Modelo 8 - Parte 2

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Modelo 8

Unidade 2 - Portugal do autoritarismo à


democracia
2.1 Imobilismo político e crescimento económico do pós-guerra a
1974

A posição de neutralidade que Portugal assumiu na Segunda Guerra Mundial


permitiu a sobrevivência do regime salazarista. Apesar de alguns sobressaltos e do
desencadear de uma dura guerra nas colónias, a vida política do país manteve
uma feição autoritária, a que nem mesmo a doença e substituição do velho
ditador foi capaz de pôr fim.

Este nosso país não soube também acompanhar o ritmo económico das nações
mais desenvolvidas. Mesmo com algumas realizações louváveis, o atraso
português persistiu e, em certos setores, como a agricultura, agravou-se.

O Estado Novo estava, no início dos anos 70, à beira do fim.

2.1.1 Coordenadas económicas e demográficas

A estagnação do mundo rural

Em 1945, Portugal era um dos países menos desenvolvidos da Europa, como já


referido. Mais de metade da população trabalhava no setor primário, o que
revelava o atraso da economia portuguesa, nomeadamente da agricultura.

Apesar das campanhas de produção dos anos 30 e 40, o país agrário continuava
um mundo sobrepovoado e pobre, com índices de produtividade muito
inferiores à média europeia. Os estudos sobre a situação da agricultura
portuguesa apontavam como essencial o redimensionamento da produtividade,
que apresentava uma profunda assimetria Norte-Sul:
● No sul do País (onde predominavam os latifúndios), prevalecia a escassa
mecanização e o absentismo dos proprietários que mantinham a
produtividade muito baixa.

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● No norte do país, constituído maioritariamente por zonas de pequena
propriedade, continuava a praticar-se uma agricultura tradicional, pouco
produtiva.

Portugal importava, por isso, grandes quantidades de produtos agrícolas.

A partir do início da década de 50, alguns capitalistas e alguns responsáveis


governamentais passaram a defender que o crescimento industrial deveria ser o
verdadeiro motor de todo o sistema económico nacional. Assim, elaboraram-se
planos de reforma, que tornaram como referencia a exploração agrícola média,
fortemente mecanizada, capaz de assegurar um rendimento confortável aos seus
proprietários e, assim, contribuir também para a elevação do consumo de produtos
industriais.

Tal como já tinha acontecido no passado, ergueu-se no contra estas novas


medidas, a cerrada oposição dos latifundiários do Sul, que utilizaram a sua
grande influência política as inviabilizarem. Desta forma, as alterações na
estrutura fundiária acabaram por nunca se fazer e a política agrária esgotou-se
em subsídios e incentivos que pouco efeito tiveram e beneficiaram os grandes
proprietários do Sul e os grandes vinhateiros.

Na década de 60, quando o país enveredou decididamente pela via


industrializadora, a agricultura viu-se relegada para o segundo plano. Esta década
saldou-se por um decréscimo brutal da taxa de crescimento do Produto Agrícola
Nacional e por um êxodo rural maciço, que esvaziou as aldeias do interior.

Fruto desta situação, cresceu a disparidade entre a produção e o consumo


alimentar, o que elevou o défice agrícola de 1,2 milhões de contos, em 1967, para
8 milhões, em 1973. Este último montante correspondia a mais de ¼ do défice global
do país.

A emigração

Fenómeno persistente da história portuguesa, a emigração reduziu-se


drasticamente nas décadas de 30 e 40, devido, primeiro, à Grande Depressão e, em
seguida, à Segunda Guerra Mundial.

O crescimento económico proporcionado pela industrialização dos anos 50 e 60,


embora significativo, era insuficiente para que Portugal recuperasse do atraso que
o separava dos países mais desenvolvidos.

Esta situação de atraso afetava sobretudo as populações rurais, cujas condições


de vida eram particularmente difíceis: a produtividade agrícola era baixíssima. A

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pobreza do campesinato deu origem a um excecional movimento migratório, quer
para os principais centros urbanos portugueses, quer para o estrangeiro, visto
que nesta época, para além da atração pelos altos salários do mundo
industrializado, há que ter em conta os efeitos da guerra colonial (a perspetiva
do recrutamento compulsivo para a guerra de África foi um dos motivos que
também pesou na fuga para o estrangeiro).

Foi nos anos 60 que as periferias de Lisboa e do Porto cresceram rápida e


desordenadamente, e aqueles que emigravam para estas cidades, nem sempre
mudavam para melhor, muitos deles passavam a viver em bairros de lata ou
bairros clandestinos.

No entanto, o maior destino da população rural portuguesa seria, porém, a


emigração para os países desenvolvidos. Embora a emigração fosse uma
constante de longa data na sociedade portuguesa, sofreu, a partir da década de
60, um dramático aumento.

O destino principal deste novo surto migratório foi sobretudo a França, seguido
em menor escala pela América do Norte e do Sul. O Brasil que até à década de
50 era o principal destino, perde gradualmente o seu poder de atração.

Metade da população desta emigração fez-se clandestinamente. A legislação


portuguesa subordinava o direito de emigrar, colocando-lhe restrições, como a
exigência de um certificado de habilitações mínimas a todos os que tivessem mais
de 14 anos. Com o deflagrar da guerra colonial, juntou-se a estes requisitos a
exigência do serviço militar cumprido, obrigação a que muitos se pretendiam
eximir. Sair a «salto», como então se dizia, tornou-se a opção de muitos
portugueses.

Não obstante esta política restritiva, o Estado procurou salvaguardar os


interesses dos nossos emigrantes, celebrando, no início dos anos 60, acordos com
os principais países de acolhimento. Estes acordos permitiram ao país receber
um montante muito considerável de divisas: as remessas dos emigrantes.

Em consequência deste surto emigratório, a população estagnou. Certas regiões,


em especial no interior, quase se despovoaram. O resultado deste abandono dos
campos foi a diminuição da produção agrícola e o aumento da importação de
bens alimentares.

Apesar de tudo, a emigração trouxe também benefícios ao país. As remessas em


divisas estrangeiras contribuíram, juntamente com as receitas do turismo, para
atenuar o desequilíbrio das contas com o exterior.

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O surto industrial

A política de autarcia empreendida pelo Estado Novo não atingiu os seus objetivos.
Portugal continuou dependente do fornecimento estrangeiro em matérias-
primas, energia, bens de equipamento e outros produtos industriais, adubos e
alimentos. Quando os países que tradicionalmente nos forneciam se
envolveram na guerra, os abastecimentos tornaram-se precários e grassou a
penúria e a carestia. Assim, em 1945, a Lei do Fomento e Reorganização Industrial
estabelece as linhas mestres da política industrializadora dos anos seguintes.

- Dependência ao estrangeiro;
- Agricultura que continuava a não atingir os valores necessários.


Elaboração de Planos de Fomento

Entretanto, Portugal assina em 1948, o pacto fundador da OECE, integrando-se


nas estruturas de cooperação previstas no Plano Marshall, e embora pouco
tenhamos beneficiado da ajuda americana, a participação na OECE reforçou a
necessidade de um planeamento económico, conduzindo então à elaboração dos
Planos de Fomento, que caracterizaram a política de desenvolvimento do Estado
Novo.

O I Plano de Fomento (1953-58) não rejeitou a agricultura, embora tenha


reconhecido a importância da industrialização para a melhoria do nível de vida. O
plano baseou-se ainda num conjunto de investimentos públicos que se distribuía
por vários setores, com prioridade para a criação de infraestruturas.

No II Plano de Fomento (1959-64) alarga-se o montante investido e elege-se a


indústria transformadora de base como setor a privilegiar (siderurgia, refinação
de petróleos, adubos, químicos…). Pela primeira vez, a política industrializadora é
assumida sem ambiguidades, subordinando-se a agricultura que sofreria os efeitos
positivos da industrialização.

Em suma, estes dois primeiros planos mantém intocado o objetivo da substituição


das importações e a lei do condicionamento industrial.

Os anos 60 trouxeram, porém, alterações significativas à política económica


portuguesa. No decurso do II Plano, Portugal integrou-se na economia europeia
e mundial: tornou-se um dos países fundadores da EFTA (ou AECL – Associação

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Europeia de Comercio Livre), e mais tarde dois decretos-lei que aprovam o acordo
do BIRD e do FMI, e por último um protocolo com o GATT.

A adesão a estas organizações marca a inversão da política da autarcia do


Estado Novo. O Plano Intercalar de Fomento (1965-67) enfatiza já as exigências
da concorrência externa inerente aos acordos assinados, e a necessidade de rever
o condicionamento industrial, que se considerava desadequado às novas
realidades. O grande ciclo salazarista aproximava-se do fim.

Em 1968, a nomeação de Marcelo Caetano para o cargo de Presidente de


Conselho inaugura, com o III Plano de Fomento (1968-73), uma orientação
completamente nova. A implementação deste novo plano veio confirmar a
internacionalização da economia portuguesa, o desenvolvimento da indústria
privada como setor dominante da economia nacional, o crescimento do setor
terciário e consequente incremento urbano.

No que concerne à internacionalização da economia, assistiu-se ao fomento da


exportação de produtos nacionais, num quadro de afirmação cada vez mais
consistente da livre concorrência, e à abertura do país aos investimentos
estrangeiros, em especial quando geradores de emprego e portadores de
tecnologias avançadas.

Esta política conduziu à consolidação dos grandes grupos económico-


financeiros e ao acelerar do crescimento nacional, que atingiu, então, o seu
pico. No entanto, o País:
- continuou a sentir as exigências da guerra colonial;
- o seu enorme atraso face à Europa desenvolvida;

A urbanização

Este surto industrial traduziu-se inevitavelmente no crescimento no setor


terciário e progressiva urbanização do país. Em 1970, mais de ¾ da população
portuguesa vivia em cidades e cerca de metade desta população urbana vivia em
cidades com mais de 10 000 habitantes. Viveu-se em Portugal, no terceiro quartel
do século XX, o fenómeno urbano que caracterizou a Europa no século anterior.

Com efeito, sobretudo as cidades do litoral, onde se concentravam as grandes


indústrias e os serviços, viram a aumentar os seus efetivos populacionais,
concentrados nas áreas periféricas. É o tempo da formação, em torno das grandes
cidades, dos “dormitórios” de populações que, diariamente, passaram a dirigir-
se para os locais de trabalho, tornando obsoleto o sistema de transportes
públicos.

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Quer dizer que, à semelhança do que ocorreu na Europa industrializada, também
em Portugal se fizeram sentir os efeitos da falta de estruturas habitacionais, de
transportes, de saúde, de educação, de abastecimento, tal como os mesmos
problemas de degradação da qualidade de vida, de marginalidade e de
clandestinidade a que os poderes públicos tiveram de dar resposta.

O fomento económico nas colónias

No período que se seguiu ao fim da guerra, o fomento económico das colónias


passou também a constituir uma preocupação do Governo Central, no âmbito
da alteração da política colonial.

Com efeito, nos inícios dos anos 50, o conceito de província ultramarina não se
compunham com as formas tipicamente coloniais de exploração dos territórios
africanos. O entendimento das colónias como extensões naturais do território
metropolitano tinha, forçosamente, de levar o Governo de Salazar a autorizar a
instalação das primeiras industrias como alternativa económica à exploração do
trabalho negro nas grandes fazendas agrícolas. Havia necessidade de demonstrar à
comunidade internacional que o Governo Central se empenhava no fomento
económico das suas “províncias ultramarinas” como forma de legitimar este
novo conceito de colónias. Acrescia que a industrialização dos territórios
ultramarinos era cada vez mais entendida como um fator determinante do
desenvolvimento da economia metropolitana.

Por conseguinte, os sucessivos planos de fomento previam também para os


territórios africanos, em especial para Angola e Moçambique, medidas
impulsionadoras do seu desenvolvimento paralelas às implementadas na
metrópole.

Logo, com o primeiro plano, em 1953, Angola e Moçambique foram contempladas


com avultados investimentos para a criação de infraestruturas, como caminhos de
ferro, estradas, pontes, aeroportos, portos, centrais hidroelétricas. Paralelamente,
desenvolveram-se os setor agrícola (sisal, açúcar e café, em Angola; oleaginosas,
algodão e açúcar, em Moçambique) e a extração de matérias-primas (diamantes,
petróleo e minério de ferro, em Angola), virados para o mercado externo.

Associado a este fomento económico esteve o lançamento de projetos de


colonização intensiva com população branca, sobretudo após o início da guerra. A
consolidação da presença portuguesa em áreas onde era pouco notada a influência
branca era também uma forma de evidenciar a particularidade das relações de
Portugal com as suas colónias e, por outro lado, constituía uma forma de atrair
as populações locais para o lado português e suster o avanço dos guerrilheiros.

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O fomento económico das colónias intensificou-se, em consequência da eclosão da
guerra na sequência do lançamento da ideia de Salazar em construir um Espaço
Económico Português (EEP). É no âmbito deste objetivo que se assiste à
beneficiação de vias de comunicação, à construção de escolas, hospitais e,
sobretudo, ao lançamento de obras grandiosas.

2.1.2 A radicalização das oposições e o sobressalto político de 1958

Nos dias 7 e 8 de maio, grandes manifestações celebraram, nas ruas da capital, a


derrota da Alemanha. As democracias, aliadas à União Soviética, tinham vencido
a guerra e mostrado assim, a sua superioridade face aos regimes repressivos de
direita. Salazar, tirou deste facto, a ideia de que o seu regime deveria
democratizar-se ou corria o risco de cair.

Neste contexto , o Governo toma a iniciativa de antecipar a revisão


constitucional (Constituição de 1933 que consagra a ideologia do Estado Novo),
dissolver a Assembleia Nacional e convocar eleições antecipadas, que Salazar
anuncia «tão livres como na livre Inglaterra».

Um clima de otimismo instala-se entre aqueles que viam com maus olhos o
Estado Novo. Em 8 de outubro, de uma entusiástica reunião no Centro Republicano
Almirante Reis que nasceu a MUD (Movimento de Unidade Democrática), que
congregou a força da oposição.

O impacto deste movimento dá início à oposição democrática. Em pouco tempo,


reuniram-se 50.000 assinaturas e as adesões alastraram por todo o país.

Como forma de garantir a legitimidade do ato eleitoral, o MUD formula algumas


exigências, tais como: o adiamento das eleições por seus meses, a reformulação
dos cadernos eleitorais, a imprescindível liberdade de expressão, de reunião e de
informação.

Como nenhuma das reivindicações do Movimento foram satisfeitas, concluiu-se que


o ato eleitoral não passaria de uma farsa. As listas de adesão ao MUD, que o
Governo requereu a fim de «examinar a autenticidade das assinaturas»,
forneceram à polícia política as informações necessárias para uma repressão
eficaz, tendo muitos aderentes ao MUD interrogados, presos e despedidos do
seu trabalho.

Entretanto, o clima de guerra fria foi tomando conta da Europa e as preocupações


das democracias ocidentais orientaram-se para a contenção do comunismo.

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Desta forma, em 1949, Portugal tornou-se membro da NATO, o que equivalia
estar de acordo com os parceiros desta organização, pois o nosso país servia
de barreira na expansão do comunismo e isto permitiu a Salazar afirmar mais
o seu regime.

Neste mesmo ano, a oposição voltam a ter uma nova oportunidade de


mobilização, desta vez em torno da candidatura de Norton de Matos às
eleições presidenciais, sendo a primeira vez que um candidato da oposição
concorria à Presidência. A sua concorrência entusiasmou o país, da mesma forma
que o desiludiu com a sua desistência, enfraquecendo assim a oposição
democrática.

O Governo pensou ter controlado a situação até que, em 1958, a candidatura de


Humberto Delgado a novas eleições presidenciais desencadeou um autêntico
terremoto político. Conhecido como o «General Sem Medo», anunciou o seu
propósito de não desistir das eleições e anunciou a sua intenção de demitir Salazar:
“Obviamente demitia-o!”. Contra a sua campanha, o Governo tentou de todas as
formas limitar os seus movimentos, acusando-o de provocar «agitação social».

Concluídas as eleições presidenciais, o resultado revelou mais uma vitória


esmagadora do candidato do regime, Américo Tomás, mas desta vez, a
credibilidade do Governo ficou indelevelmente abalada. Salazar teve
consciência de que outro terremoto político podia acontecer e que começava a ser
difícil para o regime continuar a enganar a opinião pública e subtrair-se às
opressões da comunidade internacional. Por isso, Salazar introduziu mais uma
alteração à Constituição, segundo a qual era anulada eleição por sufrágio
direto do Presidente da República que passava a ser eleito por um colégio
eleitoral restrito. Mais uma vez, Salazar recorria ao subterfúgio das leis para
recusar a inevitabilidade da mudança.

A necessidade de divulgar internacionalmente a natureza antidemocrática do


regime levou a oposição a intensificar a sua ação de contestação, recorrendo a
atos de maior impacto, pela relevância das personagens intervenientes e pela
espetacularidade das ações:

- A famosa carta do bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, em que, na


defesa da doutrina social da Igreja, teve a coragem de tecer, com toda a
frontalidade, críticas contundentes relativas à situação político-social e
religiosa do país. A consequência foi o seu exílio.

- o exílio e assassinato de Humberto Delgado. O General Sem Medo» acabou


destituído das suas funções militares e, para poder continuar a desenvolver a
sua ação em prol da democracia, retirou-se para o Brasil. Em 1963, fixa-se na
Argélia, onde passa a dirigir a Frente Patriótica de Libertação Nacional. A

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sua ação era de tal modo influente que acabou por ordem de Salazar a ser
assassinado.

- o assalto a Santa Maria. Em pleno mar das Caraíbas, o navio português


Santa Maria é assaltado e ocupado pelo comandante Henrique Galvão, como
forma de protesto contra a falta de liberdade cívica e política em Portugal.
Apesar da tentativa por parte do Governo em evitar a compreensão deste
ato, as instâncias internacionais souberam-no e entenderam-no como um
verdadeiro ato de protesto legítimo.

Para além destes atos oposicionistas, a eclosão da guerra colonial traz ao regime a
sua maior e derradeira prova.

2.1.3 A QUESTÃO COLONIAL

A Partir de 1945, a questão colonial passa a constituir mais um sério problema para
Portugal. A nova ordem internacional instituída pela Carta das Nações e a primeira
vaga de descolonizações tiveram importantes repercussões na política colonial do
Estado Novo.

Com efeito, a partir do momento em que a ONU reconhece o direito à


autodeterminação dos povos e em que as grandes potências coloniais começam a
negociar a independência das suas possessões ultramarinas, torna-se difícil para o
Governo português manter a política colonial instituída com a publicação do Ato
Colonial, em 1930.

A simples mística imperial começava a revelar-se ultrapassada para explicar as


posições coloniais do Estado Novo. Salazar teve de procurar soluções para afirmar
a vocação colonial de Portugal e para recusar qualquer cedência às crescentes
pressões internacionais.

Soluções preconizadas

A adaptação aos novos tempos processou-se, numa primeira fase, em duas


vertentes complementares: uma ideológica e outra jurídica.

Em termos ideológicos, a “mística do império”, que, na década de 30, fora um dos


pilares do Estado Novo, é substituída pela ideia da “singularidade da colonização
portuguesa”, inspirada na teoria do sociólogo Gilberto Freire, designada como
teoria lusotropicalismo, que serviu para retirar o caráter opressivo que assumia nas
colónias.

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Segundo este sociólogo brasileiro, os Portugueses haviam demonstrado uma
surpreendente capacidade de adaptação à vida nas regiões tropicais, onde, por
ausência de convicções racistas, se tinham entregue à miscigenação e à fusão
de culturas. Esta teoria, conhecida como lusotropicalismo, serviu, nos anos 50, para
individualizar a colonização portuguesa, retirando-lhe o carácter opressivo que
assumia no caso das outras nações. A estas características acrescentava-se o papel
histórico de Portugal como nação evangelizadora, papel que desempenhara, e
continuava a desempenhar, como nenhuma outra.

Tornava-se necessário, por conseguinte, clarificar juridicamente as relações da


metrópole com os seus espaços ultramarinos.

Neste sentido, na revisão constitucional de 1951, em pleno processo internacional


de descolonização, Salazar revoga o Ato Colonial e insere o estatuto de colónias
por ele abrangido na Constituição. Todo o território português ficava abrangido
pela mesma lei fundamental.

Para melhor concretizar esta integração, desaparece o conceito de colónia que é


substituído pelo de Província Ultramarina, desaparecendo o conceito de
Império Português, que é substituído pelo conceito de Ultramar Português.

Com estas alterações formais esperava o Estado Novo resistir à dinâmica histórica
e manter intacto o Ultramar português.

Embora externamente a manutenção do colonialismo português cedo fosse posta


em causa, a nível interno, a presença portuguesa em África não sofreu
praticamente contestação até ao início da guerra colonial.

Está quase unanimidade de opiniões veio a quebrar-se com o início da luta armada
em Angola, em 1961. Confrontam-se, então, duas teses divergentes: a
integracionista e a federalista.

Integracionista - Defendia a política até aí seguida, pugnando por um Ultramar


plenamente integrado no Estado português.

Federalista - Considerava não ser possível, face à pressão internacional e aos


custos de uma guerra em África, persistir na mesma via. Advogava, por isso, a
progressiva autonomia das colónias e a constituição de uma federação de Estados
que salvaguardasse os interesses dos portugueses.

A aposta no federalismo, que será partilhada por muitos elementos da oposição,


teve também defensores nas altas esferas do Governo e das Forças Armadas
que, no entanto, não conseguiram demover Salazar do seu propósito de manter

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intocado o velho Império Português. Face aos primeiros sinais da rebelião
independentista, Salazar agiu com determinação que lhe era peculiar, enviando
para Angola, os primeiros contingentes militares. Começava, assim, a mais longa
das guerras coloniais que se travaram a sul do Sara.

A luta armada

A recusa do Governo português em encarar a possibilidade de autonomia das


colónias africanas fez extremar as posições dos movimentos de libertação que, nos
anos 50 e 60, se foram formando na África portuguesa:

● Em Angola:

○ em 1955, surge a UPA (União das Populações de Angola) liderada por


Holden Roberto, que mais tarde se transforma na FNLA (Frente de
Libertação de Angola);

○ o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), dirigido por


Agostinho Neto, forma-se em 1956;

○ A UNITA (União para a Independência Total de Angola) surge pela


mão de Jonas Savimbi, em 1966.

● Em Moçambique:

○ A luta é encabeçada por FRELIMO (Frente de Libertação de


Moçambique), criada por Eduardo Mondlane, em 1962.

● Na Guiné:

○ distingue-se o PAIGC (Partido para Independência da Guiné e Cabo


Verde), fundado por Amílcar Cabral, em 1956.

Os confrontos iniciaram-se no Norte de Angola, em 1961, com ataques da UPA,


que mesmo minimizando o caso, o Governo não conseguiu impedir que a guerra se
alastrasse pelo território, obrigando à mobilização de milhares de portugueses. Em
1963, o conflito alastrou-se pela Guiné e, no ano seguinte, a Moçambique.

Durante treze anos, Portugal viu-se envolvido em três duas frentes de batalha
que, à custa de elevadíssimos custos materiais (40% do orçamento do Estado) e
humanos (8000 mortos e cerca de 100 000 mutilados), chegou a surpreender a
comunidade internacional. Todavia, a intensificação das pressões internacionais e
o isolamento a que o país era votado acabariam por tornar inevitável a cedência
perante o processo descolonizador, ainda que essa cedência tivesse custado o
próprio regime.

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O isolamento internacional

Quando, em 1955, Portugal passa a ser membro da ONU, o Governo não


democrático de Oliveira Salazar continuava a defender uma política de reforço da
autoridade portuguesa sobre os espaços ultramarinos e de indiscutível recusa
de qualquer negociação que pudesse pôr em causa essa autoridade. Estava fora
de causa qualquer cedência às crescentes pressões internacionais.

Esta oposição do Governo português levou a Assembleia-Geral da ONU, sob fortes


pressões dos países do Terceiro Mundo, a colocar sobre a mesa a questão colonial
portuguesa. A questão ganha ainda mais pertinência perante a habilidade de
Salazar em transformar colónias em províncias para não ter que se submeter às
disposições da Carta das Nações Unidas no que aos territórios não autónomos diz
respeito.

A Assembleia-Geral da ONU não só não aceitou esta tese, como condenou


sistematicamente a atitude colonialista portuguesa, pressionando Portugal a
arrancar com um efetivo programa de descolonização.

Seria esta a primeira de uma série de derrotas que, progressivamente, foram


isolando os Portugueses e que se intensificaram, na década de 60, com a
aprovação da Resolução 1514 e o início da guerra colonial.

Em 1961, ano em que se inicia a guerra em Angola, Portugal esteve


particularmente em foco nas Nações Unidas, acabando esta organização por
condenar o nosso país devido ao não cumprimento dos princípios da Carta e das
resoluções aprovadas. Tal postura conduziu, ao desprestígio do nosso país, que foi
excluído de vários organismos das Nações Unidas e alvo de sanções económicas
por parte de diversas nações africanas.

Para além das dificuldades que lhe foram colocadas na ONU, os Estados Unidos
da América não apoiaram a manutenção das colónias, visto que os Soviéticos
apoiavam a luta de independência das colónias e que o prolongamento da
guerra afastava os estados africanos de Portugal. Deste modo, não só
financiaram alguns grupos nacionalistas, como a UPA como propuseram planos de
descolonização, procurando vencer as resistências de Salazar que afirmava:
«Portugal não está à venda» e «a Pátria não se discute», encarando o facto de
ficarmos «orgulhosamente sós».
Mesmo tendo tentado quebrar esse isolamento através de uma intensa campanha
diplomática junto dos aliados europeus e através do uso de propaganda
internacional, Salazar não conseguiu impedir, internamente, as dúvidas sobre a
legitimidade do conflito e o descontentamento crescente na sociedade portuguesa.

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Aquando da substituição de Salazar, em 1968, tornara-se já claro que o futuro da
guerra determinaria o futuro do regime.

2.1.4. A primavera marcelista

Reformismo político não sustentado

Em setembro de 1968, perante a intensificação da oposição interna e das denuncias


internacionais do colonialismo português, o afastamento de Salazar por doença,
parecia finalmente abrir as portas do regime à liberalização democrática.

A presidência do Conselho de Ministros foi entregue a Marcello Caetano que


subordinou a sua ação política a um princípio original de renovação na
continuidade. Pretendia o novo governante conciliar os interesses políticos dos
setores conservadores com as crescentes exigências de democratização do
regime. Continuidade para uns, renovação para outros.

Numa primeira fase da sua ação governativa, Marcello Caetano empreendeu


alguma dinâmica reformista ao regime:
● permissão do regresso de alguns exilados, como o Bispo do Porto e Mário
Soares;

● abrandamento na repressão policial e na censura;

● abertura da União Nacional, rebatizada, na década 70, Ação Nacional


Popular - ANP;

● a PIDE muda de nome para Direção-Geral de Segurança - DGS;

● direito ao voto da mulher alfabetizada;

● legalização de movimentos políticos opositores ao regime;

● permissão de consulta dos cadernos eleitorais e fiscalização das mesas de


voto;

● reforma democrática do ensino.

Foi neste clima de mudança, que ficou conhecido como “Primavera Marcelista”,
que se prepararam as eleições legislativas de 1969, onde a oposição pura e
simplesmente não elegeu qualquer deputado. As eleições acabaram por constituir
mais uma fraude. A Assembleia Nacional continuava dominada pelos eleitos na
lista do regime, incluindo apenas uma ala liberal de jovens deputados cuja voz era
abafada pelas forças conservadoras, acabando por abandonar a Assembleia.

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Acabadas as esperanças de uma real democratização do regime, Marcello
Caetano viu-se sem o apoio dos liberais, e alvo da hostilidade dos núcleos mais
conservadores, que imputam à política liberalizadora a onda de instabilidade que,
entretanto, tinha assolado o País. Desta forma, Marcello Caetano começa a dar
sinais de esquecer a evolução e privilegia a continuidade:
● movimento de contestação estudantil, repreendido pelo regime;

● intensificação novamente da censura e repressão policial (nova vaga de


prisões);

● alguns opositores, como Mário Soares, são novamente remetidos à exílio;

● Américo Tomás (77 anos e conotado com a ala ultraconservadora) é


reconduzido novamente ao cargo de presidente da República, por um
colégio eleitoral restrito.

Alvo de todas as críticas, incapaz de evoluir para um sistema mais democrático,


o regime continua, ainda, a debater-se com o grave problema da guerra colonial.

O impacto da guerra colonial

A política de renovação tentada por Marcello Caetano também teve reflexos na


questão colonial:
● a presença colonial nos territórios africanos deixa de ser afirmada como
uma “missão histórica” ou questão de “independência nacional” para ser
reconhecida por questões de defesa dos interesses das populações
brancas que há muito aí residiam;

● no seguimento deste novo caráter da colonização portuguesa, já se admite


o princípio da “autonomia progressiva” e concede-se o título honorífico de
Estado, às províncias de Angola e Moçambique - “Estados honoríficos” - que
são dotadas de governos , assembleia e tribunais próprios, ainda que
dependentes de Lisboa.

Apesar deste novo estatuto vir a ser consagrado na Constituição, em 1971, pouco ou
nada mudava para os movimentos independentistas e para a conjuntura
internacional que lhes era favorável. Assim, a guerra prossegue à medida que se
acentua o isolamento internacional de Portugal evidenciado:

● pela receção dos principais dirigentes dos movimentos de libertação (do


MPLA, FRELIMO E PAIGC) pelo Papa Paulo VI, em 1970, traduzida numa
humilhação sem paralelo da administração colonial portuguesa;

● pelas manifestações de protesto que envolveram a visita de Marcello


Caetano a Londres, em 1973, em consequência do conhecimento

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internacional dos massacres cometidos pelo exército português em
Moçambique;

● pela declaração unilateral da independência da Guiné-Bissau, ainda em


1973, e seu reconhecimento pela Assembleia Geral da ONU.

Entretanto, também internamente, apesar da atuação da censura, são conhecidas


as denúncias da injustiça da Guerra Colonial e os apelos à solução do conflito:

os deputados liberais começam, em sinal de protesto, a abandonar a Assembleia


Nacional, proliferando os grupos oposicionistas de extrema-esquerda, crescendo a
contestação dos católicos progressistas;
o general António de Spínola, herói da guerra da Guiné, publica a obra Portugal
e o Futuro, onde segundo relata, Marcello Caetano proclamou abertamente a
inexistência de uma solução militar para a guerra de África, que por outras
palavras, a guerra estava perdida, e que ele mesmo se deu conta que o golpe
militar era inevitável.

2.2 Da revolução à estabilização da democracia

2.2.1 O movimento das forças armadas e a eclosão da revolução

Nos primeiros anos da década de 70, o impasse em que se encontrava a Guerra


Colonial começou também a pesar sobre o exército.

Os progressos da Guerra Colonial e a condenação internacional deram a muitos


oficiais de carreira a convicção de que estavam a remar contra a corrente, lutando
por uma causa perdida.

Este sentimento transformou um movimento de oficiais (iniciado por meras


questões de promoção na carreira) num movimento revolucionário que derrubou
o Estado Novo.

O Movimento dos Capitães nasceu em julho de 1973 como forma de protesto


contra dois diplomas legais que facilitavam o acesso dos oficiais ao quadro
permanente do exército.

Muito rapidamente, as reivindicações adquiriram um cariz político, orientando-se


para a democratização do regime e para o fim da guerra de África.

15
Considerando que este último objetivo exigia a intervenção de altas patentes, o
Movimento dos Capitães depositou a sua confiança nos generais Costa Gomes e
Spínola, chefe e vice-chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas .

Face a estas posições, Marcello Caetano convoca (5 de março) os oficiais generais


das Forças Armadas para uma sessão solene em que seria reiterada a sua lealdade
do Governo. Costa Gomes e Spínola não compareceram à reunião (14 março).

Estes acontecimentos deram força àqueles que, dentro do movimento (agora


denominado Movimento das Forças Armadas – MFA), acreditavam na urgência de
um golpe militar que permitisse a tão desejada solução para o prolongamento
colonial, restaurando as liberdades cívicas.

Depois de uma tentativa precipitada, a 28 de março, o MFA preparou


minuciosamente a operação militar que, na madrugada do dia 25 de abril de
1974, pôs fim ao Estado Novo.

Operação “Fim-Regime”

A operação “Fim-Regime” do Movimento das Forças Armadas decorreu sob a


coordenação do major Otelo Saraiva de Carvalho, de acordo com o plano
previamente definido:

● Dá-se a transmissão, pela rádio, das canções-senha:

○ “E Depois do Adeus”, às 22h55, marca o início das operações militares


contra o regime;

○ “Grândola, Vila Morena”, de Zeca Afonso, às 00h20, sinal de que as


operações militares estavam em marcha.

● As unidades militares saem dos quartéis para cumprirem as missões que lhes
estavam destinadas:

○ Ocupação das estações de rádio e da RTP;

○ Controlo do aeroporto e dos quartéis-generais das regiões militares


de Lisboa e do Norte;

○ Cerco dos ministérios militares do Terreiro do Paço.

A única falha no plano previsto foi a prévia neutralização dos comandos do


Regime de Cavalaria 7 de Lisboa, que não aderia ao golpe. Esta falha originou a
única situação difícil que o MFA defrontou:

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● Junto ao Terreiro do Paço, o destacamento chefiado pelo capitão Salgueiro
Maia deparou-se com uma coluna de tanques do Regimento de Cavalaria 7,
que saiu em defesa do regime;
● Salgueiro Maia decide falar com o inimigo.

Coube também ao Salgueiro Maia dirigir o cerco ao Quartel do Carmo, onde estava
refugiado o presidente do Conselho e membros do Governo.

A resistência do quartel terminou quando Marcello Caetano se rendeu ao


general Spínola.

No fim do dia, o “Movimento dos Capitães” já era vitorioso. Apesar de ser pedido à
população, por razões de segurança, que permanecesse em casa, a multidão
acorrerá às ruas em apoio aos militares a quem distribuía cravos vermelhos.
Praticamente só a polícia política resistia ainda. Rendeu-se na manhã seguinte,
provocando, contudo, os únicos quatro mortos da “Revolução dos Cravos”.

A facilidade com que o regime caiu às mãos do próprio exército é a prova do


total isolamento em que a vida política portuguesa se encontrava.

2.2.2. A caminho da democracia


Entre a “Revolução dos Cravos” e a institucionalização, em 1976, o país viveu um
período de grande instabilidade. O período pré constitucional conheceu também
grandes tensões sociais e fortes afrontamentos políticos.

O desmantelamento das estruturas do Estado Novo


No próprio dia da revolução, Portugal viu-se sob a autoridade de uma Junta de
Salvação Nacional constituída por acordo entre o MFA e a hierarquia das Forças
Armadas. A Junta tomou imediatamente um conjunto de medidas tendentes à
liberalização da política partidária e ao desmembramento das estruturas do
regime do Estado Novo:

● O presidente da República (América Tomás) e o presidente do Conselho


(Marcello Caetano) foram destituídos – mais tarde, exilados no Brasil.
● A PIDE-DGS, a Legião Portuguesa e as Organizações de Juventude
foram extintas, bem como a Censura e a Ação Nacional Popular
● Os presos políticos foram perdoados, libertados e puderam regressar a
Portugal.
● Foi autorizada a formação de partidos políticos e de sindicatos livres,
tendo sido legalizadas organizações até aí clandestinas (Intersindical).

O MFA comprometeu-se, também, a passar o poder para as mãos dos civis,


definiu-se um prazo máximo de um ano para a realização de eleições constituintes .

17
Para assegurar o funcionamento das instituições governativas, a Junta de
Salvação Nacional nomeou António de Spínola como presidente da República.
Este, por sua vez, escolheu Adelino da Palma Carlos para chefiar o I Governo
Provisório.

Dá-se assim início à democratização, um dos três D (Democratizar, Desenvolver,


Descolonizar) que norteava o Movimento das Forças Armadas.

Tensões político-ideológicas na sociedade e no interior do movimento


revolucionário
No dia 1 de maio de 1974, manifestações celebraram o regresso da democracia. No
entanto, o processo de democratização não foi tão simples e rápido como se
esperava. Os anos de 1974 e 1975 ficaram marcados por uma enorme agitação
social e por confrontos políticos.

● O “período Spínola”

Poucos dias depois do golpe militar, o desejo de justiça social já tinha explodido
numa onda de reivindicações laborais, greves e manifestações constantes. Esta
revolta era difícil de controlar.

Carente de autoridade e incapaz de assumir a liderança do país, o I Governo


Provisório demitiu-se menos de dois meses após a tomada de posse, deixando
Spínola isolado.

De facto, o poder político partirase já em dois polos opostos:

● De um lado, general Spínola;


● Do outro, MFA e os seus apoiantes.

Mais moderado, Spínola vai perdendo poder face ao MFA, adeptos da


“independência pura e simples” dos territórios ultramarinos e da revolução social.
Vasco Gonçalves é nomeado para chefiar o II Governo Provisório e isso
comprova a perda de influência do presidente. Depois de ter reconhecido, a
contragosto, o direito dos povos africanos à independência, António de Spínola
acabará por se demitir (30 de setembro) na sequência do fracasso de uma
manifestação em seu apoio.

A JSN (Junta de Salvação Nacional) nomeia Costa Gomes para a Presidência da


República.

● A radicalização do processo revolucionário

A partir desse momento, a Revolução tende a radicalizar-se. Vasco Gonçalves


mostra uma forte ligação ao Partido Comunista.

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Numa tentativa de recuperar o poder, Spínola encabeça, a 11 de março de 1975,
um golpe militar que fracassa, obrigando o general e alguns oficiais a procurar
refúgio em Espanha.

A tentativa de 11 de março é considerada uma “ameaça contrarrevolucionária” e


contribui para acentuar o radicalismo. Nessa noite, forma-se o Conselho da
Revolução, que se torna um órgão executivo do MFA.

Concentrando os poderes da Junta de Salvação Nacional e do Conselho de Estado


(que se extinguem), o Conselho da Revolução tornou-se o verdadeiro centro do
poder.

● Propõem-se orientar o Processo Revolucionário em Curso – PREC que,


assumidamente, conduziu o país rumo ao socialismo.

A agitação social cresce, orientando-se pela miragem do poder popular. Por todo
o país se procede a saneamento sumários de quadros técnicos e outros
funcionários considerados “de direita”:

● Nas empresas privadas, as comissões de trabalhadores assumem o


comando, impedindo os proprietários de entrarem nas instalações e
destitiundo os corpos gerentes;

● Nas cidades e vilas constituem-se “comissões de moradores” e “comités de


ocupantes” que levam a cabo a ocupação de casas vagas, do Estado ou de
particulares.

● No Sul, a Reforma Agrária torna-se extremista com a ocupação das grandes


herdades pelos trabalhadores que as transformam em “unidades coletivas
de produção”.

Este ambiente anárquico gerou um clima de opressão e medo nas classes média e
alta que impeliu de portugueses abandonarem o país.

Nesta altura, tudo parecia encaminhar Portugal para a adoção de um modelo


coletivista, sob a égide das Forças Armadas.

● As eleições de 1975 e a inversão do processo revolucionário

A inversão do processo deveu-se às eleições constituintes prometidas pelo


Programa do MFA.

Estas eleições foram as primeiras em que funcionou o sufrágio


verdadeiramente universal: puderam votar os cidadãos com mais de 18 anos,
independentemente do sexo e do grau de escolaridade. Realizaramse no dia 25 de
abril de 1975. Apesar do apelo à abstenção, acorreram às urnas 91,7% dos
eleitores, o maior universo eleitoral de sempre na História do país. O ato eleitoral
decorreu dentro das normas de respeito e de pluralidade democrática.

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O PS foi o vencedor das eleições, com 38%. Em contrapartida, as forças da
esquerda mais radical receberam uma votação muito moderada.

Em julho, o PS e PSD abandonaram o IV Governo (que se desfaz) e mobilizam


os seus recursos no sentido democratizantes do MFA.

No verão de 1975 (o “Verão Quente”), a oposição entre as forças políticas atinge o


rubro, através de manifestações de rua e assaltos a sedes partidárias. Um grupo
de nove oficiais do Conselho da Revolução critica abertamente os setores mais
radicais do MFA. Tal levou à destituição do primeiro-ministro Vasco Gonçalves e à
formação de um novo Governo (o VI, chefiado por Pinheiro de Azevedo).

Estas alterações são a causa de um último golpe militar, em 25 de novembro,


que, por pouco não coloca o país numa guerra civil. Ficava, então, aberto o
caminho para a implantação de uma democracia liberal.

Política económica antimonopolista e intervenção do Estado no domínio


económico-financeiro
A agitação social que se desencadeou após o 25 de abril foi acompanhada de um
conjunto de medidas que alargou a intervenção do Estado na esfera económica e
financeira.

Estas medidas tiveram como objetivo a destruição dos grandes grupos


económicos considerados monopolistas, a apropriação dos setores-chave da
economia, pelo Estado, e o reforço dos direitos dos trabalhadores.

A intervenção do Estado em matéria económico-financeira encontrava-se já


prevista no Programa do I Governo Provisório, que referia a nacionalização dos
bancos emissores. Ao mesmo tempo, foi publicada uma legislação que permitia
ao Estado supervisionar e fiscalizar todas as instituições de crédito. Pouco
depois (novembro), o Estado apodera-se do direito de intervir nas empresas.
Sobretudo durante os IV e V Governos, os corpos gerentes de numerosas empresas
foram substituídos por comissões administrativas nomeadas pelo Governo.

Depois do golpe militar (11 de março), aprova-se a nacionalização de todas as


instituições financeiras. No mês seguinte, um novo decreto-lei determina a
nacionalização das grandes empresas ligadas aos setores económicos de base.

Estas nacionalizações determinaram o fim dos grupos económicos “monopolistas”


e permitem ao Estado um maior controlo sobre a economia.

Entretanto, no Sul do país, o mundo rural vive uma situação explosiva:


trabalhadores agrícolas (miséria crescente) lançam um confronto aberto que
encaminha as explorações agrícolas para uma via coletivista.

Em janeiro de 1975, registam-se as primeiras ocupações de terras pelos


trabalhadores e rapidamente esse movimento se estende na zona do sul.

O processo da reforma agrária recebeu, entre abril e junho, cobertura legal. Sob a
pressão das forças políticas, o Governo avança com a expropriação das grandes

20
herdades, com o objetivo de constituir Unidades Coletivas de Produção (UCP).
Apesar da propriedade do solo extraída tenha passado para o Estado, cada UCP
detinha a posse plena e uma total liberdade de autogestão, através de comissões
eleitas pelos trabalhadores.

Em complemento desta política, foi aprovada uma legislação com vista à


proteção dos trabalhadores e dos grupos economicamente desfavorecidos.
Destacam-se:

● As novas leis laborais que dificultavam os despedimentos;


● A instituição do “salário mínimo nacional” e o aumento das pensões
sociais e de reforma.

Para controlar o surto inflacionista, foram tabelados os artigos de primeira


necessidade, o que permitiu elevar o nível de vida das classes trabalhadoras.

A opção constitucional de 1976


A 2 de julho de 1975 abriu a Assembleia Constituinte.

Apesar de eleitos democraticamente, os deputados não possuíam total


liberdade de decisão. Como condição para que se realizassem as eleições, o MFA
impusera, aos partidos concorrentes, a assinatura de um compromisso que
preservava as conquistas revolucionárias. Este documento ficou conhecido como
Primeiro Pacto MFA-Partidos.

A Constituição reitera a vida de “transição para o socialismo”. Mantém, igualmente,


o Conselho da Revolução, considerado o garante do processo revolucionário.

A Constituição define Portugal como “um Estado democrático”, reconhece o


pluralismo partidário e confere a todos os cidadãos “a mesma dignidade social”.
Esta opção vê-se reforçada pela adoção dos princípios da Declaração Universal dos
Direitos do Homem e pela eleição direta (sufrágio universal). O respeito pela
vontade popular exprimiu-se ainda na autonomia política das regiões insulares
dos Açores e da Madeira e na instituição de um modelo de poder local
descentralizado e eleito por via direta.

A nova Constituição entrou em vigor no dia 26 de abril de 1976. O seu texto


resultou do compromisso, nem sempre fácil e coerente, das diferentes conceções
ideológicas defendidas pelos partidos da Assembleia e congregou ainda medidas
de exceção revolucionário. No entanto, apesar das críticas e alterações de que foi
alvo, a Constituição de 1976 foi, sem dúvida, o documento fundador da
democracia portuguesa.

2.2.3 O reconhecimento dos movimentos nacionalistas e o processo


de descolonização
O processo descolonizador

21
Ainda no período do golpe militar, as pressões internacionais começam a fazer-se
sentir. A 10 de maio, a ONU e a OUA apelam à Junta de Salvação Nacional para
que consagre o princípio da independência das colónias. Durante os meses
seguintes, a OUA interfere no processo negocial, exigindo a independência de
todos os territórios. Os movimentos de libertação unem-se no mesmo sentido.

A nível interno, a “independência pura e simples” das colónias colhia o apoio da


maioria dos partidos que se legalizaram depois do 25 de Abril e também nesse
sentido se orientavam os apelos das manifestações que enchiam as ruas do país.

O Conselho de Estado aprova a Lei nº 7/74, reconhecendo o direito das colónias à


independência, a 27 de julho.

Intensificam-se, então, as negociações com o PAIGC (Guiné e Cabo Verde), a


FRELIMO (Moçambique) e o MPLA, a FNLA e a UNITA (Angola).

As negociações decorrem sem dificuldade e concluíram-se em cinco meses.

Com exceção da Guiné, cuja independência foi efetivada logo a 10 de setembro de


1974, os acordos institucionalizavam um período de transição em que se
efetuaria a transferência de poderes.

No entanto, Portugal encontravase numa posição muito frágil:

● A desmotivação generalizada do exército;


● A deterioração das relações entre os militares africanos e os comandos
europeus;
● A instabilidade política que se vivia.

Desta forma, não foi possível assegurar os interesses dos portugueses


residentes no Ultramar.

Em Moçambique, os confrontos, que rapidamente tomaram um cariz racial,


iniciaram-se quase de imediato, desencadeando a fuga precipitada da população
branca.

O caso mais grave foi o de Angola. Aí as dificuldades não paravam de crescer:

● Os três movimentos mostraram-se incapazes de ultrapassar os seus


antagonismos;

● O Governo de transição nunca funcionou e acabou por ser abandonado pela


FNLA e pela UNITA, o que obrigou o nosso país a decretar a suspensão do
Acordo de Alvor;

● Também não chegou a proceder-se, como previsto, à constituição de forças


armadas mistas. Em vez disso, MPLA, FNLA e UNITA reforçaram as suas
fileiras próprias, munindo-se de armamento estrangeiro e mobilizando todos
os seus efetivos.

22
Em março de 1975, a guerra civil em Angola já era um facto. As forças
portuguesas limitavam-se a controlar os principais centros urbanos, onde os
nacionais esperavam o regresso a Portugal.

Nos meses de setembro e outubro, uma autêntica ponte aérea evacua de Angola
os cidadãos portugueses que pretendem regressar. Em 10 de novembro, o
Presidente da República decide, na impossibilidade de cumprir o Acordo de Alvor,
transferir o poder para o povo angolano.

Fruto de uma descolonização tardia e apressada e vítimas dos interesses de


potências estrangeiras, os territórios africanos não tiveram um destino feliz.

A Guiné foi palco de violência política e golpes de Estado militares.

Moçambique foi depois sacudido por uma guerra civil patrocinada pelos Estados
de minoria branca na região.

Em Angola, o Governo do MPLA acabou por ser reconhecido internacionalmente,


mas nem por isso a paz voltou ao território. O povo de Angola viveu, pois, durante
quatro décadas, num clima de guerra permanente.

2.2.4 A revisão constitucional de 1982 e o funcionamento das


instituições democráticas
A Constituição de 1976 foi objeto de crítica por várias forças partidárias, que a
acusavam de um excessivo comprometimento com o socialismo e de um acentuado
défice democrático. Passados os quatro anos definidos como “período de
transição”, a Assembleia da República procedeu à primeira revisão constitucional.

Concluída em setembro de 1982, não se afastou significadamente da linha


ideológica inicialmente definida: manteve inalterados os artigos que proibiam
retrocessos nas nacionalizações e na reforma agrária e manteve os princípios
socializantes, embora mais suavizados.

As maiores alterações deram-se ao nível das instituições políticas:

● Foi abolido o Conselho da Revolução, o que libertou o poder central de


qualquer condicionamento militar;
● As forças armadas ficaram assim subordinadas ao poder político, que
passou a assentar na legitimidade democrática;
● Limitaram-se os poderes do presidente;
● Aumentaram-se os poderes da instituição parlamentar.

O regime viu reforçado o seu cariz democrático-liberal, assente no sufrágio popular


e no equilíbrio entre os órgãos de soberania:

● Presidente da República

○ Eleito por sufrágio direto e por maioria absoluta;

○ É assistido por um Conselho de Estado, cuja consulta é obrigatória em


todas as decisões relevantes;

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○ O mandato presidencial é de 5 anos;

○ Tem funções de salvaguarda constitucional (daí o seu poder de veto


suspensivo das leis) e de moderação do poder político;

○ Possui poderes para demitir o Governo e dissolver a Assembleia da


República, convocando eleições legislativas antecipadas.

● Assembleia da República:

○ É constituída por deputados eleitos correspondentes aos distritos e às


regiões autónomas;

○ Cada legislatura tem a duração de 4 anos;

○ Os deputados organizam-se por grupos parlamentares, de acordo


com os partidos por que foram eleitos.

● Governo:

○ É o órgão executivo;

○ Órgão ao qual compete a condução da política geral do país.

● Tribunais:

○ Os juízes são nomeados pelo conselho superior da Magistratura;

○ O poder judicial é verdadeiramente autónomo;

○ Ao Tribunal Constitucional compete zelar o cumprimento das


disposições constitucionais.

Para além destes órgãos, a Constituição de 1976 implementou a autonomia das


regiões dos Açores e da Madeira, bem como um poder autárquico
descentralizado.

O governo das regiões autónomas exerce-se através de uma Assembleia


Legislativa Regional, um Governo Regional e um Ministro da República, designado
pelo Chefe de Estado.

Quanto ao poder local, este estruturou-se em municípios e em freguesias, dispondo


ambos de um órgão legislativo (a Assembleia Municipal e a Assembleia de
Freguesia) e de um órgão executivo (a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia).
São eleitos diretamente pelas populações.

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