Ebook CSM - 1
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SAÚDE MENTAL E
EMOCIONAL NA
ESCOLA
Anderson da Silva Rosa & Adriana
Fóz
Alcione Marques • Eduardo Lopes • Luiza
Hiromi Tanaka
CONVERSANDO SOBRE
SAÚDE MENTAL E
EMOCIONAL NA
ESCOLA
Conviva SP
O inconsciente revolucionário
Segundo Freud, descobrir que não somos mestres de
nossos desejos e impulsos foi a terceira ferida narcísica
que o ser humano sofreu. A primeira foi imposta por
Copérnico, ao a rmar que o Universo não gira em torno
da Terra, e a segunda por Darwin, que, com a teoria da
evolução, equipara o homem ao restante do reino animal,
não mais possuindo uma posição de destaque (Freud,
1990).
Teorias inatistas
Pautadas nas condições biológicas (maturação e fatores hereditários),
as quais seriam determinantes para o desenvolvimento, em que o
ambiente e a experiência teriam pouca ou nenhuma participação.
Principal representante: Noam Chomsky (Chomsky, 2002).
Alimentação saudável
A alimentação saudável, variada, com mais alimentos naturais e
menos açúcar, frituras e alimentos processados/industrializados, é
um dos fatores que interferem diretamente no bem-estar e na saúde
emocional e mental. Há pesquisas que correlacionam a alimentação
saudável com menores níveis de estresse e sintomas de depressão (El
Ansari et al., 2014). Alimentos ricos em vitaminas e sais minerais
contribuem para a produção de neurotransmissores para o bom
funcionamento do cérebro e protegem a saúde mental.
Os 3 níveis de estresse*
* Baseado em material de The Alberta Family Wellness Initiative, s.d.
Ansiedade
Do latim anxietas, ansiedade é sinônimo de anseio, impaciência,
aflição, receio, agonia, angústia e até medo em muitos dicionários. Vários
são os termos usados para se referir à sensação de ansiedade.
Atualmente, é um dos vocábulos mais usados para expressar
sentimentos e comportamentos do ser humano. E não faltam razões para
essa palavra estar tão presente nos dias de hoje, incluindo o fato de que
os transtornos de ansiedade são, atualmente, a condição psiquiátrica
mais frequente no mundo, com a América Latina e o Brasil apresentando
taxas superiores à média mundial (Mangolini et al., 2019).
Mas – veja que interessante – o ser humano, ao longo de sua evolução
como espécie, foi se adaptando fisiologicamente para enfrentar as
situações vividas, que, por sua vez, geraram um conjunto de reações,
processos e estados que envolvem o organismo como um todo, ou seja,
tanto o corpo quanto o cérebro. E o estado emocional da ansiedade é um
produto dessa evolução. Logo, experimentar a ansiedade é normal e
desejável.
A ansiedade e, como veremos mais adiante, a frustração são alguns dos
estados emocionais que acontecem tanto no corpo quanto no cérebro,
em resposta aos estímulos do meio ambiente.
Apesar de se parecer com a emoção primária do medo, que é uma
reação mais automática, é diferente e, por isso, entra na categoria de
“estado”. O medo é uma emoção muito rápida, enquanto a ansiedade
pode durar muito mais, e até nos levar ao sofrimento mental e a doenças
ou patologias, como mencionado anteriormente. Vale ressaltar que
temos emoções que não são inerentes a nossa vontade e que nosso
esforço deve ser em prol da percepção, identificação e manejo delas.
A ansiedade deve ser compreendida como uma sensação de medo,
ameaça, desconforto ou preocupação duradoura. O medo advém de uma
ameaça clara e evidente, e a ansiedade, de uma expectativa – isto é, de
pensamentos relacionados com o futuro (Margis et al., 2003).
Emoções primárias
Segundo o neurocientista António Damásio, as emoções
primárias são as primeiras reações neuro siológicas,
sendo compartilhadas por todos os humanos. As emoções
primárias, tratadas pelos trabalhos de Darwin e de seus
seguidores, são: alegria, tristeza, medo, raiva e
repugnância (nojo). No entanto, outro pesquisador, Paul
Ekman, importante psicólogo, defende a existência de
sete emoções, acrescentando a surpresa e o desprezo à
lista.
Frustração
Frustração é a sensação que experimentamos de modo rápido, quando
perdemos o ônibus por uma questão de segundos, por exemplo, ou de
forma mais “lenta”, quando avaliamos que não ajudamos o suficiente
uma pessoa querida, que hoje é falecida, e, portanto, a decepção
conosco pode ficar em nossa mente como um “fantasminha”, tirando
nossa energia. Quando não é passageira, a frustração pode nos impor
uma sensação de menor valor próprio.
Sentir-se frustrado tem relação com nossas expectativas –
especificamente, quando algo não transcorre como esperamos. Um
exemplo disso é o que ocorre com alguém cujo pai desapareceu do
convívio. Temos a crença de que pais amam e se importam com os filhos.
Portanto, nossa expectativa é de que todos os pais se comportem de
forma a refletir esse afeto e cuidado. Quando isso não acontece, pode
gerar frustração, tristeza, raiva, indignação e uma sensação de pouca
autovalia.
Esse estado é percebido mediante experiências e aprendizados
individuais, além de ser resultado de fatores emocionais,
comportamentais e fisiológicos na relação do indivíduo com o ambiente.
Sim, a frustração também envolve o estresse, pois, quando ficamos
frustrados, uma tensão acontece e, dependendo da intensidade da
reação, gera uma série de processos neurofisiológicos. Ficar muito
frustrado também leva a uma diminuição da capacidade para memorizar
e ter atenção, assim como também acontece com a ansiedade. Outra
semelhança entre os dois estados emocionais (ansiedade e frustração) é
que, quando o nível de estresse é elevado, dependendo do tempo e
intensidade, podem levar o organismo a muitos danos.
Ultimamente, questões relacionadas ao uso das tecnologias podem ser
uma fonte de frustrações diversas. Desde as dificuldades de conexão à
internet e outras falhas tecnológicas (Hadlington; Scase, 2018) até a
demora em receber uma resposta no aplicativo de mensagens. O uso das
mídias sociais tem trazido igualmente um contexto propício para a
frustração: um estudo com adolescentes brasileiras associou o uso das
mídias sociais com o aumento exponencial do nível de insatisfação com
o próprio corpo (Lira et al., 2017). Sendo assim, o que nos frustra está
muito relacionado às características do nosso tempo; porém nos frustrar
parece ser um mecanismo neurobiológico que acontece para nos “tirar
da zona de conforto” ou, ainda, para nos impelir para uma mudança,
uma nova ação. Por isso o desgaste, o desconforto gerado no processo da
frustração.
A frustração depende dos aspectos neurobiológicos herdados, bem
como do temperamento e até da personalidade do indivíduo. Pessoas
com um temperamento mais colérico, por exemplo, podem ser mais
suscetíveis a vivenciarem a frustração.
Muitos estudos têm apontado que treinar competências
emocionais ou ainda as chamadas socioemocionais podem trazer
mais conforto, mais recursos internos para lidar com as
frustrações.
Será sempre muito importante reconhecer o que nos leva a sentir
frustração e saber quais situações, desejos e expectativas são mais
suscetíveis ao sentimento de desgosto, angústia e tristeza. Conhecer os
aspectos que influenciam o tipo de frustração que vamos enfrentar, tal
como nosso grau de expectativa, é muito salutar. Quanto maior é a
expectativa, maior tende a ser a chance de se frustrar. Quem já não ouviu
as expressões “quanto maior a escalada, maior o tombo” ou ainda “quem
muito espera pouco alcança”?
Vale a pena ressaltar também que a frustração tem a ver com os
circuitos neurais da raiva. Por isso, é importante buscar recursos de
tolerância para que possamos lidar melhor com a raiva gerada, evitando
tomar alguma decisão ou atitude que faça mal a nós mesmos e ao outro
(Yur et al., 2014).
É possível ensinar uma criança a ser mais tolerante às
inerentes frustrações da vida?
A frustração faz parte da vida; não temos tudo o que queremos porque
dividimos o mundo com outros indivíduos. Por outro lado, receber um
“não” diante de um desejo imediatista pode fortalecer e treinar a
criatividade, a paciência e outras competências emocionais. É
experimentando emoções e sentimentos que podemos aprender a lidar
melhor com eles. Não podemos esquecer de pontos básicos que dizem
respeito ao desenvolvimento e aprendizagem; isto é, que só levando
tombos aprendemos a andar.
Nem no cérebro nem na vida há uma linha tão definida que separa os
sentimentos dos raciocínios; a emoção da razão. E, por mais que seja
relevante tratar as situações com racionalidade, assertividade e tomar
decisões protetivas, diante de uma frustração não devemos levar em
conta somente a razão.
Considerando os aspectos mais emocionais do comportamento,
uma boa estratégia para minimizar uma frustração que depende
da comunicação e da reação do outro é ser empático e gentil com
as pessoas com as quais estamos nos relacionando. Quando
treinamos a empatia, nos colocamos no lugar do outro, com o
olhar do outro, e podemos compreender com mais facilidade
seus limites e intenções, o que nos ajuda a modular nossas
expectativas e ações.
A impotência, o sentimento de frustração e o não desenvolvimento de
estratégias para lidar com tais situações, além da necessidade que
algumas pessoas têm de se impor sobre outras, levam a polarizações e
extremismos em todo o mundo. Portanto, nos dedicarmos ao tema da
frustração é de grande valia para a saúde emocional e mental nossa e das
crianças e jovens na nossa escola.
Cyberbullying
Tem crescido nos últimos anos o cyberbullying, que ocorre pela
internet, mais especificamente nas redes sociais virtuais. O mecanismo é
o mesmo do bullying e é comum que a agressão ocorra das duas formas
combinadas, face a face e nos meios digitais. Na adolescência, o
cyberbullying tornou-se a principal forma de bullying e é mais comum
entre as meninas.
O cyberbullying pode ser ainda mais devastador que o bullying face a
face, em razão da possibilidade de anonimato do perpetrador e pelas
diversas possibilidades de alcançar a vítima (redes sociais, aplicativos de
mensagens, uso de textos e vídeos etc.), o que aumenta a rapidez da
disseminação das informações. Há também maior dificuldade dos pais e
da escola de conseguir monitorar esses espaços. O cyberbullying está
associado a um maior risco de suicídio (Kim et al., 2020).
Com a pandemia de Covid-19, o consequente afastamento da escola e o
ensino acontecendo primordialmente pelos meios digitais ou híbrido, o
potencial para o cyberbullying aumenta, pelo maior número de crianças e
adolescentes usando a internet diariamente. Um estudo que
acompanhou as mensagens pela rede Twitter nos Estados Unidos, entre
janeiro e junho de 2020, mostrou um aumento expressivo do termo
cyberbullying e outros termos associados à agressão pelos meios digitais
nas mensagens da rede (Das et al., 2020). Outro estudo realizado na Índia
a partir de dados obtidos em diferentes plataformas de jogos e mídias
sociais também indicou um aumento do fenômeno (Jain et al., 2020).
Embora os impactos ainda não sejam totalmente conhecidos, há indícios
de que o contexto da pandemia pode ter aumentado as condições para o
cyberbullying.
Desse modo, é fundamental que a escola considere ações de prevenção
e apoio para minimizar o cyberbullying e suas consequências. A conexão
que a escola proporciona e o senso de pertencimento funcionam como
fatores protetores para os efeitos do cyberbullying, diminuindo seus
impactos deletérios (Kim et al., 2020).
A escola desempenha um papel relevante na promoção e prevenção da
saúde mental, pois ocupa um espaço privilegiado para a identificação de
problemas relacionados à saúde mental ou emocional dos alunos. É
também o espaço propício para a realização de intervenções com menos
estigmas para alunos, familiares e comunidade.
Como já dissemos, os educadores, por estarem bem próximos dos
alunos no dia a dia, podem ter uma atuação efetiva na promoção da
saúde mental e prevenção de processos de adoecimento.
Mas é importante saber que entre a saúde e a doença mental existe um
grande espectro. E, na escola, podemos, com informação e olhar
cuidadoso, criterioso, alterar para o bem o desfecho dos problemas de
ordem mental. Cada vez mais a ciência entende alguns processos de
adoecimento, mas muito ainda se tem a descobrir.
Para ajudar a detectar indicadores de possíveis problemas e
transtornos mentais nos alunos, os gestores escolares, funcionários e
professores necessitam de:
■ Informação.
■ Conhecimento.
■ Capacitação.
■ Parceria e diálogo constante entre as áreas da educação e saúde.
Dispondo de informações básicas sobre alguns transtornos mentais
que impactam no desempenho escolar e na vida social e pessoal,
professores e gestores terão embasamento para fazer os
encaminhamentos precoces e assertivos para a área da saúde, sendo
mais capazes de reconhecerem sinais relevantes.
Chamamos a atenção para o fato de que, ao notar no estudante ações e
comportamentos persistentes que podem ser um sinal ou indício de
sofrimento psíquico ou transtorno mental, a escola não deve fazer
hipóteses diagnósticas. Não só esta não é a atribuição do educador,
como corre-se o risco de rotular e expor o aluno, o que, ao final, pode
causar maior sofrimento e gerar resistência à busca de ajuda
especializada.
Nessas situações, o melhor é que a escola:
■ Procure saber com o próprio aluno, amigos ou com a família se há
algum acontecimento que possa ser a causa do comportamento,
mobilizando ações de acompanhamento e apoio.
■ Busque relatar os fatos que estão sendo observados e descrever as
alterações do comportamento notadas, recomendando, se for o
caso, a busca de um profissional da área de saúde mental.
O conhecimento e a experiência do professor contribuem para
perceber discrepâncias de comportamento que podem se
manifestar entre crianças e jovens, podendo fazer
encaminhamentos precoces que são favoráveis para que os
transtornos mentais não se agravem e, outras vezes, que nem
ocorram.
Além disso, a maior compreensão dos educadores de que a escola pode
representar tanto um importante fator de proteção para a saúde mental
de crianças e adolescentes como um fator de risco contribui para que
todos se engajem e assumam a responsabilidade por ações que
colaborem para um ambiente saudável.
Valorizando as diferenças
O que é preconceito, senão algo que vem “antes” do conceito, ou que
está “fora” do conceito? O preconceito reflete, na maioria das vezes, falta
de informação e de conhecimento, levando a pessoa a enxergar o outro
como intrinsecamente diferente dela própria.
Nesse sentido, a educação tem um papel essencial na valorização das
diferenças e na reflexão e reconhecimento do quanto somos parecidos
com aqueles que julgamos “estranhos” ou “diferentes” de nós. Por outro
lado, saber que existem diferenças que precisam de tratamento, de
cuidados médicos ou de outra natureza não pode diminuir o indivíduo.
É preciso ampliar o conhecimento que leva a ações de acolhimento e
diminuição do preconceito e do estigma, e uma das maneiras de refletir e
repensar os estigmas e o preconceito é através de atividades lúdicas.
Para isso, sugerimos uma atividade que busca evidenciar aos alunos
como nossas semelhanças são muito maiores do que nossas diferenças.
Sugestões de atividades
Junte um grupo de estudantes e peça a eles que levantem a
mão ou se agrupem sempre que responderem “sim” à
pergunta. Ao final, proponha uma conversa com o grupo
sobre os diversos aspectos que nos identificam com os
demais e aquilo que nos torna singulares.
Exemplos de perguntas:
▶ Quem gosta de doce?
▶ Quem está calçando tênis?
▶ Quem usa óculos?
▶ Quem tem irmãos?
▶ Quem já roeu as unhas?
▶ Quem gosta de séries?
▶ Quem está usando algum acessório?
▶ Quem tem tatuagem?
▶ Quem gosta dos avós?
▶ Quem já teve dificuldade com um irmão?
Problemas de aprendizagem
Trata-se de um bloqueio temporário ou desvio no processo e para o
qual podem-se buscar soluções para uma melhor aprendizagem.
Problemas dessa natureza podem ser considerados parte do processo da
aprendizagem. Eles acontecem sempre na inter-relação do indivíduo com
diversos fatores, que podem incluir:
■ Inadequação das práticas pedagógicas às características do sujeito
(metodologia, formas de avaliação, entre outras).
■ Problemas emocionais ou psicológicos que o estudante esteja
enfrentando dentro ou fora da escola (perdas, luto, mudanças
importantes na vida familiar, entrada em uma nova escola,
transição de etapas escolares, problemas relacionais na escola
etc.).
■ Questões orgânicas circunstanciais (deficiência de nutrientes,
fome, privação de sono, disfunções hormonais, infecções,
problemas de visão ou audição etc.).
■ Questões ambientais diversas (dificuldade de acesso ao espaço
escolar ou a materiais e equipamentos necessários, pouca
valorização da educação pela família ou comunidade, gravidez
precoce, necessidade de conciliar estudo e trabalho, entre outros).
Na maioria das vezes, os problemas de aprendizagem podem ser
superados com boas intervenções escolares. Nos casos em que houve
grande deficiência na aprendizagem, pode ser necessária a indicação e
parceria com outros profissionais, destacando-se aqui o psicopedagogo.
Quando questões psicológicas ou emocionais persistem, bloqueando a
aprendizagem, recomenda-se o encaminhamento a um atendimento
psicológico; já as de natureza orgânica podem exigir que se oriente para a
busca de um médico.
Transtornos do neurodesenvolvimento
Nesse caso, estamos falando de um grupo de condições muito
heterogêneas caracterizadas pelo atraso ou disfunção na aquisição de
habilidades relacionadas com os desenvolvimentos cognitivo, motor, da
linguagem e social (Jeste, 2015).
As causas são várias, envolvendo fatores biológicos e ambientais (Cioni
et al., 2016). Abrangem condições que têm início no período de
desenvolvimento, manifestando-se normalmente antes do ingresso na
escola. Podem afetar o desenvolvimento da aprendizagem e do
comportamento, com impactos de curta ou longa duração nos aspectos
pessoais, sociais, acadêmicos e/ou profissionais (Do Nascimento Barros
et al., 2016; Folha; De Carvalho, 2017).
Os transtornos do neurodesenvolvimento foram categorizados pelo
Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5, 2014) e
abrangem, entre outros:
■ Transtornos Específicos de Aprendizagem (TEAp).
■ Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH).
■ Atraso do Desenvolvimento Global e Deficiência Intelectual (DI).
■ Transtornos do Espectro Autista (TEA) (Jeste, 2015).
Um aspecto relevante é a prevalência – ou seja, o quanto os transtornos
do neurodesenvolvimento incidem na população –, já que há grandes
diferenças entre eles nesse aspecto. Enquanto os estudos apontam para
a prevalência mundial de menos de 1% dos Transtornos do Espectro
Autista, a prevalência do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade
é bem maior, ficando em torno dos 5%. No caso dos Transtornos
Específicos da Aprendizagem, que incluem a Dislexia e a Discalculia, a
prevalência fica entre 3% e 9%. Já o Atraso do Desenvolvimento Global e
Deficiência Intelectual tem prevalência entre 2% e 3% (Jeste, 2015; Moll
et al., 2014). Esse panorama é importante para que haja um
entendimento claro de que, embora esses transtornos tenham ganhado
maior visibilidade, acometem na verdade a minoria das crianças.
Cabe destacar que, embora agrupados sob essa denominação, os
transtornos do neurodesenvolvimento são bastante diferentes entre si
em sua etiologia, manifestações, impactos e tratamentos. Para alguns,
pode ser indicado tratamento medicamentoso, para outros, não. Os
profissionais que podem estar associados às terapêuticas também são
bastante diferentes (Thapar et al., 2017). Outro ponto fundamental é
atentar para as singularidades de cada sujeito: embora duas crianças
possam ter o mesmo diagnóstico, seus universos de particularidades
precisam ser observados e considerados no processo educativo.
Outra dúvida comum é: o que difere um transtorno do
neurodesenvolvimento de um transtorno mental? Um dos pontos
principais é que o transtorno do neurodesenvolvimento normalmente se
manifesta na primeira infância, enquanto o transtorno mental costuma
se manifestar posteriormente, na adolescência, juventude ou mesmo na
idade adulta. Estudos evidenciam que os transtornos do
neurodesenvolvimento são mais comuns em indivíduos do sexo
masculino, o que não acontece nos transtornos mentais (Thapar et al.,
2017).
O curso do transtorno do neurodesenvolvimento também é mais
estável, com características que podem perdurar ou declinar ao longo da
vida, em vez de um padrão intermitente e recorrente, mais comum aos
transtornos mentais. Frequentemente, os transtornos do
neurodesenvolvimento demandam, além dos profissionais da saúde
mental, a inclusão de profissionais de outras áreas, como
fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais ou psicopedagogos.
Síndromes genéticas
Envolvem quadros raros decorrentes de anomalias cromossômicas que
podem causar diversas alterações físicas e cognitivas.
A mais comum é a Síndrome de Down, ou trissomia do cromossomo 21,
causada a partir de divisões celulares atípicas na embriogênese que
levam a modificações físicas, atraso do desenvolvimento motor, da
linguagem e da fala, vulnerabilidades na saúde e deficiência intelectual,
que pode ser leve ou moderada. A prevalência na população é muito
baixa, em torno 0,1%, ou seja, 1 a cada 800-1.000 nascimentos (Bull,
2020).
Há singularidades que precisam ser observadas e consideradas, pois
cada sujeito apresentará características bastante próprias em relação à
aprendizagem.
Pode acontecer a sobreposição de quadros, ou seja, um indivíduo com
síndrome genética ter também um transtorno do desenvolvimento ou
mesmo ter mais de um transtorno do neurodesenvolvimento. Pode
igualmente se manifestar, em algum momento da vida, um transtorno
mental. Transtornos Específicos de Aprendizagem, por exemplo, são
frequentemente associados a problemas psicológicos: pesquisas
sugerem que 30% dessas crianças apresentam também problemas de
ordem emocional e comportamental (McGee et al., 1986).
Esse tema é relevante para educadores, uma vez que o processo
educacional é crucial para minimizar os impactos negativos dos
transtornos do neurodesenvolvimento e das síndromes genéticas na vida
dessas crianças e jovens, o que leva a melhores prognósticos para a vida
adulta.
Além da necessária inclusão e de uma condução adequada da
aprendizagem, os aspectos relacionais e emocionais precisam ser
cuidados pela escola para que o preconceito, a exclusão e o
bullying não se configurem em problemas adicionais para essas
crianças.
Não é incomum que a trajetória escolar dessas crianças e adolescentes
seja marcada por grande sofrimento, o que compromete o vínculo com o
espaço escolar, com a aprendizagem e com a construção da autoestima e
sentimento de autoconfiança.
Fazemos aqui uma provocação: uma criança com um transtorno do
neurodesenvolvimento ou uma síndrome genética que afeta processos
cognitivos tem, necessariamente, um problema de aprendizagem?
Compreendemos que não. Embora suas características de aprendizado
possam ser distintas quando comparadas às da maioria das crianças de
sua idade, o problema de aprendizagem é um bloqueio no processo que
impede que alguém possa aprender dentro de suas potencialidades, mas
esse problema pode ser superado. No entanto, questões de
aprendizagem podem surgir em decorrência de outros fatores, como os
elencados na parte em que tratamos do tema, e precisarão ser
abordados para que a criança siga com seu processo, dentro de suas
capacidades.
Esses estudantes certamente têm características próprias de
aprendizagem, que exigirão dos educadores intervenções também
apropriadas para que possam aprender, e da escola como um todo para
sua integração e desenvolvimento em todas as dimensões.
É fundamental destacarmos que transtornos mentais, transtornos de
aprendizagem ou síndromes genéticas não são impeditivos para que
uma criança ou um adolescente aprenda. Embora haja características
esperadas nas diversas fases etárias, é necessário considerar que cada
sujeito tem um percurso peculiar de aprendizagem. Além disso, crianças
e adolescentes estão em franca transformação, com enormes
possibilidades de aprimorar suas capacidades.
Transtornos de ansiedade
Como já vimos, é normal se sentir ansioso em algumas situações, como
uma entrevista de emprego, uma avaliação escolar etc. Nesses casos, e
de maneira geral, vivencia-se um estado de ansiedade de baixa
intensidade e por um período limitado de tempo, o que não configura um
quadro clínico de ansiedade.
Já os transtornos de ansiedades podem ser identificados quando se
vivencia recorrentemente um alto nível de ansiedade, que pode incluir
sensações de desconforto extremo e contínuo, eventualmente
apresentando quadro de crises. São diagnosticados como transtornos
porque geralmente interferem de forma negativa nas atividades diárias e
na vida pessoal do indivíduo, afetando o desempenho no trabalho, o
aprendizado e/ou desempenho acadêmico e os relacionamentos. Trata-
se de uma ansiedade que, ao invés de ajudar, atrapalha.
Os transtornos de ansiedade são comuns na população em geral e
podem acometer uma em cada vinte pessoas, independentemente da
idade; porém, nos últimos anos, evidencia-se uma prevalência maior
desse transtorno na população em geral e em adolescentes. A média
mundial da prevalência de transtornos de ansiedade em crianças e
adolescentes é de 6,5%, sendo o transtorno com maior incidência nessa
população (Polanczyk et al., 2015).
Dados da OMS apontam o Brasil como país “campeão” em
ansiedade. Nesse sentido, precisamos agir para reverter esse
preocupante indicador epidemiológico, começando pelas
crianças e adolescentes e investindo no autocuidado e em fatores
de proteção.
É importante atentar para a prevalência dos casos de distúrbios de
ansiedade em jovens, pois muitas vezes há a tendência de
“patologização” de sintomas que poderiam ser cuidados de forma mais
pedagógica. No entanto, é também de suma importância que os casos
que chamem a atenção tanto pelo excesso quanto pela falta, pela
inadequação em determinada situação ou pelo silêncio, sejam vistos
com maior cuidado e encaminhados dentro da escola. Esta, por sua vez,
deverá dar seguimento ou não a encaminhamentos externos para a área
da saúde para o melhor acompanhamento do estudante.
Sabemos que muitos sintomas dos distúrbios de ansiedade se iniciam
precocemente e um olhar atento e cuidadoso do educador, bem como
um encaminhamento e acompanhamento efetivo por parte dos
responsáveis na escola, pode mudar o curso de um possível problema de
ordem mental. Dessa forma, contribuiremos para a prevenção da saúde
mental e, mais ainda, para a promoção da saúde mental, que se
relaciona diretamente com a capacidade para o aprendizado.
Vamos lembrar aqui que ansiedade é natural e desejável no ser
humano, porém a diferença do normal para o patológico pode ser sutil e
confundir os leigos – isto é, os profissionais que não são da área da
saúde. Logo, observar, comparar com outros da mesma faixa etária,
trocar informações com colegas profissionais pode ser um dos caminhos
para reconhecer se o comportamento do aluno demanda cuidados de
saúde.
Quais são os sinais dos transtornos de ansiedade?
Há vários tipos de transtornos de ansiedade, que diferem pelos objetos
ou situações que os induzem, mas todos compartilham características de
ansiedade excessiva (preocupação, medo ou pânico) e distúrbios
comportamentais relacionados, bem como prejuízos funcionais.
De forma geral, podemos destacar os seguintes sinais mais comuns:
■ Preocupação excessiva que afeta o dia a dia.
■ Pensamentos negativos.
■ Sintomas físicos como palpitação, formigamento e respiração
acelerada (Sousa et al., 2014).
Como é o tratamento dos transtornos de ansiedade?
Em geral, o tratamento inclui tipos específicos de psicoterapia que
ajudam as pessoas a entender seus pensamentos, emoções e
comportamentos. Assim, elas desenvolvem novas maneiras de entender
o que sentem e conseguem lidar com esses estados de ansiedade de
forma mais positiva.
Muitas vezes, o acompanhamento médico com psiquiatra se faz
necessário, bem como o uso de medicação que ajuda a pessoa a
controlar os seus níveis de ansiedade, os ataques de pânico ou
compulsões.
Se não tratados, os transtornos de ansiedade podem interferir de forma
significativa no raciocínio e no comportamento da pessoa, resultando em
grande sofrimento e muita apreensão, podendo evoluir para quadro
depressivo e/ou abuso de substâncias.
Sugestões para lidar com alunos mais ansiosos
“Os professores de uma turma vinham falando sobre um aluno que
costumava passar mal nos dias de apresentação de trabalho em
público. Ele se queixava de dor de barriga, pedia para ir ao banheiro
muitas vezes e, em alguns casos, foi necessário ligar para a família
buscá-lo, em razão do mal-estar físico. Junto com os professores,
decidimos que faríamos uma conversa privada com ele antes de propor
trabalhos que tivessem de ser apresentados para toda a classe.
Passamos a perguntar se ele queria apresentar, de que forma e em que
momento. Um dos professores propôs que ele se apresentasse com seu
grupo em separado, enquanto os outros alunos estavam fazendo outra
atividade, para não sentir a pressão de estar em evidência em frente à
turma. Com alguns professores funcionou melhor, com outros nem
tanto. Mas, ainda assim, entendemos que seria importante conversar
com a família para que buscasse um apoio psicológico, já que esses
eventos geravam grande sofrimento para esse aluno.” (Adaptado do
relato real de um orientador educacional.)
A ansiedade, mesmo que não esteja associada a um transtorno, pode
variar entre um comportamento leve, que gera desconforto pontual, e
outro com proporções maiores, podendo bloquear a realização de uma
atividade, como uma avaliação ou uma apresentação.
A ansiedade se relaciona a perigos potenciais, ao medo de que
algo ruim aconteça. Caracteriza-se por uma sensação
desagradável de tensão e apreensão, fazendo-nos antecipar um
perigo ou risco futuro, que pode ou não acontecer.
Desse modo, dentro da normalidade, podemos sofrer por antecipação
quando queremos fazer um trabalho bem-feito, quando temos uma
apresentação, quando estamos esperando por um filho etc. Mas, quando
a ansiedade vem sem causa aparente ou numa intensidade exagerada,
torna-se prejudicial. Os sintomas são desagradáveis, a capacidade
intelectual é atingida, diminui-se a capacidade de pensar com clareza, de
julgar apropriadamente, de aprender com eficiência ou de recordar
coisas com precisão. Quando compromete de maneira importante o
cotidiano e a funcionalidade da criança ou do adolescente, recomenda-
se indicar que se busque um profissional especializado.
Algumas estratégias para a ansiedade: [*]
1. Ajude o estudante a entender do que tem receio,
auxiliando-o a tomar consciência de quais
acontecimentos teme que aconteçam no futuro e por
quê. Verbalizar os temores pode ajudar a enfraquecê-los,
trazendo uma dimensão mais realista das situações e dos
riscos percebidos.
2. Leve o aluno a identi car problemas reais,
diferenciando-os de projeções ou situações imaginadas.
Muitas vezes, a ansiedade é reforçada por se colocar
muito foco em situações hipotéticas que podem nunca
acontecer.
3. Proponha o treino da capacidade de solução de
problemas, pensando em alternativas e suas
consequências, buscando aquela que pareça mais
favorável. Estimule o aluno a começar a planejar a
execução da alternativa escolhida.
4. Ajude o aluno a reconhecer o que depende de si e o que
depende de outros para que ele comece a entender que
há situações em que temos mais controle e outras em
que temos pouco ou nenhum controle. Essa re exão
ajudará o estudante a ampliar sua compreensão da
realidade, assim como a aprender a mobilizar seus
esforços para atuar nas situações em que tem maior
poder de modi car, assim como a fortalecer as
habilidades para lidar com a frustração diante daquelas
que poderão transcorrer de maneira diferente do
esperado.
Transtorno de Dé cit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH)
O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um
transtorno comportamental com prevalência média mundial de 3,4% em
crianças e adolescentes (Polanczyk et al., 2015), ocorrendo mais em
meninos. Está associado a desatenção, impulsividade e hiperatividade
incompatíveis com a idade e que comprometem a funcionalidade da
criança ou do adolescente.
Embora geralmente o TDAH seja diagnosticado em crianças em fase
escolar, o transtorno pode perdurar por toda a vida adulta, trazendo
prejuízos funcionais e sociais para quem não foi diagnosticado
corretamente ou não recebe o tratamento adequado.
Quais são os sinais de TDAH?
O sinal de alerta deve acender quando uma criança ou adolescente
apresentar alguns dos sintomas listados a seguir em frequência e
intensidade consideradas acima do “normal” em mais de um contexto, e
que possam estar gerando prejuízos funcionais:
■ Incapacidade de se concentrar em uma tarefa (desatenção). Ter
pouca concentração e dificuldade de manter a atenção por um
período prolongado.
■ Incapacidade de regular o nível de atividade (hiperatividade).
Apresentar aumento de atividade – estar sempre “a mil por hora”
(esse sintoma pode não ocorrer ou diminuir a partir da fase final
da adolescência).
■ Impulsividade ou incapacidade de controlar o comportamento.
Ser impulsivo, ou seja, não parar para pensar antes de agir.
■ Apresentar rendimento escolar aquém do esperado para sua idade
e nível escolar.
Uma vez que se identifiquem esses sinais, é necessária a avaliação
clínica por um médico, que usará critérios específicos para chegar ao
diagnóstico. Ou seja, não há exames específicos destinados a identificar
o TDAH; o diagnóstico é feito a partir da observação e do histórico de
comportamento da criança (Estanislau; Bressan, 2014).
É necessário que os prejuízos causados pelos sintomas estejam
presentes em dois ou mais contextos (por exemplo, na escola ou trabalho
e em casa). Além disso, é importante haver claras evidências de que tal
prejuízo seja significativo no funcionamento social e/ou acadêmico.
Como é o tratamento do TDAH?
Várias medicações e intervenções comportamentais são empregadas
no tratamento do TDAH, sendo que o tratamento mais eficaz é baseado
no uso de medicações associadas à psicoterapia, treinamento de
habilidades sociais, orientações específicas para pais e professores e
acompanhamento psicopedagógico.
Sugestões para lidar com alunos mais desatentos
“Tive, este ano, um aluno com laudo de TDAH. Era seu primeiro ano
comigo e eu tinha recebido o histórico dele de anos anteriores, quando
apresentou muitas di culdades de aprendizagem e, para complicar,
sua agitação atrapalhava bastante a aula. Resolvi, na primeira
semana, conversar com ele em separado. Perguntei como se sentia, o
que para ele era fácil, do que gostava nas aulas, o que achava difícil.
Eu disse que queria muito que ele se saísse bem na minha matéria e
propus alguns poucos acordos com ele. Ajudou muito, criamos um
vínculo muito positivo, senti que ele estava motivado nas minhas
aulas e tive poucos problemas com ele ao longo do ano. No nal do
ano, ele me disse que nenhum professor havia conversado com ele
antes daquele jeito.” (Adaptado do relato real de um professor.)
Vale lembrar que as crianças vão gradualmente desenvolvendo sua
capacidade de atenção. Mas, quando se percebe um estudante com
muita dificuldade de sustentar a atenção durante a aula – seja um aluno
com diagnóstico de TDAH ou não –, é importante que o professor possa
lançar mão de algumas estratégias que diminuam as distrações e o ajude
a realizar as atividades propostas.
É importante que o professor compreenda que os
comportamentos desatentos ou hiperativos não são voluntários
nem intencionais. Isso o ajudará a não tomar o comportamento
como uma vontade deliberada do aluno de “causar”, de
desrespeitá-lo ou mesmo como uma agressão pessoal. Assim será
mais fácil não se deixar levar pela irritação ou pela raiva,
podendo ter ações mais assertivas.
Cabe ressaltar que alunos com dificuldades de atenção
frequentemente têm um histórico de fracasso escolar e um vínculo
negativo com a aprendizagem ou mesmo com a escola, em razão de
sucessivas frustrações. Tendem a ter baixa motivação para os estudos,
não reconhecer suas capacidades nem confiar nelas e a desistir diante de
dificuldades. Assim, muitas vezes, o problema de aprendizagem desses
alunos tem menos relação com processos cognitivos específicos e mais
com experiências difíceis e frustrantes na escola.
Algumas estratégias para a desatenção:
1. Proponha tarefas mais estruturadas, com instruções
breves e objetivas. Ajude o aluno a estabelecer o passo a
passo de sua atividade, escrevendo, por exemplo, cada
etapa na lousa.
2. Retome, com maior frequência, os objetivos da tarefa,
porque o aluno pode apresentar di culdade para
compreender várias instruções ao mesmo tempo e se
organizar.
3. Se possível, proponha que o aluno se sente mais
próximo ao professor ou em algum lugar onde tenha
menos distrações.
4. Inclua atividades que permitam trocas entre pares ou
em grupo, fazendo com que se movimentem e possam
conversar em prol do que está sendo aprendido. Isso será
útil para “quebrar” tempos longos de permanência em
uma só atividade, o que é penoso para esses alunos.
5. Reconheça seus avanços, mesmo que pequenos, e seu
esforço de maneira verdadeira e, quando possível, em
público. Isso fortalecerá seu sentimento de autoe cácia,
o ajudará a identi car seus pontos fortes e fará com que
se sinta valorizado perante o grupo.
6. Aponte as di culdades do aluno de forma especí ca.
Evite frases como “você nunca presta atenção”, “você
sempre se atrapalha” ou outros comentários
generalizantes e com juízo de valor. Ajude-o a encontrar
o caminho para superá-las.
Sugestões para lidar com alunos mais impulsivos
“Tive um aluno bastante difícil no primeiro semestre. Ele era inquieto,
falava no meio da explicação, não tinha paciência para esperar sua
vez, ‘chacoalhava’ na cadeira. Para mim estava muito difícil lidar
com ele e comecei a car muito irritado toda vez que tinha que dar
aula para a turma. Conversando com outros professores, soube que
um deles fez um acordo com esse aluno: nos cinco primeiros minutos
de sua aula, enquanto o professor fazia chamada, esse aluno podia ir
até a quadra e correr em torno dela, com o consentimento do professor
de Educação Física. Depois o aluno voltava para a sala e se
comprometia a ‘não causar’. Esse professor disse que isso ajudou
muito, mas que ele também passou a se organizar de forma que o
tempo de aula expositiva fosse alternada com atividades na qual os
alunos discutiam em grupos, elaboravam perguntas e faziam debates.
Resolvi adotar a estratégia e melhorou muito, inclusive minha relação
com esse aluno.” (Adaptado do relato real de um professor.)
A impulsividade é uma característica natural presente na criança em
função de alguns processos mentais que ainda estão se desenvolvendo.
Essa impulsividade normalmente diminui com o passar da idade. Mas,
em alguns casos, isso não acontece; ao contrário, se apresenta
sensivelmente maior que o esperado para a idade, havendo dificuldade
para agir e interagir dentro de um dado contexto, em que controlar os
impulsos se faz necessário. Embora seja uma questão de escolha, não
priorizar aquilo que não é tão importante sobre aquilo que realmente
importa passa a ser mais difícil, como se ater à explicação do professor
em vez de ceder à provocação de um colega de classe, por exemplo.
Como ajudar os alunos a desenvolver maior capacidade de
autorregulação e de controle da impulsividade? Novamente, daremos
algumas recomendações que poderão ajudar todos os alunos, não
apenas os mais impulsivos:
Algumas estratégias para a impulsividade:
1. Promova em aula o desenvolvimento do hábito de falar
e de escutar os demais. O exercício da escuta aprimora a
capacidade de esperar o momento certo de falar.
2. Com as crianças menores, proponha que elas lembrem
aos colegas o que precisa ser feito, seja falar, sair do
lugar ou esperar o momento certo para fazer alguma
atividade. Para as crianças até os seis anos, é mais fácil
regular o comportamento do outro do que o próprio e
esse exercício ajuda a internalizar a autorregulação.
3. Converse com os alunos e ajude-os a verbalizar o que
precisam fazer para realizar e concluir uma atividade.
Mostrar a necessidade de direcionar a atenção e o foco
para realizar uma tarefa ajuda os alunos a desenvolver a
metacognição. Assim, eles terão maior consciência de
como suas habilidades cognitivas funcionam e de como
podem ser direcionadas voluntariamente.
4. Ajude os alunos a perceber e a identi car os estados
emocionais que os deixam menos ou mais impulsivos.
Por exemplo, proponha que cada aluno crie um quadro
pessoal com um “termômetro emocional”, onde ele
possa marcar como está seu estado de ânimo para
ampliar seu autoconhecimento emocional, aumentando
seus recursos de autorregulação.
5. Coloque crianças menos impulsivas com crianças mais
impulsivas para realizar trabalhos em conjunto; uma
pode servir de referência e de oportunidade de
regulação para a outra.
6. Certi que-se que o aluno mais impulsivo entendeu
como realizar a tarefa. O claro conhecimento do que
deve ser feito diminui a ansiedade e, por conseguinte, a
impulsividade.
7. Crie um espaço de comunicação sem expor o aluno
mais impulsivo; estabeleça um código com ele que lhe
sirva para re etir sobre como está se comportando e
reconheça com ele a di culdade de administrar a
impulsividade.
8. Dê orientações quanto ao uso de ferramentas de
planejamento, organização e administração do tempo
para a realização de tarefas e pesquisas.
9. Permita um grau de liberdade e autonomia, deixando o
aluno escolher por onde começar uma dada tarefa, por
exemplo.
1
0. Desenvolva tarefas em grupos, fazendo a rotação dos
alunos pelos grupos. A interação com diferentes colegas
auxilia a regulação da impulsividade.
1
1. Proponha aos alunos uma caixa para depositar de
maneira anônima suas a ições e angústias. Sugira que
anotem “público”, para as anotações em primeira pessoa
(sem identi car o aluno) que poderão ser lidas
aleatoriamente pelos colegas, os quais dirão como
solucionariam aquele problema se fosse consigo. Nas
anotações com a palavra “privada”, apenas o professor
tomará conhecimento e poderá propor uma conversa
com o aluno ou dar outro encaminhamento.
Depressão
A depressão é um transtorno que apresenta um conjunto de sinais e
sintomas caracterizado por um humor deprimido excessivo e prolongado
que afeta o dia a dia da pessoa, impactando sua funcionalidade e
produtividade, seja na vida pessoal, profissional ou social. A depressão
pode vir acompanhada de sentimentos de ansiedade, angústia,
desânimo e falta de prazer em quase tudo.
São critérios diagnósticos para episódio depressivo:
■ Estado deprimido: sentir-se deprimido a maior parte do tempo.
■ Anedonia: interesse diminuído ou perda de prazer para realizar as
atividades de rotina.
■ Sensação de inutilidade ou culpa excessiva.
■ Dificuldade de concentração: habilidade diminuída para pensar e
concentrar-se.
■ Fadiga ou perda de energia.
■ Distúrbios do sono: insônia ou hipersônia praticamente diárias.
■ Problemas psicomotores: agitação ou retardo psicomotor.
■ Perda ou ganho significativo de peso, na ausência de regime
alimentar.
■ Ideias recorrentes de morte ou suicídio (Baptista, 2018).
É importante diferenciar a depressão da tristeza que sentimos de vez
em quando ao longo de nossas vidas. O estado emocional de tristeza –
geralmente associado a eventos negativos, como a morte de alguém
querido ou a perda de um emprego – é passageiro, enquanto os sintomas
da depressão, inclusive a tristeza e o desânimo que se instalam, são mais
duradouros e exigem acompanhamento e diagnóstico médico.
Casos de depressão na população em geral são comuns, pois é um
transtorno que pode ocorrer com qualquer pessoa, em qualquer
momento da vida. No entanto, a depressão é menos prevalente em
crianças (1% a 2%) e, na adolescência, o índice de prevalência aumenta
para 4% a 8%, sendo duas vezes mais comum em meninas (Kutcher; Wei,
2015).
Estudos mais recentes apontam para uma prevalência de 2,6% de
crianças e adolescentes que apresentam transtorno depressivo
(Polanczyk et al., 2015). A depressão pode acarretar outra grave
ocorrência: o suicídio, o qual vem aumentando nos últimos anos. O
suicídio é a segunda principal causa de morte entre jovens brasileiros de
15 a 24 anos de idade, segundo levantamento da Secretaria de Gestão de
Trabalho e de Educação na Saúde do Ministério da Saúde, em 2020.
Vale a pena ressaltar que, apesar de jovens receberem o mesmo
diagnóstico, os tratamentos e cuidados devem ser singulares.
Quais são os sinais da depressão?
A criança e o adolescente com depressão podem apresentar alguns
comportamentos que precisam ser observados caso se tornem
persistentes. Entre eles estão:
■ Falta ou excesso de apetite.
■ Insônia ou excesso de sono.
■ Voltar a fazer xixi na cama.
■ Preocupação ou medos excessivos (do escuro, de barulho, de ir à
escola, de insetos ou animais, do futuro, de afastar-se dos pais, de
morrer).
■ Falta de interação com os colegas.
■ Irritabilidade.
■ Desânimo.
■ Tensão muscular.
■ Dor de cabeça, dor de barriga.
■ Sudorese.
■ Necessidade frequente de ir ao banheiro.
■ Sentimento de culpa ou desvalia.
■ Ideias de suicídio.
■ Pensamentos de morte, de tragédias.
■ Dificuldades de raciocínio, memória ou concentração (Kutcher;
Wei, 2015; Sommerhalder; Stela, 2001).
É importante observar que, frequentemente, crianças apresentam
sinais não verbais, como postura e expressões faciais. Outro sinal que
elas podem apresentar é o medo de ficar longe da mãe ou da figura
paterna. Os sinais não necessariamente indicam o transtorno; o
diagnóstico e tratamento devem ser realizados por profissionais da
saúde, como psicólogos e psiquiatras, e, dependendo da singularidade
do caso, outros profissionais colaboram para o processo do tratamento.
Como é o tratamento da depressão?
Pessoas que apresentam sintomas de depressão necessitam de
acompanhamento médico e, após diagnóstico, a conduta terapêutica
geralmente inclui medicação específica. O médico irá prescrever o
antidepressivo mais adequado aos sintomas e às circunstâncias daquela
pessoa, que pode ser associado ou não a outras condutas.
Pessoas deprimidas também são beneficiadas quando associam
acompanhamento psicoterápico e acompanhamento médico e adotam
um estilo de vida mais saudável, como prática de atividades físicas,
alimentação mais balanceada, entre outras melhorias na qualidade de
vida geral.
Sugestões para lidar com alunos com depressão
“Neste ano aprendi com um aluno de 15 anos que sintomas
depressivos não são apenas aqueles que demonstram apatia, cansaço e
tristeza extrema. Quando o aluno está agitado, irritado e tenso
também pode ser indicativo de depressão. Eu cava incomodado com
ele, pela sua irritação constante, achava que não gostava de estudar,
que estava me provocando. No entanto, ao observá-lo em outros
ambientes na escola e junto aos colegas, percebi que não era uma
implicância, mas que ele estava em sofrimento e não conseguindo se
expressar de outra forma. Levando minhas observações para a
coordenação, que, por sua vez, as levou para a mãe, pudemos
compreender que ele estava vivendo grandes di culdades em sua casa,
com a separação dos pais e com o conhecimento de um novo irmão,
fruto da relação do pai com outra mulher. Ele se exigia muito,
entendendo que, com a saída do pai de sua casa, deveria ser ‘o
responsável’. A mãe não estava conseguindo ‘enxergá-lo’ e tê-la ouvido
e sugerido procurar ajuda foi muito importante. Ele foi encaminhado
ao psiquiatra da infância e adolescência, o qual propôs um
tratamento, que foi e caz. Como professor, foi um aprendizado:
importante lembrar que depressão é ‘doença do cérebro’ e não é porque
não vemos uma ferida que a dor e um distúrbio não existem.”
(Adaptado do relato real de um professor.)
Importante lembrar que tristeza é diferente de depressão; já que a
primeira é uma emoção saudável e necessária, conforme mencionado
anteriormente. A depressão é uma doença, que pode, inclusive, vir
acompanhada de outras comorbidades, ou seja, pode ocorrer junto a
outras doenças ou afecções. É mais comum o diagnóstico de depressão
em adolescentes do que em crianças e, apesar dos números e
porcentagens serem necessários, saber que apenas um criança sofre com
esse quadro já deveria ser suficiente para que encontremos tratamento,
cuidados e acolhimento eficientes e humanizados. Depressão não é uma
escolha, mas se informar e conhecer, é. Não existe saúde sem saúde
mental, ao mesmo tempo que não existe qualidade de vida sem
educação para a saúde emocional e mental. Na escola, e nas situações de
ensino-aprendizagem, temos a oportunidade de conhecer melhor os
alunos e assim adotar algumas estratégias.
Prevenir sempre foi melhor que remediar, e promover a saúde
emocional e mental é também cuidar de todos. A prevenção da
depressão na infância e adolescência também passa por promovermos a
qualidade dos ambientes e atividades educacionais.
Retraimento, isolamento
“Recebemos uma aluna de outra escola e os pais nos contaram que lá
ela cava muito sozinha. Segundo eles, ela era muito tímida e tinha
di culdade de se enturmar com as outras meninas, não tendo feito
amigos, o que a deixava muito triste. Os alunos também não a
incluíam nas brincadeiras e não a chamavam para atividades que
combinavam fora da escola. Conversando com alguns professores da
turma, um deles deu a ideia de chamar uma aluna da turma para ser
a ‘monitora’ dessa aluna nova. Funcionou tão bem que resolvemos
ampliar a ação para todas as salas que tinham alunos novos. Fizemos
uma espécie de ‘minicurso’ com orientações básicas para esses
monitores, demos certi cado e o ‘título’ de monitores. Em linhas
gerais, eles cariam responsáveis por enturmar os novos alunos,
chamá-los para as atividades e protegê-los no caso de serem alvo de
exclusão ou de gozação dos colegas. Esses alunos se sentiram
prestigiados e alguns foram tão e cientes em apoiar os novos alunos
que assumiram essa responsabilidade com outras turmas, além da
sua.” (Adaptado do relato real de um orientador educacional.)
A timidez é uma característica de personalidade que por si só não
representa um problema, embora socialmente haja a tendência de se
valorizar os mais expansivos. Mas, às vezes, podem-se perceber crianças
mais tímidas e retraídas socialmente, com maior dificuldade em iniciar o
contato com outras crianças; elas tendem a levar mais tempo para
começar uma conversa e a falar menos. Mesmo quando interagem,
algumas crianças são percebidas como menos competentes socialmente
e como tendo menos sucesso na concretização dos seus objetivos sociais
(Crozier; Perkins, 2002; Coplan; Rubin, 2010).
Automutilação
A automutilação é um fenômeno complexo, ainda com variação quanto
à nomenclatura, conceito, prevalência, origem e determinantes. Pode ser
classificado de maneira ampla, incluindo as lesões decorrentes de
tentativa de suicídio ou, de maneira mais restrita, quando diz respeito a
lesões como cortes, queimaduras e arranhões, mas na ausência da
intenção de morte (Hawton et al., 2012; Nock et al., 2006).
Neste livro optamos pelo termo automutilação por ser uma
nomenclatura mais encontrada em estudos brasileiros. Outros termos
utilizados são lesão autoprovocada, autolesão, autoagressão,
autoincisão ou cutting.
A automutilação é caracterizada por qualquer ação com o intuito de
ferir intencionalmente a si mesmo. Pode incluir fazer cortes na pele,
arranhões, queimaduras, bater em si, ingerir objetos perfurantes ou
morder-se. Os ferimentos são, geralmente, superficiais e, na maioria dos
casos, não têm por objetivo tirar a própria vida. É uma maneira de tentar
lidar com emoções negativas como frustração, desvalorização, raiva (às
vezes de si mesmo), angústia e rejeição. Podem estar associados a
transtornos mentais, mas podem ser uma reação a problemas de
relacionamento, situações de violência, abuso, bullying, entre outros.
A automutilação não deve ser entendida conceitualmente como
tentativa de suicídio. No entanto, é preciso monitorar estudantes que
tenham cometido tal prática, visto que se inserem no grupo de risco para
suicídio (Bježančević et al., 2019; Nock et al., 2006). Para termos uma
ideia da associação entre automutilação e tentativa de suicídio, um
estudo com adolescentes que praticavam a automutilação identificou
que a maioria (61%) não apresentava intenção suicida (Fonseca et al.,
2018).
Sabe-se que questões emocionais, sociais e do contexto de vida podem
levar a comportamentos prejudiciais à saúde como a automutilação,
principalmente entre adolescentes. Apesar de poder ocorrer em
diferentes faixas etárias, nota-se uma maior prevalência com início entre
os 13 e 14 anos, podendo perdurar por dez anos ou mais (Moraes et al.,
2020; Silva; Botti, 2017). Sabe-se também que as práticas de
automutilação ocorrem com mais frequência em meninas adolescentes
(Silva; Aguiar, 2020).
A automutilação, em si, não representa um transtorno mental,
mas sempre está associada ao sofrimento psíquico. Além disso, é
um comportamento que tem aumentado entre os jovens e
preocupado escolas e educadores.
Muitos estudos buscam identificar as razões que levam alguém a se
automutilar. Em suma, a automutilação está associada à tentativa de
modular sentimentos e emoções desagradáveis e intensas, pouca
habilidade em lidar com desafios da vida, dificuldade de comunicação,
inclusive para procurar ajuda profissional ou de pessoas conhecidas
(Fortes; Macedo, 2017; Lenkiewicz et al., 2017; Lopes; Teixeira, 2019;
Costa et al., 2021).
São fatores de risco para automutilação as dificuldades no convívio
familiar, a ausência de suporte da família, rejeição materna, ter sido
vítima de violência, abuso sexual, sintomas depressivos e depressão
(Moraes et al., 2020; Wol et al., 2014; Mesquita et al., 2011). Estudos em
adolescentes com condutas de autolesão manifestadas em ambiente
escolar constataram que todos os participantes apresentaram sinais de
ansiedade (Tardivo et al., 2019), assim como dificuldade de expressar
emoções verbalmente (Thomassin et al., 2017). Uma pesquisa com 93
adolescentes do sexo feminino, de 12 a 18 anos de idade, indicou que o
abuso sexual na infância aumenta o risco de automutilação em três vezes
(Lev-Wiesel; Zohar, 2014).
A prática de automutilação em adolescentes também está relacionada
ao conhecimento e contato com outros adolescentes que se
automutilam. Esse convívio pode ser no ambiente escolar ou nas redes
sociais virtuais, como Instagram, Facebook, WhatsApp, e livros e séries de
ampla divulgação com conteúdo voltado para essa faixa etária (Moraes
et al., 2020). Sabe-se que a divulgação de práticas de automutilação, por
meio de fotos e postagens em redes sociais, são incentivos para a
repetição do comportamento. Adolescentes se identificam com a
situação e acreditam que a automutilação pode ser um mecanismo para
aliviar sentimentos e emoções desagradáveis (Silva; Botti, 2018). Tal fato
sinaliza a importância de estarmos atentos aos colegas de um estudante
que se feriu.
O bullying, tema que também abordamos, é outro fator de risco para
automutilação e está associado aos sentimentos de tristeza, menos valia,
revolta e raiva decorrentes das ofensas e humilhações sofridas. Ocorre
sobretudo no ambiente escolar impulsionado pela convivência que
adolescentes mantêm nas redes sociais (Karanikola et al., 2018; Almeida
et al., 2018). O adolescente sob forte tensão e com a sensação de
abandono, rejeição, medo e raiva encontra na automutilação um
mecanismo mal adaptado de enfrentamento (Claes et al., 2015; Baiden
et al., 2017).
Segundo Alberti (2009), adolescentes utilizam-se de mutilações para
expressar aquilo que não pode ser dito através de palavras, sendo uma
forma de denúncia do próprio sofrimento. O corpo, nessa perspectiva,
funciona como meio de comunicar aquilo que os sufoca e gera angústia.
Quando o uso da palavra é insuficiente para expressar aquilo que
angustia, o adolescente transfere para o corpo, inclusive numa tentativa
de percebê-lo como sendo seu.
Ao provocar dor física, há um alívio de dores emocionais e sentimentos
negativos, já que desloca o foco do sofrimento para a sensação física.
Então, é comum que, após a autoagressão, haja uma sensação
momentânea de bem-estar, que pode ser acompanhada ou seguida por
sentimento de culpa e vergonha. Em razão do preconceito e do estigma,
normalmente os adolescentes ou jovens não buscam ajuda e se mantêm
cada vez mais isolados, o que pode agravar o quadro.
De modo geral, as lesões são provocadas em partes do corpo que
possam ficar escondidas, cobertas pelas roupas. Embora não esteja
diretamente associada à tentativa de suicídio, a automutilação é um sinal
de grande sofrimento emocional e um pedido de ajuda que merece
atenção, apoio e busca de cuidados. Crenças como achar que é apenas
uma forma de chamar a atenção só contribuem para que o aluno não
receba a ajuda necessária, o que pode aumentar seu sofrimento e
agravar a situação. Sendo assim, uma escuta ativa qualificada e eventual
encaminhamento são importantes para impedir a evolução para
situações mais graves.
Quais são os sinais de automutilação?
Observe comportamentos e uso de roupas ou adereços destoantes
entre os estudantes. Em dia quente, o uso de agasalhos, blusas de
mangas longas ou outras peças que escondam partes específicas do
corpo pode ser um sinal. O mesmo vale para a prática de atividade física
sem trajes adequados como shorts e camisetas, ou ainda o estudante
que evita participar de tais atividades repetidamente.
A presença de cicatrizes ou marcas recentes e que aparecem com
frequência também são sinais. Como já sabemos, a automutilação ocorre
na vigência de sentimentos e emoções desagradáveis que causam
sofrimento. Dessa maneira, devemos estar atentos a comportamentos
como maior isolamento, crises de raiva, comentários depreciativos
contra si, retração social ou queda no desempenho escolar. Vítimas de
bullying ou cyberbullying também têm maior risco de praticar a
automutilação.
O que fazer?
A prática da automutilação pode gerar consequências graves para os
estudantes e para a escola de maneira mais ampla, dado o risco alto de
interferir no processo de aprendizagem, na socialização e na modificação
do clima escolar. Instituições que abrem espaços de escuta e de diálogo
para o tema conseguem interferir positivamente para a manutenção das
condições de aprendizagem, além de promover saúde (Lopes; Teixeira,
2019).
Como a automutilação pode estar associada a transtornos mentais,
recomenda-se o encaminhamento para um profissional de saúde mental
que poderá fazer o devido diagnóstico e recomendar as melhores
estratégias de cuidado.
É possível cuidar da saúde mental com ações simples, através do
desenvolvimento de habilidades e mudança de determinados hábitos.
Nesse sentido, ações precoces são fundamentais para aumentar os
fatores de proteção de crianças e adolescentes, fortalecendo sua
capacidade de resiliência, de lidar de modo mais saudável com os
desafios da vida e de se desenvolver.
Acolher um adolescente que tenha praticado a automutilação envolve
perceber que naquele momento ele não está sendo capaz de fazer outro
movimento para lidar com as suas angústias. Deve-se considerar o seu
sofrimento e, em paralelo ao acompanhamento de um profissional da
saúde, construir as adaptações necessárias para seu processo formativo.
Lembre-se de que nesse momento ele pode não se adequar às
estratégias adotadas para a turma e que pode lhe fazer bem transitar por
outros espaços da escola para além da sala de aula. É importante que as
estratégias sejam construídas com o estudante e que ele se sinta
protagonista das ações necessárias para lidar com a situação.
“Percebi uma grande mudança em uma aluna nos dois últimos meses.
Parecia desligada na aula, triste, sua dedicação e desempenho escolar
caíram muito. Passei a observá-la com atenção e um dia chamei um
amigo seu da classe para conversar. Ele, muito nervoso, disse que a
colega estava se cortando, mas pediu que eu mantivesse segredo.
Conversei com a direção, que chamou a aluna para conversar sem
expor o amigo que havia nos contado. Ela chorou muito, falou sobre
sofrimentos com questões familiares, sobre uma imensa tristeza.
Fomos conversando com ela e sugerimos chamar a mãe para uma
conversa conjunta. Foi o melhor que zemos, pois, a partir dali, ela
passou a ter atendimento psicológico e foi aos poucos melhorando.”
(Adaptado do relato real de um professor.)
Quando o professor ou qualquer outro integrante da escola perceber
que o aluno está se agredindo, com ações de automutilação, é
fundamental que não o recrimine nem o exponha. Também não ajudará
manifestar sentimentos de indignação, raiva, negação ou banalização do
problema. Seguem algumas orientações básicas:
Suicídio
O suicídio configura-se como uma prática antiga relacionada à saúde
mental e emocional dos indivíduos e à forma como são afetados pelas
sociedades e coletividades nas quais vivem. Historicamente, sua
relevância social pode ser identificada desde a Grécia Antiga. Em tempos
modernos, ao menos desde o século XVIII, tem sido tratado como um
fenômeno social complexo, segundo diferentes perspectivas históricas,
sociológicas, econômicas e filosóficas (Ribeiro; Moreira, 2018).
No século XIX, o sociólogo Émile Durkheim dedicou-se a estudar o
suicídio com rigor metodológico. Partiu do pressuposto de que um dos
atos mais radicalmente individuais do ser humano pode ser analisado
enquanto um fenômeno social, conectado às tendências históricas e
outros fatores do meio social onde se vive (Durkheim, 2011).
Segundo a OMS, ocorrem cerca de 800 mil mortes por suicídio no
mundo a cada ano, o que representa uma morte a cada 40 segundos.
Entre os jovens (15 a 29 anos), é a segunda causa de morte globalmente
(WHO, 2014). Quando se comparam os dados de suicídios brasileiros com
os de outros países, percebe-se que o Brasil não está entre as maiores
taxas. A mortalidade por suicídio se concentra sobretudo entre os mais
idosos, mas chama atenção o crescimento entre as faixas etárias mais
jovens.
As taxas de suicídio são baixas antes dos 15 anos de idade, porém a
prevalência aumenta na adolescência. No mundo, a possibilidade de
adolescentes do sexo masculino entre 15 e 19 anos cometerem suicídio
quando comparados às meninas da mesma faixa etária é de duas a seis
vezes maior (Hawton et al., 2012). Apesar disso, não se deve considerar o
suicídio menos importante entre as adolescentes, pois representa a
principal causa de morte entre meninas de 15 a 19 anos e a terceira em
meninos na mesma faixa etária (Patton et al., 2009). Vale lembrar que os
meninos jovens são as grandes vítimas de homicídio e de mortes
decorrentes de acidentes de trânsito no Brasil.
Em 2019, a OMS divulgou os dados de suicídio relacionados ao ano de
2016, que revelam uma taxa mundial de 10,5 para cada 100 mil pessoas.
Analisando diferentes regiões do mundo há grande variação: Oriente
Médio (4,3), África (12,0), as Américas (9,6), Europa (12,9) e o Sudeste da
Ásia (13,4). A taxa brasileira de 6,1 suicídios por 100 mil habitantes situa-
se bem abaixo da média global, inclusive para a região das Américas
onde o país se situa (WHO, 2019).
Segundo Cicogna et al. (2019), de 2000 a 2015, no Brasil ocorreram
11.947 mortes por lesões autoprovocadas intencionalmente em
indivíduos de 10 a 19 anos. Isso representa 8,25% do total de óbitos por
suicídio em todas as faixas etárias no período. A maior parte (85,32%) dos
suicídios na faixa etária estudada aconteceu em adolescentes de 15 a 19
anos, que compreende grande parte dos estudantes do ensino médio. O
principal método de suicídio utilizado nessa faixa etária em ambos os
sexos foi o enforcamento, responsável por 58,95% das mortes. O
segundo método mais frequente foi o disparo de arma de fogo,
correspondendo a 9,75% das mortes. Em seguida, a autointoxicação por
pesticidas, com 7,99%.
O aumento das taxas de suicídio é uma realidade em vários países
do mundo, incluindo o Brasil. Um estudo realizado em grandes
cidades brasileiras constatou que a taxa de suicídio entre
adolescentes aumentou 24% entre 2006 e 2015 (Jaen-Varas et al.,
2019).
No ano 2000, o coeficiente de mortalidade por lesões autoprovocadas
intencionalmente na faixa etária de 10 a 19 anos em ambos os sexos no
Brasil foi de 1,71 óbito a cada 100 mil habitantes. Em 2015, o coeficiente
foi de 2,51. Esses resultados representam crescimento de 47% na
mortalidade por suicídio em adolescentes no Brasil no período. Entre os
meninos, o coeficiente de mortalidade por suicídio foi de 2,12 em 2000 e
de 3,42 em 2015, o que representou um aumento de 61,15%. Analisando
os dados por região do país, observa-se maior incremento nas taxas no
Norte e Nordeste brasileiro (Cicogna et al., 2019).
Esses dados devem ser analisados com parcimônia, visto que alguns
fatores podem comprometer os registros oficiais de suicídio, tais como
questões religiosas, estigma social, sofrimento da família que busca
proteger informações, questões legais relacionadas a seguros de vida e
indenizações, dentre outras razões que não elucidam corretamente as
causas de morte nos atestados de óbito.
O suicídio, por si só, não é um transtorno mental. No entanto, na
maioria das vezes, está associado a ele. O suicídio é uma ação pessoal e
multifatorial complexa. Tudo que tem a ver com suicídio deve ser
contextualizado a partir da realidade social vivenciada pela pessoa que o
cometeu. Ainda assim, dificilmente entenderemos a subjetividade e o
sofrimento envolvido.
A exacerbação do individualismo e da competitividade, a meritocracia,
a violência urbana, o cenário político e econômico do país e a má
utilização da tecnologia e redes sociais são alguns dos elementos que
influenciam direta ou indiretamente a saúde mental e podem contribuir
para aumentar as taxas de suicídio.
Para ajudar no entendimento dessa situação extrema, vale a pena
conhecer ou revisar alguns conceitos e terminologias:
■ Suicídio: o ato intencional autodirecionado, cujo objetivo final é a
morte. Cada suicídio é um evento complexo que tem sua
especificidade e sua própria história.
■ Tentativa de suicídio: quando existe uma intenção de tirar a
própria vida. Pode resultar em óbito ou não. É o maior fator de
risco para o suicídio. Quando não resulta em morte é um indicativo
de que há um intenso processo de sofrimento e que a pessoa
necessita ser acolhida e acompanhada por equipe de saúde.
■ Planejamento do suicídio: a preparação com objetivo de cometer
o suicídio, isto é, a escolha do dia, local, horário, método etc.
Quanto mais definidas estiverem essas questões, maior o risco de
concretização. Nesse processo, pode haver fatores que
desencadeiam as tentativas antes do planejado.
■ Ideação suicida: pensamentos sobre a morte como uma solução
para acabar com o sofrimento. Formulações como “quero morrer”,
“queria que Deus me levasse”, “penso em morrer” são exemplos
de ideação suicida.
■ Comportamento suicida: ações, atitudes e reações da pessoa
associadas à vontade de morrer e à ideação suicida e que podem
levar à tentativa ou à concretização do suicídio.
■ Impulso suicida: um momento imprevisível de fragilidade e
intenso desejo de morrer que pode incorrer ou não na tentativa de
suicídio.
O comportamento suicida tende a estar, na maioria das vezes,
associado à necessidade de acabar com a dor. A pessoa não consegue ver
outra alternativa à sua situação que não seja a morte. Pode ser um
pedido de ajuda; nesses casos, a pessoa condiciona a decisão de viver ou
morrer a uma determinada situação ou tipo de apoio. Pode haver a
motivação de abalar ou trazer sofrimento a outras pessoas, normalmente
pessoas conhecidas, com as quais se convive, mas também pode ser
direcionada a um grupo social, uma comunidade ou à sociedade em
geral.
Frequentemente o suicídio é precedido de ambivalência com relação
ao desejo de viver e morrer. Momentos de pensamento único, no qual o
desejo de morte prevalece, representam um período de maior risco.
Em crianças, a ideação suicida costuma ser menos específica e sem
planejamento, pelo próprio conceito de morte mais limitado quanto mais
nova for a criança. Por outro lado, a impulsividade concernente à
adolescência faz do suicídio um risco real que pode preceder um longo
período de ideação suicida com um plano para executar a própria morte
(Silva, 2019).
Com relação às mortes por suicídio no Brasil, entre 2007 e 2016, houve
22 óbitos de crianças de 5 a 9 anos, sendo 7 brancas e 15 negras, fato que
revela a relação do suicídio com outros problemas sociais, como o
racismo e suas consequências (Brasil, 2019).
Segundo uma revisão da literatura científica sobre suicídio na infância
(Sousa et al., 2017):
■ São fatores predisponentes para o suicídio na infância: problemas
escolares (dentre os quais se destacam o bullying e o rendimento
acadêmico ruim), histórico de violência física e sexual e conflitos
familiares.
■ Metade das crianças apresentaram algum tipo de transtorno
mental, especificamente Transtorno do Déficit de Atenção com
Hiperatividade (TDAH), transtorno de personalidade antissocial e
depressão.
■ Apesar da imaturidade cognitiva, as crianças têm capacidade e
compreensão do ato suicida.
■ As crianças dão menos pistas verbais do seu desejo de morrer e
são mais impulsivas na tentativa de suicídio.
■ Nos meses que antecedem o suicídio, ocorrem mudanças de
comportamento e de atitude, as crianças apresentam falta de
interesse em atividades prazerosas, abstenção da escola e
isolamento social.
■ As crianças que morreram por suicídio não possuíam estratégias
de enfrentamento de situações de estresse.
Com quais pessoas e situações devo me preocupar?
Histórico de transtorno mental
Estudos indicam que, em 90% dos casos de suicídio, a pessoa sofria
de algum transtorno mental. Destes, os mais frequentes são a
depressão, a esquizofrenia e o uso/abuso de álcool e outras drogas
(Brådvik, 2018).
Populações discriminadas
O racismo, a LGBTfobia, a discriminação por origem, situação social,
condição de deficiência etc. são manifestações de ódio e hostilidade
que decorrem de situações de opressão, preconceitos e violências
que podem marcar vários aspectos da vida das pessoas, a curto,
médio e longo prazo.
Estamos gratos e felizes que você esteja trilhando esta jornada conosco,
que certamente não termina com este livro.
Queremos ressaltar que este material é apenas um preâmbulo para
muitas outras informações, reflexões e vivências. O tema da saúde
mental na educação é amplo e entendemos que será necessário
aprofundá-lo, trazendo novos espectros por meio das pesquisas em
diversas áreas, como Neurociência, Saúde Pública e Educação.
Sobretudo, será preciso relacionar esses conhecimentos com as
experiências exitosas dos educadores.
Para usar um termo da moda, mas que nem por isso é menos relevante,
este livro vem ao encontro de ações para “empoderar” o professor, em
específico, e o educador, em geral, reconhecendo seus propósitos,
ampliando conexões assertivas e conhecimentos plenos. Fortalecer-nos
como seres humanos, como indivíduos, como profissionais é também
aumentar a consciência sobre nossas dimensões emocionais, mentais e
cognitivas. E, quando nos sensibilizamos e nos instruímos sobre a saúde
mental do estudante, revisitamos a nossa.
Entendemos também que este livro dá acesso a informações que
consideramos úteis a todos os cidadãos. Democratizar o acesso a esse
conhecimento nos leva a compreender melhor o significado e relevância
da educação em saúde mental na escola. Ter maior clareza em relação às
nossas questões pessoais, que antecedem as profissionais, nos permite
colaborar em prol do coletivo. Que todos possam gozar de mais saúde e
maior bem-estar!
Educar para a saúde da mente é um grande passo em direção à
equidade e à excelência na educação postuladas em nossa introdução, e
isso ficou ainda mais necessário com a pandemia. O ano de 2020 foi
muito desafiador com a emergência para a saúde física devido à Covid-
19, e os seguintes (2021, 2022 e além) serão cruciais para a saúde mental
e emocional de todos.
Aristóteles disse: “Educar a mente sem educar o coração não é
educação”. Temos na mente, no cérebro e no coração o firme propósito
de que educar transcende as salas de aula, as classes, as carteiras e os
materiais pedagógicos, os muros das escolas, bem como os rótulos e os
preconceitos.
Educar é, sobretudo, saber que aprendemos sempre. Afinal, saúde
mental é fundamental, mas aprender sobre saúde mental e emocional é
também saber que você, educador, é essencial!
Um abraço com afeto,
Anderson Rosa, Adriana Fóz, Alcione Marques
Posfácio
[2021]
Todos os direitos desta edição reservados à
Fundación MAPFRE
Paseo de Recoletos, 23
28004 Madrid