Cálculo de Tensões Induzidas - Parte 1

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Cálculo de tensões induzidas - valores confirmados por medições (Primeira parte)

Edição 69 - Outubro de 2011


Por Sérgio T. Sobral *
Este artigo ilustra três modelos de medições realizadas para calcular os valores de tensão
induzidas, utilizando a Lei Circuital de Ampere. Uma dessas medições foi feita em 2002 no
Laboratório de Alta Tensão do Lactec, em Curitiba (PR) e reportada no artigo [1] do IEEE de
novembro de 2009.
Outra foi uma medição de campo feita em 1954 por Kaufmann e reportada no artigo [2] do
IEEE. E a terceira foi uma medição realizada em 2007 no laboratório da Universidade de
São Paulo (USP), usando um condutor de blindagem de aço de 9 mm de espessura.
A medição do Lactec teve como objetivo a determinação do valor de tensão induzida ao
longo de pares de condutores situados no interior de eletrodutos metálicos ou blindagens de
cabos de controle, supervisão, proteção, etc., que são largamente utilizados em usinas,
subestações, instalações de telecomunicação e demais instalações digitalizadas. Mediu-se
o valor da tensão induzida no par de condutores internos quando o eletroduto ou blindagem
estão não aterrados, mono-aterrados e bi-aterrados. Foi medido também o efeito de “by-
passar” externamente às roscas dos eletrodutos metálicos.
A medição de Kaufmann mostra que quando um cabo de força é conduzido no interior de
um eletroduto (conduit) usual de aço, a quase totalidade da corrente retorna por ele, ainda
que o eletroduto esteja mono-aterrado ou bi-aterrado em uma malha de terra de cobre de
boa qualidade. Os cálculos realizados chegaram aos mesmos valores, utilizando
exclusivamente a Lei Circuital de Ampere.
A medição feita no laboratório da USP considera um condutor de cobre isolado instalado no
interior de um tubo de aço com 9 mm de espessura. Mostra que, utilizando-se
exclusivamente a Lei Circuital de Ampere e a curva de magnetização do material, pode-se
calcular exatamente a diferença de potencial que surge ao longo do condutor de cobre
interno quando se aplica uma corrente no tubo de aço. Mostra também como calcular
exatamente a condição oposta, isto é, o valor da d.d.p que surge ao longo do tubo de aço
quando se injeta corrente no condutor de cobre interno.
Essa primeira parte do artigo descreve a metodologia básica de cálculo e como ela permite
obter valores praticamente idênticos às medições feitas no Lactec. A segunda parte do
artigo aplicará a mesma metodologia para as medições de Kaufmann e da USP, mostrando
que permite obter resultados quase exatos.
Histórico
Em 1873, o físico escocês James Clerk Maxwell publicou seu famoso tratado [3], com cerca
de 1.000 paginas, que relaciona de uma maneira sistemática a eletricidade e o magnetismo.
Ele é considerado o pai da indústria elétrica de telecomunicações, pois em um capítulo final
e isolado de seu tratado (capítulo XX da parte IV), com apenas 19 páginas, denominado
“Electromagnetic Theory of Light”, apresentou as 20 equações que explicavam o fenômeno
de propagação da luz sem condutor. O inglês Oliver Heaviside condensou as equações de
Maxwell na sua forma atual, com quatro equações, sem alterar seus objetivos. Finalmente,
Einstein e colaboradores representaram as equações de Maxwell em forma tensorial para
agregar o fenômeno eletromagnético e a energia irradiada com a Teoria da Relatividade.
Por volta de 1883, começou a utilização sistemática da corrente alternada. Em 1887, o
alemão-americano Karl August Rudolf Steinmetz (também chamado sw Charles Proteus
Steinmetz), consultor da General Electric, publicou seu tratado sobre circuitos em corrente
alternada [4], utilizando impedâncias próprias e mútuas, calculadas basicamente utilizando a
Lei Circuital de Ampere.
A Teoria de Circuitos de Steinmetz permite relacionar diretamente correntes e tensões, que
são as grandezas que realmente interessam em um circuito de corrente alternada. Os
cálculos são simples, exatos e unívocos e utilizam apenas a álgebra dos números
complexos.
Evita-se a trabalhosa determinação dos valores dos campos elétricos e magnéticos
envolvidos, que é necessária quando se resolve o circuito utilizando a chamada Teoria de
Campo. Evita-se também a necessidade de utilizar cálculo vetorial e de integrar valores de
campo sobre trajetórias cuja escolha depende do calculista.
Quando se utiliza a Teoria de Circuitos de Steinmetz, os campos elétricos e magnéticos são
calculados apenas quando é necessário determinar os seus valores em pontos específicos
do circuito, com vistas a compará-los com os limites aceitáveis para seres vivos ou
equipamentos.
Atualmente existem muitos engenheiros eletricistas que não conhecem adequadamente a
Lei Circuital de Ampere em toda a sua potencialidade de aplicação. Entretanto, ela foi a
base de todo o desenvolvimento da indústria de corrente alternada e era, até bem pouco
tempo, a matéria básica do primeiro e segundo ano do curso de engenharia elétrica.
Recapitulando a Lei Circuital de Ampere
A Figura 1 mostra um circuito (HEFG) excitado por uma fonte de tensão. O trecho (HE) é um
tubo de aço com raio externo (r3) e raio interno (r3i). O trecho (FG) é um condutor sólido de
cobre com raio (r’3). Os pequenos trechos de condutores de cobre (HG) e (EF) fecham o
circuito e são também de cobre com raio (r’3).
A Lei Circuital de Ampére diz que quando a corrente (I) circula pelo trecho unitário (ab) do
condutor (HE), cria envolvimentos de fluxo circulares na região do espaço que vai da
superfície do condutor do trecho (ab) até abraçarem o trecho (a’b’) do condutor (GF), que
conduz o mesmo valor de corrente (I), porém em sentido contrário. Os envolvimentos de
fluxo criados pelo trecho unitário (ab) até (a’b’) mantêm-se entre dois planos perpendiculares
ao trecho (ab), passando pelos pontos (a) e (b).
Da mesma forma, quando a corrente (-I) circula pelo trecho unitário (a’b’) do condutor (GF),
são criados envolvimentos de fluxo circulares na região do espaço que vai da superfície do
condutor do trecho (a’b’) até abraçarem o trecho (ab) do condutor (HE), que conduz o
mesmo valor de corrente (-I), mas em sentido contrário. Os envolvimentos de fluxo criados
pelo trecho unitário (a’b’) até (ab) mantêm-se entre dois planos perpendiculares ao trecho
(a’b’), passando pelos pontos (a’) e (b’).
O segmento (a’b’) é dito o trecho de retorno do trecho unitário (ab). Da mesma forma, o
segmento (ab) é dito o trecho de retorno do trecho unitário (a’b’).
Cálculo da impedância própria do circuito (HEFG)
Reatância indutiva própria de um trecho elementar (ab) devido ao fluxo externo
Como o efeito dos envolvimentos de fluxo é aditivo, tem-se que o valor (X AIR)ab da
impedância própria do trecho (ab) devido aos envolvimentos de fluxo externos até o retorno
(a’b’) podem ser calculados pela seguinte expressão:
Com (ver Figura 1):

 da= distância, em metros, da superfície de condutor do trecho (ab) até o centro do condutor
do trecho (a’b’)
 db= distância, em metros, da superfície de condutor do trecho (a’b’) até o centro do condutor
do trecho (ab)
 r3 = raio externo do tubo metálico do trecho (ab), em metros
 r’3 = raio do condutor do trecho (a’b’), em metros
 mr = permeabilidade magnética relativa do meio onde passam os envolvimentos de fluxo
(mr =1 para o ar)
Reatância indutiva própria de um trecho elementar considerando o fluxo interno
A corrente se distribui no interior dos condutores (HE) e (GF) em camadas concêntricas. Por
esse motivo há envolvimentos de fluxo internos aos condutores que são criados por apenas
uma parte da corrente (I) e não pelo valor total da corrente.
Em condutores sólidos como (GF) esses fluxos adicionais são automaticamente incluídos no
calculo da reatância indutiva quando se faz o cálculo utilizando o raio do condutor com o
valor (0,7788).(r’3).
Para o trecho unitário (ab) do tubo (HE) a contribuição do fluxo interno para a reatância
indutiva é uma parcela adicional.

Com distâncias em metros


K1= (2.10-7) / (r32- r3i2)2
K2= [ r34-r3i4]/4 –2.r3i2 [ r32-r3i2]/2 +r3i4 ln [ r3/r3i]
mr = aproximadamente igual a 4,38 para os três casos cobertos por esse artigo. Isso indica
que apenas uma pequena parte do fluxo interno mergulha profundamente no aço, devido ao
efeito pelicular.
Quando o tubo de aço tem paredes muito espessas surge outra parcela (XSTEEL) da
reatância, cuja metodologia de cálculo é mostrada na segunda parte deste artigo e inclui
valores de (mr) do aço com valores superiores a 100.
Reatância indutiva própria total do trecho elementar (ab)

Impedância total do condutor (HE) com retorno em (GF)

Com:

 RHE+GF = resistência do tubo (HE) somada à resistência do condutor de retorno (GF), em W
 D1= extensão do condutor (HE) em metros

Em que:

 da= distância, em metros, da superfície de condutor do trecho (cd) até o centro do condutor
do trecho (c’d’)
 db= distância, em metros, da superfície de condutor do trecho (c’d’) até o centro do condutor
do trecho (cd)
 r’3 = raio do condutor do trecho (cd), em metros
 r’3 = raio do condutor do trecho (c’d’), em metros
 mr = permeabilidade magnética relativa do meio onde passam os envolvimentos de fluxo
(mr =1 para o ar)
Figura 1 – Impedâncias próprias.

Cálculo da impedância mútua entre o tubo (HE) e o condutor (JK)


A Figura 2 mostra que o condutor (JK) intercepta os envolvimentos de fluxo criados pelo
trecho unitário (ab) do condutor (HE) e pelo trecho unitário de retorno (a’b’). Os dois planos
perpendiculares ao trecho (ab), passando pelos pontos (a) e (b), determinam o trecho
elementar (ef) sobre o condutor (JK).
Reatância indutiva mútua entre dois trechos unitários de condutores
A reatância indutiva mútua Xab-fe entre os trechos elementares (ab) e (fe) é determinada pela
seguinte expressão:

Portanto, o valor de reatância indutiva mútua é formada pelos seguintes envolvimentos de


fluxo, marcados em vermelho na Figura 2:

 Parte dos envolvimentos de fluxo produzidos pelo trecho unitário (ab) que envolvem
simultaneamente os trechos unitários (ab) e (ef) e vão até o trecho unitário (a’b’).
 Parte dos envolvimentos de fluxo produzidos pelo trecho unitário (a’b’), que envolvem
simultaneamente os trechos unitários (a’b’) e (ef) e vão até o trecho unitário (ab).
 mr =1 para o ar.
Impedância mútua entre trechos unitários de condutores

Tensão induzida no trecho (ef)


Tensão induzida no trecho (ef), pela passagem de corrente (I) pelo trecho indutor (ab), com
o trecho (a’b’) como retorno.
Vef= (Zab-ef ).(I) em V/m
Tensão induzida no condutor (JK)
VJK= (Zab-ef ).(D3).(I) em V
Com:

 D3= extensão do condutor (JK), em metros

Medições realizadas no LATEC


As medições de tensão induzida a 60 Hz realizados no Lactec [1], utilizaram o arranjo básico
mostrado na Fig.3.
As impedâncias próprias e mútuas correspondentes são mostradas na Fig.4.
O valor de Z13= 0,00124 /900 foi calculado usando a metodologia mostrada na Fig.2. Nesse
caso:
 O indutor do teste corresponde ao condutor (HE) da Fig.2.
 O condutor mais próximo da malha do laboratório corresponde ao condutor (GF) da Fig.2.
 O par de condutores do teste corresponde ao condutor (JK) da Fig.2.
 A presença do tubo, sem aterramento, mono-aterrado ou bi-aterrado, não altera o valor do
(Z13), porque não altera o montante dos envolvimentos de fluxo entre o indutor e o retorno.
 No teste são os seguintes as distâncias mostradas na Fig.2.
D3=9,0m d1=1,25m d2=1,0 m d’2=0.25 m d’1=1,25m
 O valor de (Z13) é praticamente igual ao valor de (Z14) porque os envolvimentos de fluxo
entre o indutor e o retorno são praticamente os mesmos.
Cálculo da diferença de potencial (V3) induzida ao longo do tubo
 Se o tubo estiver aterrado somente do lado esquerdo, o valor da diferença de potencial
aplicada no par de condutores e ao longo do tubo é praticamente o mesmo:
I= 150 /00 A
V3=V4=(150 /00).( 0,00124 /900)=0,186 /900 Volts.
Cálculo da impedância (Z3) do tubo com retorno pela malha
O valor da impedância (Z3), do tubo e do seu retorno pelo condutor da malha corresponde à
impedância ZHEFG= ZHE +ZHG, em W, mostrada na Figura 1.
Para o cálculo de (ZHE) consideram-se os seguintes valores do teste do Lactec:
 D1=9,0m da=db=1,25m r3=0,0572 m r3i= 0,0543 m
 r’3= 0,008 m RHE= 0,00135 W RFG=0,0 W

Cálculo da impedância (Z34) entre o tubo e o par interno


Os envolvimentos de fluxo que envolvem o tubo até o condutor da malha são os mesmos
que envolvem simultaneamente o tubo e o par interno. Logo o valor de (Z 34) é igual à parte
reativa de (Z3)
Z34=0,0 +j 0,00369 = 0,00369 /900
Valor da tensão induzida ao longo do par interno ao tubo
Conclusões
O artigo mostra como calcular impedâncias próprias e mútuas em circuitos de corrente
alternada. Mostra também como calcular a tensão induzida em pares de condutores no
interior de cabos blindados e de tubos metálicos. As blindagens ou tubos metálicos podem
estar não aterradas, mono-aterradas, bi-aterradas ou bi-aterradas com “by-pass” externo da
junta rosqueada de eletrodutos metálicos. Todos os cálculos são feitos exclusivamente
utilizando a Lei Circuital de Ampere. Os resultados calculados são quase iguais aos valores
medidos.
Se os mesmos cálculos fossem feitos utilizando a Teoria de Campo, seria necessário
calcular os campos elétricos e magnéticos envolvidos, utilizando cálculo vetorial e
integrações feitas ao longo de trajetórias escolhidas pelo calculista.
Deve ser observado que não chegou a nosso conhecimento a existência de uma
metodologia utilizando a Teoria de Campo que permita o cálculo da tensão induzida em
condutores no interior de blindagem e tubos bi-aterrados.
Referências
[1] Sobral,Sérgio Toledo (ST&SC), Peixoto,Carlos A.O, Amon, Jorge F,Tavares (FURNAS),
Geraldo Martins (UFF), Izycki, Marcos José (FURNAS), Rigueira, Alexandre (UFF)
"Advantages of Steinmetz Circuit Theory Over Schelkunoff Transfer Impedance Theory".
IEEE Transactions on Power Delivery, October 2009, Volume 24, Number 4, ITPDE5 (ISSN
0885-8977) pp-1876-1882
[2] Kaufmann R.H. “Some fundamentals of equipment grounding circuit design” AIEE Trans.
Appl.& Industry NOV1954 pp 227-232
[3] J. C. Maxwell, ´´A Treatise on electricity & magnetism``, in two volumes, 1026 pages-
1954 Inside Volume II, Part IV, Chap.XX, pp 431-450 ´´Electromagnetic Theory of Light``
[4]C. P. Steinmetz, ´´Theory and calculation of alternating current phenomena, W.J.
Johnston Co. NY, 1898 (book).
[5] W. D. Stevenson Jr. ´´Elements of Power System Analysis”: McGraw Hill, New York,
1994.
[6] S. T. Sobral (Iesa), G. P. Fleury, J. R. Villalba (Itaipu), Dinkar Mukhedkar (Ecole
Polytechnique de Montreal), “Decoupled method for studying large interconnected ground
systems using microcomputers – part I – fundamentals”. Trans. On Power Delivery,
vol.PWRD-3, N04, OCT 1988 pp. 1536-1544
[7] S. T. Sobral (Iesa), C. A. O.Peixoto (Furnas), D. Fernandes (Furnas), Dinkar Mukhedkar
(Ecole polytechnique de Montreal), “Grounding measurements at itaipu generation complex
using the extended Eleck Method” Trans. On Power Delivery, vol. WRD-3, N 04, OCT 1988
pp. 1553-1563.Incluido como referencia no Standard IEEE-81.
*Sérgio Toledo Sobral é engenheiro eletricista. Foi Superintendente do Departamento de
Estudos de Sistemas e diretor de projetos da Internacional de Engenharia S.A.; foi consultor
especial no Projeto Itaipu. Desde 1990, está com sua própria companhia, a ST&SC Serviços
Técnicos Ltda.

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