões sobre a política de concorrência dos Estados Unidos a partir do
início de 1970 até o presente muitas vezes enfatizam a ascenção das perspectivas da Escola de
Chicago ao orientar a doutrina e a política executiva. Nesta narrativa, as perspectivas da Escola de
Chicago normalmente endossam o que Frank Easterbrook chamou de “programa profundamente
cético”, que consiste em “pouco mais do que perseguir os meros cartéis de baunilha e fusões que
resultam em monopólio”. Essa abordagem geralmente não teria em conta restrições contratuais
verticais, fusões verticais e conglomeradas e a maioria dos pedidos de monopolização ilegal ou
tentativa de monopolização. Estudiosos da Escola de Chicago normalmente propõem que a rea-
lização da eficiência econômica seja a base exclusiva para a concepção e aplicação das regras de
defesa da concorrência.”
Outra teoria crítica ao neoclassicismo representado pela Escola de
Chicago é o estruturalismo, que surge a partir da instituição da Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), em 1948. Seu pen-
samento próprio e a partir da perspectiva latino-americana sobre o fenô-
meno do (sub)desenvolvimento argumenta que é preciso compreender
as estruturas sociais, econômicas, políticas etc. para se entender e superar
a dicotomia entre centro (economias homogêneas) e periferia (economias
heterogêneas)69. Desse modo, segundo os estruturalistas, é impossível

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


supor que a mesma teoria econômica aplicável aos países desenvolvidos
seja adaptável aos demais (COMPARATO; SALOMÃO FILHO, 2005, p. 16).
Finalmente, aponta-se que hoje não há uma abordagem monolítica
das ideias de Chicago, embora se reconheça que o paradigma da eficiên-
cia ainda está presente nas teorias pós-Chicago de forma predominante
(BEHRENS, 2014, p. 32).

1.4 O Direito da Concorrência no Brasil

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


O Brasil, desde o período colonial, foi marcado pela concentração
excessiva70 das estruturas detentoras do capital, fato que é decisivo para
explicar o subdesenvolvimento do País (que passa pelo problema da con-
centração da renda) e, mesmo, suas perversões democráticas (SALOMÃO
FILHO, 2014).
Como se sabe, a combinação de estímulo71 à expansão da empresa,
em alguns setores da economia, e de restrição ao crescimento, em outros

69 Conforme palestra do Professor Doutor Gilberto Bercovici realizada no Salão nobre da Faculdade
de Direito, em 9/2/2015, por ocasião do curso de verão em Direito Econômico realizado pelo
Programa de Pós-Graduação em Direito da USP.

70 Sobre a colônia açucareira, por exemplo, escreve Celso Furtado (2007, p. 79): “a renda que se
gerava na colônia estava fortemente concentrada em mãos da classe de proprietários de enge- 59
nho. Do valor do açúcar no porto de embarque apenas uma parte ínfima (não superior a cinco
por cento) correspondia a pagamentos por serviços prestados fora do engenho no transporte e
armazenamento. Os engenhos mantinham, demais, um certo número de assalariados: homens
de vários ofícios e supervisores do trabalho dos escravos. Mesmo admitindo que para cada dez
escravos houvesse um empregado assalariado – 1500 no conjunto da indústria açucareira – e
imputando um salário monetário de quinze libras anuais cada um, chega-se à soma de 22,5 mil
libras, que é menos de dois por cento da renda gerada no setor açucareiro”.

71 No que tange ao contexto brasileiro, Rubens Requião anota que “constituiu política econômica
do Governo o estímulo às incorporações e fusões, para aglutinar empresas, tornando-as de gran-
setores, produz um padrão particularmente assimétrico de desenvolvi-
mento econômico (GALBRAITH, 1988, p. 42). Com efeito, a ordem concor-
rencial, que constitui um interesse institucional (SALOMÃO FILHO, 2013,
p. 98), deve ser considerada para a alteração desejada do status quo, pois,
conforme a teoria institucionalista, institutions matter72.
O Direito da Concorrência desenvolveu-se de forma incipiente no
Brasil, inspirado na experiência estadunidense (OLIVEIRA, 2007, p. 169), a
partir da década de 1930 (RAMOS, 1977, p. 211), com o surgimento de nor-
mas esparsas voltadas à proteção da economia popular, à tipificação como
crime de determinadas condutas consideradas atentatórias à livre concor-
rência73 e, ainda, à definição de uma série de atos contrários à economia
nacional74. Nesse contexto, destaca-se o art. 14175 da Constituição de 1937,
que transformou em princípio constitucional a proteção da economia po-
pular e foi regulamentado pelo Decreto-lei n. 869/193876, que, apontado
como o primeiro diploma brasileiro antitruste, surgiu com função constitu-
cional definida, qual seja, a proteção da economia popular77 e, portanto,
mediata e precipuamente do consumidor (FORGIONI, 2012, p. 99).
É necessário destacar, nesse contexto, por sua importância históri-
ca, o Decreto-lei n. 7.666/1945, conhecido como “Lei Malaia”, como lem-

de porte e, assim, aptas à economia de escala, com melhores condições de competição no mer-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

cado nacional e internacional. O Decreto-lei n. 1.182, de 16 de julho de 1971, concedeu estímulos


fiscais transitórios às fusões, às incorporações e à abertura de capital das empresas. O principal
estímulo consistiu na isenção de imposto de renda sobre o acréscimo de valor decorrente da
reavaliação dos bens integrantes do ativo imobilizado, acima dos limites da correção monetária
até o valor de mercado”. (REQUIÃO, 2003, p. 256)

72 Como defende, por exemplo, Douglass North (1990).

73 A Lei n. 1.521/1951 alterou dispositivos da legislação então vigente (Decreto-lei n. 869/1938) so-
bre crimes contra a economia popular.

74 O Decreto-lei n. 7.666/1945 estipulava uma série de atos considerados contrários à ordem econômica.
60
75 Assim dispõe o art. 141 da Constituição de 1937: “art 141 – A lei fomentará a economia popular,
assegurando-lhe garantias especiais. Os crimes contra a economia popular são equiparados aos
crimes contra o Estado, devendo a lei cominar-lhes penas graves e prescrever-lhes processos e
julgamentos adequados à sua pronta e segura punição.”

76 O Decreto-lei n. 869/1938 criminalizava diversas condutas que atentavam contra a economia popular.

77 Conforme Roberto Pfeiffer (2015, p. 132), sobre esse contexto, pode-se afirmar que, “ainda que não
se empregasse a expressão’consumidor’ (até porque à época não se utilizava corriqueiramente tal
termo nos textos legais) resta óbvio que a repressão ao abuso do poder econômico o tinha como
destinatário, pois a tutela da economia popular redundava em proteção do consumidor”.
bra José Nabantino Ramos (1977, p. 211), que definiu os atos contrários
à economia nacional e criou a então Comissão Administrativa de Defesa
Econômica (CADE), o que permite afirmar que, a partir de 1945, já havia
um esboço de um sistema de defesa da concorrência no Brasil.
Observa-se, também, que apenas na Constituição de 1946 a ênfase
do Direito concorrencial brasileiro deixou de ser simplesmente a defesa
da economia popular para apresentar um compromisso com a ordem eco-
nômica e com a noção de defesa do consumidor (BERCOVICI, 2005, p. 26),

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


em demonstração clara de seu caráter instrumental.
Posteriormente, sobreveio a Lei n. 4.137/1962, que criou o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (também denominado CADE) e
previu os controles preventivo e repressivo. Em 1991, o art. 74 da Lei n.
4.137/1962, que cuidava da hipótese de controle de estruturas, foi altera-
do pela Lei n. 8.158/1991, já ab-rogada.
Desse modo, pode-se afirmar que a concorrência foi um valor histori-
camente desprestigiado no Brasil, especialmente até a década de 1990 do
século XX. O País adotou um modelo de industrialização caracterizado pela

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


concentração78, o que resultou em um quadro de desigualdades extremas79
e que manteve uma fratura social que alijou do consumo grande parcela
da população durante várias décadas. As razões político-econômicas para
isso são claras e se encontram na política de desenvolvimento implantada
no Brasil a partir dos anos 1960. Trata-se de uma política orientada pela
formação da grande empresa nacional, como demonstra o II Plano Nacional
de Desenvolvimento (BRASIL, 1975-1979), que previa a necessidade de
fortalecimento da indústria nacional por meio da formação de conglomera-
dos para fazer face à concorrência internacional (COMPARATO; SALOMÃO
FILHO, 2005, p. 526). Além disso, políticas protecionistas baseadas em con-

61

78 Existe uma relação direta entre concentração do poder econômico e má distribuição de renda, como de-
monstrou estudo sobre o tema já na década de 1970. (COMANOR; SMILEY, 1975, p. 177-194)

79 Relativamente ao Brasil, o índice de Gini mais atual, de 2013, segundo dados do Banco Mundial,
é de 52,9. (BANCO MUNDIAL)
trole de preços, em reserva de mercado80 e em barreiras tributárias contri-
buíram para a manutenção de indústrias ineficientes81.
Assim, foi sobretudo a partir da década de 1990, marcada pelo fim da
fase de transição democrática e caracterizada pela influência do discurso
neoliberal, que se percebe ter havido uma (re)construção do Direito da
Concorrência em âmbito nacional, agora integrante de um sistema que
possui uma “Constituição cidadã”82. Diversas empresas estatais com atu-
ação nos setores siderúrgico, petroquímico, de telecomunicações e ele-
tricidade, por exemplo, foram privatizadas83, como previsto no Programa
Nacional de Desestatização (PND), que se seguiu à abertura comercial
introduzida no Governo Fernando Collor e ao início do período de con-
trole inflacionário trazido pelo Plano Real, nos Governos Itamar Franco e
Fernando Henrique Cardoso.
Foi nesse contexto que a norma concorrencial anterior, Lei n.
8.884/1994, vigente até maio de 2012, foi promulgada. Ela contribuiu de
forma vigorosa para o desenvolvimento da ideia de uma cultura da con-
corrência, então ainda incipiente no País, e, por isso, foi saudada como
porta-voz de um controle estatal sobre as condutas e as estruturas que
seria reconhecido, ao longo dos últimos anos, como fator importante para
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

80 Como ilustra a reserva de mercado para os produtores, de capital nacional, de produtos de in-
formática, na década de 1980, com base na Política Nacional de Informática, instituída pela Lei n.
7.232/1984. (BRASIL, 1984)

81 Um problema que ainda persiste, conforme aponta relatório da OCDE, para quem a falta de
concorrência nos mercados de muitos produtos, evidenciada pelos altos níveis de concentração
e estruturas de mercado rígidas, parece ser um dos principais motivos do baixo desempenho
da inovação das empresas industriais brasileiras, já que evidências empíricas revelam que as
empresas brasileiras que foram expostas à concorrência em mercados estrangeiros aplicaram
maiores esforços de inovação no contexto doméstico. (OECD, 2015a, p. 24)

82 Conforme a expressão, bela, de Ulysses Guimarães.

62 83 Calixto Salomão Filho, recordando o contexto de privatizações da década de 1990, destaca que
“as autoridades governamentais, em particular o BNDES, passam a perseguir com afinco a con-
centração dos mercados e das empresas nacionais. De um lado, nos setores regulamentados,
incentivam a concentração ou a cooperação entre empresas (é o que acontece, com particular
ênfase, em setores de infraestrutura sujeitos à influência do órgão em função da necessidade
de vultosos financiamentos). Nos setores não sujeitos a regulação seu papel de órgão executor
da política de investimento do Governo federal (artigo 23 da lei 4.594/64) passa a ser desempe-
nhado precipuamente através da vinculação da concessão de empréstimos a reestruturações
dos setores, que leva a um maior (e, via de regra, bastante acentuado) nível de concentração. Os
órgãos de defesa da concorrência, de outro lado, revelando sua fraqueza histórica, pouco ou nada
fazem ou conseguem fazer contra esse movimento”. (SALOMÃO FILHO, 2001, p. 130-131)
o crescimento econômico do País. Entretanto, refere-se que ela apresen-
tava um desenho institucional falho, com algumas sobreposições de fun-
ções entre a autarquia e os órgãos então integrantes do SBDC (MOTTA;
SALGADO, 2015, p. 17).
Mais recentemente, a Lei n. 12.529/2011 introduziu alterações signifi-
cativas no modelo concorrencial brasileiro, como demonstra a formaliza-
ção do SBDC, integrado pelo CADE e pela Secretaria de Acompanhamento
Econômico (SEAE), órgão ainda vinculado ao Ministério da Fazenda (MF).

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Destaque-se que, no âmbito do Mercosul, cuja estrutura concor-
rencial ainda não se consolidou como a da EU (JAEGER JUNIOR, 2008,
p. 360), houve um marco regulatório envolvendo o tema concorrencial, a
saber, o Protocolo de Defesa da Concorrência do Mercosul, o “Protocolo
de Fortaleza”, de 1996, que, apesar de ratificado por dois Estados-partes,
inclusive pelo Brasil, que o ratificou por meio do Decreto n. 3.602/2000,
foi revogado pelo Acordo de Defesa da Concorrência do Mercosul
(MERCOSUL), assinado em 2010, que ainda está pendente de interna-
lização nos Estados-partes84. No plano bilateral, o Brasil é signatário de

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


diversos acordos para possibilitar a cooperação técnica entre o CADE e
autoridades concorrenciais de países como França, Japão, Peru, Argentina,
EUA, Rússia etc. Nota-se, assim, um avanço tímido no que tange à imple-
mentação da defesa internacional da concorrência, que pode ser explica-
do, em parte, pela existência de um ambiente marcado por assimetrias e
divergências políticas.

1.4.1 As disposições constitucionais


A seguir, analisam-se e discutem-se as disposições constitucionais
pertinentes ao tema deste trabalho.
63

84 No que tange ao País, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Decreto Legislativo de
Acordos, Tratados ou Atos Internacionais (PDC) n. 07/2015 que aprova o texto do Acordo de
Defesa da Concorrência do Mercosul, assinado em 16 de dezembro de 2010. No momento, o
PDC, que já foi aprovado em todas as comissões internas da Câmara, aguarda ser pautado para
posterior votação pelo plenário. Informações disponíveis em: <http://www2.camara.leg.br/propo-
siçõesWeb/fichadetramitação?idProposição=947629>. Acesso em: 15 dez. 2015.
1.4.1.1 A (des)ordem econômica
O capitalismo caracteriza-se por crises cíclicas (MARX, 1982, p. 281 e
ss.) e, portanto, a desordem econômica lhe é ínsita. Mesmo que se discor-
de de que o capitalismo está fadado a se autodestruir85 e do determinis-
mo histórico, já que, até o momento, o que se destruiu mesmo foi o socia-
lismo, é inegável que o sistema econômico hegemônico carrega consigo
algo da Medeia euripidiana.
Se os tempos atuais são tempos de desordem (LORENZETTI, 2009, p.
39), dar-lhes alguma ordem86, por meio do Direito, da “ordem jurídica”87,
torna-se necessário. Nesse sentido, a expressão “ordem econômica”, in-
corporada à linguagem jurídica a partir da primeira metade do século XX
(GRAU, 2015, p. 64), demonstra essa disposição, como se sua positiva-
ção representasse a ordenação imediata do caos. Afinal, a necessidade
de utilização da expressão “ordem econômica” traz consigo a afirmação
subjacente de que a ordem econômica (mundo do ser) do capitalismo foi
rompida (IDEM). Trata-se, portanto, de confidência que tem repercussões
importantes, demandando um engajamento no sentido de restaurar a or-
dem perdida.
No Brasil, a ordem econômica, que é uma ordem econômica aberta
e que postula um modelo de bem-estar (IDEM, p. 307-308), fundada na
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

valorização do trabalho humano e na livre iniciativa88, “tem por fim assegu-


rar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”89, e se
pauta, entre outros, pelos princípios da livre concorrência e da defesa do
consumidor. Observa-se, assim, a consagração de um sistema econômico
capitalista (IDEM, p. 305), e nesse contexto, é importante referir o papel

85 Como profetizou Karl Marx e tem profetizado Nouriel Roubini, como demonstra a entrevista “Karl
Marx was right”, de 2011.
64
86 É interessante recordar que Digesto, do latim digerere, significa “pôr em ordem”. O Digesto, também
denominado Pandectas, como se sabe, é parte do Corpus Iuris Civilis. (ALVES, 2014, p. 49-51)

87 Segundo Konrad Hesse, ordem jurídica e unidade política são tarefas que definem a
“Constituição”. E, em sua visão, a ordem jurídica “deve, como ordem histórica, pela atividade
humana ser criada, posta em vigor, conservada e aperfeiçoada”. (HESSE, 1998, p. 29, 36)

88 A livre iniciativa é, também, um dos valores sociais que fundamentam a República (art. 1o, IV da
CRFB/88).

89 Art. 170, caput, da CRFB/88.


decisivo da livre concorrência, princípio da ordem econômica previsto no
art. 170, IV, da CRFB/88.
Grau observa que a Constituição de 1824 e a Constituição da República
de 1891 já continham, como as demais Constituições liberais, aspectos
concernentes à ordem econômica (direito de propriedade, liberdade de
comércio e indústria, liberdade de profissão, liberdade contratual etc.),
embora a sistematização desses temas em um capítulo do texto constitu-
cional tenha ocorrido apenas na Constituição de 1934, sob inspiração das

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Constituições mexicana, de 1917, e de Weimar, de 1919. Então, desde 1934
e até 1988, todas as Constituições brasileiras contiveram um capítulo ati-
nente à “ordem econômica e social”. A divisão em duas ordens, uma “eco-
nômica”, outra “social”, na Constituição de 1988, reflete de modo nítido a
afetação ideológica da expressão, indicando que o capitalismo se trans-
forma na medida em que assume novo caráter, social (GRAU, 2015, p. 64).
Ademais, a CRFB/88 é uma Constituição compromissória (SOUZA
NETO; SARMENTO, 2016, p. 171), além de dirigente ou programática. O
conjunto de diretrizes, programas e fins que enuncia, para realização pelo

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Estado e pela sociedade, conferem à Constituição vigente o caráter de
“plano global normativo” do Estado e da sociedade. Nesse sentido, o art.
170 implanta uma nova ordem econômica (GRAU, 2014, p. 1790), uma or-
dem em que importa harmonizar “os interesses dos participantes das re-
lações de consumo” e compatibilizar a “proteção do consumidor com a
necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a
viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica”, confor-
me dispõe o art. 4o, III do CDC ao estabelecer que a Política Nacional das
Relações de Consumo tem por objetivo “o atendimento das necessida-
des dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a
proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de
vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo”, 65

atendido, entre outros, o princípio da harmonização dos interesses dos


participantes das relações de consumo e a compatibilização da proteção
do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tec-
nológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem
econômica (art. 170 da CRFB/88), sempre com base na boa-fé e equilíbrio
nas relações entre consumidores e fornecedores.
Particularmente importante para a ordem econômica constitucional
brasileira é a Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados, apro-
vada pela Resolução n. 3281 da ONU, em 1974 (ONU, CARTA...). Destaca-
se, também, o tema da promoção da dignidade da pessoa humana por
meio do direito ao desenvolvimento, previsto na Declaração da ONU
(ONU, DECLARATION...) sobre o tema, de 1986, aspecto que interessa aos
países em desenvolvimento, que têm mais problemas concorrenciais do
que os países já desenvolvidos (devido a fatores como a existência de
economia informal, infraestrutura precária, falta de cultura concorrencial
etc.) e menos recursos (TOWNLEY; CARDINALI, 2012, p. 188), além de es-
truturas produtivas reconhecidamente concentradas90.
Ainda, ao falar da ordem econômica é impossível não mencionar a
disposição do art. 219 da CRFB/88, significativamente presente no capítu-
lo da ordem social (MARQUES; MIRAGEM; LIXINSKI, 2010, p. 207), em que
se verifica que o constituinte tornou o mercado interno parte do patrimô-
nio nacional ao explicitar que “o mercado interno integra o patrimônio na-
cional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural
e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica
do País, nos termos de lei federal».
Assim, o texto constitucional, além de declarar que o mercado interno
pertence a todos e internalizar a teoria do desenvolvimento91, pressupõe
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

que os mercados, pelo menos os desenvolvidos, não são um fenômeno


da natureza, mas são constituídos por regras jurídicas projetadas de modo
que, através da concorrência, o mercado possa satisfazer as necessidades
e os objetivos sociais (ULLRICH, 2008, p. 54).

66

90 Um estudo interessante demonstra que “em todas as análises realizadas foi comprovado que
a estrutura de propriedade influencia negativamente a eficiência, ou seja, estruturas mais
concentradas prejudicam a alocação eficiente de recursos das empresas no Brasil”. (SONZA;
KLOECKNER, 2014, p. 334)

91 Conforme palestra do Professor Doutor Gilberto Bercovici realizada no Salão nobre da Faculdade
de Direito, em 9/2/2015, por ocasião do curso de verão em Direito Econômico realizado pelo
Programa de Pós-Graduação em Direito da USP.
1.4.1.2 A livre iniciativa como fundamento da
República e valor da ordem econômica
A livre iniciativa é um dos valores sociais que fundamentam a
República (art. 1o, IV, da CRFB/88) e um dos valores em que se ancora
a ordem econômica (art. 170, caput, da CRFB/88). Esses dois dispositivos
constitucionais consubstanciam princípios conformadores, ao passo que o
princípio da livre concorrência (art. 170, IV, da CRFB/88) constitui princípio

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


impositivo (GRAU, 2015, p. 197). Assim, percebe-se que a livre concor-
rência é uma espécie de “guardiã” da livre iniciativa, que, por sua vez,
encontra limites naquela.
De acordo com Grau, ao dispôr, no art. 1o, IV, da CRFB/88, que a
República Federativa do Brasil tem como fundamento “os valores sociais
do trabalho e da livre iniciativa”, o constituinte pretendeu esclarecer que
o “valor social da livre iniciativa”92 não é tomado, enquanto fundamento
da República, como expressão individualista, mas, ao invés, “no quanto
expressa de socialmente valioso”, de forma que não se pode visualizar no

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


princípio da livre iniciativa “tão somente uma afirmação do capitalismo”
(IDEM, p. 198-200). Da mesma forma, Rizzato Nunes, para quem, “quando
se fala em regime capitalista brasileiro, a livre iniciativa sempre gera res-
ponsabilidade social”, de forma que ela não é ilimitada (NUNES, 2014a,
p. 1809). Assim, mesmo que já se tenha identificado a indissociabilidade
da liberdade individual e do livre exercício de atividades econômicas,
apontando-se que − e as considerações de Friedrich von Hayek (1977) são
expressivas − somente em uma sociedade cujo sistema econômico seja
o de mercado a liberdade do indivíduo pode realizar-se, é certo que a
livre iniciativa não significa, de modo algum, uma via livre para a atuação a
custo de outro(s) por parte do mais hábil, do mais forte ou do mais audaz.
Além disso, a coerência do sistema constitucional, que tem no Estado 67

social um de seus postulados, exige que o jurista pondere, sob os influxos


do caso concreto, os princípios constitucionais aparentemente contradi-

92 Assim, pode-se falar em uma “função social da livre iniciativa”, exercida em benefício da coletivi-
dade, e não em caráter individualista ou excludente, de onde nasce, a propósito, o fundamento
de validade do pagamento de tributos.
tórios, como o são a defesa do consumidor e a liberdade de iniciativa
(MARQUES, 2014, p. 663).
A seguir, colaciona-se a ementa do acórdão exarado nos autos do
Recurso Extraordinário (RE) n. 349.686, relatado pela Ministra Ellen Gracie,
em que se asseverou que “o princípio da livre iniciativa não pode ser in-
vocado para afastar regras de regulamentação do mercado e de defesa do
consumidor”, litteris:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS.


TRR. REGULAMENTAÇÃO DL 395/38. RECEPÇÃO. PORTARIA MINISTERIAL.
VALIDADE. 1. O exercício de qualquer atividade econômica pressu-
põe o atendimento aos requisitos legais e às limitações impostas pela
Administração no regular exercício de seu poder de polícia, principalmen-
te quando se trata de distribuição de combustíveis, setor essencial para
a economia moderna. 2. O princípio da livre iniciativa não pode ser invo-
cado para afastar regras de regulamentação do mercado e de defesa do
consumidor. 2. O DL 395/38 foi editado em conformidade com o art. 180 da
CF de 1937 e, na inexistência da lei prevista no art. 238 da Carta de 1988,
apresentava-se como diploma plenamente válido para regular o setor de
combustíveis. Precedentes: RE 252.913 e RE 229.440. 3. A Portaria 62/95 do
Ministério de Minas e Energia, que limitou a atividade do transportador-
-revendedor-retalhista, foi legitimamente editada no exercício de atribui-
ção conferida pelo DL 395/38 e não ofendeu o disposto no art. 170, parágra-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

fo único, da Constituição. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido.


(BRASIL, STF, RE 349.686/PE)

Dessa forma, observa-se que a liberdade de iniciativa não é um prin-


cípio absoluto e deve, portanto, ser sopesado em conjunto com o princí-
pio da livre concorrência, a partir das características do caso concreto93.

68

93 Conforme o voto do Conselheiro-Relator Carlos Ragazzo, que asseverou “[...] o exercício ilimitado
da liberdade de iniciativa por um agente pode comprometer seriamente o ambiente concorren-
cial, em prejuízo do bem-estar social”. (BRASIL, CADE, AP 08012.006899/2003-06, 2009).
1.4.1.3 A livre concorrência como princípio da
ordem econômica
A expressão “livre concorrência” não deixa de ser um truísmo, visto
que é da essência da concorrência ser livre de quaisquer entraves. Não
obstante isso, “livre concorrência” é expressão consagrada, presente, tam-
bém, no texto constitucional, que a elenca entre os princípios da ordem
econômica, previstos no art. 170 da CRFB/88, como se infere:

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus proces-
sos de elaboração e prestação;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituí-
das sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

O inc. IV do art. 170 da CRFB/88 representa uma inovação no constitu-


cionalismo brasileiro, pois, antes, não havia disposição similar. Refere-se
que é somente com a promulgação da CRFB/88 que a livre concorrência
torna-se um princípio estruturante da Constituição econômica brasileira
(SAAVEDRA, 2014, p. 1802).
Além disso, o princípio da livre concorrência não pode ser entendido 69

como um fim em si mesmo, pois é parte de uma ordem econômica que,


fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, objetiva
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Assim, a eficácia do princípio da livre concorrência depende desses limi-
tes e só se concretiza enquanto realizar o telos constitucional da assegura-
ção a todos de uma existência digna. Sendo assim, parece clara a relação
direta que se estabelece entre livre concorrência e dignidade da pessoa
humana: trata-se de relação teleológica, dado que o caput do art. 170 da
CRFB/88 cuida especificamente da “existência digna” como telos da ordem
econômica (SAAVEDRA, 2014, p. 1802, 1808).
A observação do superprincípio da dignidade da pessoa humana,
central no sistema jurídico brasileiro, é indiscutível. A juridicização do
valor humanista disciplinou a matéria ao longo do texto constitucional
por meio de um conjunto de outros princípios, subprincípios e regras
que procuram concretizá-lo e explicitar os efeitos que dele devem ser
extraídos (BARCELLOS, 2011, p. 34). Em decorrência, o constituinte as-
severou que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existên-
cia digna, o que permite afirmar que os princípios da ordem econômica
determinam que se forjem condições de existência compatíveis com
a dignidade intrínseca à pessoa humana, a fim de concretizá-la. Para
Giovani Saavedra (2014, p. 1808),

no fundo, sempre que se discute a aplicação do princípio da livre concorrên-


cia está-se discutindo em que medida o Estado pode intervir na economia,
pois parece claro que a CF/88 pretende apenas permitir a intervenção estatal
quando o telos da livre concorrência não estiver sendo cumprido [...] ou quan-
do outro princípio da ordem econômica estiver sendo lesado, como é o caso
do inciso V do art. 170 da CF/88 que trata da Defesa do Consumidor.
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

Mas, de que forma o princípio da livre concorrência pode colaborar


para a implementação do superprincípio da dignidade da pessoa huma-
na e da defesa do consumidor que, ao fim e ao cabo, significa proteger a
pessoa humana em estado vulnerável? Qual sua eficácia jurídica, o que
ele permite exigir judicialmente? Essas são algumas questões que este
trabalho pretende responder. Para tanto, passa-se à análise de alguns
70
conceitos econômico-jurídicos.

A concorrência
Não existe uma definição jurídica de concorrência (FERRAZ JUNIOR,
2009, p. 173). Por muito tempo, o conceito de concorrência deu-se por
oposição ao de monopólio (SOUZA, 2002, p. 29), encontrando-se já em
Aristóteles94, por exemplo, referência à questão concorrencial, sob o pris-
ma do monopólio.
Segundo a definição clássica de Friedrich von Hayek, como visto,
a concorrência é um processo de descoberta. A existência e a preserva-
ção desse processo, porém, dependem inexoravelmente do Direito95,
especialmente do Direito Concorrencial, que pretende, como visto, cor-
rigir a lex mercatoria e, assim, assegurar um “mínimo concorrencial” (das
Wettbewerbsminimum), que se considera ser imprescindível ao mercado in-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


terno, por exemplo, no âmbito da EU (MÜLLER, 2014, p. 157). Segundo
Calixto Salomão Filho (2002, p. 48-49),

a proteção da concorrência leva à descoberta da verdadeira utilidade dos


produtos e das melhores opções para o consumidor. O valor “concorrência”
influi, portanto, duplamente sobre a realidade − primeiro modelando-a e,
em seguida, permitindo o seu conhecimento.
Essa última frase cria uma aparente perplexidade. O normal parece ser
o processo inverso − primeiro conhecer e depois modelar. Não assim no

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Direito Concorrencial. A regra jurídica, aí, é eminentemente instrumental.
A afirmação da concorrência como valor fundamental (modelagem) garante
a liberdade de escolha e informação mais abundante possível para o con-
sumidor. Ele, então, sozinho, descobrirá a solução mais adequada para as
suas necessidades.

Apesar da dificuldade conceitual inerente à complexidade do tema,


o conceito de Jorge Mosset Iturraspe é dos mais claros encontrados na
literatura:

94 Aristóteles narra uma anedota envolvendo Tales de Mileto, que teria previsto, por seus conheci-
mentos astronômicos, que haveria uma grande colheita de azeitonas. Ainda era inverno e Tales
teria arrendado todas as prensas de óleo de Mileto e de Quios por um preço baixo, já que não 71
tinha concorrentes. Chegada a época da colheita, de repente, uma multidão teria procurado as
prensas, que ele teria alugado, então, pelo preço que quis, obtendo grandes lucros. Com isso,
Tales teria demonstrado a facilidade de os filósofos enriquecerem quando assim o desejassem.
Tales teria, então, demonstrado sua habilidade especulativa, que era, para Aristóteles, “acessível
a todos aqueles que podem criar um monopólio”. (ARISTÓTELES, 2007, p. 30-31)

95 As normas de defesa da concorrência possuem uma característica marcadamente intervencionis-


ta e sua existência pressupõe a incapacidade de os agentes econômicos regularem a si mesmos,
ainda que tenham de restringir a liberdade de atuação desses mesmos sujeitos. (MIRAGEM,
2005, p. 148)
la competencia es un quehacer o actividad que se cumple en el mercado por parte de
quienes concurren a él como proveedores de bienes o servicios. Viene de competir, que sig-
nifica “contener”, “rivalizar”, con el fin de lograr preferenciais o ventajas96. (ITURRASPE,
2003, p. 217)

Na Economia, diversos modelos se articulam para tentar explicar a con-


corrência, que é uma questão de grau (NUSDEO, 2010, p. 277), desde os mo-
delos da concorrência pura (pure competition) e perfeita (perfect competition) até
os da concorrência eficaz (effective competition) e praticável (workable competition).
No século XIV, quando o modelo da concorrência perfeita foi de-
senvolvido, os mercados eram locais ou, no máximo, de âmbito nacional,
exceto quando se tratava de mercadorias básicas comercializadas inter-
nacionalmente (como açúcar, especiarias) ou alguns poucos bens manu-
faturados (como seda, algodão). Esses mercados eram alimentados por
numerosas empresas de pequena escala, resultando em uma concorrên-
cia perfeita, em que nenhuma empresa (agente econômico) seria capaz
de influenciar o preço (CHANG, 2015, p. 46). Segundo o economista Léon
Walras, apontado como “pai” do modelo de concorrência pura e perfeita,
este modelo engloba cinco condições, sendo que as três primeiras defi-
nem a concorrência pura e a junção das cinco define a concorrência pura
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

e perfeita. Essas condições são as seguintes: (i) a atomicidade da oferta


e da procura, (ii) a homogeneidade dos produtos, (iii) a livre entrada na
indústria, (iv) a transparência do mercado e (v) a fluidez do mercado ou a
mobilidade dos fatores de produção (DROUIN, 2014, p. 84-86).
Há, porém, na literatura, variações sobre essas condições, apontan-
do-se que uma economia de mercado será perfeitamente competitiva se
as seguintes condições estiverem presentes:
72
(i) sellers and buyers are so numerous that no one´s actions can have a perceptible impact
on the market price, and there is no collusion among buyers or sellers, (ii) consumers
register their subjective preferences among various goods and services through market

96 Em tradução livre: a concorrência é uma tarefa ou atividade que ocorre no mercado por parte
daqueles que dele concorrem como fornecedores de bens ou serviços. Vem de competir, que
significa “disputar”, “rivalizar” com o objetivo de obter preferências ou vantagens.
transactions at fully known market prices, (iii) all relevant prices are known to each produ-
cer, who also knows of all input combinations technically capable of producing any specific
combination of outputs and who makes input-output decisions solely to maximize profits e
(iv) every producer has equal access to all input markets and there are no artificial barriers
to the production of any product97. (AREEDA; KAPLOW; EDLIN, 2013, p. 5)

Embora se reconheça que na realidade não existe concorrência pura


e perfeita, uma abstração, e que, segundo a Organização para Cooperação

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Econômica e Desenvolvimento (OCDE), as teorias baseadas no modelo da
concorrência perfeita não são confiáveis para a aplicação de políticas con-
correnciais (OECD, GLOSSARY), dado que, conforme os teóricos schumpe-
terianos e austríacos denunciam, o estado de concorrência perfeita é um
estado de estagnação econômica em que não há incentivos para a pesqui-
sa e a inovação (CHANG, 2015, p. 351), ainda se observa sua utilização para
fins de análise econômica (DROUIN, 2014, p. 84-86).
Com efeito, fala-se que o modelo da concorrência perfeita tem
sido utilizado para “perpetuate laissez-faire policies in the face of reform demands”

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


(AREEDA; KAPLOW; EDLIN, 2013, p. 9)98. Como todas as condições pre-
sentes no modelo aparentemente interagissem “for the best”, presumiu-se
inicialmente que a intervenção estatal, apesar de suas boas intenções,
prejudicaria a tendência autônoma do mercado em direção a um equilí-
brio benéfico.
Em sendo a concorrência um processo em que as pessoas adquirem e
transmitem “conhecimento”, tratá-la como se todo esse conhecimento es-
tivesse, desde o início, à disposição de qualquer pessoa, é transformá-la
em um contrassenso (HAYEK, 1985, p. 73). Desse modo, uma perspectiva
crítica não permite admitir a utilização irrestrita do modelo da concorrên-

97 Em tradução livre: (i) os vendedores e compradores são tão numerosos que as ações de nenhum 73
pode ter um impacto perceptível sobre o preço de mercado, e não há conluio entre comprado-
res ou vendedores, (ii) os consumidores registram suas preferências subjetivas entre os vários
produtos e serviços por meio de operações de mercado a preços de mercado totalmente conhe-
cidos, (iii) todos os preços relevantes são conhecidos por cada produtor, que também sabe de
todas as combinações de entrada tecnicamente capazes de produzir qualquer combinação espe-
cífica de saídas e quem toma as decisões de entrada e saída exclusiva para maximizar os lucros
e (iv) cada produtor tem igualdade de acesso a todos os mercados de insumos e não existem
barreiras artificiais para a produção de qualquer produto.

98 Em tradução livre: perpetuar políticas de laissez-faire em face de demandas de reforma.


cia perfeita, considerando o papel de destaque que a política concorren-
cial tem, principalmente se se considerar a defesa do consumidor, visto
que, na prática, o mercado fracassa em atender a um número razoável de
premissas do modelo da concorrência perfeita. Como resultado, os merca-
dos atuais nem sempre conseguem atender eficientemente aos interesses
do consumidor, pois, mesmo que o sistema de preços fosse eficiente, o
resultado não refletiria todos os valores sociais e econômicos importantes
(AREEDA; KAPLOW; EDLIN, 2013, p. 9).
Portanto, o modelo da concorrência perfeita pode ser visto como ob-
jetivo principal (central target), como o resultado do que o Antitruste busca
(“antitrust supplements or, perhaps, defines the rules of the game by which competition
takes place”99), mas não como condições pressupostas, que se tomem como
certas (take for granted). O Antitruste, assim, deve olhar para o modelo da
concorrência perfeita como um guia, e suas análises devem enfatizar a
miríade de imperfeições complexas que caracterizam os mercados atuais
(IDEM, p. 10).
Desse modo, dado o caráter inalcançável (CSERES, 2005, p. 88) do
modelo da concorrência perfeita (e eventualmente sua inutilidade), John
Maurice Clark pensou as imperfeições dos mercados em termos de he-
terogeneidade de produtos e serviços, falta de transparência, assimetria
de informação, defasagens etc. como indispensáveis ao progresso econô-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

mico, desenvolvendo o conceito de concorrência praticável (workable com-


petition) (CLARK, 1940, p. 241-256), que considera expressamente o poder
de mercado e constitui a base do que se denomina hoje de concorrên-
cia eficaz (effective competition), que exerce um papel proeminente (JAEGER
JUNIOR, 2006, p. 41) no Direito europeu.

A livre concorrência
74
A expressão “livre concorrência” denota uma preocupação com a
presença de condições mínimas de concorrência (igualdade), ou, mais
precisamente, com a liberdade de acesso e de permanência no merca-

99 Em tradução livre: o Antitruste complementa ou, talvez, define as regras do jogo em que a con-
corrência ocorre.
do (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 82). Ela se vincula à teoria ordoliberal e
apresenta-se contrária a estruturas ou práticas que possam limitar ou fal-
sear a (i) liberdade de acesso, salvaguardada, também, pela proteção da
liberdade de iniciativa, e a (ii) liberdade de permanência no mercado.
Limitadora da liberdade de acesso é a existência de barreiras à entrada
de concorrentes, enquanto que falseadora da liberdade de permanência
são as práticas predatórias, tendentes a excluir artificialmente os partici-
pantes do mercado (IDEM, p. 82-83).

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


A livre concorrência, que não se confunde com a “liberdade de con-
corrência”, somente poderia ter lugar em condições de mercado em que
não se manifestasse o fenômeno do poder econômico, o que é utópico
(GRAU, 2015, p. 206), como demonstra a disposição do art. 173, § 4o , da
CRFB/88, ao determinar que a “lei reprimirá o abuso do poder econômico
que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao
aumento arbitrário dos lucros”. Além disso, de acordo com Grau, a car-
ta constitucional fartamente confronta o princípio da livre concorrência.
Afinal, a livre concorrência, no sentido que lhe é atribuído – “livre jogo das

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


forças de mercado, na disputa de clientela” –, supõe desigualdade ao final
da competição, a partir, porém, de um quadro de igualdade jurídico-for-
mal. Essa igualdade formal, contudo, é reiteradamente recusada (IDEM),
bastando, para que se o confirme, considerar as disposições contidas no
art. 170, IX100, e no art. 179101 da CRFB/88.
Assim, há um princípio subjacente ao disposto no art. 173, § 4º, da
CRFB/88, qual seja, o princípio da repressão aos abusos do poder econô-
mico, que é parte do princípio da livre concorrência e uma necessidade
decorrente do fato de o poder econômico apresentar-se como a regra, e
não como a exceção (COMPARATO; SALOMÃO FILHO, 2005, p. 558). Desse
modo, a suposição de que o mercado organiza-se, espontaneamente, em
função do consumidor, não se sustenta (GRAU, 2015, p. 207). 75

100 Que dispõe: tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

101 Que dispõe: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempre-
sas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado,
visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previ-
denciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
Além disso, a livre concorrência é uma liberdade instrumental na me-
dida em que é condição necessária ao exercício da livre iniciativa. A livre
concorrência “é essencial para a legitimidade da liberdade de iniciativa”
(COSTA, 1998, p. 14-15). Entende-se, além disso, que a livre concorrência
é, também, instrumental na medida em que é necessária ao exercício da
liberdade de escolha do consumidor, sendo, portanto, precursora da de-
fesa do consumidor, perspectiva que se coaduna com a ideia de proteção
reflexiva do princípio da concorrência (das Wettbewerbsprinzip) identificada
no âmbito da EU (MÜLLER, 2014, p. 156).

A liberdade de concorrência
Mas, afinal, qual a diferença entre “livre concorrência” e “liberdade
de concorrência” – que tem a peculiaridade de constituir a quinta liberda-
de econômica fundamental102 de um processo de integração que preveja
a etapa de mercado comum? A livre iniciativa representa uma liberdade
econômica cujo titular é o empresário. Entre suas diversas manifestações
estão o sentido de “liberdade de comércio e indústria” e o sentido de “li-
berdade de concorrência”. Assim, a “liberdade de comércio e indústria”,
que significa a não ingerência do Estado no domínio econômico, envolve:
(i) a faculdade de criar e explorar uma atividade econômica a título priva-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

do e (ii) a não sujeição a qualquer restrição estatal senão em virtude de lei


(princípio da legalidade) (GRAU, 2015, p. 201-202).
A partir disso, a livre concorrência, no âmbito do que alguns referem
como “capitalismo selvagem”, assume novas características para tornar-se
algo mais complexo e amplo, a “liberdade de concorrência”, liberdade
que significa (i) faculdade de conquistar a clientela (consumidores), des-
de que não por meio de concorrência desleal, (ii) proibição de formas
76 de atuação que deteriam a concorrência e (iii) neutralidade103 do Estado

102 Trata-se de uma liberdade não escrita, mas identificada pela análise jurisprudencial e doutrinária
realizada pelo autor. As outras quatro liberdades econômicas fundamentais, clássicas, são: liber-
dade de circulação de bens, de pessoas, de serviços e de capitais. (JAEGER JUNIOR, 2006, p. 198,
731)

103 Como sintetiza Deborah Healey, “government has a substantial inpact on markets. Laws and regulations
designed to promote important public policy goals may, for example, distort markets and affect competition”. Em
diante do fenômeno concorrencial, em igualdade de condições dos con-
correntes (GRAU, 2015, p. 202, 207).

1.4.2 As disposições infraconstitucionais


A seguir, analisa-se a lei concorrencial brasileira e sua implementação
pelo SBDC.

1.4.2.1 A Lei n. 12.529/2011

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


A Lei n. 12.529/2011 é um microssistema que tem matriz constitucio-
nal evidente, vis-à-vis o disposto no art. 173, § 4o , da CRFB/88. Ela integra
um verdadeiro “bloco de constitucionalidade”104 da defesa da concor-
rência e da defesa do consumidor, bloco este que se caracteriza como o
conjunto de normas a que se reconhece hierarquia constitucional. Essas
normas, ainda que não figurem no documento constitucional, podem ser
tomadas como parâmetro para o exercício do controle de constitucionali-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


dade (SOUZA NETO; SARMENTO, 2016, p. 47). Ademais, ela se caracteriza

tradução livre: o governo tem um impacto substancial nos mercados. Leis e regulamentos desti-
nados a promover importantes objetivos de política pública podem, por exemplo, distorcer os
mercados e afetar a concorrência. (HEALEY, 2014, p. 12)

104 Sobre o tema, há precedente interessante da lavra do Supremo Tribunal Federal, que ao julgar a
ADI n. 595 assim dispôs: EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INSTRUMENTO
DE AFIRMAÇÃO DA SUPREMACIA DA ORDEM CONSTITUCIONAL. O PAPEL DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL COMO LEGISLADOR NEGATIVO. A NOÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE/
INCONSTITUCIONALIDAD E COMO CONCEITO DE RELAÇÃO. A QUESTÃO PERTINENTE AO
BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE. POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS DIVERGENTES EM TORNO
DO SEU CONTEÚDO. O SIGNIFICADO DO BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE COMO FATOR
DETERMINANTE DO CARÁTER CONSTITUCIONAL, OU NÃO, DOS ATOS ESTATAIS. NECESSIDADE
DA VIGÊNCIA ATUAL, EM SEDE DE CONTROLE ABSTRATO, DO PARADIGMA CONSTITUCIONAL
ALEGADAMENTE VIOLADO. SUPERVENIENTE MODIFICAÇÃO/SUPRESSÃO DO PARÂMETRO DE
CONFRONTO. PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO DIRETA. – A definição do significado de bloco de 77
constitucionalidade – independentemente da abrangência material que se lhe reconheça – re-
veste-se de fundamental importância no processo de fiscalização normativa abstrata, pois a exata
qualificação conceitual dessa categoria jurídica projeta-se como fator determinante do caráter
constitucional, ou não, dos atos estatais contestados em face da Carta Política. – A superveniente
alteração/supressão das normas, valores e princípios que se subsumem à noção conceitual de
bloco de constitucionalidade, por importar em descaracterização do parâmetro constitucional de
confronto, faz instaurar, em sede de controle abstrato, situação configuradora de prejudicialidade
da ação direta, legitimando, desse modo – ainda que mediante decisão monocrática do Relator
da causa (RTJ 139/67) – a extinção anômala do processo de fiscalização concentrada de constitu-
cionalidade. Doutrina. Precedentes. [...] (BRASIL, STF, ADI 595/ES)
por apresentar uma pluralidade de interesses subjetivos e objetivos que
visa proteger e pelo fato de ter, entre seus objetivos, a implementação
dos princípios constitucionais da livre concorrência e da defesa do consu-
midor (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 82).
O parágrafo único do art. 1o da Lei n. 12.529/2011 dispõe que “a cole-
tividade é a titular dos bens jurídicos protegidos” por ela. No entanto, a
lei não define quais os bens jurídicos protegidos e interesses preponde-
rantes, insuflando, assim, o debate doutrinário e a divergência jurispru-
dencial105.
Na Lei n. 12.529/2011, a expressão “defesa dos consumidores” consta,
expressamente, no caput do art. 1o − mantendo a tradição da lei concorren-
cial anterior, a Lei n. 8.884/1994, que já o fazia semelhantemente. A “de-
fesa dos consumidores” apresenta-se, aqui, como princípio que orienta a
aplicação da lei concorrencial em conjunto com os princípios da liberdade
de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade e repressão
ao abuso do poder econômico. Houve, assim, uma incorporação expressa
à lei concorrencial de parte dos princípios constitucionais que regem a
ordem econômica.
Para Grau, a referência expressa aos “ditames constitucionais de li-
berdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade,
defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico” e a
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

afirmação de que “a coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos


por esta lei” definem a amplitude do conteúdo da Lei n. 12.529/2011106.
Ainda segundo o autor, as regras da Lei n. 12.529/2011 conferem concreção
aos princípios da liberdade de iniciativa, da livre concorrência, da fun-
ção social da propriedade, da defesa dos consumidores e da repressão
ao abuso do poder econômico, tudo em coerência com a ideologia ado-
tada pela CRFB/88. Esses princípios coexistem harmonicamente entre si,
78 conformando-se, mutuamente, uns aos outros, de forma que o princípio
da liberdade de concorrência ou da livre concorrência assume, no qua-

105 A autora refere-se à Lei n. 8.884/1994, mas sua observação permanece atual e é aplicável à Lei n.
12.529/2011. (CARPENA, 2005, p. 252-253)

106 Embora sua obra tenha sido atualizada, chama a atenção que ela não se refere à Lei n. 12.529/2011,
mas à Lei n. 8.884/1994. Pensa-se, porém, que seu entendimento é aplicável à atual lei concorren-
cial. (GRAU, 2015, p. 208)
dro da CRFB/88, sentido conformado pelo conjunto dos demais princípios
por ela contemplados. Seu conteúdo é determinado pela sua inserção em
um contexto de princípios, no qual e com os quais subsiste em harmonia
(GRAU, 2015, p. 209).
Segundo Calixto Salomão Filho (2013, p. 83),

a defesa dos consumidores, incluída expressamente na lei como objeto de


proteção do sistema concorrencial (Lei 12.529/2011, art. 1°), leva à consi-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


deração dos consumidores como titulares imediatos das regras concorren-
ciais. Consequência dessa concepção é a preocupação necessária com a
eficiência econômica e com a correta distribuição de seus benefícios entre
produtores e consumidores.

Entre essa perspectiva e a defesa da livre concorrência não há


qualquer incompatibilidade, mas uma relação de instrumentalidade
(SALOMÃO FILHO, 2013, p. 83). Há, contudo, posições diversas.
De forma didática, Antonio Herman Benjamin argui que leis com im-
plicações no consumo sempre existiram no Brasil. Todavia, não se pode

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


confundir leis com implicações no consumo com leis de proteção do con-
sumidor. Enquanto aquelas atuam sobre a relação jurídica comercial ou
civil, estas, diferentemente, agem sobre a própria relação de consumo.
Aquelas amparam o consumidor pela via transversa, produzindo efei-
tos por ação reflexa e indireta, já que informadas pela “neutralidade” do
Direito tradicional. Estas, diferentemente, manifestam-se por atuação di-
recionada, direta e funcional: o legislador reconhece a identidade do con-
sumidor, caracteriza-o como parte fraca e o protege como tal (BENJAMIN,
1993, p. 274).
Considerando a análise realizada por Antonio Herman Benjamin,
Roberto Pfeiffer afirma que a lei concorrencial é uma espécie intermediá­
79
ria, já que não protege diretamente o consumidor. Assim, segundo o au-
tor, embora “as normas de defesa da concorrência” definitivamente “não
regulem a relação de consumo e não procedam a uma defesa direta do
consumidor, tutelam interesses essenciais dos consumidores” (PFEIFFER,
2015, p. 142-143).
Cabe referir que, apesar de, em diversas ocasiões, referir-se à palavra
“empresa”107 (que, como entidade jurídica, é uma abstração [REQUIÃO,
2015, p. 87]) como sujeito passível de sancionamento estatal, sem, contu-
do, defini-la, observa-se que o âmbito de aplicação da Lei n. 12.529/2011
é largo, pois, no que tange às infrações da ordem econômica, a teor do
art. 31, “empresa” é um conceito que se aplica às pessoas físicas ou jurídi-
cas de Direito Público ou Privado, bem como a quaisquer associações de
entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de Direito, ainda que tem-
porariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam
atividade sob regime de monopólio legal.
Essa técnica legislativa está em consonância com o que a literatura
aponta como o conceito lato ou o perfil “funcional” (COMPARATO; SALOMÃO
FILHO, 2005, p. 532) de empresa adotado pelo Direito da Concorrência.
Tal conceito de empresa108 – com diferenças consideráveis em relação ao
delineado em outros ramos jurídicos – compreende qualquer combinação
de recursos produtivos orientada para a prossecução de uma atividade
econômica (não necessariamente lucrativa) (MORAIS, 2009, p. 17-18).
Por fim, cabe referir que há situações em que a defesa da concorrên-
cia se mostra insuficiente como política pública, o que torna necessária
uma regulação estatal específica. Essas situações envolvem falhas que in-
viabilizam que o equilíbrio via mercado coincida com aquele que todos
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

gostariam que ocorresse (SCHMIDT, 2015).


Essas falhas não são quaisquer falhas, mas falhas de mercado consi-
deradas insuperáveis, o que demanda um modelo regulatório que atenda
as peculiaridades setoriais. Falhas de mercado são causadas, por exemplo,
por poder de mercado, informação assimétrica ou imperfeita, bens públi-
cos e externalidades (FARINA; AZEVEDO, 1997, p. 115). Externalidades,
por exemplo, ocorrem quando a ação de “a” gera consequências para “b”,
80

107 O Código Civil de 2002 foi influenciado pela teoria italiana da empresa, a teoria subjetiva, segun-
do a qual qualquer atividade pode ser considerada empresária, a depender da forma como ela é
exercida. Não há, assim, um rol de atividades consideradas empresárias, tanto que o código não
apresenta um conceito de “empresa”, mas unicamente de “empresário”, exposto em seu art. 966
e parágrafo único.

108 No âmbito da UE, o conceito de empresa vem sendo forjado pela doutrina e pela jurisprudência.
Ainda assim, ele é flexível a fim de preservar a eficácia das normas concorrenciais europeias.
(JAEGER JUNIOR; NORDMEIER, 2007, p. 13-14)
independentemente do desejo de “b”. A fumaça que um ônibus produz,
por exemplo, como aponta didaticamente Cristiane Schmidt, causa uma
externalidade negativa. Se medidas não forem tomadas, o ônibus, sob a
perspectiva de todos os fatores de poluição, poderá emitir, singularmen-
te, mais fumaça do que seja suportável pela saúde humana ou pelo meio
ambiente. Como solução, o Estado pode regular a quantidade de fumaça
emitida (SCHMIDT, 2015).
Com efeito, a literatura propõe uma classificação da atuação estatal

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


da seguinte forma: denomina-se de “regulamentação social” o controle
das situações em que estão presentes externalidades e informação im-
perfeita ou assimétrica. Denomina-se, ainda, de “regulamentação econô-
mica” a prescrição para as situações de monopólio natural da qual deriva
o exercício do poder de monopólio. E, enquanto a política antitruste tem a
função de controlar o poder de monopólio decorrente de estruturas oligo-
pólicas de mercado, a política industrial associa-se, por sua vez, às falhas
intertemporais de mercado (FARINA; AZEVEDO, 1997, p. 115).
Tecidas essas observações, que pretenderam apresentar um pot-pourri

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


de temas presentes na Lei n. 12.529/2011, passa-se à análise do sistema
responsável pela implementação da defesa administrativa da concorrên-
cia, o SBDC.

O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência


A Lei n. 12.529/2011 introduziu alterações significativas na disciplina
concorrencial brasileira, como demonstra a formalização do SBDC que, re-
estruturado, é formado pelo CADE e pela Secretaria de Acompanhamento
Econômico (SEAE), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda (MF). Assim,
apesar de a Lei n. 12.529/2011 mencionar apenas aquela autarquia e este
órgão, não é incorreto falar-se em um sistema de defesa da concorrência 81
lato sensu, integrado conjuntamente por todos os entes passíveis de im-
plementar as normas concorrenciais (NUSDEO, 2013, p. 1199-1200). Com
efeito, todas as agências reguladoras possuem previsão legal expressa
atribuindo-lhes competência e poderes para, dentro de suas áreas de atu-
ação respectivas, assegurar a livre concorrência. Além disso, o Ministério
Público Federal (MPF) e os Ministérios Públicos Estaduais (MPEs) apre-
sentam, igualmente, função importante na defesa da concorrência, além,
claro, da função que apresentam na defesa do consumidor (IDEM).
Em relação ao CADE, observa-se que ele possui uma função educa-
cional (advocacia da concorrência) que é desenvolvida em conjunto com
a SEAE. Além disso, ele é a autoridade responsável pela realização dos
controles preventivo e repressivo de infrações da ordem econômica.
Em sua nova estrutura, a autarquia concorrencial brasileira apresenta três
órgãos, quais sejam: (i) o Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, órgão
administrativo com poder de decisão final na seara da Administração Pública,
composto por um presidente e seis conselheiros, (ii) a Superintendência-
Geral (SG), que apresenta competências amplas arroladas no art. 13 da Lei n.
12.529/2011 e (iii) o Departamento de Estudos Econômicos (DEE), responsá-
vel por elaborar estudos e pareceres econômicos.
Entre as competências dos Conselheiros do Tribunal do CADE, des-
tacam-se: emitir voto nos processos e questões submetidas ao Tribunal,
proferir despachos e lavrar as decisões nos processos em que forem rela-
tores, requisitar informações e documentos de quaisquer pessoas, órgãos,
autoridades e entidades públicas ou privadas, adotar medidas preven-
tivas, fixando o valor da multa diária pelo seu descumprimento, solici-
tar, a seu critério, que a Superintendência-Geral realize as diligências e a
produção das provas que entenderem pertinentes nos autos do processo
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

administrativo, requerer à Procuradoria Federal junto ao CADE emissão


de parecer jurídico nos processos em que forem relatores, determinar
ao Economista-Chefe, quando necessário, a elaboração de pareceres nos
processos em que forem relatores e propor termo de compromisso de
cessação e acordos109 para aprovação do Tribunal.
A representação judicial e a consultoria jurídica são, ainda, incumbên-
cias da Procuradoria Federal Especializada junto ao CADE (PFE/CADE),
82 conforme dispõem os arts. 17 e 18 da Lei complementar n. 73/1993 e os

109 Não passou despercebido ao legislador que o princípio da indisponibilidade do interes-


se público autoriza a celebração de acordos processuais, uma vez constatado que de sua não
celebração pode resultar o risco de perecimento ou de pouca eficácia da tutela. Entretanto,
considerando o princípio da indisponibilidade do interesse público, quando envolve direitos e
interesses difusos e coletivos, o manejo dos instrumentos de solução negociada deve ser feito
com redobradas cautelas, a partir de uma política delineada claramente e efetivos mecanismos
de controle (check and balances). (BADIN, 2009, p. 196)
arts. 15 e 16 da Lei n. 12.529/2011. De destacar que, conforme dispõe o
art. 15, VI, da Lei n. 12.529/2011, compete à PFE/CADE “promover acordos
judiciais nos processos relativos a infrações contra a ordem econômica,
mediante autorização do Tribunal”.
Deve-se destacar também a previsão expressa da presença de
membro do MPF perante o CADE, conforme estabelece o art. 20 da Lei
n. 12.529/2011, que prevê competência para que o Parquet possa “emitir
parecer, nos processos administrativos para imposição de sanções admi-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


nistrativas por infrações à ordem econômica, de ofício ou a requerimento
do Conselheiro-Relator”. Na prática, porém, observa-se que o MPF tem
apresentado parecer sistematicamente também nos processos adminis-
trativos que envolvem concentração de empresas.
Já à SEAE compete promover a concorrência perante a Administração
e perante a sociedade, destacando-se, especialmente, as competências
dispostas no art. 19, I e IV, da Lei n. 12.529/2011.
No que tange à questão envolvendo a revisão judicial das decisões
administrativas, indiscutível se se estiver falando em Estado de Direito

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


(FORGIONI, 2012, p. 156), percebe-se que as decisões do Tribunal do CADE,
embora impassíveis de serem revistas no âmbito do Poder Executivo, são
passíveis de revisão pelo Poder Judiciário (NUSDEO, 2002, p. 229), confor-
me a regra básica que assegura a universalidade da tutela jurisdicional e a
inafastabilidade do controle judicial, prevista no art. 5o, XXXV, da CRFB/88.
Não se pode deixar de referir, contudo, que existem discussões recorren-
tes sobre a natureza das decisões110 daquela autarquia, se vinculadas111
ou discricionárias, fato que apresenta como especificidade a reconhecida
complexidade da matéria antitruste (FORGIONI, 2012, p. 157).
Por fim, refere-se que, ao contribuir para a aplicação da CRFB/88, es-
pecialmente da “constituição econômica”, e da Lei n. 12.529/2011, o CADE
evidentemente integra o processo de interpretação constitucional a que 83

110 Segundo Tercio Sampaio Ferraz Junior (1997, p. 88), no que tange à análise de atos de concentra-
ção de empresas, o CADE adota uma decisão cujo fundamento técnico não expressa um juízo de
conveniência e oportunidade – mas uma vinculação a ditames legais referentes à proteção da livre
iniciativa e da livre concorrência, o que reforça a ideia de que as decisões da autoridade de defesa
da concorrência são atos de Estado – e não atos de governo, cujas diretrizes são ocasionais.

111 Nesse sentido, Bruno Miragem (2005, p. 156) e Isabel Vaz (1993, p. 79).
estão potencialmente vinculados “todos os órgãos estatais, todas as po-
tências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabe-
lecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes
da Constituição” (HÄBERLE, 2002, p. 13), afinal, os participantes do pro-
cesso interpretativo formam uma “sociedade aberta dos intérpretes da
Constituição”, como propõe Peter Häberle (2002, p. 12)

1.5 Conclusão parcial


A aproximação entre Direito112 e Economia, evidente no Direito da
Concorrência, torna necessária a análise das escolas econômicas e da con-
juntura histórica que envolveu o desenvolvimento desta ciência, afinal,
dita “relación es cambiante con el paso de la historia” (ARIÑO ORTIZ, 1999, p. 1).
Este primeiro capítulo do trabalho pretendeu, portanto, apresentar
os principais aspectos históricos relacionados ao Direito da Concorrência,
o que incluiu o exame das principais teorias econômicas cujo pensamento
tem repercussões na análise concorrencial, a fim de que se pudesse re-
fletir sobre as implicações da influência de preceitos econômicos sobre
as disposições constitucionais e infraconstitucionais relacionadas à con-
corrência, no Brasil, especialmente sobre a Lei n. 12.529/2011, e sobre a
análise realizada pela autoridade antitruste.
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

A partir disso, neste capítulo, percebeu-se que:


a. até fins do século XVII havia uma ordenação moral da economia;
durante os séculos XVIII e XIX aparece a ideia de uma ordenação “natural”
da economia, que deu lugar a um sistema jurídico baseado na liberdade,
para não perturbar essa suposta ordem natural econômica,
b. a partir disso, inicia-se um modelo econômico orientado pela cria-
ção de riqueza e bem-estar e, com os fisiocratas franceses e sobretudo
84 com Adam Smith e a Escola escocesa de fins do século XVIII, assenta-se a
concepção de ordem econômica como uma ordem natural, com racionali-

112 Que, segundo Marx, é uma superestrutura, um subproduto da Economia, já que, como ensina
Washington Peluso Albino de Souza, a tese marxista “baseia-se na afirmativa de que o fato eco-
nômico constitui a infra-estrutura, da qual decorrem todas as demais. Esta ‘infra-estrutura’ é uma
técnica e representaria precisamente as condições materiais da produção, a realidade econô-
mica. Todo o aspecto a mais, de que se revista esta realidade, constitui superestrutura cultural,
exprimindo-se tanto no Direito, como na moral ou na própria religião”. (SOUZA, 1961, p. 36-37)
dade em si mesma, que não deveria sofrer influência de outros preceitos
(como a proteção dos mais fracos, por exemplo) (ARIÑO ORTIZ, 1999, p. 2),
c. a transição do Estado liberal para os Estados social e de bem-estar
social trouxe consigo avanços sociais significativos, que passam pelo reco-
nhecimento progressivo de direitos e pela realização de políticas públi-
cas, entre as quais está a política concorrencial,
d. o Direito Concorrencial é o resultado do desenvolvimento de nor-
mas que a priori visavam reprimir a concorrência desleal, sobretudo na

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Alemanha, e a formação de trusts, sobretudo nos EUA,
e. o Direito Concorrencial e sua política pública respectiva utilizam-
-se do arcabouço teórico de algumas escolas econômicas, entre as quais
se destacam a (i) Escola de Freiburg, que considera que a ordem econô-
mica é caracterizada por uma decisão fundamental (Grundentscheidung) a
favor de um ordenamento economicamente eficiente da sociedade, que
tem aspectos distributivos e preocupa-se com a liberdade de escolha, e a
(ii) Escola de Chicago, que considera a conquista de eficiência a principal
forma de beneficiar o consumidor, apesar de não apresentar preocupa-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


ções de cunho distributivo,
f. diversos segmentos da economia brasileira caracterizam-se ainda hoje
por uma concentração elevada, uma herança que remonta ao período colo-
nial, caracterizado pela presença de monopólios, e à utilização, já no século
XX, de políticas de fortalecimento da indústria nacional por meio da conces-
são de benefícios que apresentaram efeitos nocivos à livre concorrência,
g. o Direito da Concorrência consolida-se, no Brasil, a partir da dé-
cada de 1990, com a promulgação da Lei n. 8.884/1994, aperfeiçoada pela
Lei n. 12.529/2011, que se caracteriza por apresentar uma pluralidade de
interesses e pelo fato de ter, entre seus objetivos, a implementação da
livre concorrência e da defesa do consumidor e
h. o Direito, sistema integrado pelo Direito da Concorrência, pressu- 85

põe determinados parâmetros a partir de um quadro de valores, regras,


princípios e postulados, vinculados especialmente a ideais humanistas,
que a (des)ordem econômica não pode violar. O Direito, assim, deve in-
formar o sistema econômico, podendo a análise econômica do Direito ins-
pirar e fundamentar a interpretação jurídica (ARIÑO ORTIZ, 1999, p. 5),
desde que atenda a esses ideais.
CAPÍTULO 1

Direito à Informação e A
2 O CONSUMIDOR: Acesso
PESSOA
a Documentos Governamentais:
HUMANA EM ESTADO DE
breve estudo do Direito canadense
VULNERABILIDADE
Luiz Guilherme Loureiro

Neste capítulo, analisam-se a formação da sociedade


de consumo pós-moderna e alguns aspectos sociológicos
importantes para a compreensão do consumidor em sua
definição jurídica e econômica, que não é unívoca, mas
apresenta similitudes. Ainda, verifica-se a formação do
Direito do Consumidor, particularmente no Brasil, além
dos principais aspectos da defesa do consumidor, presen-
te no catálogo de direitos fundamentais da CRFB/88 e arro-
lada, igualmente, como princípio da ordem econômica. Por
fim, analisa-se a Lei n. 8.078/1990, que estabelece normas
de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e
interesse social, e sua implementação pelo SNDC.

2.1 A sociedade de consumo


A década de 1950 foi particularmente emblemática
para a formação da sociedade de consumo, já que em
diversos países houve um crescimento econômico sui
generis (desencadeado pela recuperação econômica do
Pós-guerra), além de uma revolução comportamental que
alterou padrões sociais113 (basta recordar a contracultura)
e fez nascer as sociedades de consumo pós-modernas.

113 Eric Hobsbawm traz uma análise interessante: “qualquer que fosse a es-
trutura de idade da administração da IBM ou da Hitachi, os novos com-
Sonhar possuir uma casa transbordante de quinquilharias eletrô-
nicas, por exemplo, deixa de ser algo utópico e passa a ser algo factí-
vel (ALBORNOZ, 1999, p. 22). Com efeito, como a sociedade afluente
(GALBRAITH, 1987) depende cada vez mais da ininterrupta produção e
consumo do supérfluo, dos novos inventos, do obsoletismo planejado e
dos meios de destruição, os indivíduos têm de adaptar-se a esses requi-
sitos de um modo que excede os caminhos tradicionais (MARCUSE, 1975,
p. 13). A toda hora substitui-se o “velho” pelo “novo”, afinal, a “destruição
criadora” é o “fato essencial do capitalismo”, conforme o insight de Joseph
Schumpeter (1971, p. 118-124).
Assim, a época que inicia no Pós-guerra assistiu ao surgimento das
sociedades de consumo, um consumo massificado realizado por massas,
por intermédio de negócios jurídicos de massa caracterizados pela indi-
ferenciação das pessoas contratantes, pelo emprego de fórmulas estereo-
tipadas, padronizadas, estandardizadas e pela utilização da comunicação
com o público como método de provocar a sua formação (ALMEIDA, 1992,
p. 598). Por meio desses contratos de massa, sintoma da despersonaliza-
ção e da desmaterialização das relações jurídicas, entre os quais se des-
tacam, conforme Claudia Lima Marques (2014, p. 72-73), os contratos de
adesão, as condições gerais dos contratos ou cláusulas gerais contratu-
ais (e, desde a década de 1990, os contratos do comércio eletrônico com
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

consumidores), o acesso a bens e serviços se populariza; deixa de ser


algo restrito a poucos, característica do luxo, tornando-se algo disponível
a muitos. Esse fenômeno, contudo, é anterior ao Pós-guerra e se vincula
ao desenvolvimento da sociedade industrial e das grandes metrópoles.

88

putadores eram projetados e os novos programas criados por pessoas na casa dos vinte anos.
Mesmo quando essas máquinas e programas eram, esperava-se, à prova de erro, a geração que
não crescera com eles tinha uma aguda consciência de sua inferioridade em relação às gerações
que os haviam feito. O que os filhos podiam aprender com os pais tornou-se menos óbvio do que
o que os pais não sabiam e os filhos sim. Inverteram-se os papéis das gerações”. (HOBSBAWM,
1995, p. 320)
Nas cidades114, dois fenômenos importantes aconteceram: por um
lado, em seus bairros115 e locais de trabalho, os operários e suas famílias116
(que deixaram em caráter definitivo a vida no campo) criaram uma cultura
e uma arte próprias, chamadas de “populares”; por outro lado, passaram
a fazer parte da grande massa de consumidores dos produtos industriais
para os quais começaram a ser reproduzidas, em larga escala, versões sim-
plificadas e inferiores dos produtos e das criações da cultura e da arte de
elite117. A partir daí, perde-se gradualmente a noção de identidade, seja

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


do consumidor, que se torna um sujeito sobretudo anônimo, mas com o
sentimento de “inclusão”, seja do fornecedor, cujo produto ou serviço é,
muitas vezes, “apócrifo” no sentido de que sua produção ou execução é
delegada a outrem (a um empregado direto, ou mesmo indireto, no con-
texto da terceirização presente nas relações de trabalho).
Já em 1949 assistiu-se, por exemplo, à criação do prêt-à-porter, que
substituiu, consideravelmente, o modelo de costureiras, alfaiates e sapa-

114 Pierre Rosanvallon observa que “a passagem da Gemeinschaft (comunidade) para a Gesellschaft (so-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


ciedade) não foi a transformação de solidariedades generosas em um egoísmo generalizado. A
Gesellschaft, pelo contrário, só se desenvolveu porque surgiu como um formidável instrumento
de emancipação. A cidade se impôs indissociavelmente como espaço de mercado e espaço de
liberdade; tornava mais livre porque multiplicava as possibilidades, desterritorializava o indi-
víduo tornando-o independente do solo a que estava preso, subtraía-o ao círculo repetititvo e
sufocante de um universo fechado. A cidade torna livre, dir-se-á, com freqüência, no século XIX”.
(ROSANVALLON, 1997, p. 91)

115 A reflexão de Paulo Mendes da Rocha sobre as cidades brasileiras contemporâneas, especifica-
mente sobre a cidade de São Paulo, é contundente: “houve um abandono das zonas centrais. É
uma política de rejeição à dimensão democrática da cidade − a classe dominante indigna abando-
na a cidade e foge para algum lugar onde não haja esse plano democrático. Se um cidadão se põe
na esquina da Ipiranga com a São Luís o dia inteiro parado, não acontece nada. Se você fizer isso
em bairros privados, aparecem quatro jagunços armados. Essa síndrome do medo faz parte de uma
visão maligna, fascista. Há uma exacerbação da propaganda que diz: vá morar num lugar paradisía-
co e isolado. Por que a praia é tão encantadora? Porque está todo mundo lá.” (WISNIK, 2012, p. 163)

116 É interessante a reflexão de John Kenneth Galbraith (1988, p. 236-237): “com a industrialização e a
urbanização, os homens e as mulheres não dividem mais as tarefas de produção segundo critérios
de força e capacidade de adaptação. O homem desaparece na fábrica ou no escritório, a mulher 89
concentra-se exclusivamente na administração do consumo. Este é um arranjo convencional, não
uma divisão de trabalho necessariamente eficiente; a um nível simples de consumo, é perfeita-
mente possível que uma pessoa faça ambas as coisas. Sem negar que a família tem outras finali-
dades, incluindo as de amor, sexo e criação de filhos, ela não é mais uma necessidade econômica.
Com padrões de vida mais elevados ela se torna, cada vez mais, um instrumento facilitador de um
consumo crescente. O fato de que os laços familiares se enfraquecem cada vez mais com a indus-
trialização e com a elevação dos padrões de vida comprova muito bem esse argumento”.

117 “Essa reprodução simplificada das obras eruditas deu origem ao que viria a ser conhecido com o
nome de cultura e arte de massa”. (CHAUI, 2012, p. 360)
teiros que faziam pessoalmente e sob medida as roupas e os sapatos de
seus clientes. O prêt-à-porter transformou a produção e o consumo de moda,
que se relaciona à “esfera do ser-para-outrem”, segundo Gilles Lipovetsky
(2009, p. 334). A criação de vestuário em escala industrial significou uma
economia de custos para o produtor/fornecedor e, consequentemente,
uma redução de preços para o consumidor. Representou, ainda, uma ma-
neira prática de escolha do produto, que já está pronto e imediatamente
disponível para o consumo118.
Da moda, aliás, diz Georg Simmel que ela satisfaz a necessidade
de apoio social − e “consumir” significa investir na afiliação social de si
próprio (BAUMAN, 2008, p. 75) −, conduz o indivíduo ao trilho que to-
dos percorrem, fornece um universal que faz do comportamento de cada
indivíduo um simples exemplo. E satisfaz igualmente a necessidade de
distinção, a tendência para a diferenciação. Na moda, a tendência para
a igualização social se une à tendência para a diferença e a diversidade
individuais em um agir unitário (SIMMEL, 2014, p. 25).
Logo depois assistiu-se ao crescimento dos grands magasins, lojas de
departamentos de grande porte, com nichos específicos, cujos primeiros
exemplares remontam ao século XIX. São dessa época também as primei-
ras galerias (como a parisiense Galerie Vivienne, inaugurada em 1826), uma
espécie de embrião dos shopping centers, modelos arquitetônicos típicos do
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

american way of life, tão exaltado119 durante a Guerra Fria, que concentram
uma série de produtos e serviços em que o consumidor pode se servir
sozinho, sem sequer se comunicar com um vendedor. Nesse modelo, seu

118 Para Gilles Lipovetsky, “a era da moda consumada significa tudo menos uniformização das con-
vicções e dos comportamentos. Por um lado, ela certamente homogeneizou os gostos e os modos
de vida pulverizando os últimos resíduos dos costumes locais, difundiu os padrões universais do
bem-estar, do lazer, do sexo, do relacional, mas, por um outro lado, desencadeou um processo
90 sem igual de fragmentação dos estilos de vida. Ainda que o hedonismo e o psicologismo sejam
valores dominantes, os modos de vida não cessam de romper e de se diferenciar em numero-
sas famílias que os sociólogos do cotidiano tentam inventariar. Há cada vez menos unidade nas
atitudes diante do consumo, da família, das férias, da mídia, do trabalho, do lazer, a disparidade
ganhou o universo dos estilos de vida. Se nossas sociedades aprofundam o círculo das diferenças
nas crenças e nos gêneros de vida, o que permite assegurar a estabilidade do corpo coletivo?”.
(LIPOVETSKY, 2009, p. 322-323)

119 Como lembra Alain de Botton (2005, p. 42), “quando Franklin D. Roosevelt foi indagado sobre
que livro poderia dar aos soviéticos para ensinar-lhes as vantagens da sociedade americana, ele
citou o catálogo da Sears”.
anonimato é exaltado. Ele flana pelos corredores de lojas e de shopping
centers sem ser reconhecido.
Nesse contexto surge uma variante que é um dos símbolos da so-
ciedade pós-moderna, o fenômeno do prêt-à-manger, depois aperfeiçoado
pelo fenômeno do fast food (que tem seu correspondente na indústria da
moda, o fast fashion). Nele, substituiu-se o modelo de restaurantes como
conhecido, em que o cliente cumprimenta o garçom, senta-se à mesa, em
geral acompanhado, e pede seu prato, que ainda será preparado, para

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


compartilhar uma refeição, momento de deleite em que o sujeito se per-
mite “restaurar-se”.
Esse modelo, que é semelhante à forma como as pessoas habitu-
almente se alimentam em suas casas, ainda se mantém, é claro. Mas se
acrescentou a ele um modelo de refeições prontas ou rápidas, impessoais
(PETTER, 2007, p. 71), em que a comida pode inclusive ser pedida por
números120, e não por nomes, e ser consumida fora do estabelecimento, to
take away, zum Mitnehmen, enquanto se caminha.

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


2.1.1 A pessoa humana diante da sociedade
de consumo
Não parece exagero afirmar que toda pessoa é, em algum momento,
consumidora, já que o consumo, a quinta-essência do Pós-Modernismo,
passou a desempenhar uma importância extraordinária na sociedade con-
temporânea, uma sociedade de consumo que resulta do compromisso en-
tre princípios democráticos igualitários, que convivem com o mito da abun-
dância e do bem-estar, e o imperativo fundamental de manutenção de uma
ordem de privilégio e de domínio (BAUDRILLARD, 2003, p. 52), em que a
ideia-clichê do “consumidor-rei” sintetiza a suposta soberania conferida ao
sujeito pelo consumo, um ato que lhe permite, nem que por um instante 91
fugaz, escolher, decidir, enfim, realizar suas necessidades e desejos121.

120 E, eventualmente, até mesmo de forma ainda mais “eficiente”, por um conjunto, em geral mais
barato, que une prato principal, sobremesa e algo para beber, os conhecidos “combos”, palavra
de origem inglesa que é uma corruptela da palavra “combination”.

121 Contardo Calligaris (2015) sintetiza a diferença entre desejo e necessidade. O desejo com fre-
quência parece fútil: ele corre atrás de reconhecimento e de objetos que não são propriamente
Talvez nenhuma outra ideia revele com tamanha precisão os con-
tornos da realidade122 contemporânea, em que o ato de consumir toma
significado cada vez maior no cotidiano da pessoa: para afirmar-se como
pessoa, o sujeito, que é falta (MENDONÇA, 1993, p. 137-151) (afinal, o estí-
mulo de base dos homens é a fome, e em primeiro lugar a fome material, a
fome123 de alimento, que leva a outras, numerosas e variadas [ALBORNOZ,
1999, p. 21]), da qual decorre o desejo, consome, preenche alguma espé-
cie de ausência, de forma material ou imaterial. A condição de consumidor
torna-se elemento constitutivo do sujeito, razão de sua afirmação como
pessoa nos tempos pós-modernos.
Portanto, não se poderia imaginar que o Direito se mantivesse alheio
à sociedade de consumo ou à própria “vida para o consumo” (BAUMAN,
2008) que se formou principalmente a partir de meados do século XX.
Afinal, o consumo é um direito econômico essencial para o acesso à cidada-
nia (CARVALHO, 2012). Conforme Erik Jayme (1995, p. 147), «le droit à la pleine
expression de la personnalité comprend également la sphère économique; ainsi chaque per-
sonne doit elle avoir le droit d’utiliser ses capacités pour atteindre le bien-être matériel»124.
O ato de consumir, que invariavelmente tem contornos de método
de integração social, representou, nesse contexto, também, a ascensão de
uma indústria publicitária que se expandiu rapidamente e utilizou estra-
tégias agressivas de marketing, a fim de convencer o consumidor (inclusive
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

consumidores hipervulneráveis, como as crianças, os idosos [SCHMITT,


2009], os portadores de necessidades especiais etc.) a adquirir produtos
e contratar serviços continuamente. Esse fato foi acompanhado pela facili-
tação do acesso ao crédito, inclusive pela concessão direta de crédito do
fornecedor ao consumidor − o fenômeno do financiamento do consumo
pelo fornecedor é, aliás, tipicamente brasileiro e, não por acaso, há um
número expressivo, na atualidade, de consumidores em situação de su-
92

necessários para a sobrevivência.

122 E, como se sabe, “la realtà non esiste se non in quanto interpretata”. (MATTEI, 1998, p. 166)

123 A propósito, veja-se a bela “A última crônica”, de Fernando Sabino, sobre os integrantes de uma
família “que se preparam para algo mais que matar a fome”. (SABINO, 2000, p. 214)

124 Em tradução livre: o direito à plena expressão da personalidade também inclui a esfera econô-
mica; assim, cada pessoa deve ter o direito de utilizar as suas capacidades para alcançar o bem-
-estar material.
perendividamento, na trilha da música profética de Cazuza, que, ao cantar
que “meu cartão de crédito é uma navalha” (CAZUZA; ISRAEL; ROMERO,
1988), já falava do cortar-se a si mesmo pelo consumo desenfreado −, em
um ambiente em que ainda não havia normas específicas para atender às
peculiaridades das relações de consumo que pela primeira vez ocorriam
e que ganhavam um status absolutamente novo (visto que, na relação que
envolve uma costureira que trabalhe em seu pequeno atelier e um cliente
interessado em encomendar uma roupa, por exemplo, não há falar em

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


relação de consumo, mas tão somente em uma prestação de serviço de
caráter não consumerista125).

2.1.2 A (im)pessoalização pelo consumo


Essas considerações sobre a dinâmica do consumo pretenderam con-
textualizar a trajetória histórica que provocou as mudanças comportamen-
tais que levaram à substituição de uma prestação de serviços de caráter
pessoal por um ato de consumo quase sempre impessoal126. Basta pensar,

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


por exemplo, na expansão do consumo eletrônico, que é absolutamente
solitário, ou nos caixas de supermercado, em que se pagam os alimentos
sem se falar nada além de “bom dia”, “obrigado”, “tchau”. Há, pois, uma
impessoalização do sujeito como consumidor que vem retirando a intimi-
dade, a afetividade das relações humanas. Não por acaso, em reação, a in-
dústria publicitária, que já identificou esse processo, vem oferecendo ao

125 Claudia Lima Marques e Bruno Miragem ensinam que “a relação entre dois ‘civis’, sem habituali-
dade, continuidade ou fim econômico ou de lucro é uma relação civil stricto sensu e será regulada
pelo Código Civil de 2002, relação entre iguais que é”. Já a relação entre um “civil”, destinatário 93
final do serviço, e um empresário, fornecedor de um produto ou serviço no mercado, “é uma rela-
ção de consumo ex vi arts. 2.° e 3.° do CDC, uma relação entre ‘diferentes’, tutelando a lei um deles, o vul-
nerável (art. 4.°, III do CDC), o consumidor, e será por isso, em face do mandamento constitucional
do art. 5.°, XXXII, de proteção apenas deste agente econômico, regulada prioritariamente pelo
Código de Defesa do Consumidor. Assim, se a relação é de consumo aplica-se prioritariamente o
Código de Defesa do Consumidor e só, subsidiariamente, no que couber e for complementar, o
Código civil de 2002”. (Grifos do original). (MARQUES; MIRAGEM, 2014, p. 95-96)

126 Segundo Adalberto Pasqualotto (2009, p. 79), “o ato de consumo é impessoal e sugere uma
relação jurídica despersonalizada».
consumidor tratamentos “vip”127 (very important person128), entre os quais se
destacam agências bancárias diferenciadas, como exemplificam as assim
chamadas agências “personalitté”129, a fim de resgatar o caráter pessoal e en-
fatizar a valorização da individualidade do consumidor. Assim, o dualismo
apresenta-se como marca do mercado, que admite a coexistência de pro-
dutos e serviços de massa e outros, personalizados, dirigidos a nichos de
consumo sofisticados. Opõem-se clientes “especiais” e consumidores de
massa, mais desprotegidos e vulneráveis do que seus “colegas do merca-
do global”, o que tem gerado diferenciações discriminatórias nos merca-
dos de consumo em favor de consumidores mais “poderosos” econômica,
social ou politicamente (MACEDO JÚNIOR, 1999, p. 232, 237).
O consumidor não é rei130, como a indústria cultural gostaria de fazer
crer. Ele não é sequer sujeito dessa indústria, mas seu objeto, segundo
a crítica de Theodor Adorno e Max Horkheimer (1985, p. 133). Ao Direito
resta, portanto, a tarefa de restabelecer o caráter pessoal que o consumo
exacerbado dos tempos pós-modernos fez e faz o indivíduo perder, o que
passa pelo reconhecimento da sua vulnerabilidade e pelo exercício do
direito à escolha131, dada a ideia de preservação da soberania do consu-
midor132 aí subjacente. É por meio do direito à escolha que o consumidor

127 Michael Sandel comenta que “os estádios esportivos são essencialmente lugares onde as pessoas
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

se reúnem para assistir a eventos atléticos”, mas “o ensinamento cívico dos esportes é corroído
de maneira ainda mais acentuada por uma outra tendência que vem acompanhando a ascenção
dos direitos de nome corporativos: a proliferação dos camarotes de luxo”. O autor observa que “o
advento de camarotes especiais muito acima do campo separou os abastados e privilegiados das
pessoas comuns nas tribunas e arquibancadas mais embaixo”. (SANDEL, 2014b, p. 172-173)

128 Em tradução livre: pessoa muito importante.

129 Vinculadas ao banco brasileiro Itaú, por exemplo, como informa seu site. Disponível em: <https://
www.itau.com.br/personnalite/>. Acesso em: 10 fev. 2016.

130 Uma outra leitura permite perguntar: o consumidor é, de fato, um rei? Ele se veste com o manto
da cultura que a indústria cultural insiste em transmitir e chamar assim. No entanto, é um rei
94
destronado porque é o ser do conformismo, da subordinação, mas que goza do status que lhe é
conferido. Torna-se, então, mesmo sem o saber, cúmplice do processo psicossocial que o violen-
ta. (RODRIGUES; CANIATO, 2012, p. 235)

131 O “direito à escolha” não se confunde com o “direito de escolha”, presente nas obrigações alter-
nativas. (PONTES DE MIRANDA, 2013, p. 298)

132 John Kenneth Galbraith apresentou a ideia de “soberania do consumidor” em descompasso com
a realidade da grande empresa, com seu poder de mercado e de controle sobre o consumidor,
por meio da propaganda e do marketing. Galbraith, em entrevista, respondeu assim a pergunta
que segue: o que há de errado com o conceito de soberania do consumidor – a ideia de que,
pode satisfazer seus desejos e suas necessidades e influenciar os proces-
sos mercadológicos, ainda que suas escolhas, isoladas, atomizadas, es-
tejam distantes de poder influir de forma soberana sobre quaisquer das
variáveis do mercado (REICH, 1985, p. 162, 178).

2.2 A formação do Direito do Consumidor


Aponta-se que a origem da proteção do consumidor confunde-se

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


(BENJAMIN, 1994, p. 22) com a luta contra os efeitos deletérios de condu-
tas anticoncorrenciais, ligadas, sobretudo, ao fenômeno da concentração
empresarial que marcou o século XIX (FOX, 2013, p. 2157), tema sobre o
qual se falou no primeiro capítulo deste trabalho, como destaca Antonio
Herman Benjamin (1994, p. 22):

é equivocado imaginar-se que a proteção do consumidor nasceu do


«nada». Em realidade, o movimento consumerista encontra parte de sua
origem na luta mais antiga contra os monopólios, os oligopólios e as prá-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


ticas de dominação de mercado. É aí, na fase que precede o consumo (o
plano concorrencial), que vamos localizar uma primeira preocupação com a
posição de vulnerabilidade do consumidor. É ele então protegido, não de
modo direto, mas pela via transversa da garantia de um modelo concorren-
cial genuíno. É tutela indireta, na esteira do adágio de «a concorrência é o
melhor amigo do consumidor”.

Assim, em uma perspectiva histórica, percebe-se que o Direito do


Consumidor nasceu como resposta às alterações sociais tipicamente re-
sultantes da Revolução Industrial133. Ele envolve o reconhecimento jurídi-
co da existência de condições singulares, em que há um desequilíbrio de

no capitalismo, o indivíduo escolhe com independência os bens que vai adquirir? “Essa é uma 95
fraude muito propagada, inclusive no ambiente universitário. Ela nasce da tendência a silenciar
sobre o poder de controle do marketing. O ‘consumidor soberano’ na verdade é tutelado sem
cessar pelos altamente qualificados mandarins da propaganda. Que ninguém se engane: não
importa o número de gráficos sobre o poder de escolha do público que os economistas produ-
zam, o fato é que atribuimos ao consumidor uma autoridade maior do que a que ele realmente
possui”. (GALBRAITH, 1994)

133 Roberto Pfeiffer lembra que “um evento é fundamental para marcar as modificações na forma
de consumo: a produção em série, marcada, simbolicamente, pelo taylorismo e fordismo. [...]
O complemento à produção em série é o consumo em massa. Com efeito, as grandes escalas
diversas ordens entre as partes da relação de consumo, o que demanda
um tratamento diferenciado a fim de se recuperar o equilíbrio desconhe-
cido. Em resumo: o Direito do Consumidor invoca uma ordem protetiva
que derroga o princípio geral da igualdade dos cidadãos perante a lei
(igualdade formal134) em prol de uma igualdade material (LORENZETTI,
1998, p. 47), em conformidade com o preceito aristotélico segundo o qual
a igualdade não admite nenhuma diferença entre aqueles que são iguais
(ARISTÓTELES, 2007, p. 95), sendo o contrário válido: “a igualdade é jus-
ta, e o é na verdade, mas não para todos, e sim somente entre iguais. A
desigualdade também parece ser, e o é na verdade, mas não para todos,
somente entre aqueles que não são iguais” (IDEM, p. 88).
Portanto, se há um momento histórico que se pode identificar como
marco inicial do desenvolvimento da proteção jurídica do consumidor, ele
é, definitivamente, o início da década de 1960 (COMPARATO, 1990, p. 67),
nos EUA, que coincide com a recuperação e o crescimento econômico ple-
no que caracterizaram o Pós-guerra. Esse momento histórico ímpar defi-
ne-se pela formação de uma sociedade nova, em que o ato de consumir e
os produtos e os serviços que se adquire ou contrata perdem, em grande
parte, como visto, os principais aspectos que os caracterizavam até então:
a exclusividade e a individualidade.
Assim, foi em 1962 (IDEM), que o então presidente dos EUA, John
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

Kennedy, enviou uma mensagem especial ao Congresso daquele país


cunhando quatro direitos135 primários dos consumidores: (i) direito à
segurança, (ii) direito à informação, (iii) direito à opção e (iv) direito a

de produção geraram a necessidade de intenso escoamento dos bens, o que redundou em di-
versas pessoas consumindo o mesmo tipo de produto. Surge, então, a figura do consumidor”.
(PFEIFFER, 2015, p. 75)

134 Segundo Fábio Konder Comparato (2010, p. 65-66), “em contrapartida a essa ascenção do indiví-
96 duo na História, a perda da proteção familiar, estamental ou religiosa, tornou-o muito mais vulne-
rável às vicissitudes da vida. A sociedade liberal ofereceu-lhe, em troca, a segurança da legalida-
de, com a garantia da igualdade de todos perante a lei. Mas essa isonomia cedo revelou-se uma
pomposa inutilidade para a legião crescente de trabalhadores, compelidos a se empregarem nas
empresas capitalistas. Patrões e empregados eram considerados, pela majestade da lei, como
contratantes perfeitamente iguais em direitos, com inteira liberdade para estipular o salário e as
demais condições de trabalho”.

135 Houve, porém, antes disso, normas incipientes de proteção do consumidor nos EUA, como de-
monstra o Meat Inspection Act, de 1906, o Pure Food and Drug Act, de 1914, e o Federal Trade Commission
Act, de 1914.
ser ouvido (REICH, 1985, p. 164). É interessante notar que, na mensa-
gem do presidente Kennedy, ele afirmava que “consumidores, por de-
finição, somos todos nós”136, sentença que expressa apropriadamente o
Zeitgeist do Pós-guerra no mundo capitalista ocidental e que, aprofundado,
tornar-se-ia o que hoje Zygmunt Bauman define como a “vida para o con-
sumo” (BAUMAN, 2008).
Mais tarde, em 1973137, a Comissão de Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu alguns direitos aos

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


consumidores, a saber, o direito à segurança, o direito à escolha, o direi-
to à informação, o direito a ser ouvido, o direito à indenização, o direito
à educação para o consumo, o direito a um meio ambiente saudável, o
direito à proteção de publicidade e o direito a contratos. Mais tarde, em
1980, a ONU, por meio da United Nations Conference on Trade and Development138
(UNCTAD), adotou um conjunto multilateralmente acordado de princípios
e regras equitativos para o controle de práticas comerciais restritivas, cha-
madas de The United Nations set of principles and rules on competition (UNCTAD,
2000), o “UN SET”. Esse conjunto de regras e princípios, o “UN SET”, é o

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


único acordo multilateral a cuidar da matéria. Procura, basicamente, assis-
tir países em desenvolvimento, caso do Brasil, estimulando-os a adotar
e tornar efetivas suas leis e políticas concorrenciais, de acordo com suas
necessidades e particularidades econômicas, sociais etc. (IDEM, 2014).
Além disso, há alguns anos a UNCTAD vem apresentando leis con-
correnciais modelo que contêm comentários interessantes na medida em
que destacam a importância do consumidor na “dinâmica concorrencial”,
o que se insere na tradição das diretrizes da ONU sobre a proteção do
consumidor, estampadas nas United Nations guidelines for consumer protection139,
de 1985 (Resolução n. 39/248 da ONU), o último diploma multilateral a

97
136 Tradução livre da mensagem especial ao Congresso dos EUA sobre a proteção dos interesses
dos consumidores, em que o então presidente John Kennedy assumiu que “consumers, by definition,
include us all”.

137 Daí a observação de Jean Calais-Auloy e Henri Temple de que “consumidor” e “consumo” são pa-
lavras que, provenientes da Economia, são parte apenas a partir da década de 1970 do vernáculo
jurídico. (CALAIS-AULOY; TEMPLE, 2015, p. 6)

138 Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento.

139 É a versão expandida, de 1999, que analisamos. (UNITED NATIONS, 2003)


tratar da proteção do consumidor no plano internacional, estabelecendo
diretrizes para que os Estados desenvolvessem, reforçassem ou manti-
vessem políticas de proteção do consumidor.
Embora sem a força cogente de um tratado, a resolução da ONU, clas-
sificada como soft law, influenciou diversos países, cujas normas seguiram,
muitas vezes, as diretrizes apresentadas por ela (caso do Brasil, por exem-
plo), a implementarem políticas públicas próprias de proteção e de defe-
sa do consumidor (PFEIFFER, 2015, p. 79).

2.3 O Direito do Consumidor no Brasil


2.3.1 As disposições constitucionais
Verificada a trajetória do desenvolvimento do Direito do Consumidor, pas-
sa-se à análise das suas características no cenário brasileiro contemporâneo.

2.3.1.1 A defesa do consumidor como


direito fundamental
A “defesa do consumidor” é uma expressão presente na CRFB/88,
que consagrou um sistema econômico capitalista e salvaguardou os
direitos dos consumidores enquanto limite ao poder econômico, pú-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

blico ou privado.
Da análise do texto constitucional, verifica-se que o constituinte origi-
nário tornou a defesa do consumidor um direito fundamental140, o que de-
riva da sua previsão no art. 5°, XXXII141, da CRFB/88 (MARQUES; MIRAGEM,
2014, p. 151), por sua vez incluído no Título II, que cuida “dos direitos e
garantias fundamentais” (IDEM).

98

140 De acordo com o critério formal, que aponta a forma de positivação, todos os enunciados do títu-
lo II da CRFB/88, que cuida “dos direitos e garantias fundamentais”, são disposições de direitos
fundamentais, independentemente do conteúdo e da estrutura do que eles estatuem. (ALEXY,
2012, p. 48)

141 Conforme o art. 60, § 4°, da CRFB/88, por sua localização topográfica e conteúdo axiológico, a
defesa do consumidor apresenta a condição de cláusula pétrea, não podendo ser suprimida por
emenda constitucional, em conformidade com o art. 60, § 4°, da CRFB/88.
De acordo com a interpretação liberal clássica, os direitos fundamen-
tais asseguram uma esfera de liberdade ao indivíduo em face das inter-
venções dos Poderes Públicos; eles são, assim, direitos de defesa do cida-
dão diante do Estado (ALEXY, 2015, p. 433). Todavia, o desenvolvimento
do Estado social levou gradualmente à consideração dos direitos funda-
mentais também como direitos a prestações (de natureza fática e jurídica)
e à extensão da sua aplicação aos particulares, como propõe a teoria sobre
a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas (Drittwirkung der

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Grundrechte) (DUQUE, 2013, p. 50), tema que será visto no quinto capítulo
deste trabalho.
Mas, além disso, os direitos fundamentais apresentam um “duplo cará-
ter” (Doppelcharakter) (SARLET, 2009, p. 141 e ss): sua consideração não se refe-
re tão somente ao aspecto subjetivo relacionado com o “direito a algo”, mas
também ao aspecto objetivo, enquanto norma fundamental (LORENZETTI,
1998, p. 160). Assim, os direitos fundamentais, que têm a condição de impe-
rativos de proteção, apresentam eficácia irradiante (Ausstrahlungswirkung), já
que, entendidos objetivamente, fornecem impulsos e diretrizes aplicáveis

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


a todo o sistema jurídico (SARLET, 2009, p. 147-149).
Segundo a classificação proposta por Robert Alexy, os direitos presta-
cionais (típicos do Estado social), em sentido amplo, podem dividir-se em
três grupos: (i) direitos de proteção, (ii) direitos à participação em orga-
nizações e procedimento e (iii) direitos prestacionais stricto sensu (ALEXY,
2012, p. 393). A propósito, recorda-se que, segundo Eike von Hippel, são
vários os métodos disponíveis para implementar a proteção do consumi-
dor, entre os quais se destacam os seguintes: iniciativas legislativas, au-
torregulação da economia, estímulo à concorrência, organização do consu-
midor (por meio de associações), representação do consumidor (por meio
do acesso participativo a instituições), informação e educação do consu-
midor, controle judicial e controle administrativo (pelo Poder Executivo) 99

(HIPPEL, 1974, p. 14).


A defesa do consumidor (e o Direito do Consumidor que a partir daí se
desenvolve) constitui direito fundamental142 da espécie “direito de prote-

142 Na literatura, encontra-se referência aos correspondentes “deveres fundamentais dos consumi-
dores”. (CANOTILHO; MOREIRA, 2007, p. 786)
ção” (MIRAGEM, 2014, p. 51). Por “direitos de proteção” compreendem-se
os direitos do titular do direito fundamental diante do Estado para que
este o proteja da intervenção de terceiros (ALEXY, 2012, p. 398). Nesse
sentido, o direito do consumidor perfaz um direito pelo qual o Estado
protege seu titular da intervenção de terceiros, de modo que a qualidade
de consumidor lhe atribui determinados direitos oponíveis, em regra, aos
entes privados e, em menor grau (com relação a alguns serviços públi-
cos), ao próprio Estado (conforme dispõe o art. 22143 do CDC, por exemplo)
(MIRAGEM, 2014, p. 51).
Os direitos de proteção podem ter como objeto coisas muito diferen-
tes (os bens protegidos envolvem tudo aquilo que, desde a perspectiva
dos direitos fundamentais, é digno de ser protegido, como a dignidade, a
liberdade, a família etc.). Não menos variadas são as formas possíveis de
proteção, que compreendem, por exemplo, a edição de leis ou mesmo a
realização de atividades fáticas (ALEXY, 2012, p. 398).
Os direitos de proteção são, em suma, direitos constitucionais a que
o Estado organize e disponha a ordem jurídica de uma determinada ma-
neira (IDEM, p. 399). Há, pois, um dever estatal de promover esses direi-
tos (MIRAGEM, 2014, p. 51-52), dando corpo a determinados desempe-
nhos, como demonstram as políticas públicas relacionadas à defesa do
consumidor e à livre concorrência, por exemplo.
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

2.3.1.2 A defesa do consumidor como princípio


da ordem econômica
Como se sabe, a Constituição “econômica” está naturalmente li-
gada às opções políticas fundamentais da Constituição, presentes na
Constituição “política” (CANOTILHO; MOREIRA, 2007, p. 941). Portanto,
100 não há surpresa alguma no fato de a defesa do consumidor perfazer, tam-

143 Dispõe o art. 22 do CDC: Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permis-
sionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços
adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos
de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas
jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.
bém, um dos princípios da ordem econômica, conforme dispõe o art. 170,
V, da CRFB/88.
A defesa do consumidor, aqui, é um princípio constitucional imposi-
tivo, a cumprir dupla função, como instrumento para a realização do fim
de assegurar a todos existência digna e objetivo particular a ser alcançado
(GRAU, 2015, p. 247).
O princípio da democracia econômica e social que informa a Constituição
econômica, como observam Canotilho e Vital Moreira ao comentarem a

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Constituição portuguesa, é um elemento essencial do princípio democrá-
tico e da ordem constitucional dos direitos fundamentais. Pressupõem-se
e reclamam-se mutuamente, constituindo elementos integrantes e inte-
grados de uma mesma ordem constitucional global. E, tal como os direitos
fundamentais (ainda que menos intensamente), a Constituição econômica
funciona como limite da liberdade de decisão política e de conformação
legislativa, definindo as respectivas fronteiras, que não podem ser ultrapas-
sadas, e determinando o respectivo sentido, que não pode ser invertido ou
desviado (CANOTILHO; MOREIRA, 2007, p. 941).

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Assim, retomando-se a disposição do art. 170 da CRFB/88, segundo
o qual “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano
e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, con-
forme os ditames da justiça social”, observados, entre outros, os princí-
pios da livre concorrência e da defesa do consumidor, não há como não
associá-la à perspectiva aristotélica segundo a qual “o escopo do Estado
é a felicidade na vida” (ARISTÓTELES, 2007, p. 90) e como não verificar
que os princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor têm
um papel decisivo nessa tarefa, hoje concretizada na possibilidade de se
ter uma existência digna.

2.4 As disposições infraconstitucionais 101

Tendo-se verificado as principais disposições constitucionais relaciona-


das ao tema da defesa do consumidor, passa-se à análise do CDC e do SNDC.
2.4.1 O Código de Defesa do Consumidor (Lei n.
8.078/1990)
No art. 5o, XXXII, da CRFB/88, observa-se que o constituinte originá-
rio determinou que o Estado promovesse, na forma da lei, a defesa do
consumidor. Além disso, o art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT), determinou que o “Congresso Nacional, dentro de
cento e vinte dias da promulgação da Constituição”, elaborasse um “códi-
go de defesa do consumidor”.
Surgia, assim, o CDC, a “lei geral de proteção dos consumidores”
(MARQUES, 2014, p. 693) que, após decorridos 25 anos, convive com sua
primeira revisão ampla144. Um balanço das suas conquistas não pode dei-
xar de considerar sua colaboração no desenvolvimento do sentimento de
cidadania (PASQUALOTTO, 2009, p. 66) do brasileiro, que começou a (re)
afirmá-la, após décadas de ditadura, muito pela “educação jurídica” que
as normas consumeristas lhe possibilitaram ter.
Contextualizada a edição, no Brasil, de um código especificamente
dedicado à proteção e à defesa do consumidor (contemporâneo à edição
de leis que visavam à proteção da concorrência e da propriedade indus-
trial145), passa-se à sua análise.
Primeiramente, deve-se referir que o CDC constitui-se em um micros-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

sistema jurídico aplicável a quaisquer relações de consumo, sem exce-


ções146. Além disso, verifica-se, da redação do art. 1o do CDC, que ele “es-

144 Faz-se referência ao Projeto de lei do Senado n. 281/2012, que altera o CDC. (BRASIl, 2012)

145 Na década de 1990 foram promulgadas as Leis n. 8.884/1994 e 9.279/1996.

146 Nesse sentido, impõe-se relembrar que as relações de consumo de natureza bancária ou financei-
ra devem ser protegidas pelo CDC, conforme o entendimento do Plenário do STF, que julgou im-
procedente o pedido formulado pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras (Consif)
102 na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 2591, cuja ementa segue: EMENTA: CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES
FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE
SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO
DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO
NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO
CENTRAL DO BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. 1. As instituições financeiras estão, todas
elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor.
2. “Consumidor”, para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou
jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. O pre-
ceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado em
tabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e
interesse social”. Daí se extrai, em conjunto com as normas constitucionais
que expressamente tratam do sujeito como consumidor, a necessidade de
uma proteção distinta, que se volta ao consumidor como pessoa humana.
A lei consumerista, então, que perfaz um código, é chamada de “Código
de Defesa e Proteção do Consumidor”, e não do consumo. Trata-se de
uma lei de proteção da pessoa, e não dos contratos de consumo, não das
relações de consumo.

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


A abrangência desse microssistema foi definida pelo legislador a
partir da definição dos sujeitos da relação de consumo – consumidor e
fornecedor – e do seu objeto – produto e/ou serviço – que são conceitos
relacionais, ou seja, a identificação de um consumidor em dada posição
jurídica depende da existência de um fornecedor na mesma relação, não
sendo possível que o sujeito apresente-se, ao mesmo tempo, em ambas
as posições (MIRAGEM, 2014, p. 46).

coerência com a Constituição, o que importa em que o custo das operações ativas e a remunera-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


ção das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermedia-
ção de dinheiro na economia estejam excluídas da sua abrangência. 4. Ao Conselho Monetário
Nacional incumbe a fixação, desde a perspectiva macroeconômica, da taxa base de juros prati-
cável no mercado financeiro. 5. O Banco Central do Brasil está vinculado pelo dever-poder de
fiscalizar as instituições financeiras, em especial na estipulação contratual das taxas de juros
por elas praticadas no desempenho da intermediação de dinheiro na economia. 6. Ação direta
julgada improcedente, afastando-se a exegese que submete às normas do Código de Defesa
do Consumidor [Lei n. 8.078/90] a definição do custo das operações ativas e da remuneração
das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermedia-
ção de dinheiro na economia, sem prejuízo do controle, pelo Banco Central do Brasil, e do con-
trole e revisão, pelo Poder Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil, em cada caso,
de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual
da taxa de juros. ART. 192, DA CB/88. NORMA-OBJETIVO. EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR
EXCLUSIVAMENTE PARA A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO. 7. O preceito veicu-
lado pelo art. 192 da Constituição do Brasil consubstancia norma-objetivo que estabelece os fins
a serem perseguidos pelo sistema financeiro nacional, a promoção do desenvolvimento equili-
brado do País e a realização dos interesses da coletividade. 8. A exigência de lei complementar
veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange exclusivamente a regulamentação da estrutura
do sistema financeiro. CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. ART. 4º, VIII, DA LEI N. 4.595/64. 103
CAPACIDADE NORMATIVA ATINENTE À CONSTITUIÇÃO, FUNCIONAMENTO E FISCALIZAÇÃO
DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ILEGALIDADE DE RESOLUÇÕES QUE EXCEDEM ESSA
MATÉRIA. 9. O Conselho Monetário Nacional é titular de capacidade normativa --– a chamada
capacidade normativa de conjuntura --– no exercício da qual lhe incumbe regular, além da cons-
tituição e fiscalização, o funcionamento das instituições financeiras, isto é, o desempenho de
suas atividades no plano do sistema financeiro. 10. Tudo o quanto exceda esse desempenho não
pode ser objeto de regulação por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional.
11. A produção de atos normativos pelo Conselho Monetário Nacional, quando não respeitem
ao funcionamento das instituições financeiras, é abusiva, consubstanciando afronta à legalidade.
(BRASIL, STF, ADI 2.591/DF)
O CDC estrutura-se a partir da identificação do âmbito de incidência
da lei, seus princípios (art. 4o) e direitos básicos do sujeito protegido (art.
6o), assim como os aspectos principais do Direito material do Consumidor
(contratos e responsabilidade civil), Direito Processual (tutela especial do
consumidor), Direito Administrativo (competências e sanções) e Direito
Penal (crimes de consumo) (IDEM).
Finalmente, a definição legal de consumidor, foco de determinação
do âmbito de aplicação do CDC, é realizada pelo legislador em atenção
à Constituição, que estabelece o imperativo da sua defesa. O princípio
orientador, que ao mesmo tempo justifica e orienta a defesa do consu-
midor, é o da sua vulnerabilidade147, que se apresenta como presunção
legal: todo consumidor é vulnerável e, por isso, é destinatário da proteção
jurídica especial conferida pelo CDC (IDEM).

2.4.1.1 O consumidor em uma abordagem


sociológica
Para Herbert Marcuse (1975, p. 99), a produção e o consumo repro-
duzem e justificam a dominação. Mas isso não altera o fato de que seus
benefícios são reais e de que a repressividade do todo é parcialmente
desconsiderada em face da sua eficácia, já que “o sistema” amplia as pers-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

pectivas da cultura material, facilita a obtenção das necessidades da vida,


torna o conforto e o luxo mais baratos, atrai áreas cada vez mais vastas
para a órbita da indústria – enquanto, ao mesmo tempo, apoia e encoraja
a labuta e a destruição. O indivíduo paga, assim, com o sacrifício do seu
tempo, de sua consciência, de seus sonhos; a civilização paga com o sacri-
fício de suas próprias promessas de liberdade, justiça e paz para todos.

104

147 O princípio do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor está previsto no inc. I do art.


4o do CDC, que dispõe: art. 4o A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o
atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e seguran-
ça, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a
transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I – reco-
nhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.

Relações de força e de dominação estruturam a sociedade148, tanto
que o esquema da luta dos antagonismos e da dominação de uma força
social por outra é irredutível149, além de caraterística do pluralismo polí-
tico, fundamento da República, como prevê o art. 1o, V, da CRFB/88, que
ousa e aposta na força dos contrários (LIMA, 2014, p. 136). A partir disso,
a reflexão que este trabalho realiza sobre o tema do sujeito como consu-
midor, considerando-se o fator concorrencial, não poderia prescindir da
análise de alguns aspectos sociológicos (e que têm conotação ideológica):

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


há uma luta de classes envolvendo em caráter inalterável as figuras dos
(i) fornecedores/concorrentes, que têm uma posição preponderante (die
Machtposition), e do (ii) consumidor, que tem uma posição de vulnerabili-
dade multifatorial.
Com efeito, não se deve desprezar a ideia de conflito permanente
que une os sujeitos envolvidos em uma relação de consumo, sobre a qual
incidem as regras e os princípios do CDC – embora seus interesses pos-
sam, além de eventualmente colidir, também, coincidir. Nesse sentido,
Jacques Derrida afirma que:

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


dizer isso significa não renunciar à ideia de conflito, mas não significa defi-
nir os termos dessa luta baseando-se no conflito de classes sociais. O con-
ceito de classe social hoje precisa ser retrabalhado. Ainda existem as clas-
ses sociais, mas o uso que o discurso marxista tradicional faz do conceito
de classe social talvez deva ser revisto. Acho que não é necessário se servir
do conceito de luta de classes, na sua tradição marxista, para analisar hoje
as lutas, as hegemonias, as contradições, as relações de forças que, por não
serem as das classes, não deixam de ser de uma estrutura de grupo, que
a gente pode analisar com um espírito marxista. Não se trata de conservar

148 Assim Jacques Derrida em entrevista concedida a Betty Milan e publicada originalmente na Folha
de São Paulo. (MILAN, 2012, p. 51) 105

149 Essa é, também, a essência do materialismo dialético (ainda que démodé, a pertinência desse
pensamento permanece e, de todo modo, ideias não conhecem o tempo). Karl Marx e Friedrich
Engels adotavam como tese a sociedade burguesa, que constituíra uma unificação em relação ao
regime feudal que se desintegrava; a antítese era o proletariado, gerado pelo desenvolvimento
da indústria moderna mas depois dissociado, pela especialização e o aviltamento, do corpo prin-
cipal da sociedade moderna, e que um dia teria de se voltar contra ela; a síntese seria a socieda-
de comunista resultante do conflito entre a classe operária e as classes proprietárias e patronais
e do controle da indústria pela classe operária, e que representaria uma unidade mais elevada
ao harmonizar os interesses de toda a humanidade. (WILSON, 2006, p. 210)
ou de abandonar o conceito de luta de classes, basta adaptá-lo a uma nova
situação político-econômica150.

Percebe-se, portanto, a necessidade de consideração e de adaptação


da ideia de luta de classes à interpretação do sistema jurídico. O jurista
deve integrá-la à atividade hermenêutica na medida em que reconhecer
a oposição de interesses que caracteriza a relação envolvendo fornecedo-
res/concorrentes e consumidores significa admitir a necessidade correlata
de reforçar a proteção jurídica conferida ao consumidor, mesmo antes da
formação da relação de consumo, visto que a concorrência atua como pre-
cursora do consumo, e considerar, em sua vulnerabilidade, sua inserção
em uma classe menos privilegiada no estrato social do que os fornecedo-
res/concorrentes, sua inferioridade patrimonial, o fato de sua renda não
ser abundante151, mas, em geral, comprometida com os meios que lhes
asseguram a sobrevivência, em síntese, sua inferioridade hierárquica no
contexto dos estamentos sociais – destacando-se, porém, que isso não
significa considerar o consumidor como um arquétipo do oprimido.
É necessário, assim, reconhecer que há uma oposição de interesses
entre os fornecedores/concorrentes e os consumidores – embora não se
pretenda, aqui, propor uma visão maniqueísta do tema: enquanto aqueles
pretendem obter o maior ganho, o maior lucro152 possível com a produção,
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

a comercialização de um produto ou o oferecimento de um serviço, estes


pretendem despender o mínimo possível para adquirir o produto ou con-

150 Em entrevista concedida a Betty Milan (2012, p. 51) e publicada originalmente na Folha de São
Paulo.

151 Mesmo assim, sabe-se da capacidade de poupança do consumidor e da teoria keynesiana segun-
do a qual um aumento do rendimento determina, quase automaticamente, um recrudescimento
106 da propensão para consumir e, por conseguinte, da procura global. Segundo Milton Friedman,
contudo, a subida da componente transitória do rendimento não tem efeito imediato sobre o
consumo, na medida em que os agentes econômicos não incorporaram ainda o respectivo au-
mento de recursos no seio do rendimento permanente. Assim, apenas após um certo lapso tem-
poral designado por Milton Friedman como “horizonte do consumidor” é que se poderá assitir a
um aumento do consumo. (DROUIN, 2014, p. 128)

152 A vontade de lutar e de ganhar é um tipo de motivação que anima o empresário, segundo o
economista Joseph Schumpeter. Assim, para ele, a atividade econômica é entendida como uma
espécie de luta de boxe em que vence o melhor. O lucro é considerado como um índice de su-
cesso e não só como o objetivo último da atividade empresarial. (DROUIN, 2014, p. 115)
tratar o serviço cuja utilidade lhes é cara ou necessária, preservando assim
sua renda, em regra proveniente do trabalho assalariado, para outros fins.
Como destacam Amartya Sen e Bernardo Kliksberg, a linha divisória
entre “os que têm” e “os que não têm” não é apenas um clichê retóri-
co ou slogan eloquente, mas, infelizmente, uma característica substancial
da atualidade (SEN; KLIKSBERG, 2010, p. 37), já que não se pode negar
que o acesso ao consumo distingue, inclui ou exclui o sujeito na e da so-
ciedade de consumo e de conhecimento (BAUMAN, 2008). Com efeito, a

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


estratificação social, que consiste em relações assimétricas entre grupos
ou agentes sociais com repercussões significativas nos níveis de consumo
dos membros de uma coletividade (FURTADO, 1976, p. 19), impõe alguma
atuação, por meio do Direito, para que se recupere a simetria perdida e se
evite qualquer discriminação do mais fraco (MARQUES; MIRAGEM, 2014,
p. 111-112). E essa atuação passa, segundo a tese que aqui se sustenta,
pelo reconhecimento do direito à concorrência.

2.4.1.2 O consumidor no Código de Defesa do

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Consumidor (Lei n. 8.078/1990)

2.4.1.2.1 O consumidor stricto sensu


O CDC define consumidor, no art. 2o, caput, como “toda pessoa física
ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário
final”153. Essa disposição, segundo a literatura (MIRAGEM, 2014, p. 144),
trata do conceito de consumidor standard.
Mesmo na relação entre empresas (business-to-business) pode-se iden-
tificar relações de consumo, um consumo intermediário, visto que se inte-
gra no valor de outros produtos e serviços. O objetivo econômico último é,
contudo, a satisfação das necessidades e dos desejos do consumidor final 107
que está envolvido em uma relação entre empresas e consumidores (busi-
ness-to-consumer): ele seria o destinatário, enfim, das normas de proteção e
de defesa do consumidor (SANTOS; GONÇALVES; MARQUES, 2008, p. 57).

153 Há também definições de consumidor no parágrafo único do art. 2º, no art. 17 e no art. 29 do CDC.
Nesse contexto, é necessário abordar o tema com cautela, pois uma
interpretação demasiadamente ampla poderia resultar em uma proteção
excessiva de sujeitos que não apresentam qualquer necessidade de uma
proteção jurídica diferenciada. Afinal, a vulnerabilidade é o que justifica
a própria existência de um Direito (protetivo) do consumidor (MARQUES,
2014, p. 301), passível de proteger “des personnes en situation de faiblesse
relative”154 − o que não significa, de modo algum, paternalismo ou ação típi-
ca de um Estado-babá (Nanny State).
Assim, na definição legal, a única característica restritiva seria a aqui-
sição ou a utilização do produto ou do serviço como destinatário final. Mas
o que dizer do sujeito que adquire ou utiliza um produto ou um serviço
para utilizá-lo em sua profissão, como profissional (elemento subjetivo),
com fim de lucro, portanto? Também ele deve ser considerado “desti-
natário final”? A disposição do art. 2o do CDC não responde à pergunta.
Em consequência, é necessário interpretar a expressão “destinatário final”
(MARQUES, 2014, p. 303).
Identificam-se, a partir dessa necessidade, três teorias que se pro-
põem a conceituar o consumidor e os demais sujeitos que a ele se equi-
param155, quais sejam: a teoria finalista (ou subjetiva), a teoria maximalista
(ou objetiva) e a teoria finalista aprofundada (ou ampliada).
Para a teoria finalista a definição do sujeito como consumidor é o pi-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

lar que sustenta a proteção especial que lhe é concedida como parte vul-
nerável no mercado de consumo (IDEM), conforme afirma o CDC no art. 4o,
I156. Desse modo, a teoria finalista propõe uma interpretação teleológica,
considerando consumidor o destinatário final fático e econômico do pro-
duto e/ou do serviço. Ela é, pois, restritiva, concebendo como consumidor
apenas aquele que adquire (ou utiliza) produto e/ou serviço para uso pró-

108
154 Em tradução livre: as pessoas em situação de relativa fragilidade. (CALAIS-AULOY; TEMPLE,
2015, p. 6-7)

155 Dispõe o parágrafo único do art. 2º do CDC, “equipara-se a consumidor a coletividade de pesso-
as, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.

156 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das ne-
cessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de
seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e
harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I – reconhecimento da
vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.
prio e/ou de sua família. Desse modo, qualquer utilização do produto e/
ou do serviço como insumo de uma atividade econômica – e “o objetivo
final de toda a atividade econômica é o consumo” (PREBISCH, 1991, p. 57)
– do adquirente ou usuário o exclui da categoria de consumidor, dado que
este seria exclusivamente o não profissional (MARQUES, 2014, p. 300-301).
Por isso fala-se em destinatário final econômico (e não apenas fático) do
bem ou serviço, haja vista que não basta ao consumidor ser adquirente ou
usuário, devendo haver o rompimento da cadeia econômica com o uso pes-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


soal, a impedir, portanto, a reutilização do bem no processo produtivo, seja na
revenda, no uso profissional, na transformação por meio de beneficiamento ou
montagem, ou em outra forma indireta. A relação de consumo (consumidor final)
não pode ser confundida com relação de insumo (consumidor intermediário)157.
Por conseguinte, para a teoria finalista, consumidor é tão somente
aquele que adquire ou utiliza produto ou serviço para uso próprio e/ou de
sua família. Essa concepção, que considera o fato de a inserção constitu-
cional da defesa do consumidor (art. 5o, XXXII e art. 170, V, da Constituição)
partir do reconhecimento da desigualdade intrínseca que liga consumidor

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


e fornecedor (PFEIFFER, 2015, p. 55), é a adotada neste trabalho, que con-
sidera, também, os argumentos da teoria finalista aprofundada.
Os maximalistas, por outro lado, consideram o CDC como “o” regula-
mento do mercado de consumo brasileiro. Dessa forma, postulam que a
definição do art. 2o deva ser interpretada o mais extensamente possível
e consideram que a definição do art. 2o é puramente objetiva, não impor-
tando se a pessoa física ou jurídica tem, ou não, propósito de lucro quan-
do adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final, então,
aos olhos dos maximalistas, seria o destinatário fático do produto ou do
serviço, aquele que o retira do mercado e o utiliza de alguma forma ines-
pecífica, como, por exemplo, a indústria têxtil que compra algodão para
transformá-lo em tecido158. 109

A partir de 2003, com a entrada em vigor do Código Civil (CC) de


2002, desenvolveu-se uma terceira teoria, subdivisão da primeira, que

157 Assim o voto-vista do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva ao analisar o Agravo Regimental no
Recurso especial n. 1.321.083/PR (BRASIL, STJ, AgRg no REsp 1.321.083/PR).

158 O exemplo é de Claudia Lima Marques (2014, p. 304).


alguns denominam de “finalismo aprofundado” (MARQUES, 2014, p. 305;
MIRAGEM, 2014, p. 159) ou de “finalismo ampliado” (PFEIFFER, 2015, p.
58). Construída pela jurisprudência, especialmente a do Superior Tribunal
de Justiça (STJ), essa teoria tem proposto uma interpretação peculiar da
expressão “destinatário final”, disposta no art. 2o do CDC, de forma que
se permita estender a aplicação do CDC a situações em que em um polo
está o fornecedor e, em outro polo, um empresário que adquire ou uti-
liza um produto ou um serviço em condição de vulnerabilidade (IDEM),
a exemplo de entendimento semelhante construído pela jurisprudência
francesa159, por exemplo, que, desde há alguns anos, vêm considerando
uma ampliação do campo de aplicação ratione personae das leis (especiais e
gerais) protetoras dos direitos dos consumidores160.
Assim, colaciona-se exemplo atual de aplicação desse entendimento
pelo STJ:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DO


CONSUMIDOR.
COMPRA DE AERONAVE POR EMPRESA ADMINISTRADORA DE IMÓVEIS.
AQUISIÇÃO COMO DESTINATÁRIA FINAL. EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO
DE CONSUMO.
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

1. Controvérsia acerca da existência de relação de consumo na aquisição


de aeronave por empresa administradora de imóveis.
2. Produto adquirido para atender a uma necessidade própria da pessoa
jurídica, não se incorporando ao serviço prestado aos clientes.
3. Existência de relação de consumo, à luz da teoria finalista mitigada.
Precedentes.
4. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (BRASIL, STJ, AgRg no REsp
1.321.083/PR)
110

159 Como aponta Claudia Lima Marques (2014, p. 306-307).

160 Para incluir no âmbito de proteção da lei especial pequenos empresários e profissionais liberais
que contratassem com determinado fornecedor sem conhecimentos técnicos especiais e fora do
campo de sua atividade comercial, considerando seu estado de ignorância ou vulnerabilidade
quando da contratação. (MARQUES, 2014, p. 306-307)
Com efeito, de acordo com Bruno Miragem (2014, p. 159), a interpreta-
ção finalista ampliada apresenta-se a partir de dois critérios básicos, quais
sejam: (i) extensão do conceito de consumidor por equiparação, que é
medida excepcional no regime do CDC, e (ii) consideração da necessi-
dade de reconhecimento da vulnerabilidade da parte que pretende ser
equiparada a consumidora. Segundo Roberto Pfeiffer, tal também é possí-
vel pela extensão do próprio conceito de consumidor em sentido estrito.
Todavia, o autor propõe que o modo mais coerente de estender a apli-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


cação do CDC dá-se pela utilização da figura do consumidor equiparado,
na linha do entendimento de Bruno Miragem. Contudo, uma tal extensão
deve ser utilizada com parcimônia e excepcionalmente, sob pena de se
subverter os fundamentos da proteção do consumidor. A aplicação da teo-
ria ampliada seria admissível, assim, somente em situações em que fique
concretamente demonstrada a vulnerabilidade do adquirente a ponto de
permitir sua equiparação com um consumidor (PFEIFFER, 2015, p. 58-59).
Como a vulnerabilidade é intrínseca à relação de consumo, há uma
presunção absoluta da vulnerabilidade do consumidor em sentido estrito,

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


o que não significa que se possa falar em extensão dessa presunção ao
consumidor por equiparação, especialmente, ao empresário. A comprova-
ção da vulnerabilidade torna-se necessária, então, em hipóteses em que
se estende a aplicação do CDC ao empresário que adquirir ou utilizar pro-
duto ou serviço com finalidade instrumental (isto é, apenas indiretamente
relacionada à sua atividade empresarial) e apresentar, no caso concreto,
vulnerabilidade (IDEM, p. 59).
No que tange ao Direito comparado, destaca-se a reforma legisla-
tiva alemã realizada no início dos anos 2000, que sistematizou a prote-
ção do consumidor ao incluir, na parte geral de seu Código Civil de 1900
(o Bürgerliches Gesetzbuch, o BGB), a figura do consumidor (§ 13 BGB161 –
111

161 Que dispõe: “§ 13 Verbraucher


Verbraucher ist jede natürliche Person, die ein Rechtsgeschäft zu Zwecken abschließt, die überwiegend weder ihrer
gewerblichen noch ihrer selbständigen beruflichen Tätigkeit zugerechnet werden können“. Em tradução livre:
“§ 13 Consumidor
Consumidor é qualquer pessoa natural que celebra um negócio jurídico para fins que podem
preponderantemente ser atribuídos tanto à sua atividade comercial como à sua atividade profis-
sional autônoma.” (ALEMANHA, BÜRGERLICHES...)
Verbraucher) e do fornecedor (§ 14 BGB162 – Unternehmer). Além disso, reno-
vou-se o Direito das Obrigações, incluindo-se no BGB normas especiais
para a proteção dos consumidores no sistema geral (a lei alemã, Gesetz
zur Regelung des Rechts der Allgemeinen Geschäftsbedingungen, a AGB-Gesetz, de
1976, foi incorporada ao BGB, § 305 a 359). Finalmente, observa-se que,
no Direito alemão, o espírito especial de proteção apenas das pessoas
físicas, quando atuam com finalidade de consumo (não profissional), e
a aplicação do princípio da boa-fé para todas as outras relações interci-
vis e interempresariais, continuam os mesmos no Direito Civil alemão
(MARQUES, 2014, p. 314, 316, 317).

2.4.1.2.2 O consumidor lato sensu


Se o caput do art. 2o do CDC apresenta o conceito de consumidor pa-
drão, standard, no parágrafo único do mesmo artigo, segundo o qual “equi-
para-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermi-
náveis, que haja intervindo nas relações de consumo”, estabeleceu-se a
definição de consumidor equiparado, previsto igualmente nas disposi-
ções dos arts. 17 (“para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consu-
midores todas as vítimas do evento”) e 29 (“para os fins deste Capítulo e
do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determi-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

náveis ou não, expostas às práticas nele previstas”) do CDC.


Em todos esses dispositivos percebe-se a desnecessidade da exis-
tência de um ato de consumo (aquisição ou utilização direta), bastando
para a incidência da norma que o sujeito esteja exposto às situações pre-
vistas no CDC, seja na condição de integrante de uma coletividade de
pessoas (art. 2o, parágrafo único, do CDC), seja como vítima de um aciden-

112 162 Que dispõe: “§ 14 Unternehmer


(1) Unternehmer ist eine natürliche oder juristische Person oder eine rechtsfähige
Personengesellschaft, die bei Abschluss eines Rechtsgeschäfts in Ausübung ihrer gewerblichen
oder selbständigen beruflichen Tätigkeit handelt.
(2) Eine rechtsfähige Personengesellschaft ist eine Personengesellschaft, die mit der Fähigkeit
ausgestattet ist, Rechte zu erwerben und Verbindlichkeiten einzugehen“.
Em tradução livre: “§ 14 Empresário
(1) Empresário é uma pessoa natural ou jurídica ou empresa jurídica individual que, ao celebrar
um negócio jurídico, atua no exercício do seu comércio, negócio ou profissão.
(2) Uma empresa jurídica individual é uma empresa individual que tem a capacidade de adquirir
direitos e contrair obrigações.” (ALEMANHA, BÜRGERLICHES...)
te de consumo (art. 17) ou como destinatário de práticas comerciais e de
formação e execução do contrato (art. 29) (MIRAGEM, 2014, p. 147).
Assim, independentemente da realização de um ato de consumo
stricto sensu, todos esses sujeitos são substancialmente consumidores – o
que permite a aplicação “guarda-chuva” do CDC em favor da coletividade,
das vítimas de um acidente de consumo etc., estendendo-se o âmbito de
proteção da lei consumerista (IDEM, p. 148).
Conforme Bruno Miragem (2014, p. 151-152), a aplicação do conceito

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


de consumidor equiparado do art. 29 permitiria a priori converter o CDC em
paradigma de controle de todos os contratos no Direito Privado brasileiro.
Para evitar tal extensão conceitual, demasiada, é necessário interpretar
aquele dispositivo considerando o princípio da vulnerabilidade que per-
meia o CDC. Daí resulta equiparar, por exemplo, pequenos empresários a
consumidores em relações que envolvam bancos ou grandes empresários
contanto que esteja presente a vulnerabilidade do contratante, de forma
que se justifique a equiparação com vista a assegurar o equilíbrio entre
os desiguais.

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


2.4.1.3 O consumidor na Lei n. 12.529/2011
A articulação entre o Direito da Concorrência e o Direito do Consumidor
e suas respectivas políticas apresenta imediatamente um problema de
delimitação que não pode ser resolvido sem uma definição, anterior, rela-
tiva ao sujeito (KANTE, 2010, p. 141).
Essa questão, que envolve a compreensão do significado de um
conceito jurídico básico para ambos os Direitos da Concorrência e do
Consumidor, remete à teoria do diálogo das fontes (der Dialog der Quellen
[JAYME, 1995, p. 259]), desenvolvida por Erik Jayme, que será analisada
em seus pormenores ao longo deste trabalho. O diálogo, que se caracteri- 113
za por uma troca cuja lógica se constrói ao longo de dois ou mais discursos
que se cruzam sem jamais se fundirem e se respondem sem verdadeira-
mente se opor (DERRIDA; ROUDINESCO, 2004, p. 7), permite ao jurista
que analisa duas normas ou mais (in casu a Lei n. 8.078/1990 e a Lei n.
12.529/2011) a sua complementação recíproca.
Assim, torna-se necessária a adoção de um conceito convergente e
unificado163 de consumidor, tendo em vista uma concepção dinâmica des-
se sujeito, o consumidor, a fim de se harmonizar o Direito da Concorrência
e o Direito do Consumidor e suas respectivas políticas, já que o sistema
jurídico, como qualquer sistema social, não pode admitir nem tautologias
nem paradoxos, embora conviva com eles (GIORGI, 2011, p. 186).
Com efeito, como a lei concorrencial brasileira não o define, para que
se possa compreender o significado do termo “consumidor” faz-se neces-
sário buscar o auxílio do CDC, que, como visto, dispõe, no art. 2o, caput, que
consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produ-
to ou serviço como destinatário final” e, no parágrafo único, que “equipa-
ra-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis,
que haja intervindo nas relações de consumo”.
O conceito mais compatível com essa intenção, como visto, é o pro-
posto pela teoria finalista (PFEIFFER, 2015, p. 265), preponderante nos es-
tudos de Direito do Consumidor, excluindo-se do âmbito de aplicação da
Lei n. 12.529/2011 a figura do consumidor intermediário, que recebe, to-
davia, proteção das normas concorrenciais europeias, em conjunto com o
“consumidor final”, no que tange à concentração econômica, conforme dis-
põe o art. 2o, item 1, alínea “b” do Regulamento n. 139/2004 do Conselho
da UE, que dispõe:
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

Artigo 2o.
Apreciação das concentrações
1. As concentrações abrangidas pelo presente regulamento devem ser
apreciadas de acordo com os objectivos do presente regulamento e com
as disposições que se seguem, com vista a estabelecer se são ou não
compatíveis com o mercado comum.
114
Nessa apreciação, a Comissão deve ter em conta:
a) A necessidade de preservar e desenvolver uma concorrência efectiva no
mercado comum, atendendo, nomeadamente, à estrutura de todos os mer-
cados em causa e à concorrência real ou potencial de empresas situadas no
interior ou no exterior da Comunidade;

163 Nesse sentido posiciona-se Roberto Pfeiffer (2015, p. 72)


b) A posição que as empresas em causa ocupam no mercado e o seu poder
económico e financeiro, as possibilidades de escolha de fornecedores e
utilizadores, o seu acesso às fontes de abastecimento e aos mercados de
escoamento, a existência, de direito ou de facto, de barreiras à entrada no
mercado, a evolução da oferta e da procura dos produtos e serviços em
questão, os interesses dos consumidores intermédios e finais, bem como
a evolução do progresso técnico e económico, desde que tal evolução
seja vantajosa para os consumidores e não constitua um obstáculo à
concorrência. (UNIÃO EUROPEIA, 2004a)

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Desse modo, percebe-se que, no Brasil, a adoção da teoria finalista
ampliada, que permite a aplicação das normas consumeristas ao empre-
sário que utilize determinado produto e/ou serviço de forma instrumen-
tal e que apresente vulnerabilidade em sua relação com o fornecedor, é
excepcional, principalmente no contexto concorrencial (PFEIFFER, 2015,
p. 266), pois, como será demonstrado no quarto capítulo deste trabalho,
não haveria sentido em se assegurar o compartilhamento de benefícios
decorrentes de uma concentração econômica com efeitos anticoncorren-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


ciais com o consumidor intermediário, por exemplo, dado que o aspecto
distributivo presente no controle estrutural tem, claramente, o intuito de
proteger o interesse do “consumidor final”, que é, rigorosamente, o con-
sumidor a quem o CDC e a Lei n. 12.529/2011 se voltam.
No que tange ao conceito econômico, é interessante notar que algu-
mas teorias econômicas vem redefinindo o conceito do sujeito enquanto
consumidor, tradicionalmente visto como homo economicus. É que a ortodoxia
econômica tem como pressuposto a racionalidade individual, um dos pila-
res da teoria neoclássica. Contrapondo-se a ela, a escola da Nova Economia
Institucional, que surgiu na década de 1980, redefiniu a noção de racionali-
dade do agente econômico ao apontar que, embora o indivíduo condicione
o seu comportamento à razão, ele o faz de forma limitada (ideia também 115

presente nas Escolas austríaca, institucionalista e behaviorista (CHANG,


2015, p. 132, 147). A partir disso, a economia, definida como a ciência da
escassez, apropriou-se da noção de escassez164 da capacidade humana de

164 A sociedade de consumo já esbarra no problema da saturação ou exaurimento do meio ambien-


te, que passa a se revelar, ele também, limitado e impotente para absorver ou reciclar os resídu-
os da civilização industrial. (NUSDEO, 2010, p. 26)
absorver e processar informações (FARINA; AZEVEDO; SAES, 1997, p. 43-
44), ideia que se coaduna com a noção jurídica de vulnerabilidade.
Desse modo, considera-se que o conhecimento está disperso entre
os indivíduos e que, consequentemente, em cada relação econômica os
diferentes indivíduos vêm com diferentes parcelas, frequentemente dís-
pares, assimétricas, de informação (COMPARATO; SALOMÃO FILHO, 2005,
p. 15). Então, o pressuposto da racionalidade e o princípio da maximiza-
ção da utilidade não podem ser considerados como um reflexo da reali-
dade, mas como uma base analítica para o cálculo da eficiência alocativa
(MÖLLER, 2008, p. 41).
Assim, a ideia do homo economicus, que representa um homem utópico
(CARVALHOSA, 1973, p. 76), não expressaria com exatidão o comporta-
mento do consumidor, que seria mais Homer Simpson do que homo econo-
micus (SCHNEIDER, 2010), de acordo com um viés comportamental (JOLLS;
SUNSTEIN; THALER, 1998) aplicado à Law and Economics165. Desse modo, a
aplicação ampla do princípio favor debilis, que, como visto, tem também su-
pedâneo na teoria econômica, permite uma releitura da atuação do consu-
midor. Transpõe-se a visão casuística, eminentemente bilateral (marca da
relação entre consumidor e fornecedor), e passa-se a adotar uma perspec-
tiva estrutural, que considera a posição do indivíduo no mercado a partir
da noção de centralidade da pessoa humana (LORENZETTI, 1998, p. 137)
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

e que vê a persona do consumidor como algo mais, como homo economicus


et culturalis (MARQUES, 2014, p. 300), ideia que ultrapassa a ideia do homo
faber (MARQUES; MIRAGEM, 2014, p. 216).

116 165 Nas décadas de 1960, 1970 e 1980, algumas teorias de cunho consequencialista, ou pragmático
(cujo maior expoente é Richard Posner, ícone da Escola de Chicago), como a análise econômica
do Direito (também conhecida como Law and Economics), dedicaram-se à verificação do impacto
do Direito sobre o desempenho global das economias. A idéia básica era a do instrumentalismo
jurídico, que propunha que, ao se aplicar o Direito sem ponderar custos e consequências eco-
nômicas das decisões judiciais, por exemplo, estar-se-ia eventualmente promovendo resultados
socialmente indesejáveis e, mesmo, em desacordo com sua intenção original. Essa visão, porém,
não considera que o Direito deve promover, em alguma medida, o bem comum. Em uma socie-
dade heterogênea, na medida em que o Direito é tão somente instrumento, ele se torna capturá-
vel, passível de ceder a lobbies e a ideologias dos mais diversos matizes. Perde, mesmo, a noção
de integridade, de núcleo de valores, de propósitos ínsitos ao Direito. (MENDONÇA, 2014, p. 78)
O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor
Tanto a defesa da concorrência quanto a defesa do consumidor de-
mandam uma atuação estatal integrada para que elas sejam, de fato, efi-
cazes, e não iniciativas randômicas. No que tange à defesa do consumidor,
especificamente, mesmo entidades privadas podem promovê-la, como
dispõe o art. 105 do CDC, segundo o qual “integram o Sistema Nacional de
Defesa do Consumidor (SNDC), os órgãos federais, estaduais, do Distrito

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Federal e municipais e as entidades privadas de defesa do consumidor”.
Assim, todos os órgãos que se vinculem de modo direto ou indireto
à defesa do consumidor são integrantes do SNDC. Ao lado dos entes e/
ou órgãos públicos diretamente envolvidos na defesa do consumidor, que
em nível estadual e municipal geralmente são identificados pelo Programa
de Orientação e Proteção ao Consumidor (Procon), integram o SNDC tam-
bém todos os órgãos que desempenhem atividade própria de defesa do
consumidor, incluindo-se aí as Promotorias de Defesa do Consumidor, as
Defensorias Públicas, as agências reguladoras setoriais etc. (MARQUES;

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


BENJAMIN; MIRAGEM, 2006, p. 1.143-1.144).
Nesse sentido, também o CADE − que não é um órgão, mas uma au-
tarquia − integra o SNDC, pois, embora sua atividade precípua relacione-
-se com a “defesa da ordem econômica, esta é seguramente indissociável
da defesa do consumidor” (IDEM, p. 1.144) e, de qualquer modo, sua for-
ma jurídica de constituição não poderia ser considerada um impedimento
a que integrasse, também, o SNDC. Essa constatação deriva, ademais, de
uma interpretação sistemática, teleológica e conforme à Constituição do
CDC e da Lei n. 12.529/2011 − sem prejuízo de outras formas166 de inter-
pretação.
Por fim, é importante destacar que a relação dos diversos integrantes
do SNDC não apresenta subordinação, mas coordenação, já que todos 117
os órgãos e entidades que o integram conservam ampla autonomia, es-
tabelecendo espontaneamente iniciativas comuns de defesa dos consu-
midores, sem prejuízo de eventual ação conjunta (IDEM, p. 1.161), como

166 Como o sentido literal, o contexto significativo da lei, a intenção reguladora, fins e ideias norma-
tivas do legislador histórico de que fala Karl Larenz (1997, p. 450 e ss)
a cooperação que une presentemente o CADE e a Secretaria Nacional do
Consumidor (Senacon), objeto de análise no tópico 3.5.4.

2.5 Conclusão parcial


A constatação da necessidade de se proteger o consumidor remon-
ta ao combate a práticas infratoras da concorrência, ainda no século XIX.
Todavia, a formação do Direito do Consumidor ocorre gradualmente, a
partir do Pós-guerra. Assim, nota-se que tanto o Direito da Concorrência
como o Direito do Consumidor permanecem historicamente isolados em
suas trajetórias, como se não compartilhassem objetivos comuns. Surge,
apesar disso, gradualmente, a necessidade de um diálogo entre tais sub-
sistemas jurídicos, o que será visto no próximo capítulo deste trabalho.
Por ora, neste capítulo, percebeu-se que:
a. em meados do século XX desenvolveu-se uma sociedade de con-
sumo que transformou radicalmente as relações humanas,
b. o consumo apresenta características ambíguas: ao mesmo tempo
em que é um método de integração social, traz uma carga de impessoali-
zação às relações humanas,
c. a formação do Direito do Consumidor acompanhou essas transfor-
mações históricas,
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

d. o Direito do Consumidor pauta-se sobretudo pelo reconhecimento


da vulnerabilidade do consumidor e representa, segundo a classificação
proposta por Robert Alexy, direitos prestacionais, em sentido amplo, e,
especificamente, direitos de proteção,
e. no Brasil, a defesa do consumidor constitui direito fundamental e
princípio da ordem econômica,
f. a confluência entre o Direito da Concorrência e o Direito do
118 Consumidor e suas respectivas políticas exige um conceito unificado de
consumidor,
g. para a teoria finalista, consumidor é tão somente aquele que ad-
quire ou utiliza produto ou serviço para uso próprio e/ou de sua família.
Essa concepção, que considera o fato de a inserção constitucional da de-
fesa do consumidor (art. 5o, XXXII e art. 170, V, da Constituição) partir do
reconhecimento da desigualdade intrínseca que liga consumidor e forne-
cedor, é a adotada neste trabalho, que considera, também, os argumen-
tos da teoria finalista aprofundada, cuja aplicação é, todavia, excepcional,
especialmente no que tange ao Direito da Concorrência,
h. a defesa do consumidor não se restringe apenas ao consumidor que
tenha sido sujeito de uma relação de consumo (consumidor stricto sensu),
englobando toda a coletividade, que envolve tanto quem tenha celebrado
contratos de consumo, quanto quem esteja simplesmente exposto às prá-
ticas do mercado, sem necessariamente possuir vínculo jurídico formal com

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


fornecedores ou quem tenha violado as normas previstas no CDC,
i. há evidências de uma ressignificação do consumidor no âmbito
econômico; o conceito econômico de consumidor aproxima-se do concei-
to jurídico ao reconhecer que a capacidade humana de absorver e proces-
sar informações é limitada, ideia que se coaduna com a noção jurídica de
vulnerabilidade e que é particularmente importante em uma «economia
da informação” caracterizada por assimetrias de informação constantes e
j. o SNDC é integrado por todos os entes e órgãos que se vinculam
de modo direto ou indireto à defesa do consumidor, o que inclui o CADE,

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


uma autarquia.

119
CAPÍTULO 1

Direito à Informação e Acesso


3 A CONCORRÊNCIA EO
a Documentos Governamentais:
CONSUMIDOR: O DIÁLOGO A
breve estudo
PARTIR DO do Direito canadense
RECONHECIMENTO
DA Loureiro
Luiz Guilherme DIGNIDADE
DA PESSOA
HUMANA COMO CERNE DO
SISTEMA JURÍDICO

Este capítulo analisa algumas noções essenciais


para a compreensão do consumidor no sistema jurídico
a partir de um apanhado histórico. Ele volta-se aos as-
pectos históricos e filosóficos envolvidos na evolução
dos conceitos de indivíduo, pessoa e sujeito de direitos
a fim de compreender o diálogo entre a concorrência e
o consumidor a partir da consideração do superprincí-
pio da dignidade da pessoa humana como cerne do sis-
tema jurídico. Verifica-se, ainda, o caráter instrumental
do Direito da Concorrência e de sua política respectiva,
além da con­fluência entre o Direito da Concorrência e do
Consumidor, que vem ganhando espaço no cenário brasi-
leiro contemporâneo.
3.1 O indivíduo, a pessoa, o sujeito de direitos
Se o sujeito determina-se pela linguagem167, além de determinar-se
pelo espaço168 e pelo tempo (Dasein169), começar pelas palavras talvez não
seja coisa vã (BOSI, 1992, p. 11), afinal, pessoa, sujeito, personalidade são
palavras que têm diversas conotações no tempo e no espaço (MARTINS-
COSTA, 2002, p. 410). Em latim, assim como em português, francês ou ale-
mão, o conceito (concept, der Begriff) nomeia o gesto de uma apreensão, é
uma captura (DERRIDA; ROUDINESCO, 2004, p. 14). E, para que se possa
apreender170 alguns conceitos-chave para este tópico, recorrer-se-á, com
frequência, à etimologia.
A palavra “indivíduo” tem origem no latim individuus, o não dividido
que equivalia, na Idade Média, à noção da menor unidade de algo, à no-

167 Como nota Jean-Paul Bronckart (2007, p. 32-33), na espécie humana, a cooperação dos indivíduos
na atividade é regulada e mediada por verdadeiras interações verbais e a atividade caracteriza-se,
portanto, por essa dimensão que Jürgen Habermas chamou de “agir comunicativo”. Assim, além do
fato de ser constitutiva do psiquismo especificamente humano, a emergência do agir comunicati-
vo é também constitutiva do social propriamente dito. Com efeito, na medida em que os signos
cristalizam as pretensões à validade designativa, se estão disponíveis para cada um dos indivídu-
os particulares, eles também têm, necessariamente, devido a seu estatuto de formas negociadas,
uma dimensão transindividual, veiculando representações coletivas do meio, que se estruturam
em configurações de conhecimentos que podem ser chamadas, segundo Popper e Habermas, de
mundos representados. Além disso, conforme a Linguística estrutural de Ferdinand de Saussure, “a
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

linguagem tem um lado individual e um lado social, sendo impossível conceber um sem o outro”.
(SAUSSURE, 2012, p. 40). E, ainda, “a língua é um fato social. O indivíduo, organizado para falar,
só poderá chegar a utilizar seu aparelho através da comunidade que o cerca, − além disso, ele só
experimenta o desejo de utilizá-lo em suas relações com ela. Ele depende inteiramente dessa
comunidade; sua raça é indiferente (salvo, talvez, por alguns fatos de pronúncia). Então, nisso o
homem só é completo através do que tira do seu meio”. (IDEM, 2004, p. 154)

168 In der Welt sein.

169 Que significa o ser-no-mundo, como propõe Martin Heidegger, para quem o homem é visto como
Dasein, em que o Da indica o caráter intuitivo, sensível e temporal (Zeit), e o Sein indica o caráter
inteligível, o ser (Sein). O Dasein é ser-no-mundo, esse é o «como» do homem, que deve resol-
ver a questão da temporalidade como uma das características fundamentais do ser-no-mundo,
122 enquanto passado-presente-futuro. Porém, este ser-no-mundo deve estar articulado, precisa de
uma estrutura que seja descritível e que possua a marca fundamental da condição humana, qual
seja, a Sorge, o cuidado, a estrutura de ser-aí. Daí a tríplice estrutura do cuidado: o ser adiante de
si (futuro) – existência, já ser em (passado) – facticidade e ser junto às coisas (presente) – decaí-
da. (STEIN, 1997, p. 106 e 107).

170 A propósito, segundo Lenio Streck (2007, p. 177-178), “conceber a linguagem como totalidade, é
dizer, entender que não há mundo sem a mediação do significado, significa romper com a con-
cepção de que há um sujeito cognoscente apreendendo um objeto, mediante um instrumento
chamado linguagem. Morre, assim, o cogito cartesiano e todas as formas de ‘eu’ puro, desindexado
de cadeias significantes”.
ção da parte que compõe o todo. O indivíduo, assim, integrava uma or-
dem, um estamento, uma corporação ou qualquer outra entidade coleti-
va, considerados, por sua vez, sujeitos sociais efetivamente reconhecidos
(MARTINS-COSTA, 2007, p. 16).
Desse modo, percebe-se que a ideia do indivíduo como sujeito e
ator jurídico, dotado de direitos subjetivos, é relativamente recente. Ela
resulta de uma construção complexa elaborada no Renascimento e na
Modernidade, sobretudo quando o Jusnaturalismo se associa ao Iluminismo

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


(nos séculos XVII e XVIII, principalmente neste [ALVES, 2014, p. 62]), conso-
lidando os direitos naturais do homem, um espaço de integridade e de li-
berdade que deveria ser protegido (BARROSO, 2015, p. 271), conquanto sua
forma final seja produto tardio do Iluminismo (bem como do Jusnaturalismo
racionalista) e do Pandectismo, este já no século XIX (ALVES, 2014, p. 63).
Desse modo, durante período histórico considerável, que chega a alcançar
a aurora da época moderna, a pessoa não era indivíduo e tampouco o indi-
víduo era pessoa (MARTINS-COSTA, 2007, p. 15-16).
Além disso, a transição do Direito clássico ao Direito moderno afirma o

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


conceito de direito individual, direito subjetivo, apto a satisfazer as neces-
sidades do indivíduo, o sujeito que se move em uma teia de novas relações
econômicas a partir do Mercantilismo e do Renascimento (MARTINS-COSTA,
2007, p. 25) − ainda que se reconheça que o Direito Romano conheceu o
que hoje se denomina “direito subjetivo” (ALVES, 2014, p. 92).
A palavra “pessoa” tem origem no verbo latino personare, que quer dizer
“soar através de’’. Suas raízes estão no etrusco phersu, que significa máscara,
o objeto utilizado por um ator para dar vida a uma personagem e fazer res-
soar sua voz, permitindo que fosse bem ouvida pelos espectadores, além
de lhe dar a aparência que o papel exigia (PAVESI, 2010, p. 91-116).
A pessoa, então, é o ser que pode exercer diversos papéis so-
ciais. O mesmo indivíduo representa vários papéis (no teatro anti- 123

go, ao pôr a máscara [COMPARATO, 2010, p. 28]) e assim, também, a


própria sociedade, que é um empreendimento cooperativo para o
benefício mútuo (RAWLS, 2008, p. 5), institucionaliza os papéis como
condição da interação social (FERRAZ JUNIOR, 2015, p. 122). Daí uti-
lizar-se a palavra persona para descrever as versões de si mesmo que
todos os indivíduos apresentam.
“Pessoa” é um termo que indica um ser concreto, individual, não a
espécie a que ele pertence. A ideia de “pessoa” se diferencia da noção de
“homem”, ou “humano”, indicando a espécie, o universal, algo que “não
se pode indicar com o dedo”. A pessoa, então, como indivíduo concreto,
constitui um todo (indiviso) em si mesmo, porque existe em si própria e
não é mera parte de um todo (BARZOTTO, 2010, p. 21).
Um outro elemento da ideia de pessoa é a alteridade171, ainda que
reconhecidamente insólito para os padrões da sociedade capitalista con-
temporânea, caracterizada pelo individualismo. Ser uma pessoa é relacio-
nar-se, ocupar um lugar na comunidade de todas as pessoas (SPAEMANN,
2000, p. 215): a pessoa é um ser em relação, um ser com outrem. Por fim, o
terceiro elemento característico da pessoa é a “diferença interna”, afinal,
as pessoas mantêm uma distância com o que são, com sua essência. A
natureza humana revela, assim, a essência do ser humano, mas não sua
identidade; o que ele é, mas não quem ele é (BARZOTTO, 2010, p. 24-26).
Além disso, o conceito de pessoa provém do cristianismo e aponta
para a dignidade do homem, insuscetível de ser mero objeto, como perce-
beria Immanuel Kant. A personificação do homem foi uma resposta cristã
à distinção do homem, na Antiguidade, entre cidadãos e escravos (estru-
turação estamentária do Direito) (FERRAZ JUNIOR, 2015, p. 121). Afinal, o
Direito romano, que se tornara bastante sofisticado ao criar o Direito Civil,
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

desconhecia a natureza universal do homem, dogma da religião cristã. E,


por ignorar essa natureza, os romanos não conseguiam ver o ser humano
senão em situações precisas – como a de pai, de filho, de escravo etc. –,
que geravam consequências jurídicas parciais e contingentes, o que im-
possibilitava deduzir uma qualidade única que designasse o “homem em
geral” (MARTINS-COSTA, 2007, p. 39).
Assim, aponta-se que foi Thomas Hobbes quem, em meados do sé-
124 culo XVII, plasmou a concepção da pessoa como indivíduo, que mais tarde
seria acolhida pelo constitucionalismo e pelo movimento de codificação
que marcaria os séculos XVIII e XIX. E, ao conectar essas suas ideias –
pessoa e indivíduo –, Thomas Hobbes permitiu a realização de uma revo-

171 Veja-se, a propósito, a obra de Emmanuel Lévinas, que fala da ética da alteridade.
lução cuja plenitude seria alcançada após Immanuel Kant e a Revolução
Francesa (IDEM, p. 36-37).
Foi no Renascimento, assim, que se lançaram as bases de um direito
da pessoa considerada laicamente em si e por si. Mais tarde, no século
XIX, Friedrich Carl von Savigny172 transformaria em dogmática jurídica es-
sas ideias (IDEM, p. 43) ao lutar pela independência do Direito, implantar
no Direito uma racionalidade historicamente baseada e considerar que
“todo Direito provém do espírito do povo” (LAHUSEN, 2013).

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Em decorrência disso, o ser que não se identifica com sua natureza
é sujeito, termo que deriva do latim subjectus, que significa literalmente
“posto debaixo”, “situado abaixo”, como denotam igualmente os vocábu-
los súdito e sujeição. Assim, o sujeito sustenta uma natureza, exercitan-
do-a por meio de sua ação (BARZOTTO, 2010, p. 26). O ser humano, já
indivíduo, torna-se pessoa e, então, sujeito (subjectus, o que está embai-
xo, embora agora esse sentido seja tomado por fundamento), autor – não
apenas ator – do seu mundo. Ele não mais recebe as leis, mas as formula173
e as fundamenta a partir da razão (MARTINS-COSTA, 2007, p. 26-27).

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


A noção de sujeito jurídico não é explicável pelo conceito de papel
social. Ela é mais ampla do que a noção de pessoa (física e jurídica). Com
efeito, toda pessoa física ou jurídica é um sujeito jurídico, mas nem todo
sujeito jurídico é uma pessoa física ou jurídica174. Pessoa é quem pode ser
sujeito de direitos: quem põe a máscara para entrar no teatro do mundo
jurídico está apto a desempenhar o papel de sujeito de direito (PONTES
DE MIRANDA, 2012, p. 254).
Além disso, apesar de uma noção “extraída pelos tempos moder-
nos”, “direitos subjetivos foram técnica de que sempre se usou, para a

172 Principal representante da Escola Histórica Alemã, para quem o Direito nasceria do “espírito do
125
povo” (Volksgeist) e a essência da norma jurídica estaria contida nos usos, costumes e nas crenças
dos grupos sociais.

173 Não por acaso, a Declaração de direitos do homem e do cidadão, de 1789, dispôs que “a lei é a
expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou atra-
vés de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger,
seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as
dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que
não seja a das suas virtudes e dos seus talentos”. (FRANÇA, 1789)

174 A herança jacente, os bens em inventário são, por exemplo, sujeitos de Direito, mas não pessoas.
tutela de interesses. Diga-se o mesmo das pretensões, ações e exceções.
Por eles e com eles, realiza-se a política de se deixar aos indivíduos o cui-
dar dos direitos que têm, dos bens que lhes tocam” (IDEM, 2013, p. 293).
Ao sujeito de direitos se conferem direitos e deveres, podendo-se falar
em sujeito ativo (de um direito subjetivo) e em sujeito passivo (de uma
obrigação) (FERRAZ JUNIOR, 2015, p. 122-123).
A incidência da regra jurídica, que dá a alguém o poder de ser sujeito
de direitos, cria a capacidade de direito, o direito de personalidade. Esse
é o primeiro direito. Ser sujeito de direitos é posterius, é a realização da-
quele direito: é-se pessoa, sem se ter outro direito que o de ser pessoa;
sujeito de direito só se é, partindo-se do fato de se ser sujeito do direito
de personalidade, quando se tem a posição de sujeito de direito em re-
lação jurídica concreta (PONTES DE MIRANDA, 2013, p. 289). O sujeito de
direitos, ou sujeito jurídico, é, portanto, o portador de direitos. A ideolo-
gia assente a essa concepção pensa o sujeito como o titular da proprie-
dade privada enquanto instituto que cabe ao Direito objetivo proteger e
garantir. Assim, como o homem tem em seu próprio corpo a primeira das
propriedades (na medida em que seu corpo é fonte de trabalho), o indi-
víduo é por excelência o sujeito jurídico (o homem como ser que trabalha,
homo faber) (FERRAZ JUNIOR, 2015, p. 121).
Se o termo “sujeito” ingressou no léxico ocidental por volta do sé-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

culo XIII denotando sujeição, observa-se que, no século XVI, ele ganha o
sentido de “fundamento, causa, motivo” e, mais tarde, o de “pessoa que é
motivo de algo” para, finalmente, designar a “pessoa considerada em suas
aptidões”. Em consequência, a doutrina civilista inventa o sujeito de di-
reitos como ser dotado de capacidade para atuar na ordem jurídica, assu-
mindo direitos, deveres, tendo garantias e responsabilidades (MARTINS-
COSTA, 2007, p. 37-38).
126 Não por acaso, o Código Civil (CC) brasileiro, de 2002, dispõe, em seu
art. 1°, que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Dessa
forma, a pessoa é sujeito de direitos e obrigações na vida civil, titular de de-
terminados direitos, quais sejam, os direitos subjetivos, direitos do sujeito.
Mesmo consideradas todas essas nuances etimológicas, há uma sino-
nímia consagrada entre os termos indivíduo, pessoa e sujeito de direitos
que não pode ser desconsiderada. Afinal, ela esconde séculos de uma
construção ideológica laboriosa de conceitos jurídicos de importância ím-
par e que é passível de determinar a perspectiva pela qual o Direito é
aplicado (IDEM, p. 19). Percebe-se, assim, que houve uma transformação
valiosa da noção de sujeito, não mais um sujeito vinculado à ideia im-
plícita de submissão que caracterizava outrora o súdito. O sujeito, agora,
tornou-se protagonista de sua própria vida. Não mais súdito, ele é cida-
dão, sujeito de direitos e de deveres, ainda que, hoje, na época pós-mo-
derna, assista-se à transformação das pessoas em mercadoria, como nota

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Zygmunt Bauman (2008), tema que tem importância ímpar para a com-
preensão do sujeito como consumidor, conforme se verificou no segundo
capítulo deste trabalho.

3.2 A dignidade da pessoa humana


Nas últimas décadas, a dignidade da pessoa humana tornou-se um
dos maiores exemplos de consenso ético do mundo ocidental, sendo
mencionada em incontáveis documentos internacionais, em Constituições

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


nacionais, leis e decisões judiciais e passando a desempenhar um papel
central no discurso sobre os direitos humanos (BARROSO, 2014, p. 9, 20).
A dignidade da pessoa humana é um conceito valioso, com im-
portância crescente na interpretação constitucional, e que se caracte-
riza por três ideias essenciais, quais sejam, (i) o valor intrínseco de
cada ser humano, (ii) a autonomia individual e (iii) o valor comunitário
(IDEM, p. 11). Além disso, ela é marcada pela cultura de uma socieda-
de, de forma que seu significado normativo depende dos conceitos de
identidade, homem e pessoa (alguém que vale em si mesmo e em sua
relação com os demais, como visto), que também são conceitos cultu-
rais (BARBOSA-FOHRMANN, 2012, p. 15).
Em uma perspectiva histórica, vê-se que o conceito de “dignidade” 127
remonta ao pensamento romano clássico, em que o conceito de dignitas
hominis significava “status”. A honra e o respeito eram assim conferidos a al-
guém que fosse digno de honra e respeito por causa de um status especial
que ele ou ela detivesse. A nomeação para determinados cargos públicos,
por exemplo, trazia consigo dignitas (MCCRUDDEN, 2008, p. 656-657), uma
noção ainda presente, hoje, no termo “dignitário”.
Nota-se, porém, que o termo dignitas não se limitava aos seres hu-
manos, aplicando-se igualmente a instituições e ao Estado. E, disperso
em escritos romanos clássicos, havia um segundo conceito de dignida-
de, amplo, particularmente em Cícero, onde dignitas referia-se também à
dignidade dos seres humanos como seres humanos, não dependendo de
nenhum status especial adicional (IDEM, p. 657).
Percebe-se, porém, que até o final do século XVIII a dignidade ainda
não estava relacionada com os direitos humanos, tanto que a Declaração
de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, vinculava-a175 a ocupações
e posições públicas. Portanto, na cultura ocidental, começando com os
romanos e chegando até o século XVIII, o primeiro sentido atribuído à
dignidade, enquanto categorização dos indivíduos, estava associado a um
status superior, a uma posição social mais alta em um contexto de hierar-
quia social (BARROSO, 2014, p. 13-14).
A noção contemporânea de dignidade humana, porém, difere da no-
ção romana de dignitas hominis, tanto que não é possível associar ambas
em uma relação linear de sucessão, conforme Luís Roberto Barroso. É que
a dignidade humana, como atualmente compreendida, parte do pressu-
posto de que cada ser humano possui um valor intrínseco e desfruta de
uma posição especial no universo. Essa compreensão se iniciou com o
pensamento clássico encontrado em Cícero e tem como marcos a tradi-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

ção judaico-cristã, o Iluminismo e o período imediatamente posterior à


Segunda Guerra Mundial (IDEM, p. 14-15).
Atribui-se, ainda, uma influência decisiva na construção do conceito
atual de dignidade da pessoa humana ao humanista italiano Giovanni Pico
della Mirandola (COMPARATO, 2010, p. 18-19) e a Immanuel Kant, cujo pen-
samento pauta-se sobretudo pelas ideias de razão e de dever, de reco-
nhecimento da capacidade de o indivíduo dominar-se e, então, descobrir,
128 dentro de si próprio (das Gesetz in mir), a lei moral que deve orientar sua con-
duta, de que decorre a ideia de autonomia individual (MCCRUDDEN, 2008,

175 A Declaração estabelecia em seu art. 1° que “os homens nascem e são livres e iguais em direitos.
As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum”. (FRANÇA, 1789)
p. 659). Kant, a propósito, formula seu imperativo categórico176 nos seguin-
tes termos: “age de maneira tal que possas também querer que a máxima
de teu agir se transforme em lei universal da natureza”177.
Ao longo do século XX, principalmente após o Holocausto, a ideia
de dignidade humana foi incorporada ao discurso político das potências
vencedoras na Segunda Guerra Mundial, tornando-se uma “metapolítica”,
um fim a ser alcançado por instituições nacionais e internacionais. Sua
consideração como um conceito jurídico, nos dois lados do Atlântico, foi,

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


porém, consequência de um movimento que diluiria os limites entre o
Direito Público (a ordem da proteção) e o Direito Privado (a ordem da
liberdade) e colocaria em xeque o formalismo e o raciocínio puramente
dedutivo (BARROSO, 2014, p. 61-62).
Como um valor178 fundamental que é também uma regra e um princí-
pio179 constitucional, a dignidade da pessoa humana atua tanto como jus-
tificação moral quanto como fundamento jurídico-normativo dos direitos

176 Anota Jürgen Habermas (2012, p. 157): “na formulação kantiana do princípio do direito, a ‘lei geral’

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


carrega o peso da legitimação. E aí o imperativo categórico está sempre presente como pano de
fundo: a forma da lei geral legitima a distribuição das liberdades de ação subjetivas, porque nele
se expressa um bem-sucedido teste de generalização da razão que examina leis. Disso resulta,
em Kant, uma subordinação do direito à moral, a qual é inconciliável com a ideia de uma autono-
mia que se realiza no medium do próprio direito”. (grifos do original).

177 No original: „Handle nur nach derjenigen Maxime, durch die du zugleich wollen kannst, dass sie ein allgemeines
Gesetz werde“. (KANT, 1965). Segundo Hans Jonas, um imperativo que fosse adequado ao novo tipo
do agir humano e ao tipo novo de sujeito e objeto nele envolvidos poderia ser enunciado da
seguinte forma: “age de maneira tal que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a perma-
nência de autêntica vida humana sobre a terra”. (GIACOIA JUNIOR, 1996, p. 72-73)

178 Segundo Robert Alexy (2015, p. 145-146), “princípios são mandamentos de um determinado tipo,
a saber, mandamentos de otimização. Como mandamentos, pertencem eles ao âmbito deontoló-
gico. Valores, por sua vez, fazem parte do nível axiológico”. E exemplos de conceitos deontológi-
cos são os conceitos de dever, proibição, permissão e direito a algo. Comum a esses conceitos é
o fato de que podem ser reduzidos a um conceito deôntico básico, que é o conceito de dever ou
de dever-ser. Já os conceitos axiológicos são caracterizados pelo fato de que seu conceito básico
não é o de dever ou de dever-ser, mas o conceito de bom.
129
179 Para Humberto Ávila (2014a, p. 225), “o significado preliminar dos dispositivos pode experimen-
tar uma dimensão imediatamente comportamental (regra), finalística (princípio) e/ou metódica
(postulado). As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e
com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da cor-
respondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte e nos princípios que lhes são
axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a cons-
trução conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente
prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação
demandam uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos
decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção”.
fundamentais. Além disso, a identificação da dignidade humana como um
princípio jurídico produz consequências relevantes no que diz respeito à
determinação de seu conteúdo e estrutura normativa, seu modo de apli-
cação e seu papel no sistema constitucional (IDEM, p. 64-65).
Quanto ao conteúdo da dignidade humana, como visto, destacam-
-se três ideias essenciais, analisadas a seguir: (i) o valor intrínseco de
cada ser humano, (ii) a autonomia individual e (iii) o valor comunitário.
Pretende-se, com essa análise, obter-se mais subsídios para a compre-
ensão da dimensão representada pela dignidade da pessoa humana no
Direito, o que é importante para se avaliar o significado do reconheci-
mento do direito à concorrência.
Do valor intrínseco do ser humano decorre um postulado antiutili-
tário e outro antiautoritário (BARROSO, 2014, p. 76-77). A impossibilida-
de de aplicação de qualquer ideia utilitária à pessoa humana, que tem
dignidade, e não preço, como ensina Kant ao afirmar que “im Reiche der
Zwecke hat alles entweder einen Preis, oder eine Würde”180, constituiu-se em uma
conquista filosófica e civilizatória inestimável. Isso significa que o valor de
uma pessoa nunca poderá ser equiparado ao valor de uma coisa, pois a
primeira tem dignidade e a segunda, preço.
No plano jurídico, o valor intrínseco está na origem de um conjunto
de direitos fundamentais, como o direito à vida, à igualdade, à integrida-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

de física etc.
A autonomia, por usa vez, é o elemento ético da dignidade huma-
na. É o fundamento do livre arbítrio dos indivíduos, o que lhes permite
buscar, a seu modo, o ideal de viver bem181. Ela inclui, em geral, três ca-
tegorias, quais sejam, a autonomia privada (liberdades básicas), a auto-
nomia pública (direito à participação política) e o mínimo existencial (das
Existenzminimum) (IDEM, p. 82).
130 Assim, a dignidade se incorpora aos direitos sociais materialmente
fundamentais, em cujo âmbito merece destaque o conceito de mínimo

180 Em tradução livre: no reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. (KANT, 1965, p. 41)

181 Já Aristóteles reconhecia que toda ação de conhecer e toda intenção deliberada estão dirigidas à
consecução de algum bem. E, para ele, o mais elevado entre todos os bens cuja obtenção pode ser
realizada pela ação é a felicidade, embora felicidade não seja um termo capaz de abranger o sentido
mais amplo do conceito que a palavra grega «eudaimonia” representa. (ARISTÓTELES, 2002, p. 42)
existencial. Para ser livre, igual e capaz de exercer sua cidadania, todo
indivíduo precisa ter satisfeitas as necessidades indispensáveis à sua
existência física e psíquica; ele tem direito a determinadas prestações e
utilidades elementares. O direito ao mínimo existencial, que é um limite à
aplicação da teoria da reserva do possível (der Vorbehalt des Möglichen)182, não
é, como regra, referido expressamente em documentos constitucionais ou
internacionais, mas sua estatura constitucional tem sido amplamente re-
conhecida (BARROSO, 2014, p. 84), desde alguns julgamentos183 icônicos

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


do Tribunal Constitucional Federal alemão (Bundesverfassungsgericht) sobre
a assistência social, em 1951184 e em 1975185. Ele envolve o componente
distributivo da justiça, que exige que o Estado garanta a cada um certo
nível de bem-estar material (FLEISCHACKER, 2006).
O mínimo existencial constitui o núcleo essencial dos direitos fun-
damentais em geral e seu conteúdo corresponde às pré-condições para
o exercício dos direitos individuais e políticos, da autonomia privada e
pública. Não é possível captar esse conteúdo em um elenco exaustivo, até
porque ele variará no tempo e no espaço. Mas, utilizando a Constituição

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


brasileira como parâmetro, é possível incluir no seu âmbito o direito à
educação básica, à saúde, à assistência aos desamparados e ao acesso à
justiça. Por integrar o núcleo essencial dos direitos fundamentais, o míni-
mo existencial tem eficácia direta e imediata, operando tal qual uma regra,
não dependendo de prévio desenvolvimento pelo legislador (BARROSO,
2014, p. 85).

182 A construção teórica da reserva do possível se desenvolveu na jurisprudência do Tribunal


Constitucional Federal alemão, que, desde o paradigmático caso numerus clausus, versando sobre
o direito de acesso ao ensino superior, firmou entendimento no sentido de que a prestação recla-
mada deve corresponder àquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade. Com
efeito, mesmo em dispondo o Estado de recursos e tendo o poder de disposição, não se pode 131
falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável. De acordo
com a teoria da reserva do possível, a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais
estaria sob a reserva das capacidades financeiras do Estado, uma vez que seriam direitos funda-
mentais dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos. (ALEXY, 2015, p. 437-440;
SARLET; FIGUEIREDO, 2008)

183 Apresentados por Robert Alexy (2015, p. 436).

184 BVerfGE 1, 97.

185 BVerfGE 40, 121.


Quanto ao valor comunitário, ele representa o elemento social da
dignidade. A dignidade como valor comunitário enfatiza, pois, o papel
do Estado e da comunidade no estabelecimento de metas coletivas e
de restrições sobre direitos e liberdades individuais em nome de certa
concepção de vida boa. Assim, o valor comunitário, como uma restrição
sobre a autonomia pessoal, busca sua legitimidade na realização de três
objetivos, a saber, (i) a proteção dos direitos e da dignidade de terceiros,
(ii) a proteção dos direitos e da dignidade do próprio indivíduo e (iii) a
proteção dos valores sociais compartilhados (IDEM, p. 88).
No plano nacional, a dignidade da pessoa humana é fundamento da
República Federativa do Brasil, segundo dispõe o art. 1o da CRFB/88, em
conjunto com a soberania, a cidadania, os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa e o pluralismo político. Além disso, o princípio da dignida-
de da pessoa humana é reconhecido como o princípio de maior hierarquia
da ordem jurídica nacional (SARLET, 2011, p. 99), um superprincípio, em-
bora não seja absoluto (IDEM, p. 89)186. Segundo Ingo Sarlet, a condição de
princípio é integralmente compatível com o reconhecimento da plenitude
eficacial e, portanto, da plena vinculatividade da dignidade da pessoa hu-
mana em sua dimensão jurídico-normativa, seja na perspectiva objetiva,
seja como fundamento de posições subjetivas (IDEM, p. 90).
O superprincípio da dignidade da pessoa humana é de tal forma im-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

portante na ordem jurídica nacional que tem repercussões consideráveis


na atividade hermenêutica: a interpretação de qualquer norma deverá
colocar o homem no centro de importância e de valoração. Nesse sen-
tido, pode-se, até mesmo, aprofundar uma dimensão de “postulado” da
dignidade humana, embora, a rigor, o que se estaria enfatizando seria a
conexão das normas constitucionais com o superprincípio da dignidade
da pessoa humana por meio de uma terceira norma – o postulado da coe-
132 rência (ÁVILA, 2012, p. 395).
No que tange aos propósitos deste trabalho, recorda-se que, do di-
reito fundamental (e superprincípio) da dignidade da pessoa humana,

186 Veja-se, para tanto, as soluções divergentes dadas para casos difíceis envolvendo os temas da
eutanásia, feto anencéfalo, experimentos científicos com células-tronco e mesmo o homicídio por
estado de necessidade, entre outros.
nasce a defesa do consumidor, que, no Brasil, tem status de direito funda-
mental e é princípio conformador da ordem econômica, vis-à-vis o disposto
nos arts. 5o, XXXII, e 170, V, da CRFB/88 e, até mesmo, a consideração do
consumo como direito humano187. Isso torna necessário considerar que a
dignidade da pessoa humana inclui a atuação da pessoa como consumi-
dora (MARQUES, 2009), razão por que “making markets work for people as a
post-millennium development goal” (FOX, 2015), deveria ser a premissa de um
sistema jurídico em cujo cerne está a dignidade da pessoa humana.

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Finalmente, é necessário referir que a dignidade da pessoa humana,
além de fundamento da República, foi adotada como fim da ordem econô-
mica (art. 170, caput), o que significa que a ordem econômica mencionada
pelo art. 170, caput, deve ser dinamizada tendo em vista a promoção da
existência digna que todos devem experimentar (GRAU, 2014, p. 1793).
Portanto, aqui, a dignidade da pessoa humana tem importância ímpar: ela
compromete todo o exercício da atividade econômica, de forma que em-
penha na realização desse programa, dessa política pública maior, tanto o
setor público como o setor privado (IDEM, p. 1794). É a partir dessa noção,

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


a propósito, que este trabalho reflete sobre o reconhecimento de um di-
reito à concorrência, de especial interesse do consumidor.

3.3 A interação entre o consumidor, o fornecedor-


concorrente e a concorrência
O Direito da Concorrência tem a peculiaridade de conviver com uma
multiplicidade (BUTTIGIEG, 2009, p. 1) de objetivos que ele visa reali-
zar188. Seu âmbito de proteção envolve, sobretudo, dois elementos subje-
tivos, o consumidor e os concorrentes, e um elemento objetivo, a concor-
rência (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 82-84).
Essa interação entre os sujeitos e o instituição jurídica que ele pro- 133
tege pode ser representada de diversas formas, inclusive metaforicamen-

187 Identifica-se essa posição, na literatura, pelo menos nas seguintes obras: Deutch (1994), Benöhr
(2013) e Pasqualotto (2009).

188 A título comparativo, o mesmo ocorre na Alemanha, onde se debate igualmente o que e quem a
UWG deve proteger, se os competidores, a coletividade ou os consumidores. (TONNER, 1988, p.
96 e ss.)
te, método que se escolheu, considerando que a essência da metáfora
é “compreender e experimentar um tipo de coisa em termos de outra”
(LAKOFF; JOHNSON, 2003).
Assim, observou-se que a dinâmica concorrencial poderia ser repre-
sentada, com fidelidade, pelo menos no que tange aos seus propósitos
jurídicos (plano do dever ser), por um concerto. A origem etimológica do
termo “concerto” remete a duas palavras latinas: a primeira, concertatum,
do verbo concertare, que significa “combater”, “rivalizar”, “lutar” (FERREIRA,
1960, p. 256) e a segunda, de consertum, do verbo conserere, traduzido como
“entrelaçar”, “atar”, mas, também, em alguns contextos, como “argumen-
tar” (IDEM, p. 257).
Seja qual for a origem etimológica da palavra “concerto” ambas as
hipóteses que a explicam servem para a metáfora que se deseja apresen-
tar ao leitor: a dinâmica concorrencial envolve tanto as ideias de combate
como de entrelaçamento. Seus entes convivem em um diálogo permanen-
te, ainda que eventualmente conflituoso.
Assim, a lei concorrencial é representada por uma partitura. O concor-
rente, por um músico que compõe a orquestra cujo regente é representado
pelo Estado. A concorrência é representada, por sua vez, pela própria orques-
tra, enquanto a competição o é pela música e o consumidor, pela plateia.
A música, como se sabe, é o resultado de todo um esforço coletivo
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

e conjunto e que interessa, ao fim e ao cabo, à plateia – aos consumido-


res, portanto – e aos próprios músicos e regente, cujos interesses, que
são diferentes dos da audiência, não podem ser menosprezados. Embora
os interesses dos entes envolvidos nesta dinâmica se diferenciem, todos
têm importância relativa.
Em um concerto, a plateia não é de modo algum inerte. Sua participa-
ção é decisiva para o resultado do concerto. Uma plateia atenta nota qual-
134 quer erro do músico, qualquer desafino seu. E uma plateia que não esteja
concentrada na música executada, que não coopere com o concerto, pode
distrair os músicos e “atrapalhar” o desenvolvimento do concerto. As inte-
rações, como se vê, são muitas.
Dessa forma, o objetivo primeiro do Direito da Concorrência, por uma
imposição lógica, seria proteger os competidores, que se tornam concor-
rentes (músicos). Uma vez assegurada a existência de concorrentes, po-
derá existir competição (música) e, portanto, um ambiente concorrencial
(orquestra) a ser, também, protegido. Após, surge a preocupação com o
consumidor (plateia), a quem toda a dinâmica envolvendo as relações en-
tre concorrentes e a concorrência produzida por seus comportamentos e
estruturas se destina, de forma imediata.
Tecidas essas observações, que têm um caráter didático, que expli-
que e modifique a ideia de sujeitos estáticos, no contexto de relações
“concorrenciais”, nota-se que definir os objetivos do Direito Concorrencial

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


é tarefa complexa. Por que, afinal, se convencionou que as normas con-
correncias protegem diversos interesses, perfazendo o conhecido “jogo
do interesse protegido”189, considerando que a função desses interesses
é tão diversa?
Em primeiro lugar, pensa-se que os objetivos do Direito da
Concorrência devem ser analisados de forma isolada para que, após, pos-
sam ser compreendidos de forma conjunta: metodicamente, é necessário
separar as peças para que se possa entender sua relação intrínseca e, ao
fim, montar o quebra-cabeça.

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Pode-se afirmar que o competidor somente será efetivamente compe-
tidor em um ambiente em que exista, de fato, a possibilidade de compe-
tir. Do contrário, ele será apenas um indivíduo, um agente econômico com
atua­ção em um dado mercado e que está impossibilitado de ser qualifica-
do, juridicamente, como competidor e, a partir daí, como concorrente.
Sinteticamente, ser “competidor” é apresentar um atributo que pode
existir se e somente se houver um outro sujeito em situação semelhante,
em situação de disputa simultânea. Decorre daí a necessidade de se falar
apenas em “competidores” como sujeitos plurais, jamais singulares (por-
que se assim o fosse não seriam “competidores”, na acepção exauriente
do termo). Tornar-se competidor significa apresentar alguma competên-
135

189 A expressão é de Paula Forgioni, que nota que o “jogo do interesse protegido” estava presente
já na Lei n. 4.137/1962 e em algumas decisões adotadas pelo CADE ainda na década de 1960.
Houve, pois, não apenas a utilização dos “interesses da economia nacional” como justificadores
da licitude de alguns atos de concentração econômica, mas também dos “interesses do consumi-
dor”. (FORGIONI, 2012, p. 119, 237)
cia190 e depender, inexoravelmente, da existência de um outro sujeito,
também disposto a competir.
Pense-se, por exemplo, no caso de um agente estatal que explore
determinada atividade econômica em caráter de monopólio. No Brasil, é
a própria CRFB/88, em seu art. 21, XXIII, que reserva apenas à União, entre
outras hipóteses, a possibilidade de “explorar os serviços e instalações
nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pes-
quisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o
comércio de minérios nucleares e seus derivados”.
Evidente, portanto, que os casos que envolvem situações de mono-
pólio estatal191 (também chamado monopólio legal ou público), como o
citado, ou de monopólio natural192, não tratam de um competidor, porque
inexiste o pressuposto básico para a existência de um competidor, qual
seja, a multiplicidade de agentes competentes em uma situação de dis-
puta, mas, ao invés, de um agente que não pode ser qualificado como
competidor, dada a inexistência de competição. Trata-se, tão somente, de
um monopolista.
Então, havendo pluralidade de agentes dispostos a competir em de-
terminado mercado, dispostos a conquistar a renda do consumidor que,
por sua vez, deseja adquirir o produto ou contratar o serviço por eles ofe-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

190 Que não se confunde com a competência enquanto “atribuição”. Como ensina Tercio Sampaio
Ferraz Junior, as normas instituidoras de poder, cujo conteúdo é o estabelecimento do que se pode
chamar de “poder heterônomo” e cuja função é capacitar o sujeito a dar forma a relações jurídicas
de terceiros, instituem o que se chama de “competência”. (FERRAZ JUNIOR, 2015, p. 122, 125)

191 O monopólio legal, ao contrário do natural, não decorre de circunstâncias fáticas ou de incapa-
cidade técnica, tampouco deriva de uma jurídica ou antijurídica situação de controle total do
mercado, podendo ser de duas espécies: (i) os que visam impelir o agente econômico ao investi-
mento e (ii) os que são instrumento de ação do Estado na economia. Os do primeiro tipo decor-
136 rem da propriedade industrial – proteção de marcas, patentes, know-how, insígnias – o que confere
a seu proprietário exclusividade em sua exploração. Os da segunda espécie caracterizam-se pelo
fato de o Estado assumir o exercício exclusivo de determinada atividade econômica, sem admitir
concorrentes. (MENDONÇA, 2014, p. 286)

192 Um monopólio é denominado “natural” quando o número de firmas que minimiza o custo total
da indústria é 1 (um). Caso esse mercado não seja perfeitamente contestável, a teoria prevê
uma perda líquida de excedente (peso morto) e, portanto, uma ineficiência alocativa derivada
do exercício do poder de monopólio. Neste caso, portanto, as forças de mercado devem ser
substituídas pela regulamentação econômica ou pela operação de empresas estatais. (FARINA;
AZEVEDO; SAES, 1997, p. 119)
recido, devem-se assegurar condições para que essa competição, existin-
do, mantenha-se e observe padrões mínimos.
Tão importante quanto propiciar que exista um número razoável de
agentes competentes dispostos a disputar, de forma simultânea e entre si,
a conquista da renda do consumidor, em um dado mercado e lapso tem-
poral, é garantir a manutenção dessa competição, que é autóctone, e sua
lisura (fair play). Uma vez assegurada a existência de um ambiente em que
competir seja possível, factível, aumentam as chances de que novos agen-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


tes competentes sintam-se atraídos por mercados ainda inexplorados por
eles, mas já explorados por agentes que outrora tenham demonstrado si-
nais de ganhos econômicos, de lucros.
Nota-se, enfim, que assegurar a existência de um ambiente compe-
titivo, onde seja possível competir, por todos que assim o desejarem, faz
aumentar as chances de que os competidores pretéritos mantenham-se
no mercado em que atuam e de que novos agentes nesse mercado dis-
ponham-se a entrar. Dessa forma, ambos o competidor e o consumidor
poderão se beneficiar dessa disputa, dessa competição.

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Embora os termos competição e concorrência193 sejam utilizados recor-
rentemente como sinônimos, faz-se necessário realizar uma distinção con-
ceitual, visto que concorrer significa mais do que simplesmente competir.
A competição é o estado imediatamente decorrente da disputa, algo
autóctone, como já mencionado. A concorrência, por outro lado, é o esta-
do decorrente da competição, uma situação que é alóctone, que é artifi-
cial porque dada pelo Estado ao exercer sua função de assegurar que os
agentes competentes continuem a poder competir em igualdade de con-
dições, mediadas pelo Direito. Concorrer é um ato que presume194, assim,
a existência de competição anterior.

137

193 Isabel Vaz observa que “a expressão portuguesa concorrência, do século XVI, o espanhol compe-
tencia, o italiano concorrenza, dos séculos XIV-XV, o alemão Konkurrenz, do século XVII, ligam-se ao
particípio presente latino concurrens-entis, ‘concorrente’ (do latim concurrere, ‘concorrer’), origem do
francês concurrent, de 1120, donde o francês concurrence, de 1559. A literatura jurídica inglesa e a
norte-americana adotam as palavras competition, competition law, competition Act, competition Policy, com
significado semelhante ao de ‘concorrência’” (grifos do original). (VAZ, 1993, p. 21)

194 Nesse sentido se posiciona Isabel Vaz, que afirma: “a noção tradicional de concorrência pressu-
põe uma ação desenvolvida por um grande número de competidores, atuando livremente no
Nesse sentido, Michel Foucault, ao analisar o viés ordoliberal, afirma
que a concorrência não é de modo algum um dado natural, mas um prin-
cípio de formalização: a concorrência como lógica econômica essencial só
aparecerá e só produzirá seus efeitos sob certo número de condições cui-
dadosa e artificialmente preparadas (FOUCAULT, 2008, p. 163-164).
Competir, como outrora visto, significa disputar; concorrer, por sua vez,
significa mais, significa disputar algo em condições de igualdade, de pari-
dade de armas, conforme se espera que um Estado Democrático de Direito
permita. Não fosse assim, poder-se-ia verificar o seguinte quadro: alguns
agentes que compitam entre si, por exemplo, como únicos competidores
existentes em um dado mercado, poderiam assistir ao crescimento de um
dos agentes que, por seus próprios méritos, fosse mais eficiente do que os
demais. Esse crescimento, que é legítimo, poderia, contudo, provocar uma
alteração de comportamento do agente que tenha se destacado como o
mais competente e fazê-lo, eventualmente, atuar de forma prejudicial aos
interesses dos demais competidores (e, também, dos consumidores).
Daí a necessidade de se assegurar que os agentes que compitam
possam, também, concorrer: continuar a competir, observadas regras de
conduta mínimas, mesmo que as condições tenham se alterado. Sob essa
perspectiva, a concorrência está ligada ao Direito e, mais, à justiça, como
forma de impedir que o fiel da balança penda para um lado; como forma,
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

em última análise, de evitar que os mais fracos sejam prejudicados.


Com efeito, o sistema jurídico deve voltar-se, sobretudo, à permissão
da existência de (i) agentes competentes, para que se tornem (ii) competi-
dores e afirme-se uma situação de (iii) competição, que deve, por sua vez,
ser protegida para que a (iv) concorrência, palco em que atuarão os (v) con-
correntes, beneficie o (vi) consumidor – e, evidentemente, também os pró-
prios concorrentes, alimentando a instituição jurídica da concorrência.
138 Estruturalmente, tem-se um modelo interdependente, que se inicia
pela possibilidade de atuação de agentes econômicos, aqui chamados

mercado de um mesmo produto, de maneira que a oferta e a procura provenham de comprado-


res ou de vendedores cuja igualdade de condições os impeça de influir, de modo permanente ou
duradouro, no preço dos bens ou serviços”. (VAZ, 1993, p. 27)
agentes competentes, pois detentores de alguma competência. Eles são
considerados em uma situação de pluralidade necessária.
A partir de sua disposição inicial de disputa entre si, esses agentes
passam a competir, tornando-se competidores, fato que ocasiona o nasci-
mento da competição. Existindo competição, torna-se necessária a atua-
ção de um agente externo, neutro, como o árbitro de uma luta (em geral,
um ente estatal), que intermedia195 a atuação dos competidores, o que faz
sobrevir uma situação de concorrência, que é uma competição regulada,

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


moderada, controlada, orientada (no caso brasileiro, para determinados
fins, visto que a concorrência tem caráter instrumental).
Observa-se, assim, que a existência de “concorrência” é fato que in-
teressa ao consumidor e, indissossiavelmente, também, aos concorrentes,
como se percebe pelo esquema seguinte, exposto na figura abaixo.

Figura 1: interações presentes na “dinâmica concorrencial”.

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Os competidores iniciais tornam-se, portanto, mais do que meros
competidores. Tornam-se concorrentes, sujeitos aptos a conquistar o “tro-
féu” conferido ao ganhador da luta: a renda do consumidor, o preço que
este se propõe a pagar pelo produto e/ou serviço oferecido pelos forne-
cedores/concorrentes.
A partir disso, percebe-se que a defesa do consumidor não se limi- 139

ta à relação jurídica de consumo, em que há, de um lado, o consumidor

195 Elisabeth Farina informa que “na presença de externalidades, bens públicos ou coletivos e de
informação imperfeita as decisões orientadas pela racionalidade individual não são consistentes
com a racionalidade coletiva. O equilíbrio não-cooperativo não é Pareto-ótimo e, portanto, pode-se
obter vantagens a partir do comportamento cooperativo. Em tais casos, o comportamento racional
dos participantes do mercado tem que estar subordinado a alguma forma de controle autoritário
exercido pelo Estado ou por algum outro agente”. (FARINA; AZEVEDO; SAES, 1997, p. 151)
e, de outro, o fornecedor (plano vertical do mercado). Ela a ultrapassa e
envolve, também, a relação jurídica concorrencial entre, de um lado, o
fornecedor-consumidor e, de outro lado, o fornecedor-concorrente, cuja
relação tem espaço no plano horizontal do mercado (BENJAMIN, 2011, p.
375), como observa Adalberto Pasqualotto (2009, p. 81):

é fato que a introdução da defesa do consumidor no contexto da ordem


econômica não lhe assegura supremacia, mas ela passa a participar de um
“jogo concertado” com os co-princípios do art. 170, interagindo no per-
manente processo de redefinição e reconstrução da chamada identidade
constitucional. E já agora a proteção ao consumidor não se faz dispersa-
mente, como à época do dirigismo estatal, mas sim de modo sistemático,
em favor de um sujeito concreto, seja qual for a natureza da relação jurídica
de que participe.

Essa interação existente entre concorrente-fornecedor-consumidor


apresenta tendências diversas que são significativas e tornam a proteção
concorrencial do consumidor uma construção complexa. Afinal, o direito
fundamental que a defesa do consumidor expressa deve ser coerente
com sua proposta em todos os níveis. Tanto no nível da relação jurídica
de consumo, que se poderia considerar um nível imediato, que alguns
chamam de “varejo”, como no nível da relação jurídica consumo-concor-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

rencial, que se poderia considerar um nível mediato, que alguns chamam


de “atacado”196. Assim, a defesa do consumidor, tomada em uma acepção
irrestrita é uma proposta que se plasma em formas diversas, em que a
consideração da contradição de suas partes pode, eventualmente, desfa-
zer a contradição do seu todo.
Pense-se, por exemplo, nos acordos entre agentes econômicos que
envolvem insumos de importância considerável, ou, concretamente, nos
140 acordos de exclusividade197 que envolveram uma das bebidas mais con-

196 Nesse sentido, Paula Forgioni (2012, p. 246) e Lafayette Petter (2007, p. 73)

197 Um dos mais notórios julgamentos de conduta unilateral realizado pelo CADE ocorreu em julho
de 2009, quando a fabricante de cervejas Ambev, líder do mercado brasileiro de cervejas, foi
condenada ao pagamento de uma multa de quase R$ 353 milhões. O programa de fidelidade
denominado “Tô Contigo”, criado pela Ambev, oferecia descontos e bonificações aos pontos de
venda em troca de exclusividade ou de redução na comercialização de produtos dos concorren-
tes. Os estabelecimentos comerciais poderiam optar por participar ou não do programa, mas
os que não aderissem, deixariam de receber descontos e brindes da Ambev. A conclusão do
CADE foi a de que essa prática, ao ser adotada por uma empresa com quase 70% de participa-
ção no mercado brasileiro de cervejas, limitava o acesso de outros concorrentes aos locais de
venda, dificultando a entrada e o desenvolvimento de outras cervejarias. Segue a ementa do
prolatada no autos do Processo Administrativo n. 08012.003805/2004-10: “EMENTA: PROCESSO
ADMINISTRATIVO. PROGRAMA DE FIDELIDADE TÔ CONTIGO. PROVAS CONCRETAS. INSPEÇÃO
IN LOCO. PESQUISA DE CAMPO. PRÁTICAS DE EXCLUSIVIDADE NA VENDA DE CERVEJAS
NO CANAL BAR E TRADICIONAL. SHARE AMBEV EXIGIDOS INFORMALMENTE. DESCONTOS
SUBSTANCIAIS. INCAPACIDADE DE RIVAIS MAIS EFICIENTES DE COMPETIR. AUMENTO DAS
BARREIRAS À ENTRADA. EFEITOS ECONÔMICOS POSSÍVEIS. ABUSO DE PODER ECONÔMICO.

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


CONDENAÇÃO DA REPRESENTADA. CESSAÇÃO DA PRÁTICA. PENALIDADE DE MULTA.
PUBLICAÇÃO EM JORNAL. I Processo Administrativo para apurar a ocorrência de efeitos anticon-
correnciais decorrentes da fidelização de clientes por meio do Programa “Tô Contigo”. II Mercado
relevante das práticas horizontais e a montante definido como o de cerveja no âmbito regional.
A jusante, canais bar e tradicional, em âmbito local. Importações irrelevantes. Barreiras à entrada
altas derivadas da marca e da distribuição. Rivalidade baseada em disponibilidade, imagem e
preço relativo. III.Poder nos mercados regionais. Portfólio de marcas. Importância das políticas
de distribuição e de comercialização. IV Processo Administrativo Regular. Assegurados o contra-
ditório e a ampla defesa na instauração e ao longo da instrução. Inspeção realizada. Indeferidas
preliminares de nulidade, de inadequação e desproporcionalidade da inspeção e de ilegalidade
dos procedimentos adotados. Direitos fundamentais respeitados. Capacidade probatória dos ar-
quivos eletrônicos e papéis copiados. Validade das demais provas produzidas. V Jurisprudência
internacional europeia e americana. Descrição da prática. Programa de acúmulo de pontos e troca
por prêmios equivalentes a descontos. Requisitos formais não exigem contrapartida. Requisitos

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


informais: percepção dos pontos de venda (PDVs) de obrigação de exclusividade. Pesquisa
IBOPE. VI Mecânica de execução. Programa embutia obrigações e contrapartidas disfarçadas aos
PDVs, além da concessão de benefícios extras. Fiscalizações constantes por parte da AMBEV.
Exclusão do programa por invasão de marcas concorrentes. Monitoramento das adesões nas re-
giões metropolitanas de grandes cidades brasileiras. VII Exigência não sistemática de exclusivi-
dade ou de share AMBEV mínimo de 90% (noventa por cento). Seleção criteriosa dos PDVs. Pouca
transparência com relação às contrapartidas. VIII Argumentos econômicos. Mudança do padrão
de competição e incapacidade de competir por lote. Não-linearidade. Necessidade de descon-
tos por parte dos concorrentes muito superiores aos concedidos pela AMBEV. Ausência de efici-
ências possíveis. IX Programa “Tô Contigo” é anticoncorrencial. Configurada infração à ordem eco-
nômica. Condenação da Representada. Comprovada a possibilidade de produção dos efeitos do
art. 20,IeI Vd aL e i 8.884/94. Conduta das empresas enquadradas no art. 21, inc. IV, V e VI, da Lei
8.884/94. X Multa base fixada em 1,5%, com fulcro no art. 27 da Lei de Regência. Agravantes de má-
-fé e vantagem esperada com a conduta em 0,5%. Imposição de multa à Representada equivalen-
te a 2% do faturamento bruto. Fundamento no art. 23, I, da Lei 8.884/1994. XI Imediata cessação da
prática sob pena de multa. Publicação em jornal do conteúdo da decisão. Inscrição no Cadastro
Nacional de Defesa do Consumidor. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os presentes au-
tos, acordam o Presidente e os Conselheiros do Conselho Administrativo de Defesa Econômica
– CADE, por unanimidade, rejeitar a proposta de termo de compromisso de cessação apresenta- 141
da pela Representada e condenar a Representada, nos termos do voto do Conselheiro-Relator,
que fica fazendo parte integrante deste acórdão. Participaram do julgamento os Conselheiros do
CADE Paulo Furquim de Azevedo, Fernando de Magalhães Furlan, Vinícius Marques de Carvalho,
Olavo Zago Chinaglia e Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo. Presentes o Procurador-Geral do
CADE Interino, Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araújo e o representante do Ministério Público
Federal Substituto, Marcus da Penha Souza Lima. Ausente o representante do Ministério Público
Federal, Antonio Augusto Brandão de Aras. Brasília – DF, 22 de julho de 2009, data do julga-
mento da 448ª Sessão Ordinária de Julgamento. PAULO FURQUIM DE AZEVEDO Presidente do
Conselho Interino. FERNANDO DE MAGALHÃES FURLAN. Conselheiro Relator”. (BRASIL, CADE,
APRECIAÇÃO PA 08012.003805/2004-10)
sumidas pelo brasileiro, a cerveja198. Os danos ao consumidor foram um
dos efeitos desses acordos, além dos danos à ordem econômica (leia-se à
“concorrência”) e, evidentemente, aos concorrentes.
Esse é um aspecto importante se se quer, realmente, conferir eficácia
à defesa do consumidor na esfera concorrencial, algo que é, como já visto,
conditio sine qua non para a proteção integral, e não simplesmente retórica,
do consumidor. Nesse sentido, Canotilho e Vital Moreira afirmam que:

numa economia de mercado, um dos principais instrumentos de defesa


dos interesses econômicos dos consumidores são as instituições de defe-
sa da concorrência, sancionando designadamente as práticas restritivas da
concorrência e os abusos de posição dominante. De facto, as principais ví-
timas da violação das regras da concorrência são os consumidores, através
de preços mais altos, limitação da liberdade de escolha etc. (CANOTILHO;
MOREIRA, 2007, p. 782).

Portanto, percebe-se que há um interesse, para além do interes-


se do fornecedor-concorrente e do interesse da instituição concor-
rencial, que é o interesse do consumidor. E esse interesse, que pode
ser afetado em um âmbito que não é o da relação estrita de consumo,
deve ser juridicamente protegido.
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

3.4 O caráter instrumental da política


concorrencial
O caráter instrumental da concorrência é uma espécie de consenso no
Brasil199 e na União Europeia (UE) (FORGIONI, 2012, p. 83), onde uma visão
utilitária caracteriza o debate antitruste desde a adoção dos primeiros tra-
tados fundacionais200, em que se considerou que a concorrência é um meio
142
198 No Brasil, a produção de refrigerantes destaca-se como o principal item do setor de bebidas,
aparecendo em seguida a produção de cervejas. (CERVIERI JÚNIOR et al., 2014, p. 94)

199 Como observa Paula Forgioni (2012, p. 186): “o texto da Constituição de 1988 não deixa dúvidas
quanto ao fato de a concorrência ser, entre nós, meio, instrumento para o alcance de outro bem
maior, qual seja, ‘assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social’”.
(Grifo da autora).

200 Entretanto, a instrumentalização do Direito da concorrência não é imune a críticas. Há, por exem-
plo, na literatura, quem perceba a presença de uma colisão de objetivos na esfera da UE pela
para a obtenção de escopos que a transcendem. Essa natureza instrumen-
tal201 da concorrência, na UE, reflete a dimensão social do então mercado
comum202 desde os primórdios203 da construção europeia (MÜLLER, 2014,
p. 344-347) e se vincula especialmente aos objetivos (FORGIONI, 2012, p.
130) delimitados no art. 3o e 3o-A do Tratado da EU, também denominado
“Tratado de Maastricht” (UNIÃO EUROPEIA, TRATADO DA UNIÃO...).
Inicialmente, nos EUA do fim do século XIX, a concorrência era vista ex-
clusivamente como condição da existência de uma economia de mercado.

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Ela valeria por si e, simbolicamente, desenvolveu-se, nessa época, o mode-
lo da ilegalidade per se204, podendo-se falar em uma aplicação linear da lei

expansão de metas talvez demasiadamente amplas, exemplificada pela disposição do art. 9° do


TFUE ao estabelecer que, na definição e execução das suas políticas e ações, a União deve con-
siderar exigências relacionadas com a promoção de um nível elevado de emprego, a garantia de
uma proteção social adequada, a luta contra a exclusão social e um nível elevado de educação,
formação e proteção da saúde humana. (GUSKI, 2015, p. 519)

201 Há, na literatura, quem identifique características híbridas no modelo europeu. (SANTOS;
GONÇALVES; MARQUES, 2008, p. 319-321)

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


202 Como observa Augusto Jaeger Junior (2008, p. 360-361), “a regulamentação da concorrência rece-
beu o indicativo de ser feita antes da conformação do mercado comum, justamente para permitir
o seu alcance”.

203 É interessante recordar que a Declaração Schuman, proferida pelo ministro francês dos Negócios
Estrangeiros, Robert Schuman, em 9 de maio de 1950, propunha a criação da Comunidade
Europeia do Carvão e do Aço (CECA) com vista a instituir um mercado comum do carvão e do
aço entre os países fundadores. A CECA, cujos membros fundadores foram França, Alemanha,
Itália, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo, foi a primeira de uma série de instituições europeias
supranacionais que deram origem à atual União Europeia. A respeito, Augusto Jaeger Junior ob-
serva que “a orientação econômica do processo de integração é decorrente dessa declaração”,
que afirma “ao contrário de um cartel internacional que tende a repartir e a explorar os mercados
nacionais com base em práticas restritivas e na manutenção de elevados lucros, a organização
projectada assegurará a fusão dos mercados e a expansão da produção”. Ainda segundo o autor,
“isso implicava a necessidade de controlar os comportamentos das empresas por meio de nor-
mas de concorrência e impedir o protecionismo estatal mediante a garantia da livre circulação
dos fatores de produção. A declaração, reproduzida no Preâmbulo do Tratado da Comunidade
Econômica Europeia para o Carvão e o Aço (TCECA), que viria a surgir em 1951, continha os va-
lores e os princípios fundamentais de caráter político e econômico do processo de integração”. 143
(JAEGER JUNIOR, 2010, p. 48-49; UNIÃO EUROPEIA, DECLARAÇÃO SCHUMAN..., 1950)

204 A doutrina concorrencial estadunidense, a partir dos precedentes da Suprema Corte daquele
país, divide as condutas anticoncorrenciais entre aquelas que são ilícitas per se e as que somente
serão objeto de sanção após um estudo com fulcro na regra da razão, com uma análise casuística
dos potenciais efeitos anticompetitivos comparativamente às eficiências esperadas com a prá-
tica em questão. Philip Areeda esclarece que: “the Sherman Act prohibition against ‘every’ agreement in
restraint of trade has been understood by the federal courts since the 1911 Standard Oil decision to forbid 
only ‘un-
reasonable restraints’. However, Standard Oil reconciled earlier categorical prohibitions with its own rule of reason by
declaring some restraints ‘inherently unreasonable’ or, as later courts put it, ‘per se unlawful’”. (AREEDA, 1981)
antitruste, que proibia205 os atos que restringissem o comércio (PFEIFFER,
2015, p. 224). Mais tarde, o modelo da concorrência-condição, também dito
norte-americano, seria atenuado (CORDEIRO, 2005, p. 126) por interpreta-
ções baseadas na regra da razão (rule of reason)206, que passaram a considerar
o contexto concorrencial e as repercussões, múltiplas, dos atos empresa-
riais e da resposta estatal, de forma que as práticas que restringem a con-
corrência de forma não razoável são consideradas ilegais207.
No sistema da concorrência-instrumento, a concorrência é vista como
um meio para se chegar a algum objetivo outro que supere a mera assegu-
ração de concorrência. Esse objetivo, por sua vez, varia conforme o país ou
a organização multilateral político-econômica (por exemplo, a represen-
tada pela UE208), conforme seus princípios, regras, valores e postulados
juridicamente definidos.

205 Por exemplo, assim dispõe o § 1o do Sherman Act: § 1 Sherman Act, 15 U.S.C. § 1
Trusts, etc., in
restraint of trade illegal; penalty. Every contract, combination in the form of trust or otherwise, or conspiracy, in
restraint of trade or commerce among the several States, or with foreign nations, is declared to be illegal. Every
person who shall make any contract or engage in any combination or conspiracy hereby declared to be illegal shall
be deemed guilty of a felony, and, on conviction thereof, shall be punished by fine not exceeding $100,000,000 if
a corporation, or, if any other person, $1,000,000, or by imprisonment not exceeding 10 years, or by both said
punishments, in the discretion of the court. (EUA, SHERMAN ACT)

206 Desenvoldida com o julgamento do caso Standard Oil, de 1910, que se tornou célebre. Em seu
voto vencedor, o juiz White afirmou que as proibições estatuídas no Sherman Act deveriam ser
interpretadas à luz da razoabilidade, princípio geral da common law que constituiria a medida da
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

legalidade. Com isso, passou-se a entender que as práticas mercantis não poderiam ser taxadas
de ilícitas a priori, mas, antes, deveriam ser analisadas casuisticamente. Com efeito, a jurisprudên-
cia, ao considerar a seção 1 do Sherman Act, que proíbe os acordos restritivos ao comércio, passou
a exigir, para a condenação de acordos entre concorrentes, os requisitos de que os agentes eco-
nômicos detivessem poder de mercado e tivessem se engajado em práticas que não pudessem
ser toleradas, dado o seu efeito ou intuito de proteger ou fortalecer uma posição de (quase) mo-
nopólio. Portanto, a jurisprudência dos EUA, desde há muito, percebe que, para considerar uma
prática mercantil como incompatível com a legislação concorrencial, é necessária uma análise
dos objetivos e do potencial anticompetitivo da prática investigada. (FINDLAW, U. S. SUPREME
COURT,. STANDARD OIL CO. OF NEW JERSEY v. US; FGV, 2008, p. 130)

207 Destaque-se que, em regra, o cartel é exemplo de infração que recebe tratamento sob a perspec-
144 tiva da ilegalidade per se. (EUA, ANTITRUST..., 2010)

208 No que tange a esse tema, recorda-se que o então Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias
(TJCE) ao julgar o processo C‐501/06, GlaxoSmithKline/Comissão, em 6/10/2009, asseverou que
“por outro lado, importa sublinhar que o Tribunal de Justiça já decidiu que o artigo 81° CE visa,
a exemplo de outras regras de concorrência enunciadas no Tratado, proteger não apenas os in-
teresses dos concorrentes ou dos consumidores, mas a estrutura do mercado e, deste modo, a
concorrência em si mesma. Por isso, a declaração da existência de objectivo anticoncorrencial de
um acordo não pode ficar subordinada a que os consumidores finais fiquem privados das vanta-
gens de uma concorrência eficaz em termos de aprovisionamento ou de preços (v., por analogia,
acórdão T‑Mobile Netherlands e o., já referido, n. 38 e 39)”. (CURIA, 2009)
Embora não se possam desprezar eventuais conflitos entre o aspecto
organizacional e o aspecto intervencionista do Direito e da política con-
correncial, já que o Estado garante a concorrência e simultaneamente a
instrumentaliza para atingir seus objetivos de política econômica, esses
eventuais conflitos (exceção) não podem impedir a adoção de normas e
de políticas públicas em que a concorrência tenha papel funcional, em
benefício da coletividade (regra), uma vez que, como todo fenômeno hu-
mano, mesmo a concorrência pode apresentar contradições, passíveis de

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


correção (REICH, 1985, p. 41, 50). Com efeito, a função central do sistema
econômico é garantir a interação dos agentes no mercado em igualdade
de condições, proteger aquilo que Calixto Salomão Filho chama de “devi-
do processo econômico”, que depende da concorrência como instrumen-
to de diluição de poder (COMPARATO; SALOMÃO FILHO, 2005, p. 18).
No Brasil, segundo Isabel Vaz, para quem os princípios constitucio-
nais aplicáveis à concorrência têm uma “vocação desenvolvimentista”
(VAZ, 1993, p. 307), a concorrência adquire a natureza de instrumento de
realização de uma política econômica cujo escopo principal não é sim-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


plesmente reprimir práticas econômicas abusivas, mas estimular todos
os agentes econômicos a participarem do esforço de desenvolvimento
(IDEM, p. 9-10).
Se a concorrência não é um fim em si mesmo209, mas um instrumento
que, no caso brasileiro, permite a consecução dos objetivos fundamentais
da República210 e de uma ordem econômica211 que tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social212, então ela
representa uma instituição jurídica de importância ímpar para a imple-
mentação de diversos fins, inter alia a defesa do consumidor. Essa consta-
tação não é, porém, uma novidade introduzida pela Constituição de 1988,
pois, como lembra Amanda Flávio de Oliveira, o caráter instrumental do
145

209 O discurso do comissário europeu, em 1993, em que ele menciona esse aspecto, tornou-se icôni-
co. (MIERT, 1993)

210 Art. 3° da CRFB/88.

211 Art. 170, caput, da CRFB/88.

212 Veja-se a carta encíclica do Papa Pio XI, Quadragesimo anno, em que se destacou o conceito de
“justiça social”. (PIO XI, 1931)
Direito da Concorrência, no Brasil, presente desde as suas origens, sem-
pre permitiu que a proteção do consumidor fosse compreendida como
uma de suas finalidades (OLIVEIRA, 2007, p. 172).
Ainda, uma questão importante relacionada ao tema envolve os limi-
tes da capacidade de instrumentalização política da concorrência, pois,
embora a concorrência apresente elementos de solidariedade imanentes
(MÜLLER, 2014, p. 53) (sob a perspectiva do consumidor, os resultados
do desempenho empresarial são transmitidos sob a forma de redução de
preços, aumento da qualidade de produtos e serviços, aumento da diver-
sidade de opções etc.) a política concorrencial deve, sobretudo, cumprir
sua função essencial, a saber, a manutenção da livre concorrência, consi-
derando permanentemente a defesa do consumidor, e não ser descarac-
terizada, o que fatalmente prejudicaria o consumidor.

3.4.1 Os objetivos do Direito da Concorrência e


da Lei n. 12.529/2011
Já na década de 1950, Aaron Director e Edward Levi apontavam a
existência de uma incerteza sobre o tema dominante das leis antitruste,
se uma evolução das leis de comportamentos leais (fair conduct), ou se uma
evolução das regras mínimas de proteção da concorrência ou de proibição
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

de monopólio (DIRECTOR; LEVI, 1956, p. 282).


Sobre o problema da indefinição de objetivos que caracteriza as leis
concorrenciais, algo fundamental se se considera que a política concor-
rencial é funcionalizável, Eleanor Fox (2003, p. 149) afirma que “it is widely
stated, in contemporary antitrust circles, that antitrust law protects consumers, not
competitors”213, ainda que, para ela, “antitrust laws protect competition”214, o mes-
mo viés adotado pela UNCTAD em sua lei modelo atual sobre concorrên-
146 cia, em que declara que “the fundamental objective of competition law is to promote

213 Em tradução livre: é amplamente afirmado, nos círculos de defesa da concorrência contemporâ-
neos, que a lei antitruste protege os consumidores, e não os concorrentes.

214 Em tradução livre: leis antitruste protegem a concorrência.


and protect competition within markets. A number of more specific goals fall within that
overarching objective”215. (UNCTAD, 2015, p. 2)
Eugène Buttigieg refere que “every competition law system has a number of
objectives that it seeks to achieve, some of which may be particularly linked to the pecu-
liarities of the economy of the country or region and others that might change with the
passage of time or with changing political or scholarly ideologies” (BUTTIGIEG, 2009,
p. 1)216. Conforme Katalin Cseres (2005, p. 309), ao se discutir os objetivos
da política de defesa da concorrência, pode-se identificar três políticas

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


principais e associá-las com uma ou duas escolas de pensamento real-
mente relevantes, sendo que “one of the three mainstream policies is based on the
ideia that competition is a value in and of itself, another concept is based on pure economic
efficiency arguments and a third policy stream accepts wider public interests as the goal
of competition”217.
O relatório produzido em 2007 pela Antitrust Modernization Commission,
nos EUA, aponta a prevalência do bem-estar do consumidor como objeti-
vo, naquele país, do Direito da Concorrência, como se infere:

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


in 1979 the Supreme Court once again chose to interpret the antitrust law to protect
consumers, not small businesses, describing the Sherman Act as a “consumer welfare
prescription.” Other courts have adopted similar views. For the last few decades courts,
agencies, and antitrust practitioners have recognized consumer welfare as the unifying goal
of antitrust law. “Few people dispute that antitrust’s core mission is protecting consumers’
right to the low prices, innovation, and diverse production that competition promises” 218.
(EUA, REPORT..., 2007, p. 35)

215 Em tradução livre: o objetivo fundamental do Direito da Concorrência é promover e proteger a


concorrência nos mercados. Uma série de objetivos mais específicos se inserem dentro desse
objetivo abrangente.

216 Em tradução livre: todos os sistemas de Direito da Concorrência tem uma número de objetivos
que pretende alcançar, alguns dos quais podem ser particularmente ligados às peculiaridades
147
da economia do país ou região e outros que podem mudar com o passar do tempo ou com a
mudança de ideologias políticas ou de escolas.

217 Em tradução livre: uma das três principais políticas baseia-se na ideia de que a concorrência é um
valor em si mesmo, um outro conceito se baseia em argumentos de eficiência econômica puras e
uma terceira política aceita interesses públicos mais amplos como o objetivo da concorrência.

218 Em tradução livre: em 1979, o Supremo Tribunal mais uma vez escolheu interpretar a lei anti-
truste para proteger os consumidores, não as pequenas empresas, descrevendo o Sherman Act
como uma “receita de bem-estar do consumidor”. Outros tribunais adotaram pontos de vista se-
melhantes. Durante as últimas décadas, tribunais, agências e profissionais de defesa da concor-
Do mesmo modo, Robert Bork afirma que “the antitrust laws, as they now
stand, have only one legitimate goal, and that goal can be derived as rigorously as any
theorem in economics”. Para ele, “the only legitimate goal of American antitrust law is
the maximization of consumer welfare”, embora assevere que “clearly the law does
employ other values, values that often conflict with consumer welfare, and occasionally,
though not often, courts have been explicit about the fact”219 (BORK, 1993, p. 50-51).
Já Eleanor Fox opõe-se à definição de objetivos. Segundo a autora,
há consenso no que tange à definição dos mercados, que se quer sejam
robustos. Entretanto, no que tange ao Antitruste, há controvérsia. Para ela,

the question, then, is how to reach the objective of “robust markets” or, more precisely,
how antitrust can be used to do so. The core debate is how to design and apply antitrust
principles so that robust markets are likely to result or be preserved, not what are the goals
of antitrust.
There is wide agreement on a second proposition: we do not want to, nor could we if we desi-
red, engineer the results. The answer must lie in safeguarding an environment that creates
the right incentives, the right mix of business freedom, and prohibitory rules and standards.
At this point, consensus ends. Experts and stakeholders are divided. On what do they
disagree? On perspective and on assumptions220. (FOX, 2013, p. 2160)
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

rência têm reconhecido o bem-estar do consumidor como o objetivo unificador da lei antitruste.
“Poucas pessoas contestam que a missão antitruste central é proteger o direito dos consumido-
res a preços baixos, inovação e produção diversificada que a concorrência promete”.

219 Em tradução livre: as leis antitruste, como hoje definidas, têm apenas um objetivo legítimo, e
este objetivo pode ser derivado tão vigorosamente quanto qualquer teorema em economia. [...].
o único objetivo legítimo da lei antitruste americana é a maximização do bem-estar do consu-
midor [...] claramente a lei emprega outros valores, valores que muitas vezes conflitam com o
bem-estar dos consumidores e, ocasionalmente, embora não muitas vezes, os tribunais têm sido
148 explícitos sobre o fato.

220 Em tradução livre: a questão, então, é a forma de alcançar o objectivo de “mercados robustos”
ou, mais precisamente, como o Antitruste pode ser usado para fazê-lo. O debate central é como
projetar e aplicar os princípios de defesa da concorrência para que resultem em ou preservem
mercados robustos, não o que são os objetivos do Antitruste. Existe um amplo acordo sobre uma
segunda proposição: nós não queremos, nem poderíamos, se desejado, engenhar os resulta-
dos. A resposta deve estar na salvaguarda de um ambiente que cria os incentivos adequados, a
combinação certa de liberdade comercial e regras de proibição e padrões. Neste ponto, termina
o consenso. Os peritos e as partes interessadas estão divididas. Em que eles discordam? Em
perspectiva e em suposições.
Como se percebe, há um mal-estar envolvendo o Direito da
Concorrência. Afinal, percebe-se que, por alguma razão, o legislador ha-
bitualmente é hesitante ao definir os elementos (subjetivos e objetivos)
protegidos pela lei concorrencial (discussão dos chamados Schutzziele e
Zielkonflikte [GUSKI, 2015, p. 518]) e os objetivos da política concorrencial.
Essa característica denuncia a preferência por um discurso vago221 e con-
troverso, mas incapaz de esconder que o consumidor não é terra incognita
para o Direito da Concorrência.

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Assim, entre os objetivos da política concorrencial, citam-se: o bem-
-estar (excedente total), o bem-estar do consumidor (excedente do con-
sumidor), a defesa de pequenas empresas, a promoção da integração de
mercado, a liberdade econômica, o combate à inflação, a justiça e a equi-
dade (MOTTA; SALGADO, 2015, p. 18-26).
Segundo Erhard Kantzenbach, a concorrência tem cinco funções, a
saber, (i) distribuição de renda, (ii) formação da oferta, (iii) direção da
produção, (iv) elasticidade no processo de adaptação e, finalmente, (v)
progresso técnico (pesquisa e inovação). Nesse contexto, destacam-se as

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


“funções dinâmicas” (MÜLLER, 2014, p. 344, 347) da concorrência e que
envolvem a elasticidade no processo de adptação e o processo técnico.
A concorrência vincula-se, assim, à política estatal de desenvolvimento
(KANTZENBACH, 1967).
Nesse contexto, a ideia da concorrência como a melhor aliada do con-
sumidor não é nova (HIPPEL, 1974, p. 16). Afinal, é praticamente intuitivo
que a concorrência é um pressuposto222 da defesa do consumidor.
Apesar de não haver uma definição jurídica de concorrência (FERRAZ
JUNIOR, 2009, p. 173) e, simultaneamente, existirem diversos modelos
econômicos, como visto, pode-se identificar seus benefícios no cotidiano

221 João Maurício Adeodato (2014, p. 110) anota que a análise do discurso procura detectar estraté- 149
gias falaciosas empregadas pelo autor escolhido (o que inclui, naturalmente, o legislador). Entre
as estratégias está a da vagueza. Para o autor, “quanto mais preciso o discurso, menos acordo ele
atrairá. A contrario sensu, quanto menos diga efetivamente, mais acordo. Quando esses termos va-
gos trazem uma conotação positiva no âmbito da retórica estratégica, mais eficazes ainda. Quem
poderia ir contra frases como ‘uma efetiva distribuição de justiça’, ou ‘uma posição ponderada,
responsável e sem fanatismos’. Isso não quer dizer nada, mas o orador atrai simpatia para o que
vai defender efetivamente [...].”

222 Nesse sentido, Daniel Glória (2003, p. 93), para quem “a proteção do consumidor é o princípio básico do
direito da concorrência, pois se não houver concorrência não há uma efetiva defesa do consumidor”.
(uma alegoria possível equipararia a livre concorrência à democracia e o
abuso de posição dominante à tirania). Da mesma forma, eventuais danos
à concorrência são com frequência percebidos na medida em que trazem
disfunções ao processo de descoberta (HAYEK, 1985, p. 72) que caracteri-
za a concorrência.
É certo, assim, que a ausência de concorrência (em situações de mo-
nopólio natural ou legal), ou a sua limitação (por infrações da ordem eco-
nômica), é passível de reconhecimento e terá efeitos sobre o consumidor,
podendo, mesmo, comprometer seu bem-estar. Não por acaso, considera-
-se que o consumidor é o destinatário econômico final das normas concor-
renciais (FORGIONI, 2012, p. 246), sendo seu bem-estar uma espécie de
Leitmotiv perseguido pelas autoridades antitruste. O legislador francês, por
exemplo, ilustrou bem essa característica ao intitular a lei concorrencial
como “loi pour le développement de la concurrence au service des consommateurs”223
(FRANÇA, 2008).
No Japão, por exemplo, considera-se que a lei antimonopólio é meio
para a defesa dos interesses de consumidores e de associações de consu-
midores, como se verifica:

für Japan ist es typisch, dass Verbraucher und Verbrauchergruppen großes Interesse für
das Antimonopolgesetz als Mittel zur Verteidigung ihrer Rechte hegen. Dieses Bewusstsein
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

der Verbraucher und Verbrauchergruppen bildet sicherlich eine wichtige Stütze bei der
Entwicklung des Antimonopolgesetzes224. (AKIRA, p. 18)

Contudo, essa perspectiva, com a qual se concorda, deve ser conside-


rada cum grano salis, visto que uma interpretação do Antitruste ba­seada tão
somente no interesse, no bem-estar do consumidor poderia até mesmo
prejudicá-lo. Um exemplo recorrente disso diz respeito à prática de pre-
ços predatórios, prevista no art. 36, XV, da Lei n. 12.529/2011, uma prática
150
anticoncorrencial que, inicialmente, poderia beneficiar o consumidor, mas

223 Em tradução livre: lei para o desenvolvimento da concorrência a serviço dos consumidores.

224 Em tradução livre: no Japão é usual que os consumidores e grupos de consumidores apresentem
grande interesse na lei antimonopólio como um meio para defender os seus direitos. Esta toma-
da de consciência dos consumidores e grupos de consumidores certamente constitui um pilar
importante no desenvolvimento da Lei antimonopólio.
que, a longo prazo, o prejudica em aspectos multifatoriais, o que sugere
a necessidade de uma reflexão cuidadosa sobre o tema. Não por acaso,
“the law has long recognized that there is an inherent tension between the immediate
interestes of consumers and the incentives that motivate producers. Consumers desire a
low price while producers seek high profits” (BUTTIGIEG, 2009, p. 161)225.
É que determinadas condutas podem apresentar efeitos transitoria-
mente benéficos ao consumidor e, em momento posterior, mostrarem-se
prejudiciais, o mesmo sendo possível inversamente – o que problematiza

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


a questão do modus operandi da proteção do consumidor e a eventual possi-
bilidade de proposição de demandas para a defesa de direitos concorren-
ciais. Assim, não parece adequada, ou no mínimo demasiadamente redu-
cionista, a assertiva de Robert Bork, para quem “the only goal that should guide
interpretation of the antitrust laws is the welfare of consumers” (BORK, 1993, p. 405).
Então, considerando que há uma miríade de interesses passíveis de
serem protegidos pela lei concorrencial (interesse nacional, interesse pú-
blico, interesse do mercado, interesse do consumidor etc.) (FORGIONI,
2012, p. 238, 241), percebe-se que eles dificilmente podem ser conside-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


rados de forma equivalente, o que provoca grande insegurança jurídica. A
respeito, Paula Forgioni refere uma decisão estadunidense antiga226, mas
interessante. Nela, definiu-se que “praticar preços baixos para eliminar
concorrentes é legal porque tais preços beneficiam o consumidor” (IDEM,
p. 239). Ora, a lesão potencial ao consumidor resultante da prática de pre-
ço predatório227 é intuitiva, mesmo sendo evidente que, em um primeiro
instante, o consumidor será beneficiado pela redução do preço do pro-
duto ou do serviço. Contudo, nenhum produto ou serviço é comerciali-

225 Em tradução livre: a lei reconheceu há muito tempo que há uma tensão inerente entre os inte-
resses imediatos dos consumidores e os incentivos que motivam produtores. Os consumidores
desejam um preço baixo, enquanto produtores procuram altos lucros.
151
226 Que, todavia, não se conseguiu localizar. Pelo seu didatismo, optou-se por mantê-la neste traba-
lho. Ela foi citada em Forgioni (2012, p. 239).

227 Segundo o item 34 do Guia para Análise Econômica de Preços Predatórios da SEAE, uma definição
excessivamente inclusiva do que seria uma “venda abaixo do custo” poderia ter conseqüências
danosas ao bem estar do consumidor, pois haveria a possibilidade de confundir-se uma prática
predatória com uma competição vigorosa, inibindo-se ou constrangendo esta última. Por exemplo,
não raro se confunde “preços abaixo do custo” com “preços abaixo dos preços de mercado”, o que é
evidentemente impróprio, dado que um entrante mais eficiente poderia facilmente realizar vendas
a preços inferiores aos anteriormente praticados em um dado mercado. (BRASIL, MF, SEAE, 2002)
zado senão para obter lucro, de forma que a prática de preço predatório
explica-se à medida que pretende prejudicar os concorrentes, em um pri-
meiro momento, e o consumidor, em um segundo momento − para além
de prejudicar a própria concorrência.
Desse modo, expõe-se a insegurança jurídica que a incerteza sobre
os interesses protegidos pela lei concorrencial representa. Seguramente,
no caso há pouco examinado, tivesse a concorrência sido o interesse pre-
dominante, o resultado da decisão teria sido outro, resguardando, então,
os interesses da própria concorrência, dos concorrentes e do consumidor.
Quanto à Lei n. 12.529/2011, percebe-se que ela é omissa quanto aos
seus objetivos, havendo algumas “pistas” sobre a sua finalidade no art. 1o,
caput, que refere:

art. 1o Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência


– SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a
ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade
de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos
consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.

Todavia, impende referir que, considerando a disposição do art. 173,


§ 4 , da CRFB/88, ela se trata de uma lei de repressão ao abuso do poder
o
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

econômico228, e não de uma lei de proteção da livre concorrência (caso


do Sherman Act, por exemplo) (FORGIONI, 2012, p. 240). Decorre daí o fato
de que, no Brasil, se privilegia sobretudo a repressão ao abuso do poder
econômico, o que implica dizer que, inobstante não sejam prejudiciais à
livre concorrência, algumas condutas são vedadas pela lei. Como exem-
plo, cita-se a proibição relacionada ao aumento arbitrário de lucros (art.

152 228 O fenômeno do poder econômico, no Brasil, remonta à própria constituição do Estado, tendo em
vista as raízes coloniais do País, que assumiu em um primeiro momento a forma de um monopó-
lio econômico dominado por Portugal. Enquanto colônia de uma metrópole distante, o País apre-
sentava uma estrutura burocrática diluída e que objetivava primordialmente proteger a estrutura
econômica, que surgiu antes mesmo da formação do Estado. Ainda depois disso, a concentração
econômica se reproduz do mesmo modo: concentração regional da atividade econômica, con-
centração industrial em setores determinados, concentração fundiária etc. E, mais importante
do que a formatação econômico-estatal, essa situação teve conseqüências sociais profundas, le-
vando à criação de padrões de desigualdade que acompanharam o desenvolvimento dos ciclos,
que, do ponto de vista social, poderiam ser chamados de ciclos de drenagem. (SALOMÃO FILHO,
2013, p. 27-30)
36, III, da Lei n. 12.529/2011), hipótese que, embora para a Economia seja
aceitável (porque fator inegável de estímulo à competição), para o Direito
não o é na medida em que contém a ideia de abuso, perfazendo um ato
antijurídico, contrário à boa-fé.

3.4.2 O bem-estar do consumidor


A Economia, ao dedicar-se à concorrência, baseia-se sobretudo na

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


ideia de bem-estar do consumidor. Os teóricos ordoliberais, estruturalis-
tas e neoclássicos também não discordam quanto a esse ponto, embora
demonstrem divergências no que tange ao significado de “bem-estar” do
consumidor, que significa, em resumo, liberdade de escolha, para os ordo-
liberais, e eficiência econômica, para os neoclássicos (SALOMÃO FILHO,
2013, p. 105).
Bem-estar econômico é o conceito-padrão usado em Economia para
medir a qualidade do desempenho de uma indústria. Trata-se de uma me-
dida que agrega o bem-estar (ou excedente) de diferentes grupos na eco-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


nomia. Em cada indústria, o bem-estar é fornecido pelo excedente total,
que é a soma do excedente do consumidor e o excedente do produtor. O
excedente de determinado consumidor é verificado pela diferença entre
a valoração do consumidor para o produto ou serviço considerado (ou sua
disposição de pagar por ele) e o preço que ele efetivamente tem de pagar.
Excedente do consumidor (ou bem-estar do consumidor) é a medida agre-
gada do excedente de todos os consumidores. O excedente de um produ-
tor individual é o lucro que ele perfaz ao comercializar o produto ou serviço.
O excedente do produtor é, por conseguinte, a soma de todos os lucros
realizados pelos produtores da indústria (MOTTA; SALGADO, 2015, p. 18).
Entretanto, é importante referir que o conceito de bem-estar negli-
gencia a questão da distribuição da renda entre consumidores e produto- 153
res. Além disso, o conceito de bem-estar deveria não só ser interpretado
de forma estática, mas também em seu componente dinâmico: o bem-
-estar futuro importa, assim como o bem-estar corrente (IDEM, p. 18-19).
Para Calixto Salomão Filho é preciso reconhecer que o Direito
Antitruste não pode continuar a ser visto como um “Direito unidimensio-
nal”, direcionado a um consumidor unidimensional, cujo único interesse
é sempre mensurável em termos econômicos (pelo preço de produtos e
serviços, por exemplo). O interesse do consumidor é muito mais comple-
xo e sua definição deve ser, portanto, mais sofisticada. O cidadão tem,
por exemplo, necessidades essenciais, como saúde e educação, que difi-
cilmente podem ser mensuradas em termos exclusivamente econômicos
(SALOMÃO FILHO, 2013, p. 3). Assim também Peter Behrens, para quem

the theory underlying competition policy (and law) must neither be overcomplex
nor undercomplex. The “Chicago School’s” price or efficiency concept proves to be
undercomplex, because it is unable to adequately reflect the non-price dimensions of
consumer preferences229. (BEHRENS, 2014, p. 33)

Nessa senda, Eugène Buttigieg propõe a ideia de consumer well-being


em substituição à ideia de consumer welfare (BUTTIGIEG, 2009, p. 1-2): en-
quanto esta compreende o bem-estar econômico, apresentando-se como
resultado de dispêndios menores, pelo consumidor, decorrentes de pre-
ços menores, o termo well-being230 se refere ao bem-estar em sentido lato,
envolvendo a ideia de qualidade de vida, o que inclui um novo paradigma
de consumo, em que produtos e serviços tenham atributos que superem
o fator “preço” (que não deve, porém, ser desconsiderado), como quali-
dade, variedade, sustentabilidade, responsabilidade social e afins. Esses
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

fatores, para além do preço, falam, igualmente, de bem-estar, sob a ótica


do consumidor, e correspondem a eficiências, ainda que menos conven-
cionais, que dependem das preferências dinâmicas231 dos consumidores

229 Em tradução livre: a teoria subjacente à política concorrencial (e ao Direito) não deve ser dema-
siadamente complexa, nem pouco complexa. O conceito de preço ou de eficiência da Escola de
Chicago prova ser pouco complexo, porque é incapaz de refletir adequadamente as dimensões
não-preço de preferências dos consumidores.

230 Embora se esteja ciente dos problemas envolvendo a definição de well-being e do Paradoxo de
154 Easterlin, que sugere que não há um link entre o desenvolvimento econômico de uma sociedade
e seu nível médio de felicidade. (STEVENSON; WOLFERS, 2008)

231 Em artigo recente, Vanessa Friedman fala, por exemplo, da questão da fadiga do produto, pela
exposição midiática excessiva, que está transformando a indústria da moda. Segundo a autora,
“interviews with dozens of retailers, editors, designers and private individuals over the last few weeks suggest that
women are experiencing product fatigue. After being inundated by images and live streams from runway shows, from
awards shows where the items are worn mere days after they appear on the runway, and from ad campaigns (and the
making of ad campaigns), by the time these customers see the clothes in stores, the dresses and skirts and suits seem
tediously familiar. Old. Over”. Em tradução livre: entrevistas com dezenas de comerciantes, editores,
designers e particulares ao longo dos últimas semanas sugerem que as mulheres estão experimen-
no que tange a non-price criteria such as quality, speed of delivery, after sales service,
new or better products etc.232 (BEHRENS, 2014, p. 28)
O Guia para Análise Econômica de Atos de Concentração Horizontal
(BRASIL, MF, SEAE/SDE, 2001), que ainda é utilizado pelo CADE, apesar
de publicado em 2001, informa que a defesa da concorrência “é meio para
se criar uma economia eficiente e preservar o bem-estar econômico da
sociedade”. E, em uma economia eficiente, “os consumidores dispõem
da maior variedade de produtos pelos menores preços possíveis. Em tal

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


contexto, os indivíduos desfrutam de um nível máximo de bem-estar eco-
nômico” (IDEM, p. 3).
Segundo Massimo Motta e Lucia Helena Salgado (2015, p. 19), é di-
fícil dizer se as autoridades e tribunais favorecem na prática um objeti-
vo de bem-estar do consumidor ou bem-estar total. No plano europeu,
o tema do bem-estar do consumidor apresenta um papel de destaque,
como atesta o item 3 do art. 101 do TFUE e reforçam diversas previsões
estampadas no documento que oferece orientações (UNIÃO EUROPEIA,
ORIENTAÇÕES..., 2004b) à aplicação do referido dispositivo. Assim, na UE,

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


permite-se qualquer acordo, decisão ou prática concertada que contribua
para a melhoria da produção ou distribuição de bens ou para a promoção
do progresso técnico e econômico, desde que permita a repartição jus-
ta dos benefícios resultantes com os consumidores (MOTTA; SALGADO,
2015, p. 19-20).
No Brasil, a autorização de determinados atos de concentração eco-
nômica que tenham efeitos anticoncorrenciais, conforme estabelece o
art. 88, § 6o , da Lei n. 12.529/2011, requer o repasse de parte relevante
dos benefícios decorrentes da concentração ao consumidor, de forma que
se aponta que tanto a provisão da UE quanto a brasileira indicam que
o bem-estar do consumidor figura entre os objetivos últimos do Direito
da Concorrência (MOTTA; SALGADO, 2015, p. 20). O mesmo ocorre nos 155

tando fadiga do produto. Depois da inundação por imagens e transmissões ao vivo de desfiles,
de prêmios onde os itens são usados poucos dias depois que eles aparecem na passarela, e de
campanhas de publicidade (e a realização de campanhas publicitárias), no momento em que
esses clientes vêem as roupas nas lojas, os vestidos e saias e ternos parecem tediosamente
familiares. Velhos. Ultrapassados. (FRIEDMAN, 2016, p. D1)

232 Em tradução livre: critérios que não o preço, como qualidade, velocidade de entrega, serviço
pós-venda, produtos novos ou melhores etc.
EUA, pelo menos no que tange às fusões. Já no Canadá, Austrália e Nova
Zelândia, as autoridades concorrenciais inclinam-se em direção ao padrão
de bem-estar total (IDEM).
Desse modo, discute-se qual dos dois modelos de bem-estar (o do
consumidor ou o do produtor) deve ser o objetivo apropriado da política
concorrencial. Massimo Motta e Lucia Helena Salgado argumentam que
não seria sensato que as autoridades concorrenciais adotassem um ob-
jetivo de bem-estar do consumidor estrito por diversas razões, entre as
quais se destaca o fato de que, se houvesse o objetivo de maximizar o
excedente do consumidor, os preços se elevariam ao nível do custo mar-
ginal e as empresas deixariam o mercado no longo prazo ou teriam de ser
subsidiadas para poderem cobrir seus custos fixos. Além disso, preços e
lucros mais baixos retirariam das empresas os incentivos necessários para
inovar, investir e oferecer novos produtos e serviços. Consequentemente,
deve-se considerar o objetivo de maximizar o bem-estar do consumidor
ao longo do tempo (em termos dinâmicos); caso contrário, ajudar os con-
sumidores hoje significará prejudicá-los amanhã (IDEM, p. 22).

3.5 A concorrência como instituição


jurídica garante da proteção da dignidade
da pessoa humana
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

A globalização e o comércio internacional decorrentes do desenvol-


vimento cultural, social e econômico da humanidade, na medida em que
têm como desdobramento a concentração do capital, suscitam preocupa-
ções (JAYME, 1995, p. 19) diversas. Estruturas econômicas concentradas
se vinculam à concentração de renda, antítese do que se entende por
desenvolvimento, mas uma das características da globalização, marcada
156 pelo fato de que os Estados já não são os centros de poder e de proteção
da pessoa humana (IDEM, p. 20).
Ainda assim, o Estado é funcional (HASSEMER, 2007, p. 193) e assim
também o é a concorrência, meio (CARPENA, 2005, p. 259) para a imple-
mentação da defesa do consumidor e garante da concretização do super-
princípio da dignidade da pessoa humana, pois, como visto, o consumo
tornou-se uma das principais marcas da sociedade contemporânea, exer-
cendo um papel proeminente no cotidiano da maioria das pessoas. Então,
na medida em que a concorrência é uma instituição jurídica que propicia a
defesa do consumidor e permite a realização do direito à escolha e o pró-
prio consumo, verifica-se sua ligação com a dignidade da pessoa humana,
de quem é garante.
A implementação da defesa do consumidor está sujeita à existên-
cia de uma livre concorrência, pois a própria defesa do consumidor se-
ria parcial ou incompleta se se deixar de lado a defesa da concorrência

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


(ITURRASPE, 2003, p. 217). Afinal, como pondera Erik Jayme (1995, p. 147),
«le droit à la pleine expression de la personnalité comprend également la sphère écono-
mique; ainsi chaque personne doit elle avoir le droit d’utiliser ses capacités pour atteindre
le bien-être matériel»233.
Considerando que a defesa do consumidor se trata da defesa da pes-
soa humana em uma situação de vulnerabilidade, qual seja, uma situação
particular em que ela é consumidora, e que a concorrência assume um
papel importante como instituição jurídica que permite a implementação
da defesa do consumidor em sentido lato, pode-se afirmar que ela garante

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


a perfectibilização do princípio da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, a livre concorrência é um princípio em diálogo cons-
tante com o princípio da defesa do consumidor e que pode, a seu modo,
auxiliar na retomada do sentido de “dignidade da pessoa humana” que o
status de vulnerabilidade próprio do consumidor é passível de comprome-
ter e que o Direito do Consumidor pretende, com entusiasmo, assegurar.
Portanto, deve-se abordar a defesa da concorrência em um contexto
− como aponta José Ortega y Gasset, “quão pouco seria uma coisa se fosse
só o que é no seu isolamento” (ORTEGA Y GASSET, 1967, p. 96) −, que in-
clui sobretudo os princípios da livre iniciativa e da defesa do consumidor
e que pressupõe que a concorrência não pode ser restringida pela atua-
ção antijurídica de agentes econômicos. 157

Além disso, o princípio da livre concorrência não pode ser entendido


como um fim em si mesmo, pois é parte de uma ordem econômica que,

233 Em livre tradução: o direito à plena expressão da personalidade também inclui a esfera econô-
mica, de modo que cada indivíduo deve ter o direito de usar suas habilidades para alcançar o
bem-estar material.
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, objetiva as-
segurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Em
suma, verifica-se que a livre concorrência é um princípio indutor da prote-
ção da dignidade da pessoa humana. Mais do que isso, com base na teoria
penal, pode-se pensá-la como garante da proteção da dignidade da pessoa
humana. O garante responsabiliza-se por alguém ou algo. É uma espécie
de fiador. A concorrência, nesse sentido, torna-se uma instituição que, mais
do que propiciar, “garante” a proteção da dignidade humana por meio da
defesa do consumidor. Afinal, segundo Friedrich von Hayek, “dividir ou des-
centralizar o poder é, forçosamente, reduzir a soma absoluta de poder, e o
sistema de competição é o único capaz de reduzir ao mínimo, pela descen-
tralização, o poder exercido pelo homem sobre o homem” (HAYEK, 1977,
p. 137). Não há, pois, como negar que a concorrência exerce uma função
importante (embora muitas vezes negligenciada) na sociedade de consumo
que caracteriza o Pós-modernismo contemporâneo.
Além disso, não se pode isolar a proteção do consumidor de outras
políticas públicas, por exemplo. O consumidor não é uma ilha e requer uma
proteção que considere as particularidades que carrega consigo. Se a ló-
gica do subsistema consumerista é uma lógica da proteção do sujeito por-
que vulnerável, a atuação desse sujeito, como consumidor, em quaisquer
dimensões (o que inclui a perspectiva concorrencial) deve preservar essa
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

característica, que pretende resguardá-lo de atitudes que possam eventu-


almente prejudicá-lo e restituir o status que ele, talvez, jamais tenha tido.
Trata-se de uma política de empoderamento do sujeito com vista à ma-
nutenção da igualdade. Essa lógica, portanto, por força do postulado da
coerência, deve estar presente, igualmente, no subsistema concorrencial.
Por fim, pode-se afirmar que, enquanto a lógica do CDC envolve recu-
perar a igualdade que a relação jurídica de consumo demonstra inexistir,
158 considerando a vulnerabilidade do consumidor, a lógica da lei concorren-
cial envolve a repressão ao abuso do poder econômico que vise à domi-
nação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário
dos lucros, como prevê o art. 173, § 4o , da CRFB/88, pela execução de con-
troles que previnam e reprimam as infrações da ordem econômica. Essas
lógicas não se excluem, porém. A repressão ao abuso do poder econômico,
a manutenção de uma concorrência livre, a asseguração da livre iniciativa
são propósitos imbricados, cuja finalidade é a realização do princípio da
dignidade da pessoa humana. O diálogo entre essas leis, considerando as
disposições constitucionais, para que se mantenha a coerência (BOBBIO,
1997, p. 71 e ss.) sistêmica, é permeado por um fio de Ariadne, que é a
proteção da dignidade da pessoa humana e suas manifestações diversas,
o que inclui o sujeito como consumidor.

3.5.1 O diálogo entre os princípios da livre

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


concorrência e da defesa do consumidor
Partindo-se da obra de Robert Alexy, que reúne regras e princípios
sob o conceito de norma234, pode-se afirmar que uma norma assume a for-
ma de uma regra ou de um princípio e que tanto regras quanto princípios
são formulados com apoio em expressões fundamentais deônticas, que
se manifestam em comandos, permissões e proibições. Entre os critérios
mais utilizados para distinguir regras de princípios está o critério da ge-
neralidade, pelo qual princípios são normas com grau de generalidade

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


relativamente alto, enquanto o grau de generalidade das regras é relativa-
mente baixo (ALEXY, 2015, p. 87).
Ainda segundo Alexy (2015, p. 90-91), há algo decisivo na distinção
entre regras e princípios: princípios são normas que ordenam que algo
seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídi-
cas e fáticas existentes; eles são, portanto, mandamentos de otimização
(Optimierungsgebote) caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus
variados e pelo fato de sua satisfação estar atrelada às possibilidades fá-
ticas e jurídicas. Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou
não satisfeitas. Elas contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo
que é fática e juridicamente possível.
Assim, princípios instituem o dever de adotar comportamentos ne- 159
cessários à realização de um estado de coisas ou, inversamente, instituem
o dever de efetivação de um estado de coisas pela adoção de compor-
tamentos que lhes são necessários (ÁVILA, 2014a, p. 87). São, assim, pri-
mordialmente, finalísticos. Nesse sentido, Ronald Dworkin afirma que

234 Há, também, os postulados, como já se verificou na introdução deste trabalho.


princípio é um padrão que deve ser observado, não porque vá promover
ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada de-
sejável, mas porque é uma exigência de justiça (ou de equidade) ou de
alguma outra dimensão da moralidade (DWORKIN, 2010, p. 36).
No caso eventual de uma contradição entre princípios, cada princípio
tem de ceder perante o outro, de modo que sejam aplicados em “ter-
mos ótimos” consideradas as características do caso concreto e a impor-
tância do bem jurídico discutido, o que requer uma ponderação de bens
(LARENZ, 1997, p. 676). O conflito entre princípios é, pois, contingente e
não implica declaração de invalidade de um deles, mas apenas o estabe-
lecimento de uma regra de prevalência diante de determinadas circuns-
tâncias verificáveis somente no plano da eficácia das normas. Os princí-
pios, porque instituem mandamentos superáveis no confronto com outros
princípios, permitem o sopesamento, ao passo que as regras, porque es-
tabelecem deveres pretensamente definitivos, eliminam ou diminuem
sensivelmente a liberdade apreciativa do aplicador (ÁVILA, 2014a, p. 112).
Segundo observa Karl Larenz (1997, p. 676), se os princípios e sub-
princípios devem formar os alicerces de um sistema, então este sistema
não pode formatar-se como um sistema dedutivo, em que se passa de
um enunciado mais geral para um mais particular, acrescentando um novo
predicado. É decisivo que o pensamento não ocorra linearmente, somen-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

te em um sentido, mas em sentido duplo: o princípio esclarece-se pelas


suas concretizações e estas pela sua união perfeita com o princípio. Assim,
a formação do “sistema interno” dá-se por meio de um processo de “escla-
recimento recíproco”, que o autor identifica como estrutura hermenêutica
fundamental do “processo do compreender”.
Os princípios da ordem econômica, previstos no art. 170 da CRFB/88,
por sua diversidade intrínseca, podem ser considerados a priori conflitan-
160 tes. Embora não se fale em hierarquia ou status diferenciado, a literatura
aponta que um princípio pode ter de capitular diante de outro (DWORKIN,
2010, p. 144). Assim, eventual hipótese de conflito envolvendo os princí-
pios, inclusive os princípios da ordem econômica, que têm considerável
diversidade entre si, é solucionável pelo recurso ao sopesamento, de for-
ma que um dos princípios tem precedência em face do outro sob deter-
minadas condições (ALEXY, 2015, p. 93), e à proporcionalidade, conceito
que se vincula ao princípio da razoabilidade, o que impõe a verificação
da (i) adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público
se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos, da (ii) necessidade
ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos
gravoso para o atingimento dos fins visados e da (iii) proporcionalidade
em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o bene-
fício trazido, para constatar se é justificável a interferência na esfera dos
direitos dos cidadãos (BARROSO, 2003, p. 229).

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Assim, na colisão entre princípios, no caso concreto, deve-se estabe-
lecer uma relação de precedência condicionada entre os mesmos através
do método da ponderação, pois os princípios têm pesos diferentes e os
princípios com o maior peso têm precedência (ALEXY, 2015, p. 94). Ou
seja, o princípio da defesa do consumidor prevalece sobre o princípio
da livre concorrência, que, entretanto, não é inteiramente suprimido, mas
será exercido dentro de um quadro de limites dado pelo princípio pre-
valente. A essa conclusão também se chega ao se utilizarem alguns parâ-
metros gerais para a ponderação, entre os quais se destaca a preferência

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


das normas que instituem direitos fundamentais quando colidem com ou-
tras que assegurem interesses e bens jurídicos distintos (SOUZA NETO;
SARMENTO, 2016, p. 526), pois, conforme Ronald Dworkin (2010, p. XV),
“os direitos individuais são trunfos políticos que os indivíduos detêm”.
Nesse sentido, afirma-se que a norma da dignidade da pessoa humana, ao
mesmo tempo regra e princípio, prevalece contra os princípios colidentes
(ALEXY, 2015, p. 111).
Com efeito, a “força relativa de cada um” desses princípios, como
propõe Dworkin (2010, p. 42), aponta para a primazia do princípio da de-
fesa do consumidor em eventual conflito com os demais, em determinado
caso concreto, dada, também, a sua relação de derivação da e de contri-
buição para a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, colaciona-se 161

a seguir ementa de acórdão da lavra do Tribunal Regional Federal da 4a


Região (TRF4), como se infere:

ADMINISTRATIVO. COMÉRCIO DE COMBUSTÍVEIS. ANP. RESOLUÇÃO


N. 07/2007. LEGALIDADE. DIREITO DO CONSUMIDOR. DEVER DE
INFORMAÇÃO. VEDAÇÃO À PROPAGANDA ENGANOSA. INTERESSE
PÚBLICO. 1. A proibição propagada pelo art. 16-A da Portaria ANP n. 29/99,
incluído pela Resolução ANP n. 7/2007, apresenta respaldo legal, pois visa
regular direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor. Precedentes
do STJ. 2. A Resolução n. 7/2007, da ANP, não veda a comercialização por
completo do combustível, mas, apenas, restringe a venda do produto com
revendedor que optou por ostentar a marca comercial de outro distribui-
dor. Assim, pode a distribuidora continuar comercializando com os pos-
tos que exibem a sua bandeira ou com os postos de “bandeira branca”. 3.
Referida vedação não representa afronta ao direito à livre concorrência e
ao livre exercício da atividade econômica, uma vez que as exigências da
ANP visam resguardar o interesse público, o qual se sobrepõe ao interesse
privado, no presente caso. (ADI 1980/PR, rel. Min. Cezar Peluso, 16.4.2009.
4. A proteção ao consumidor é direito assegurado constitucionalmente,
conforme art. 170, inciso V. Por conseguinte, com o intuito de efetivá-lo,
é possível a restrição à livre concorrência e ao livre exercício da atividade
econômica. 5. Apelação improvida. (BRASIL, TRF4, AC 2007.70.04.000752-0)

Nesse sentido, Heloisa Carpena (2005, p. 259) demonstra que a ati-


vidade econômica privada somente merecerá proteção constitucional
quando garantidora da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, é ne-
cessário considerar o consumidor em primeiro lugar, como portador de
interesse prioritário, já que a proteção da concorrência constitui instru-
mento que, fundado no princípio da igualdade, visa preservar o equilíbrio
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

de forças no mercado, a transparência das informações que nele circulam


e, em última análise, garantir opções para que o consumidor possa exercer
seu direito básico à escolha.
Ademais, a defesa do consumidor é um princípio limitador da ini-
ciativa privada ou da autonomia da vontade do agente econômico, evi-
denciando o problema da desigualdade intrínseca que marca os sujeitos
da relação de consumo, consumidor e fornecedor. Há, portanto, uma pre-
162 sunção de desigualdade que justifica a necessidade de proteção especial
desse sujeito, em conformidade com o superprincípio da dignidade da
pessoa humana, presente no art. 1o, III, da CRFB/88 (MARQUES; MIRAGEM,
2014, p. 151).
Na jurisprudência brasileira, encontra-se precedente interessan-
te, demonstrado pela ementa do acórdão exarado nos autos do Recurso
Extraordinário (RE) n. 351.750, relatado pelo Ministro Ayres Britto, em que
se asseverou que “o princípio da defesa do consumidor se aplica a todo
o capítulo constitucional da atividade econômica” e que “afastam-se as
normas especiais do Código Brasileiro da Aeronáutica e da Convenção de
Varsóvia quando implicarem retrocesso social ou vilipêndio aos direitos
assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor”, litteris:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DANOS MORAIS DECORRENTES DE


ATRASO OCORRIDO EM VOO INTERNACIONAL. APLICAÇÃO DO CÓDIGO

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


DE DEFESA DO CONSUMIDOR. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. NÃO
CONHECIMENTO. 1. O princípio da defesa do consumidor se aplica a todo
o capítulo constitucional da atividade econômica. 2. Afastam-se as normas
especiais do Código Brasileiro da Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia
quando implicarem retrocesso social ou vilipêndio aos direitos assegura-
dos pelo Código de Defesa do Consumidor. 3. Não cabe discutir, na ins-
tância extraordinária, sobre a correta aplicação do Código de Defesa do
Consumidor ou sobre a incidência, no caso concreto, de específicas normas
de consumo veiculadas em legislação especial sobre o transporte aéreo
internacional. Ofensa indireta à Constituição de República. 4. Recurso não

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


conhecido. (BRASIL, STF, RE 351.750/RJ)

Finalmente, é necessário considerar que os princípios apresentados


no art. 170 da CRFB/88 e todas as regras235 que a partir deles se desenvol-
vem estão à disposição dos fins enunciados pelo art. 3o da CRFB/88, quais
sejam, (i) construir uma sociedade livre, justa e solidária, (ii) garantir o
desenvolvimento nacional236 – sem esquecer que, para superar o subde-
senvolvimento, um fenômeno de dominação (FURTADO, 1983, p. 187), é
necessário romper estruturas as mais variadas – (iii) erradicar a pobreza e
a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e (iv) pro-

235 A regra seria um princípio em si mesmo considerado, e a lei seria a sua forma, ou o que o con- 163
tém. Então, a lei seria o continente, enquanto a regra e o princípio seriam o conteúdo da lei.
(MARTINS-COSTA, 2000, p. 317)

236 Essa disposição pressupõe o reconhecimento de que o País é, ainda, subdesenvolvido − fato
que a desigualdade social que lhe é inerente infelizmente ainda demonstra. O desenvolvimento
que se objetiva alcançar não é, porém, qualquer desenvolvimento, mas um desenvolvimento
sobretudo inclusivo e sustentável, o que pressupõe “erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Conforme palestra do Professor Doutor Gilberto
Bercovici realizada no Salão nobre da Faculdade de Direito, em 9/2/2015, por ocasião do curso de
verão em Direito Econômico realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da USP.
mover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação.
Analisado o diálogo entre os princípios da livre concorrência e da
defesa do consumidor, passa-se a verificar o diálogo entre as leis que os
materializam, o que é importante para a compreensão da simbiose entre
o Direito da Concorrência e do Consumidor em um quadro sistemático.

3.5.2 O diálogo entre as Leis n. 8.078/1990 e


12.529/2011
Em um sistema jurídico em cujo centro está a dignidade da pessoa
humana, a lógica sistêmica volta-se, sobretudo, à proteção da dignidade
humana, de forma que o trabalho do jurista concentra-se no sujeito.
Entretanto, o sujeito de direitos contemporâneo guarda característi-
cas que se alteram facilmente. Ele é um sujeito dinâmico que se expressa
em posições diversas: ora consumidor, ora fornecedor, ora casado, ora di-
vorciado, ora empregado, ora empregador. Apesar de único, um indivíduo,
o sujeito é plural, assim como a tessitura móvel e sistêmica da existência
humana, que é feita de conflitos, de tensões e de interações (MORÃO).
Nada mais natural, portanto, que os microssistemas legislativos refli-
tam essa característica e que o jurista considere a integração que baseia
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

a própria noção de sistema jurídico. A partir dessa constatação é inevitá-


vel não se recorrer à técnica do diálogo das fontes (der Dialog der Quellen),
que, apesar de pensada, em um primeiro momento, para ser aplicada ao
Direito Internacional Privado, é utilizável em diversos ramos237 do Direito,
sobretudo em uma Teoria Geral do Direito. Esse é, aliás, o caminho esco-
lhido pela Lei de Defesa do Consumidor argentina, Lei n. 24.240/1993, que
assim dispõe:
164
ARTICULO 3o − Relación de consumo. Integración normativa. Preeminencia.
Relación de consumo es el vínculo jurídico entre el proveedor y el consumidor o usuario.
Las disposiciones de esta ley se integran con las normas generales y especiales aplicables a

237 Considerando-se que os diferentes ramos do Direito constituem subsistemas fundados em uma
lógica interna e na compatibilidade externa com os demais subsistemas. (BARROSO, 2015, p. 329-
330).
las relaciones de consumo, en particular la Ley N. 25.156 de Defensa de la Competencia
y la Ley N. 22.802 de Lealtad Comercial o las que en el futuro las reemplacen. En caso
de duda sobre la interpretación de los principios que establece esta ley prevalecerá la más
favorable al consumidor.
Las relaciones de consumo se rigen por el régimen establecido en esta ley y sus reglamen-
taciones sin perjuicio de que el proveedor, por la actividad que desarrolle, esté alcanzado
asimismo por otra normativa específica238. (ARGENTINA, 1993/2008)

Nesse contexto, aresto interessante da lavra do STJ, de 2010, exarado

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


quando do julgamento do Recurso Especial (REsp) n. 938.607/SP, relata-
do pelo Ministro Herman Benjamin, apontou a necessidade de utilização
do diálogo das fontes na aplicação das leis concorrencial e consumerista,
pois, “além de aplicável no contexto das normas ou microssistemas envol-
vidos, deve, pelas mesmas razões, iluminar o poder de polícia e as com-
petências dos órgãos incumbidos da implementação legal” (BRASIL, STJ,
AgRg no EREsp 938.607/SP). Colaciona-se, a seguir, a ementa da decisão
prolatada nos autos do agravo regimental nos embargos de divergência
no citado EREsp, litteris:

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. MULTA APLICADA
PELO PROCON POR PRÁTICA DE DUMPING. CONFLITO ENTRE OS
MICROSSISTEMAS LEGAIS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR E DA
CONCORRÊNCIA. DIÁLOGO DAS FONTES. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE
FÁTICA ENTRE OS ARESTOS CONFRONTADOS. PEDIDO DO CADE
PARA INGRESSO NO FEITO COMO ASSISTENTE DA EMBARGANTE.
INDEFERIMENTO. ARTS. 4o, VI, E 6o, IV, DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR.
1. Hipótese em que o aresto recorrido consignou que “não há como se
afastar a legitimidade do PROCON na hipótese sub judice , tendo em
conta, principalmente, a determinação contida no Código de Defesa do
165

238 Em tradução livre: Artigo 3o − Relação de consumo. Integração normativa. Preeminência.


Relação de consumo é o vínculo jurídico entre o fornecedor e o consumidor ou usuário.
As disposições desta lei se integram com as normas gerais e especiais aplicáveis às relações de
consumo, em particular a Lei n. 25.156 de Defesa da Concorrência e a Lei n. 22.802 de Lealdade
Comercial ou as que no futuro venham a substitui-las. Em caso de dúvida sobre a interpretação
dos princípios estabelecidos por esta lei prevalecerá a mais favorável ao consumidor.
As relações de consumo se regem pelo regime estabelecido na presente lei e suas regulamen-
tações, sem prejuízo de que o fornecedor, pela atividade que desenvolve, esteja alcançado por
outros regulamentos específicos.
Consumidor no sentido de coibir de forma eficiente todos os abusos prati-
cados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal”.
2. Tal conclusão não é infirmada pelo acórdão paradigmático, que também
legitima a atuação do Procon ao aduzir que, “em razão de a recorrente firmar
relações de consumo com seus clientes, está submetida à incidência das
regras do Código de Defesa do Consumidor e, por isso, sofre a fiscalização
do Procon nesse aspecto.”
3. Com efeito, inexiste semelhança fática ou dissídio jurisprudencial nas
decisões trazidas como destoantes , pois o acórdão recorrido tratou de
multa aplicada pelo Procon em virtude de prática de dumping por reven-
dedora de combustíveis, enquanto o aresto-paradigma analisou multa ad-
ministrativa aplicada pelo Procon à empresa seguradora.
4. Houve pedido do Cade de ingresso no feito como assistente da embar-
gante, protocolizado posteriormente à decisão monocrática que indeferiu
liminarmente o Recurso, sob a alegação de que apenas o Conselho tem
legitimidade para aplicar multa com fundamento na Lei 8.884/1994.
5. Muito embora o art. 50, parágrafo único, do CPC estabeleça que a
assistência pode ocorrer em qualquer dos tipos de procedimento e em to-
dos os graus de jurisdição, os Embargos de Divergência não são recurso de
ampla revisão do julgamento da Turma (que constitui o pedido do Cade),
mas têm por finalidade estrita a uniformização da jurisprudência por meio
do confronto de teses jurídicas objetivamente abstraídas.
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

6. O Código de Defesa do Consumidor previu, como um dos princípios


da Política Nacional das Relações de Consumo , “a coibição e repressão
eficientes de todos os abusos praticados no mercado, inclusive a
concorrência desleal” (art. 4o, VI, grifo adicionado), assegurando como
direito básico do consumidor a proteção contra “métodos comer-
ciais desleais” no fornecimento de produtos ou serviços (art. 6o, IV).
7. A proteção da livre concorrência não consta do rol constitucional das
matérias reservadas, privativamente, à esfera legislativa da União (art. 22).
166 Ao contrário, o constituinte de 1988 atribui, simultaneamente, também aos
Estados, o poder para legislar sobre “direito econômico” (art. 24, I). Se é
assim no que tange à competência legislativa, com maior razão se justifica
a intervenção dos Estados e Distrito Federal no âmbito da competência de
implementação da legislação vigente.
8. O combate às práticas anticoncorrenciais é medida que se insere, conco-
mitantemente, nos microssistemas do consumidor (CDC) e da concorrência
(Lei 8.884/94). Daí a legitimidade concorrente e competência ratione ma-
teriae dos órgãos de defesa do consumidor (inclusive os estaduais) para,
em favor da incolumidade das relações jurídicas de consumo, exercitarem
o poder de polícia que a lei lhes confere.
9. Diálogo das fontes que, além de aplicável no contexto das normas ou mi-
crossistemas envolvidos, deve, pelas mesmas razões, iluminar o poder de
polícia e as competências dos órgãos incumbidos da implementação legal.
10. Agravo Regimental da Esso não provido. Pedido de assistência formu-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


lado pelo Cade indeferido.

Com efeito, pode-se afirmar que o art. 7o do CDC239 avoca o “diálogo


das fontes” ao estabelecer que

art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes


de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário,
da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autorida-
des administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princí-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


pios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.

Constata-se, por consequência, que a proposta do CDC é multiplicar


a proteção conferida ao consumidor. O Código não se pretende afirmar
como a única fonte de direitos reconhecidos ao consumidor. Seu argumen-
to é o pluralismo, a coexistência de instrumentos legislativos passíveis de
ampliar, complementar, integrar e, por isso mesmo, fortalecer a proteção
do consumidor. A partir disso, verifica-se que a lógica do CDC é uma lógica
da inclusão, da inclusão de fontes, da inclusão, enfim, de pessoas240.
Desse modo, os direitos previstos no CDC não excluem outros, des-
tacando-se, para o presente estudo, os direitos e interesses decorrentes

167

239 O Projeto de lei do Senado n. 281/2012, que altera o CDC, apresenta uma “positivação” clara
da técnica do diálogo das fontes, como demonstra o art. 3-A: “Art. 3-A. As normas e os negócios
jurídicos devem ser interpretados e integrados da maneira mais favorável ao consumidor”.
(BRASIL, SENADO, 2012)

240 Algumas ideias aqui expostas basearam-se na palestra proferida pela Professora Doutora Claudia
Lima Marques no Primer Congreso Sudamericano de Derecho del Consumidor, realizado em setembro de
2015 na Universidad Nacional del Litoral, em Santa Fe, na Argentina. (MARQUES, 2015)
especificamente da Lei n. 12.529/2011 (hipótese de legislação interna or-
dinária), tema que será analisado nos capítulos 4 e 5 deste trabalho.
A proposta do CDC é, ainda, a superação da vulnerabilidade do con-
sumidor. Essa mesma proposta está presente nas disposições constitucio-
nais relacionadas à defesa do consumidor e deve, portanto, integrar todo
o sistema jurídico, sob pena de se comprometer o diálogo entre as normas
que o integram. Assim, a superação da vulnerabilidade do consumidor
também pela lei concorrencial é uma premissa.
É particularmente importante destacar o papel da Política Nacional
das Relações de Consumo, que, prevista no art. 4o do CDC, objetiva o (i)
atendimento das necessidades dos consumidores, o (ii) respeito à sua
dignidade, saúde e segurança, a (iii) proteção de seus interesses econô-
micos, a (iv) melhoria da sua qualidade de vida, bem como a (v) transpa-
rência e harmonia das relações de consumo. Para tanto, alguns princípios
devem ser atendidos, entre os quais se destacam os seguintes, previstos
nos incs. I, II, III, IV, VI, VII e VIII do citado art. 4o, litteris:

I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de


consumo;
II – ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
a) por iniciativa direta;
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;


c) pela presença do Estado no mercado de consumo;
d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qua-
lidade, segurança, durabilidade e desempenho.
III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consu-
mo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de
168 desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os prin-
cípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição
Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre con-
sumidores e fornecedores;
IV – educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos
seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;
[...]
VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mer-
cado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida
de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos
distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;
VII – racionalização e melhoria dos serviços públicos;
VIII – estudo constante das modificações do mercado de consumo.

Por fim, destaca-se que, como visto no segundo capítulo deste traba-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


lho, a defesa do consumidor não se restringe apenas ao consumidor que
tenha sido sujeito de uma relação de consumo (consumidor stricto sensu).
Conforme dispõe o parágrafo único do art. 2o do CDC, “equipara-se a con-
sumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja
intervindo nas relações de consumo” (consumidor lato sensu). Assim, a de-
fesa do consumidor engloba toda a coletividade, que envolve tanto quem
tenha celebrado contratos de consumo, quanto quem esteja simplesmen-
te exposto às práticas do mercado, sem necessariamente possuir vínculo
jurídico formal com fornecedores ou com quem tenha violado as normas

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


previstas no CDC (MIRAGEM, 2014, p. 664).

3.5.3 O diálogo entre o direito à escolha e o


princípio da eficiência
Como visto, o Antitruste está sobremaneira vinculado à defesa do
consumidor e à defesa dos presssupostos defendidos pela Escola de
Chicago, relacionados sobretudo à conquista de eficiências, destacando-
-se a redução dos custos que impliquem, hipoteticamente, redução dos
preços praticados ao consumidor como o principal objetivo da “disputa”
entre agentes econômicos.
Contudo, este trabalho propõe uma perspectiva distinta do tema ao 169

destacar a proteção jurídica do consumidor, ao invés da proteção econô-


mica que, muitas vezes, não coincide com aquela. Portanto, ele pressupõe
a necessidade de proteger o consumidor enquanto pessoa humana em
estado de vulnerabilidade, o que torna necessário considerar o direito
ao consumo e o direito à escolha (e o direito à concorrência, como será
demonstrado) como preponderantes, ainda que isso signifique sacrificar
total ou parcialmente o paradigma da eficiência (cuja importância, não é,
todavia desprezada). Para tanto, é importante recordar que a dignidade
da pessoa humana descreve uma realidade complexa, que não se resume
a ter acesso a prestações de educação e saúde, a não passar fome ou a ter
alguma forma de abrigo, pelo exercício do direito à moradia. A liberdade
em suas diversas manifestações, como a de expressão, e a autonomia in-
dividual, são elementos indissociavelmente ligados ao conceito de digni-
dade humana (BARCELLOS, 2011, p. 237).
A relação jurídica de consumo, como se sabe, envolve dois sujeitos,
quais sejam, o consumidor e o fornecedor, e tem como objeto um produ-
to ou um serviço, além da vantagem econômica imediata ou futura, obti-
da pelo fornecedor em razão da relação estabelecida com o consumidor
(MIRAGEM, 2014, p. 191). Ela envolve, porém, dois sujeitos em situações
diversas, já que um deles, o consumidor, é vulnerável. Uma das manifes-
tações de sua vulnerabilidade diz respeito à limitação da sua liberdade e
da sua autodeterminação, a uma autonomia privada (da vontade) às aves-
sas, já que o consumidor, mesmo que expresse sua vontade, é reconhe-
cidamente desigual para sustentá-la e estabelecer uma negociação. O
consumidor, enfim, “não senta à mesa para negociar cláusulas contratuais.
Na verdade, o consumidor vai ao mercado e recebe produtos e serviços
postos e ofertados” (NUNES, 2014b, p. 348). Assim, a “disparidade de ar-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

mas” entre consumidor e fornecedor é algo indiscutível e, sob esse ponto


de vista, o direito à escolha e à informação, previstos no art. 6o, II (“a edu-
cação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços,
asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações”), e III
(“a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços,
com especificação correta de quantidade, características, composição,
qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que
170 apresentem”) do CDC ganham destaque.
Além disso, problemas na dinâmica concorrencial, ou o que a
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
chama de “falta de concorrência”, em seu estudo mais atual sobre o tema
da política consumerista, podem levar, também, a falhas de mercado, ali-
mentando o problema. Nesse estudo, aponta-se que:
a lack of competition can lead to market failure, which is why governments intervene to
attempt to ensure competitive markets. Another important source of market failure occurs
when consumers do not have full information about the products and prices available in the
market. The market failures that arise out of the lack of information are a primary focus of
consumer protection policy241. (OECD, 2010b, p. 32)

A liberdade, e particularmente a liberdade de escolha, seja de pro-


duto, de serviço ou de fornecedor, é essencial para o ato de consumo. Se

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


não houver escolha, como poderá o sujeito, afinal, manifestar sua vontade
individual, em atenção à liberdade (autodeterminação), prevista no art.
5o, caput, da CRFB/88? Assim, o Direito da Concorrência exerce um papel
essencial, pois atua como guardião da livre iniciativa e permite, em última
análise, o exercício do direito à escolha ao proteger a instituição jurídica
da concorrência, os concorrentes e, evidentemente, o próprio consumidor.
É a partir dessa ideia que se pensa o reconhecimento de um direito à con-
corrência ao consumidor.
Assim, se há um acordo entre fornecedores e, com isso, a imposição

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


de restrições à comercialização de produtos de empresas concorrentes,
como o consumidor exercerá seu direito básico à escolha? E se um ato
de abuso de eventual posição dominante levar a uma posição hegemôni-
ca, em que concorrentes deixem o mercado relevante em que atuavam?
Como ser-lhe-á garantida a liberdade de expressão que o ato de consumo
representa?
Depreende-se da análise das Leis n. 8.078/1990 e 12.529/2011 que a
liberdade de escolha e a eficiência são, respectivamente, valores impor-
tantes para esses microssistemas, destacando-se, que, no caso da liberda-
de de escolha, ela deu ensejo ao direito básico à escolha previsto no art.
6o, II, do CDC. No caso da eficiência, ela representa, no âmbito do controle
comportamental, uma excludente de ilicitude, visto que a conquista de
171
mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de
agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilíci-

241 Em tradução livre: a falta de concorrência pode levar a falhas de mercado, razão pela qual os
governos intervêm para tentar garantir mercados competitivos. Outra importante fonte de falha
de mercado ocorre quando os consumidores não têm informações completas sobre os produtos
e preços disponíveis no mercado. As falhas de mercado que surgem da falta de informação são
um foco primário da política de protecção do consumidor.
to previsto no inc. II do caput do art. 36 da Lei n. 12.529/2011, que cuida da
hipótese de domínio de mercado relevante de bens ou serviços, enquan-
to que, no âmbito do controle estrutural, conforme dispõe o art. 88, § 6o,
da Lei n. 12.529/2011, a eficiência é um dos fatores, ao lado do repasse de
parte relevante de benefícios ao consumidor, que permitem a autorização
de atos de concentração econômica que impliquem eliminação da concor-
rência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar ou
reforçar uma posição dominante ou que possam resultar na dominação de
mercado relevante de bens ou serviços.
Sumariamente, pode-se dizer que o embate entre os postulados das
Escolas de Freiburg e de Chicago envolvem duas percepções distintas
sobre o significado de “bem-estar do consumidor”. Enquanto o bem-estar
do consumidor significa grosso modo para os teóricos da Escola de Freiburg
liberdade de escolha, para os teóricos representados pela Escola de
Chicago, ele significa eficiência, e eficiência entendida tão somente como
a habilidade de produzir a custos menores e, consequentemente, redu-
zir, teoricamente, os preços de produtos e serviços para o consumidor
(SALOMÃO FILHO, 2013, p. 3, 40, 44).
A defesa da eficiência vincula-se claramente à teoria utilitária, uma
teoria de justiça que é teleológica, e não deontológica (MOUFFE, 1999,
p. 71), e que, já se demonstrou, é incompatível com o sistema jurídico,
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

cujo cerne é a dignidade da pessoa humana. Para seus teóricos, sendo


o paradigma do desejo individual fundamental na explicação das ações
do ser humano, o indivíduo deve orientar suas ações nesse sentido.
Consequentemente, passam a se justificar teorias (econômicas) que de-
terminam o dever-ser (Direito) a partir de máximas (econômicas) de bem-
-estar (COMPARATO; SALOMÃO FILHO, 2005, p. 5). Immanuel Kant242 e
John Rawls, por exemplo, repudiam-na argumentando, em resumo, que o
172 que é correto, o que é justo243 tem primazia sobre o que é bom (SANDEL,
2014a, p. 268).

242 Como nota Dworkin, o utilitarismo é uma teoria baseada em metas, enquanto os imperativos
categóricos de Kant configuram uma teoria baseada em deveres. (DWORKIN, 2010, p. 266)

243 E, segundo Rawls (2008, p. 29), “define-se o bem independentemente do justo e, então, define-
-se o justo como aquilo que eleva o bem ao máximo”.
Mesmo assim, no final da década de 1990, a Comissão Europeia re-
gistrou o surgimento de uma tese favorável a uma abordagem mais eco-
nômica (more economic approach) do Direito, expressão que denota um au-
mento do uso da Ciência Economia pelo Direito da Concorrência e inclui
o aumento da confiança na Ciência Econômica para informar as normas
concorrenciais, privilegiando o parâmetro econômico da “eficiência” como
fator de que resultariam benefícios ao consumidor, perspectiva reconhe-
cidamente defendida pela Escola de Chicago:

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


die Kommission hatte bekanntlich bereits in ihrem Weißbuch von 1999 einen „stärker
wirtschaftlichen Ansatz“ (more economic approach) bei der wettbewerblichen Beurteilung
unternehmerischen Verhaltens angekündigt, ohne zunächst näher zu erläutern, was genau
damit gemeint war. Befürworter und Kritiker eines „stärker ökonomischen Ansatzes“
tendieren aber häufig zu der Annahme, es gehe der Kommission um die Einführung eines
an den Effizienzwirkungen (insbesondere an der Konsumentenwohlfahrt) orientierten
Marktergebnistests. Dazu haben vor allem Äußerungen maßgebender Repräsentanten
der Kommission Anlass gegeben244. (BEHRENS, 2011,
p. 3)

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Contudo, a suposta convergência entre as autoridades estadunidense
e europeia para uma abordagem mais econômica na aplicação do Direito
da Concorrência, baseada no fato de que o objetivo da lei antitruste seria
a maximização do bem-estar do consumidor e a promoção da eficiência
econômica, tem levado a resultados conflitantes, como demonstra, por
exemplo, o caso Microsoft245, julgado nos EUA (WEINSTEIN, 2002) em 2001
e na UE (UNIÃO EUROPEIA, COMMISSION..., 2004d) em 2004 − o que é
compreensível, visto que “eficiência” e “bem-estar” são conceitos abertos
e que permitem interpretações as mais diversas.

244 Em tradução livre: a Comissão reconhecidamente já anunciou no seu Livro Branco de 1999 uma 173
“abordagem mais econômica” (more economic approach), na avaliação concorrencial do comporta-
mento empresarial sem primeiro explicar mais detalhadamente o que isso significava exata-
mente. Mas apoiadores e críticos de uma “abordagem mais econômica”, tendem muitas vezes a
acreditar que a Comissão a introdução dos efeitos da eficiência (particularmente no bem-estar
do consumidor) vá orientar testes de ganhos de poder de mercado. Para tanto deram motivo as
manifestações de representantes devidamente autorizado pela Comissão.

245 O Departamento de Justiça dos EUA e a Comissão Europeia propuseram ação contra a Microsoft
Corporation por abuso de poder de mercado nos mercados de sistemas operacionais e de navega-
dores de internet.
Assim, a proposta da Escola de Chicago, que privilegia a eficiência
como suposta garantia do bem-estar do consumidor, embora eloquente,
é questionável, uma vez que, na ideia central da Escola de Chicago, a
principal certeza é o aumento de lucros pelo agente econômico (leia-se
fornecedor-concorrente), e não a apropriação consequente de benefícios
(como redução de preços de produtos e/ou serviços, por exemplo) pelo
consumidor. Isso, aliás, poderá jamais ocorrer, ou, ocorrendo, poderá não
corresponder à previsão hipotética inicial − o que faz a legislação brasilei-
ra prever que, na hipótese de os benefícios decorrentes da concentração
autorizada não serem alcançados, a autorização poderá ser revista pelo
Tribunal do CADE, de ofício ou mediante provocação da Superintendência-
Geral, como preceitua o art. 91 da Lei n. 12.529/2011.
Então, na tentativa de supostamente proteger o consumidor, a teoria
neoclássica pode, sim, prescindir dos interesses, do bem-estar do con-
sumidor, já que ela não apresenta preocupações de cunho distributivo
(MÖLLER, 2008, p. 92; SALOMÃO FILHO, 2013, p. 76), que estão, contudo,
presentes na lei concorrencial brasileira, aspecto intrínseco aos objeti-
vos do Direito da Concorrência, como percebe Robert Lande, para quem
“wealth transfers demonstrated that the antitrust laws were intended to be, and are best
viewed as, a type of consumer protection statute” 246 (LANDE, 1999, p. 959).
Por isso, a perspectiva que considera necessário proteger a existência
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

da liberdade de escolha, o que pressupõe um número mínimo de agen-


tes econômicos em situação de disputa no mercado, como quer a teoria
ordoliberal, não pode ser desprezada, embora se saiba que a política de
concorrência não está preocupada em maximizar o número de empresas
e que está, ao invés, preocupada em defender a competição no mercado
para aumentar o bem-estar, e não para proteger competidores (MOTTA;
SALGADO, 2015, p. 31). Essa concepção, que não deixa de ser uma con-
174 cepção voluntarista e liberal (a teoria ordoliberal é uma releitura da te-
oria liberal, afinal) considera a necessidade de se assegurar a liberdade
de expressão do consumidor (e também do agente econômico, do forne-
cedor-concorrente) manifestada no direito ao consumo e à escolha, em

246 Em tradução livre:“transferências de renda demonstraram que as leis antitruste foram destinadas
a ser e são mais vistas como um tipo de estatuto de defesa do consumidor”.
conformidade com a ideia de “soberania” do consumidor, permitindo-lhe
ser protagonista do ato de consumo que deseja e/ou necessita realizar na
medida em que lhe é facultado escolher, e não simplesmente consumir
o que um ou alguns fornecedores lhe imponham. Por ironia, o dogma da
autonomia privada (da vontade), uma decorrência da liberdade, aqui, é
tomado em benefício, e não em prejuízo do consumidor, já que é a sua
autonomia que está em jogo.
Finalmente, se o mote do CDC, exemplo de lei com função social que

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


objetiva influenciar o mercado brasileiro (MIRAGEM, 2014, p. 81 e ss.), é
impor um novo paradigma de boa-fé nas relações de consumo privadas
como forma de abrandar o desequilíbrio causado pelo princípio da auto-
nomia da vontade na sociedade de massa (MARQUES, 2014, p. 702), a im-
portância de se considerar a função do Direito da Concorrência como um
instrumento de asseguração do direito à escolha do consumidor cresce.
Sob esse aspecto, o Direito da Concorrência pode atuar, ao considerar a
importância da liberdade de escolha do consumidor, como um “recupera-
dor” do equilíbrio das relações privadas que envolvem o consumo.

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Além disso, para os representantes da Escola de Freiburg, não é
possível atribuir ao Direito Concorrencial qualquer tipo de objetivo eco-
nômico predeterminado, como a eficiência, por exemplo. Isso porque o
sistema concorrencial não é um sistema cujos efeitos, todos eles, podem
ser previstos e aqueles desejáveis selecionados, de modo a orientar a
feitura e a aplicação da lei (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 43). Assim, o dis-
curso que privilegia a eficiência e a considera o fim principal da atividade
econômica, considerando que, em um mercado eficiente, o consumidor é
beneficiado, é convincente. Em um sistema jurídico, em cujo cerne está a
dignidade da pessoa humana, porém, ele não é conveniente.
Nessa senda, Heloisa Carpena propõe que a atividade econômica
privada deve orientar-se no sentido de garantir a dignidade da pessoa 175

humana. Dessa forma, é necessário, “contemplar o consumidor em primei-


ro lugar, como portador de interesse prioritário a ser tutelado” (CARPENA,
2005, p. 259).
Então, entre eficiência e liberdade de escolha, o paradigma da liber-
dade de escolha é o que parece atender com mais fidelidade o interesse
do consumidor e contribuir para seu bem-estar, já que, se há algo que a
concorrência propõe é justamente isso: possibilitar a escolha do consumi-
dor. Nas palavras de Jorge Mosset Iturraspe (2003, p. 217):

varias empresas concurren al mercado con sus productos y rivalizan en calidad y precio,
posibilitando la elección del consumidor. Esta posibilidad, ejercitada de una manera espon-
tánea, libre, sin trabas ni limitaciones, como no sean las propias de la producción, distri-
bución o comercialización, es lo que se busca o anhela. En su tutela o defensa se orienta
la normativa legal247.

Portanto, entre ambos os paradigmas principais defendidos pelas


Escolas de Freiburg e de Chicago, entende-se que o da liberdade de es-
colha é o que melhor se coaduna com o papel de uma defesa da concor-
rência orientada pela defesa do consumidor, conforme dispõe o caput do
art. 1o da Lei n. 12.529/2011, na senda da proposta de Rawls, para quem “a
prioridade da liberdade significa que, sempre que as liberdades funda-
mentais podem ser de fato instituídas, não é permitido trocar uma liber-
dade menor ou desigual por uma melhoria do bem-estar econômico”248.
No entanto, é necessário reconhecer que a busca por eficiência é uma
atitude empresarial que, evidentemente, beneficia o consumidor, por to-
dos os efeitos benéficos que representa. É importante referir que, para
que um agente econômico paute-se pela busca de eficiência, ele depen-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

de forçosamente da existência de concorrentes com quem rivalizar. Por


exemplo, ao obter uma redução de custos operacionais (pela maior efi-
ciência), o agente econômico somente terá incentivos para oferecer uma
consequente redução de preços ao consumidor se estiver em uma situa-
ção de efetiva disputa com outros pares. Do contrário, a tendência natural
é que ele se aproprie do ganho econômico e não o repasse ao consumidor,
como indica a literatura ao referir que ele não teria incentivos para tanto,
permanecendo inerte, de forma que a empresa ineficiente (monopolista)
176

247 Em tradução livre: várias empresas concorrem no mercado com seus produtos e rivalizam em
qualidade e preço, permitindo a escolha do consumidor. Esta possibilidade, exercida de uma for-
ma espontânea, livremente, sem entraves ou limitações que não sejam às próprias da produção,
distribuição ou comercialização, é o que se pretende obter ou almeja. Em sua tutela ou defesa se
orientam as normas legais.

248 Para o autor, “só se pode defender a negação das liberdades iguais quando isso é essencial para
alterar as condições de civilização de modo que, no momento apropriado, seja possível desfrutar
dessas liberdades”. (RAWLS, 2008, p. 29)
provavelmente sobreviverá como se eficiente fosse (MOTTA; SALGADO,
2015, p. 38).
Trata-se de um mecanismo darwiniano, pois a concorrência sele-
ciona empresas eficientes. Em um mercado em que existam empresas
mais e menos eficientes, a concorrência forçará as menos eficientes
a deixá-lo. O bem-estar será elevado, porque os bens serão produzi-
dos a menor custo. Um argumento relacionado ao tema envolve o fato
de que, quando a concorrência existe, diferentes projetos, produtos

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


e tecnologias tornam-se possíveis. O mercado permitirá, então, que
apenas os melhores sobrevivam e prosperem, enquanto os demais
desaparecerão (MOTTA; SALGADO, 2015, p. 40). Evidentemente, sob
monopólio, esse processo não ocorrerá e o agente econômico per-
manecerá com os chamados lucros de monopólio ou lucros extraor-
dinários (diferentes dos lucros normais) (PINHO; VASCONCELLOS;
TONETO JR., 2011, p. 207). Do mesmo modo, o agente econômico so-
mente tem incentivos para desenvolver novas tecnologias de produ-
ção e novos produtos e/ou serviços (inovação) contanto que esteja

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


concorrendo, lutando para conquistar mais consumidores. Senão, a
tendência é que as patentes tornem-se obsoletas, que seus produtos
e/ou serviços tornem-se superados etc. É exatamente por isso, aliás,
que a manutenção de um monopólio mostra-se factível sob a condi-
ção de que exista uma regulação efetiva (IDEM); do contrário, ele dá
margem a uma série de abusos.
É necessário, ainda, destacar que, para a Economia, nem sempre um
número razoável de empresas repercutirá em bem-estar, como apontam
Massimo Motta e Lucia Helena Salgado. Assim, como o poder de mercado
decresce com o número de empresas na indústria (em um determinado
mercado relevante), tende-se a concluir que, quanto maior o número de
empresas em um setor, mais alto seria o nível de bem-estar. Não é o caso, 177

porém, quando as empresas têm de incorrer em custos fixos. De fato, a


presença de custos fixos – o que dá ensejo às economias de escala – im-
plica a existência de um trade-off249. Assim, por um lado, muitas empresas,

249 Termo que define uma situação em que há conflito de escolha. Caracteriza uma ação econômica
que visa à resolução de um problema mas acarreta outro, obrigando que se faça uma escolha.
implicadas em um contexto de maior competição no mercado, oferecem
preços menores, o que indubitavelmente eleva o excedente do consu-
midor (eficiência alocativa). Por outro lado, há uma duplicação de custos
fixos, o que representa perda em termos de eficiência produtiva (estática)
(MOTTA; SALGADO, 2015, p. 42).
Esse trade-off entre eficiência alocativa e eficiência produtiva implica
que uma política que almeja maximizar o número de empresas de de-
terminada indústria seria inconsistente: muitas empresas aumentariam a
competição e deslocariam os preços para baixo, mas, ao mesmo tempo,
envolveriam uma perda de economias de escala. Um conflito com critérios
econômicos de bem-estar poderia ser gerado se uma autoridade concor-
rencial tentasse não só garantir a possibilidade de entrada em uma indús-
tria, como garantir que todas as empresas competissem em condições de
igualdade e, além disso, usassem subsídios ou outros instrumentos de
política industrial para ativamente promover a entrada ou artificialmente
impedir a saída de empresas de um setor (IDEM).
Apesar dessas ponderações, juridicamente, é necessário assegu-
rar as condições fáticas mínimas para que exista a liberdade de esco-
lha e, logo, o direito do consumidor ao consumo e à escolha (papel
desempenhado pelo sistema de defesa da concorrência). A eficiência,
que é o principal mote da disputa que caracteriza a competição (e a
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

concorrência), será uma consequência, já que, do contrário, a disputa


sequer teria sentido. E, como a eficiência repercute no bem-estar do
consumidor, ela não pode ser desprezada. Assim, os paradigmas da
liberdade de escolha e da eficiência, que são complementares, devem
conviver, e não se excluir.
A propósito, Erik Jayme demonstra que a ideia utilitária, segundo a
qual as razões de natureza econômica determinam ou devem determinar
178 as ações humanas, é insustentável. Daí as quatro características da cultura
pós-moderna: (i) o pluralismo, (ii) a comunicação, (iii) a narração e (iv) o
retorno dos sentimentos (JAYME, 1995, p. 246 e ss.), que, aliás, deve ser re-
lembrado, já que os sentimentos guardam sempre um sentido. O “retorno
dos sentimentos” fala da retomada do sentido daquilo que, preponderan-
temente, forma a pessoa humana, a sua identidade cultural:
l’on accepte le fait que les êtres humains suivent leurs émotions malgré les dangers inhérents
à une telle attitude. L’idée utilitaire, que les raisons de nature économique déterminent
ou doivent déterminer exclusivement les actions de l’homme, n’est plus convaincante. Les
hommes se battent aussi pour les valeurs inhérentes de l’âme. En droit, c’est la sauvegarde
de l’identité culturelle qui est l’expression de ces sentiments [...] 250. (JAYME, 1995, p. 261).

Como visto, é impossível dissociar o Direito da Concorrência do


Direito do Consumidor. Pensar em um e desconsiderar o outro seria uma

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


imprudência e, sendo a defesa do consumidor definitivamente parcial ou
incompleta se se deixar de lado a defesa da concorrência (ITURRASPE,
2003, p. 217) e sabendo que a defesa do consumidor é a defesa da pessoa
humana em estado de vulnerabilidade (bastando lembrar as situações de
superendividamento, que comprometem, até mesmo de forma irreversí-
vel, e de diversas formas, a dignidade humana, a estrutura familiar etc.),
impõe-se escolher a liberdade de escolha, e não a eficiência, como obje-
tivo primeiro da “dinâmica concorrencial”.
Assim, o paradigma da liberdade de escolha, defendido pela Escola

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


de Freiburg, influenciou o caminho seguido por este trabalho, que, em-
bora não se identifique com as ideias liberais, entende que, sob o viés
jurídico, a liberdade de escolha coaduna-se mais com a defesa do con-
sumidor do que o paradigma da eficiência que, como visto, pode não se
materializar em benefícios ao consumidor, a menos que o aspecto distri-
butivo do Direito da Concorrência seja aprimorado.
Finalmente, entende-se que o Direito da Concorrência não pode re-
nunciar à realização da justiça e, consequentemente, não pode se furtar
de influenciar na conformação das relações sociais, da ordem econômica.
Assim, deve-se interpretar e aplicar suas normas com base em critérios
jurídicos, e não em critérios econômicos, o que não deve impedir que se

179

250 Em livre tradução: aceita-se o fato de que os seres humanos seguem suas emoções, apesar dos
perigos inerentes a uma tal atitude. A ideia utilitária, segundo a qual as razões de natureza eco-
nômica determinam ou devem determinar exclusivamente as ações do homem, não é mais con-
vincente. Os homens estão lutando também pelos valores da alma. Em Direito, é a preservação
da identidade cultural que é a expressão desses sentimentos [...].
tenha consciência dos interesses em jogo e da sua função econômica, mas
sem que esta função econômica constitua o critério prevalente251.
Enfim, a conquista de eficiência não pode continuar a ser vista como
o fator preponderante, como propõe a Escola de Chicago, mas como fator
importante. É também necessário perguntar que espécie de eficiência se
deseja conquistar. Afinal, o desenvolvimento de um peixe geneticamente
modificado, como o salmão, recentemente “produzido” por uma empresa
de biotecnologia, nos EUA, é seguramente um exemplo de pesquisa e de
inovação que representa ganho de eficiência passível de repartição com
o consumidor. Mas, seguro, sob a ótica do princípio da precaução252, visto
que se trata de tecnologia cuja segurança vem sendo contestada, apesar
da aprovação, em novembro de 2015, pelo U.S. Food and Drug Administration
(FDA) (FDA, 2015)? E os custos ambientais, à saúde?

3.5.4 A conciliação dos Sistema Brasileiro de


Defesa da Concorrência e Sistema Nacional de
Defesa do Consumidor
No País, ambos os Direitos da Concorrência e do Consumidor foram
mantidos cartesianamente incomunicáveis pelas doutrinas antitruste e con-
sumerista, o que levou a uma incompreensão253 recíproca, de parte a parte,
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

dos princípios e da racionalidade que os informam (BADIN, 2005, p. 53).


Mas, apesar de ter havido uma segmentação dos Direitos e das polí-
ticas concorrencial e consumerista ao longo dos anos, elas compartilham
um traço comum, consubstanciado na ideia da proteção do consumidor,

251 Utilizaram-se, aqui, ideias de Eduardo Galán Corona (1985, p. 15) sobre o Direito econômico,
180
adaptando-as ao contexto do Direito da concorrência.

252 Embora tenha origem no Direito alemão, que o desenvolveu, aponta-se que o princípio da
precaução está positivado no Direito brasileiro desde a adesão, ratificação e promulgação
da Convenção da Diversidade Biológica e da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a
Mudança do Clima. Além disso, a adoção do art. 225 da CRFB/1988 e do art. 54, § 3o, da Lei n.
9.605/1998 também o explicitam. (MACHADO, 2014, p. 98, 112)

253 Destaque-se a existência da linha de pesquisa “fundamentos dogmáticos da experiência jurí-


dica”, que tem como ênfase a interação entre os Direitos da Concorrência e do Consumidor, no
PPGD da UFRGS (UFRGS).
mesmo que esta se materialize em planos e formas diversos254. Portanto,
ainda que a proteção da concorrência perfaça uma política legislativa de
Direito Público e a proteção do consumidor pertença ao âmbito do Direito
Privado, “los dos enfoques son complementarios y actúan como vasos comunicantes”255,
como preleciona Ricardo Lorenzetti (2011, p. 322), perspectiva compar-
tilhada também por Spencer Weber Waller, para quem “competition and
consumer protection laws are intimately related, two sides of the same coin of consumer
sovereignty and hence economic justice” (WALLER, 2005, p. 631)256.

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Ao tratar a relação das empresas umas com as outras, o Direito da
Concorrência está localizado a montante do Direito do Consumidor.
Existe, porém, na fronteira entre as duas matérias, um conjunto de regras
que pertence tanto a uma quanto a outra, afinal, as regras de Direito da
Concorrência têm, quase todas, consequências para os consumidores e
também as regras de Direito do Consumidor exercem influência sobre a
concorrência (CALAIS-AULOY; TEMPLE, 2015, p. 18).
Claudia Lima Marques aponta que há um componente político-eco-
nômico nas normas de proteção nacional e internacional dos consumido-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


res, pois, se um país exportador mantém alto nível de proteção de seus
consumidores, aumenta a qualidade de seus produtos, que encontrarão
maior aceitação internacional (caso da Alemanha, por exemplo). Em ou-
tras palavras, as regras sobre o Direito do Consumidor interessam à com-
petitividade do mercado interno e à competitividade internacional, assim
como contribuem para a criação de um mercado interno com concorrência
leal (MARQUES, 2014, p. 143). Com efeito, o fortalecimento do consumo,
especialmente dos direitos do consumidor, é fundamental para o fortale-
cimento da própria sociedade capitalista (NUNES, 2014b, p. 348).
Aqui, deve-se recordar a experiência francesa, cuja característica prin-
cipal é a presença de um Código do Consumo (Code de la Consommation)257
181

254 Como, por exemplo, no âmbito da escolha. (AVERITT; LANDE, 1998)

255 Em tradução livre: os dois enfoques são complementares e atuam como vasos comunicantes.

256 Em tradução livre: os Direitos da Concorrência e da Proteção do Consumidor estão intimamente relacio-
nados, dois lados da mesma moeda da soberania do consumidor e, portanto, da justiça econômica.

257 A França, por exemplo, mantém um Código do Consumo e, apenas em 2014, por meio da Loi
Hamon de 17/3/2014, introduziu-se naquele código um artigo preliminar assim redigido: «Art.
préliminaire.-Au sens du présent code, est considérée comme un consommateur toute personne physique qui agit à
transversal. Assim, sem modificar seu Direito Privado, em 1993, a França
preferiu organizar um Código de Consumo, consolidando todas as suas leis
internas e as Diretivas europeias relativas à defesa do consumidor. Dessa
forma, observa-se que o tema daquele código não é o consumidor, mas
o consumo mesmo e o mercado de consumo. Reconhece-se que o tema
“consumo” é transversal e envolve vários ramos do Direito, como o Direito
Administrativo, Ambiental, Civil, Concorrencial, Econômico, Empresarial,
Penal, Processual etc. (MARQUES, 2004, p. 24)
Em suma, “un lien particulier unit le droit de la consommation au droit de la
concurrence” (CALAIS-AULOY; TEMPLE, 2015, p. 18)258 e a simbiose é tal que,
sem perder sua identidade, as duas matérias poderiam ser agrupadas em
uma única, o Direito do Mercado (IDEM). No que tange ao caso brasileiro,
Bruno Miragem refere que o Direito do Consumidor constitui um dos fato-
res mais relevantes da ordenação do mercado. Embora se percebam seus
efeitos sobre a proteção do consumidor, no âmbito da relação de consu-
mo, eles se estendem para além das partes diretamente envolvidas nesta
e projetam-se tanto em direção a um determinado grupo de consumidores
ou de fornecedores como em direção ao conjunto dos agentes econômicos
no mercado (MIRAGEM, 2014, p. 81 e ss.). A propósito, segundo a OCDE, as
políticas de defesa da concorrência e do consumidor, ligadas por um pro-
cesso de osmose (MURIS, 2012, p. 7), podem até mesmo se sobrepôr:
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

consumer protection complements competition policy, but they also overlap as a consumer
protection measure can affect competition and vice versa. While both have the common goal
of promoting consumer welfare, their techniques and focus differ. Competition policy seeks to
encourage and ensure a high degree of rivalry among sellers, thereby providing consumers
with greater choice and lower prices. A key element in the competitive process is the role of the
consumer in imposing discipline on competing firms by shifting their expenditures to firms that
best satisfy their needs and wants. Policies that enable consumers to make informed choices in
182 the market can therefore also help maintain competition. Thus, effective competition policies

des fins qui n’entrent pas dans le cadre de son activité commerciale, industrielle, artisanale ou libérale». Em tra-
dução livre: Art. preliminar. Para os propósitos deste código considera-se consumidor qualquer
pessoa física que atue com fins que não pertençam ao âmbito da sua atividade comercial, indus-
trial, artesanal ou profissional. (FRANÇA, 2014)

258 Em traduação livre: um elo particular une o Direito do Consumo ao Direito da Concorrência.
help to protect consumers, and effective consumer policies can help to maintain competition259.
OECD, 2010b, p. 32)

Com efeito, o desenvolvimento de pesquisas multidisciplinares no con-


texto contemporâneo considera a existência de uma relação complementar
inequívoca entre as políticas concorrencial e consumerista, apontando que
“effective competition policies help to protect consumers, and effective consumer policies can
help to maintain competition” (IDEM)260, ainda que seja necessário “reconnaître une

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


spécificité incontestable” (BOURGOIGNIE; ST-PIERRE, 2007, p. 18)261.
Considerando a relação complementar inequívoca entre os direi-
tos e as políticas concorrencial e consumerista, em 18/7/2012, o CADE e
a SENACON firmaram um acordo inédito de cooperação técnica a fim de
promover uma atuação institucional integrada (BRASIL, MJ, SENACON;
CADE, 2014a, p. 1-2). A parceria, vigente durante 24 meses, previu a im-
plementação de diversas ações, como (i) o “intercâmbio de informações
técnicas e apoio técnico-institucional”, (ii) a “criação e potencialização de
canais de comunicação direta”, “tendo em vista a vulnerabilidade do con-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


sumidor e a necessidade de combater infrações à ordem econômica que
afetem os direitos dos consumidores”, (iii) a “prestação de informações
referentes às ações promovidas”, (iv) o “monitoramento, no âmbito de
suas atribuições, das consequências dos atos de concentração que ve-
nham a atingir os interesses dos consumidores”, entre outras (BRASIL, MJ,
SENACON; CADE, 2014a, p. 2).

259 Em tradução livre: a proteção do consumidor complementa a política de concorrência, mas elas
também se sobrepõem na medida em que a proteção do consumidor pode afetar a concorrência
e vice-versa. Embora ambas tenham o objetivo comum de promover o bem-estar dos consumi-
dores, suas técnicas e foco diferem. A política concorrencial visa encorajar e assegurar um eleva-
do grau de rivalidade entre os vendedores, proporcionando aos consumidores maior escolha e
183
preços mais baixos. Um elemento-chave no processo competitivo é o papel do consumidor na
imposição de disciplina às empresas concorrentes ao mudar seus gastos para as empresas que
melhor satisfaçam as suas necessidades e desejos. Políticas que permitam aos consumidores
fazer escolhas informadas no mercado, portanto, podem também ajudar a manter a concorrência.
Assim, as políticas de concorrência eficazes ajudam a proteger os consumidores, e políticas efica-
zes de consumo podem ajudar a manter a concorrência.

260 Em tradução livre: políticas concorrenciais efetivas ajudam a proteger os consumidores, e políti-
cas consumeristas efetivas podem ajudar a manter a concorrência.

261 Em tradução livre: reconhecer uma especificidade incontestável.


A ação iniciada em 2012 resultou na Nota técnica conjunta n. 8, de
12/5/2014, do CADE e da SENACON, que analisa a interface entre as políti-
cas de defesa do consumidor e da concorrência e propõe uma agenda de
coordenação dessas políticas. Segundo a nota, “o enfoque interdisciplinar
tem como consequência evitar ou reduzir inconsistências entre as dife-
rentes políticas” (BRASIL, MJ, SENACON; CADE, 2014b, p. 16), que, como
aponta a OCDE, têm instrumentos diversos de atuação:

competition cases are typically fewer in number and broader in scope, affecting entire
markets. Consumer cases are more numerous and more narrowly focused, sometimes
involving a specific practice by a single business. Competition and consumer agencies also
have different tools at their disposal for dealing with violations of their respective laws.
The instruments available to competition agencies are more blunt: fines, or prohibition of
anticompetitive conduct, for example. The remedies available to consumer agencies can be
more targeted and specific: measures designed to improve information flows to consumers,
for example262. (OECD, 2010c, p. 137)

Ainda segundo a nota técnica, “as políticas de concorrência e consu-


midor” têm o mesmo objetivo, “o bem estar dos consumidores” (BRASIL,
MJ, SENACON; CADE, 2014b, p. 6), de forma que

o compartilhamento de conhecimento entre ambas as políticas pode favo-


SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

recer a qualidade da intervenção governamental uma vez que as medidas


adotadas no âmbito da defesa concorrencial podem ser melhor talhadas
para remediar problemas que já estão sendo observados pelos órgãos de
defesa do consumidor. Por outro lado, as informações obtidas pelo regulador
consumerista podem também servir para monitorar a eficácia de decisões
antitruste e o cumprimento das obrigações impostas a empresas uma vez
sujeitas ao crivo concorrencial. (BRASIL, MJ, SENACON; CADE, 2014b, p. 16)

184

262 Em tradução livre: casos concorrência são tipicamente menores em número e de âmbito mais
abrangente, afetando mercados inteiros. Casos de consumo são mais numerosos e têm um foco
mais estreito, por vezes envolvendo uma prática específica de uma única empresa. Agências de
concorrência e dos consumidores também têm diferentes ferramentas à sua disposição para lidar
com violações de suas respectivas leis. Os instrumentos das autoridades de concorrência são
mais contundentes: multas, ou proibição de condutas anticompetitivas, por exemplo. Os remé-
dios disponíveis para as agências de consumidores podem ser mais direcionados e específicos:
medidas destinadas a melhorar os fluxos de informação para os consumidores, por exemplo.
Enquanto a política concorrencial volta-se, resumidamente, à garan-
tia da existência e da preservação da concorrência, permitindo a atuação
de concorrentes (já que o monopólio é situação excepcionalmente tole-
rada) que compitam entre si para, em última análise, conquistar o consu-
midor, possibilitando ofertas mínimas de produtos e serviços com preço
e qualidade que reflitam o ambiente de concorrência, a política consume-
rista pretende garantir, sobretudo, o exercício do direito básico à escolha
do consumidor, a teor do disposto no art. 6o, II, do CDC. A perspectiva

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


consumerista preocupa-se, assim, com o mercado a partir da demanda
a fim de oportunizar que os consumidores possam, de fato, exercer seu
direito à escolha com base no leque de opções o mais possível amplo
que a competição oferece. Em síntese, ela “busca eliminar assimetrias de
informação, aumentar a transparência do mercado e criar padrões míni-
mos de qualidade”, incentivando “as empresas a concorrerem no mérito”
(IDEM, p. 6-7).
Por fim, uma perspectiva pragmática envolve o “capital político” que
a proteção dos interesses do consumidor pode representar para a autori-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


dade antitruste, o que a auxilia ao adotar decisões e ações eventualmente
impopulares (OECD, 2015b, p. 3-4). Nesse sentido, os modelos nórdicos
(MÖLLERS; HEINEMANN, 2007, p. 245-246), que adotam a figura de um
Ombudsman consumerista − que representa os interesses do consumidor
como um interlocutor perante a autoridade concorrencial −, talvez sejam
uma opção útil e que pode derivar das ações integradas que atualmente
envolvem SBDC e SNDC, além de contribuir para a realização da chama-
da democracia participativa, permitindo que o grupo dos consumidores
integre-se ainda mais na gestão da coisa pública (MANCUSO, 2013a, p. 49),
como prevê o art. 1o, V, parágrafo único, da CRFB/88.

3.6 Conclusão parcial 185

A partir da compreensão dos motivos que levaram os sistemas jurí-


dicos contemporâneos a considerar a dignidade da pessoa humana como
seu centro, em grande parte dos países ocidentais, pelo menos, o que in-
clui o Brasil, verificaram-se alguns diálogos possíveis entre o consumo e a
concorrência, uma instituição jurídica que apresenta um papel importante
na realização da defesa do consumidor, tarefa que é fundamental para o
desenvolvimento integral da pessoa humana e que garante, parcialmente,
a realização do próprio superprincípio da dignidade da pessoa humana.
Além disso, neste capítulo, percebeu-se que:
a. nas últimas décadas, a dignidade da pessoa humana tornou-se um
dos maiores exemplos de consenso ético do mundo ocidental, passando a
desempenhar um papel central no discurso sobre os direitos humanos e tor-
nando-se um superprincípio de tal forma importante para o sistema jurídico
que tem repercussões consideráveis na atividade hermenêutica: a interpre-
tação de qualquer norma deverá colocar o homem no centro de análise, a
partir da noção kantiana segundo a qual o homem é um fim em si próprio,
b. a defesa do consumidor não se limita à relação jurídica de con-
sumo, em que há, de um lado, o consumidor e, de outro, o fornecedor
(plano vertical do mercado). Ela a ultrapassa e envolve, também, a relação
jurídica concorrencial entre, de um lado, o fornecedor-consumidor e, de
outro lado, o fornecedor-concorrente, cuja relação tem espaço no plano
horizontal do mercado,
c. o caráter instrumental da concorrência é uma espécie de consenso
no Brasil e na União Europeia (UE), onde a concorrência é vista como um
meio para se chegar a algum objetivo outro que supere a mera assegura-
ção de concorrência,
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

d. a Economia, ao dedicar-se à concorrência, baseia-se sobretudo na


ideia de bem-estar do consumidor. Os teóricos ordoliberais, estruturalis-
tas e neoclássicos também não discordam quanto a esse ponto, embora
demonstrem divergências no que tange ao significado de “bem-estar” do
consumidor, que significa liberdade de escolha, para os ordoliberais, e
eficiência econômica, para os neoclássicos,
e. propõe-se a ideia de consumer well-being em substituição à ideia de
186 consumer welfare,
f. a concorrência assume um papel importante como instituição jurí-
dica que permite a implementação da defesa do consumidor em sentido
lato, podendo-se afirmar, a partir disso, que ela garante a perfectibilização
do princípio da dignidade da pessoa humana,
g. na colisão entre princípios, no caso concreto, deve-se estabelecer uma
relação de precedência condicionada entre os mesmos através do método
da ponderação, pois os princípios têm pesos diferentes e os princípios com o
maior peso têm precedência. Ou seja, o princípio da defesa do consumidor e,
logo, da dignidade da pessoa humana, prevalecem sobre o princípio da livre
concorrência, que, entretanto, não é inteiramente suprimido, mas será exerci-
do dentro de um quadro de limites dado pelo princípio prevalente,
h. a eficiência é um paradigma importante para o bem-estar do con-
sumidor, mas, sob o viés jurídico, a liberdade de escolha coaduna-se mais
com a defesa do consumidor do que o paradigma da eficiência que, como

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


visto, pode não se materializar em benefícios ao consumidor, a menos que
o aspecto distributivo do Direito da Concorrência seja aprimorado e
i. o desenvolvimento de pesquisas multidisciplinares no contexto
contemporâneo, inclusive no Brasil, considera a existência de uma relação
complementar inequívoca entre as políticas concorrencial e consumerista,
o que tem levado o CADE e a SENACON a estabelecerem ações conjuntas.

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:

187
CAPÍTULO 1

Direito à Informação e Acesso


4 A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR
a Documentos Governamentais:
PELA LEI N. 12.529/2011:
breve estudo do Direito canadense
O CONSUMIDOR COMO
Luiz Guilherme Loureiro
PROTAGONISTA DO “DEVIDO
PROCESSO ECONÔMICO”

Tendo-se, até aqui, analisado os principais aspectos


que envolvem o Direito da Concorrência e do Consumidor,
além dos diversos laços que os ligam, passa-se a verificar
o tema da proteção concorrencial do consumidor. Para
tanto, considera-se, inicialmente, que a defesa da concor-
rência dialoga intensamente com a defesa do consumi-
dor, como já demonstrado, e que a concorrência, instru-
mental, é uma condição necessária, embora insuficiente,
da defesa do consumidor, o que torna imperioso conhe-
cer o modus operandi da proteção jurídica do consumidor
via Direito da Concorrência, fato que é controverso.
Assim, neste capítulo, verifica-se a proteção do con-
sumidor pela Lei n. 12.529/2011, destacando-se a discus-
são doutrinária que envolve o tema. Para fins de análise,
classifica-se a proteção oferecida ao consumidor pela lei
concorrencial em (i) indireta e (ii) direta, destacando-se a
preferência pelo termo “proteção”, apesar do uso corren-
te do termo “tutela”, que carrega consigo ideia contrária à
sustentada neste trabalho − já que tutela, do latim tueor,
era, originalmente, a fixação dos olhos em alguém, sendo
o tutor, primitivamente, não o representante, mas aquele
que se fazia sujeito de direito (PONTES DE MIRANDA, 2013, p. 289) −,
que pretende colaborar com o protagonismo, com a independência do
consumidor enquanto sujeito do “devido processo econômico”. Além
disso, como a política concorrencial articula-se em torno de dois grandes
domínios de ação, analisam-se as particularidades da prevenção e da re-
pressão das infrações da ordem econômica, além dos fundamentos do
reconhecimento de direitos ao consumidor no âmbito concorrencial.

4.1 A discussão doutrinária


Apesar de se considerar que o consumidor é o destinatário econômi-
co final das normas concorrenciais, isso não o transforma em seu destina-
tário jurídico direto (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 105). Com efeito, refere-se,
tradicionalmente, que o Direito da Concorrência protege o consumidor
de forma indireta263 pela proteção da concorrência enquanto instituição
jurídica, o que é, de fato, inquestionável, visto que uma das funções es-
senciais da concorrência é promover a inovação e assegurar uma produção
tão eficaz quanto possível dos produtos e serviços que se traduza em van-
tagens para os consumidores, tais como preços mais baixos ou melhorias
em termos de qualidade, de possibilidades de escolha etc.264.
Além disso, distinguindo-se a aplicação das regras de concorrência
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

de outras formas de intervenção pública, como a regulação, pelo seu ca-


ráter não finalístico, como visto, não se pode esperar que o Direito da
Concorrência garanta um determinado resultado, como a diminuição dos
preços, quando este apenas pode ser obtido pela própria dinâmica con-
correncial (SILVA, 2012, p. 2).
Desse modo, predomina o entendimento de que as regras concor-
renciais em geral não são aplicáveis a comportamentos empresariais em
190 sua relação com o consumidor. Discute-se, porém, a possibilidade de re-
conhecimento de uma proteção excepcionalmente direta do consumidor
no âmbito concorrencial. Assim, a revisão da literatura brasileira contem-

263 Como apontam Calixto Salomão Filho (2013, p. 105-107), Heloisa Carpena (2005, p. 258), Roberto
Pfeiffer (2015, p. 23) e Paula Forgioni (2012, p. 246), entre outros.

264 Prefácio do professor Mario Monti ao XXIX Relatório
sobre a Política de Concorrência. (UNIÃO
EUROPEIA. XXIX RELATÓRIO..., 2000a, p. 3)
porânea demonstra uma divisão, entre os doutrinadores, no que tange à
possibilidade de haver uma proteção direta do consumidor pela Lei n.
12.529/2011 e, particularmente, de o consumidor titularizar direitos indi-
vidual e/ou coletivamente, tema que é importante para a presente tese,
que reflete sobre o reconhecimento do direito à concorrência.
Essa possibilidade corresponderia a uma necessidade pragmática
decorrente das situações de concentração de poder típicas da economia
brasileira (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 107). Todavia, ela não pode ser consi-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


derada uma idiossincrasia local, visto que, no âmbito da União Europeia, já
se identifica reconhecimento semelhante, como será visto. Assim, de forma
breve, passa-se a analisar as posições identificadas entre a doutrina.
Em regra, como já se verificou, a proteção concorrencial do consumi-
dor é indireta, um reflexo da proteção da concorrência enquanto institui-
ção jurídica. Contudo, aponta-se que a prática de ilícitos consistentes em
exercício abusivo de posição dominante, prática tipificada como infração
da ordem econômica pela Lei n. 12.529/2011 permite o reconhecimento de
uma proteção direta do consumidor, conforme sustenta Calixto Salomão

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Filho (2013, p. 107), para quem

o consumidor não é, normalmente destinatário direto das normas concor-


renciais, mas é sempre sua justificação última. No caso do controle das
estruturas e – como regra geral – também no controle dos comportamentos
ele é protegido de maneira reflexa, através da proteção acordada aos in-
teresses institucionais e aos concorrentes. É o que ocorre no caso dos atos
tentendes à dominação do mercado e nos atos de concorrência desleal.
Evidente está, no entanto, que mesmo nesses casos, todos os danos a ele
individualmente causados por força da prática dos ilícitos concorrenciais
deverão ser devidamente ressarcidos. Não sujeitos à regra geral supra são
os ilícitos consistentes em abuso de posição dominante. Ali está, na ver-
dade, o centro nervoso do direito concorrencial em matéria de proteção ao 191
consumidor. Não por acaso, portanto, essas regras não são consideradas
rigorosamente concorrenciais. Essa relação direta entre agente econômico
que pratica ilícito concorrencial e consumidor não é típica do direito con-
correncial, mas corresponde a uma necessidade prática e dogmática de-
corrente das situações de concentração de poder da economia brasileira.
(SALOMÃO FILHO, 2013, p. 107)
Dessa forma, percebe-se que, para o autor, o consumidor é passível
de titularizar direitos, no âmbito concorrencial, na hipótese de prática do
ilícito de abuso de posição dominante, posição que é compartilhada por
Ana Paula Martinez (2004, p. 78), destacando-se que Calixto Salomão Filho
considera que o aumento arbitrário de lucros “nada mais é que uma espé-
cie do gênero ‘abuso de posição dominante’, que não pode ser caracteri-
zada como ilícito independente” (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 404).
No que tange aos ilícitos de concorrência desleal, Calixto Salomão
Filho reconhece que o consumidor é excepcionalmente o destinatário di-
reto das normas concorrenciais sempre que se caracterizar que é direta-
mente por meio dele, consumidor, que a concorrência desleal foi prati-
cada. Exemplificativamente, cita-se a hipótese de prática de propaganda
enganosa baseada em informações falsas sobre o concorrente, o que cau-
sa lesão ao concorrente, propriamente, e ao consumidor, que tem seus
direitos à informação e à escolha desrespeitados na medida em que a
informação disponibilizada é enganosa, afetando sua decisão de consu-
mo (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 107), afinal, como se sabe, a publicidade é
uma estratégia competitiva cuja função principal é criar desejos, fazendo
surgir necessidades que previamente não existiam. Há, portanto, uma ma-
nipulação competitiva dos desejos do consumidor (GALBRAITH, 1987, p.
128) que não atende a requisitos mínimos de lealdade e pode, eventual-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

mente, constituir ilícito concorrencial se preenchidos os requisitos do art.


36, caput e incisos, da Lei n. 12.529/2011, além de prática abusiva, conforme
prevê o art. 39, caput e incisos, do CDC.
Para Paula Forgioni, o art. 36 da Lei n. 12.529/2011 apresenta “duas al-
mas” que convivem sem se contradizerem. Assim, o art. 36 protege a livre
iniciativa e a livre concorrência, conforme determina o art. 170, caput e inc.
IV, da CRFB/88 (esta seria a primeira “alma”) e, concomitantemente, repri-
192 me o abuso do poder econômico que vise ao aumento arbitrário de lucros
(previsto no art. 173, § 4o , da CRFB/88) e, por conseguinte, cause prejuízo
ao consumidor (conforme determina o art. 170, inc. V, da CRFB/88 e o art.
1o da Lei n. 12.529/2011) ou a outros agentes econômicos, como fornecedo-
res, distribuidores, o que acabaria por prejudicar o consumidor na medida
em que o aumento das despesas tende a ser repassado ao consumidor
(esta seria a segunda “alma”). Portanto, ao mesmo tempo em que protege
a livre iniciativa e a livre concorrência, a Lei n. 12.529/2011 protege, no
caso do art. 36, III, de forma imediata, o consumidor, impedindo que a
ele sejam impostos preços excessivos, mediante o aumento arbitrário de
lucros (FORGIONI, 2012, p. 142).
Já Heloisa Carpena tem uma interpretação própria acerca do tema.
Para a autora, os “interesses dos consumidores” não são considerados
“como objeto direto e imediato, mas como finalidade axiológica da prote-
ção da concorrência”, o que “decorre da aplicação dos princípios constitu-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


cionais” (CARPENA, 2005, p. 258).
Segundo Luiz Carlos Buchain, “o consumidor final não está abrangido
pelo âmbito de aplicação” da lei concorrencial e “eventuais prejuízos de
natureza econômica por esse sofridos, como, por exemplo, a imposição de
preços abusivos no mercado, são regulados pelas práticas abusivas posi-
tivadas” no CDC, de forma que “os prejuízos sofridos pelo consumidor fi-
nal não pertencem à órbita da defesa da ordem econômica concorrencial”
(BUCHAIN, 2006, p. 147).
Por fim, Roberto Pfeiffer entende que “a legislação de defesa da con-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


corrência não se presta a uma proteção direta do consumidor individual,
mas sim indireta ou mediata, uma vez que não adjudica diretamente di-
reitos aos consumidores” (PFEIFFER, 2015, p. 23). Desse modo, ainda que
a lei concorrencial não proteja diretamente o consumidor, ela possui uma
relação íntima com o bem-estar do consumidor. Para o autor:

embora as normas de defesa da concorrência não regulem a relação de


consumo e não procedam a uma defesa direta do consumidor, tutelam in-
teresses essenciais dos consumidores, uma vez que sua aplicação redunda
em preços competitivos (e mais baixos do que aqueles praticados em si-
tuações sem concorrência efetiva), alternativas de escolha e melhores pa-
drões de qualidade e inovação. (IDEM, p. 142-143)
193

Ainda, segundo Roberto Pfeiffer, “a política de defesa da concorrên-


cia não se presta à solução de conflitos individuais” e “eventuais práticas
abusivas cometidas contra os consumidores somente serão reprimidas
caso possam ter efeitos sobre a concorrência em geral”, podendo-se dizer
que “a política de defesa da concorrência não é apta a adjudicar direitos
aos consumidores ou a reprimir condutas que afetem os seus interesses,
mas não tenham o potencial de produzir efeitos sobre a concorrência”
(IDEM, p. 146). Desse modo, a proteção do consumidor é

um objetivo indireto ou mediato da política de defesa da concorrência,


já que através da aplicação das normas de defesa da concorrência não há
como adjudicar direitos ao consumidor. Assim, por exemplo, na hipótese
de ser praticada uma conduta abusiva contra o consumidor: 1) não há como
a autoridade administrativa de defesa da concorrência determinar a repa-
ração dessa lesão; 2) a repressão à conduta somente será efetivada caso
haja a possibilidade de seu enquadramento como infração contra a ordem
econômica, para o que é imprescindível a demonstração de que a prática
surtiu (ou possui o potencial de produzir) efeitos danosos à concorrência
como um todo (PFEIFFER, 2015, p. 151).

Como se percebe, há uma celeuma marcante na doutrina nacio-


nal e que destoa da aproximação que o Direito da Concorrência e do
Consumidor e suas respectivas políticas vêm apresentando. Afinal, as po-
líticas públicas relacionadas à defesa do consumidor e à livre concorrência
não se fecham em copas, havendo amplo reconhecimento da necessidade
de uma aproximação entre ambas a fim de se potencializar sua implemen-
tação, como visto no terceiro capítulo deste trabalho.
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

Além disso, a lei concorrencial, na medida em que é, também, uma


lei voltada à defesa do consumidor (e aí se percebe que a “separação”
entre os subsistemas concorrencial e consumerista não é absoluta e que
há, entre ambos, uma “membrana” que é permeável), poderá ser utilizada
caso a conduta do agente econômico (fornecedor-concorrente), ao confi-
gurar infração da ordem econômica, prejudique o consumidor, hipótese
em que a defesa do consumidor será reforçada, como já estabelece o art.
194 47 da Lei n. 12.529/2011. Desse modo, “livre concorrência e proteção do
consumidor convivem como objetivos da legislação antitruste brasileira”
(SALOMÃO FILHO, 2013, p. 82), de forma que “a defesa dos consumidores,
incluída expressamente na lei como objeto de proteção do sistema con-
correncial (Lei 12.529/2011, art. 1o), leva à consideração dos consumidores
como titulares imediatos das regras concorrenciais” (IDEM, p. 83), ainda
que em caráter excepcional.
Finalmente, se a Lei n. 12.529/2011, uma lei de repressão ao abuso do
poder econômico, é reconhecidamente uma lei que oferece proteção a di-
versos interesses, destacando-se (i) que a coletividade é a titular dos bens
jurídicos protegidos pela Lei n. 12.529/2011, conforme dispõe o art. 1o, (ii)
que o art. 36, caput, trata da livre concorrência, da livre iniciativa e da pro-
teção “daqueles que se encontram em posição de sujeição em relação ao
titular de poder econômico ou de posição dominante” (FORGIONI, 2012,
p. 241) e (iii) que o art. 88, § 6o, prevê a possibilidade de autorização de

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


atos de concentração econômica restritivos da concorrência, desde que,
entre outros critérios,
sejam repassados aos consumidores parte relevan-
te dos benefícios decorrentes desses atos, então não há dúvidas de que
o consumidor é protegido pela Lei n. 12.529/2011 de formas diversas: (i)
indiretamente, pela proteção da concorrência, uma instituição e um bem
jurídico, (ii) diretamente, pela presença de interesses seus, no âmbito da
autorização de atos de concentração econômica com efeitos restritivos à
concorrência, conforme estabelece o art. 88, § 6o, da Lei n. 12.529/2011 e
(iii) diretamente, pela presença de interesses e direitos seus, se, de uma

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


infração da ordem econômica, resultar-lhe prejuízo.
Além disso, não se pode olvidar que a concorrência, no sistema ju-
rídico nacional, é, como visto, meio para a consecução da proteção do
consumidor, que é mediada pela proteção dos concorrentes e da própria
instituição concorrencial.

A proteção indireta do consumidor pela


Lei n. 12.529/2011
Como visto, o parágrafo único do art. 1o da Lei n. 12.529/2011 dis-
põe que “a coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos” por ela,
seguindo a tradição da lei concorrencial anterior, de 1994, que continha 195
a mesma disposição. No entanto, como visto no primeiro capítulo deste
trabalho, ainda que se reconheça na concorrência um “bem” (SALOMÃO
FILHO, 2013, p. 400), a lei não define claramente quais são os bens jurídi-
cos protegidos por ela e os interesses de que preponderantemente trata,
contribuindo para a continuidade do debate doutrinário e da divergência
jurisprudencial265.
Uma interpretação literal desse dispositivo, por exemplo, conduz à
conclusão de que a lei concorrencial brasileira protege tão somente “bens
jurídicos”, o que afastaria imediatamente de sua proteção o consumi-
dor e os concorrentes. Afinal, há uma dicotomia invencível entre sujeito
e objeto, sendo a distinção entre persona e res já conhecida dos romanos
(COMPARATO, 2010, p. 34). Mesmo assim, a partir de uma interpretação
sistemática, teleológica e conforme à Constituição (BARROSO, 2014, p.
330), não se pode negar que a dignidade da pessoa humana, enquanto
bem intangível (NUNES, 2014b, p. 348), é o primeiro “bem”266 protegido
pela Lei n. 12.529/2011 − embora se admita a inadequação deste vocábu-
lo. Portanto, apesar de o tema ser sensível para o Direito da Concorrência,
percebe-se que ele é pouquíssimo debatido.
Não restam dúvidas, porém, de que o consumidor recebe proteção
indireta da lei concorrencial brasileira, como visto repetidas vezes ao lon-
go deste trabalho. Nesse sentido, considera-se que o sujeito da proteção
oferecida pela Lei n. 12.529/2011 é o “consumidor em abstrato” (LOPES,
2000, p. 86-87), havendo uma preocupação com a estrutura concorrencial
do mercado e não com a relação de consumo. Assim, segundo Roberto
Pfeiffer, por exemplo, “não é um consumidor individual em concreto que
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

é sujeito de proteção, mas sim o bem-estar da coletividade dos consu-


midores” (PFEIFFER, 2015, p. 146). Além disso, é importante referir que
essa posição se coaduna com o conceito de consumidor lato sensu, analisa-
do no segundo capítulo, visto que o consumidor integra a “coletividade”
(MIRAGEM, 2014, p. 147).

196

265 A autora refere-se à Lei n. 8.884/1994, mas sua observação permanece atual e é aplicável à Lei n.
12.529/2011. (CARPENA, 2005, p. 252-253)

266 Assim, por exemplo, Ana Paula Barbosa-Fohrmann (2012, p. 14) fala da proteção do bem “digni-
dade” no âmbito do art. 1o, § 1o, da Lei Fundamental de Bonn.
A proteção direta do consumidor pela Lei n.
12.529/2011
Como visto, para além de uma proteção indireta do consumidor pela
Lei n. 12.529/2011, há uma proteção direta, que ocorre no âmbito (i) da auto-
rização de determinados atos de concentração econômica que apresentem
efeitos anticoncorrenciais, passíveis de legitimação contanto que exista o
repasse de parte substancial dos benefícios decorrentes (do ato) aos con-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


sumidores, o que significa que o interesse do consumidor é priorizado em
comparação ao da coletividade, pois a concorrência pode ser até mesmo
“restringida” se isso implicar recebimento de determinados “benefícios”
pelo consumidor, conforme estipula o art. 88, § 6o , da Lei n. 12.529/2011, e,
finalmente, (ii) da prática de infrações da ordem econômicas.
Na primeira hipótese, em que o consumidor é o sujeito “beneficiá-
rio” de parte relevante dos benefícios decorrentes de uma concentração
autorizada pelo CADE, nos termos do art. 88, § 6o, há uma proteção con-
correncial direta do consumidor, pela presença de interesses seus. Já na

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


segunda hipótese, em que o consumidor é o sujeito “prejudicado” por
uma infração da ordem econômica (art. 36), há uma proteção concorrencial
direta do consumidor, pela presença de interesses (e direitos) seus, se, de
uma infração da ordem econômica, resultar-lhe prejuízo.
Tecidas essas breves considerações, passa-se à análise dessas situ-
ações.

4.2 A prevenção das infrações da ordem


econômica
Há um interesse público claro na realização da empresa, que apre-
senta aspectos metaeconômicos e atende a uma função social, em sinto- 197

nia com um Estado já não liberal, mas de bem-estar social, como visto.
Essa liberdade de empreender materializada na empresa pressupõe
a liberdade de contratar, que não é, todavia, irrestrita. Há, por exemplo, di-
versos princípios no sistema jurídico – inclusive a previsão expressa de que
os contratos cumprirão função social267 – que condicionam o exercício, pelos
agentes econômicos, do direito de escolher com quem contratar e o próprio
objeto da relação contratual. Pelo prisma econômico-regulatório, a não au-
torização de determinados acordos decorre dos princípios constitucionais
da livre concorrência (art. 170, IV, da CRFB/88) e da repressão ao abuso de
posição dominante (art. 173, § 4o, da CRFB/88) (FGV, 2008, p. 122).
O controle de atos de concentração econômica se insere nesse qua-
dro. Ele consubstancia a função268 de prevenção às infrações da ordem
econômica, conforme preceitua o art. 1o da Lei n. 12.529/2011, e é uma es-
pécie de filtro pelo qual a autoridade concorrencial269 verifica a possibi-
lidade de o ato de concentração econômica − cuja tipologia empresarial
(Unternehmensträger) é variável, podendo o ato revestir-se de uma fusão, de
uma aquisição, de uma incorporação, de uma associação, de um contrato
ou de uma joint-venture, como prevê o art. 90270 da Lei n. 12.529/2011 271 −
oferecer riscos concorrenciais, ou não. Por isso, ele exerce uma função que

267 O CC prevê: art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do
contrato.

268 Uma outra função envolve aspectos societários. Como há pouca possibilidade de controle do po-
der do sócio majoritário por parte de acionistas minoritários e credores, já que os instrumentos
de controle interno e a responsabilidade externa não têm extensão nem profundidade suficien-
tes, faz-se necessário submeter ao controle concorrencial um número maior de concentrações e
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

formas de cooperação econômica. (COMPARATO; SALOMÃO FILHO, 2005, p. 530)

269 Elisabeth Farina observa que “a presença de uma agência forte de defesa da concorrência é
especialmente importante quando a estratégia setorial é concebida e implementada por asso-
ciações privadas. Entretanto, essas agências devem reconhecer que em uma economia de mer-
cado há um enorme espaço a ser ocupado por ações de caráter cooperativo e que não devem
ser ingenuamente confundidas com ações cartelizadas visando apenas lucros monopólicos de
curto prazo. Esse tipo de ação é, obviamente, possível e passível de controle. Entretanto, a pro-
visão de bens coletivos demanda uma ação coordenada entre potenciais concorrentes e que pro-
move a competitividade tanto de firmas individuais quanto do setor como um todo”. (FARINA;
AZEVEDO; SAES, 1997, p. 153)

270 É interessante observar que o art. 54 da Lei n. 8.884/1994 previa hipótese elástica de concentra-
198 ção econômica, abarcando quaisquer atos jurídicos como passíveis de notificação ao CADE, em
consonância com a possibilidade de existência de estruturas societárias cooperativas, já que
existe controle minoritário interno ou controle externo (de fato ou de Direito) que leva a uma
tal interdependência entre as empresas que é possível e provável que entre elas venha a exis-
tir cooperação econômica. Assim, para prevenir formas societárias que visem elidir a aplicação
da regra geral baseada na “influência dominante”, a doutrina alemã desenvolveu o conceito de
“influência relevante do ponto de vista concorrencial” (wettbewerblich erheblichen Einfluss), também
aplicável ao controle das condutas. (COMPARATO; SALOMÃO FILHO, 2005, p. 534, 539)

271 Dispõe o art. 90: art. 90. Para os efeitos do art. 88 desta Lei, realiza-se um ato de concentração
quando: I – 2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem;
se vincula claramente à defesa do consumidor e que poderia ser conside-
rada uma forma de proteção indireta do consumidor, não fosse a necessi-
dade de haver o repasse, como prevê o art. 88, § 6o, da Lei n. 12.529/2011,
de parte relevante dos benefícios decorrentes de atos de concentração
econômica com efeitos restritivos da concorrência ao consumidor − o que
torna esta uma hipótese de proteção direta do consumidor.
Ainda, é importante referir que os já citados arts. 170, IV e V e 173, §
4 , da CRFB/88 norteiam a aplicação do controle de estruturas, bem como
o

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


algumas normas infralegais que servem como diretrizes para a análise de
atos de concentração econômica, quais sejam, a Resolução n. 15/1998 do
CADE, o Guia para Análise Econômica de Atos de Concentração Horizontal
e a Resolução n. 02/2012 do CADE (BRASIL, CADE, 2012a).
Cumpridas todas as etapas de análise do ato, o CADE poderá (i) au-
torizar, (ii) autorizar com restrições, hipótese esta em que a autoridade
estabelece condições, visto que a operação pode ocasionar efeitos inde-
sejáveis à concorrência ou, por fim, (iii) não autorizar a operação concen-
tracionista submetida à sua apreciação.

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


4.2.1 A submissão de atos de concentração
econômica ao CADE
Ao impor o dever de submissão de determinados atos de concentra-
ção econômica à análise da autoridade concorrencial, a Lei n. 12.529/2011
pretende prevenir, como visto, que ocorram, futuramente, infrações da or-
dem econômica, objeto de controle repressivo. Essa perspectiva permite
compreender que o controle exercido pela autoridade concorrencial, ape-
sar de materializado em dois aspectos distintos, integra um único sistema,
que não deveria, portanto, perder a ideia de unidade, de relação entre
estruturas e comportamentos. 199

II – 1 (uma) ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de


ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intan-
gíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou
outras empresas;
III – 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou
IV – 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture.
Contudo, apesar de sua reconhecida importância, nota-se que o
papel preventivo das autoridades concorrenciais vem sendo mitigado
(FORGIONI, 2012, p. 422) diante da tendência mundial de concentração
empresarial, motivada pela urgência que os países têm de fortalecer suas
empresas, seus parques industriais – o que leva, muitas vezes, à substitui-
ção do papel preventivo pelo repressivo (VAZ, 2000, p. 222).
A Lei n. 12.529/2011 prevê a realização de controle dos atos de con-
centração econômica que preencham os requisitos previstos no art. 88,
I e II da Lei n. l2.529/2011, atos que devem ser notificados ao SBDC de
forma prévia (controle ex ante), sob pena de nulidade e de multa pecuni-
ária. Assim, se as partes envolvidas consumarem o ato de concentração
econômica antes da decisão final da autoridade antitruste, incorrem
na prática de gun jumping272 (que tem previsão no art. 88, § 3o, da Lei n.
12.529/2011).
De acordo com o art. 88, § 2o, da Lei n. 12.529/2011, o CADE tem até
240 dias para emitir parecer sobre a concentração econômica apresenta-
da ao SBDC, “a contar do protocolo de petição ou de sua emenda”. Este
prazo poderá ser prorrogado, conforme dispõe o § 9o do art. 88, por mais
60 ou 90 dias, por requisição das partes envolvidas, no primeiro caso, ou
por necessidade fundamentada demonstrada pela autarquia, no segundo
caso, de forma que o prazo global máximo de análise e decisão de atos de
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

concentração econômica é de 330 dias.


Assim, o negócio jurídico que resulte em um ato de concentração
econômica notificável ao SBDC terá eficácia suspensiva até a publicação
de decisão administrativa que o autorize, o que evita a eventual conso-
lidação de situação de fato prejudicial à concorrência (OLIVEIRA JUNIOR,

272 O CADE já impôs condenações a empresas pela prática de gun jumping. Ao julgar o Ato de concentração
200 n. 08700.010394/2014-32, em sessão de julgamento realizada em 22/4/2015, por exemplo, o Tribunal do
CADE determinou às empresas Brasfrigo Ltda., Brasfrigo S/A e Goiás Verde Ltda. o pagamento de R$
3 milhões pela prática de gun jumping – situação em que ocorre consumação da operação sem autoriza-
ção prévia da autoridade concorrencial. Para a conselheira relatora do caso, Ana Frazão, ainda que o ato
de concentração não tenha gerado efeitos negativos sobre o mercado, “a ausência de notificação alterou
prematuramente as condições de concorrência e trouxe benefícios ilícitos às requerentes, especialmente à
compradora, que passou a utilizar os ativos da Brasfrigo sem antes submeter o negócio à análise prévia do
CADE”. A consumação da aquisição ficou comprovada a partir do exame do contrato celebrado entre as
empresas. Além disso, observou-se, entre outros aspectos, que a Goiás Verde já vinha utilizando em seu site
as marcas da Brasfrigo, tendo inclusive alterado a embalagem dos produtos comercializados sob a marca
Jurema. (BRASIL, CADE)
2012, p. 138). De acordo com o § 4o do art. 88 da Lei n. 12.529/2011, até a
decisão final sobre a operação, deverão ser preservadas as condições de
concorrência entre as empresas envolvidas, sob pena de aplicação das
sanções previstas no § 3o do referido artigo.
No que tange ao aspecto material do controle das estruturas, o caput
do art. 88 da Lei n. 12.529/2011 dispõe que serão submetidos ao CADE
pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica
em que, cumulativamente, (i) pelo menos um dos grupos envolvidos na

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou
volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente
ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais) e (ii) pelo
menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último
balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no
ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta
milhões de reais).
Contudo, o § 1o do art. 88 da Lei n. 12.529/2011 autoriza a adequação
desses valores, a partir de indicação do Plenário do CADE, por Portaria

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


interministerial dos Ministros de Estado da Fazenda e da Justiça, uma au-
torização legislativa sem equivalente na lei concorrencial anterior. Nesse
contexto, em maio de 2012, foi publicada a Portaria interministerial n.
994/2012 (BRASIL, CADE, 2012b), dos Ministros da Justiça e da Fazenda,
que alterou esses parâmetros de faturamento (já desatualizados, conside-
rando que o Projeto de lei n. 3.937/2004, que se tornou a Lei n. 12.529/2011,
tramitou por 7 anos no Congresso Nacional), tornando obrigatória a sub-
missão de atos de concentração econômica cujos valores mínimos de fa-
turamento bruto anual ou volume de negócios no País sejam de: (i) R$
750.000.000,00 (setecentos e cinquenta milhões de reais) para a hipótese
prevista no inc. I do art. 88 e (ii) R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões
de reais) para a hipótese prevista no inc. II do art. 88 da Lei n. 12.529/2011. 201

Desse modo, o faturamento ou volume de negócios configuram pata-


mares mínimos (ANDRADE, 2002, p. 327) para que um ato deva ser apre-
sentado ao CADE. Além disso, é indiferente para a aplicação da lei, que
adotou um âmbito amplo (PFEIFFER, 2015, p. 155) de controle estrutural,
se se trata de uma concentração horizontal273, vertical274 ou conglomera-
da275, encontrando-se as três espécies sujeitas ao controle estatal276.
Essa opção legislativa vincula-se à presunção de que as sociedades
ou grupos de sociedades que auferem faturamentos elevados ou apre-
sentam um volume de vendas significativo têm condições de afetar o
mercado, detêm alguma posição importante, decisiva, senão dominante,
de modo que seus atos podem impactar, de forma determinante, a es-
trutura dos mercados, o que justifica o seu controle. Nesses casos, por-
tanto, impõe-se a notificação, que é dever das empresas envolvidas na
operação e está vinculada a dados detidos por estas (faturamento bruto
anual e volume de negócios) e apresentados ao CADE pela Comissão de
Valores Mobiliários (CVM) e pelo Departamento Nacional de Registro do
Comércio (DNRC)277.
Uma inovação considerável e bem-vinda da Lei n. 12.529/2011 diz
respeito à possibilidade de o CADE atuar de ofício no controle estrutural,
uma vez que, de acordo com o art. 88, § 7o, a autoridade concorrencial
pode, no prazo de 1 (um) ano a contar da consumação da concentração,
requerer a submissão dos atos concentracionistas que não se enquadrem
no disposto no art. 88 da Lei n. 12.529/2011. Se, por um lado, enfraquece-
-se o princípio da segurança jurídica, o que influi diretamente nos direitos
de liberdade do cidadão ao fragilizar a calculabilidade (ÁVILA, 2014b, p.
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

604), previsibilidade (IDEM, p. 177-180) e confiança (IDEM, p. 374-381) no

273 A concentração horizontal envolve concorrentes, agentes econômicos que desempenham uma
mesma atividade. Por envolver empresas que competem entre si, é a espécie que mais desperta
preocupações concorrenciais. (MOTTA; SALGADO, 2015, p. 125 e ss.)

274 A concentração vertical envolve a unificação de empresas que atuam em diversos estágios de
202 uma determinada atividade econômica. (MOTTA; SALGADO, 2015, p. 159 e ss.)

275 A concentração conglomerada envolve atos realizados entre empresas que não concorrem em
um mesmo mercado, nem tampouco mantém relação vertical. (OLIVEIRA; RODAS, 2013, p. 107)

276 Nesse sentido, Calixto Salomão Filho (2013, p. 325) e Maria Cecília Andrade (2002, p. 324).

277 De acordo com o § 8o da Lei n. 12.529/2011, “as mudanças de controle acionário de companhias
abertas e os registros de fusão, sem prejuízo da obrigação das partes envolvidas, devem ser co-
municados ao Cade pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM e pelo Departamento Nacional
do Registro do Comércio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, res-
pectivamente, no prazo de 5 (cinco) dias úteis para, se for o caso, ser examinados”.
sistema jurídico, por outro lado, há a possibilidade de se evitar problemas
concorrenciais futuros, privilegiando-se o interesse público.
De acordo com o Guia para Análise Econômica de Atos de Concentração
Horizontal, que apresenta orientações específicas278 para as concentrações
horizontais, consideradas mais problemáticas do que as demais, utiliza-se
como critério básico para a emissão de um parecer favorável à autorização
de um ato de concentração econômica que ele tenha um efeito líquido
não negativo sobre o bem-estar econômico-social279. Conforme o Guia, o

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


protocolo de análise dos atos de concentração econômica observa cinco
etapas280, como demonstra a tabela que ora segue.

Tabela 1: etapas de análise observadas pelo protocolo.

Etapa Objeto
I definição do mercado relevante
II determinação da parcela de mercado sob controle das empresas re-
querentes. Os atos que não gerarem o controle de uma parcela de

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


mercado suficientemente alta obterão parecer favorável das secreta-
rias, sendo dispensável a continuação da análise. Os demais serão ob-
jeto de análise nas etapas subsequentes
III exame da probabilidade de exercício de poder de mercado. Quando
não for provável o exercício do poder de mercado, a concentração re-
ceberá parecer favorável. Quando for provável o exercício do poder
de mercado, a concentração será objeto de investigação na etapa IV
IV exame das eficiências econômicas gerados pelo ato
V avaliação da relação entre custos e benefícios derivados da concentra-
ção e emissão de parecer final. Quando as eficiências forem iguais ou
superiores aos custos (efeito líquido não negativo), as secretarias emi-
tirão parecer favorável à concentração. Quando as eficiências forem in-
feriores aos custos, a concentração será proibida ou terá condicionada 203
a sua aprovação à adoção de medidas consideradas necessárias

278 Nos EUA, o FTC adotou as Horizontal Merger Guidelines. Já no direito da UE, vigoram, desde 2004, as
Orientações relativas às Concentrações Horizontais.

279 Conforme o item 13 do Guia (BRASIL, MF, SEAE/SDE, 2001).

280 Conforme o item 25 do Guia (BRASIL, MF, SEAE/SDE, 2001).


No que tange à verificação do mercado relevante, a metodologia mais
empregada é o “teste do monopolista hipotético”, também contida nas
Horizontal Merger Guidelines281 do US Departament of Justice (DOJ) e Federal Trade
Commission dos EUA de 2010.
Após a verificação do mercado relevante, a etapa seguinte de análise
envolve o cálculo do poder de mercado das empresas concentracionistas,
somando-se a parcela que cada uma das empresas possuía antes do ato
de concentração. Destaca-se, aí, o cálculo do Ci, que envolve a soma das
participações de mercado dos “i” maiores agentes econômicos do setor.
Normalmente, utiliza-se o C4, ou seja, utiliza-se a soma das quatro maio-
res empresas do mercado relevante. Utiliza-se, igualmente, o Herfindahl-
Hirschman Index (HHI), que reflete eventuais participações de mercado não
uniformes282 e demarca uma espécie de “porto seguro”, pois as concentra-
ções que envolvem um HHI inferior a 100 não seriam objeto de preocupa-
ção (e de qualquer restrição pelo DOJ, por exemplo, que utilizou o índice
pioneiramente) (PFEIFFER, 2015, p. 158).
A próxima etapa analítica trata da averiguação da probabilidade de
exercício de poder de mercado e consiste, basicamente, na verificação da
viabilidade de importações do produto envolvido, na verificação das con-
dições de entrada de novos agentes econômicos, destacando-se a pre-
ocupação com a existência eventual de barreiras à entrada. A partir daí,
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

verificam-se os eventuais benefícios à economia dessas concentrações, já


que há a possibilidade de apresentarem eficiências passíveis de superar
restrições concorrenciais.
De acordo com a Resolução n. 15/1998 do CADE, consideram-se efici-
ências compensatórias aquelas reduções de custos de qualquer natureza,
estimáveis quantitativamente e intrínsecas ao tipo de operação em aná-
lise e que não poderiam ser obtidas apenas por meio de esforço interno
204 (BRASIL, CADE, 1998).

281 Eleanor Fox aponta que não há, correntemente, guidelines para casos de concentrações verticais e
conglomeradas nos EUA. Já a UE tem guidelines para casos de concentrações horizontais, verticais
e conglomeradas. (FOX, 2012, p. 369)

282 Segundo Eleanor Fox (2012, p. 372-373), “HHIs are derived from market shares, which are derived from the
market definition. If the market definition is wrong, the HHIs are meaningless”. Além disso, “HHI gives signifi-
cance to the size-distribution of firms in the market, since firms are weighted by their market share”.
4.2.2 A proibição de atos de
concentração econômica
De acordo com o § 5o do art. 88 da Lei n. 12.529/2011 os atos de con-
centração econômica que impliquem eliminação da concorrência em par-
te substancial de mercado relevante, que possam criar ou reforçar uma
posição dominante ou que possam resultar na dominação de mercado
relevante de bens ou serviços são proibidos, já que, como aponta Ronald

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Dworkin, “as leis são necessárias para proteger a igualdade e, inevita-
velmente, envolvem limitações da liberdade” (DWORKIN, 2010, p. 412).
Contudo, cumpridos os requisitos expostos no § 6o do art. 88, tais atos
podem ser autorizados, o que se verificará a seguir.

4.2.3 A autorização de atos de


concentração econômica
Como visto, quando o ato de concentração econômica preenche os

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


requisitos presentes no § 5o do art. 88 da Lei n. 12.529/2011 ele deverá ser,
em regra, proibido pelo CADE. Entretanto, o § 6o do art. 88 prevê algumas
condições que, uma vez atendidas, permitem que o ato seja, ao invés,
autorizado, desde que sejam observados os limites estritamente neces-
sários para atingir os seguintes objetivos:  

I – cumulada ou alternativamente:  
a) aumentar a produtividade ou a competitividade; 
b) melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou 
c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; e  
II – sejam repassados aos consumidores parte relevante dos benefícios 205
decorrentes.  

A partir dessas disposições, observa-se que as eficiências econômi-


cas a serem consideradas na análise antitruste são aquelas produzidas pela
concentração em si, excluindo-se da análise quaisquer outras. Com efeito, a
lei concorrencial esclarece que há a necessidade de demonstração de que
a concentração ocasiona ganhos de eficiência realizáveis apenas a partir da
concentração, e não de forma diversa (PFEIFFER, 2015, p. 165).
Assim, como se vê, a lei não criou uma proibição absoluta, admitindo
que as empresas em processo de concentração com repercussão anticon-
correncial apresentem justificativas para legitimar a concentração dese-
jada, entre as quais está o ganho de eficiências econômicas e o repasse
ao consumidor de parte relevante dos benefícios decorrentes da concen-
tração, de forma que, somente se se comprovar efetivamente que a con-
centração beneficia o consumidor, o CADE poderá autorizar a operação
(CARPENA, 2005, p. 231).
Trata-se, como aponta a literatura, de sistema de concessão de au-
torizações, sem prejuízo de eventuais isenções à lei concorrencial decor-
rentes de outras normas, a partir da interpretação sistemática do Direito
(FORGIONI, 2012, p. 195, 210). Nas palavras de Paula Forgioni, está-se
diante das “válvulas de escape”, meios técnicos, próprios da lei concor-
rencial, “que permitam à realidade permear o processo de interpretação/
aplicação das normas nela contidas” (IDEM, p. 194), o que possibilita a
inserção de elementos justificadores de determinados atos que, a priori,
são qualificados como anticoncorrenciais (BUCHAIN, 2006, p. 39). Embora
semelhante ao modelo da regra da razão, desenvolvido nos EUA, como
visto, na literatura283 predomina o entendimento de que o sistema de au-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

torizações e de isenções brasileiro, de nítida inspiração europeia, não se


confunde com o sistema estadunidense da rule of reason.
No que tange à adoção de restrições, percebe-se que a autoridade
concorrencial utiliza, em regra, duas espécies, quais sejam, restrições com-
portamentais e/ou estruturais, os chamados remédios compensatórios e
saneadores (CASTRO, 2011, p. 49), que têm como escopo assegurar a rea­
lização das eficiências alegadas pelas requerentes, bem como seu com-
206 partilhamento com os consumidores” (BRASIL, CADE, RELATÓRIO...)284.

283 Nesse sentido, citam-se as seguintes obras de Bruna (2001, p. 157), Buchain (2006, p. 39), Forgioni
(2012, p. 194-195) e Pfeiffer (2015, p. 228).

284 Relatório do Conselheiro-Relator Luiz Alberto Esteves Scaloppe no Ato de concentração n.


08012.001297/99-34, em que cita, expressamente, o Parecer n. 243 COGSE/SEAE/MF.
Esses remédios envolvem obrigações de fazer ou não fazer, estampadas
em Acordo em Controle de Concentração (ACC).
Os remédios antitruste são medidas ou instrumentos previstos em
lei para a conversão de ilicitudes antitruste em condutas ou atos lícitos,
sanando o dano à livre concorrência que se configura e/ou adequando o
comportamento em desconformidade com a lei (OLIVEIRA, 2011, p. 19).
Eles são passíveis de adoção no âmbito do controle de atos de concen-
tração econômica e podem ser considerados espécie de limitação admi-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


nistrativa285. Dividem-se em: (i) remédios estruturais, que “modificam a
alocação dos direitos de propriedade” e incluem “alienações completas
ou parciais de negócios em andamento” e (ii) remédios comportamentais,
que “estabelecem restrições para os direitos de propriedade” das empre-
sas concentradas e “consistem em compromissos das partes em fusão de
não abusar de certos ativos disponíveis nem de fazer uso de específicos
arranjos contratuais” (MOTTA; SALGADO, 2015, p. 136). Assim, os remé-
dios comportamentais, ao invés de implicarem a transferência de direitos
reais, impõem restrições em sua fruição.

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


No que tange a esse tema, destaca-se a decisão adotada recente-
mente pelo Tribunal do CADE por ocasião da análise do Ato de concen-
tração n. 08700.005447/2013-12 (caso Kroton-Anhanguera), considerado
complexo (BRASIL, CADE, ATO...).
Em abril de 2013, Kroton e Anhanguera celebraram acordo de asso-
ciação, visando à unificação das atividades de ambas mediante a incor-
poração de ações de emissão da Anhanguera pela Kroton. A operação,
notificada ao CADE, foi conhecida, uma vez que tempestivamente apre-
sentada e preenchido o critério do faturamento exposto no art. 88, I e II, da
Lei n. 12.529/2011286, entendo-se que havia fundamentos para justificar sua
autorização, desde que condicionada à adoção de remédios estruturais e
comportamentais estampados em ACC − o que faria face aos problemas 207

285 Como ensina Hely Lopes Meirelles (1999, p. 568), “limitação administrativa é toda imposição
geral, gratuita, unilateral e de ordem pública condicionadora do exercício de direitos ou de ativi-
dades particulares às exisgências do bem-estar social”.

286 Observa-se que o faturamento do Grupo Anhanguera, no Brasil, em 2012, totalizou R$ 2,6 bi-
lhões, enquanto o faturamento do Grupo Kroton, no País, em 2012, foi de R$ 1,7 bilhão, con-
forme dados disponíveis na p. 3.681 da versão pública do dos autos do ato de concentração
08700.005447/2013-12 (BRASIL, CADE, ATO...).
nos cenários nacional e municipal envolvendo a graduação a distância e
presencial (BRASIL, CADE, ATO..., p. 4.064) e resguardaria o interesse do
estudante/consumidor −, como se verifica: (i) alienação de ativos287, (ii)
suspensão do uso de bandeira em alguns cursos e limitação do número
de vagas ofertadas288, (iii) limitação da expansão nacional289 e, finalmente,
(iv) metas de qualidade290. Definiu-se, ainda, que o monitoramento do
ACC ocorreria, sobretudo, pela apresentação à autarquia concorrencial de
relatórios semestrais contendo informações relativas às providências ne-
cessárias ao seu cumprimento, pelas partes compromissárias291.
Ainda não se pode avaliar se os remédios estruturais e compor-
tamentais adotados no ACC celebrado no âmbito do Ato de concen-
tração n. 08700.005447/2013-12 terão, de fato, os efeitos esperados292.
Aparentemente, a peculiaridade de haver avaliações periódicas realiza-

287 A alienação da Uniasselvi para um terceiro que não faça parte, no momento da alienação, do mes-
mo grupo econômico que as empresas compromissárias, por exemplo, integra o ACC apresenta-
do pela Kroton e Anhanguera perante o CADE. O intuito da medida é permitir a presença de um
concorrente com escala suficiente para rivalizar no mercado de ensino à distância nacional com
a empresa resultante da concentração. Além disso, estabeleceu-se a necessidade de alienação
de ativos vinculados à graduação presencial nos municípios de Rondonópolis e Cuiabá. (BRASIL,
CADE, ATO..., p. 4.067, 4.070)

288 Em relação a alguns municípios, as compromissárias se comprometeram a suspender, até 2017,


a captação de novos alunos nos cursos identificados como problemáticos pelo CADE, por uma
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

das mantenças de Ensino à distãncia (EAD) das compromissárias, e limitar o número de alunos
que poderá ser captado pela outra mantença de EAD das compromissárias, para determinado
curso, em certo município. Nesses casos, aquela bandeira – Kroton ou Anhanguera – que detiver
maior participação de mercado nos cursos em que foram detectados problemas concorrenciais
ficará impedida de ofertar vagas. A outra que detiver menor participação não poderá expandir
sua oferta de matrículas, de forma a limitar a expansão das requerentes e viabilizar o crescimento
dos concorrentes. (BRASIL, CADE, ATO..., p. 4.068)

289 Relativa às operações de EAD de Unopar e Uniderp. (BRASIL, CADE, ATO..., p. 4.069)

290 Relativas à melhoria da qualidade do ensino de graduação, na modalidade EAD. (BRASIL, CADE,
ATO..., p. 4.070)
208 291 Além disso, deve-se destacar que, pelo período de 3 anos, a partir da publicação da decisão do
CADE que autorizou a operação, condicionada ao ACC, as partes compromissárias deverão noti-
ficar o CADE de qualquer aquisição de controle de instituição de ensino superior com atuação e
que oferte, no momento da aquisição, cursos de graduação presenciais e a distância, no Brasil,
ainda que não atendidos os requisitos dispostos no art. 88 da Lei n. 12.529/2011. A aquisição,
nesse caso, está condicionada à autorização do CADE. (BRASIL, CADE, ATO..., p. 4.071)

292 Em estudo a respeito dos impactos de fusões e aquisições sobre a qualidade dos serviços ofer-
tados pelas empresas adquiridas no setor de ensino superior brasileiro, aponta-se que vários fa-
tores, como o “conceito preliminar de curso”, por exemplo, experimentam efeito positivo apenas
decorridos, em média, dois anos da operação concentracionista. (GARCIA, 2014, p. 64)
das pelo Ministério da Educação (MEC), a fim de verificar estrutura, quali-
ficação do corpo docente etc., das Instituições de Ensino Superior (IESs),
caso da empresa resultante da concentração, é um “trunfo” fiscalizatório,
constituindo uma forma complementar de a autoridade concorrencial mo-
nitorar o atendimento das metas de qualidade que devem ser alcançadas
e repassadas ao estudante/consumidor.

4.2.4 O repasse ao consumidor de parte

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


relevante dos benefícios decorrentes da
concentração econômica
Como visto, de acordo com o § 5o do art. 88 da Lei n. 12.529/2011, os
atos de concentração econômica que impliquem eliminação da concor-
rência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar ou
reforçar uma posição dominante ou que possam resultar na dominação de
mercado relevante de bens ou serviços serão proibidos, ressalvando-se
o disposto no § 6o do mesmo artigo. Este parágrafo, por sua vez, permi-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


te expressamente que os atos com as características expostas no § 5o do
art. 88 possam ser autorizados, desde que se observem os limites estri-
tamente necessários para atingir os seguintes objetivos: I – cumulada ou
alternativamente: a) aumentar a produtividade ou a competitividade, b)
melhorar a qualidade de bens ou serviços ou c) propiciar a eficiência e o
desenvolvimento tecnológico ou econômico e II – sejam repassados aos
consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes.  
Surgem, a partir daí, questões relacionadas à presença de conceitos
jurídicos cujos termos são indeterminados293, uma característica do Direito
Concorrencial que visa preservar a eficácia da relação entre a norma jurídica
e a realidade fática (MIRAGEM, 2005, p. 147). Afinal, que efeitos tal enun-
ciado pretende produzir? Que condutas ele impõe ou veda, já que a iden- 209

tificação dos efeitos pretendidos pela norma é, provavelmente, o momento


mais importante na construção de sua imperatividade (ENGISH, 2001, p. 27

293 Segundo Judith Martins-Costa (2000, p. 312), há uma dialética que permeia todo o Direito e que
se constitui entre a necessidade de certeza e precisão, de um lado, e a necessidade de impre-
cisão, de outro, pois é esta que possibilitará o amoldamento da fattispecie normativa às situações
novas, sequer possíveis de terem sido previstas quando posto o texto pelo legislador.
e ss.)? Afinal, o que seriam “benefícios decorrentes” do ato de concentração
econômica autorizado? O que seria uma “parte relevante”294 desses benefí-
cios? E, finalmente, como ocorreria o “repasse” aos consumidores?
O Guia para Análise Econômica de Atos de Concentração Horizontal
não define o que seriam esses benefícios e tampouco os exemplifica, mas
estabelece, em seu item 72, que

os incrementos de eficiência são difíceis de se verificar e quantificar, em


parte porque as informações necessárias se referem a eventos futuros. Em
particular, incrementos de eficiência projetados, ainda que com razoável
boa-fé, podem não se concretizar. Por isso, serão consideradas como efi-
ciências específicas da concentração aquelas cuja magnitude e possibi-
lidade de ocorrência possam ser verificadas por meios razoáveis, e para
as quais as causas (como) e o momento em que serão obtidas (quando)
estejam razoavelmente especificados. As eficiências alegadas não serão
consideradas quando forem estabelecidas vagamente, quando forem es-
peculativas ou quando não puderem ser verificadas por meios razoáveis
(BRASIL, MF, SEAE/SDE, 2001).

Desse modo, as Orientações para a Apreciação das Concentrações


Horizontais da UE apresentam-se como paradigma, destacando que a si-
tuação dos consumidores não pode piorar na sequência da concentração,
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

ideia que se coaduna com o princípio da simplicidade295. Entre os be-


nefícios, as orientações citam, exemplificativamente: redução de preços,
desenvolvimento de produtos ou serviços melhores ou inovadores, re-
dução de incentivos para eventual coordenação de comportamentos etc.
(UNIÃO EUROPEIA. ORIENTAÇÕES..., 2004c). Já nos EUA, suas Horizontal
Merger Guidelines, de 2010, estabelecem que

efficiencies are difficult to verify and quantify, in part because much of the information
210
relating to efficiencies is uniquely in the possession of the merging firms. Moreover, effi-
ciencies projected reasonably and in good faith by the merging firms may not be realized.
Therefore, it is incumbent upon the merging firms to substantiate efficiency claims so that

294 Tercio Sampaio Ferraz Junior (1997, p. 87) anota que o conceito pode ser indeterminado, mas não
indeterminável.

295 Que, embora tenha origem militar e previsão expressa na Lei n. 9.099/1995, deve ter aplicação ampla.
the Agencies can verify by reasonable means the likelihood and magnitude of each asser-
ted efficiency, how and when each would be achieved (and any costs of doing so), how each
would enhance the merged firm’s ability and incentive to compete, and why each would
be merger-specific.
Efficiency claims will not be considered if they are vague, speculative, or otherwise cannot
be verified by reasonable means. Projections of efficiencies may be viewed with skepticism,
particularly when generated outside of the usual business planning process. By contrast,
efficiency claims substantiated by analogous past experience are those most likely to be
credited296. (EUA, HORIZONTAL…, 2010b, p. 30)

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Destaca-se, também, a título comparativo, a publicação, em 2014, do
Livro Branco sobre as concentrações da UE, que dispõe: “o controle das
concentrações da UE contribui de forma importante para o funcionamento
do mercado interno”, “ao garantir que a concorrência, e por consequência
os consumidores, não são prejudicados pela concentração econômica no
mercado”, perspectiva que reforça a adesão do Antitruste, no espaço eu-
ropeu, à defesa do consumidor (UNIÃO EUROPEIA, 2014a, p. 6).

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Questão importante, ainda, é determinar o prazo297 em que se conside-
rará o repasse de benefícios aos consumidores, visto que a lei brasileira e
os atos normativos infralegais são lacônicos a respeito, bem como a forma e
os custos de monitoramento de sua implementação, que pode ser imediata
ou diferida e implicar a adoção de remédios antitruste, como visto.
Além disso, não se deve presumir que toda concentração econômica
necessariamente alcance as eficiências que projetou produzir, o que tor-
na necessário que elas sejam adequadamente comprovadas, já que não

296 Em tradução livre: eficiências são difíceis de verificar e quantificar, em parte porque muitas das
informações relativas às eficiências estão exclusivamente na posse das empresas envolvidas na
concentração. Além disso, a eficiência projetada razoavelmente e de boa-fé pelas partes na con-
centração pode não ser realizada. Portanto, cabe às empresas envolvidas na concentração funda-
mentar as alegações de eficiência de modo que as agências possam verificar por meio razoável 211
a probabilidade e a magnitude de cada suposta eficiência, como e quando cada uma delas seria
alcançada (e quaisquer custos para fazê-lo), como cada uma melhoraria a capacidade e o incen-
tivo de a empresa resultante da concentração competir, e por que cada uma seria específica da
concentração. Ganhos de eficiência não serão considerados se eles são vagos, especulativos, ou
de outra forma não podem ser verificados por meios razoáveis. Projeções de ganhos de eficiên-
cia podem ser vistos com ceticismo, particularmente quando geradas fora do processo usual de
planejamento de negócios. Por outro lado, as reivindicações de eficiência justificadas por expe-
riências análogas do passado são aquelas com maior probabilidade de receber crédito.

297 Aponta-se, na literatura, o prazo de 5 anos. (STUYCK, 2005, p. 9)


se pode sacrificar um interesse econômico presente do consumidor em
troca de um incerto e não comprovado benefício futuro (PFEIFFER, 2015,
p. 186), tema que se coaduna com o princípio da defesa do consumidor e
com o princípio da precaução, inicialmente aplicado ao Direito Ambiental.
É também importante referir que os custos públicos associados à aplica-
ção de remédios no âmbito do controle de atos de concentração econô-
mica não deverão exceder os ganhos sociais deles decorrentes. A relação
custo-benefício deverá considerar o objetivo final de assegurar um bene-
fício líquido aos consumidores (SULLIVAN, 2003, p. 377-425).
Na hipótese de os benefícios decorrentes da concentração autoriza-
da não serem alcançados, ou de haver o descumprimento de quaisquer
das obrigações assumidas, ou, ainda, de a decisão do Tribunal do CADE
basear-se em informações falsas ou enganosas prestadas pelo interessa-
do, a autorização poderá ser revista pelo Tribunal do CADE, de ofício ou
mediante provocação da Superintendência-Geral, como preceitua o art.
91 da Lei n. 12.529/2011.
Finalmente, destaca-se que, pelo princípio da vedação do retroces-
so, uma construção doutrinária relacionada aos princípios, particularmen-
te àqueles relacionados aos direitos fundamentais (BARCELLOS, 2011, p.
85), caso da defesa do consumidor, não se poderia admitir passar de um
modelo, o modelo da Lei n. 8.884/1994, em que existia, como condição de
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

autorização dos atos de concentração econômica passíveis de notificação


ao SBDC, a necessidade imperiosa de uma distribuição equitativa dos
benefícios decorrentes do ato de concentração econômica entre os seus
participantes e os “consumidores ou usuários finais”, conforme a redação
do art. 54, § 1o, II, daquela lei, para um modelo em que a condição de au-
torização do ato de concentração econômica é unicamente o repasse aos
consumidores de “parte relevante dos benefícios decorrentes” sem que
212 isso carregue consigo um efeito distributivo.
Isso porque a ideia de “repasse” sem amparo na teoria da justiça dis-
tributiva, analisada adiante, além de configurar uma abertura à subjetivi-
dade que é temerária, poderia repercutir na eleição dos critérios de aná-
lise econômica adotados pela autoridade concorrencial e significar, talvez,
um compromisso menor com o bem-estar do consumidor, permitindo a
autorização de atos de concentração econômica sem que os benefícios daí
derivados e entregues ao consumidor sejam equiparáveis àqueles que o
seriam no âmbito da aplicação da Lei n. 8.884/1994.

4.2.5 A definição do modelo


econômico aplicável
A efetivação voluntária de uma transação entre fornecedor e consumi-
dor propicia benefícios298 para ambas as partes, sendo que se assim não fos-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


se, não haveria sequer incentivo para que se realizasse. Com efeito, a ava-
liação dos benefícios aos consumidores deve estar baseada em evidências,
em dados empíricos, considerando o caráter de supressão de um ou mais
agentes econômicos que todo ato de concentração econômica apresenta.
A verificação das eficiências envolvidas em uma concentração apre-
senta problemas que compreendem desde a sua aferição até a viabilida-
de de seu efetivo estabelecimento. As dificuldades em verificá-las variam
conforme as características do setor que está em análise. Por exemplo, em
segmentos cuja produção é complexa, a análise das eficiências que re-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


sultam da concentração pode se tornar inviável. Em outros setores, pode
simplesmente não ser possível determinar as eficiências que advirão da
concentração isoladamente (SCHYMURA, 1997, p. 237).
Por isso, a análise das eficiências decorrentes da concentração tem
motivado discussões e, consequentemente, tem recebido tratamento dis-
tinto pela legislação de diversos países.
Sob o modelo do bem-estar do consumidor (consumer welfare model),
que Eugène Buttigieg denomina de “consumer interest model”, há três
standards para avaliar as eficiências: o (i) “pure price standard”, que permite
a concentração econômica apenas se ela não levar a um aumento do po-
der de mercado, o (ii) “modified price standard”, que permite a concentração
econômica mesmo que ela implique aumento do poder de mercado, 213
contanto que os preços pós-concentração diminuam e, finalmente, o (iii)
“consumer surplus standard”, que não olha apenas para o fator “preço”, per-
mitindo até mesmo uma concentração econômica que resulte em preços

298 Para a avaliação dos referidos benefícios são frequentemente utilizados os conceitos de exce-
dente do consumidor e de excedente do produtor, já verificados no tópico 3.4.2.
maiores no cenário pós-concentração, desde que existam outros bene-
fícios compensatórios ao consumidor, como qualidade maior de produ-
tos e/ou serviços, melhor informação, ampliação de serviços e inovação
(BUTTIGIEG, 2009, p. 327-328).
Já sob o modelo do bem-estar total (total welfare model) há dois standards
possíveis, quais sejam, o “total surplus standard” e o “balancing weight method”.
Ambos os standards ignoram a transferência de renda dos consumidores
para as partes envolvidas na concentração econômica ao não requerer
que as eficiências sejam repassadas aos consumidores, mas no caso do
método balancing weight o efeito é algo mitigado na medida em que este
método permite uma ponderação da transferência de renda numa base
casuística a fim de refletir valores sociais (IDEM, p. 328).
Nos EUA adota-se o modelo “consumer welfare” na forma do modified pri-
ce standard desenvolvido pelos teóricos pós-Chicago, ao invés do mode-
lo total welfare na forma do total surplus standard desenvolvido pela Escola
de Chicago299. Em termos econômicos, refere-se que o modelo total welfare
requer que as eficiências sejam suficientemente amplas para compensar
a perda de peso morto (deadweight loss) resultante de um comportamento
anticompetitivo, de forma que se permita uma concentração econômica
que aumente o total surplus, a despeito de um aumento dos preços acima
do nível competitivo (BUTTIGIEG, 2009, p. 327-328).
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

Oliver Williamson, que com outros membros da Escola de Chicago é


o principal expoente dessa teoria, define que houve ocorrência de perda
de peso morto quando preços anticompetitivos resultam em uma redu-
ção dos níveis de consumo, causando, portanto, uma perda de bem-estar
absoluta. Depois do aumento do preço, os consumidores, coletivamente,
consomem uma menor quantidade de um produto, por exemplo, e pagam
mais pelo que efetivamente adquirem (IDEM, p. 328).
214 A escolha da metodologia passível de demonstrar o aspecto distribu-
tivo das eficiências obtidas com a concentração econômica, assegurando
o repasse aos consumidores de parte relevante dos benefícios decorren-

299 De acordo com Silke Möller, porém, «im Verständnis der Chicago School sind die Begriffe Verbraucherwohlfahrt
und Gesamtwohlfahrt oder auch Verbraucherwohlfahrt und statische Effizienz Synonyme“. Em tradução livre: na
compreensão da Escola de Chicago os conceitos de bem-estar do consumidor e bem-estar total ou
também bem-estar do consumidor e eficiência estática são sinônimos. (MÖLLER, 2008, p. 223)
tes da concentração, implica uma adesão a ideias díspares de excedente,
tema que dá azo a amplas discussões na Economia. É indiscutível, porém,
que a eficiência econômica, no sistema jurídico brasileiro, não é um valor
desprendido de um fim social, pois, se, por um lado, a Constituição prevê
o princípio da livre-iniciativa, o direito de propriedade e o princípio da
livre concorrência, por outro, apresenta preocupações claras com a justiça
social, a valorização do trabalho e a dignidade da pessoa humana (SOUZA
NETO; SARMENTO, 2016, p. 175), considerada, neste trabalho, sob a pers-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


pectiva do consumidor.
Enquanto o modelo de Williamson centra-se apenas no excedente
total, o modelo price standard privilegia somente o excedente do con-
sumidor (POSSAS, 2009, p. 245) − embora, como visto, existam varia-
ções deste modelo. Este foi, aliás, o modelo escolhido pelo Tribunal
do CADE em decisão paradigmática, qual seja, a adotada na apreciação
do Ato de concentração n. 08012.001697/2002-89 (caso Nestlé/Garoto)
(BRASIL, CADE, APRECIAÇÃO AC n. 08012.001697/2002-89, 2004). Aí, o
tema da escolha do método que melhor demonstrasse a preservação

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


do excedente do consumidor foi amplamente discutido, demonstran-
do-se, ao final, que a interpretação mais adequada da Lei n. 8.884/1994
levaria à aplicação do citado modelo.
Tal posicionamento coaduna-se com o caráter abrangente do princí-
pio da defesa do consumidor, que confere validade à inclusão do bem-
-estar do consumidor entre os objetivos da política de defesa da con-
corrência. Com efeito, justifica-se o estabelecimento da preservação do
excedente do consumidor entre os critérios de análise dos atos de con-
centração econômica (PFEIFFER, 2015, p. 49).
Portanto, a arquitetura do controle dos atos de concentração econô-
mica, conforme prevista pela Lei n. 12.529/2011, ao prever o repasse de
parte substancial dos benefícios inerentes ao ato de concentração eco- 215

nômica autorizado aos consumidores, demonstra que o ato que apre-


sente restrições concorrenciais poderá ser autorizado se e somente se a
Administração puder assegurar que haverá a partilha de benefícios, sob
pena de haver uma interpretação contra legem – o que reafirma a adoção do
price standard e suas variações e sugere a adoção, também, do consumer sur-
plus standard na ausência de modelo mais abrangente e que permita pensar
o bem-estar do consumidor na perspectiva de um well-being, o que deman-
da uma abordagem que considere critérios para além do preço.

4.2.6 O viés distributivo do controle de estruturas


ao impôr a necessidade de compartilhar
Segundo Calixto Salomão Filho, ao tratar do controle das concentra-
ções, o legislador apresenta claramente o princípio redistributivo após
expor o requisito relacionado à eficiência, no art. 88, § 6o, I, da Lei n.
12.529/2011. Assim, resulta da aplicação dessa noção redistributiva de efi-
ciência a garantia da prevalência da eficiência produtiva sobre a ineficiên-
cia alocativa (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 241), o que também ocorre na UE,
como se observa da leitura do item 3 do art. 101 do TFUE, que permite a
realização de práticas concertadas que contribuam para melhorar a produ-
ção ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico
ou econômico, contanto que aos utilizadores300 se reserve uma parte equi-
tativa do lucro daí resultante.
Com efeito, a teoria subjacente a essa perspectiva é a da justiça distri-
butiva301, uma vez que há, no controle dos atos de concentração econômica,
uma concepção distributiva clara dos benefícios resultantes da eficiência
conquistada pelos agentes econômicos que desejam de alguma forma se
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

concentrar (fusão, aquisição etc.). Além disso, há, na literatura, quem iden-
tifique na redistribuição a grande função do Estado contemporâneo, acres-
centando que o objetivo redistributivo é, também, uma forma de dar efi-
ciência ao Estado (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 42) e ao próprio capitalismo.
Não se está, aqui, sustentando que obrigações desarrazoadas sejam
impostas aos particulares em função da intenção, legítima, de obter o aval
da autoridade concorrencial para a realização de uma concentração eco-
216 nômica. O valor social da livre iniciativa exerce um papel importante no
sistema jurídico, é fundamento da República e fundamento da ordem eco-

300 Entre os quais estão os consumidores, como se depreende da leitura das “Orientações relativas
à aplicação do n. 3 do art. 101º do TFUE” (UNIÃO EUROPEIA, 2004b).

301 Há, ainda, a justiça comutativa, em que «o igual é tomado segundo a proporção aritmética, e essa
é uma afirmativa comprovada pelo fato de que, nesse tipo de justiça, a diferença de proporções
entre as pessoas não é considerada relevante». (AQUINO, 2012, p. 53)
nômica, assim como o direito de propriedade, que é direito fundamental.
Ocorre, porém, que o requisito distributivo está implicitamente previs-
to na lei concorrencial e demonstra a preocupação do legislador com o
consumidor, sujeito reconhecidamente vulnerável, atendendo ao preceito
constitucional que tornou a defesa do consumidor um direito fundamental
e princípio da ordem econômica.
Essa preocupação não ocorre gratuitamente. Ela encerra um cuidado
que não é demasiado, como demonstra o fato de o legislador não ter men-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


cionado expressamente diversas razões de interesse público possíveis −
embora o art. 170, caput, da CRFB/88 estabeleça, como visto, que a ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre inicia-
tiva, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social − determinando, por exemplo, que fossem impostas obri-
gações compensatórias de ordem trabalhista (ÁFRICA DO SUL, 1998, p.
238), a fim de diminuir o número de demissões de empregados, como faz
o legislador na África do Sul, cuja lei concorrencial considera “the interests
of workers, owners and consumers” (IDEM, p. 2) e determina que os efeitos de

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


uma concentração sobre os empregados envolvidos, entre outros, sejam
considerados ao se autorizar, ou não, a concentração, tendo em vista ra-
zões de interesse público (IDEM, p. 31).
Assim, o fenômeno da concentração econômica não pode ser obs-
taculizado, devendo em regra ser permitido, como prevê a lei brasileira.
Entretanto, considerando as particularidades de alguns casos, e a concen-
tração histórica que caracteriza diversos setores produtivos da indústria
nacional, como visto, faz-se necessário compensar o consumidor pela di-
minuição imediata do número de fornecedores/concorrentes − embora se
deva reconhecer que, a partir da concentração, diversos benefícios po-
dem reverter para o consumidor, ainda que em um prazo longo e que não
sejam facilmente estimáveis, caso do incentivo à pesquisa e inovação −, o 217

que ocorre pelo repasse de parte substancial dos benefícios decorrentes


da concentração econômica ao consumidor.
A justiça distributiva, em seu sentido atual302, invoca o Estado para
garantir que a propriedade seja distribuída para toda a sociedade de
modo que todos possam se suprir com um certo nível de recursos ma-
teriais (FLEISCHACKER, 2006, p. 8). Assim, as discussões sobre justiça
distributiva envolvem principalmente a quantidade de recursos que se
deve garantir e o grau de interferência estatal303 necessário para que es-
ses recursos sejam distribuídos. Se a quantidade de bens que os sujeitos
devem ter for baixa, é possível que o mercado possa garantir uma distri-
buição adequada; se todos devem ter uma proteção relativamente ampla,
que assegure um mínimo de bem-estar, o Estado poderá ter de redistri-
buir bens para corrigir as imperfeições do mercado (IDEM).
Essa perspectiva liga-se à ideia do mínimo existencial e decorre de
uma interpretação sistemática304: como o superprincípio da dignidade da
pessoa humana determina que todos devem ter condições de existência
compatíveis com a dignidade que lhes é intrínseca, a todos devem ser
asseguradas condições materiais que os afaste da indignidade. E assim
deve ser não apenas porque é desejável, justo e bom, mas, simplesmen-
te, porque a Constituição determina (BARCELLOS, 2011, p. 32).
Além disso, é necessário reconhecer que a discussão envolvendo o
tema da conquista de eficiência, por parte dos agentes econômicos interes-
sados em ter seu ato de concentração econômica autorizado, e da conse-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

quente necessidade ex vi lege de repasse de benefícios ao consumidor traz


em seu bojo uma discussão que envolve os paradigmas da eficiência e da
justiça. Por isso, faz-se a seguir uma breve digressão para trazer mais sub-
sídios ao tema, já visto, parcialmente, no terceiro capítulo deste trabalho.

302 Em seu sentido aristotélico, a justiça distributiva exigia que pessoas merecedoras fossem recom-
pensadas de acordo com seus méritos. Implicava primariamente a distribuição de status político,
218
sem relacionar-se ao direito de propriedade. Então, os significados contemporâneo e antigo da
expressão são muito diferentes. (FLEISCHACKER, 2006, p. 9)

303 Para Samuel Fleischacker (2006, p. 8), “a justiça distributiva é entendida como necessária a qual-
quer justificação de direitos de propriedade, e de tal forma que pode até mesmo implicar a
rejeição da propriedade privada”.

304 Como observa Juarez Freitas (2010, p. 175), “o intérprete − quando bem assimila o processo da
exegese sistemática − enxerga na racionalidade uma espécie de libertação do fragmentarismo,
isto é, percebe que deve preferir soluções integradoras no bojo do sistema, gerando Direito e
não violação dele”.
Há um exemplo interessante que demonstra um dilema hipotéti-
co envolvendo a escolha entre a vida e a arte, que é economicamente
apreciá­vel, apesar de ser, talvez, a manifestação humana mais elevada. O
exemplo está em uma frase atribuída ao escultor suíço Alberto Giacometti,
que disse: “dans un incendie, entre un Rembrandt et un chat, je sauverais le chat”
(BRENSON, 2004, p. 222)305. Poder-se-ia argumentar que, com a venda de
um Rembrandt, muitos hospitais veterinários poderiam ser construídos,
por exemplo, em benefício dos animais (IDEM, p. 224). Mas a vida per-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


dida, a vida de um animal, que, na perspectiva de alguns306 é sujeito de
direitos, jamais seria recuperada.
O exemplo talvez não seja o melhor, mas demonstra os limites éticos
do pragmatismo, do utilitarismo307 etc. e a impossibilidade de se compa-
rar qualquer coisa (mesmo uma obra de arte, expressão maior da sensibi-
lidade humana) à vida. Segundo Ronald Dworkin, crítico da utilização do
paradigma da eficiência pelo Direito,

as teorias baseadas em metas dizem respeito ao bem-estar de um deter-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


minado indivíduo apenas, na medida em que isso contribua para algum
estado de coisas estipulado como bom, deixando totalmente de lado sua
escolha desse estado de coisas. Isso também é verdadeiro no contexto
das teorias totalitárias baseadas em metas, como o fascismo, que consi-
dera fundamental o interesse de uma organização política. É igualmente
verdadeiro no caso das diferentes formas de utilitarismo porque, embora
levem em conta os impactos das decisões políticas sobre os indivíduos, e
desse modo digam respeito ao bem-estar individual, misturam esses im-
pactos de modo que os tornam totalidades gerais ou médias, e consideram
desejável a melhora dessas totalidades e médias, desconsiderando por
completo a decisão de qualquer indivíduo (DWORKIN, 2010, p. 267).

219

305 Em tradução livre: em um incêndio, se tivesse que escolher entre salvar um Rembrandt e um
gato, eu salvaria o gato.

306 Como defende Peter Singer, em sua obra pioneira “Animal liberation”, e Gary Francione, para quem
“a teoria dos direitos animais requer que desistamos da ideia de que é moralmente aceitável
tratar os outros seres sencientes como meios para os nossos fins”. (FRANCIONE, 2013, p. 270)

307 Definido por Rawls, por exemplo, como “a visão segundo a qual o princípio de utilidade é o prin-
cípio correto da concepção pública de justiça da sociedade”. (RAWLS, 2008, p. 223)
Então, diante dos paradigmas da eficiência e da justiça, no contexto
de um sistema jurídico em cujo cerne está a dignidade da pessoa huma-
na, deve-se privilegiar a justiça em primeiro lugar. Essa é a determinação
constitucional, que definiu como objetivos fundamentais da República,
no art. 3o, I, II, III e IV, da CRFB/88, “construir uma sociedade livre, justa e
solidária”, “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e
a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “pro-
mover o bem de todos”. Além disso, a Constituição preconiza uma ordem
econômica que tem por fim assegurar a todos existência digna, confor-
me os ditames da justiça social, segundo estabelece o art. 170, caput, da
CRFB/88. Ao mesmo tempo, percebe-se que não há nenhuma menção ao
paradigma da eficiência no texto constitucional.
Diz-se que, enquanto a eficiência é um paradigma que pode ser
avaliado objetivamente, a justiça (e a equidade308) demanda juízos
que vão além da Economia e entram no campo da Filosofia Política
(ISMODES, 2009, p. 17). Contudo, mesmo a avalização da eficiência
pode ser complexa e trazer problemas jurídicos (além de dilemas éti-
cos) que terão repercussão sobre o paradigma da justiça (e da equi-
dade). Sabe-se, por exemplo, que, na indústria da moda, há empre-
sas que chegam a destruir peças de vestuário que não foram vendidas
em determinada estação simplesmente porque manter estoques em
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

alguns endereços cobiçados seria um custo mais elevado do que o


eventual lucro obtido com a venda das peças após a mudança de es-
tação. Isso sem falar na utilização de mão de obra escrava por alguns
grandes players desse métier, que, assim, têm lucros supracompetitivos,
altamente eficientes sob um prisma exclusivamente econômico, mas...
Aceitáveis, sustentáveis, inclusivos, enfim, justos?
Portanto, a justiça distributiva é uma teoria necessária ao jurista
220 na esfera concorrencial, que traz, no âmbito do controle de estruturas,
uma função redistributiva clara, embora pouco discutida. Contudo,

308 E, segundo John Rawls, que desenvolve uma teoria da justiça, a justiça como equidade, pensar a
justiça como equidade só é possível desde que se afastem as diferenças individuais e o apego
de cada um. Além disso, a força da justiça como equidade parece provir de duas coisas: a exigên-
cia de que todas as desigualdades sejam justificadas para os menos favorecidos e a prioridade
da liberdade. (RAWLS, 2008, p. 4 e ss., p. 310)
isso não significa que se esteja desprezando o paradigma da eficiên-
cia, como já se verificou. Ao contrário, apenas a adoção de um diálogo
que considere a importância relativa da eficiência e da justiça e as
repercussões decisivas que a sua ponderação conjunta têm poderá
atender efetivamente ao imperativo da defesa do consumidor na es-
fera concorrencial. É necessário haver uma conciliação dos paradig-
mas da eficiência e da justiça − e não uma exclusão recíproca. Afinal,
a eficiência pode ser justa e a justiça, eficiente.

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Subjacente à diversidade de resultados obtidos ao se privilegiar os pa-
radigmas da eficiência e da justiça (que carregam, intrinsecamente, paradig-
mas outros como liberdade, igualdade, bem-estar, que são, enfim, paradig-
mas que envolvem a realização da vida boa dos clássicos) está um conjunto
de concepções diferentes e, por vezes, conflitantes, sobre quais seriam os
“fins socialmente relevantes” a serem perseguidos pelo Estado. Implícitas es-
tão as diversas concepções do que é e de como satisfazer o interesse público.
E, perscrutando esses resultados, torna-se necessário refletir sobre o que é a
justiça e o que ela exige, de nós, na prática (BADIN, 2011, p. 12).

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Segundo Rawls, a justiça não é egoísmo e tampouco altruísmo. O au-
tor, que desenvolve uma teoria da justiça baseando-se na equidade (fair-
ness), neocontratualista, parte de uma concepção individualista e liberal
(que se aproxima das ideias hobbesianas) e propõe um novo contrato
social, em que cada um se coloque no lugar de qualquer outro ao desco-
nhecer sua posição original e seu projeto individual de vida. Esse “véu
da ignorância”, segundo a construção elegante (FREITAS, 2010, p. 136) de
Rawls, significa que cada um, ignorando quem é e será, só pode procurar
seu interesse no interesse de todos e de cada um309. Esse procedimento
equitativo conduz a um resultado senão justo, pelo menos não injusto
(RAWLS, 2008, p. 165 e ss.).
O autor, porém, não desconhece a necessidade de existência de con- 221

dições materiais mínimas para assegurar a dignidade humana, tornando


o “mínimo social” (expressão que tem o mesmo sentido de “mínimo exis-

309 É impossível não ver a semelhança, ironicamente, da ideia de Rawls com o dilema do prisioneiro,
um problema da teoria dos jogos, em que se supõe que cada jogador, de modo independente,
quer aumentar ao máximo a sua própria vantagem sem lhe importar o resultado do outro jogador.
tencial” [BARCELLOS, 2011, p. 146]) o pressuposto lógico de sua constru-
ção teórica, classificada, então, como espécie de “liberalismo igualitário”,
de que se extraem dois princípios de justiça: o princípio que requer iguais
liberdades individuais para todos, bem como uma igualdade equitativa
de oportunidades e uma divisão igualitária de riqueza, e o princípio “de
diferença”, já que a estrutura básica deve permitir a diversidade inerente
aos indivíduos, contanto que melhore a situação de todos, inclusive a do
menos favorecido, e desde que seja compatível com a liberdade igual e a
igualdade de oportunidades (RAWLS, 2008, p. 182-184).
Retomando-se a discussão que envolve o tema da justiça e da
eficiência, percebe-se que, para além de eventuais motivações ex-
tratextuais que influenciem percepções em sentido contrário, parece
claro que o sistema jurídico brasileiro, em que a Constituição de 1988
tem papel proeminente, não é um sistema axiologicamente neutro.
Ao contrário, se podem existir variadas concepções sobre o Direito, o
constituinte originário expressou sua opção por uma delas, sobretudo
na forma dos princípios fundamentais que escolheu, o que, por evi-
dente, tem repercussão na interpretação dos enunciados normativos
em geral (BARCELLOS, 2011, p. 100-101). Desse modo, é necessário
algum tipo de balizamento para que a realização dos valores constitu-
cionais não reste frustrada pela substituição da concepção de Estado
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

e de Direito escolhida pelo constituinte por alguma outra concepção


escolhida a seu bel-prazer pelo intérprete – a despeito de sua consa-
gração em texto positivo (caso do parâmetro da eficiência, que está
positivado na lei concorrencial) e de todas as técnicas de interpreta-
ção. Conclui-se, assim, que os princípios constitucionais devem fun-
cionar como essas balizas, considerando a modalidade interpretativa
da eficácia jurídica que se lhes atribui (IDEM, p. 101).
222 Com isso, pensa-se que é necessário reconhecer que o Direito
da Concorrência tem uma função distributiva clara, o que não se con-
funde com qualquer “assistencialismo”. O perfil distributivo é, em
síntese, manifestação clara do caráter funcional da concorrência,
instrumento para o alcance de outro bem maior, qual seja, assegu-
rar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social
(FORGIONI, 2012, p. 186).
4.3 A repressão das infrações
da ordem econômica
A Lei n. 12.529/2011 define no art. 36, caput e incisos, infrações ad-
ministrativas da ordem econômica. O controle de condutas, ou de com-
portamentos, cuida dessas hipóteses de infrações da ordem econômica e
envolve, grosso modo, a repressão dos acordos restritivos da concorrência e
dos abusos de posição dominante.

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Como visto, o conflito de interesse é parte essencial, formadora
da relação entre consumidor e fornecedor. É esse conflito que dá signi-
ficado ao próprio conceito de relação de mercado. A função do Direito
Concorrencial, na parte do controle das condutas, não é eliminá-lo, mas
estabelecer regras para que esse conflito se desenvolva dentro de pa-
drões éticos e equitativos (COMPARATO; SALOMÃO FILHO, 2005, p. 539).
Assim, considerando a celeuma doutrinária sobre o reconhecimento
de uma proteção direta do consumidor no âmbito concorrencial, na pró-
xima etapa deste estudo verificar-se-ão as principais características da in-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


fração da ordem econômica e, particularmente, as hipóteses de abuso de
posição dominante, aumento arbitrário de lucros e concorrência desleal,
as hipóteses em que se percebe a possível titularização de direitos pelo
consumidor.

4.3.1 A infração da ordem econômica


O art. 36 da Lei n. 12.529/2011 define, de forma genérica, os atos que
constituem infração da ordem econômica, como se percebe:

art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de


culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto
223
ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: 
I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou
a livre iniciativa; 
II – dominar mercado relevante de bens ou serviços; 
III – aumentar arbitrariamente os lucros; e 
IV – exercer de forma abusiva posição dominante. 
§ 1o A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na
maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não
caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo. 
§ 2o Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de
empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições
de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado
relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores
específicos da economia.

Verificam-se, aí, informações importantes: a lei concorrencial oferece


um conceito amplo de infração da ordem econômica, que, para ocorrer,
requer: a realização de um ato, independentemente de culpa e de sua
forma, que objetive ou possa produzir algum dos efeitos a seguir verifica-
dos, ainda que esses efeitos não sejam produzidos: (i) limitar, falsear ou
de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa, (ii)
dominar mercado relevante de bens ou serviços, (iii) aumentar arbitraria-
mente os lucros e (iv) exercer de forma abusiva posição dominante. 
Segundo Roberto Pfeiffer, para que ocorra uma infração da ordem
econômica, é imprescindível que a conduta tenha o potencial310 de produ-
zir os efeitos mencionados nos quatro (PFEIFFER, 2015, p. 222) incisos do
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

art. 36, caput, da Lei n. 12.529/2011, não sendo necessária a comprovação


de que foram gerados efeitos concretos. Já Paula Forgioni entende que,
para que seja considerado contrário à ordem econômica, basta que o ato
(independe se acordo, abuso, concentração) tenha por objeto ou produza
um (FORGIONI, 2012, p. 131) dentre os quatro efeitos supracitados.
Entende-se, como a autora referida, que a incidência de apenas um
dos incisos do art. 36, caput, é suficiente para caracterizar determinada prá-
224 tica como uma infração da ordem econômica, pois, aqui, a palavra “e” apa-
rece como conjunção coordenativa, e não aditiva. Desse modo, entende-
-se que cada uma das hipóteses previstas nos quatro incisos do art. 36,

310 Assim, conforme aponta Calixto Salomão Filho (2013, p. 400), pretende-se verificar a existência
de um objetivo estratégico de atingir o bem “concorrência”, dominando o mercado, limitando a
própria concorrência etc. Reconhece-se a importância da persecução do comportamento oportu-
nístico, estratégico, intencionalmente voltado a transferir artificialmente os custos das transações
para os concorrentes.
caput, tem condição de deflagrar a consequência antijurídica consistente
na configuração de infração da ordem econômica. Cada uma das hipóte-
ses revela-se por si só um comportamento contrário ao Direito, sem que
seja necessário conjugar-se com as demais, de forma que é indiferente se
se trata de (i) limite, falseamento ou qualquer forma de prejuízo à livre
concorrência ou à livre iniciativa, de (ii) domínio de mercado relevante de
bens ou serviços, de (iii) aumento arbitrário dos lucros ou, finalmente, de
(iv) exercício abusivo de posição dominante.

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Além disso, de acordo com o § 1o do art. 36, a conquista de mercado
resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente eco-
nômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto
no inc. II do caput daquele artigo, que trata da hipótese de “dominar mer-
cado relevante de bens ou serviços”. Assim, se o agente econômico domi-
nar algum mercado relevante de bens ou de serviços como resultado de
uma vantagem competitiva baseada em uma eficiência maior (competition
on the merits), não há falar em ilícito.
Já o art. 36, § 3o, da Lei n. 12.529/2011 apresenta um rol exemplificativo

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


de práticas que podem configurar infração da ordem econômica, sem pre­
juízo de outras não contempladas expressamente pelo texto legal. São elas:

§ 3o As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem


hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração
da ordem econômica:
I – acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma:
a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente;
b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada
de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou
limitada de serviços;
225
c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de
bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, for-
necedores, regiões ou períodos;
d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública;
II – promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme
ou concertada entre concorrentes;
III – limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;
IV – criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvi-
mento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financia-
dor de bens ou serviços;
V – impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas,
equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição;
VI – exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos
meios de comunicação de massa;
VII – utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros;
VIII – regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para
limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a pro-
dução de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos
destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição;
IX – impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e
representantes preços de revenda, descontos, condições de pagamento,
quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras
condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros;
X – discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio
da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda
ou prestação de serviços;
XI – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condi-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

ções de pagamento normais aos usos e costumes comerciais;


XII – dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações co-
merciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em subme-
ter-se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais;
XIII – destruir, inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos interme-
diários ou acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar a operação
de equipamentos destinados a produzi-los, distribuí-los ou transportá-los;
226 XIV – açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade in-
dustrial ou intelectual ou de tecnologia;
XV – vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do
preço de custo;
XVI – reter bens de produção ou de consumo, exceto para garantir a cober-
tura dos custos de produção;
XVII – cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa
causa comprovada;
XVIII – subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização
de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de
outro ou à aquisição de um bem; e
XIX – exercer ou explorar abusivamente direitos de propriedade industrial,
intelectual, tecnologia ou marca.

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Como se percebe, o art. 36, § 3o, da Lei n. 12.529/2011 apresenta diver-
sos exemplos (numerus apertus, portanto) de condutas que, se configurarem
hipótese prevista no art. 36, caput e incisos, caracterizam infração da ordem
econômica. Essa opção do legislador vincula-se à necessidade de oferecer
algum grau de segurança jurídica ao agente econômico, já que, para além
de oferecer um tipo aberto, há a declaração, expressa, de um certo número
ilustrativo de infrações puníveis (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 407).
Contudo, ao definir que as condutas enumeradas no art. 36, § 3o, ca-
racterizam infração da ordem econômica desde que “configurem hipóte-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


se” prevista no art. 36, caput, que prevê quatro311 espécies de ilícitos em
seus incisos, quais sejam, concorrência desleal (inc. I), dominação de mer-
cado (inc. II), aumento arbitrário de lucros (inc. III) e abuso de posição do-
minante (inc. IV), a classificação das condutas enumeradas no § 3o torna-se
problemática, visto que é possível, por exemplo, considerar todos os inci-
sos do art. 36, § 3o, como hipóteses de concorrência desleal (IDEM, p. 409).
Considerando que, ao aplicar a norma, o intérprete deverá orientar
seu sentido e alcance à realização dos fins constitucionais (BARROSO,
2015, p. 402), aponta-se que os parâmetros para o balizamento da inter-
pretação sobre a razoabilidade e a proporcionalidade da conduta são da-
dos, em primeiro lugar, pelos princípios constitucionais, especialmente
pelos princípios da livre concorrência, da defesa do consumidor e da re- 227

pressão ao abuso do poder econômico. Em segundo lugar, pela disposição


do art. 36, § 1o, da Lei n. 12.529/2011 e, em terceiro lugar, pela disposição
do art. 88, § 6o (sobre o qual já se falou, linhas atrás), que estipula condi-

311 Destaque-se que, na classificação adotada por Calixto Salomão Filho (2013, p. 408), o art. 36 pre-
vê apenas três ilícitos em seus incisos.
ções cumulativas que tornam atos de concentração econômica limitativos
da concorrência passíveis de autorização pela autoridade antitruste: efi-
ciências compensatórias, repartição dos benefícios com os consumidores
e inexistência de meio menos restritivo à concorrência para alcançar os
objetivos visados. Dessa forma, percebe-se que o bem-estar do consu-
midor é um fator importante ao se realizar um juízo de ponderação sobre
o caráter ilícito de uma conduta que restringe a concorrência (PFEIFFER,
2015, p. 228-229).
Ainda, deve-se referir que, no Brasil, a lei não exige que se caracterize
o ato como abuso de posição dominante para que ele seja vedado: basta a
existência de determinados objetivos ou a produção dos efeitos previstos
no art. 36, caput, da Lei n. 12.529/2011. Assim, a lei brasileira (FORGIONI,
2012, p. 132) não exige que o agente detenha posição dominante para que
infrinja a ordem econômica, embora se identifiquem posições diversas,
como a sustentada por parte da doutrina, para quem uma particularidade
das infrações da ordem econômica é a necessidade de demonstração de
que “a empresa investigada possui poder de mercado” (PFEIFFER, , 2015,
p. 222), destacando-se que a lei brasileira adota, com idêntico sentindo,
o conceito de posição dominante. A doutrina também aponta reiteradas
decisões do CADE nesse sentido e refere que existem exceções a tal regra
(IDEM, p. 223).
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

Enfim, entre as condutas que são passíveis de repressão pelo SBDC,


pode-se notar, como apontado por parcela da doutrina, que algumas se
relacionam com a proteção do consumidor de uma forma direta. Essas con-
dutas envolvem as infrações da ordem econômica que caracterizam, como
apontado, aumento arbitrário de lucros, exercício abusivo de posição do-
minante e concorrência desleal. A seguir, analisam-se individual­mente as
características dessas condutas que perfazem infrações da ordem eco-
228 nômica passíveis de atingir diretamente o status jurídico do consumidor,
tornando-o, portanto, titular de direitos.

4.3.2 O abuso de posição dominante


Como visto, a CRFB/88 tornou o princípio da livre concorrência, ao
lado de outros, princípio da ordem econômica, submetendo a ordem eco-
nômica aos ditames da justiça social. Assim, é nesses termos que deve
ser entendido o poder econômico: enquanto um poder jurídico que é a
base do direito de concorrer, enquanto um poder constitucionalmente
legítimo (FERRAZ JUNIOR, 1995, p. 23-30) e que deve ser utilizado para
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social
(MEIRELLES, 1999, p. 578).
O estabelecimento de limitações ao exercício da atividade econômi-
ca não só perante os consumidores, mas perante os próprios concorren-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


tes, desenvolveu o conceito de poder de mercado. Para caracterizar poder
de mercado, o agente deve deter poder econômico, o que lhe confere a
capacidade de influir na dinâmica concorrencial e a possibilidade de não
se submeter às regras da ordem econômica (FERRAZ JUNIOR, 1995, p. 23-
30). Nesse sentido, a empresa que assume uma posição dominante tende
a adotar o comportamento típico de um monopolista, caracterizado pelo
aumento de preços, pelo desprezo pela qualidade de seus produtos e
serviços e, ainda, pela imposição de práticas que não seriam adotadas
caso houvesse concorrência (FORGIONI, 2012, p. 257).

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Enquanto a Economia considera que há posição dominante quando o
agente econômico pode impor preços muito acima de seu custo marginal,
para o Direito, conforme a síntese de Paula Forgioni, a posição dominante
implica sujeição (seja dos concorrentes, seja de agentes econômicos atu-
antes em outros mercados, seja dos consumidores) àquele que o detém.
Ao revés, implica independência, liberdade de agir sem considerar a exis-
tência ou o comportamento de outros sujeitos (IDEM, p. 259).
De fato, a análise do abuso de posição dominante e, mais especifica-
mente, das práticas exclusionárias unilaterais, causa grande controvérsia
no Direito Concorrencial, pois muitas condutas exclusionárias também im-
plicam redução de custos, melhoria de produto e/ou serviço etc. Assim, há
diversos testes312 para determinar a legalidade da conduta e divergentes 229

opiniões quanto à aptidão de remédios comportamentais para restaurar o


ambiente concorrencial.

312 Sobre os diversos testes aplicáveis às condutas unilaterais, recomenda-se a leitura do seguinte
documento: Unilateral conduct workbook. (INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK, 2012)
Para traçar os contornos da esfera de liberdade do agente econômi-
co e distinguir inovação de conduta anticompetitiva, o CADE analisa três
fatores combinados: (i) o fato de o agente deter posição dominante, (ii) o
fato de a conduta ser capaz de prejudicar substancialmente a concorrên-
cia com potenciais danos aos consumidores e (iii) o fato de a conduta ser
objetivamente justificável, gerando “reais benefícios à empresa ou aos
consumidores”, ou, ao invés, o fato de ser preponderantemente orientada
pela premissa de causar danos à concorrência (BRASIL, CADE, VOTO ... PA
08012.006439/2009-65, p. 4).
Para analisar a conduta de abuso de posição dominante, traz-se à co-
lação, novamente, o art. 36, caput e incisos, da Lei n. 12.529/2011:

art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de


culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou
possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a
livre iniciativa; II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III – au-
mentar arbitrariamente os lucros; e
IV – exercer de forma abusiva posição
dominante.
§1o A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na
maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo.


§ 2o Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de
empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições
de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado
relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores
específicos da economia.

Como se percebe, para a lei brasileira, na trilha do brocardo latino


230
“abusus non tollit usum”, o fato de um agente econômico apresentar posição
dominante não constitui ilícito, afinal, as empresas eficientes têm condi-
ções de conquistar os mercados a ponto de se tornarem por vezes do-
minantes, o que também ocorre pela ausência de agentes econômicos
interessados em explorar determinada atividade empresarial (de forma
que não é apenas a eficiência que pode levar a uma situação de posição
dominante). Se, pelo contrário, as empresas aproveitam o seu poder para
impedir a concorrência, está-se perante uma prática anticoncorrencial
considerada abusiva. Portanto, o que é condenável é o abuso da posição
dominante, que constitui infração da ordem econômica, como prevê, tam-
bém, o art. 102 do TFUE, que não proíbe a existência de posição dominan-
te, mas tão somente o seu abuso (PEREIRA, 2009, p. 98-99).
Mas, afinal, em que consiste a posição dominante? E qual a diferença
entre o uso e o abuso da posição dominante? O primeiro passo para que
se possa determinar a existência, ou não, de posição dominante consiste

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


em delimitar o mercado relevante por ela supostamente afetado. Além
disso, presume-se que, quando a empresa detém parcela substancial de
um dado mercado relevante (market share), ela possui poder econômico
que lhe permite atuar de forma independente e indiferente (market power)
(FORGIONI, 2012, p. 270).
Por isso, o legislador brasileiro adota uma concepção objetiva (e con-
servadora) ao dispor que se presume a posição dominante sempre que
uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou co-
ordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser
alterado pelo CADE para setores específicos da economia. Essa possibi-
lidade assegurada à autarquia concorrencial reconhece a variabilidade e
a incerteza dos resultados econômicos, pois a identificação da presen-
ça de dominação de mercados requer uma análise elaborada (SALOMÃO
FILHO, 2013, p. 428-429).
No entanto, considera-se que a posição dominante é contestável,
exigindo-se a presença de outras evidências para que ela seja confirma-
da. Assim, a fração prevista no texto legal significa uma presunção relativa
(juris tantum), de forma que, comprovando-se que o agente econômico de-
tém e abusa de sua posição dominante, ainda que não tenha o controle de
20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, seu comportamento 231

poderá ser sancionado (FORGIONI, 2012, p. 271). Por conseguinte, verifi-


ca-se que a empresa que atinge uma posição dominante deverá perma-
necer sob avaliação rigorosa da autoridade concorrencial. De acordo com
Richard Whish e David Bailey, que comentam o tema sob a perspectiva
europeia, aplicável à brasileira:
it is not unlawful for a firm to have a dominant position; what is prohibited is the abuse of
a dominant position. However the Court of Justice in Michelin v Commission stated that a
firm in a dominant position has a ‘special responsibility not to allow its conduct to impair
undistorced competition’ on the internal market313. (WHISH; BAILEY, 2015, p. 202)

Desse modo, verifica-se que o fato de um agente econômico simples-


mente apresentar posição dominante já lhe traz algumas responsabilidades.
A capacidade de impor práticas e cláusulas abusivas de forma
sistemática a um número elevado de consumidores (e não de ma-
neira isolada a um ou outro consumidor) é um indício da existência
de posição dominante que, para confirmar-se, requer a presença de
outros elementos (PFEIFFER, 2015, p. 145), além da parcela de par-
ticipação no mercado, como a ausência de concorrência potencial,
o nível de rivalidade, a existência de barreiras à entrada de novos
agentes econômicos (impermeabilidade), o nível de dependência
dos consumidores e/ou dos fornecedores (elasticidade cruzada), a
existência de uma rede de distribuição própria, o acesso privilegia-
do a matérias-primas etc.
Roberto Pfeiffer nota que a vulnerabilidade do consumidor é particu-
larmente agravada nas hipóteses em que ele se defronta com fornecedo-
res que detêm posição dominante em mercados concentrados, sobretudo
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

em se tratando de oligopólios ou monopólios naturais314. Nesses casos, o


consumidor tem possibilidades de escolha restritas (ou nenhuma, caso
se trate de monopólio) e, por isso, está mais propenso a práticas ou a
cláusulas abusivas. Já o fornecedor, por sua vez, ao perceber-se com me-
nor pressão competitiva, possui incentivos maiores para praticar abusos
contra o consumidor, visto que este terá menor resistência a tais condutas,

232
313 Em tradução livre: o fato de uma firma ter uma posição dominante não constitui um ilícito; o que se
proíbe é o abuso de posição dominante. Contudo, a Corte de Justiça no caso Michelin v Commission
afirmou que uma firma em posição dominante tem a responsabilidade especial de não permitir
que sua conduta impeça a concorrência não falseada (distorcida) no mercado comum.

314 Nesse contexto, Roberto Pfeiffer observa que o Decreto n. 6.523/2008, estabeleceu regras rigoro-
sas disciplinadoras do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) das empresas fornecedoras
de serviços regulados pelo Poder Público Federal. Para o autor, trata-se de “setores majorita-
riamente marcados por forte concentração econômica e que apresentam os maiores índices de
reclamações junto aos órgãos de defesa do consumidor”. (PFEIFFER, 2015, p. 143, 145)
diante da reduzida (ou ausência de) alternativa para a eventual troca de
fornecedor (IDEM, p. 143-144).
Segundo Paula Forgioni, desde a promulgação das primeiras leis de
cunho concorrencial, no Brasil, havia a preocupação de controlar o abuso
de posição dominante, dado que a estrutura industrial brasileira caracte-
riza-se historicamente pela presença de agentes econômicos detentores
de grande poder de mercado (FORGIONI, 2012, p. 266). Assim, constituem
infrações da ordem econômica que envolvem hipótese de abuso de posi-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


ção dominante (desde que seu objeto ou efeito apresente qualquer das
hipóteses previstas nos incisos do caput do art. 36), sem prejuízo de ou-
tras condutas, a imposição de preços abaixo do custo (art. 36, § 3o , XV),
tipicamente exemplificada pela prática de preços predatórios, e a venda
casada315 (art. 36, § 3o, XVIII).
Percebe-se, enfim, que práticas como venda casada, abuso e discri-
minação de preços que podem resultar do exercício abusivo de posição
dominante causam lesão direta ao consumidor (MARTINEZ, 2004, p. 78)
porque ele (i) tem sua liberdade de escolha tolhida pela imposição de

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


aquisição de um produto ou serviço indesejado, (ii) tem de pagar um pre-
ço injustificadamente excessivo por um produto ou serviço e (iii) tem o
direito à isonomia desrespeitado.

4.3.3 O aumento arbitrário de lucros


Um certo atavismo marca os estudos relacionados ao aumento arbi-
trário de lucros, hipótese de infração da ordem econômica prevista no art.
36, III, da Lei n. 12.529/2011. Afinal, os atos sob qualquer forma manifes-

315 Que se divide em duas espécies, a saber, venda casada estática e venda casada dinâmica, como observou
o ex-conselheiro do CADE, Luiz Carlos Delorme Prado: “a venda casada estática é realizada através 233
de acordos de exclusividade realizados através de contratos ou via compatibilidade tecnológica. Ocorre
quando o consumidor, ao comprar o produto A por ele desejado, é obrigado também a comprar simultane-
amente o produto B que, eventualmente, poderia ser obtido de outra fonte. Por exemplo, um consumidor
ao comprar um aparelho televisor também é obrigado a comprar simultaneamente uma antena parabólica.
A venda casada dinâmica ocorre quando, ao comprar o produto A, o consumidor é obrigado a adquirir
produtos complementares ou de manutenção exclusivamente do fornecedor do produto A. Por exemplo, a
obrigatoriedade de aquisição de cartuchos de tinta exclusivamente do fornecedor de máquina fotocopiado-
ra. Outra diferença entre a venda casada estática e a venda casada dinâmica é que nesta a compra do bem
acessório é indispensável para o usufruto do bem fundamental. Por exemplo, a compra de uma impressora
requer a compra de papel”. (BRASIL, CADE, VOTO ... AC 08012.002172/2004-22)
tados, que tenham por objeto ou possam produzir um aumento arbitrário
de lucros, ainda que não alcançado, convivem com a máxima segundo a
qual o correspondente preço abusivo dele derivado seria uma espécie
de “cabeça de bacalhau”, já que não há registro, no Brasil, de condenação
por prática de preço excessivo, muito embora várias representações, en-
volvendo diversos setores econômicos, já tenham sido apresentadas ao
SBDC (RAGAZZO, 2011, p. 21).
Da redação do art. 36, III, da Lei n. 12.529/2011 percebe-se que o
ilícito consistente em aumento arbitrário de lucros não faz qualquer re-
ferência à existência de eventual posição dominante pelo agente ecô-
nomico que o pratica, segundo Paula Forgioni (2012, p. 139). Contudo,
para Calixto Salomão Filho, o fato de a lei concorrencial brasileira, se-
melhantemente à CRFB/88, conter disposições próprias, relativamen-
te ao aumento arbitrário de lucros (art. 36, III) e ao abuso de posição
dominante (art. 36, II), não significa que o aumento arbitrário de lucros
possa ter configuração independente, pois “arbitrário” seria apenas o
aumento que decorre de abuso de posição dominante. Assim, se esse
não se verificar, ou o aumento de lucros decorrer da própria eficiên-
cia econômica, não será, então, arbitrário, ou, então, sequer ocorrerá.
Assim, na perspectiva do autor, o agente econômico que, sem dominar
o mercado, procurar elevar seus lucros por meio de aumento de preços
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

ou estratégia equivalente, perderá mercado sem conseguir aumentar


seus lucros (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 521).
De qualquer forma, percebe-se que o ilícito consistente em “abuso
de posição dominante” não prescinde da existência, ao menos potencial,
de um resultado econômico. O aumento arbitrário de lucros é esse re-
sultado, embora esse resultado não precise ser efetivamente produzido.
Assim, por exemplo, a redução da quantidade ofertada de um produto
234 ou serviço no mercado é ilícita quando injustificada e quando capaz, em
tese, de levar ao aumento do lucro monopolista, independentemente da
produção efetiva desse resultado (IDEM, p. 522).
De acordo com Paula Forgioni, a disposição do art. 36, III, da Lei n.
12.529/2011 “visa, precipuamente, à proteção do consumidor, ou daque-
les explorados pelos agentes econômicos” (FORGIONI, 2012, p. 139). A
propósito, percebe-se que, desde a edição do Decreto-lei n. 7.666/1945, a
repressão ao abuso do poder econômico liga-se à ideia de repressão ao
aumento arbitrário de lucros, ideia que a Constituição de 1946316 adotou e
que permanece presente na CRFB/88.
A repressão à obtenção de lucros altos, em princípio, não traz incenti-
vo à concorrência ou à livre iniciativa, pois a possibilidade de auferi-los é
um estímulo à entrada de novos agentes econômicos no mercado relevan-
te. Na síntese de Paula Forgioni: “onde há lucros, se não houver elevadas
barreiras à entrada, a concorrência potencial tende a transformar-se em

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


efetiva” (FORGIONI, 2012, p. 139). Essa visão, que é compartilhada pela
UE (art. 102 do TFUE), destoa, porém, da perspectiva dos EUA, cujas nor-
mas não têm disposição semelhante. Para Paula Forgioni, como, nos EUA,
protege-se,

em um primeiro momento (de forma direta), a livre concorrência, não há


qualquer interesse jurídico na repressão ao lucro abusivo. Dessa consta-
tação não deriva a conclusão de que a Lei Antitruste norte-americana não
protege o consumidor. Fá-lo, porém, mediante a proteção da livre concor-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


rência.
Essa diferença entre a lei brasileira (também de repressão ao abuso do poder econô-
mico, além da proteção da livre concorrência) e lei americana (de tutela da livre concor-
rência) é absolutamente fundamental e deve ser considerada no processo
de interpretação do art. 36, sob pena de transpormos, daquela realidade,
princípio que não faz parte de nosso sistema jurídico e que com ele não é
compatível. (FORGIONI, 2012, p. 141, grifos no original)

Ainda assim, reconhece-se que o art. 36, III, da Lei n. 12.529/2011 tam-
bém protege a livre concorrência e a livre iniciativa na medida em que
o aumento arbitrário de lucros é passível de configurar atentado a esses
bens juridicamente protegidos, caso do franqueador que aufere lucros ex-
cessivos pela imposição de cláusulas restritivas de concorrência a seus 235

franqueados317.

316 Assim o texto constitucional de 1946: “art 148 – A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder
econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua
natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitra-
riamente os lucros”. (BRASIL, 1946)

317 O exemplo é de Paula Forgioni (2012, p. 139).


Então, além de proteger a livre iniciativa e a livre concorrência, a hi-
pótese prevista no art. 36, III, protege de forma imediata, ou seja, direta,
o consumidor, impedindo que a ele sejam impostos preços excessivos,
mediante o aumento arbitrário de lucros, o que é intuitivamente compre-
ensível, já que, nessa hipótese, pode-se presumir que o consumidor seja
expoliado, já que sua renda lhe é subtraída indevidamente. A imposição
de preços excessivos também é coibida no âmbito da UE, onde se reco-
nhece, igualmente, sua relação direta com o consumidor, pelos motivos há
pouco apontados, como aponta Eugène Buttigieg (2009, p. 162):

one form of abuse which in most cases is solely and directly exploitative of the consumer
(rather than anticompetitive) involving as it does a clear wealth transfer to the detriment
of consumers is the charging of excessive prices by the undertaking in a dominant position.
Given its dominance on the market, it can obtain monopoly profits through its supra-
-competitive prices because it need not fear losing customers to its rivals318.

Entretanto, deve-se recordar que não há uma definição jurídica sobre


o conceito de “aumento arbitrário de lucros” e de “preço excessivo”, que
se tratam, pois, de conceitos jurídicos cujos termos são indeterminados
(BRUNA, 2001, p. 148) − quando não, também, de um conceito econômico
indeterminado, dado que o problema mais antigo da Economia é o da
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

determinação dos preços319. Assim, observa-se que ainda não há um cri-


tério jurídico-econômico para definir a abusividade de preços, o que não
impede, todavia, a apreciação desses casos pelas autoridades concorren-
ciais320. Por fim, refere-se que a relação da infração da ordem econômica

318 Em tradução livre: uma forma de abuso que, na maioria dos casos, é única e diretamente explo-
radora do consumidor (em vez de anticompetitiva), envolvendo, como de fato o faz, uma trans-
ferência de riqueza clara em detrimento dos consumidores, é a cobrança de preços excessivos
236
pela empresa em posição dominante. Dada a sua posição dominante no mercado, ela pode obter
lucros de monopólio através de seus preços supracompetitivos porque ela não precisa temer
perder clientes para seus rivais.

319 Conforme Galbraith (1987, p. 118, 120), “nada se comprovou tão problemático na explicação dos pre-
ços (i.e., valores de troca) quanto o fato indigerível de que algumas das coisas mais úteis possuem
o menor valor de troca e de que algumas das mais inúteis têm o maior valor”. Assim, “o conceito de
utilidade marginal decrescente era, e ainda é, uma das ideias indispensáveis da economia”.

320 Carlos Ragazzo defende a ineficácia dos dispositivos relacionados aos preços excessivos.
(RAGAZZO, 2011, p. 21)
consubstanciada no aumento arbitrário de lucros com a carestia é inequí-
voca, o que também pode levar à inflação.

4.3.4 A concorrência desleal


O ilícito consistente em concorrência desleal está previsto no art. 36,
I, da Lei n. 12.529/2011:

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de
culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto
ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou
a livre iniciativa.

Como visto, a atual redação do § 3o do art. 36 da Lei n. 12.529/2011


permite classificar todos os seus incisos como hipóteses de concorrência
desleal, visto que, em todos esses casos, há a possibilidade de se “limi-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


tar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre
iniciativa” (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 409). Mesmo assim, um exemplo
evidente de concorrência desleal é a utilização de meios enganosos para
provocar a oscilação de preços de terceiros, hipótese prevista no inc. VII
do § 3o do art. 36 (IDEM).
Assim, nota-se que o termo “concorrência desleal” pode ser aplicado
a diversos contextos, podendo estar associado inclusive à entrada de pro-
dutos estrangeiros no mercado nacional, mediante, por exemplo, a prática
de dumping, que ocorre quando o produto é exportado a um preço inferior
ao chamado “valor normal” (OLIVEIRA; RODAS, 2013, p. 104). Este, por sua
vez, é definido como o montante pelo qual o bem é comercializado no
mercado doméstico do país exportador. Tais casos, que envolvem discri-
237
minação de preços entre mercados diferentes, são passíveis de punição
pela Organização Mundial do Comércio (OMC), e não pelo CADE, como
informa o art. 119 da Lei n. 12.529/2011.
Contudo, a prática de concorrência desleal se relaciona, em regra, a
práticas de concorrentes domésticos de forma a caracterizar preço preda-
tório, sendo, nesta hipótese, caso da competência do CADE. E, segundo
Gesner Oliveira e João Grandino Rodas, em contraste com o antidumping,
que visa primordialmente defender a indústria nacional, a preocupação da
ação contra o preço predatório é o bem-estar do consumidor (OLIVEIRA;
RODAS, 2013, p. 104).
Como a concorrência desleal se trata de um tema cuja construção
teó­rica perpassa diversos campos do Direito, parece útil buscar o auxílio
de outras disposições legais que a preveem, caso da Lei n. 9.279/1996321
(Código de Propriedade Industrial), que em seu art. 195 dispõe sobre as
condutas que caracterizam o crime de concorrência desleal.
Outro viés interessante para abordar o tema envolve o fato de que
a proteção contra métodos comerciais coercitivos ou desleais constitui
direito básico do consumidor, como determina o art. 6o, IV, do CDC: “a
proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais
coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou
impostas no fornecimento de produtos e serviços”.
Um exemplo recorrente de concorrência desleal em sentido lato en-
volve os cartéis, que, como de resto as outras condutas, não seriam ilícitos
per se na lei brasileira322, que, diferentemente de outros ordenamentos,
não admite (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 564) a per se condemnationen, exigin-
do a apreciação, caso a caso, dos efeitos potenciais da conduta (NUSDEO,
2013, p. 1202). Exemplo clássico de acordo, o cartel é, também, a espécie
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

mais temida de conduta horizontal, estando tipificado como ilícito autô-


nomo no art. 36, § 3o, I e II, da Lei n. 12.529/2011. Ele decorre de um acordo
explícito ou tácito entre concorrentes do mesmo mercado, envolvendo
parte substancial do mercado relevante em torno de fatores como pre-
ços, cotas de produção e de distribuição e divisão territorial e, em geral,

321 Conforme o art. 2° da Lei 9.279/1996: Art. 2º A proteção dos direitos relativos à propriedade indus-
238 trial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País,
efetua-se mediante:
I – concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade;
II – concessão de registro de desenho industrial;
III – concessão de registro de marca;
IV – repressão às falsas indicações geográficas; e
V – repressão à concorrência desleal.

322 A realização de acordos entre agentes econômicos somente será sancionada pela lei concorren-
cial brasileira na medida em que houver, como visto, potencial para produzir os efeitos proibidos
pelo art. 36, caput e incisos da Lei n. 12.529/2011.
traduz-se, para o consumidor, em um aumento dos preços praticados no
mercado, em uma redução das escolhas etc.
Ana Paula Martinez lembra, nesse contexto, a fala de um empresá-
rio que confessou ter participado do conhecido cartel das lisinas323: “our
competitors are our friends; our customers are the enemy”324. A frase, simbólica,
transmite com fidelidade o espírito do cartel: o consumidor, ou a empresa
que, em uma cadeia, seja a “cliente” de outra empresa, são vistos como
o inimigo, como aquele que pode forçar as empresas a competir e, com

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


isso, diminuir seus preços ou aumentar a qualidade de seus produtos e
serviços e, em consequência, diminuir suas margens de lucro (MARTINEZ,
2013, p. 36).
O objetivo precípuo do cartel consiste em obter lucros supracom-
petitivos, por meio da redução da oferta e do consequente aumento de
preços. Pode ser definido como “um acordo entre concorrentes com o ob-
jetivo de maximização conjunta de lucro” (OLIVEIRA; RODAS, 2013, p. 54).
Além disso, sua principal característica é a simulação325 que lhe é inerente,
dado que os agentes econômicos dos quais se espera um comportamento

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


de rivalidade, de competição efetiva, passam, de repente, a agir de forma
cooperativa e uniforme, estabelecendo conjuntamente elementos-chave
para o funcionamento do mercado em que atuam, como preço e quan-
tidade ofertada, em busca da obtenção de lucros extraordinários, os lu-
cros de monopólio (FGV, 2008, p. 133) − o que permite considerá-lo como
exemplo do tipo “concorrêncial desleal” que traz repercussões claras ao
consumidor que, lesado, pode buscar a indenização devida, como faculta
o art. 47 da Lei n. 12.529/2011.

323 Um cartel global de fixação de preços da lisina, que é o mais importante aminoácido utilizado
nos alimentos para animais para fins nutricionais. Os aminoácidos são os elementos constituintes
das proteínas. Podem ser de origem vegetal ou animal (por exemplo, farinha de soja ou farinha
239
de peixe). Podem igualmente ser transformados. Os cinco participantes no cartel fabricavam e
vendiam aminoácidos sintéticos. A disponibilidade de aminoácidos sintéticos permite aos nu-
tricionistas definirem os regimes de proteínas que melhor se adaptam às necessidades alimen-
tares dos animais. O caso, punido pelas autoridades concorrenciais dos EUA e da UE, tornou-se
tão conhecido que resultou inclusive em um filme, The informant, de 2009, dirigido por Steven
Soderbergh. Mais informações podem ser obtidas no site da Comissão Europeia (2009).

324 Ana Paula Martinez a traduz assim: “nossos concorrentes são nossos amigos, o consumidor é o
inimigo”. (MARTINEZ, 2013, p. 36)

325 Pesquisar no livro do Pontes sobre simulação.


Um outro exemplo sobre o tema envolve a utilização do aplicativo
Uber, que, para seus críticos, poderia “desviar” passageiros dos táxis, mas
que, para seus defensores, poderia oferecer um transporte em carros me-
lhores e com alguns serviços agregados, aumentando a qualidade, em úl-
tima análise, dos serviços oferecidos ao consumidor e, também, fortale-
cendo seu direito à escolha, por meio da oferta de serviços diferenciados
que tendem, naturalmente, a acirrar a competição e, com isso, elevar a
qualidade do serviço prestado e diminuir os preços praticados (que, no
caso dos táxis, se tratam de tarifa, espécie de preço público).
Contudo, fazendo-se um exercício argumentativo, deve-se recordar
que há uma sociedade anônima bilionária326 por trás do aplicativo que o
consumidor acessa de seu smartphone e, em um primeiro momento, ima-
gina se tratar de mais uma espécie de “consumo colaborativo”, a “carona
paga”327. Assim, poder-se-ia questionar: imaginando-se que a utilização
do Uber torne inviável a continuidade da prestação do serviço de trans-
porte de passageiros que hoje é realizado por táxis (em muitas cidades,
pessoas físicas são as permissionárias do serviço), o consumidor não se-
ria acaso prejudicado, seja pela diminuição das opções de escolha, seja
pelo possível aumento de preços? Os serviços oferecidos pelo Uber não
configurariam o ilícito de concorrência desleal, já que os fornecedores do
serviço não suportam os mesmos ônus fiscais e econômicos necessários
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

para manter um táxi, que se trata de uma atividade regulada?


Essas questões demonstram a ampla gama de situações cotidianas
que podem ser facilmente consideradas concorrência desleal. Apesar das
especulações, estudo elaborado em 2015 pelo DEE do CADE demonstrou
que o Uber é um aplicativo que não oferece preocupações concorrenciais
(ESTEVES, 2015), porque “as evidências observadas sugerem a criação de
um novo mercado”. Além disso, no futuro, é possível que “a rivalidade
240 entre os serviços de caronas pagas e de corridas de táxis cresça ao longo
do tempo, fomentando a competição entres os agentes econômicos e pos-
sibilitando mais opções aos consumidores” (IDEM).

326 Especula-se que seu valor de mercado seja de cerca de US$ 50 bilhões. (HIGSON, 2015)

327 Uma acrobacia semântica que dispensa maiores explicações.


Outro exemplo sobre esse tema328 envolve a concorrência desleal
baseada na violação de normas de Direitos Humanos, Direito da Criança
e do Adolescente, Direito Ambiental, Direito do Trabalho etc., uma vez
que a “ordem natural da economia”, com suas leis em busca da eficiência
econômica, frequentemente pode conflitar com outros valores humanos,
como solidariedade, justiça distributiva, proteção de crianças, idosos e
enfermos (ARIÑO ORTIZ, 1999, p. 4). Afinal, como competir com produtos
e serviços que nascem de relações329 de escravidão330 ou subemprego331,

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


muitas vezes? E como competir com métodos de produção “eficientes”,
que envolvem custos menores, mas que provocam passivos ambientais
cujos efeitos sobre a saúde humana são incalculáveis, em evidente desa-
cordo com o princípio da defesa do meio ambiente, princípio da ordem
econômica previsto no art. 170, VI, da CRFB/88?
Há níveis mínimos de atenção ao (e de proteção do) homem, sejam
ou não eficientes, em proporção ao desenvolvimento de cada país, que
não podem ser desconsiderados (IDEM, p. 5).
Na VII Conferência da ONU para revisar o “UN SET”, realizada em

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


2015, por exemplo, Eleanor Fox (2015) discutiu os impactos concorrenciais

328 Além disso, esse tema fala, também, da responsabilidade do consumidor como sujeito que pode
afastar do mercado fornecedores de produtos e serviços que desprezam o Direito sob argumen-
tos econômicos. Afinal, consumir é um ato individual que tem impactos coletivos não apenas no
momento da escolha do produto e da formalização do consumo, mas também, após, impondo os
deveres de cuidado quando da manutenção e do descarte do produto, por exemplo.

329 A propósito, Marilena Chaui afirma: “é verdade que as lutas populares nos países de capitalismo
avançado ampliaram os direitos dos cidadãos e que a exploração dos trabalhadores diminuiu
muito, sobretudo com o Estado do Bem-Estar Social. No entanto, houve um preço a pagar: a
exploração mais violenta do trabalho pelo capital recaiu nas costas dos trabalhadores dos países
do então chamado Terceiro Mundo”. (CHAUI, 2012, p. 506)

330 Como noticia artigo recente a respeito de gigante da indústria de alimentos: (KELLY, 2016)

331 A psicanalista Diana Corso traz um exemplo contundente acerca da questão, contextualizando-a 241
com a onda atual de exibicionismo das redes sociais, ao narrar a experiência promovida por um
reality show norueguês: “promovido por um jornal norueguês, o Reality Show:  Sweatshop – Deadly
Fashion levou três jovens blogueiros de moda até o Camboja. Frida, Ludvig e Anniken trabalha-
ram por um mês, 12 horas por dia, numa fábrica onde são costuradas as roupas que eles usam e
promovem, em troca de uma quantia de dinheiro que eles costumam gastar no lanche. É claro
que a maior parte da série é dedicada às lágrimas, ao choque com a precariedade da vida daque-
les trabalhadores. O impacto foi ainda pior já que eles se perceberam parte da engrenagem que
escraviza aquelas pessoas. No capitalismo selvagem não existe luxo e desperdício sem produzir,
na outra ponta, sofrimento e miséria. Essa é a realidade de uma multidão invisível aos olhos dos
que não a partilham”. (CORSO, 2015, p. 23)
de práticas empresariais que utilizam técnicas de produção que compro-
metem o bem-estar e a saúde integral dos animais e do próprio ser hu-
mano, como é o caso da indústria alimentícia que cria galinhas, porcos e
bois, entre outros, em ambientes confinados e superlotados, com luz arti-
ficial, rações, hormônios e antibióticos, para que eles cresçam em tempo
recorde (factory farming) e sejam comercializados a preços “competitivos”.
Preços “competitivos” a que preço? O sacrifício332, já em vida, de animais
destinados ao sacrifício maior, a morte? Longe dos tempos bíblicos, o sa-
crifício de animais na Pós-modernidade é um sacrifício ao capital, o deus
da religião monoteísta da contemporaneidade.
Desse modo, verifica-se que são inúmeras as formas de se abordar o
tema da concorrência desleal, infração da ordem econômica que afeta o
consumidor indiretamente, ao corromper a dinâmica concorrencial, e que
poderá, também, afetá-lo diretamente, contanto que seja por meio dele,
consumidor, que ela se realize, como visto.

4.4 O fundamento do reconhecimento da proteção


direta do consumidor pela Lei n. 12.529/2011
Considerando que esta tese pretende propor o reconhecimento do
direito à concorrência ao consumidor é importante saber, entre outras
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

questões, por que motivo, afinal, há uma proteção direta do consumidor


na esfera concorrencial, conforme parte da doutrina aponta, podendo-se
falar em “direitos concorrenciais” a partir da realização de três hipóteses
de infrações da ordem econômica, que podem, inclusive, não apresentar
um discrímen nítido? Qual é o liame jurídico que permite reconhecer “di-
reitos concorrenciais” ao consumidor, ainda que não explicitamente posi-
tivados, no que tange às hipóteses de infração da ordem econômica deri-
242 vadas de (i) aumento arbitrário de lucros, (ii) exercício abusivo de posição
dominante e (iii) concorrência desleal?
Afinal, qual a diferença substancial entre aumento arbitrário de lu-
cros, concorrência desleal e exercício abusivo de posição dominante?

332 Segundo Horkheimer e Adorno (1985, p. 59), “a instituição do sacrifício é ela própria a marca de
uma catástrofe histórica, um ato de violência que atinge os homens e a natureza igualmente”.
Não se poderia afirmar que todo exercício abusivo de posição dominante
encerra um ato de concorrência desleal? E quanto à hipótese de aumen-
to arbitrário de lucros, cuja definição é complexa? Acaso não seria, como
apontado, “arbitrário” apenas o aumento que decorre de abuso de posi-
ção dominante (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 521)? Como defini-lo?
O laço comum entre as três hipóteses de infração da ordem econômica,
para além da configuração de um ato ilícito, previsto no art. 927333 do CC e
no art. 47 da Lei n. 12.529/2011, passível de reparação, é a inobservância do

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


princípio da boa-fé e o abuso de direito334, estampado no art. 187 do Código
Civil (CC), que prevê: “art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um
direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo
seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
É interessante observar que, na Argentina, o Codigo Civil y Comercial de
la Nacion, o chamado “Código Lorenzetti”, estabelece o princípio da boa-fé
e veda o exercício abusivo de direitos, prevendo expressamente que se
aplicam o princípio da boa-fé e a vedação ao exercício abusivo de direitos
ao abuso de posição dominante no mercado, sem prejuízo da aplicação

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


de leis especiais, em demonstração clara do diálogo das fontes entre as
disposições de cunho cível, comercial e concorrencial335:

ARTICULO 9o.– Principio de buena fe. Los derechos deben ser ejercidos de buena fe.
ARTICULO 10.– Abuso del derecho. El ejercicio regular de un derecho propio o el cumpli-
miento de una obligación legal no puede constituir como ilícito ningún acto.
La ley no ampara el ejercicio abusivo de los derechos. Se considera tal el que contraría los
fines del ordenamiento jurídico o el que excede los límites impuestos por la buena fe, la

333 Que dispõe: “art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

334 Para informações detalhadas, remete-se o leitor à obra de Bruno Miragem (2012).
243
335 Estabelece a lei concorrencial argentina: “ARTICULO 1º — Están prohibidos y serán sancionados de
conformidad con las normas de la presente ley, los actos o conductas, de cualquier forma manifestados, relacionados
con la producción e intercambio de bienes o servicios, que tengan por objeto o efecto limitar, restringir, falsear o dis-
torsionar la competencia o el acceso al mercado o que constituyan abuso de una posición dominante en un mercado,
de modo que pueda resultar perjuicio para el interés económico general”. Em tradução livre: Art. 1o − estão
proibidos e serão sancionados de acordo com as normas da presente lei, os atos ou condutas, de
qualquer forma manifestados, relacionados com a produção e o intercâmbio de bens ou serviços,
que tenham por objeto ou efeito limitar, restringir, falsear ou distorcer a concorrência ou o acesso
ao mercado ou que constituam abuso de uma posição dominante em um mercado, de modo que
possa resultar prejuízo para o interesse econômico geral. (ARGENTINA, 1999)
moral y las buenas costumbres.
El juez debe ordenar lo necesario para evitar los efectos del ejercicio abusivo o de la situaci-
ón jurídica abusiva y, si correspondiere, procurar la reposición al estado de hecho anterior
y fijar una indenización.
ARTICULO 11.– Abuso de posición dominante. Lo dispuesto en los artículos 9° y 10 se
aplica cuando se abuse de una posición dominante en el mercado, sin perjuicio de las dis-
posiciones específicas contempladas en leyes especiales336. (ARGENTINA, 2014)

Contudo, Sergio Varella Bruna entende não ser adequado transportar


os conceitos de abuso de direito e de desvio de poder para a esfera con-
correncial, já que

o exercício de poder econômico não estará tão intimamente ligado ao in-


teresse público, como ocorre com a atividade da Administração; mas tam-
bém não se admite ser ele o exercício de um mero direito subjetivo, de
cunho privado – não há, com efeito, direito ao poder econômico, que, se
existisse, deveria contemplar a todos. Modernamente, apenas ocorre que
o poder econômico já não mais é tido como uma anomalia – não sendo ilí-
cito em si – mas sim como um dado estrutural, que contracena com outras
forças sociais com vistas à consecução de determinadas finalidades. Mas a
idéia de desvio de função, comum aos institutos de abuso do direito e de
desvio de poder, parece ser muito útil no campo da conceituação do abuso
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

do poder econômico, eis que opera com grande eficiência, seja em clima
de liberdade ou de autoridade, não havendo razões para crer que também
assim não o será, onde liberdade e autoridade se interpenetrem, como é
comum no campo do Direito Econômico (BRUNA, 2001, p. 167).

244 336 Em tradução livre: ARTIGO 9o. O princípio da boa fé. Os direitos devem ser exercidos de boa-fé.
ARTIGO 10. Abuso de direito. O exercício regular de um direito ou o cumprimento de uma obri-
gação legal não pode constituir nenhum ato ilegal.
A lei não protege o abuso de direitos. Considera-se como tal o ato que contraria os propósitos do
ordenamento jurídico ou o que excede o limites impostos pela boa-fé, pela moral e pelos bons
costumes.
O juiz deve ordenar o necessário para evitar os efeitos do exercício abusivo ou da situação jurí-
dica abusiva e, se for o caso, procurar a reposição ao estado anterior e fixar uma indenização.
ARTIGO 11. Abuso de posição dominante. As disposições dos arts. 9o e 10 são aplicadas quando
se abuse de uma posição dominante no mercado, sem prejuízo das disposições específicas con-
tidas nas leis especiais.
No que tange ao tema da diferença entre o uso e o abuso da posição
dominante, Paula Forgioni aponta que é útil a utilização do art. 187 do
CC. Contudo, segundo a autora, tal utilização, tipicamente privada, não
é pertinente, pois “não toca ao direito antitruste a disciplina do respeito
mútuo às esferas de direitos dos sujeitos, mas sim a regulamentação do
mercado” (FORGIONI, 2012, p. 265). Assim, caberia entender a repres-
são ao abuso do poder econômico como coibição ao abuso dos direitos
de liberdade econômica, visando à implementação de políticas públicas

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


(IDEM, p. 266).
Essa perspectiva, com a devida vênia, não parece ter sido a adotada
pelo legislador, que, no art. 47 da Lei n. 12.529/2011, previu a possibilida-
de de os sujeitos prejudicados ingressarem em juízo para, em defesa de
seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação
de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o
recebimento de indenização por perdas e danos sofridos.
Além disso, o exame do ato abusivo não se limita apenas ao Direito
Civil, mas abrange outros ramos do Direito Privado, como é o caso ex-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


presso, no Direito brasileiro, por exemplo, do Direito da Concorrência337 e
do Direito do Consumidor, segundo aponta Bruno Miragem (2013), embo-
ra neste trabalho se considere que o Direito da Concorrência se trata de
ramo do Direito Público338, visto que predomina o interesse institucional e
público, da sociedade como um todo (BARROSO, 2015, p. 79), materializa-
do na instituição da concorrência. Nesse sentido, Miragem considera que
o Direito Concorrencial tem por fim permitir que o mercado funcione ou
funcione melhor (NUSDEO, 2013, p. 1197-1198), de forma que “as normas
jurídicas de defesa da concorrência possuem uma característica marcada-
mente intervencionista”. Sua própria existência “supõe a incapacidade de
os agentes econômicos regularem a si mesmos, e, neste sentido, tem um
nítido caráter restritivo da liberdade de atuação desses mesmos sujeitos” 245

(MIRAGEM, 2005, p. 148).

337 De forma diversa posiciona-se Tercio Sampaio Ferraz Junior, para quem o Direito Antitruste não
se qualifica facilmente como Direito Público e tampouco como Direito Privado. (FERRAZ JUNIOR,
2013, p. 17)

338 Nesse sentido, também Ricardo Lorenzetti (2011, p. 322).


Na UE identifica-se posição semelhante, como aponta Eugène Buttigieg
ao se referir ao dispositivo do então art. 82 do Tratado da Comunidade
Europeia (TCE), que, hoje, renumerado, está no art. 102 do TFUE:

generally speaking one may say that through the application of Article 82 EC the consu-
mer is indirectly protected as this provision curbs the abusive conduct of undertakings in
a dominant position which inevitably leads to lesser consumer choice and higher prices and
generally a loss in consumer well-being. But some practices may even target directly and
solely consumers rather than competitors or have a more direct effect on their interests339.
(BUTTIGIEG, 2009, p. 159, grifos do original).

Desde a década de 1970 há esse entendimento, desenvolvido


no âmbito do então Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias,
como demonstra o caso Europemballange e Continental Can 340, cuja
decisão também confirma a relevância do renumerado art. 102 do
TFUE como um instrumento direto para a proteção do consumidor
não apenas na hipótese prevista no art. 102, item b341, mas também

339 Em tradução livre: de um modo geral pode-se dizer que, através da aplicação do art. 82o CE o
consumidor está protegido indiretamente na medida em que esta disposição restringe a conduta
abusiva de empresas em posição dominante, o que leva inevitavelmente a menos opções de
consumo e a preços mais elevados e, geralmente, a uma perda de bem-estar do consumidor.
Mas algumas práticas podem até mesmo atingir os consumidores diretamente ao invés de os
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

concorrentes ou ter um efeito mais direto sobre os seus interesses.

340 Assim decidiu o Tribunal de Justiça, em acórdão: “trata-se de saber se, com a expressão «explora-
rem de forma abusiva», o art. 86.° se refere apenas aos comportamentos das empresas susceptíveis
de afectar directa mente o mercado, prejudiciais à produção e à distribuição, aos utilizadores ou
aos. consumidores, ou se se refere também às modificações estruturais da empresa que tenham
por efeito alterar gravemente a concorrência numa parte substancial do mercado. [...] É à luz destas
considerações que deve ser interpretada a condição imposta pelo art. 86 segundo a qual, para
ser proibida, a exploração de uma posição domi nante deve ter sido exercida de forma abusi-
va. Esta disposição enuncia um determinado número das práticas abusivas que proíbe. Trata-se
de uma enumeração a título exemplificativo, que não esgota as formas de exploração abusiva de
posição dominante proibidas pelo Tratado. Além disso, como resulta das alíneas c) e d) do n. 2,
246 esta disposição não se refere apenas às práticas susceptíveis de causar um prejuízo imediato aos
consumidores, mas também àquelas que lhes causam prejuízo por impedirem uma estrutura de
concorrência efetiva, tal como se infere no art. 3o, alínea f do Tratado. [...] Com efeito, para além
de, indepedentemente de qualquer infracção, poder ser considerada abusiva, a detenção de uma
posição dominante levada a um ponto tal que os objectivos do Tratado sejam prejudicados por
uma modificação tão substan cial da estrutura da oferta que a liberdade de comportamento do
consumidor no mercado seja gravemente comprometida, a eliminação prática de qualquer concor
rência entra necessariamente nesse quadro”. (UNIÃO EUROPEIA, 1973)

341 Que dispõe: “limitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento técnico em prejuízo dos
consumidores”.
genericamente como um princípio subjacente (BUTTIGIEG, 2009, p.
160). Com efeito, durante a Copa do Mundo de futebol, que ocorreu
na França, em 1998, o Comité français d’organisation de la Coupe du Monde de
football de 1998 (CFO) realizou acordos relativos à venda ao público de
bilhetes para os jogos da fase final do campeonato. Ao adotar meios
restritivos disponibilizados ao público de fora da França para reser-
var bilhetes, o CFO abusou da sua posição dominante nos mercados
relevantes, uma vez que o seu comportamento teve o efeito de impor

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


condições comerciais injustas aos residentes comunitários de fora da
França, que deram origem a uma limitação do mercado em prejuízo
desses consumidores. Assim, a Comissão asseverou que:

embora a aplicação do artigo 82 exija frequentemente uma avaliação do


efeito de um comportamento da empresa na estrutura da concorrência
num determinado mercado, a sua aplicação na ausência de tal efeito
não pode ser excluída. Com efeito, os interesses dos consumidores
são protegidos pelo artigo 82, sendo tal proteção alcançada proibindo

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


o comportamento de empresas em posição dominante, que prejudica
uma concorrência livre e não falseada e que seja diretamente preju-
dicial para os consumidores. Assim, e tal como foi expressamente re-
conhecido pelo Tribunal de Justiça, o artigo 82 pode ser devidamente
aplicado, se for caso disso, a situações em que o comportamento da
empresa em posição dominante prejudica diretamente os interesses
dos consumidores apesar da ausência de qualquer efeito na estrutura
da concorrência (UNIÃO EUROPEIA, 2000b, ITEM 100).

Desse modo, percebe-se claramente que já há reconhecimento


jurisprudencial, no âmbito europeu, de uma proteção direta dos inte-
resses dos consumidores no plano concorrencial, proteção esta que
pode alcançar mesmo situações em que o comportamento de uma
247
determinada empresa em posição dominante prejudique diretamen-
te os interesses dos consumidores − e não apresente qualquer efeito
na estrutura da concorrência.
4.5 O diálogo entre a infração da ordem
econômica e a prática abusiva e o fundamento do
ne bis in idem
A partir da confirmação da possibilidade de a Lei n. 12.529/2011 pro-
teger diretamente o consumidor, faz-se necessário verificar o diálogo en-
tre a infração da ordem econômica e a prática abusiva a fim de identificar
as características comuns e díspares entre elas, bem como o fundamento
do ne bis in idem apontado pela doutrina.
Como visto, o diálogo das fontes é uma manifestação do multicul-
turalismo que caracteriza a contemporaneidade e da convivência com o
“diferente”. A presença do diálogo das fontes permite reduzir eventuais
antinomias não apenas para tornar o sistema jurídico coerente, não ape-
nas para confirmar a autoridade do Direito, mas para realizar os fins da
norma, os fins do Direito, enfim342. O diálogo das fontes permite, portanto,
uma atitude de abertura do jurista que analisa duas normas (in casu a Lei n.
8.078/1990 e a Lei n. 12.529/2011), para que uma possa completar a outra,
por meio da compreensão, recíproca, de suas lógicas próprias.
A análise da Lei n. 12.529/2011 e do CDC permite observar que algumas
condutas configuram, ao mesmo tempo, práticas abusivas (objeto de re-
pressão pelo SNDC) e infrações da ordem econômica (objeto de repressão
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

pelo SBDC), podendo-se falar em dupla capitulação dessas condutas343, o


que também é reconhecido pela jurisprudência, como demonstra o seguin-
te acórdão, da lavra do Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF4):

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS DIFUSOS AOS CONSUMIDORES. INFRAÇÕES


À ORDEM ECONÔMICA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA.
ABUSO DO PODER ECONÔMICO. GLP. DISTRIBUIDORAS. FORMAÇÃO DE
248
CARTEL. INDENIZAÇÃO. 1. O pedido feito com a instauração da demanda
emana de interpretação lógico-sistemática da petição inicial, não podendo
ser restringido somente ao capítulo especial que contenha a denominação

342 Algumas ideias aqui expostas basearam-se na palestra proferida pelo Professor Doutor Bruno
Miragem no Primer Congreso Sudamericano de Derecho del Consumidor, realizado em setembro de 2015
na Universidad Nacional del Litoral, em Santa Fe, na Argentina (MIRAGEM, 2015).

343 Para mais informações sobre o tema, remete-se o leitor à dissertação de Daniela Cravo (2013, p. 95).
“dos pedidos”. Devem ser levados em consideração, portanto, todos os re-
querimentos feitos ao longo da peça inaugural, ainda que implícitos. Assim,
se o julgador se ateve aos limites da causa, delineados pelo autor no corpo
da inicial, não há falar em decisão citra, ultra ou extra petita. Precedente
STJ. 2. A prova dos autos revela que as empresas distribuidoras de gás
agiam de forma concertada, em conluio, por meio da “Área Operacional
Metropolitana (na região de Porto Alegre/Canoas), enquadrando-se nos ar-
tigos 20 e 21 da Lei n. 8.884/94. 3. Determinada a vedação de práticas carte-
lizantes às rés a fim de permitir a livre concorrência no setor. 4. Com a car-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


telização e a adoção de métodos comerciais uniformes restou caracterizada
a prática comercial abusiva, vedada ao fornecedor nos termos do art. 39, X,
do Código de Defesa do Consumidor. 5. A responsabilidade civil das dis-
tribuidoras decorre do prejuízo causado aos consumidores, difusamente
considerados. 6. Mantida a indenização arbitrada em R$ 1.000.000,00 (um
milhão de reais), atualizado desde a propositura da ação (2 de outubro de
l997) pelos índices normalmente admitidos na Justiça Federal (UFIR e, a
partir de l° de janeiro de 2001, IPCA-E), acrescidos de juros moratórios de
1% ao mês, a contar da publicação da sentença. 7. Apelações improvidas
(BRASIL, TRF4, AC 5021730-87.2011.404.7100).

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Assim, uma mesma conduta pode ser considerada tanto prática abu-
siva quanto infração da ordem econômica, o que leva à pergunta: haveria
aí bis in idem? Para responder à questão, passa-se a analisar as disposições
legais e os estudos doutrinários dedicados ao tema.

A prática abusiva
O art. 6o, IV, do CDC dispõe que é direito básico do consumidor
“a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comer-
ciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abu-
sivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços”. Sobre o
249
tema, aliás, anota Ricardo Lorenzetti que a análise da cláusula abusiva
não deve estar desvinculada do Direito da Concorrência. Mais ainda,
a “eficácia na prevenção do uso de cláusulas abusivas radica em uma
adequada regulamentação do sistema concorrencial, de maneira que
não se produzam concentrações econômicas, e exista sempre liberda-
de de opção” (LORENZETTI, 1998, p. 238).
Embora o CDC não defina a prática abusiva, seu conceito, fluido e
flexível, envolve a ideia de desconformidade com os padrões mercado-
lógicos de boa conduta em relação ao consumidor. Ela é um gênero do
qual as cláusulas e a publicidade abusivas são espécie (BENJAMIN, 2011,
p. 374-375).
No art. 39, o CDC apresenta exemplos de práticas abusivas vedadas
ao fornecedor de produtos ou de serviços, como se infere:

art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras prá-


ticas abusivas:
I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento
de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quan-
titativos;
II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida
de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os
usos e costumes;
III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer
produto, ou fornecer qualquer serviço;
IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vis-
ta sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe
seus produtos ou serviços;
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;


VI – executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização
expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores
entre as partes;
VII – repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo con-
sumidor no exercício de seus direitos;
VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em
250
desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes
ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de
Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional
de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);
IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a
quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados
os casos de intermediação regulados em leis especiais;
X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.
XII – deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou
deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.
XIII – aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratual-
mente estabelecido.

Portanto, verifica-se que o CDC prevê um rol exemplificativo344 de


práticas abusivas, admitindo o reconhecimento de diversos comporta-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


mentos que, por sua natureza, ou pelo fato de ocorrerem no curso de uma
relação de consumo, caracterizam-se como violadores da boa-fé e da con-
fiança dos consumidores. Nesse sentido, a natureza da abusividade da
conduta dos fornecedores observa-se tanto pelo exercício de uma posição
dominante na relação jurídica, quanto pela contrariedade da conduta aos
preceitos de proteção da confiança e da boa-fé (MIRAGEM, 2014, p. 203).
É importante, aqui, destacar que é na proibição das práticas abusivas,
igualmente, que a intersecção entre os interesses individuais dos consu-
midores, os interesses de todos os consumidores e, mesmo, do próprio

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


mercado, se estabelece (IDEM). Isso porque, quando se examina o rol do
art. 39 do CDC, que enumera práticas abusivas vedadas aos fornecedo-
res, percebe-se que em muitas delas há o objetivo de regular relação de
consumo individualmente considerada, assim como assegurar ao mercado
de consumo confiança, tendo em vista a repercussão geral que a conduta
abusiva vedada pode alcançar (IDEM).
Esse é o caso da proibição de venda casada (art. 39, I do CDC), da recu-
sa de venda de bens ou prestação de serviços mediante pronto pagamento
(art. 39, IX, do CDC) e da elevação de preços sem justa causa (art. 39, X, do
CDC), cuja repercussão sobre as relações de consumo ultrapassa o interes-
se individual dos consumidores para alcançar o interesse geral de eficiência
251
do mercado de consumo, com intersecções em outros setores como é o
caso do Direito da Concorrência, em que essas disposições são qualificadas
como infrações da ordem econômica (MIRAGEM, 2014, p. 203).

344 Em adição à lista exemplificativa do art. 39 do CDC, também são reputados abusivos todos os
métodos comerciais coercitivos (art. 6o, IV), assim como todas as tentativas de acionar o consumi-
dor em jurisdicções longínquas. (BENJAMIN, 2011, p. 376).
A partir disso, observa-se que a efetivação de uma prática abusiva
por parte do fornecedor é um ato ilícito e nulo, sujeitando-o às sanções
e indenizações cabíveis (PFEIFFER, 2015, p. 220). Administrativamente,
o fornecedor sujeita-se à aplicação das sanções previstas no art. 56345 do
CDC. No campo cível, deverá indenizar o consumidor pelos danos morais
e materiais praticados (art. 6o , VII, do CDC). Finalmente, observa-se que
algumas práticas estão, também, tipificadas criminalmente, conforme dis-
põe o art. 7o da Lei n. 8.137/1990, que trata dos crimes contra as relações
de consumo.
Segundo Roberto Pfeiffer, para a configuração da prática abusiva,
é necessário que ela tenha sido realizada no âmbito de uma relação
de consumo, que pressupõe a presença de um consumidor e de um
fornecedor. A realização de uma prática abusiva requer, ainda, a impo-
sição de uma desvantagem ao consumidor pelo fornecedor, não sendo,
porém, necessária a concretização de um dano concreto ao consumidor
e tampouco a demonstração de efeitos limitadores da concorrência.
Basta, assim, a potencialidade do dano, sendo desnecessária sua con-
sumação (PFEIFFER, 2015, p. 220).

A infração da ordem econômica


SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

Para efeitos de caracterização da infração da ordem econômica, o art.


36, caput, da Lei n. 12.529/2011 inclui toda e qualquer conduta que possa,
de alguma forma, prejudicar a concorrência, sem distinção entre acordos,
abusos ou concentrações (FORGIONI, 2012, p. 129). Assim, faz-se necessá-
ria a realização de um ato, independentemente de culpa e de sua forma,

345 Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às
252 seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em
normas específicas:
I – multa;
II – apreensão do produto;
III – inutilização do produto;
IV – cassação do registro do
produto junto ao órgão competente; V – proibição de fabricação do produto;
VI – suspensão de
fornecimento de produtos ou serviço;
VII – suspensão temporária de atividade;
VIII – revogação
de concessão ou permissão de uso;
IX – cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;
X – interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade; XI – intervenção
administrativa;
XII – imposição de contrapropaganda. Parágrafo único. As sanções previstas neste
artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser
aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de proce-
dimento administrativo.
que objetive ou possa produzir algum dos seguintes efeitos, ainda que
esses efeitos não sejam produzidos: (i) limitar, falsear ou de qualquer for-
ma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa, (ii) dominar merca-
do relevante de bens ou serviços, (iii) aumentar arbitrariamente os lucros
e (iv) exercer de forma abusiva posição dominante. 
As práticas consideradas abusivas pelo CDC não se confundem com
as infrações da ordem econômica previstas na Lei n. 12.529/2011. Enquanto
a prática abusiva pressupõe uma conduta contrária às prescrições do CDC

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


e a imposição de uma desvantagem ao consumidor, sem a exigência de
produção de efeitos sobre o mercado, a infração da ordem econômica é
um tipo aberto, que demanda a análise de sua capacidade de produzir
efeitos e de sua “razoabilidade” (PFEIFFER, 2015, p. 229). Assim, condutas
que prejudicam os consumidores sem impactar a concorrência não confi-
guram infração da ordem econômica, podendo, porém, ser enquadradas
como práticas abusivas, o que enseja a utilização da legislação consume-
rista para sua repressão (IDEM, p. 217-218).
Observa-se, nesse contexto, que tanto o CDC quanto a lei concorrencial

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


estabelecem um rol de condutas exemplificativas que, tendo em vista seu
objetivo ou efeito, ainda que potencial, de gerar prejuízos ao consumidor e
ao mercado, são capituladas como ilícitos administrativos, cíveis e criminais
(CRAVO, 2013, p. 95). Com efeito, uma mesma conduta pode ser considerada
infração da ordem econômica e prática abusiva caso os pressupostos especí-
ficos de cada uma estejam presentes, uma vez que são distintos os subsiste-
mas jurídicos e as esferas protetivas e diversos os fundamentos para lastrear
a tipificação. A título exemplificativo, a partir do momento em que a venda
casada (tipificada no inc. XVIII do § 3o do art. 36 da Lei n. 12.529/2011) impli-
que a incidência de um dos incisos do art. 36, caput e incisos, será considerada
contrária à ordem econômica (FORGIONI, 2012, p. 131), sem prejuízo de ser
considerada, também, prática abusiva, conforme estipula o art. 39, I, do CDC. 253

O fundamento do ne bis in idem


Embora o princípio ne bis in idem não esteja expressamente previsto
na CRFB/88, é pacífico na doutrina e na jurisprudência a sua incorporação
ao sistema jurídico nacional (MARTINEZ, 2013, p. 249). Mesmo assim, per-
cebe-se que a Constituição de 1988 autoriza a cumulação de sanções im-
postas por diferentes sistemas às mesmas pessoas ao prever, por exem-
plo, no art. 225, § 3o, que “as condutas e atividades consideradas lesivas
ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a
sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados”.
Já o art. 173, § 5o, da CRFB/88, segundo o qual “a lei, sem prejuízo da
responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelece-
rá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua
natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e con-
tra a economia popular” não é tão claro ao estabelecer a possibilidade de
cumular sanções contra as mesmas pessoas, já que apenas prevê que pes-
soas jurídicas também serão responsabilizadas por tais atos, sem prejuízo
da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica (IDEM).
Essa é, também, a posição do CADE (IDEM), exemplificada pelo
voto do Conselheiro-Relator Fernando de Oliveira Marques nos autos do
Processo administrativo n. 8012.003208/99-85:

a Lei n. 7.347/85 disciplina a Ação Civil Pública de responsabilidade por


danos causados, entre outros, ao consumidor, visando a resguardar, de
maneira imediata, direitos causados aos consumidores, v.g., resultantes de
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

infração à ordem econômica. Visa, de forma mediata, a proteção à ordem


econômica na medida em que, em última análise, implica proteção ao con-
sumidor, um dos principais beneficiários da tutela por essa via de ação.
A Lei 8.884/94, a seu turno, tem por escopo banir as práticas cerceadoras
da livre concorrência, que infrinjam a ordem econômica, pela ótica, em um
primeiro momento, da defesa da concorrência. Visa, v.g., coibir acordos en-
tre empresas concorrentes na medida em que eles sejam prejudiciais ao
pleno funcionamento do mercado.
254
Por sua vez, a Lei 8.137/90, vem a resguardar a ordem econômica sob o
ponto de vista penal, considerando infrações as condutas que venham a
prejudicar a ordem tributária, econômica e as relações de consumo.
As três disposições têm pontos em comum, porquanto abraçam parcelas
fáticas relevantes pertencentes a um mesmo conjunto de fatos sociais, seu
objeto, representado em geral pela relação entre as empresas num merca-
do de livre concorrência.
Todavia, em incursão mais acurada na questão, temos que, como dito, há
três diplomas legais distintos que recaem sobre um mesmo fenômeno fá-
tico, porém, que lhe tocam faces distintas vislumbrando finalidades dis-
tintas, de modo que, seria precipitado assentir a derrogação de uns pelos
outros, sobretudo por travarem uma relação de complementaridade e não
de contradição (BRASIL, CADE, PA 8012.003208/99-85).

No que tange ao tema da infração da ordem econômica e da prática abu-


siva, como visto, segundo Roberto Pfeiffer, há a necessidade de existência de

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


poder de mercado para definir um ato como infração da ordem econômica.
Dessa forma, em sua perspectiva, para que a venda casada, por exemplo,
possa ser considerada uma infração da ordem econômica, é necessária a pre-
sença de poder de mercado. Assim, para o autor, a venda casada praticada
por um agente econômico com poder de mercado é um ato ilícito que infrin-
ge, concomitantemente, o Direito do Consumidor e o Direito da Concorrência
e pode, enfim, ser apurada de forma paralela pelas respectivas autoridades
competentes (SNDC e SBDC) (PFEIFFER, 2010, p. 138, 145).

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Entende-se, porém, que a venda casada, como, de resto, qualquer
outra conduta, constitui infração da ordem econômica contanto que impli-
que a incidência de um dos incisos do art. 36, caput e incisos, como visto.
Nessa hipótese, ela será passível de repressão pelo SBDC, sem prejuízo
da repressão, concomitante, pelo SNDC.
Verifica-se, portanto, a ausência de bis in idem, visto que os subsis-
temas jurídicos são distintos e que há uma diversidade de fundamentos
para lastrear a tipificação (PFEIFFER, 2015, p. 230) da prática abusiva e
da infração da ordem econômica. Nesse contexto, colaciona-se entendi-
mento similar do STJ, de 2011, exarado quando do julgamento do Recurso
Especial (REsp) n. 1.181.643/RS, relatado pelo Ministro Herman Benjamin,
que em seu voto apontou:
255

não haveria qualquer bis in idem entre ações individuais, civis públicas, pe-
nais e processos administrativos, porquanto possuidores de escopos dis-
tintos e cumuláveis. Eventuais aspectos de coordenação entre demandas
concomitantes seriam dirimidos, p. ex., pela disciplina dos efeitos civis de
sentenças penais, quando aplicáveis (BRASIL, STJ, REsp n. 1.181.643/RS,
grifos do original)
Assim, é absolutamente possível que existam ações judiciais, paralelas,
baseadas em hipóteses em que uma conduta esteja coincidentemente tipifi-
cada como infração da ordem econômica e como prática abusiva: o consumi-
dor, lesado, pode demandar contra o agente econômico que tenha realizado,
por exemplo, uma venda casada enquanto prática abusiva e enquanto infra-
ção da ordem econômica (se presentes os requisitos para tanto), como prevê
o art. 47 da Lei n. 12.529/2011. Está-se diante, portanto, de duas “vias” com
vista à proteção do consumidor, não havendo nenhum obstáculo que o im-
peça de defender-se, concomitantemente, da infração da ordem econômica,
quando ela prejudique “seus interesses individuais ou individuais homogê-
neos” (enfim, violando seus direitos), e da prática abusiva.
Por fim, é necessário referir a disposição do art. 35 da Lei n. 12.529/2011,
que dispõe que a repressão das infrações da ordem econômica não exclui
a punição de outros ilícitos previstos em lei. 
Essa possibilidade, que não foi uma opção gratuita do legislador e que
amplia os instrumentos de implementação da Lei n. 12.529/2011, atende,
entre outros, à defesa do consumidor e é necessária simplesmente porque
há situações em que o consumidor (assim como outros eventuais prejudi-
cados) é lesado pela prática de uma infração da ordem econômica que não
constitua, simultaneamente, prática abusiva, tema analisado a seguir.
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

A proteção do consumidor em face da infração da


ordem econômica, para além da proteção em face
da prática abusiva
Como se verificou no tópico anterior, em que o diálogo entre a infra-
ção da ordem econômica e a prática abusiva foi analisado, há condutas
que podem configurar, ao mesmo tempo, infrações da ordem econômi-
256 ca, previstas na Lei n. 12.529/2011, e práticas abusivas, previstas no CDC.
Como existem requisitos distintos para caracterizá-las e os subsistemas e
as esferas jurídicas são diversos, havendo diversidade de fundamentos
para justificar sua tipificação, não há falar em bis in idem (PFEIFFER, 2015,
p. 229-230).
Há, porém, condutas que, apesar de tipificadas como infração da or-
dem econômica, não constituem prática abusiva. Esse é o caso, por exem-
plo, da prática de preço predatório, conduta tipificada como infração da
ordem econômica no art. 36, XV, da Lei n. 12.529/2011 e que objetiva lesar
o consumidor a longo prazo − quem pratica preço predatório não o faz por
altruísmo −, mas que não constitui prática abusiva.
Outros exemplos de infração da ordem econômica que não consti-
tuem prática abusiva envolvem os acordos entre agentes econômicos,
como o cartel, previsto no art. 36, § 3o, I, a identidade de atuação comer-
cial, prevista no art. 36, § 3o, II, a imposição de barreiras à entrada, prevista

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


no art. 36, § 3o, III, a obstaculização da atuação de concorrentes e afins,
prevista no art. 36, § 3o, IV, o impedimento de acesso de concorrentes
a insumos e afins, previsto no art. 36, § 3o, V, a restrição de publicidade,
prevista no art. 36, § 3o, VI, a regulação de mercados, prevista no art. 36,
§ 3o, VIII, o dano a matérias-primas e afins, previsto no art. 36, § 3o, XIII, a
conturbação da exploração de direitos de propriedade industrial ou afins,
prevista no art. 36, § 3o, XIV, a cessação injustificada das atividades empre-
sariais, prevista no art. 36, § 3o, XVII, o exercício ou exploração abusivos de
direito de propriedade industrial ou afins, previsto no art. 36, § 3o, XIX etc.

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Assim, como se percebe, há casos que, inobstante o fato de não con-
figurarem prática abusiva, prejudicam o consumidor. E, se tais casos con-
figurarem infração da ordem econômica, abre-se a possibilidade de os
prejudicados, entre os quais está o consumidor, utilizarem-se do direito
de ação previsto no art. 47 da Lei n. 12.529/2011.
Além disso, recorda-se, mais uma vez, que, na UE, onde se reconhece
que “a proteção dos interesses dos consumidores e, por conseguinte, dos
cidadãos europeus, é a trave-mestra da política de concorrência”346, há
uma interpretação interessante, por parte da Comissão Europeia, sobre
o conceito de abuso de posição dominante. Assim, para esta, o art. 102
do TFUE não visa apenas a proibição de comportamentos de empresas
em posição dominante que incidam sobre a estrutura da concorrência, 257

mas também de comportamentos de exploração sobre consumidores


(BUTTIGIEG, 2009, p. 159-160), definidos sumariamente como comporta-
mentos tendentes a extrair vantagens que não poderiam ter sido auferi-

346 Prefácio do professor Mario Monti ao XXIX Relatório sobre a Política de Concorrência. (UNIÃO
EUROPEIA, 2000a, p. 5-6)
das na ausência de uma posição dominante (SILVA, 2012, p. 2), de onde se
extrai que, para tanto, não é necessária a presença do abuso de posição
dominante. Além disso, o art. 102 do TFUE pode ser aplicado ainda que
o comportamento de uma determinada empresa, em posição dominante,
embora não cause qualquer efeito na estrutura da concorrência, preju-
dique diretamente os interesses dos consumidores (UNIÃO EUROPEIA,
2000b, ITEM 100).

4.6 Conclusão parcial


A hierarquia constitucional da defesa do consumidor projeta-se na le-
gislação infraconstitucional, especialmente no CDC (PASQUALOTTO, 2009,
p. 82), mas não apenas. Ela se estende sobre a Lei n. 12.529/2011 com
especial vigor, considerando que a concorrência se trata de uma institui-
ção que se vincula fortemente ao ato de consumo. Então, a partir de uma
interpretação das normas concorrenciais com o sentido e o alcance dos
valores, princípios, regras e postulados constitucionais, tendo em vista a
unidade do sistema jurídico, observa-se que, para além de uma proteção
indireta, há uma proteção direta do consumidor por tais normas, o que
permite verificar que, em determinados casos, o consumidor é passível
de titularizar direitos concorrenciais.
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

Além disso, percebeu-se, neste capítulo, que:


a. a Lei n. 12.529/2011 apresenta controles preventivo e repressivo
das infrações da ordem econômica,
b. há uma celeuma marcante na doutrina nacional e que destoa da
aproximação que o Direito da Concorrência e do Consumidor e suas res-
pectivas políticas vêm apresentando,
c. a lei concorrencial, na medida em que é, também, uma lei voltada à
258 defesa do consumidor, poderá ser utilizada caso a conduta do agente eco-
nômico (fornecedor-concorrente), ao configurar infração da ordem econô-
mica, prejudique o consumidor, hipótese em que a defesa do consumidor
será reforçada, como estabelece o art. 47 da Lei n. 12.529/2011,
d. a Lei n. 12.529/2011, uma lei de repressão ao abuso do poder eco-
nômico, é reconhecidamente uma lei que oferece proteção a diversos in-
teresses, destacando-se (i) que a coletividade é a titular dos bens jurídi-
cos protegidos pela Lei n. 12.529/2011, conforme dispõe o art. 1o, (ii) que
o art. 36, caput, trata da livre concorrência, da livre iniciativa e da proteção
“daqueles que se encontram em posição de sujeição em relação ao titular
de poder econômico ou de posição dominante” e (iii) que o art. 88, § 6o,
prevê a possibilidade de autorização de atos de concentração econômica
restritivos da concorrência, desde que, entre outros critérios,
sejam re-
passados aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes
desses atos, disposição que tem amparo na teoria da justiça distributiva,

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


e. para além da tradicional proteção indireta do consumidor, perce-
bem-se evidências de um reconhecimento parcial, na literatura, de uma
proteção direta do consumidor, em três situações específicas, no âmbito
das infrações da ordem econômica. Na literatura, identificam-se alguns
doutrinadores que sustentam essa posição, cada um à sua maneira. Eles
são Calixto Calomão Filho, Paula Forgioni e Ana Paula Martinez,
f. o consumidor é protegido pela Lei n. 12.529/2011 de formas diver-
sas: (i) indiretamente, pela proteção da concorrência, uma instituição e
um bem jurídico, (ii) diretamente, pela presença de interesses seus, no

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


âmbito da autorização de atos de concentração econômica com efeitos
restritivos à concorrência, conforme estabelece o art. 88, § 6o, da Lei n.
12.529/2011 e (iii) diretamente, pela presença de interesses e direitos
seus, se, de uma infração da ordem econômica, resultar-lhe prejuízo,
g. tal posição é compartilhada pelo Direito Concorrencial europeu,
que a aprofundou ao aplicar o art. 102 do TFUE a situações em que o com-
portamento da empresa em posição dominante prejudique diretamente
os interesses dos consumidores apesar da ausência de qualquer efeito na
estrutura da concorrência,
h. a arquitetura do controle dos atos de concentração econômica, con-
forme prevista pela Lei n. 12.529/2011, ao prever o repasse de parte subs-
tancial dos benefícios inerentes ao ato de concentração econômica auto- 259

rizado aos consumidores, demonstra que o ato que apresente restrições


concorrenciais poderá ser autorizado se e somente se a Administração
puder assegurar que haverá a partilha de benefícios, sob pena de haver
uma interpretação contra legem – o que reafirma a adoção do price standard e
suas variações e sugere a adoção, também, do consumer surplus standard na
ausência de modelo mais abrangente e que permita pensar o bem-estar
do consumidor na perspectiva de um well-being, o que demanda uma abor-
dagem que considere critérios para além do preço e
i. qualquer conduta que constitua prática abusiva e, também, infração
da ordem econômica é passível de repressão pelo SBDC, sem prejuízo da
repressão, concomitante, pelo SNDC, havendo aí ne bis in idem, posto que
os subsistemas jurídicos concorrencial e consumerista são distintos e que
há uma diversidade de fundamentos para lastrear a tipificação da prática
abusiva e da infração da ordem econômica.
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

260
CAPÍTULO 1

Direito à Informação
5 O DIREITO e Acesso
À CONCORRÊNCIA:
a Documentos
O RECONHECIMENTO Governamentais:
DE UM
breve
NOVO estudo do Direito
DIREITO canadense
FUNDAMENTAL
À DEFESA
Luiz Guilherme Loureiro DO CONSUMIDOR

Neste capítulo, o último do presente trabalho, im-


pende analisar a possibilidade de extrair-se, a partir da
análise legislativa, jurisprudencial e doutrinária realizada
até o momento, o reconhecimento de um direito à con-
corrência, derivado das normas constitucionais, concor-
renciais e consumeristas, sob a perspectiva da defesa do
consumidor. Verificar-se-ão, assim, a seguir, as caracterís-
ticas dos direitos humanos e fundamentais para que se
possa compreender a natureza e o significado daquilo
que, supõe-se, seja o direito à concorrência, na hipótese
de se confirmar seu reconhecimento, além de suas con-
sequências pragmáticas no sistema jurídico, entre elas a
efetividade de tal direito.

5.1 Os direitos humanos e


fundamentais
Os direitos humanos
A ideia de “direito humano” está carregada de sub-
jetivismo. Ela é inerente ao homem (LORENZETTI, 1998,
p. 160) e, em sua concepção contemporânea, dada pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e
pela Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, caracteriza-se
pela universalidade e pela indivisibilidade (PIOVESAN, 2010, p. 96).
Segundo Hannah Arendt, os direitos humanos, identificados com os
valores mais importantes da convivência humana (COMPARATO, 2010, p.
38), não são um dado, mas um construído347da convivência coletiva, que
requer o acesso a um espaço público comum. E, nesse sentido, é o direito
de pertencer a uma comunidade política que permite a construção de um
mundo comum por meio de um processo de reconhecimento dos direitos
humanos, que estão, assim como o homem, em constante processo de
construção e reconstrução (ARENDT, 1989). Por isso, a ideia de “gerações
de direitos”, como se houvesse uma sucessão, não é adequada.
Há, sim, uma expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos hu-
manos, consoante uma visão necessariamente integrada de todos os direi-
tos humanos (TRINDADE, 1995, p. 33), de modo que a ideia de existência
de várias dimensões de direitos é mais apropriada, já que reflete a pró-
pria natureza humana: as necessidades do homem são infinitas, inesgotá-
veis, o que explica estarem em constante redefinição e recriação, o que,
por sua vez, determina o surgimento de novas espécies de necessidades
do ser humano (TAVARES, 2012, p. 500), que apresenta a característica sin-
gular de um permanente inacabamento (eine ständige Unabgeschlossenheit) 348.
A discussão sobre os direitos do homem tem suas bases na Filosofia
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

jusnaturalista, como visto no terceiro capítulo deste trabalho, a partir da


hipótese da existência de um estado de natureza em que os direitos do
homem são poucos e essenciais: o direito à vida e à sobrevivência, o di-
reito à propriedade, o direito à liberdade, enfim, direitos passíveis de pôr
limites aos comportamentos opressivos (cujo marco histórico pode ser
considerado a Magna Carta349, de 1215). Para a teoria kantiana, que pode

262
347 Assim Riobaldo, em “Grande Sertão: Veredas”: “mire veja: o mais importante e bonito, do mun-
do, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas − mas que elas
vão sempre mudando. Afinam ou desafinam”. (GUIMARÃES ROSA, 2001, p. 39)

348 Como aponta Fábio Konder Comparato, ao citar a obra heideggeriana Sein und Zeit. (COMPARATO,
2010, p. 42)

349 Refere-se que, “na realidade, não se pode dizer que as normas da Magna Carta constituam uma
afirmação de caráter universal, de direitos inerentes à pessoa humana e oponíveis a qualquer
governo. O que ela consagrou, de fato, foram os direitos dos barões e prelados ingleses, restrin-
gindo o poder abslouto do monarca. Todavia, essa afirmação de direitos, feita em caráter geral
ser considerada como a conclusão dessa primeira fase da história dos di-
reitos do homem, que culmina nas primeiras declarações que reconhece-
ram direitos do e ao homem e que serviram de premissa às Constituições
nacionais a partir do final do século XVIII – com a distinção clássica entre
direitos naturais (moral rights) e direitos positivos (legal rights), surgidos pela
primeira vez na Inglaterra, em 1689, no Bill of Rights –, não mais enunciadas
por filósofos, e portanto sine imperio, mas por detentores do poder estatal,
e portanto, cum imperio, o homem natural tem um único direito, o direito

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


de liberdade, esta entendida como a “independência em face de todo
constrangimento imposto pela vontade de outro”, já que todos os demais
direitos, incluído o direito à igualdade, estariam compreendidos nele
(BOBBIO, 1992, p. 73-75, 78, 82).
Aponta-se, tradicionalmente, que os direitos humanos desenvolve-
ram-se em ondas. A primeira dimensão contém direitos civis e políticos
e inclui os direitos desenvolvidos na Inglaterra e na França durante os
séculos XVII e XVIII. Esses direitos, atrelados ao ideário característico do
Estado liberal (TAVARES, 2012, p. 501), são categorizados como direitos

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


negativos (omissivos), já que requerem a abstenção de comportamentos
estatais, em oposição aos direitos positivos (comissivos), que requerem
que determinados bens, serviços ou oportunidades sejam providos pelo
Estado (BENÖHR, 2013, p. 46-47). Nesse primeiro conjunto de direitos en-
contram-se, por exemplo, a proteção contra a privação arbitrária da liber-
dade350, a igualdade formal (perante a lei), a inviolabilidade do domicílio,
o devido processo legal e o segredo de correspondência. Além disso, per-
tencem à primeira dimensão as liberdades de ordem econômica, como a
liberdade de iniciativa, a liberdade de atividade econômica, a liberdade
de eleição da profissão etc. (TAVARES, 2012, p. 502)

263

e obrigando o rei da Inglaterra no seu relacionamento com os súditos, representou um avanço,


tendo fixado alguns princípios que iriam ganhar amplo desenvolvimento, obtendo a consagração
universal”. (DALLARI, 1995, p. 174)

350 Segundo Fábio Konder Comparato, “no embrião dos direitos humanos, portanto, despontou antes
de tudo o valor da liberdade. Não, porém, a liberdade geral em benefício de todos, sem distinções
de condição social, o que só viria a ser declarado ao final do século XVIII, mas sim liberdades espe-
cíficas, em favor, principalmente, dos estamentos superiores da sociedade − o clero e a nobreza −,
com algumas concessões em benefício do ‘Terceiro Estado’, o povo”. (COMPARATO, 2010, p. 58)
Já a segunda dimensão de direitos, que foi influenciada pelas revolu-
ções do século XIX e do início do século XX e consolidada após a Segunda
Guerra Mundial, caracteriza-se pela natureza econômica, social e cultural.
Esses direitos humanos eram vistos como um instrumento ou uma condi-
ção necessária para preservar a liberdade e a autonomia privada no mer-
cado. Direitos tipicamente socioeconômicos, como a garantia de um stan-
dard mínimo de vida, que inclui acesso à educação, saúde e previdência
social, passaram a ser vistos como prerrequisitos para uma vida autôno-
ma. Esses direitos caracterizam-se pela intervenção, e não pela abstenção
do Estado (BENÖHR, 2013, p. 47). Com essa dimensão, não há a pretensão
de os indivíduos se protegerem do Estado. Há, sim, a elaboração de um
rol de pretensões exigíveis do próprio Estado, que passa a ter de atuar
para satisfazer esses direitos (TAVARES, 2012, p. 503).
A terceira dimensão de direitos consiste em direitos que ainda não
foram reconhecidos como direitos humanos, mas que foram, apesar disso,
aprovados por várias organizações da ONU (BENÖHR, 2013, p. 47). Eles
incluem por ora o direito ao desenvolvimento e à paz, além de direitos
ambientais e culturais (IDEM) e costumam ser denominados como direi-
tos de solidariedade ou fraternidade (TAVARES, 2012, p. 503). Os direitos
de terceira dimensão caracterizam-se pelo fato de se desprenderam do
sujeito enquanto indivíduo singular, destinando-se à proteção de indiví-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

duos que compartilham laços comuns, como ocorre quando se reúnem em


família, compõem minorias étnicas, religiosas etc. Sua titularidade é, pois,
muitas vezes indefinida e indeterminável.
Mas, seria, afinal, o direito do consumidor um direito humano?
Embora o tema seja controverso, segundo Sinai Deutch, ele teria
potencial para tornar-se direito humano por conter características pró-
prias dos direitos humanos. Em primeiro lugar, o crescente reconheci-
264 mento internacional dos direitos do consumidor e standards de seguran-
ça em guidelines internacionais ou mesmo em tratados demonstraria a
aceitação universal (o consumidor é um conceito de validade universal
[PASQUALOTTO, 2009, p. 80]) dos direitos que envolvem a proteção da
pessoa humana enquanto consumidora. Além disso, os direitos do consu-
midor também seriam aplicáveis a todos os indivíduos, já que toda pes-
soa é, em algum momento, consumidora. Em segundo lugar, os direitos
do consumidor a produtos e serviços seguros e ao acesso à justiça seriam
garantidos para manter a existência e a dignidade humana. Em terceiro
lugar, esses direitos protegeriam contra violações realizadas por agentes
públicos ou privados (DEUTCH, 1994, p. 537-578).
O autor argumenta, ainda, que o consumidor, principalmente quando
considerado individualmente, sem qualquer apoio institucional, merece
uma proteção eficaz em face de grandes organizações empresariais, mo-
nopólios, cartéis e corporações multinacionais. Enfatiza-se, assim, a dispa-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


ridade de armas existente entre consumidor e fornecedor, a ausência de
condições negociais equivalentes, paritárias, algo que fulmina a autono-
mia do consumidor e deve, portanto, ser corrigido pelo Direito (DEUTCH,
1994, p. 552-553), por meio, sobretudo, do reconhecimento da vulnerabi-
lidade do consumidor.
Além disso, a caracterização dos direitos do consumidor como direi-
tos humanos demonstra o reconhecimento jurídico de uma necessidade
humana essencial, que é a necessidade de consumo (MIRAGEM, 2014, p.
54). E, na sociedade de consumo contemporânea, em que a população

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


transferiu-se massivamente do campo para a cidade, o consumo, pelo me-
nos o consumo de alimentos, mais do que uma necessidade, transforma-
-se em condição de sobrevivência351 (segurança alimentar), já que os ali-
mentos de que o homem precisa para sobreviver, pelo menos nos centros
urbanos, somente são acessíveis mediante um ato de consumo.
Essa consideração, assim, reforça, sob um viés pragmático, a necessida-
de de se reconhecer a natureza de direito humano ao direito do consumidor.

Os direitos fundamentais
Há uma questão terminológica essencial relacionada ao tema dos di-
reitos, na perspectiva dos direitos fundamentais, visto que ocorre o em- 265
prego indiscriminado de diversos vocábulos: direitos naturais, direitos hu-
manos, direitos do homem, direitos individuais, liberdades fundamentais,

351 „Im modernen Wirtschaftssystem ist der Bürger Käufer auf dem Markt für Konsum– und Existenzgüter. Der
Bürger als Verbraucher erwirbt diverse Waren und Dienstleistungen, um sein Dasein zu sichern und zu entfalten“.
Em tradução livre: no sistema econômico moderno o cidadão é comprador de bens de consumo
existenciais. O cidadão como consumidor adquire diversos produtos e serviços a fim de garantir
a sua existência e desenvolvimento. (AKIRA, p. 10)
liberdades públicas, entre outros (TAVARES, 2012, p. 492). Assim, parte da
doutrina tem utilizado a expressão “direitos fundamentais” para referir-se
aos direitos humanos positivados em determinado sistema constitucio-
nal, ao passo que a expressão “direitos humanos” tem sido empregada
para identificar posições jurídicas decorrentes de documentos internacio-
nais, sem vínculo com qualquer ordenamento interno específico e com
pretensão de validade universal (SARLET, 2009, p. 214), embora se refira
que os direitos humanos prescindem de um fundamento em uma norma
jurídica positivada, estando ancorados em princípios universais e neces-
sários da razão (BARZOTTO, 2005, p. 85). Há, porém, quem considere que
direitos fundamentais são direitos humanos reconhecidos expressamente
pela autoridade política (COMPARATO, 2010, p. 74). De forma concreta,
considera-se que os direitos fundamentais são formados pelas seguintes
categorias de direitos: direitos individuais, direitos políticos, sociais, eco-
nômicos e culturais (BARROSO, 2006, p. 97 e ss.).
Como visto, os direitos fundamentais caracterizam-se por apresentar
uma dimensão dupla, na condição de normas objetivas e de direitos subje-
tivos (SARLET, 2009, p. 141). No que tange à primeira dimensão, aponta-se
a decisão paradigmática, proferida em 1958, pelo Tribunal constitucional
federal alemão ao julgar o caso Lüth352, em que se asseverou que os di-
reitos fundamentais não se limitam à função precípua de direitos subjeti-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

vos de defesa do indivíduo contra atos do Poder Público, mas que, além
disso, constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da
Constituição, com eficácia em todo o ordenamento jurídico, fornecendo di-
retrizes para os Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo (IDEM, p. 143).
Com efeito, refere-se que um desdobramento dessa perspec-
tiva objetiva dos direitos fundamentais é a sua eficácia irradiante
(Ausstrahlungswirkung der Grundrechte), já que fornecem impulsos e diretrizes
266 para a aplicação e interpretação do Direito infraconstitucional, o que tam-
bém significa a necessidade de uma interpretação conforme aos direitos
fundamentais (IDEM, p. 147).

352 BVerfGE 7, 198, 1958. Trata-se de um caso julgado pelo Tribunal Constitucional alemão que en-
volveu conflito relacionado à liberdade de manifestação de pensamento entre particualres e dos
danos daí decorrentes. Informações detalhadas sobre o tema estão presentes na seguinte obra
de Duque, (2013, p. 66 e ss.)
Associada a esse efeito irradiante dos direitos fundamentais, desen-
volveu-se, ainda na década de 1950, também na Alemanha, a teoria sobre
a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas (Drittwirkung
der Grundrechte) (DUQUE, 2014, p. 63-64), que envolve a interpretação do
Direito Privado condicionada pela aplicação dos direitos fundamentais,
que não seriam oponíveis, portanto, apenas aos Poderes Públicos, mas,
também, aos particulares. Seu principal mérito é, assim, demonstrar que
nenhum âmbito jurídico pode ficar imune à incidência dos direitos funda-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


mentais (DUQUE, 2013, p. 71).
Desse modo, do conteúdo das normas de direitos fundamentais é
possível se extrair consequências para a aplicação e a interpretação das
normas procedimentais, mas também para uma formatação do direito or-
ganizacional e procedimental que auxilie na efetivação da proteção aos
direitos fundamentais, de modo a se evitarem os riscos de uma redução
do significado do conteúdo material deles (SARLET, 2009, p. 150).
No que tange à segunda dimensão, que é a subjetiva, entende-se
que os direitos fundamentais são fonte de direitos subjetivos para o par-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


ticular, oponíveis contra o Poder Público e os particulares (DUQUE, 2014,
p. 121-122), como visto, porque perfazem direitos individuais constitu-
cionalmente protegidos, o que ocorre sob a forma de direito subjetivo
(CANOTILHO, 2004).
Todavia, recorda-se que um direito fundamental na forma de um di-
reito subjetivo nem sempre está visível no texto constitucional, tendo em
vista que muitas vezes ele deve ser derivado no caminho da interpretação
(DUQUE, 2014, p. 122).
Além disso, observa-se que a perspectiva subjetiva dos direitos fun-
damentais baseia-se no valor outorgado à autonomia individual enquanto
expressão da dignidade da pessoa humana − o que não exclui, todavia,
a possibilidade, inclusive reconhecida pela CRFB/88, de atribuir-se a ti- 267

tularidade de direitos fundamentais subjetivos a certos grupos ou entes


coletivos (SARLET, 2009, p. 155).
Desse modo, percebe-se que a perspectiva subjetiva dos direitos fun-
damentais é ampla, havendo diversidade no que tange ao objeto, concreto,
do direito subjetivo fundamental, que se vincula aos seguintes fatores: (i) o
espaço de liberdade da pessoa individual não se encontra garantido de ma-
neira uniforme, (ii) a existência de inequívocas distinções concernentes ao
grau de exigibilidade dos direitos individualmente considerados, de modo
especial, em se considerando os direitos a prestações sociais materiais e
(iii) os direitos fundamentais constituem posições jurídicas complexas, no
sentido de poderem conter direitos, liberdades, pretensões e poderes da
mais diversa natureza e, mesmo, pelo fato de poderem dirigir-se contra di-
ferentes destinatários (SARLET, 2009, p. 152-153).
Tecidas essas considerações, passa-se à análise das características
do direito à concorrência, que o presente trabalho pretende reconhecer.

5.2 O direito à concorrência, uma proposta


de conceito
Já no Preâmbulo353 da CRFB/88 − que, embora não apresente força
normativa autônoma, pode ser empregado como reforço argumentativo
ou diretriz hermenêutica (SOUZA NETO; SARMENTO, 2016, p. 367) − o
constituinte fala em instituir um Estado Democrático destinado a assegu-
rar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança,
o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores su-
premos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
Além disso, a liberdade que o texto constitucional garante ao con-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

sumidor é objetivo da República, conforme prevê o art. 3o, I, da CRFB/88,


que apresenta o comprometimento com a construção de “uma sociedade
livre, justa e solidária”. Desse modo, “concretamente, no meio social, den-
tre as várias ações possíveis, a da pessoa designada como consumidora

353 O STF, ao julgar ADI envolvendo discussão sobre o preâmbulo da Constituição, entendeu que
ele não constitui norma central. Segundo o Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, o preâmbulo
não se situa no âmbito do Direito, mas no domínio da política. A seguir, a ementa do referido
268 julgamento: EMENTA: CONSTITUCIONAL. CONSTITUIÇÃO: PREÂMBULO. NORMAS CENTRAIS.
Constituição do Acre. I. – Normas centrais da Constituição Federal: essas normas são de repro-
dução obrigatória na Constituição do Estado-membro, mesmo porque, reproduzidas, ou não,
incidirão sobre a ordem local. Reclamações 370-MT e 383-SP (RTJ 147/404). II. – Preâmbulo da
Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma
de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa. III. – Ação direta
de inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI 2076, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO,
Tribunal Pleno, julgado em 15/08/2002, DJ 08-08-2003 PP-00086 EMENT VOL-02118-01 PP-00218).
Mais tarde, ao julgar recurso em mandado de segurança, o preâmbulo constitucional foi invocado
pelo Relator, Ministro Carlos Britto, como reforço argumentativo para consolidar a proteção de
direitos fundamentais. (BRASIL, STF, RMS 26.071/DF)
deve ser livre” (NUNES, 2012, p. 67), ideia subjacente ao próprio reconhe-
cimento da vulnerabilidade do consumidor e, portanto, da necessidade
de um tratamento protetivo capaz de corrigir tal fragilidade.
No capítulo dos direitos e das garantias individuais, a CRFB/88 garan-
te a todos a inviolabilidade do direito à liberdade (art. 5o , caput) para, em
seguida, instituir uma série de direitos mais específicos (liberdade de ma-
nifestação de pensamento, de consciência e de crença, de expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, de associação

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


para fins lícitos) e de garantias destinadas à efetivação da liberdade (rece-
bimento de informações dos órgãos públicos, impetração de mandado de
segurança ou de habeas corpus) (ÁVILA, 2014b, p. 233). Segundo Humberto
Ávila (2014b, p. 234),

liberdade jurídica significa, pois, o poder de escolha entre alternativas


comportamentais que evitem ou que amenizem riscos jurídicos, isto é,
consequências jurídicas, capazes de prognóstico e de controle, que afetam
decisões individuais. Liberdade envolve, assim, autonomia, e esta última

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


opõe-se a uma vida de escolhas forçadas ou sem escolha.

O tema se vincula claramente à teoria da escolha do consumidor (con-


sumer choice), que considera a relação entre o Direito da Concorrência e do
Consumidor, proposta por Neil Averitt e Robert Lande (1998, p. 44-63).
Segundo os autores, a escolha do consumidor, “o estado de coisas em
que o consumidor é verdadeiramente soberano, no sentido de ter o po-
der para definir seus próprios quereres e a habilidade de satisfazê-los a
preços não muito superiores aos custos suportados pelos fornecedores
de produtos e serviços relevantes”, existe quando duas condições funda-
mentais estão presentes, quais sejam, (i) existência de uma gama de op-
ções disponíveis para o consumidor, possibilitada pela concorrência, e (ii)
269
existência da possibilidade de os consumidores selecionarem livremente
entre essas opções (AVERITT; LANDE, 1998, p. 46).
A partir disso, surgem questões importantes: quão variáveis devem
ser as opções disponíveis no mercado? E quão livres de influências ex-
ternas devem ser os consumidores, constantemente alvo de estratégias
publicitárias que se reinventam354? Os autores não propõem a presença
de um número pré-determinado de opções, mas recordam o império do
Antitruste para proibir condutas empresariais que artificialmente limitem
a gama natural de opções disponíveis no mercado (até porque as leis
concorrenciais em geral permitem reduções artificiais do número de op-
ções, como é o caso do controle das concentrações econômicas) (AVERITT;
LANDE, 1998, p. 46).
Ademais, o Antitruste deveria considerar com atenção o papel da
competição naqueles segmentos em que ela não se vincula unicamente
ao fator preço (non-price competition), caso, por exemplo, dos setores de alta
tecnologia ou de mídia, em que a diversidade de opções pode interessar
muito mais ao consumidor do que o fator preço (IDEM, p. 45). Afinal, a
proteção da liberdade de escolha pressupõe a existência de um mercado
suficientemente competitivo que reflita a rivalidade entre os fornecedo-
res-concorrentes. Não se pode saber com antecedência o que os consu-
midores querem. O que se sabe, porém, é que os consumidores não que-
rem sempre mais e mais do mesmo a preços mais baixos, mas, também,
alternativas consistentes. É preciso, em síntese, oferecer ao consumidor a
chance de decidir por si mesmo (BEHRENS, 2014, p. 33), corrigindo, ainda
que parcialmente, a vulnerabilidade que lhe é inata.
É inevitável, por fim, não notar a proximidade da teoria da escolha
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

do consumidor com os postulados da Escola de Freiburg, vista anterior-


mente, já que fundamental para a existência de um processo de livre es-
colha e de descoberta (lembre-se que a concorrência é um processo de
descoberta, como visto) das melhores opções presentes no mercado não
é apenas a existência de um preço não alterado por condições artificiais
de oferta e de demanda, que portanto represente a utilidade marginal do
produto ou do serviço (como querem os neoclássicos), mas, também, a
270 existência de uma efetiva pluralidade real ou potencial de escolha entre
produtos e serviços, com base em preço, qualidade, preferências regio-
nais etc. (SALOMÃO FILHO, 1999, p. 265)

354 E inclusive se utilizam de redes sociais, dos digital influencers, para dissimular propagandas de
produtos e serviços.
Assim, percebe-se que a proteção da liberdade de escolha dos con-
sumidores é da essência do Direito da Concorrência e do Consumidor,
porque um “escudo” para infirmar a vulnerabilidade própria do sujeito
enquanto consumidor.
Enfim, pensa-se, como Averitt e Lande (2007, p. 175-264) e, ainda,
como Behrens (2014, p. 33-34), que the consumer choice approach is fundamen-
tally superior to the price and efficiency paradigms because it asks the right question355.
Uma possível resposta a essa questão envolve o fato de que concor-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


rência e eficiência não são a mesma coisa (POSNER, 1977, p. 1-20), tanto que

a merger that gives the acquiring firm a monopoly but in so doing reduces the costs of
serving the market to the extent that the monopoly price after the merger is lower than the
competitive market price was before the merger would be blocked by a competition autho-
rity that considers simply wether or not competition was reduced and ignores the efficiency
gains − this would not be in the interestes of consumer well-being356. (BUTTIGIEG,
2009, p. 79)

Desse modo, Richard Posner, por exemplo, aponta que há casos em

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


que

social welfare would be greater if the monopoly were permitted than if it were forbidden,
and since, in an economic analysis, we value competition because it promotes efficiency −
that is, as a means rather than as an end − it would seem that whenever monopoly would
increase efficiency it should be tolerated, indeed encouraged. On this view of antitrust,
competition is viewed “as a state in which consumer interests are well served rather than
as a process of rivalry that is diminished by the elimination of even one tiny rival”357.
(POSNER, 2001a, p. 28-29)

355 Em tradução livre: a abordagem da escolha do consumidor é fundamentalmente superior aos


paradigmas do preço e da eficiência porque propõe a questão correta.

356 Em tradução livre: uma concentração que dá à empresa aquisidora um monopólio, mas ao fazê-lo 271
reduz os custos de atendimento ao mercado na medida em que o preço de monopólio depois
da fusão é inferior ao preço de mercado competitivo antes da concentração seria bloqueada
por uma autoridade da concorrência que considerasse simplesmente se ou não a competição
foi reduzida e ignorasse os ganhos de eficiência – isso não seria no interesse do bem-estar do
consumidor.

357 Em tradução livre: o bem-estar social seria maior se o monopólio fosse permitido ao invés de ser
proibido, e uma vez que, em uma análise econômica, valorizamos a competição porque promove
a a eficiência – ou seja, como um meio e não como um fim – parece que sempre que o monopó-
lio aumentasse a eficiência ele deveria ser tolerado, de fato encorajada. Deste ponto de vista
O problema dessa visão, que privilegia a eficiência, e não a concor-
rência, é que ela vê o ganho de eficiência e o correspondente benefício ao
consumidor (que eventualmente poderia sequer se confirmar, o que faz
com que as autoridades concorrenciais tenham de monitorar com zelo a
transferência das eficiências ao consumidor, tema complexo, como visto)
em uma perspectiva imediata. Ocorre que, ao aplicá-la, aceita-se in extre-
mis uma redução da concorrência que, a longo prazo, prejudica o consumi-
dor em aspectos multifatoriais, como a diminuição ou ausência de opção
de escolha, a redução do estímulo ao desenvolvimento de novos produ-
tos e serviços e o aumento dos preços que, em um primeiro momento,
foram reduzidos. Em sentido contrário, como visto, posiciona-se Eugène
Buttigieg (2009, p. 79-80):

wether analysing collusive behaviour or merger activity or indeed even the allegedly
abusive practices of a firm enjoying market power a competition authority should always
consider that a reduction of competition could bring about efficiency gains − if efficiencies
are ignored and the assessment focuses solely on competition, the consumer well-being
that competition law is designed to achieve will not be achieved358.

Pensa-se que, em uma perspectiva imediata, é possível que a re-


dução de concorrência colabore, de fato, para a conquista de eficiência.
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

Ocorre que, disso, não se pode extrair que, de fato, a eficiência será trans-
ferida, distribuída ao consumidor no futuro.
É evidente que desconsiderar totalmente o ganho de eficiência não
é, sequer, uma opção. Os ganhos de eficiência deverão ser sempre consi-
derados na análise antitruste, sob pena de não cumprimento de seu perfil
distributivo. No entanto, não se pode concluir, daí, que a concorrência

272
de defesa da concorrência, a concorrência é vista “como um estado em que os interesses dos
consumidores são bem servidos e não como um processo de rivalidade que é diminuído pela
eliminação de até mesmo uma pequena empresa rival”.

358 Em tradução livre: tanto analisando-se o comportamento de conluio ou a atividade de concentra-


ções ou mesmo até as práticas alegadamente abusivas de uma empresa com poder de mercado
uma autoridade de concorrência deveria sempre considerar que uma redução da concorrência
pode trazer ganhos de eficiência – se as eficiências são ignorados e a avaliação se concentra
exclusivamente na concorrência, o bem-estar do consumidor que o direito da concorrência é
projetado para alcançar não será alcançado.
deverá ser, sempre, afastada em prol de uma eficiência que poderá bene-
ficiar o consumidor, ou não.
Não se pode esquecer que a “concorrência é a melhor aliada do con-
sumidor” e que, em primeiro lugar, é a concorrência que deve ser priori-
zada para, em um segundo momento, considerarem-se os ganhos de efi-
ciência. Trata-se de uma perspectiva de longo prazo, jamais imediatista.
Além disso, a vulnerabilidade do consumidor é exacerbada em situ-
ações em que ele, por exemplo, sequer sabe da inexistência de concor-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


rência entre produtos e serviços de fornecedores que ele, consumidor,
pressupõe sejam concorrentes – quando, no entanto, são apenas marcas
com identidades diversas e contraditoriamente detidas por um mesmo
grupo econômico.
Essa situação, por exemplo, pode ser verificada por qualquer consu-
midor que se disponha a consultar as informações do fabricante em rótu-
los de produtos359 disponíveis em gôndolas de supermercados brasilei-
ros, onde não é incomum encontrarem-se várias marcas de creme dental,
por exemplo, o que faz com que o consumidor tenha a percepção de que

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


há inúmeros produtos «diferentes» e «concorrentes». Esses produtos,
contudo, pertencem a pouquíssimas grandes empresas que detêm um
grande número de marcas, o que transmite a sensação, falsa, de existên-
cia de uma concorrência que, em verdade, é inexistente. Outro exemplo
diz respeito às holdings que detêm diversas empresas360 que, aos olhos do
consumidor, parecem concorrentes.
Um aspecto a ser considerado, nesse contexto, envolve a falsa apa-
rência de concorrência. Trata-se de uma suposta liberdade de escolha, de
um direito pro forma à escolha que definitivamente não atende à defesa do
consumidor – que pressupõe o acesso ao consumo361 e a liberdade de es-

273
359 Por exemplo, os produtos para limpeza de roupas Ace e Ariel, os produtos para limpeza capilar
Head&Shoulders, Pantene e Wella, do grupo Procter & Gamble, que, apesar de aparentarem
ser concorrentes na verdade não o são, conforme se verifica no site (P&G). Outro exemplo são as
cervejas do grupo Ambev, que aparentam ser concorrentes, apesar de não o serem. Cita-se, por
exemplo, as marcas Brahma, Antarctica e Skol, conforme se verifica no site da Ambev.

360 Caso de holdings que atuam no varejo de moda, como, por exemplo, o grupo Restoque, proprietário
de diversas marcas, como Le Lis Blanc, Bo.Bô, John John, Rosa Chá e Dudalina. (RESTOQUE S/A)

361 É interessante, a propósito, a observação de Geraldo Vidigal (1977, p. 118): “o ideal clássico da
liberdade econômica envolveria naturalmente em seu quadro a idéia da liberdade de consumo.
colha. Afinal, já Aristóteles verificou que a escolha “pertence ao gênero da
ação voluntária, mas nem todo ato voluntário é escolhido” (ARISTÓTELES,
2002, p. 89). Pode-se falar, também, em um “mito da concorrência”, como
propõe Daniel Glória, para quem mesmo em uma situação na qual existam
possibilidades de opção, tal circunstância não significa liberdade fática de
escolha do consumidor, face a uma certa “semelhança”, “homogeneida-
de” dos produtos, serviços e cláusulas contratuais oferecidas no mercado
(GLÓRIA, 2003, p. 116).
Outro aspecto que indica a vulnerabilidade exacerbada do consumi-
dor diz respeito à eventual ausência de produtos e serviços disponíveis
ao consumo (fato que se relaciona com o “mito de la igualdad362 en el acceso a los
bienes y servicios” [ARIÑO ORTIZ, 1999, p. 90]). Se hoje, por exemplo, um con-
sumidor brasileiro desejar comprar alimentos orgânicos363, ou pelo menos
não transgênicos, e, para tanto, dirigir-se ao supermercado, verificará que
tal possibilidade é restrita e que, em relação a diversos alimentos, ela ine-
xiste – enquanto ainda for possível identificar a presença de Organismos
Geneticamente Modificados (OGMs) em alimentos, no Brasil, consideran-
do a aprovação na Câmara dos Deputados do Projeto de lei n. 4.148/2008
(BRASIL, CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2015), que dispensa a identificação
de elementos transgênicos em rótulos de alimentos, apesar da conhecida
incerteza científica sobre os efeitos deletérios dos OGMs na saúde hu-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

mana e em todo o ecossistema (ZANONI; FERMENT, 2011). Do mesmo


modo, tal restrição atinge especialmente os celíacos, os diabéticos, enfim,
consumidores com necessidades especiais e, portanto, hipervulneráveis,
já que se situam em uma posição de dependência agravada em relação
ao fornecedor, o que torna imperioso colocar sua necessidade especial de
proteção no primeiro plano364.

274
Para as classes de menor poder de compra, no entanto, seria a liberdade de consumo um falso
direito: não há liberdade real no consumo inviável”.

362 Sobre o mito da igualdade, fala Jean Baudrillard ao comentar a ideologia igualitária do bem-estar.
(BAUDRILLARD, 2003, p 47)

363 Chama a atenção a escassez de estudos doutrinários de lege lata et de lege ferenda sobre o marco regulató-
rio dos agrotóxicos, com seus diversos impactos sabidamente nocivos à saúde humana e ambiental.

364 As ideias da autora sobre o rollensoziologisches Modell do consumidor foram adaptadas ao contexto
deste trabalho. (MÖLLER, 2008, p. 59)
Ocorre que, inúmeras vezes, essa questão, que se liga à segurança
alimentar365, envolvendo a própria saúde do consumidor e o direito à
vida, não se trata de uma escolha voluntariosa, de uma escolha supér-
flua366, mas, ao invés, de uma necessidade. Se o consumidor tem res-
trições alimentares (e hoje as alergias alimentares se tornaram epidê-
micas367, por exemplo) e não encontra no mercado opções mínimas de
consumo (e por opção mínima pretende-se a oferta de pelo menos uma
opção de escolha de produto ou serviço, com preço razoável), pode-se

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


sustentar que o Estado intervenha e ele próprio garanta o suprimento
do produto, seja pela imposição ao agente econômico da obrigatorieda-
de de oferta do produto, seja pela assunção dessa obrigação pelo pró-
prio Estado, sob pena de responsabilidade. Então, em uma situação de
vulnerabilidade exacerbada, não é aceitável que o consumidor conviva
com o ônus da ausência de oferta de produtos e serviços que tenham
caráter essencial, como é o caso, exemplificativamente, dos produtos
alimentícios. Pergunta-se: não se poderia postular um mínimo de oferta
de produtos que têm, como é o caso dos alimentos, função essencial à

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


saúde humana, principalmente considerando-se o problema iminente
da transformação das sementes de diversas plantas alimentícias, que
desde sempre pertenceram ao domínio público, em domínio privado368,
pela concessão de patentes, algumas delas inclusive propositalmente
estéreis, as chamadas sementes terminator369?
Não se está aqui questionando o direito de propriedade (previsto no
art. 5o, XXII, da CRFB/88) e a proteção à invenção industrial, que atende ao
interesse público e serve ao estímulo criativo, impedindo o free-riding, ou

365 Que se liga, por sua vez, ao direito fundamental à informação, segundo estudo de Caroline Vaz
(2015).
275
366 E ainda que fosse esse o caso, tratar-se-ia de escolha legitimamente defensável.

367 Segundo estudos, em decorrência do consumo de alimentos transgênicos, ou produzidos com


agrotóxicos. Para maiores informações, recomenda-se a leitura da obra de Vaz (2006). Para uma
visão do sistema rigoroso de autorização e comercialização dos organismos geneticamente mo-
dificados adotado pela UE, recomenda-se a leitura da publicação da União Europeia (2014b).

368 Sobretudo de um duopólio, envolvendo Monsanto e DuPont, como noticia artigo do jornal The
Guardian (SHEMKUS, 2014).

369 Como noticia a imprensa em artigo recente (BRANFORD, 2015).


seja, o aproveitamento por parte daquele que não investiu na pesquisa a
fim de obter os resultados dela advindos, além de estimular a pesquisa
e o desenvolvimento individual (SALOMÃO FILHO, 2006, p. 14). O que
se questiona são as eventuais consequências, para o consumidor, da au-
sência, potencial, de pluralidade de oferta, de opções, da ausência de
escolha no que tange a um tema sensível como é o caso da segurança ali-
mentar, o que torna evidente a premência do reconhecimento do direito
à concorrência, cujo exercício deve estar na agenda do consumidor. Afinal,
como visto, no Brasil, a concorrência é instrumental, meio para a realiza-
ção da dignidade da pessoa humana em todas as situações, complexas,
que caracterizam a Pós-modernidade.
Reforça essa perspectiva, ainda, a aplicação da ideia do mínimo exis-
tencial às relações de consumo, como propõe Adalberto Pasqualotto, po-
dendo-se falar em um consumo básico como direito fundamental, o que
inclui não apenas o direito à alimentação como pressuposto de saúde e
sustento físico, mas também o acesso a outros bens que atualizam o sig-
nificado de direitos fundamentais de primeira geração (PASQUALOTTO,
2009, p. 69).
Consequência disso é que o Estado poderá intervir quer na produ-
ção, quer na distribuição de produtos e serviços, não só para garantir essa
liberdade mas também para regular aqueles produtos e serviços que, es-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

senciais às pessoas, não possam ser adquiridos por algum problema en-
volvendo a oferta. Aplicado o conceito à realidade social, o que se tem é
o fato de que o objetivo constitucional da construção de uma sociedade
livre significa que, sendo a situação real de necessidade, o Estado pode
e deve intervir para garantir a dignidade humana (NUNES, 2012, p. 67),
dada a gravidade de quaisquer violações370 à dignidade da pessoa huma-
na. Assim, de uma ou outra forma, esse ônus, decorrente do bônus relativo
276 à possibilidade de exploração da atividade econômica, deve ser distribuí-
do a algum sujeito, seja ele privado ou público.
Ademais, pode-se arguir a necessidade de eventual intervenção para
que se possibilite o exercício da escolha que o direito à concorrência per-

370 Uma violação à dignidade da pessoa humana é algo de extrema gravidade e não pode ser objeto
de banalização (FOLLONI, 2012, p. 23).
mite sob o fundamento de que a livre iniciativa baseia-se na solidarieda-
de social, que “es la consecuencia de la naturaleza social del hombre, que debe llevar
a éste a una firme y perseverante actitud de contribución al logro del bien común”371
(ARIÑO ORTIZ, 1999, p. 120), já que é objetivo fundamental da República,
como estabelece o art. 3o, I, da CRFB/88, “construir uma sociedade livre,
justa e solidária”. Também cabe referir o princípio da função social da pro-
priedade, previsto no art. 5o, XXIII, e no art. 170, III, da CRFB/88, e da em-
presa, como fundamento dessa visão sobre a possível intervenção estatal,

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


ainda que ela seja pragmaticamente muito mais um argumento do que
propriamente um critério de ordenação econômica ou de exigência jurídi-
ca (ARIÑO ORTIZ, 1999, p. 121).
Um exemplo pragmático de aplicação do direito à escolha e do direi-
to à concorrência é a portabilidade de crédito, que permite que o consu-
midor migre de uma instituição financeira para outra que lhe ofereça uma
taxa de juros menor e sem custos adicionais, por exemplo, fato que tem
repercussões concorrenciais evidentes, vis-à-vis o estímulo à concorrência
mesmo em segmentos que envolvem contratos cativos de consumo, caso

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


do setor financeiro e de telecomunicações.
Então, a partir do reconhecimento do caráter fundamental do direito
à concorrência, que é, em essência, um direito à diversidade, vinculado
à liberdade individual de escolha e de satisfação de desejos e de neces-
sidades (autodeterminação), além de uma garantia institucional, pode-se
conceituá-lo da seguinte forma: o direito à concorrência decorre dos dis-
positivos constitucionais referentes à cidadania (art. 1o, II), à dignidade da
pessoa humana (art. 1o, III), ao pluralismo político (art. 1o, V), à construção
de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3o, I), à defesa do consumi-
dor (arts. 5o, XXXII, e 170, V), à livre concorrência (art. 170, IV), à livre inicia-
tiva (art. 170, caput) e à repressão ao abuso do poder econômico (art. 173,
§ 4o), cuja contrapartida estatal (eficácia vertical) e de terceiros (eficácia 277

horizontal) é que seja assegurada ao consumidor uma tal diversidade de


oferta de produtos e de serviços que possa de fato refletir a pluralidade
que caracteriza a democracia, permitindo o exercício do direito à escolha

371 Em tradução livre: que é a consequência da natureza social do homem que deve levá-lo a uma
atitude firme e perseverante de contribuição para a realização do bem comum.
e do ato de consumo, um ato político por natureza, em sua maior ampli-
tude possível e, igualmente, atendendo à diversidade de necessidades
especiais dos consumidores, caso dos consumidores hipervulneráveis.
Além disso, sustenta-se que o direito fundamental à concorrência
está estruturado na forma de um princípio372 que integra, ainda que impli-
citamente, o sistema jurídico brasileiro, pois sobressai o seu caráter emi-
nentemente finalístico em detrimento do prescritivo. O estado de coisas
buscado por esse princípio não prevê, assim, as condutas expressamente
devidas à promoção deste, que devem, todavia, ser extraídas da inter-
pretação/aplicação dessa norma-princípio à luz do caso concreto (ÁVILA,
2014b, p. 102).
Percebe-se, assim, que o direito à livre concorrência integra os di-
reitos do consumidor, que, como visto, configuram, segundo a classifica-
ção proposta por Robert Alexy (2012, p. 393), direitos prestacionais (em
sentido amplo), típicos do Estado social, e, especificamente, direitos de
proteção.
Além disso, ele se manifesta de formas diversas e, por isso, são diver-
sas as formas de sua defesa no âmbito processual, tema analisado adiante.

5.3 A classificação do direito à concorrência:


direito difuso, coletivo stricto sensu e
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

individual homogêneo
A literatura373 nacional usualmente refere a concorrência como
um interesse difuso374, que, segundo o conceito proposto por Rodolfo
Mancuso, envolve

372 Segundo Karl Larenz (1997, p. 682-683), “se bem que os princípios jurídicos tenham, em regra,
278
também o carácter de ideias jurídicas directivas, das quais se não podem obter directamente
resoluções de um caso particular, mas só em virtude da sua concretização na lei ou pela jurispru-
dência dos tribunais, existem também princípios que, condensados numa regra imediatamente
aplicável, não só são ratio legis, mas em si próprios, lex. Denomino-os de ‘princípios com forma de
proposição jurídica’”.

373 Cita-se, entre outros, os posicionamentos de Forgioni (2012, p. 125) e de Ferraz Junior (2013, p.
18).

374 E, nas palavras de Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 26), “interesses ‘difusos’ são inte-
resses fragmentados ou coletivos, tais como o direito ao ambiente saudável, ou à proteção do
interesses metaindividuais, que, não tendo atingido o grau de agregação e
organização necessário à sua afetação institucional junto a certas entidades
ou órgãos representativos dos interesses já socialmente definidos, restam
em estado fluido, dispersos pela sociedade civil como um todo (v. g., o in-
teresse à pureza do ar atmosférico), podendo, por vezes, concernir a certas
coletividades de conteúdo numérico indefinido (v. g., os consumidores).
Caracterizam-se: pela indeterminação dos sujeitos, pela indivisibilidade
do objeto, por sua intensa, litigiosidade interna e por sua tendência à tran-
sição ou mutação no tempo e no espaço (MANCUSO, 2013a, p. 153).

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Inobstante isso, já se apontou, há mais de uma década, que «o direi-
to à livre concorrência possui expressa previsão na Constituição Federal”
(PFEIFFER, 2004, p. 11), que elevou a sua defesa ao status de princípio
geral da ordem econômica (art. 170, IV, da CRFB/88) e determinou que a
lei reprimisse o poder econômico que vise à dominação dos mercados, à
eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (art. 173, §
4o, da CRFB/88).
Desse modo, Roberto Pfeiffer, reconhecendo a existência do “direito

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


à livre concorrência”, afirma que ele possui as características de um direito
difuso (PFEIFFER, 2004, p. 14), o que é demonstrado pelo fato de que “a
coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos” pela lei concorren-
cial, conforme estabelece o art. 1o, parágrafo único, da Lei n. 12.529/2011.
Subsidia esse entendimento, também, a disposição do art. 219 da
CRFB/88, em que o constituinte considera o mercado interno parte do pa-
trimônio nacional ao explicitar que “o mercado interno integra o patrimô-
nio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento
cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tec-
nológica do País, nos termos de lei federal”. Desse modo, se o mercado
interno integra o patrimônio nacional, quaisquer lesões a ele − o que pas-
sa pela dinâmica concorrencial − constituem lesões à concorrência como 279

direito difuso, já que o mercado interno integra o “patrimônio nacional”,


que pertence a todos os brasileiros.

consumidor. O problema básico que eles apresentam − a razão de sua natureza difusa − é que,
ou ninguém tem direito a corrigir a lesão a um interesse coletivo, ou o prêmio para qualquer in-
divíduo buscar sua correção é pequeno demais para induzi-lo a tentar uma ação”.
Nesse sentido, refere-se que a preocupação primordial do legislador,
ao inserir a expressão “coletividade” na lei concorrencial, foi demarcar o
caráter difuso do direito (PFEIFFER, 2004, p. 14). E, da análise do art. 81, I,
do CDC, observa-se que os “interesses ou direitos difusos” são os transin-
dividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeter-
minadas e ligadas por circunstâncias de fato.
Mesmo sabendo que a plurivalência semântica do vocábulo “direito”
comporta numerosas manifestações conceituais (PEREIRA, 1998, p. 4), a
utilização da expressão combinada “interesses ou direitos” para designar
as espécies passíveis de proteção coletivamente, o que envolve também
os “interesses ou direitos coletivos” stricto sensu (art. 81, II, do CDC) e os
“interesses ou direitos individuais homogêneos” (art. 81, III, do CDC) cha-
ma a atenção, dado que o acesso à justiça375 não é só franqueado a quem
afirme possuir a titularidade de um direito subjetivo resistido ou insatis-
feito, podendo ser judicializado um interesse, desde que legítimo (posi-
ções ou situações reflexamente protegidas) (MANCUSO, 2013b, p. 61).
Assim, se o critério para se caracterizar o interesse como jurisdicio-
nável antes se limitava à titularidade, que conduzia ao regime de coinci-
dência ou de correspondência entre a pessoa titular do direito e o autor
da ação (legitimação ordinária), hoje, considerando o impacto da judicia-
lização das macrolides, utiliza-se o critério da relevância social, acopla-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

do à idoneidade da representação em juízo, binômio suficiente para que


um interesse metaindividual (sujeitos indeterminados, objeto indivisível)
possa merecer um tratamento judicial coletivo, sob a configuração de in-
teresses difusos, coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos
(IDEM, p. 63).
Dessa forma, adotou-se uma solução salomônica (MIRAGEM, 2014,
p. 664): tanto direitos quanto interesses são passíveis de defesa em juízo
280 porque pode haver situações em que exista

375 E, segundo Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 11-12), “o direito ao acesso efetivo tem
sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos
individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência
de mecanismos para sua efetiva reivindicação”.
dificuldade na definição de um determinado bem jurídico passível de pro-
teção como direito subjetivo, em acordo com o significado que tradicional-
mente lhe vem sendo indicado pela doutrina. A proteção dos consumido-
res não se conforma apenas em relação àqueles que tenham sido sujeitos
de relações de consumo, senão a toda a coletividade, que envolve tanto
quem tenha celebrado contratos de consumo, quanto esteja simplesmente
exposto às práticas do mercado, sem necessariamente possuir vínculo jurí-
dico formal com fornecedores ou quem tenha violado as normas previstas
no CDC. (MIRAGEM, 2014, p. 664)

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Portanto, não importa se se trata de direito ou interesse, há sempre
uma ação para instrumentalizar os efeitos previstos pela norma. Em re-
sumo, a nomeação distinta de algo não afeta sua essência, afinal, “what’s
in a name? That which we call a rose by any other word would smell as sweet”376
(SHAKESPEARE, 2003, p. 107).
Assim, retomando-se a disposição do art. 1o, parágrafo único, da Lei
Concorrencial, que estabelece que “a coletividade é a titular dos bens jurí-
dicos protegidos” por ela, surge a necessidade de observar que a concorrên-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


cia, enquanto direito/interesse difuso, não é passível de ter como titulares
grupos sociais definidos a priori, já que, sob o aspecto subjetivo, os direitos
difusos são transindividuais e há uma indeterminação absoluta377 dos seus
titulares, ligados não por uma base jurídica, mas tão somente fática.
Sob o aspecto objetivo, os direitos difusos são indivisíveis, ou seja,
não podem ser satisfeitos nem lesados senão de forma que se afete a
todos os possíveis titulares. Em decorrência de sua natureza, são insusce-
tíveis de apropriação individual, de transmissão, de renúncia ou de tran-
sação. Ainda, destaca-se que sua defesa em juízo se dá sempre por subs-
tituição processual (o sujeito ativo da relação processual não é o sujeito
ativo da relação de Direito material), razão pela qual o objeto do litígio
é indisponível para o autor da demanda, que não poderá celebrar acor- 281

376 Em tradução livre: o que existe em um nome? Aquilo que chamamos de rosa por qualquer outra
palavra teria o mesmo perfume.

377 Exemplo clássico de direito difuso é o direito ao meio ambiente, cuja titularidade pertence a
todos, algo evidente na música de Tom Jobim (1974): “olha, está chovendo na roseira/ que só dá
rosa, mas não cheira/ a frescura das gotas úmidas/ que é de Luísa/ que é de Paulinho/ que é de
João/ que é de ninguém”.
do, nem renunciar, nem confessar e tampouco assumir ônus probatório
não fixado na lei. Por fim, eventual mutação dos titulares ativos difusos
da relação de Direito material se dá com absoluta informalidade jurídica,
bastando alteração nas circunstâncias de fato (ZAVASCKI, 2014, p. 36-37).
A partir de um exemplo hipotético, baseado em uma situação em que
uma empresa que possuísse dois concorrentes em um determinado mer-
cado relevante praticasse a conduta de preço predatório e, a partir disso,
eliminasse-os do mercado, Roberto Pfeiffer afirma:

o direito difuso foi lesado, pois a sociedade viu restringida a concorrência,


o que, em longo prazo deverá redundar em aumento de preço, diminuição
da quantidade e da qualidade dos produtos. Haverá ainda piora na alo-
cação dos recursos produtivos, já que, provavelmente a empresa, agora
monopolista, não terá incentivos para reaplicar grande parcela do lucro na
melhora do processo produtivo, em virtude da ausência de concorrência.
Haverá ainda, muito provavelmente, a diminuição do nível de emprego,
entre outras consequências. (PFEIFFER, 2004, p. 15)

Desse modo, observa-se que a lesão à concorrência, a partir das ca-


racterísticas do caso hipotético acima, implica prejuízos à sociedade como
um todo, motivo que justifica a titularidade indeterminada e o caráter in-
divisível do, neste caso, direito difuso à livre concorrência (IDEM). Nesse
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

sentido, colaciona-se decisão prolatada pelo TRF4, em que se entendeu


ter havido infração da ordem econômica e consequentes danos difusos
aos consumidores, como se infere:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS DIFUSOS AOS CONSUMIDORES. INFRAÇÕES


À ORDEM ECONÔMICA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA.
ABUSO DO PODER ECONÔMICO. GLP. DISTRIBUIDORAS. FORMAÇÃO DE
CARTEL. INDENIZAÇÃO. 1. O pedido feito com a instauração da demanda
282
emana de interpretação lógico-sistemática da petição inicial, não podendo
ser restringido somente ao capítulo especial que contenha a denominação
“dos pedidos”. Devem ser levados em consideração, portanto, todos os re-
querimentos feitos ao longo da peça inaugural, ainda que implícitos. Assim,
se o julgador se ateve aos limites da causa, delineados pelo autor no corpo
da inicial, não há falar em decisão citra, ultra ou extra petita. Precedente
STJ. 2. A prova dos autos revela que as empresas distribuidoras de gás
agiam de forma concertada, em conluio, por meio da “Área Operacional
Metropolitana (na região de Porto Alegre/Canoas), enquadrando-se nos ar-
tigos 20 e 21 da Lei n. 8.884/94. 3. Determinada a vedação de práticas carte-
lizantes às rés a fim de permitir a livre concorrência no setor. 4. Com a car-
telização e a adoção de métodos comerciais uniformes restou caracterizada
a prática comercial abusiva, vedada ao fornecedor nos termos do art. 39, X,
do Código de Defesa do Consumidor. 5. A responsabilidade civil das dis-
tribuidoras decorre do prejuízo causado aos consumidores, difusamente
considerados. 6. Mantida a indenização arbitrada em R$ 1.000.000,00 (um

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


milhão de reais), atualizado desde a propositura da ação (2 de outubro de
l997) pelos índices normalmente admitidos na Justiça Federal (UFIR e, a
partir de l° de janeiro de 2001, IPCA-E), acrescidos de juros moratórios de
1% ao mês, a contar da publicação da sentença. 7. Apelações improvidas
(BRASIL, TRF4, AC 5021730-87.2011.404.7100).

A literatura aponta, porém, que uma mesma causa pode dar ensejo
a lesões a direitos de ordem individual, coletiva e difusa, o que se aplica
à concorrência, já que uma mesma conduta pode causar lesão à livre con-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


corrência tanto em sua dimensão difusa, coletiva stricto sensu como indivi-
dual (PFEIFFER, 2004, p. 17).
Exemplificando: imagine-se a prática de uma infração da ordem eco-
nômica por meio da qual a empresa-autora impede o acesso de suas con-
correntes à matéria-prima necessária à fabricação de um dado produto, a
fim de impedir que suas concorrentes tenham acesso a ela. A partir disso,
“dificultará a existência de um mercado competitivo, prejudicando a co-
letividade, que provavelmente terá menor quantidade de produtos, de
inferior qualidade e a maior preço” (IDEM, p. 18).
Nessa hipótese, há violação do direito à livre concorrência enquan-
to direito difuso, sob a perspectiva da existência de um dano à concor-
rência, uma instituição jurídica cuja titularidade pertence à coletividade.
283
Mas também é possível identificar prejuízos individuais, principalmente
os causados às empresas que eventualmente faliram (ou retraíram suas
participações de mercado, ou até mesmo não conseguiram entrar no mer-
cado) ou aos consumidores que comprovem que pagaram preços mais
altos do que pagariam se houvesse efetiva concorrência (PFEIFFER, 2004,
p. 18). Para atender a esta hipótese, recorda-se que a Lei n. 12.529/2011
prevê em seu art. 47 a possibilidade de os prejudicados poderem ingres-
sar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais
homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da or-
dem econômica, bem como, por conta dela, o recebimento de indeniza-
ção por perdas e danos sofridos.
Por fim, é importante referir que o direito à concorrência pode, igual-
mente, ser considerado um direito coletivo stricto sensu quando houver ca-
sos em que há uma relação jurídica base e a possibilidade de determina-
ção relativa dos seus titulares (ZAVASCKI, 2014, p. 36). Tal situação pode
ser exemplificada pela existência de determinada violação do direito à
concorrência por meio da realização de um contrato de adesão, contrato
de massa (relação jurídica base) que atinja um número de consumidores
que, em tese, pode ser determinado. Do mesmo modo, também é pos-
sível que o direito à concorrência apresente-se como direito individual
homogêneo, direito que, embora substancialmente individual, comporta
defesa coletiva, o que pode ser ilustrado pela eventual proposição de
demanda indenizatória por dano concorrencial.
Portanto, verifica-se que o direito à concorrência pode apresentar-
-se como direito difuso, coletivo stricto sensu ou individual homogêneo, o
que se coaduna com a disposição do art. 1o, parágrafo único, da Lei n.
12.529/2011. Inobstante isso, verifica-se que o direito à concorrência apre-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

senta-se majoritariamente como direito difuso, o que não impede que se


revista das demais formas, a partir das características do caso concreto.

5.4 A cláusula de abertura do catálogo de direitos


fundamentais a outros direitos
A força normativa da Constituição está condicionada pela possibili-
284 dade de realização pragmática dos seus conteúdos e pela disposição dos
participantes da vida constitucional de realizá-los (HESSE, 1998, p. 48-49).
Na Constituição brasileira, os direitos fundamentais estão arrolados
de forma não taxativa (SARLET, 2014, p. 517) no título II, que trata dos “di-
reitos e garantias fundamentais”. Identificam-se, porém, no próprio texto
constitucional, direitos fundamentais que ultrapassam aquele rol, caso do
direito à saúde, previsto no art. 196, do direito à educação, previsto nos
arts. 205 a 208, do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
previsto no art. 225, caput, entre outros, da CRFB/88.
Desse modo, admite-se que não há uma lista imutável de direitos
fundamentais, até mesmo porque as regulações da Constituição não são
nem completas nem perfeitas (HESSE, 1998, p. 38). A lista varia no tempo
(TAVARES, 2012, p. 499). Afinal, uma característica de que o Direito não
pode prescindir é a habilidade de adaptação, pois a permanência das
normas e, em especial, de uma Constituição, depende de sua habilidade

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


de adaptar-se às transformações econômicas, políticas, sociais etc., pos-
sibilitando que os cidadãos se protejam de novas formas de poder que
surgem na sociedade (HÄBERLE, 1978, p. 67).
A Constituição não é uma unidade já concluída; seus elementos de-
pendem um do outro e repercutem um sobre o outro. Somente o concerto
de todos produz o todo da configuração concreta da coletividade pela
Constituição. Isso não significa que esse concerto seja livre de tensões
e de contradições, mas, ao invés, que a Constituição somente pode ser
compreendida e interpretada se ela for entendida como unidade (HESSE,

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


1998, p. 38-39). Segundo Konrad Hesse:

a Constituição de antemão não propõe a pretensão de uma ausência de


lacunas ou até de unidade sistemática.
Mas também pode ser importante para a Constituição isto, não submeter
um âmbito de vida à normalização jurídica ou somente em relações indivi-
duais; ela deixa determinadas questões, por exemplo, tais da “constituição
econômica”, conscientemente abertas, para aqui deixar espaço à livre dis-
cussão, decisão e configuração. (IDEM, p. 39, grifos do original)

A continuidade da Constituição, então, só é possível se, nela, “o pas-


sado e o futuro se vincularem” (HÄBERLE, 1978, p. 61-62). Afinal, o Direito
285
é uma consequência direta da evolução do comportamento humano, das
necessidades e desejos do sujeito.
Como visto, os direitos fundamentais, cujas normas definidoras têm
aplicação imediata (art. 5o, § 1o), não são determinados de forma taxativa
pela CRFB/88, conforme dispõe o art. 5o, § 2o: “os direitos e garantias ex-
pressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e
dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte”.
Este parágrafo trata da cláusula de abertura do catálogo de direitos
fundamentais a outros direitos, visto que existem direitos que, por seu
conteúdo e significado, integram o sistema da Constituição, compondo o
assim chamado “bloco de constitucionalidade”, que não se restringe ne-
cessariamente a um determinado texto ou conjunto de textos constitu-
cionais e ultrapassa a concepção puramente formal de Constituição e de
direitos fundamentais (SARLET, 2014, p. 517). Essa perspectiva também se
coaduna com a chamada teoria dos direitos “à meia luz”, em “penumbra”
(penumbral rights), do Direito estadunidense, pela qual se pode extrair um
interesse a partir de outro que esteja expressamente tutelado, quando
eles se pressupõem, sejam conexos ou venham previstos em norma inter-
nacional (MANCUSO, 2013a, p. 119).
Com efeito, identificam-se dois grandes grupos de direitos e garan-
tias fundamentais: (i) os expressamente positivados, com assento direto
em texto normativo, que, por sua vez, abrangem os direitos e garantias
fundamentais do título II, os direitos dispersos pelo texto constitucional,
situados em outras partes da Constituição, bem como os direitos expres-
samente reconhecidos e protegidos pelos tratados internacionais de di-
reitos humanos ratificados pelo Brasil, e (ii) os direitos decorrentes do
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

regime e dos princípios ou direitos implícitos, aqui compreendidos, em


sentido amplo, como todos aqueles direitos e garantias não diretamen-
te (explicitamente) positivados (SARLET, 2014, p. 517), como o princípio
da segurança jurídica, que deflui de diversos dispositivos constitucionais
conjugados (ÁVILA, 2014b, p. 215 e ss.).
É esta última espécie de direitos fundamentais que interessa, ao fim
e ao cabo, a este trabalho, que sustenta a existência de um direito funda-
286 mental à concorrência, na trilha da teoria do beneficiário ou do interesse,
que, ensina Canotilho, justifica a existência de direitos sob a forma de re-
conhecimento de bens que não se deveriam recusar a qualquer membro
de uma certa classe (CANOTILHO, 2004, p. 47-48), o que inclui a classe dos
consumidores, mas não apenas.
Muitas vezes, as disposições não trazem a referência explícita da-
quilo que autorizam exigir do Poder Judiciário, e nem sempre se pode
encontrar em seu comando a afirmação expressa de que conferem di-
reito subjetivo a “a” ou a “b” (e, logo, informações sobre o conteúdo
e o objeto do direito). Isso não significa, entretanto, que a norma exa-
minada não possa dispor de eficácia positiva ou simétrica ou que não
gere direito subjetivo a exigir judicialmente o bem da vida em questão
(BARCELLOS, 2011, p. 180). Sobre esse tema desenvolveu-se a ideia de
“densidade” ou “consistência” normativa, pela qual é possível identifi-
car com razoável precisão, a partir do dispositivo constitucional, os efei-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


tos que ele pretende produzir e “a posição jurídica em que investe os
jurisdicionados”, o que corresponde à eficácia jurídica a ele atribuída: o
conjunto de pretensões exigíveis (IDEM).
A partir de uma interpretação sistemática e teleológica pode-
-se identificar a eficácia jurídica das disposições constitucionais. Desse
modo, a dignidade da pessoa humana, cerne do sistema jurídico brasi-
leiro, é um dos fundamentos da República, conforme dispõe o art. 1o ,
III. Superprincípio, a dignidade da pessoa humana, para se perfectibilizar,
demanda a possibilidade de o sujeito realizar uma série de atos, entre os

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


quais está o consumo, que caracteriza, inclusive, a sociedade contempo-
rânea. Daí a consideração da defesa do consumidor como direito funda-
mental (além de princípio da ordem econômica). Nessa esteira, é a partir
de uma compreensão dinâmica da Constituição, considerada como um
processo inacabado e sujeito a alterações interpretativas que refletem um
processo de aprendizagem falível (MENDES, 2014, p. 170), que se deve
interpretar o direito fundamental à defesa do consumidor.
O valor da livre iniciativa, que também é um dos fundamentos da
República, conforme dispõe o art. 1o , IV, ao falar dos “valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa”, além de fundamento da ordem econômica
(art. 170, caput) conecta-se, indiscutivelmente, à dignidade da pessoa hu-
mana por meio do consumo, uma vez que, ausente a disposição do agente 287

econômico de produzir um produto ou oferecer um serviço, não se pode-


ria falar em consumo.
Nesse contexto, como visto no terceiro capítulo deste trabalho, a
livre concorrência, princípio da ordem econômica (art. 170, IV), também
é um princípio relacionado à dignidade da pessoa humana, já que atua
como garante desta ao permitir que a disputa entre os agentes econômi-
cos paute-se pela igualdade de condições a fim de que a “vitória” resulte
do esforço próprio, do mérito (competition on the merits), assegurando que a
renda do consumidor lhe seja tomada de forma justa a bem da erradica-
ção da pobreza e da marginalização, como prevê o art. 3o, III, da CRFB/88.
Além disso, são princípios constitucionais, como já se referiu, a re-
pressão ao abuso do poder econômico que vise à dominação dos mer-
cados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros,
conforme dispõe o art. 173, § 4o, da CRFB/88.
Com efeito, deriva do superprincípcio da dignidade da pessoa huma-
na a defesa do consumidor, que representa um dos estados378 de vulnera-
bilidade da pessoa humana. E, do superprincípio da dignidade da pessoa
humana e do direito fundamental e princípio da defesa do consumidor
deriva a necessidade de reconhecimento de um novo direito fundamen-
tal, o direito à concorrência, o que é reforçado pelo fato de a ordem eco-
nômica pretender assegurar a todos uma existência digna, conforme os
ditames da justiça social.

5.5 O direito fundamental à concorrência


Aproxima-se o presente trabalho do núcleo da tese que ele pretende
sustentar.
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

Como visto na introdução, a tese aqui sustentada é a seguinte: para


além do “Direito da Concorrência”379 (jus est norma agendi) é necessário re-
conhecer a existência de um “direito à concorrência” (jus est facultas agendi),
sob a perspectiva desta tese, ao consumidor, dado que o direito ao con-
sumo e o direito à escolha estão fortemente relacionados à existência de
concorrência. Afinal, se não houver uma oferta mínima de produtos e ser-
viços assegurada ao consumidor, que sentido teria a manutenção de um
288 direito à escolha, por exemplo?

378 Exemplos de outros estados de vulnerabilidade da pessoa humana podem ser identificados na
condição de idoso, crianca, incapaz etc., como demonstram Marques e Miragem (2014).

379 E, como ensina Pontes de Miranda (2013, p. 292), “o direito objetivo, regrando distribuição de
bens da vida, cria poderes. Mas poder, aí, não é mais do que faculdade, que se faz conteúdo do
direito subjetivo”.
É certo que a concorrência apresenta importância não só como ga-
rantia de honestidade e de lealdade na conduta dos agentes econômicos,
mas também na defesa dos direitos do consumidor. Dessa forma, a con-
corrência que o constituinte pretende “livre” de obstáculos desarrazoados
pode transformar-se, quando objeto de uma política econômica coerente,
em instrumento garantidor do direito ao consumo (VAZ, 1993, p. 11, 358).
O direito à escolha, como é intuitivo, demanda uma pluralidade de
produtos e de serviços, um tema de certa forma tabu no Brasil, que tem

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


estruturas produtivas reconhecidamente concentradas. Ademais, o direito
à escolha está ínsito na ideia de pluralismo político380, que constitui fun-
damento da República, conforme dispõe o art. 1o, V, da CRFB/88, já que
consumir pode ser entendido como um ato político lato sensu.
É fato que tudo aquilo que a pessoa consome determina a aloca-
ção de recursos produtivos e financeiros, bem como pode impactar po-
líticas de Estado. Pense-se no exemplo de o consumidor reformular sua
alimentação no sentido de priorizar o consumo de produtos orgânicos. É
evidente que tal comportamento, pautado por uma ideologia, terá refle-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


xos no faturamento de empresas que respeitem ou não essa vontade do
consumidor e que serão impactadas por qualquer eventual mudança nas
tendências de consumo em nível individual quando estas atingirem um
espectro largo da sociedade.
Um olhar “hinter der Sache”381 demonstra uma conexão entre vários
direitos e liberdades, já que o direito ao consumo pressupõe o direito
à escolha, que por sua vez pressupõe o direito à informação, “capaz de
possibilitar uma decisão liberal, consciente e responsável” (CANOTILHO;
MOREIRA, 2007, p. 781), e o direito à concorrência. Não há falar em liber-
dade se não houver liberdade de escolha e, anteriormente, liberdade de
concorrência.
289

380 Que não se confunde com pluripartidarismo. O pluralismo político constitucionalmente positiva-
do no Brasil alcança, hoje, as diversas esferas da vida política e social do País. (LIMA, 2014, p. 136)

381 Em tradução livre: atrás da coisa, ou seja, que a desvele, que procure sua essência, para além de
seus propósitos evidentes. Segundo o Professor Doutor Marcelo Schenk Duque, ao pronunciar-
-se no Encontro anual da Associação Luso-alemã de Juristas realizado em novembro de 2015 no
Salão Nobre da Faculdade de Direito da UFRGS, a expressão é utilizada com frequência pelo
eminente jurista Erik Jayme.
A análise legislativa, jurisprudencial e doutrinária realizada até o
momento demonstra que o consumidor é protegido pelo Direito da
Concorrência, que a defesa do consumidor é um dos objetivos da lei con-
correncial, que a livre concorrência é um pressuposto da defesa do con-
sumidor, que a proteção da concorrência, enquanto instituição jurídica,
também protege o consumidor e que, além de a lei concorrencial proteger
indiretamente o consumidor, ele também é titular de direitos concorren-
ciais, de forma autônoma.
A partir disso, entende-se que é possível reconhecer um direito fun-
damental à concorrência, ao consumidor, a partir do superprincípio da
dignidade da pessoa humana, como uma dimensão da defesa do consu-
midor, direito fundamental nos termos da CRFB/88. Contribui para essa
percepção, ainda que por um viés diverso, o fato de a concorrência confi-
gurar, também, uma liberdade econômica fundamental (JAEGER JUNIOR,
2006, p. 198, 731) de um processo de integração que preveja a etapa de
mercado comum, o que já se reconhece no âmbito da UE, como visto.
Mesmo sabendo da crítica ao suposto excesso de direitos na socie-
dade pós-moderna (hiperjuridificação) e da proposta legítima de reduzir
consideravelmente sua quantidade (desjuridificação) (GIORGI, 2011, p.
176), pensa-se que o reconhecimento de um direito fundamental à con-
corrência é significativo para a implementação da defesa do consumidor,
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

em sua perspectiva de direito fundamental, visto que a concorrência liga-


-se fortemente ao direito ao consumo e à escolha, imperativos para o agir,
digno, da pessoa humana na sociedade de consumo. Além disso, não se
pode aceitar uma seletividade do acesso ao Direito (GIORGI, 2011, p. 176),
como se o Direito da Concorrência interessasse tão somente ao fornece-
dor-concorrente.
Em que pese ainda não haver qualquer menção expressa ao direito
290 fundamental à concorrência no sistema jurídico brasileiro, o reconheci-
mento de um assim direito subjetivo titularizável pelo consumidor não é
impossível. Basta recordar a disposição do art. 5o, § 2o, da CRFB/88, que
estabelece que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,
ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil
seja parte”, e a do art. 7o do CDC:
art. 7o Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes
de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário,
da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autorida-
des administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princí-
pios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.

Além disso, é fato que a proteção jurídica de maior efetividade dá-se


pela concessão de direitos subjetivos (MIRAGEM, 2014, p. 57). E, por direito

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


subjetivo, entende-se o poder de ação, assente no Direito objetivo, que é
destinado à satisfação de um interesse. As características essenciais dos
direitos subjetivos são: (i) a ele corresponde sempre um dever jurídico por
parte de outrem; (ii) ele é violável, de forma que a parte que tem o dever ju-
rídico, que deveria entregar determinada prestação ou manifestar sua von-
tade em determinado sentido (direito potestativo), não o faz; (iii) violado o
dever jurídico, nasce para seu titular uma pretensão, podendo ele servir-se
dos mecanismos coercitivo, sansionatório e substitutivo do Estado, notada-
mente por meio de uma ação judicial (BARROSO, 2015, p. 256).

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Com efeito, o legislador brasileiro, para realizar o direito fundamental
expresso na defesa do consumidor, optou por constituir novos direitos ou
referir os já existentes por meio da criação, pela lei, dos chamados direi-
tos básicos do consumidor. Esses direitos básicos, estabelecidos no art. 6o
do CDC, são normas que derivam de um sem número de diplomas legais
e disciplinas tradicionais da ciência e da dogmática jurídicas (MIRAGEM,
2014, p. 57).
Essa positivação (ius conditum), porém, não significa que o rol de di-
reitos conferidos ao consumidor seja imutável. Pode-se, sim, pensar a am-
pliação de direitos passíveis de titularização pelo consumidor, especial-
mente quando a realidade assim o exige. Afinal,

291
non è detto che il giurista debba sentirsi limitato da quanto costituisce ius conditum, ti-
picamente i precetti di legge o le decisioni giurisprudenziali. Il giurista, come qualunque
altro libero pensatore, può svolgere creativamente il proprio compito proponendo soluzioni
innovative382. (MATTEI, 1998, p. 165)

382 Em tradução livre: diz-se que o jurista deve ser limitado ao que constitui ius conditum, normalmen-
te, os preceitos legislativos ou as decisões judiciais. O jurista, como qualquer pensador livre,
pode realizar criativamente sua tarefa, oferecendo soluções inovadoras.
Percebe-se facilmente que o constituinte não tornou expressis verbis
a concorrência um direito fundamental. No entanto, do superprincípio
da dignidade da pessoa humana e da condição de direito fundamental
atribuída à defesa do consumidor decorre a conclusão inevitável de
que também a concorrência, ou a livre concorrência, que é a expres-
são consagradamente adotada no sistema jurídico brasileiro, perfaz
um direito fundamental. Essa perspectiva decorre da verificação de
que a defesa do consumidor realiza-se se e somente se a existência
de concorrência estiver assegurada, excetuando-se os casos que en-
volvem falhas de mercado, em que é necessária a atuação do Direito
Regulatório. Tanto que, nos casos em que a concorrência não se mos-
tra factível, é necessária a presença do Estado (intervenção, portan-
to) para que não se produzam as intercorrências próprias de situações
monopolísticas, conhecidas pelo potencial risco aos mais fracos, sejam
os demais agentes econômicos, direta ou indiretamente envolvidos no
setor econômico afetado, sejam os consumidores.
Além disso, como já se verificou, a literatura usualmente classifica os
direitos fundamentais em dois grupos, a partir da classificação proposta
por Robert Alexy: (i) direitos fundamentais como direitos de defesa e (ii)
direitos fundamentais como direitos a prestações. Este último grupo, por
sua vez, divide-se em duas espécies: (i) direitos a prestações em sentido
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

amplo e (ii) direitos a prestações em sentido estrito, sendo que a espécie


“direitos a prestações em sentido amplo” subdivide-se em duas subes-
pécies, quais sejam: (i) direitos à proteção e (ii) direitos a organização e
procedimento (ALEXY, 2015, p. 432).
Os direitos fundamentais de defesa impõem uma abstenção por par-
te dos Poderes Públicos, que têm, então, o dever de respeitar determina-
dos interesses individuais, por meio da omissão de ingerências ou pela
292 intervenção na esfera de liberdade pessoal apenas em determinadas hi-
póteses e sob determinadas condições (SARLET, 2009, p. 168).
Ingo Sarlet nota que a maior parte dos dispositivos que integram
o capítulo dos direitos individuais e coletivos presentes no art. 5o da
CRFB/88 integra a categoria dos direitos garantia, ou seja, das garan-
tias fundamentais, que, além de sua função instrumental (assecurató-
ria e protetiva), podem ser consideradas autêntico direito subjetivo
(IDEM, p. 179-180). Nesse sentido uma visão interessante é a de Calixto
Salomão Filho, para quem “do ponto de vista do direito positivo não há
dúvida de que a ordem concorrencial constitui um interesse institucio-
nal” (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 98). O autor baseia-se em entendimen-
to prevalente na Alemanha, onde se percebe a concorrência como uma
instituição, e entende, assim, que há uma positivação do direito que a
concorrência expressa por meio da consagração constitucional de ga-
rantias institucionais (institutionelle Garantien) que obriga o legislador a

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


proteger a essência de certas instituições (como é o caso da concorrên-
cia) e a adotar medidas conexas com o “valor social eminente” dessas
instituições (CANOTILHO, 2004, p. 38).
A compreensão do fato de uma instituição jurídica poder ser titular
de proteção remete às assim chamadas normas de proteção (Schutznormen)
ou à chamada teoria da finalidade da norma (Normzwecktheorie) desenvolvi-
das na Alemanha, cujo Código Civil, o BGB, prevê, no § 823383 item 2, que a
violação de provisões legislativas, incluindo-se aí o Direito da UE, gerará
direito à indenização para o prejudicado, tendo em vista que a pretensão

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


da norma era a proteção de interesses individuais (REICH, 2005, p. 39).
Assim, o mero descumprimento da lei, que representa um dano à coleti-
vidade, ganha expressão concreta, passando a representar uma garantia
para cada indivíduo (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 86) − perspectiva que se
associa ao fato de que o Direito vigente garante, de um lado, a imple-
mentação de expectativas de comportamento sancionadas pelo Estado
e, com isso, segurança jurídica. De outro lado, os processos racionais da
normatização e da aplicação do Direito prometem a legitimidade das ex-

383 Que dispõe: “§ 823 Schadensersatzpflicht


(1) Wer vorsätzlich oder fahrlässig das Leben, den Körper, die Gesundheit, die Freiheit, das Eigentum oder ein
sonstiges Recht eines anderen widerrechtlich verletzt, ist dem anderen zum Ersatz des daraus entstehenden Schadens
verpflichtet. 293
(2) Die gleiche Verpflichtung trifft denjenigen, welcher gegen ein den Schutz eines anderen bezweckendes Gesetz
verstößt. Ist nach dem Inhalt des Gesetzes ein Verstoß gegen dieses auch ohne Verschulden möglich, so tritt die
Ersatzpflicht nur im Falle des Verschuldens ein“.
Em tradução livre: § 823 Responsabilidade por danos
(1) Uma pessoa que, intencionalmente ou por negligência, ilegalmente, fere a vida, o corpo, a
saúde, a liberdade, a propriedade ou outro direito de outra pessoa é obrigada a indenizar a outra
parte pelo dano daí resultante.
(2) O mesmo dever é atribuído àquele que comete uma violação de uma lei que se destina a pro-
teger outra pessoa. Se, de acordo com o seu dispositivo legal, for possível uma violação contra
ela, sem a existência de culpa, a responsabilidade pela indenização só existe no caso de culpa.
pectativas de comportamento assim estabilizadas, de forma que as nor-
mas merecem obediência jurídica e devem poder ser seguidas a qualquer
momento (HABERMAS, 2012, p. 245-246).
Para que as normas se qualifiquem como Schutznorm é necessário que
exista uma lesão individual ou coletiva, visto que, a partir dessa qualifica-
ção, nasce o direito à indenização sem necessidade de demonstração de
qualquer nexo causal ou elemento subjetivo relacionado ao dano. Assim,
reconhece-se o caráter de Schutznorm às normas ambientais e concorren-
ciais, em que a proteção do interesse coletivo e individual convivem
(SALOMÃO FILHO, 2013, p. 86).
No Brasil, percebe-se que a CRFB/88 apresenta, no catálogo de direi-
tos fundamentais, algumas garantias institucionais típicas, habitualmente
consideradas no âmbito das garantias em geral, não tendo encontrado,
pelo menos no Brasil, um tratamento autônomo e sistemático (SARLET,
2009, p. 179-180). Ingo Sarlet destaca, ainda, a concepção abrangente de
garantias institucionais no País, englobando tanto as garantias constitucio-
nais de instituições de Direito Público (garantias institucionais em sen-
tido estrito) quanto as garantias constitucionais de institutos de Direito
Privado, de forma que a expressão “garantias institucionais”, em sentido
amplo, corresponde ao termo alemão Einrichtungsgarantien, que abrange,
nesse mesmo sentido, as chamadas Institutionelle Garantien e Institutsgarantien
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

(SARLET, 2009, p. 180).


Sob essa perspectiva, é interessante observar que, no Brasil, criou-se
um fundo, o Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDDD) para a recu-
peração do bem lesado, previsto no art. 13, caput, da Lei n. 7.347/1985, o
que ilustra o próprio conceito de interesses institucionais e a sua ligação
com as garantias institucionais: o ressarcimento não é direcionado nem
ao Estado, nem aos particulares, mas a um fundo destinado a recuperar e
294 proteger o interesse institucional (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 95).
Com efeito, os direitos fundamentais − na condição de garantias ins-
titucionais − em que pese não exercerem a função de uma garantia abso-
luta do status quo, protegem o núcleo essencial de determinados institutos
jurídico-privados (garantias de instituto) e jurídico-públicos (garantias
institucionais stricto sensu), no sentido de que seu objeto constituti um
complexo de normas jurídicas. A propósito, refere-se que as garantias ins-
titucionais apenas existem em função dos direitos subjetivos que elas re-
presentam, e não diretamente em função da instituição considerada em si
mesma (SARLET, 2009, p. 181-183) − perspectiva que comprova o caráter
instrumental da concorrência, sobre o qual se falou no terceiro capítulo
deste trabalho, e contribui para reconhecer o direito à concorrência como
um direito fundamental.
Finalmente, aponta-se que, na configuração constitucional brasilei-
ra, as garantias institucionais podem ser consideradas espécie do gênero

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


das garantias fundamentais que, em sua maioria, assumem o caráter de
direitos-garantia. Além disso, as garantias fundamentais não possuem re-
gime jurídico distinto do regime dos direitos fundamentais propriamente
ditos, apresentando, por conseguinte, “a mesma dignidade em nossa or-
dem constitucional” (IDEM, p. 183).
Dessa forma, como garantia institucional, a concorrência constitui o
objeto de um direito subjetivo, abrangendo o poder de ação contido na
norma, a faculdade de exercer em favor do indivíduo o comando emanado
do Estado (PEREIRA, 1998, p. 10). Ela perfaz sobretudo um direito-garan-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


tia, enquadrando-se no contexto dos direitos de defesa, destinada, por-
tanto, a bloquear ingerências dos Poderes Públicos. Tal dimensão pode
ser exemplificada pela proteção contra a “ação erosiva do legislador”
(SARLET, 2009, p. 184) e, especificamente, pela proteção contra quaisquer
intervenções estatais indevidas no domínio econômico.
Ainda, refere-se que as garantias institucionais também apresentam
uma dimensão prestacional, o que se deve à sua conexão com as garantias
de organização e procedimento que, no caso da instituição concorrencial,
é exemplificada pela própria existência do SBDC.
Já os direitos fundamentais de cunho prestacional vinculam-se à
ideia de que ao Estado cabe a tarefa de colocar à disposição dos in-
divíduos os meios materiais e implementar as condições fáticas que 295

possibilitem o exercício efetivo das liberdades fundamentais. Em sua


primeira divisão, os direitos prestacionais são tomados como direitos à
proteção, sumariamente conceituados como posições jurídicas funda-
mentais que outorgam ao indivíduo o direito de exigir do Estado que
este o proteja contra ingerências de terceiros em determinados bens
pessoais (ALEXY, 2015, p. 450).
Os direitos à proteção envolvem um dever estatal lato de proteção, o
que inclui, por exemplo, o dever de atuar para realizar a defesa do consu-
midor e a defesa da concorrência, para coibir o abuso do poder econômico
etc. e, também, o dever de legislar, exemplificado pela edição do CDC e
da Lei n. 12.529/2011, como visto. Assim, posições subjetivas no âmbito
da dimensão subjetiva dos deveres de proteção (SARLET, 2009, p. 193),
ou seja, no contexto de um direito à proteção como o que o direito funda-
mental à concorrência expressa, envolvem não apenas medidas de cunho
normativo (prestações normativas), mas, também, medidas de natureza
fática (prestações de cunho material). Daí o fundamento para a eventual
exigência, pelo consumidor, a partir do exercício do direito fundamental à
concorrência, de uma oferta mínima de produtos, serviços e fornecedores,
a fim de que lhes sejam garantidas opções minimamente razoáveis, uma
necessidade premente quando se considera o problema da transforma-
ção das sementes de diversas plantas alimentícias em domínio privado,
e quando se verifica o número crescente de alergias alimentares, que exi-
gem o suprimento de determinados alimentos para um consumidor hiper-
vulnerável, tema anteriormente debatido.
Por fim, cabe referir que, em sua segunda divisão, os direitos presta-
cionais são tomados como direitos a organização e procedimento, o que
significa desde um direito à criação de determinadas normas procedimen-
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

tais até direitos a uma determinada interpretação e aplicação concreta de


normas procedimentais (ALEXY, 2015, p. 474). A partir dessa classificação,
em que o direito fundamental à concorrência também se insere, pode-se
pensar no exercício do direito à concorrência para que o legislador crie
normas de organização que sejam conformes aos direitos fundamentais
(IDEM, p. 491). Assim, poder-se-ia aventar a possibilidade de exercício
do direito fundamental à concorrência com vista a que o legislador asse-
296 gurasse alguma espécie de assento no Tribunal do CADE, por exemplo,
à SENACON, enquanto representante dos consumidores (o que, hoje, na
prática, cabe ao membro do MPF fazer) ou, ainda, a que adotasse a figura
de um Ombudsman consumerista − que representa os interesses do con-
sumidor como um interlocutor perante a autoridade concorrencial, como
visto no terceiro capítulo deste trabalho.
5.6 A efetividade do direito à concorrência
O Direito Concorrencial protege um bem inespecífico individualmen-
te: “a concorrência como interesse difuso”, nas palavras de Tercio Sampaio
Ferraz Junior (2013, p. 18), ou, na perspectiva deste trabalho, um direito
multifacetado, que é difuso, coletivo stricto sensu e/ou individual homogê-
neo. Todavia, o Direito da Concorrência mantém os olhos na atribuição
de riscos prováveis, caso em que os agentes econômicos se tornam res-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


ponsáveis pelas consequências prováveis e previsíveis da atividade em
que se envolvem. Porém, embora em termos públicos a proteção contra
desvios (abuso) se destine à coletividade, seria inaceitável imaginar que
o prejuízo individual (tanto ao concorrente como ao consumidor) pudesse
ser inteiramente subsumido, em termos privados, ao enforcement público
(FERRAZ JUNIOR, 2013, p. 18).
Nesse contexto, Fabio Nusdeo recorda que, em sua atividade repres-
siva, o CADE, em princípio, não se interessa por eventuais infrações que
tenham repercussões exclusivamente privadas − o alvo aí é a proteção

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


da concorrência, não dos concorrentes. Do mesmo modo, uma vez que
a atividade administrativa monitora os efeitos potenciais da conduta no
mercado, o CADE também não se preocupa com a aferição e a quantifica-
ção de eventuais danos concretos que tenham sido causados pelo infrator
(NUSDEO, 2013, p. 1203). Resta, assim, que o próprio prejudicado busque
tais evidências.
Desse modo, quaisquer prejudicados (consumidor, concorrente, co-
letividade etc. [FONSECA, 1995, p. 113]) têm legitimidade para, individu-
almente, requerer indenização pelos danos causados por alguma infração
da ordem econômica, com amparo no art. 927 do CC, sem prejuízo da res-
ponsabilização criminal pela prática de crime contra a ordem econômica,
tipificado na Lei n. 8.137/1990384 e, claro, da disposição específica do art. 297
47 da Lei n. 12.529/2011.

384 Cujo art. 4o dispõe: art. 4° Constitui crime contra a ordem econômica:
I – abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a
concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas;
II – formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando:
a) à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas;
b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas;
Segundo Calixto Salomão Filho (2013, p. 108), a proteção do interesse
direto e individual do consumidor diferencia-se da proteção do “interesse
institucional da concorrência” e,

ainda que indiretamente salvaguardado pela proteção do interesse institu-


cional, ele pode e deve ter tutela própria. Como visto, é da própria natureza
dos interesses institucionais esse efeito duplo sobre a esfera institucional
e a esfera individual. Daí a tutela das garantias institucionais no campo pri-
vado dever se fazer através de normas especiais (a Schutzgesetz do Direito
Alemão). No sistema brasileiro essa característica ganha duplo significado:
material e processual. No campo material, à semelhança da disciplina das
Schutzgesetze alemãs, não há necessidade de prova de intenção; ou, [...] a in-
tenção demonstra-se por elementos exclusivamente objetivos. No campo
processual, através das formas tradicionais de tutela individual, há a já men-
cionada ação coletiva para proteção de interesses individuais homogêneos.
Assim, toda vez que for possível demonstrar que do ato anticoncorrencial
decorreu prejuízo a um grupo identificável de consumidores será possível a
qualquer associação de defesa dos consumidores promover a demanda (art.
82, IV, c/c o art. 91, do CDC). (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 108)

Não é por acaso, portanto, que a Lei n. 12.529/2011 trata, em artigo


expresso, o art. 47 da Lei n. 12.529/2011, da possibilidade de os preju-
dicados poderem ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que


constituam infração da ordem econômica, bem como, por conta dela, o re-
cebimento de indenização por perdas e danos sofridos. Segundo Roberto
Taufick, o art. 47 destoa do restante da lei, ao tratar de “competência ju-
dicial em ações coletivas para a defesa de interesses do consumidor385 e
ações civis públicas». Segundo o autor, «aparentemente, houve preocupa-
ção em esclarecer que a tutela administrativa pelo Estado não esgota as
298
ações em face dos infratores, especialmente para o ressarcimento de cada
indivíduo lesado» (TAUFICK, 2012, p. 292-293). Assim, o artigo é relevante
por despertar o surgimento de ações em função de danos à concorrên-

c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores.      


Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

385 Em sentido diverso, como visto, posiciona-se Luiz Carlos Buchain (2006, p. 147).
cia, que hoje praticamente inexistem, na prática, e somente decorrerão da
paulatina educação dos cidadãos e do acesso à cultura da concorrência, o
que perfaz um instrumento de inibição do cometimento de ilícitos concor-
renciais (IDEM, p. 293).
Assim, a disposição do art. 47 da Lei n. 12.547/2011, não é uma dele-
gação da competência administrativa do CADE aos particulares, mas uma
reafirmação do direito destes de acesso ao Poder Judiciário, para obten-
ção de reparação cível, quando constatado um ato ilícito, o seu dano e o

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


nexo de causalidade. O que a lei pretendeu foi, simplesmente, remeter ao
processo civil qualquer discussão de caráter indenizatório entre particula-
res, dividindo, assim, as searas de cada segmento da matéria antitruste e
os seus respectivos setores (NUSDEO, 2013, p. 1205).
Além disso, observa-se que também as ações privadas, individuais
ou coletivas, podem ser entendidas como integrantes ativas do sistema
lato sensu de defesa da concorrência, na medida em que, a seu modo, ver-
sam sobre a aplicação concreta da lei antitruste. Diferentemente do que
ocorre na esfera pública, no entanto, que tem por objetivo a defesa do in-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


teresse público, o interesse imediato das ações privadas é a identificação
do ato ilícito e seu dano efetivo (IDEM, p. 1200), o que certamente contri-
bui para um “rebalancing of antitrust’s institutional approach, away from technocracy
and toward democracy” (FIRST; WALLER, 2013, p. 2572). Nessa perspectiva, a
execução da política de defesa da concorrência, por meio da possibilida-
de de reparação dos danos causados por infrações da ordem econômica,
também reverte em benefício do consumidor (PFEIFFER, 2015, p. 247).
Mas, considerando a complexidade inerente à individualização dos
prejuízos causados pela prática de infrações da ordem econômica, o fato
de que normalmente o prejuízo sofrido não é elevado o suficiente para
compensar os custos de uma ação individual, a complexidade da maté-
ria e a dificuldade de acesso a informações, percebe-se que a propositu- 299

ra de ação individual para veicular interesse (direito) individual, apesar


de possível, é improvável. Com efeito, a via mais adequada para obter
a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica,
bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos,
é, definitivamente, a ação coletiva para a tutela de direitos individuais
homogêneos (IDEM, p. 249).
Além disso, como aponta Ana Paula de Barcellos, a completa desin-
formação cívica de uma grande parcela da população brasileira representa
um obstáculo importante que se posiciona entre os indivíduos e o Poder
Judiciário. As pessoas não sabem que têm algum direito e, ainda que o
saibam, desconhecem o que fazer para implementá-lo ou mesmo aonde ir
em busca de ajuda (BARCELLOS, 2011, p. 188). Assim, as diversas formas
de defesa coletiva de direitos são tentativas de, ainda que sem resolver
o problema da desinformação, superar suas consequências. Ademais, a
defesa coletiva também contribui para o descongestionamento do Poder
Judiciário, para a uniformidade das decisões em conflitos de natureza co-
letiva etc. (IDEM, p. 189).
Finalmente, deve-se referir que, inobstante a possível contribuição
positiva que a ação individual possa representar para o sistema de defesa
da concorrência, é fato que a propositura de demandas individuais pode-
ria levar a abusos, conhecidos como sham litigation. Estressando-se o exem-
plo, demandas poderiam ser propostas com o fim exclusivo de prejudicar
determinados concorrentes (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 105-106) – o que
teoricamente é possível, mas faticamente improvável.
Ainda, deve-se mencionar que o ajuizamento de ações para a tutela
de “interesses individuais ou individuais homogêneos”, conforme dispõe
o art. 47 da Lei n. 12.529/2011 independe da existência de “inquérito ou
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuiza-


mento de ação”.
De qualquer forma, a atribuição de um direito subjetivo carece de
uma concretização processual, sob pena de não passar de um direito so-
mente nominal (BOTELHO, 2010, p. 114). Afinal, a outorga de uma tutela
jurisdicional ampla é um princípio fundamental do Estado de Direito, sem
o qual as normas jurídicas limitam-se a palavras no papel, meros conse-
300 lhos ou normas morais (BARCELLOS, 2011, p. 45).
Não por acaso, o princípio da tutela jurisdicional tem raízes antigas,
que remontam ao brocardo latino ubi ius ibi remedium386. Assim, a ação é o
principal meio de tutela do direito subjetivo, o que o distingue do mero

386 Assim traduzido: “wherever there is a right, there is a remedy”. Em tradução livre: onde houver um di-
reito, há um remédio. (FELLMETH; HORWITZ, 2009)
interesse. A ação é, pois, um dos elementos essenciais do direito subjeti-
vo (ALVES, 2014, p. 190).
Além disso, juridicamente, não é possível a denegação de justiça
mesmo na eventualidade de inexistir lei específica sobre a matéria dis-
cutida387. Desse modo, a universalidade da tutela jurisdicional e o amplo
acesso ao Poder Judiciário, garantidos no art. 5o, XXXV, da CRFB/88, ao
prever que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito”, significam que a todo direito, interesse jurídico ou si-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


tuação de vantagem conferida pelo ordenamento deve corresponder uma
ação que ofereça instrumental apto a sindicar os efeitos previstos pela
norma jurídica (MOREIRA, 1984, p. 27-33).
Com efeito, apesar de, no Brasil, a defesa da concorrência encon-
trar-se “absolutamente centrada na esfera da proteção administrativa”
(PFEIFFER, 2004, p. 38), há uma “significativa interface da tutela adminis-
trativa com a tutela jurisdicional, que tende a ser cada vez mais intensa”
(IDEM, p. 11). Conforme Paula Forgioni (2012, p. 125),

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


em um país de dimensões continentais, com diversidades tão marcadas
entre as regiões e em ebulição econômica, não se pode pretender que o
CADE, a partir de seus gabinetes de Brasília, tenha condições de, sozinho,
coibir o abuso de posições dominantes e de práticas anticompetitivas em
todo o território nacional. A Lei 12.529/2011, na medida em que protege
interesses difusos, ligados ao bom funcionamento do mercado e à defesa
dos consumidores, deve ter sua eficácia material garantida pelo Ministério
Público e pelo Poder Judiciário.

Desse modo, como não poderia deixar de ser, “todas388 as causas an-
titruste podem ser levadas à apreciação dos magistrados” (FORGIONI,
2012, p. 156). A propósito, na literatura, referem-se cinco oportunidades
301

387 Segundo o art. 4o da Lei de introdução às normas do Direito brasileiro, “quando a lei for omissa,
o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

388 Em sentido diverso posiciona-se Amanda Flávio de Oliveira, para quem, no Brasil, a defesa da
concorrência pode ser exercida em duas órbitas, a administrativa e a judicial, sendo que esta
pode ocorrer em algumas hipóteses: “primeiramente, por provocação do CADE, quando se fizer
necessária a atuação do Poder Judiciário para a execução das decisões administrativas proferi-
das. Em segundo lugar, por provocação da empresa envolvida, sempre que esta não concordar
com a decisão proferida pelo CADE. Por fim, quando uma determinada empresa julgar-se lesada
que dão ensejo à provocação do Poder Judiciário no que tange à matéria
concorrencial:
a. quando o CADE, autarquia a quem cabe a decisão final na esfera
administrativa acerca da ocorrência de infrações da ordem econômica e
sobre a autorização de atos de concentração econômica, necessita propor
ação para fazer cumprir as suas decisões,
b. nas hipóteses em que o administrado discorda de alguma sanção
imposta pelo CADE, seja em processo administrativo sancionatório, seja em
processo administrativo para apreciação de ato de concentração econômica,
c. quando são propostas ações individuais para a tutela do direito
individual lesado (por exemplo, a reparação de danos causados a um con-
corrente ou a um consumidor),
d. na hipótese de propositura de ação civil pública para a tutela da
livre concorrência,
e. quando ocorrer o ajuizamento de ação coletiva para a tutela de di-
reitos individuais homogêneos em virtude de lesão a direitos por conduta
anticoncorrencial (PFEIFFER, 2004, p. 12).
Além disso, segundo Heloisa Carpena,

o mesmo fato − uma infração da ordem econômica − que tenha sido apu-
rado administrativamente, ainda que julgado definitivamente no âmbito
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

do CADE, ou mesmo na pendência do processo administrativo, pode dar


ensejo ao ajuizamento de uma ação civil pública. Na via coletiva, será pos-
sível buscar a tutela de diferentes tipos de interesses: difuso, se for pedida
a suspensão de determinada atividade; coletivo, se houver um pedido de
condenação ao fornecimento de certo produto a distribuidores (determi-
nados); e individual homogêneo, caso o autor deduza pretensão de res-
sarcimento, beneficiando consumidores que sofreram prejuízo em virtude
da prática anticoncorrencial. Logo se percebe, portanto, que a lei referiu
302 a dois tipos de tutela diversos quando, no mesmo art. 29389, exemplifica
pedidos, tais como “obter a cessação de práticas que constituam infração

em questões concorrenciais, a ela é dado o direito de recorrer ao Poder Judiciário, independen-


temente da existência de processo administrativo ou ato de concentração referente ao mesmo
caso”. (OLIVEIRA, 2002, p. 35-37)

389 Como a obra da autora citada foi publicada em 2005, ela se refere à Lei n. 8.884/1994. No entanto,
sua reflexão permanece atual, visto que não houve alteração significativa entre o art. 29, da lei de
1994, e o art. 47, da Lei n. 12.529/2011.
da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por per-
das e danos sofridos”. O primeiro refere-se a interesse difuso, enquanto o
ressarcimento constitui exemplo de tutela de interesse individual homo-
gêneo. A omissão quanto aos coletivos stricto sensu não impede seja dedu-
zida pretensão relativa a essa espécie de interesses, abrigados de forma
expressa no CDC (artigo 81), o qual se aplica às demandas da concorrência
(CARPENA, 2005, p. 160).

Ocorre, todavia, que o direito fundamental à concorrência não tem

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


lastro exclusivamente no art. 47 da Lei n. 12.529/2011 (cuja redação se
manteve a mesma outrora adotada no dispositivo equivalente, que era o
art. 29390 da Lei n. 8.884/1994, mencionado no excerto acima), mas se extrai
do próprio texto constitucional, pela eficácia das normas constitucionais,
do CDC e da Lei n. 12.529/2011, que, como visto, integram um “bloco de
constitucionalidade” da defesa do consumidor e da concorrência. O dis-
positivo do art. 47 cuida tão somente da reparação do dano causado a
algum sujeito prejudicado pela prática de uma infração da ordem econô-
mica, ainda que preveja a possibilidade de o prejudicado demandar a

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


cessação da prática infratora da ordem econômica, iniciativa que se insere
em um contexto macroeconômico, conjugando-se com a ação do Estado
(FONSECA, 1995, p. 114). O dispositivo do art. 47, assim, não esgota a pos-
sibilidade de propositura de ações para a tutela do direito à concorrência,
que é multifacetado.
Como visto, o direito à concorrência pode se apresentar ora como
direito difuso, ora como direito coletivo stricto sensu e ora como direito
individual homogêneo, conforme o contexto em que estiver inserido.
E, se são distintos e inconfundíveis os direitos coletivos lato sensu (que
abrangem os direitos transindividuais, difusos e coletivos stricto sensu)
e os direitos individuais homogêneos, sua tutela em juízo também re-
303
quer instrumentos processuais distintos. Assim, ressalvadas as apli-
cações subsidiárias admitidas por lei ou impostas pelo princípio da

390 Dispunha o art. 29: Art. 29. Os prejudicados, por si ou pelos legitimados do art. 82 da Lei n. 8.078, de
11 de setembro de 1990, poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais
ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econô-
mica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente
do processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação.  
analogia, pode-se identificar um subsistema processual que delineia
claramente os modos e os instrumentos de tutela dos direitos cole-
tivos, caso das ações civis públicas e da ação popular, e os modos e
os instrumentos para tutelar coletivamente os direitos subjetivos in-
dividuais, caso das ações civis coletivas, nelas incluído o mandado de
segurança coletivo (ZAVASCKI, 2014, p. 49).
A partir dessa perspectiva, verificam-se os “remédios” passíveis de
ser manejados para assegurar o direito à concorrência.

5.6.1 Os remédios admitidos pelo sistema jurídico


para assegurar o direito à concorrência
Identificadas as características do direito à concorrência, passa-se à
análise das formas disponíveis para assegurá-lo e da sua eficácia jurídi-
ca, isto é, o que se pode exigir administrativamente e diante do Poder
Judiciário (BARCELLOS, 2011, p. 190). Com isso, pretende-se, também,
contribuir para a consolidação da tese aqui desenvolvida.

5.6.1.1 A representação ao SBDC


Há a possibilidade de apresentação de representação ao SBDC,
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

com base no art. 66, § 1o, da Lei n. 12.529/2011. O dispositivo prevê que
o inquérito administrativo, procedimento investigatório de natureza
inquisitorial para apuração de infrações à ordem econômica, instaura-
do pela Superintendência-Geral do CADE, poderá ser instaurado de
ofício ou em face de representação fundamentada de qualquer interes-
sado, ou em decorrência de peças de informação, quando os indícios
de infração à ordem econômica não forem suficientes para a instaura-
304
ção de processo administrativo.
A representação se trata de ato desprovido de forma jurídica espe-
cífica. Inobstante isso, ela é uma ferramenta útil à participação do con-
sumidor na esfera concorrencial, de acordo com uma perspectiva inclu-
siva, que privilegia a consecução da ideia de democracia participativa,
de que já se falou.
Em recente e rumoroso episódio, foi apresentada representação391
perante o CADE pelo Diretório Central de Estudantes da Universidade de
Brasília (DCE/UNB) em face de associações e sindicatos dos permissioná-
rios de táxis, por suposto exercício, por taxistas, de pressão coordenada
para a retirada de concorrente do mercado, in casu, motoristas que traba-
lham com o aplicativo Uber, sobre o qual se falou anteriormente, conduta
que se enquadra na hipótese dos incs. III (limitar ou impedir o acesso
de novas empresas no mercado), IV (criar dificuldades à constituição, ao

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


funcionamento, ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de
fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços) e XIII (destruir,
inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos intermediários ou aca-
bados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar a operação de equipa-
mentos destinados a produzi-los, distribuí-los ou transportá-los) do § 3o
do art. 36 da Lei n. 12.529/2011. Além disso, teria havido abuso do direito
de petição (sham litigation, o abuso do direito de ação ou petição com efeito
anticoncorrencial), por associações de taxistas, perante o Poder Judiciário,
o Ministério Público e instâncias da Administração Pública municipal, com

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


a propositura de ações idênticas ou muito semelhantes em foros diferen-
tes, na tentativa de excluir a “concorrente” Uber com ações desprovidas
de mínimo fundamento de Direito, ou por meio da utilização de estra-
tégias processuais insidiosas, conduta que se enquadra no tipo descrito
pelos incs. III (limitar ou impedir o acesso de novas empresas no mercado)
e IV (criar dificuldades à constituição, ao funcionamento, ou ao desenvol-
vimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou finan-
ciador de bens ou serviços) do § 3o do art. 36 da Lei n. 12.529/2011.
Em nota técnica, ao apreciar a citada representação, que deu origem ao
Procedimento preparatório n. 08700.006964/2015-71, a Superintendência-
Geral do CADE entendeu que
305

o direito à livre concorrência é um direito coletivo protegido pelo Cade.


Qualquer pessoa poderia ter apresentado a denúncia e também o Cade
poderia ter instaurado o procedimento de ofício. Para fins da Lei Federal n.
12.529/2011, que fundamenta o presente processo, a definição de “pessoa

391 Representação que deu origem ao Procedimento Preparatório n. 08700.006964/2015-71.


interessada” se estende a toda e qualquer pessoa cuja personalidade seja
reconhecida pelo direito brasileiro, sendo que uma investigação do Cade,
que trata de lesão a direitos coletivos, não pode ser limitada em função da
suposta presença ou ausência de interesse individual subjetivamente con-
siderado (BRASIL, CADE, NOTA TÉCNICA 51/2015/CGAA4/SGA1/SG/CADE).

Verfica-se, assim, que a representação constitui um instrumento im-


portante à disposição de qualquer interessado, para que a autoridade
concorrencial dê início a investigações com o fito de apurar eventual ino-
bservância do direito à concorrência.

5.6.1.2 A ação individual


A propositura de ação individual para a tutela do direito individual
homogêneo, desde sempre possível, não apresenta particularidades, em-
bora se admita que a produção de provas pode representar um fator difi-
cultador da proprositura dessas ações, como visto. É interessante verificar,
porém, como o tema é visto sob outros olhos.
Assim, passa-se à análise da expertise europeia e estadunidense, que
podem oferecer subsídios para a propositura de ações individuais (já
que, como visto, o art. 47 da Lei n. 12.529/2011 prevê a possibilidade de
os prejudicados, por si ou pelos legitimados referidos no art. 82 do CDC,
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

ingressarem em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou


individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam in-
fração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por
perdas e danos sofridos), ainda que se entenda que as ações coletivas
devem ser priorizadas, pelos motivos já expostos.

306
Os arts. 101392 e 102393 do TFUE, já mencionados, tratam das hipóteses
de acordos entre agentes econômicos e de abuso de posição dominante.
O Tribunal de Justiça da União Europeia tem jurisprudência consolida-
da, desde 2001, quando julgou o caso Courage/Crehan (UNIÃO EUROPEIA,
2001), segundo a qual qualquer pessoa tem o direito de pedir reparação
pelos danos sofridos quando exista um nexo de causalidade entre esses
danos e uma “infração ao Direito da Concorrência”, entendida esta como

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


392 Que dispõe: artigo 101
1. São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas
as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis
de afectar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir,
restringir ou falsear a concorrência no mercado interno, designadamente as que consistam em:
a) Fixar, de forma directa ou indirecta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras
condições de transacção;
b) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;
c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;
d) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equi-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


valentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;
e) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de pres-
tações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm
ligação com o objecto desses contratos.
2. São nulos os acordos ou decisões proibidos pelo presente artigo.
3. As disposições no n.o 1 podem, todavia, ser declaradas inaplicáveis:
– a qualquer acordo, ou
categoria de acordos, entre empresas,
– a qualquer decisão, ou categoria de decisões, de asso-
ciações de empresas, e – a qualquer prática concertada, ou categoria de práticas concertadas,
que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para promover o
progresso técnico ou económico, contanto que aos utilizadores se reserve uma parte equitativa
do lucro daí resultante, e que:
a) Não imponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam indispensáveis à
consecução desses objectivos;
b) Nem dêem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a uma
parte substancial dos produtos em causa.

393 Que dispõe: artigo 102


É incompatível com o mercado interno e proibido, na medida em que tal seja susceptível de
afectar o comércio entre os Estados-Membros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de 307
forma abusiva uma posição dominante no mercado interno ou numa parte substancial deste.
Estas práticas abusivas podem, nomeadamente, consistir em:
a) Impor, de forma directa ou indirecta, preços de compra ou de venda ou outras condições de
transacção não equitativas;
b) Limitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores;
c) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equi-
valentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;
d) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de pres-
tações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm
ligação com o objecto desses contratos.
uma violação dos arts. 101 ou 102 do TFUE ou de qualquer Direito nacio-
nal da concorrência de um Estado-membro da UE394.
Ocorre que, na experiência europeia, a participação privada é pe-
culiar, pois envolve a aplicação por cortes nacionais do Direito da UE, já
que os arts. 101 e 102 do TFUE irradiam seus efeitos nas relações priva-
das ocorridas em cada Estado-membro, fazendo emergir direitos subje-
tivos, que serão, por conseguinte, exigidos dos juízes nacionais (JAEGER
JUNIOR; CRAVO, 2014, p. 79).
Além disso, após a edição de um Livro Verde (UNIÃO EUROPEIA,
2005), em 2005, e de um Livro Branco (IDEM, 2008), em 2008, sobre o tema,
a UE adotou, em 2014, a Diretiva 2014/104/EU (IDEM, 2014c), que cuida
das ações de indenização no âmbito do Direito nacional por infração às
disposições do Direito da Concorrência dos Estados-membros e da União
Europeia, que dispõe em seu item 3:

os artigos 101 e 102 do TFUE produzem efeito direto nas relações entre
particulares e criam, para as pessoas em causa, direitos e obrigações que
os tribunais nacionais devem tutelar. Os tribunais nacionais têm, assim,
um papel igualmente essencial na aplicação das regras da concorrência
(aplicação privada). Ao decidirem sobre os litígios entre particulares, sal-
vaguardam os direitos subjetivos decorrentes do direito da União, nome-
adamente através da concessão de indenizações às vítimas de infrações.
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

A plena eficácia dos artigos 101 e 102 do TFUE e, em especial, o efeito


prático das proibições neles estabelecidas pressupõem que qualquer
pessoa, incluindo 
consumidores e empresas, ou autoridade pública pos-
sam pedir reparação junto dos tribunais nacionais pelos danos sofridos
em virtude de uma violação de tais disposições. O direito à reparação
garantido pelo direito da União aplica-se igualmente às infrações aos ar-
tigos 101 e 102 do TFUE por empresas públicas e empresas às quais os
Estados-Membros concedam direitos especiais ou exclusivos, na aceção
308 do artigo 106 do TFUE.

Assim, entende-se que as ações de indenização são um elemento


importante de um sistema que pretende coibir infrações do Direito da

394 Art. 2o do capítulo 1 da Diretiva 2014/104/UE (UNIÃO EUROPEIA, 2014c).


Concorrência, sendo complementadas por meio alternativos, como a re-
solução amigável de litígios395.
O item 05 da Diretiva 2014/104/UE inaugura o instituto da descoberta
(Discovery), possibilitando que as cortes nacionais possam exigir do de-
mandado, do demandante ou de um terceiro a divulgação de elementos
de prova relevantes que estejam sob seu controle, podendo até mesmo
lançar sanções em caso de descumprimento, conforme dispõe o item 08.
Esse poder não é, no entanto, ilimitado: além de necessitar de fundamen-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


tação, deverá observar as condições aí estabelecidas. Além disso, verifica-
-se, no item 06, que foi assegurada, para fins de prova, a competência dos
tribunais nacionais para ordenar, inclusive, a divulgação de elementos de
prova que contenham informações confidenciais, quando assim for con-
siderado pertinente. Ressalva-se, no entanto, que a Diretiva 2014/104/UE
protege de forma absoluta dois tipos de informações: as decorrentes de
acordo de leniência e as de propostas de transação, que não poderão ser
submetidas ao Discovery (JAEGER JUNIOR; CRAVO, 2014, p. 84-85).
A citada Diretiva 2014/104/UE, assim, reafirma que qualquer pessoa

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


que tenha sofrido um dano causado por infração do Direito da Concorrência
pode pedir reparação por dano emergente (damnum emergens) e por lucros
cessantes (lucrum cessans) que tenha eventualmente sofrido, bem como o
pagamento de juros, independentemente de as regras nacionais defini-
rem essas categorias separadamente ou em conjunto396.
Ainda, observa-se que o direito à reparação é reconhecido a qual-
quer pessoa física ou jurídica, consumidores, empresas etc., independen-
temente de existir uma relação contratual direta com a empresa infratora
e de ser previamente declarada a infração por uma autoridade da concor-
rência397. No entanto, ela busca, cautelosamente, evitar as indenizações
excessivas (previstas nos itens 12 a 16), um cuidado direcionado àquelas
infrações que gerem efeitos ao longo da cadeia de distribuição, como o 309

aumento de preço a jusante, já que os fabricantes e atacadistas, por exem-

395 Item 5 da Diretiva 2014/104/UE (UNIÃO EUROPEIA, 2014c).

396 Item 12 da Diretiva 2014/104/UE (UNIÃO EUROPEIA, 2014c).

397 Item 13 da Diretiva 2014/104/UE (UNIÃO EUROPEIA, 2014c).


plo, podem repassar o aumento parcial ou integralmente aos varejistas e,
assim, aos consumidores (JAEGER JUNIOR; CRAVO, 2014, p. 85).
Já nos EUA há uma tradição envolvendo a propositura de ações indi-
viduais em que se discutem questões concorrenciais. O Clayton Act, que
positiva normas sobre reparação de danos gerados por práticas anticom-
petitivas, permite aos indivíduos requerer a compensação dos danos ge-
rados não só pela prática de comportamentos infratores como também
pelos danos decorrentes de atos de concentração econômica (recorde-se,
que, no Brasil, como visto anteriormente, o texto legal, amplo, engloba “os
atos, sob qualquer forma manifestados”, conforme a redação do art. 36,
caput, da Lei n. 12.529/2011).
Assim, os particulares podem propor ações quando estiverem na li-
nha de lesão antitruste, quando prejudicados ou susceptíveis de ser pre-
judicados por algo que faz com que o ato impugnado seja ilegal (FOX,
2012, p. 57). Ainda, nos EUA, o Clayton Act atribui às vítimas de violação
às leis antitruste o direito de pleitear o “ressarcimento triplicado de seus
danos” (treble damages), além de obter uma medida de injunção. Assim, a
seção 4 do Clayton Act prevê, em seu § 15, que

any person who shall be injured in his business or property by reason of anything
forbidden in the antitrust laws may sue therefore in any district court of the United States
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

in the district in which the defendant resides or is found or has an agent, without respect
to the amount in controversy, and shall recover threefold the damages by him sustained,
and the cost of suit, including a reasonable attorney’s fee398. (ESTADOS UNIDOS DA
AMÉRICA, CLAYTON ACT)

No Brasil, em comparação, o tema da propositura de ações indivi­


duais de cunho indenizatório na seara concorrencial é ainda incipiente.
Aliás, o próprio tema da responsabilidade concorrencial, no País, é pouco
310
explorado399, inobstante o fato de que ela pode funcionar como inibidora

398 Em tradução livre: qualquer pessoa que seja ferida em sua empresa ou propriedade devido a
qualquer proibição presente nas leis antitruste pode litigar em qualquer tribunal distrital dos
Estados Unidos no distrito em que o demandado resida ou se encontre ou tenha um agente, sem
considerar o montante da controvérsia, e deve recuperar o triplo dos danos sofridos e o custo do
processo, incluindo honorários advocatícios.

399 Na literatura, destaca-se a obra de Buchain (2006).


de condutas futuras e o fato de que a responsabilidade estabelecida pelo
art. 36 da Lei n. 12.529/2011 é de natureza objetiva, já que utiliza a ex-
pressão “independentemente de culpa” ao tipificar as infrações da ordem
econômica (PFEIFFER, 2015, p. 142-143).
Por fim, cabe destacar que a Lei n. 12.529/2011 dispõe, em seu art.
32, que “as diversas formas de infração da ordem econômica implicam a
responsabilidade da empresa e a responsabilidade individual de seus
dirigentes ou administradores, solidariamente”. Além disso, segundo o

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


art. 33, serão solidariamente responsáveis as empresas ou entidades in-
tegrantes de grupo econômico, de fato ou de Direito, quando pelo menos
uma delas praticar infração à ordem econômica, sendo que, de acordo
com o disposto no art. 34, a personalidade jurídica do responsável por
infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver
da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou
ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. 

5.6.1.3 A ação civil pública

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


A ação civil pública é a denominação atribuída pela Lei n. 7.347/1985
ao procedimento especial, por ela instituído, destinado a promover a tu-
tela de direitos e interesses transindividuais. Compõe-se, segundo dispõe
o art. 1o, de um conjunto de mecanismos destinados a instrumentalizar
demandas preventivas, reparatórias e cautelares de quaisquer direitos e
interesses difusos e coletivos, nomeadamente as “ações de responsabi-
lidade por danos morais e patrimoniais” causados ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turísti-
co e paisagístico, por infração da ordem econômica, à ordem urbanística, à
honra, à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e ao patrimônio
público e social e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. Com efei- 311
to, a Lei n. 7.347/1985, que trata da ação civil pública de responsabilidade
por danos morais e patrimoniais, dispõe:

art. 1o Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular,
as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
l – ao meio ambiente;
ll – ao consumidor;
III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e pai-
sagístico;
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;
V – por infração da ordem econômica;
VI – à ordem urbanística;
VII – à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos,
VIII – ao patrimônio público e social.

Desse modo, observa-se que, segundo a Lei n. 7.347/1985, não são


os danos morais e patrimoniais causados por lesão à “concorrência”, mas
“por infração da ordem econômica”, que permitem o manejo de ação civil
pública. De todo modo, o preciosismo perde espaço na medida em que
se pode incluir a “concorrência” na hipótese do inc. IV do art. 1o, que prevê
o dano “a qualquer outro interesse difuso ou coletivo”, quando o direito à
concorrência assumir tais características.
Tomado isoladamente, o art. 1o da Lei n. 7.347/1985 poderia condu-
zir à suposição de que a ação civil pública tem finalidade puramente re-
paratória, ou seja, seria destinada unicamente a obter a condenação ao
ressarcimento de danos já causados. Todavia, no art. 3o, verifica-se que a
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

ação civil pública “poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o


cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”.

A legitimação ativa para a propositura de ação


civil pública
A Lei n. 7.347/1985, apresenta, em seu art. 5o, um rol de partes legiti-
312 madas a propor a ação civil pública, como se infere:

art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:


I – o Ministério Público;
II – a Defensoria Pública;    
III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;     
IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia
mista;
V – a associação que, concomitantemente:    
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio
público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à
livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou
ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


O art. 129, III, da CRFB/88 refere como função institucional do
Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para
a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos”. Dessa forma, não há limitador explícito
para a legitimação, a não ser o decorrente da natureza dos bens tutelados:
o Ministério Público tem legitimação ampla e irrestrita para promover a
ação civil pública, mas desde que o bem tutelado tenha natureza típica
de direito ou interesse difuso ou coletivo (ZAVASCKI, 2014, p. 62). Apesar

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


disso, nota-se que o art. 25, IV, a, da Lei n. 8.625/1993 confere ao Ministério
Público, entre outras, a atribuição de promover o inquérito civil e a ação
civil pública para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados
ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos,
coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos.
Assim, os Ministérios Públicos dos Estados já enfrentaram, por exem-
plo, a questão dos cartéis de combustíveis, quase todos, porém, deixando
de atuar em juízo e representando à SEAE e à SDE, que, na vigência da Lei
n. 8.884/1994, integravam o SBDC. Mas, além desses casos encaminhados
aos órgãos administrativos, há poucos registros de ações coletivas por ini-
313
ciativa ministerial para a tutela de direitos difusos relativos à concorrên-
cia, destacando-se, por exemplo, a ação civil pública em que o Ministério
Público do Rio Grande do Sul obteve decisão de procedência em ação
proposta contra a cláusula de exclusividade de médicos associados de
cooperativa400.
No que tange à legitimação da Defensoria Pública, é importante re-
ferir que o plenário do STF, por unanimidade de votos, negou provimento
ao RE n. 733433/MG, com repercussão geral reconhecida, decidindo que a
Defensoria Pública tem legitimidade para a propositura de ação civil pú-
blica para promover a defesa de direitos difusos e coletivos de que sejam
titulares, em tese, pessoas necessitadas (BRASIL, STF, RE 733.433/MG).
Às pessoas políticas (União, Estados, Municípios e Distrito Federal),
a lei não estabeleceu qualquer exigência específica. Assim, sempre que
se identificar lesão à livre concorrência, o Estado poderá ajuizar ação civil
pública (PFEIFFER, 2004, p. 27).
Em relação à previsão do art. 5o, IV, que prevê legitimação à autar-
quia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista, é inte-
ressante notar que o CADE, enquanto autarquia, está legitimado a propor
ação civil pública, nos termos da Lei n. 7.347/1985. Entretanto, no que tan-
ge ao tema do interesse de agir, segundo Roberto Pfeiffer, “somente esta-
rá presente o interesse de agir nas hipóteses em que o CADE demonstrar
não poder alcançar os mesmos resultados por meio da tutela administra-
tiva” (PFEIFFER, 2004, p. 29).
Aqui, destaca-se a previsão, expressa, da legitimidade da associação
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

que, concomitantemente, esteja constituída há pelo menos um ano e que


inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao “patrimônio pú-
blico e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à
livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou
ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”, para
propor ação civil pública. Verifica-se, aí, a necessidade da presença do
requisito temporal, que pretende desestimular eventuais excessos ou
314 abusos na propositura de ações civis públicas, e do requisito ligado ao
interesse de agir, que impõe liame objetivo, expresso nos estatutos, entre
a pretensão deduzida na demanda e os fins institucionais da associação

400 Assim a ementa do acórdão: EXERCÍCIO DA MEDICINA. COOPERATIVA. UNIMILITÂNCIA/


FIDELIDADE SOCIETÁRIA. UNIMED. EXCLUSIVIDADE VEDADA. LEI DOS PLANOS DE SAÚDE.
PRECEDENTES DO STJ. APELO PROVIDO. (BRASIL, TJ-RS, AC n. 70011319316).
demandante (ZAVASCKI, 2014, p. 63). Destaca-se, nesse sentido, a previ-
são, expressa, de legitimação para a propositura de ação civil pública à
associação cuja finalidade institucional se vincule “à ordem econômica e
à livre concorrência”.

A cumulação de pedidos para a tutela de direitos


transindividuais e individuais homogêneos

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


Um tema importante para a demonstração da aplicação pragmática
desta tese diz respeito à possibilidade de cumulação de pedidos para a
tutela de direitos transindividuais e individuais homogênos, já que, con-
forme se observou, há hipóteses em que, a partir de uma única situação
fática, decorrem, ou podem decorrer, simultânea ou sucessivamente, le-
sões a direitos transindividuais e a direitos individuais homogêneos. Em
situações dessa natureza, são necessários meios adequados para permitir
a proteção integral e efetiva de todos os direitos ameaçados ou violados,
inclusive, se for o caso, mediante cumulação de pedidos e de causas de

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


pedir. No que tange aos danos morais (que, por sua natureza, não podem
ser considerados transindividuais), o art. 1o da Lei n. 7.347/1985 enseja
a hipótese dessa cumulação. Pode-se, de qualquer forma, invocar, para
esse fim, as regras gerais do CPC, que, em seu art. 327 e parágrafos, per-
mite a cumulação de pedidos contra o mesmo demandado, desde que
sejam compatíveis entre si, que o juízo para conhecer de todos eles seja
o mesmo e que o procedimento seja adequado para todos (ZAVASCKI,
2014, p. 61).
No que tange aos direitos individuais homogêneos, é certo, porém,
que a sentença de procedência eventualmente proferida no processo em
que se der a cumulação, deverá ter natureza genérica. Para o seu posterior
cumprimento, as pessoas lesadas haverão de promover demanda autô- 315
noma, em nome próprio (ação de cumprimento), em que serão identifi-
cadas e liquidados os danos individualmente indenizáveis, cujo produto
reverterá em benefício de seu próprio patrimônio individual (e não, como
ocorre com os direitos transindividuais, ao FDDD). Percebe-se, enfim, que
a possibilidade de cumulação é questão de natureza processual, que não
altera nem compromete a natureza material do direito lesado ou ameaça-
do. Não é porque podem ser postulados por meio da ação civil pública
que os direitos individuais homogêneos deixarão de ser direitos indivi­
duais (ZAVASCKI, 2014, p. 61).

Os provimentos passíveis de concessão


Como já se verificou, o art. 3o da Lei n. 7.347/1985 prevê que a ação
civil pública poderá ter por objeto a condenação em entregar dinheiro ou
o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Assim, pode ser obtida
condenação em dinheiro do demandado a fim de ressarcir os prejuízos
que seu ato causou à sociedade como um todo, como, por exemplo, a
diminuição de investimentos, a ausência de geração de empregos, os im-
pactos inflacionários, a diminuição da oferta e da qualidade de produtos e
de serviços etc. (PFEIFFER, 2004, p. 21). Nessa hipótese, o dinheiro obtido
reverterá para o FDDD.
Destaca-se, porém, a complexidade de se aferir o montante do dano
produzido à sociedade como um todo. Assim, para Roberto Pfeiffer (2004,
p. 21-22):

as dificuldades na obtenção do montante do dano, somadas à necessi-


dade de se evitar bis in idem com as ações individuais (o que demanda
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

retirar-se do cálculo do dano os prejuízos individualmente sofridos) tor-


nam menos propícia a utilização da condenação em dinheiro do que a
condenação na obrigação de fazer ou não fazer na ação civil pública para
a tutela da livre concorrência.

Considerando a possibilidade de condenação em obrigação de fazer


ou de não fazer, aventa-se a possibilidade de o Estado-juiz determinar,
por exemplo, a imediata cessação da prática de uma venda casada ou de
316 um preço predatório, sob pena de pagamento de multa diária (astreintes)
na hipótese de descumprimento. Ainda, vislumbra-se a possibilidade de
condenação à prática de atos voltados ao restabelecimento das condições
concorrenciais anteriores ao ato que trouxe lesão ao direito difuso e ma-
terializado, por exemplo, em uma infração da ordem econômica, como a
prática de preços não uniformes cobrados antes de conduta cartelizadora
ou imediata rescisão de contrato que contenha exclusividade de venda
(PFEIFFER, 2004, p. 22).
O espírito da Lei n. 7.347/1985 é a restauração do status quo ante. A con-
versão da obrigação em perdas e danos é a ultima ratio, quando jurídica ou
materialmente impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado
prático correspondente ou, ainda, quando o próprio credor por elas op-
tar. Deve-se observar a maior coincidência possível entre o direito e sua
realização, de modo que, principiologicamente, não poderá ser admitida

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


a substituição da obrigação pelo seu equivalente pecuniário (WATANABE,
2011, p. 114), o que o art. 11 expressamente postula ao determinar que, na
ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não
fazer, o Estado-juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade
devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução especí-
fica, ou de cominação de multa diária inibitória, se esta for suficiente ou
compatível, independentemente de requerimento do autor.
Além disso, o art. 84 do CDC determina que, na ação que tenha por
objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o Estado-juiz

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências
que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento, sen-
do que, de acordo com o § 1o do art. 84, a conversão da obrigação em
perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se
impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático corres-
pondente.

5.6.1.4 A ação coletiva


A ação coletiva consiste em um procedimento especial estruturado
sob a fórmula de repartição da atividade jurisdicional cognitiva em duas
fases: a primeira, que constitui o objeto da ação coletiva propriamente 317
dita, em que a cognição se limita às questões fáticas e jurídicas que são
comuns à universalidade dos direitos demandados, ou seja, ao seu núcleo
de homogeneidade, e a segunda, a ser promovida em uma ou mais ações
posteriores, propostas em caso de procedência da ação coletiva, em que
a atividade cognitiva é complementada mediante juízo específico sobre
as situações individuais de cada um dos lesados (ZAVASCKI, 2014, p. 151).
A legitimação ativa para a propositura
de ação coletiva
Na primeira fase, a da ação coletiva propriamente dita, a demanda
é promovida mediante substituição processual (a tutela é requerida por
quem não é titular do direito afirmado, em favor de quem o é). Já na se-
gunda fase, a da ação de cumprimento, o regime é o de representação (o
titular do direito postula, em nome próprio, o cumprimento, em seu favor,
da sentença genérica de procedência da ação coletiva) (IDEM, p. 152).
É interessante observar que, no Brasil, vigora o princípio da liber-
dade de adesão ou não ao processo coletivo. Essa liberdade de adesão
compreende: (i) a liberdade de se litisconsorciar ou não ao substituto pro-
cessual autor da ação coletiva, (ii) a liberdade de promover ou de pros-
seguir a ação individual, simultânea à ação coletiva e, finalmente, (iii) a
liberdade de executar ou não, em seu favor, a sentença de procedência
resultante da ação coletiva (IDEM, p. 158).
Conforme dispõe o art. 82 do CDC, para os fins do art. 81, parágrafo
único, são legitimados concorrentemente: o Ministério Público, a União,
os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, as entidades e órgãos da
Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade
jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

protegidos por este código e as associações legalmente constituídas há


pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa
dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a auto-
rização assemblear.
No que tange às entidades e órgãos da Administração, direta e indi-
reta, nem todos estão legitimados, mas somente aqueles especificamente
destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC (art.
318 82, III), hipótese que não se interpreta restritivamente, aplicando-se o
Título III do CDC à tutela judicial de todos os interesses metaindividuais,
inclusive, mas não apenas, os interesses dos consumidores (CARPENA,
2005, p. 161). Há, portanto, a necessidade de um vínculo entre o objeto da
demanda e os fins institucionais do demandante, uma exigência associa-
da ao interesse de agir.
Além disso, no que tange à legitimação para a propositura de ações
coletivas de reparação de danos concorrenciais, desde logo se reconhece
que o CADE não (PFEIFFER, 2015, p. 254) tem legitimação para a propo-
situra de ação coletiva para a tutela de direitos individuais homogêneos,
visto que não se enquadra entre os legitimados que constam do rol do art.
82 do CDC, particularmente do art. 82, III − apesar de autarquia, ele não é
especificamente destinado à defesa dos interesses e direitos dos consu-
midores e/ou dos concorrentes (CARPENA, 2005, p. 161-162). Destaca-se,

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


porém, a legitimação dos PROCONs para a propositura de ação coletiva
para a tutela de direitos individuais homogêneos.
A mesma restrição existe em relação às associações, que, a par dessa
vinculação quanto à sua finalidade institucional, devem estar legalmente
constituídas há pelo menos um ano (art. 82, IV, do CDC).
Aos entes federados (União, Estados, Municípios e Distrito Federal),
a lei não estabeleceu exigência semelhante. Como verificado, o art. 47 da
Lei n. 12.529/2011 prevê hipótese de legitimação extraordinária para todos
aqueles constantes do art. 82 do CDC, entre os quais estão todos os entes

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


federados, proporem ação coletiva para a tutela de direitos individuais
ou individuais homogêneos lesados em decorrência da prática de uma
infração da ordem econômica. Ademais, o Estado pode propor ação em
nome próprio, caso demonstre que seu patrimônio foi lesado por deter-
minada infração da ordem econômica. Imagine-se, por exemplo, que fique
comprovada a existência de prévia combinação entre agentes econômicos
participantes de determinada licitação e que tal conluio ocasionou pre­
juízo ao Erário. Demonstrada a ocorrência da prática de infração da ordem
econômica e comprovado o montante do dano sofrido pelo Estado, o ente
federado poderá ajuizar ação individual para obter a indenização corres-
pondente (PFEIFFER, 2004, p. 28-29).
A legitimação ativa do Ministério Público em ações coletivas para a 319

tutela de direitos individuais homogêneos que envolvam danos causados


a consumidores em decorrência de infrações à legislação concorrencial
consta do art. 82, I, do CDC.
Há, porém, um limitador implícito na legitimação do Ministério
Público, decorrente de normas constitucionais (arts. 127 e 129 da CRFB/88)
que demarcam a sua finalidade e o âmbito de suas atribuições e compe-
tências: a defesa coletiva de direitos individuais homogêneos somente é
legítima quando isso representar também a tutela de relevante interesse
social. É indispensável, pois, que haja conformação entre o objeto da de-
manda e os valores jurídicos previstos no art. 127 da CRFB/88, que atribui
ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses
sociais. A identificação dessa espécie de interesse social compete tan-
to ao legislador (como ocorreu no CDC, por exemplo), como ao próprio
Ministério Público, casuisticamente, mediante o preenchimento valorati-
vo da cláusula constitucional tendo em vista situações concretas e à luz
dos valores e princípios consagrados no sistema jurídico (ZAVASCKI, 2014,
p. 162). Não parece haver dúvida, todavia, sobre o interesse social que a
concorrência representa.
Apesar do debate sobre a legitimação extraordinária do Ministério
Público, aponta-se a possibilidade de aquela instituição propor ação co-
letiva de caráter indenizatório em favor de consumidores lesados por in-
fração da ordem econômica, diante da relevância social dos interesses
tutelados (reparação de danos e efeito pedagógico, de desestímulo para
a prática ilícita). No entanto, tal legitimação limita-se à defesa dos con-
sumidores, não podendo ser estendida para outros prejudicados pelas
infrações da ordem econômica, como empresas concorrentes ou entes pú-
blicos, por exemplo (PFEIFFER, 2015, p. 255-256).
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

Por fim, o art. 82, IV, do CDC confere legitimação ativa às “associações
legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus
fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este
código, dispensada a autorização assemblear”.
A afirmação de que apenas há legitimação das associações para a
propositura de ação coletiva quando seu objeto for a tutela de direitos
individuais homogêneos decorrentes das relações de consumo, encon-
320 trada inclusive na jurisprudência, faz uma interpretação reducionista das
hipóteses legais de legitimação para demandas coletivas, restringindo-as
àquelas do art. 82, IV, do CDC. Contudo, excetuando-se algumas hipóte-
ses, a legitimação prevista no art. 5o, XXI da CRFB/88 é ampla: a entida-
de associativa está habilitada a promover ações coletivas para a tutela
de quaisquer direitos subjetivos de seus filiados, desde que tais direitos
guardem relação de pertinência material com os fins institucionais da as-
sociação, fins esses que, afinal, constituíram o motivo da própria filiação
(ZAVASCKI, 2014, p. 163).
De qualquer forma, dada a “íntima relação entre a defesa da concor-
rência e a proteção do consumidor”, Roberto Pfeiffer refere que há ampa-
ro para a legitimação das associações para a propositura de ação coleti-
va para reparação de danos causados por infração da ordem econômica
(PFEIFFER, 2015, p. 253). Nesse sentido, como a norma do art. 82, IV, do
CDC exige que a associação inclua entre seus fins institucionais a defesa

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


dos interesses e direitos protegidos pelo CDC, é imprescindível que o
estatuto da associação mencione a proteção do consumidor entre suas
finalidade específicas, não havendo necessidade de menção à defesa da
concorrência para que a associação possa propor demanda com base no
art. 47 da Lei n. 12.529/2011 (IDEM).
Por fim, destaca-se que, de acordo com o § 1o do art. 82 do CDC, o re-
quisito da prévia constituição da associação, há pelo menos um ano, para
que ela tenha legitimação ativa, pode ser dispensado pelo Estado-juiz,
quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou ca-

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


racterística do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido,
caso da infração da ordem econômica que prejudique seus associados.
A título comparativo, é interessante observar que o ilícito con-
correncial, na Alemanha, dá margem à tutela jurisdicional por meio da
Verbandsklage, ação coletiva direcionada primordialmente à cessação da
lesão e que nasce com a primeira codificação envolvendo o Direito da
Concorrência naquele país, a UWG de 1896 (lei anterior à UWG ainda hoje
vigente, promulgada em 1909), que já facultava o manejo da Verbansklage,
ainda que apenas aos concorrentes, o que foi alterado em 1965, como
visto, para permitir sua utilização por associações de consumidores
(SCHAUMBURG, 2006, p. 24).
321

Os provimentos passíveis de concessão


Na ação coletiva, a sentença é necessariamente genérica, fazendo
juízo apenas sobre o núcleo de homogeneidade dos direitos afirmados
na inicial, ou seja, apenas sobre três dos cinco principais elementos da
relação jurídica que envolve os direitos subjetivos objeto da controvérsia:
o an debeatur (existência da obrigação do devedor), o quis debeatur (identi-
dade do sujeito passivo da obrigação) e o quid debeatur (natureza da pres-
tação devida). O cui debeatur (quem é o titular do direito) e o quantum de-
beatur (qual é o valor líquido da prestação a que especificamente faz jus)
é tema que será analisado e decidido por outra sentença, proferida em
outra ação, a ação de cumprimento. Por isso se afirma que a sentença na
ação coletiva é genérica (ZAVASCKI, 2014, p. 153-154).
Desse modo, apesar de genérica, a sentença é certa e ilíquida. Ela es-
tabelece, no caso de procedência da ação coletiva, a obrigação de indenizar
pelos danos causados, permanecendo a necessidade de apurar os destina-
tários e a extensão da reparação na fase de liquidação de sentença.
Nesse contexto, no curso da instrução probatória da ação coletiva, o
Estado-juiz verificará se o demandado efetivamente cometeu um ato ilíci-
to, o que, na hipótese deste trabalho, pressupõe a demonstração de que
houve a prática de uma infração da ordem econômica. Posteriormente,
averiguar-se-á se tal conduta gerou um dano e se há nexo de causalidade
entre o dano apontado e a conduta ilícita (qual seja, a prática de uma in-
fração da ordem econômica). Demonstrando-se que sim, haverá uma sen-
tença condenatória genérica fixando a responsabilidade do demandado
pelos danos causados (PFEIFFER, 2015, p. 257), conforme estabelece o
art. 95 do CDC.
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

Assim, uma característica importante das ações coletivas envolve o


fato de que, ao contrário do que ocorre na esfera administrativa, há a ne-
cessidade de demonstrar que a conduta produziu efeitos concretos que
ocasionaram prejuízos quantificáveis, in casu, aos consumidores (IDEM).
Assim, ainda que o CADE tenha identificado uma violação em abstrato
(potencial) para o mercado, a pretensa vítima, em sua ação individual, não
fica dispensada de demonstrar os requisitos necessários para a reparação
322 cível que pretende obter (NUSDEO, 2013, p. 1205). No entanto, a quan-
tificação poderá ser efetivada na segunda fase, a das habilitações indivi­
duais, em que cada indivíduo demonstrará (i) que sofreu um dano, (ii) que
há nexo de causalidade entre o dano sofrido e a conduta da empresa, (iii)
quais são os prejuízos e qual o montante necessário para repará-los.
Assim, contextualizando o tema, traz-se um exemplo401 didático: su-
ponha-se a existência de um cartel que tenha elevado artificialmente o
preço de seus produtos em 10% sobre o preço “competitivo”. Havendo
uma ação coletiva para que os consumidores afetados obtenham o res-
sarcimento do prejuízo decorrente da infração da ordem econômica, na
medida em que pagaram pelo produto um preço superior ao preço mé-
dio praticado antes da eliminação da concorrência e, na hipótese de a
ação coletiva ser julgada procedente, o Estado-juiz fixará, genericamente,

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


a obrigação de o demandado indenizar todos aqueles que sofreram algum
prejuízo em virtude da infração, pagando um sobrepreço para adquirir
o produto. Após, na fase de habilitações, haverá a liquidação do dano
sofrido por cada um dos consumidores, que deverão comprovar (i) que
sofreram o dano, (ii) que há nexo de causalidade entre o dano sofrido e
a conduta da empresa e (iii) quais os prejuízos e o montante necessário
para repará-los (PFEIFFER, 2015, p. 258).

O fundamento do ne bis in idem

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


O art. 37, caput, e incisos da Lei n. 12.529/2011 prevê a cominação
de pena aos responsáveis pela prática de infração da ordem econômi-
ca. Assim, no caso de empresa, prevê-se multa de 0,1% (um décimo por
cento) a 20% (vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa,
grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração
do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que
ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quan-
do for possível sua estimação. No caso das demais pessoas físicas ou ju-
rídicas de Direito Público ou Privado, bem como quaisquer associações
de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de Direito, ainda que
temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam 323
atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do
faturamento bruto, a multa será entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e
R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais). No caso de administrador, di-
reta ou indiretamente responsável pela infração cometida, quando com-

401 O exemplo é de Roberto Pfeiffer (2015, p. 258).


provada a sua culpa ou dolo, multa de 1% (um por cento) a 20% (vinte por
cento) daquela aplicada à empresa, no caso previsto no inc. I do caput
deste artigo, ou às pessoas jurídicas ou entidades, nos casos previstos no
inc. II do caput deste artigo.
Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em
dobro e, no cálculo do valor da multa de que trata o inc. I do caput deste ar-
tigo, o CADE poderá considerar o faturamento total da empresa ou grupo
de empresas, quando não dispuser do valor do faturamento no ramo de
atividade empresarial em que ocorreu a infração, definido pelo CADE, ou
quando este for apresentado de forma incompleta e/ou não demonstrado
de forma inequívoca e idônea.
Além disso, de acordo com o art. 38 da Lei n. 12.529/2011, poderão ser
impostas outras penas, sem prejuízo daquelas cominadas no art. 38, con-
siderando a gravidade dos fatos ou o interesse público geral. Essas penas,
que poderão ser impostas isolada ou cumulativamente, envolvem (i) a pu-
blicação, em meia página e às expensas do infrator, em jornal indicado na
decisão, de extrato da decisão condenatória, por 2 (dois) dias seguidos,
de 1 (uma) a 3 (três) semanas consecutivas, (ii) a proibição de contratar
com instituições financeiras oficiais e participar de licitação tendo por ob-
jeto aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de
serviços públicos, na administração pública federal, estadual, municipal
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

e do Distrito Federal, bem como em entidades da administração indire-


ta, por prazo não inferior a 5 (cinco) anos, (iii) a inscrição do infrator no
Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor, além (iv) da recomendação
aos órgãos públicos competentes para que:

a) seja concedida licença compulsória de direito de propriedade intelectual


de titularidade do infrator, quando a infração estiver relacionada ao uso
324 desse direito;
b) não seja concedido ao infrator parcelamento de tributos federais por ele
devidos ou para que sejam cancelados, no todo ou em parte, incentivos
fiscais ou subsídios públicos;
V – a cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de
ativos ou cessação parcial de atividade;
VI – a proibição de exercer o comércio em nome próprio ou como represen-
tante de pessoa jurídica, pelo prazo de até 5 (cinco) anos; e
VII – qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos
efeitos nocivos à ordem econômica.

Assim, diante do fato de o legislador atribuir ao CADE o poder-dever


de multar severamente agentes econômicos infratores da ordem econô-
mica pela potencialidade do dano causado ao funcionamento do merca-
do, independentemente, inclusive, de eventuais lucros auferidos com a

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


prática do ilícito, no caso da reparação cível, impõe-se a demonstração do
mesmo ilícito, dano e nexo de causalidade, sob pena de enriquecimento
ilícito ou mesmo de bis in idem em relação à sanção aplicada pela autarquia
concorrencial (NUSDEO, 2013, p. 1206).
Portanto, não há falar em bis in idem no caso de uma determinada prá-
tica infratora da ordem econômica ser objeto de repressão, mediante a
imposição de pena, no âmbito administrativo e, simultaneamente, a “cau-
sa de pedir” de uma ação cível reparatória movida por quaisquer prejudi-
cados, conforme a previsão do art. 47 da Lei n. 12.529/2011.

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


Assim, o ne bis in idem dá-se porque a natureza da multa imposta pelo
CADE e da condenação que pode ser imposta pelo Poder Judiciário é
fundamentalmente distinta. Essa distinção ocorre tanto no aspecto for-
mal como no aspecto material. Formalmente, a multa apresenta-se como
uma sanção do Estado-administração, enquanto a decisão judicial será
um ato do Estado-juiz. Materialmente, a multa possui uma função dissu-
asória, objetivando desestimular o agente econômico a praticar a condu-
ta, enquanto a condenação judicial apresentará uma função reparatória,
com vista a compensar os lesados dos prejuízos causados pela conduta
(PFEIFFER, 2004, p. 20).

5.7 Conclusão parcial 325

A partir da análise realizada, que parte da constatação de que a


Constituição atribui ao Estado, genericamente considerado, o dever de
promover a defesa do consumidor, direito fundamental e princípio da or-
dem econômica, além de promover a defesa da concorrência, que, en-
quanto instituição jurídica, perfaz, também, um direito fundamental, e
que a lei concorrencial exerce um papel importante para tanto, neste ca-
pítulo, percebeu-se que:
a. os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma
invenção humana em constante processo de construção e reconstrução,
de forma que se desenvolvem em ondas,
b. há evidências de que o direito do consumidor se trata de um direito
humano, havendo, na literatura, reconhecimentos pontuais nesse sentido,
c. os direitos fundamentais apresentam uma dimensão dupla: sua
consideração não se refere tão somente ao aspecto subjetivo relacionado
com o “direito a algo”, mas também ao aspecto objetivo, enquanto norma
fundamental que apresenta eficácia irradiante a todo o sistema jurídico,
d. os direitos fundamentais são fonte de direitos subjetivos para o
particular, oponíveis contra o Poder Público e implementáveis nas rela-
ções privadas,
e. o tema subjacente ao reconhecimento do direito à concorrência
é plural e envolve a liberdade, o direito à escolha e a dignidade da pes-
soa humana em sua dimensão econômica. Vincula-se à teoria da escolha
do consumidor (consumer choice), proposta por Neil Averitt e Robert Lande,
que propugna a consideração da concorrência como fator integrante da
realização da soberania do consumidor,
f. os direitos fundamentais − na condição de garantias institucionais
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

− em que pese não exercerem a função de uma garantia absoluta do status


quo, protegem o núcleo essencial de determinados institutos jurídico-pri-
vados (garantias de instituto) e jurídico-públicos (garantias institucionais
stricto sensu), no sentido de que seu objeto constitui um complexo de nor-
mas jurídicas. A propósito, refere-se que as garantias institucionais apenas
existem em função dos direitos subjetivos que elas representam, e não
diretamente em função da instituição considerada em si mesma (SARLET,
326 2009, p. 181-183) − perspectiva que comprova o caráter instrumental da
concorrência, sobre o qual se falou no terceiro capítulo deste trabalho, e
contribui para reconhecer o direito à concorrência,
g. deriva do superprincípcio da dignidade da pessoa humana a de-
fesa do consumidor, que representa um dos estados de vulnerabilidade
da pessoa humana. E, do superprincípio da dignidade da pessoa humana
e do direito fundamental e princípio da defesa do consumidor deriva a
necessidade de reconhecimento de um novo direito fundamental, o di-
reito à concorrência, o que é reforçado pelo fato de a ordem econômica
pretender assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames
da justiça social,
h. embora a literatura nacional se refira usualmente à concorrência
como um interesse/direito difuso, há situações fáticas que podem carac-
terizar o direito da concorrência como direito difuso, coletivo stricto sensu e
individual homogêneo,

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


i. a lei concorrencial protege o consumidor de três formas, a saber, (i)
como parte da coletividade, que é a titular dos bens jurídicos protegidos
pela Lei n. 12.529/2011 (art. 1o, parágrafo único), (ii) como “prejudicado”
por uma infração da ordem econômica (art. 47) e (iii) como “beneficiário”
de parte relevante de benefícios decorrentes de uma concentração eco-
nômica autorizada pelo CADE (art. 88, § 6o) e
j. para a defesa do direito à concorrência podem ser manejados os se-
guintes remédios: apresentação de representação ao SBDC, propositura
de ação individual, de ação coletiva de ação civil pública.

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:

327
CONCLUSÃO

Discurso, do latim discursus, é, originalmente, a ação


de correr para todo lado; são idas e vindas (BARTHES,
1981, p. 1) que permitem, metaforicamente, abordar um
assunto de diversas formas.
Este trabalho, que se pretendeu um discurso sobre o
reconhecimento do direito à concorrência, no sistema ju-
rídico brasileiro, verificou que as normas concorrenciais,
presentes sobretudo na CRFB/88 e na Lei n. 12.529/2011,
que reprime o abuso do poder econômico, protegem di-
versos bens jurídicos, inter alia a defesa do consumidor.
A partir disso, analisou a confluência entre o Direito da
Concorrência e do Consumidor e suas políticas públicas
correlatas a fim de compreender a defesa do consumidor
em seu viés concorrencial, além do papel do consumidor
no “devido processo econômico”.
Ele verificou que o superprincípio da dignidade da
pessoa humana, que ao fim e ao cabo legitima o direito à
concorrência, é fundamento do Estado brasileiro e de sua
atuação e um valor intrínseco, do qual decorre um postu-
lado antiutilitário (BARROSO, 2014, p. 76), pois o homem
é o destino do homem402 (BRECHT, 1934).

402 Fábio Konder Comparato também aponta que o jovem Marx, em sua
Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, antecipando-se ao pensamento
existencialista, já apontara que “o homem não é um ser abstrato, acocora-
do fora do mundo. O homem é o mundo do homem, o Estado, a socieda-
de”. (COMPARATO, 2010, p. 40)
Verificou também que a concorrência é um valor atribuído ou ins-
trumental que está à disposição da defesa do consumidor, direito funda-
mental cuja implementação, em um sistema econômico capitalista, de-
manda um quadro em que exista a concorrência eficaz, que significa uma
proteção avant la lettre do consumidor, sempre que não se esteja diante de
situações que envolvam falhas de mercado e que demandem, por isso, a
aplicação do Direito Regulatório.
A proteção da instituição concorrencial, enquanto instituição jurídica
precursora da defesa do consumidor, é a prioridade de uma política de
defesa da concorrência orientada pela defesa do consumidor, com vista
a concretizar a dignidade da pessoa humana em sua dimensão econômi-
ca, o que não significa que a política concorrencial deva apresentar como
único objeto a proteção dos interesses do consumidor e, tampouco, do
concorrente. Seu objeto primordial é a proteção da concorrência e, se essa
tarefa for cumprida, cumpre-se, também, o mandamento constitucional da
defesa do consumidor.
Como o superprincípio da dignidade da pessoa humana descreve
uma realidade complexa, o trabalho considerou que, sob a perspectiva
jurídica, e não econômica, o paradigma da liberdade de escolha, defen-
dido pela Escola de Freiburg, deve prevalecer em caso de conflito com
o paradigma da eficiência, defendido pela Escola de Chicago, uma vez
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

que a conquista de eficiência − fator que, presente no controle estrutural,


é, ao lado do repasse de parte relevante de benefícios ao consumidor,
conforme dispõe o art. 88, § 6o, da Lei n. 12.529/2011, determinante para
a autorização de atos de concentração econômica com efeitos anticoncor-
renciais − pode, eventualmente, não se materializar em benefícios ao con-
sumidor, a menos que o aspecto distributivo do Direito da Concorrência
seja aprimorado.
330 A partir da constatação de que a proposta do CDC é multiplicar a prote-
ção conferida ao consumidor e de que seu argumento é o pluralismo, a coe-
xistência de instrumentos legislativos passíveis de ampliar, complementar,
integrar e, por isso mesmo, fortalecer a defesa do consumidor, é plausível.
Assim, após uma leitura pari passu da Lei n. 12.529/2011 com o sentido e o
alcance dos valores e fins constitucionais (interpretação sistemática, teleo-
lógica e conforme à Constituição), tendo em vista a unidade do sistema jurí-
dico (e a ideia dworkiana do Direito como integridade [DWORKIN, 2011]), o
trabalho reconheceu que ela protege o consumidor direta e indiretamente,
de três formas, a saber: (i) como parte da coletividade, que é a titular dos
bens jurídicos protegidos pela Lei n. 12.529/2011 (art. 1o, parágrafo único),
(ii) como “prejudicado” por uma infração da ordem econômica (art. 36) e (iii)
como “beneficiário” de parte relevante de benefícios decorrentes de uma
concentração autorizada pelo CADE (art. 88, § 6o).
Como exposto na introdução deste trabalho, a pesquisa aqui descrita

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


pressupôs a necessidade de se transpor o paradigma atual, em que o con-
sumidor tem participação tímida no “devido processo econômico”, e de
pensar a possibilidade de ampliar a participação consumerista no plano
concorrencial, pelo esclarecimento das modalidades protetivas ofereci-
das pelas normas concorrenciais e pelo eventual reconhecimento de um
direito fundamental à concorrência. Assim, considerando (i) que a defesa
do consumidor, expressão do superprincípio da dignidade da pessoa hu-
mana, constitui um direito fundamental e um princípio constitucional cuja
realização depende da instituição concorrencial, que contribui de forma

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:


proeminente para assegurar o exercício do direito à escolha e para a pró-
pria realização do ato de consumo, ato que encerra o ciclo econômico de
um produto ou de um serviço, soma algo à vida de alguém, aperfeiçoa a
sua existência, contribuindo para a realização da vida boa outrora referi-
da pelos clássicos, (ii) que a ordem econômica, fundada na valorização
do trabalho humano e na livre iniciativa, pretende assegurar a todos uma
existência digna, conforme os ditames da justiça social, (iii) que os direi-
tos fundamentais − na condição de garantias institucionais − protegem
o núcleo essencial de determinados institutos jurídico-privados e insti-
tuições jurídico-públicas, entre as quais se insere a concorrência como
garantia institucional e constitucional e, finalmente, (iv) que ter um direito
é ter uma necessidade cuja satisfação é exigida pelas normas do sistema 331

jurídico (CANOTILHO, 2004, p. 48), o trabalho reconheceu a existência de


um “direito a concorrência”, que é claramente um direito fundamental.
Então, a partir do reconhecimento do direito fundamental à concor-
rência, que é, em essência, um direito à diversidade, vinculado à liberdade
individual de escolha e de satisfação de desejos e de necessidades (auto-
determinação), além de uma garantia institucional, o trabalho propõe um
conceito nos seguintes termos: o direito à concorrência decorre dos dis-
positivos constitucionais referentes à cidadania (art. 1o, II), à dignidade da
pessoa humana (art. 1o, III), ao pluralismo político (art. 1o, V), à construção de
uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3o, I), à defesa do consumidor (art.
5o, XXXII e 170, V), à livre concorrência (art. 170, IV), à livre iniciativa (art. 170,
caput) e à repressão ao abuso do poder econômico (art. 173, § 4o), cuja con-
trapartida estatal (eficácia vertical) e de terceiros (eficácia horizontal) é que
seja assegurada ao consumidor uma tal diversidade de oferta de produtos
e de serviços que possa de fato refletir a pluralidade que caracteriza a de-
mocracia, permitindo o exercício do direito à escolha e do ato de consumo,
um ato político por natureza, em sua maior amplitude possível e, igualmen-
te, atendendo à diversidade de necessidades especiais dos consumidores,
caso dos consumidores hipervulneráveis.
Além disso, o trabalho sustenta que o direito fundamental à concor-
rência está estruturado na forma de um princípio que integra, ainda que
implicitamente, o sistema jurídico brasileiro, pois sobressai o seu caráter
eminentemente finalístico em detrimento do prescritivo. O estado de coi-
sas buscado por esse princípio não prevê, assim, as condutas expressa-
mente devidas à promoção deste, que devem, todavia, ser extraídas da
interpretação e da aplicação dessa norma-princípio à luz do caso concreto
(ÁVILA, 2014a, p. 102).
SÉRIE MONOGRAFIAS DO CEJ, V. 29

Percebe-se, assim, que o direito fundamental à concorrência integra


os direitos do consumidor e configura, segundo a classificação proposta
por Robert Alexy, direitos de defesa e direitos a prestações em sentido
amplo, além de direitos à proteção e direitos a organização e procedimen-
to, subespécie dos direitos prestacionais (ALEXY, 2015, p. 432).
Desse modo, considerando (i) que ao Estado incumbe a obrigação
permanente de realização dos direitos fundamentais, que têm eficácia
332 irradiante, fornecendo diretrizes para a aplicação e a interpretação do
Direito infraconstitucional (SARLET, 2009, p. 146), (ii) que a defesa do con-
sumidor, além de princípio da ordem econômica, apresenta-se como di-
reito fundamental, (iii) que a concorrência é a força que leva à adoção de
configurações eficientes de mercado (FARINA; AZEVEDO; SAES, 1997, p.
158), constituindo uma garantia institucional que expressa um direito fun-
damental, especialmente relacionado ao tema da defesa do consumidor,
o trabalho propõe (i) que se considere discutir a positivação do direito à
concorrência como direito fundamental no texto constitucional, por meio
de Projeto de Emenda à Constituição (PEC), e como direito básico do con-
sumidor, integrando-o expressamente ao texto do CDC. Além disso, pro-
põe (ii) que se considere discutir a possibilidade de alteração da Lei n.
12.529/2011 e do Guia para Análise Econômica de Atos de Concentração
Horizontal, hoje utilizado pelo CADE, para que as formas de implementa-
ção da defesa do consumidor no plano concorrencial tornem-se mais evi-

o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor


dentes, bem assim os parâmetros de avaliação do bem-estar do consumi-
dor, em atenção, entre outros, ao princípio da segurança jurídica inerente
ao sistema jurídico.

Do Direito da Concorrência ao direito à concorrência:

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