Pontifícia Universidade Católica Do Rio Grande Do Sul Faculdade de Letras Programa de Pós-Graduação em Letras

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

ENTRE ASSOMBRAÇÕES E FANTASMINHAS:


ESTUDO DO SOBRENATURAL
EM NARRATIVAS INFANTO-JUVENIS

Gabriela Hoffmann Lopes

Porto Alegre

2008
1

GABRIELA HOFFMANN LOPES

ENTRE ASSOMBRAÇÕES E FANTASMINHAS:


ESTUDO DO SOBRENATURAL
EM NARRATIVAS INFANTO-JUVENIS

Dissertação apresentada como requisito para


obtenção de grau de Mestre em Letras pelo
Programa de Pós-Graduação da Faculdade de
Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul.

Orientadora: Dr. Alice Therezinha Campos Moreira

Porto Alegre

2008
2
3

Para Glorinha, companheirinha de horas difíceis,


e para Doroti, fonte de amor e cooperação.
4

AGRADECIMENTOS

Às agências de fomento à pesquisa CAPES e CNPQ, pela concessão de


bolsas de estudo, necessárias para a concretização deste Curso de Mestrado.

À Professora Vera Teixeira de Aguiar, que me ofereceu livre acesso à sua


biblioteca particular.

Às secretárias Mara e Isabel, pela constante disposição em atender os alunos


da Pós-Graduação.

À Professora Alice Campos Moreira, pela confiança e tranquilidade


demonstradas durante a execução desta dissertação e de seu projeto.

A Juracy Assmann Saraiva, por dividir comigo ideias e paixões acerca da


literatura, por estimular-me a querer sempre fazer o melhor e por incentivar a
realização deste Curso.

A todos os professores e a todas as professoras que já tive, com quem


sempre aprendi algo de bom.

Aos meus pais e familiares.


5

A emoção mais forte e mais antiga do homem é o medo, e a espécie


mais forte e mais antiga de medo é o medo do desconhecido.

H. P. Lovecraft
6

RESUMO

Esta dissertação apresenta um estudo descritivo e crítico de um conjunto de


narrativas de assombração do tipo fantasma, destinadas a leitores infanto-juvenis.
Para tanto, são estudadas 72 narrativas curtas de fantasma voltadas ao público
infanto-juvenil, registradas em coletâneas de contos folclóricos, em coleções cujos
títulos sugerem a presença de histórias sobre fantasmas ou em obras de autores
cuja produção explora a temática sobrenatural. A descrição de características
comuns das narrativas, referentes ao conteúdo e à forma, e a análise aprofundada
de quatro amostras demonstram a variabilidade do gênero e permitem o
estabelecimento de quatro categorias, que levam em conta o tratamento dispensado
à personagem fantasma. A classificação das narrativas em categorias e a descrição
de suas características são uma tentativa de traçar a tipologia do gênero em
questão, visto que estudos já existentes referentes ao folclore, à literatura infanto-
juvenil ou ao gênero fantástico apenas tangenciam a questão das narrativas de
assombração. O estudo aqui desenvolvido, portanto, é importante e oportuno no
âmbito dos estudos literários, pois aborda a temática da assombração e, mais
especificamente, do fantasma, que é tão presente em meios culturais diversos e que
acompanha o homem há muito tempo por meio da transmissão oral.

Palavras-chave: Literatura infanto-juvenil. Narrativa literária. Folclore. Fantasma.


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ZUSAMMENFASSUNG

Diese Magisterarbeit handelt sich um die Beschreibung und die Kritik von
Erzählungen über Gespenster, die in Lektüren von Kindern und Jugendlichen
vorkommen. Dazu werden 72 für Kinder und Jugendliche geeignete Kurzgeschichten
über Gespenster analysiert. Die Erzählungen sind in völkerkundlichen Sammlungen
oder in Werken von Schriftstellern, die sich mit diesem Thema beschäftigen,
gefunden worden. Die Beschreibung des gemeinsamen Kennzeichen, das mit dem
Inhalt und der Form gebunden ist, und die tiefe Analyse von vier Geschichten zeigen
die Vielfalt der Gattung und erlauben, dass man vier Gruppen festsetzt. Diese
Gruppen achten auf die Figur des Gespenstes und seine Vorstellung in den
Erzählungen. Durch die Einordnung der Kurzgeschichten und durch die
Beschreibung ihrer Kennzeichen versucht man eine Typologie der Gattung zu
entwerfen. Es gibt Untersuchungen, die von der Völkerkunde, der Kinderliteratur oder
der fantastischen Gattung handeln; aber keine kümmert sich genau um die
Erzählungen über Gespenster für Kinder und Jugendlichen. Da die Figur des
Gespenstes so haüfig in den kulturelischen Medien heutzutage benutzt wird, ist
diese Arbeit also sehr wichtig und kommt rechtzeitig in den literarischen Bereich an.
Auβerdem begleiten die Erzählungen über Gespenster schon lange den Menschen
durch die mündliche Übertragung.

Schlüsselwörter: Kinder- und Jugendliteratur. Literarische Erzählung. Völkerkunde.


Gespenst.
8

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 – Formas do movimento narrativo propostas por Genette.........................30


Quadro 2 – Tipos de perspectiva propostos por Genette..........................................33
Figura 1 – Capa do primeiro volume dos quadrinhos de Gasparzinho......................60
Gráfico 1 – Tipo de narrador......................................................................................63
Gráfico 2 – Faixa etária das personagens (versão 1)................................................69
Gráfico 3 – Faixa etária das personagens (versão 2)................................................69
Gráfico 4 – Elementos temporais do evento principal ...............................................77
Gráfico 5 – Elementos espaciais do evento principal ................................................82
Gráfico 6 – Modalidade da narrativa..........................................................................85
Figura 2 – Página inicial do conto “Vovó Maria”, em Rotas fantásticas (p.15)...........86
Quadro 3 – Relação entre o tempo da história e o do discurso em “A mais bela noite
de Margarida”.............................................................................................................93
Figura 3 – Ilustração da página inicial de “A mais bela noite de Margarida” (p.6).....94
Figura 4 – Montagem com detalhes ampliados da capa de Sete histórias para
sacudir o esqueleto....................................................................................................95
Figura 5 – Detalhe da capa do livro O pequeno fantasma.......................................102
Figura 6 – Ilustração de O pequeno fantasma (p. 48)..............................................104
Figura 7 – Ilustração de O pequeno fantasma (p.29)...............................................108
Quadro 4 – Relação entre o tempo da história e o do discurso em O pequeno
fantasma...................................................................................................................109
Figura 8 – Ilustração da narrativa “Mão de Cabelo” (p.12 e 13)..............................113
9

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Tipos de narrador segundo Genette........................................................36


Tabela 2 – Indicação do tipo de narrador...................................................................61
Tabela 3 – Indicação da faixa etária das personagens..............................................66
Tabela 4 – Indicação de referências a animais..........................................................71
Tabela 5 – Indicação dos elementos temporais do evento principal..........................75
Tabela 6 – Indicação dos elementos espaciais do evento principal..........................79
Tabela 7 – Indicação da modalidade.........................................................................83
10

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12

2 ASPECTOS TEÓRICOS DA NARRATIVA ............................................................. 17


2.1 ORIGEM, DEFINIÇÃO E MANIFESTAÇÕES ..................................................... 17
2.2 NARRATIVA E ORALIDADE ............................................................................... 19
2.2.1 Narrativa folclórica e narrativa artística ....................................................... 21
2.3 ESPECIFICIDADES DA NARRATIVA INFANTO-JUVENIL ................................ 22
2.4 A ANÁLISE DA NARRATIVA, SEGUNDO GENETTE......................................... 26
2.4.1 A questão do tempo ....................................................................................... 27
2.4.2 A questão do modo ........................................................................................ 31
2.4.3 A questão da voz ............................................................................................ 33

3 AS FONTES DA NARRATIVA DE FANTASMA ..................................................... 37


3.1 DEFINIÇÃO DE TERMOS................................................................................... 37
3.2 OS APONTAMENTOS DE PROPP ..................................................................... 40
3.3 OS REGISTROS DE ROMERO E DE CASCUDO .............................................. 43
3.4 AS ANOTAÇÕES DE LOVECRAFT .................................................................... 44
3.5 AS DESCOBERTAS DE TODOROV .................................................................. 48

4 CARACTERIZAÇÃO DAS NARRATIVAS INFANTO-JUVENIS DE FANTASMA ... 52


4.1 ESTABELECIMENTO DA HIPÓTESE INICIAL ................................................... 52
4.2 ASPECTOS CONTEUDÍSTICOS DO CORPUS ................................................. 54
4.3 ASPECTOS FORMAIS DO CORPUS ................................................................. 61
4.3.1 Tipo de narrador ............................................................................................. 61
4.3.2 Faixa etária das personagens ....................................................................... 66
4.3.3 Referência a animais ...................................................................................... 71
4.3.4 Elementos espácio-temporais....................................................................... 74
4.3.5 Modalidade...................................................................................................... 83

5 ANÁLISE DE CONTOS DE FANTASMA VOLTADOS AO PÚBLICO INFANTO-


JUVENIL.................................................................................................................... 87
5.1 “A MAIS BELA NOITE DE MARGARIDA” ........................................................... 88
5.2 “CAIO?” ............................................................................................................... 95
11

5.3 O PEQUENO FANTASMA ................................................................................ 101


5.4 “MÃO DE CABELO” .......................................................................................... 110

6 CONCLUSÃO....................................................................................................... 115

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 124

APÊNDICE A – Lista das narrativas selecionadas para a constituição do corpus .. 133


APÊNDICE B – Ficha para análise das narrativas .................................................. 139
12

1 INTRODUÇÃO

Histórias de mistérios, de assombrações e, em última instância, de fantasmas,


são consideradas, ainda que de maneira empírica, um dos gêneros mais apreciados
por crianças e jovens. Um estudo desse gênero é conduzido nesta dissertação com
o intuito de unir as áreas temáticas da Teoria da literatura infanto-juvenil, da
Literatura oral e da Narrativa literária, sendo o foco da pesquisa a análise das
características de um conjunto de narrativas de assombração do tipo fantasma,
destinadas ao público infanto-juvenil, de acordo com os aspectos do conteúdo e da
forma.
Conforme se pôde constatar ainda na elaboração do projeto desta
dissertação, existem trabalhos que abordam temas como a narrativa oral, a narrativa
infanto-juvenil e os contos de assombração; no entanto, eles apenas tangenciam a
questão da caracterização das narrativas de fantasma. Em vista disso, a primeira
razão pela qual se justifica esta pesquisa é a falta de estudo específico que trate do
assunto. Diferentes áreas do conhecimento podem ocupar-se do assunto
assombração ou fantasma, por exemplo, a Antropologia ou a Psicologia; porém,
cabe à Literatura o estabelecimento de características comuns ao gênero narrativas
de fantasma, uma vez que existe uma vasta produção literária com essa proposta,
tanto em obras voltadas a crianças e jovens quanto nas voltadas a adultos.
A temática da assombração e, mais especificamente, do fantasma, está
presente não só na literatura, como na televisão, no teatro e no cinema e há muito
acompanha o homem por meio da transmissão oral. A tentativa de traçar sua
tipologia narrativa, portanto, mostra-se importante e oportuna no âmbito dos estudos
literários, já que a oralidade e a literatura infanto-juvenil andam juntas desde muito
tempo.
13

O gosto por histórias do gênero que aqui se estuda, foi revelado à autora
deste trabalho quando de sua experiência docente. Não se pretende, contudo, ao
longo da dissertação, investigar o porquê dessa preferência, mas sim buscar
estabelecer uma caracterização comum ao gênero em produções destinadas ao
público infanto-juvenil. Pensa-se que as razões da preferência de crianças e jovens
e, poder-se-ia dizer, de alguns adultos por tais histórias estão afetas a investigações
por outras áreas de conhecimento.
O mote da investigação proposta surgiu a partir do interesse pessoal da
mestranda por manifestações literárias não-canônicas, de cunho popular. A
monografia de Graduação da aluna versou sobre a canção popular e sua utilização
em sala de aula pelo professor de Literatura. A intenção, nesse caso, foi aprofundar
os estudos acerca da ligação entre música e literatura e valorizar a canção popular,
gênero rico esteticamente e tão representativo da cultura brasileira.
Do mesmo modo, o gosto por manifestações literárias de origem popular é
agora direcionado para o estudo do folclore e, mais especificamente, para os contos
de assombração do tipo fantasma. O fascínio que esse tipo de narrativa tem
exercido sobre o ser humano, em diferentes sociedades e épocas, é realmente
intrigante e leva ao desejo de uma pesquisa sobre o gênero.
A proposta deste estudo tem como objetivo identificar e descrever elementos
caracterizadores de narrativas de assombração do tipo fantasma, em obras infanto-
juvenis e de verificar, a partir delas, o estabelecimento de categorias que dessem
conta da forma e do conteúdo vinculados a esse gênero.
No que se refere à metodologia empregada, o tipo de pesquisa que aqui se
desenvolve é de natureza bibliográfica e baseada em obras teóricas acerca da
narratologia, da literatura infanto-juvenil, bem como em obras literárias destinadas a
crianças e jovens leitores. Para efetuar as análises era necessário, em primeiro
lugar, formar um corpus. A busca estendeu-se então a bibliotecas públicas e
privadas e a livrarias, a fim de coletar narrativas curtas que mencionassem
fantasmas e que fossem voltadas ao público infanto-juvenil. Foi possível encontrar
amostras em coletâneas de contos folclóricos ou infantis, em livros cujos títulos
sugeriam a presença de histórias de fantasmas ou em obras de autores cuja
produção explora a temática da assombração.
De imediato, formou-se um corpus bastante volumoso, o que já revelou a
abundância de produções com a proposta que se procurava. Depois de lidas tais
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narrativas, foi possível classificá-las de acordo com o tratamento dispensado à


personagem do fantasma. A classificação das narrativas e a descrição de quatro
categorias consistiram, a princípio, em uma primeira tentativa de organização de
todo o material encontrado. Ao final do processo de seleção, chegou-se ao corpus
atual, formado por 72 narrativas, o qual inclui narrativas verbo-visuais, como a de
Willhem Busch ou as histórias em quadrinhos de Maurício de Souza e de Walt
Disney.
Cumpre destacar que, durante a seleção do corpus, não se fez qualquer
distinção quanto à data de publicação dessas produções. Ao contrário, procurou-se
obter tanto amostras de narrativas mais antigas quanto de contemporâneas, a fim de
assim obter um material variado e rico. Por isso, neste estudo, figuram os contos
tradicionais e formadores de gerações de Figueiredo Pimentel, publicados pela
primeira vez no ano de 1896, ao lado da narrativa da carioca contemporânea Sônia
Travassos, que tem, em Bicho-papão pra gente pequena, bicho papão pra gente
grande, publicado em 2007, seu primeiro livro infantil. Da mesma forma, não se
procedeu a uma seleção que privilegiasse somente a literatura infanto-juvenil
brasileira, por isso se encontram no corpus autores internacionais como Charles
Dickens, Edgar Allan Poe, Ernesto Cardenal, dentre outros.
Note-se, ainda, que foram evitadas, durante a seleção, narrativas longas,
como romances ou novelas, mesmo que tratassem de fantasmas. Ao que se pôde
previamente perceber, essas narrativas, com um maior número de episódios, são
voltadas especialmente ao público juvenil, isto é, a leitores mais experientes, e tem
grande incidência nessa literatura.
Paralelamente, pesquisaram-se contos de ou sobre fantasma em obras para
adultos, porém, eles não foram incluídos no corpus da pesquisa, mas constituíram
uma espécie de banco de dados para eventuais consultas, visto que, em alguns
casos, as histórias infanto-juvenis de fantasma são adaptações de narrativas
literárias para adultos ou são variantes de contos folclóricos.
Tendo em vista a necessidade de um número reduzido de narrativas, para
efetuar sua análise pormenorizada, fez-se uma primeira seleção dentre as 72
narrativas anteriormente mencionadas, que desse conta de narrativas capazes de
expressar os variados aspectos formais encontrados e pertencentes às quatro
categorias estabelecidas. Chegou-se aí às dez narrativas, a seguir listadas: “A
queda da casa de Usher”, de Edgar Allan Poe, O pequeno fantasma, de Pedro
15

Bandeira, “Maria Angula”, de Maria Gómez e Renan de la Torres, “A mais bela noite
de Margarida”, de Edson Gabriel Garcia, “A moça de branco”, de Luciana Garcia,
“Caio?”, de Angela Lago, “Vovó Maria”, de Heloisa Prieto, História de fantasma, de
Tatiana Belinky, “Bu!”, de Kevin Crossley-Holland e “Companhia à noite”, de
Orígenes Lessa.
No entanto, os títulos selecionados para a análise pormenorizada sofreram
nova redução, dada a previsão de extensão excessiva, caso as observações em dez
narrativas fossem levadas a cabo. A nova seleção privilegiou autores brasileiros e
abrangeu narrativas cujas fontes ou variantes pudessem ser identificadas. Além
disso, assegurou-se que cada uma das narrativas escolhidas pertencesse a uma
categoria diferente, para que, assim, se pudesse explicitar, na prática, elementos
próprios de cada grupo. Os contos de Edson Gabriel Garcia, de Angela Lago, de
Pedro Bandeira e o não-mencionado de Sônia Travassos foram os preferidos para a
análise da história e do discurso narrativo.
Depois de observados aspectos gerais acerca da forma e do conteúdo do
corpus das 72 narrativas, expressos por meio de tabelas e gráficos que poderão ser
conferidos neste trabalho, passou-se à análise aprofundada das quatro narrativas.
As atividades da pesquisa puderam ser divididas em etapas, que previram a
leitura das narrativas selecionadas e constituição do corpus definitivo, a descrição
dos elementos constitutivos das narrativas, a análise e a interpretação dos dados e a
redação final do texto.
No Capítulo 2, que segue nas próximas páginas, apresentam-se aspectos
teóricos da narrativa: sua origem, definição e manifestações. Os laços entre
narrativa e oralidade são retomados, bem como a ligação entre a narrativa infanto-
juvenil e o popular. Dois estudos sobre narratologia são aqui pormenorizados: o de
Propp, que trata das formas do conto maravilhoso, e o de Genette, que se ocupa da
análise do discurso da narrativa.
O Capítulo 3 trata das fontes da narrativa de fantasma. Para tanto, são
definidos os termos da busca empreendida neste trabalho e se apresentam
apontamentos de diferentes teóricos que, sob um viés ou outro, versaram sobre a
literatura com temáticas sobrenaturais. Essa reunião conta com produções de
Propp, Romero, Cascudo, Lovecraft e Todorov.
No Capítulo 4, é estabelecida a caracterização geral das 72 narrativas infanto-
juvenis de fantasma, presentes neste corpus, que se pretende, deem conta dos
16

aspectos formais, como o tipo de narrador utilizado, a faixa etária das personagens
envolvidas na trama, as referência a animais, os elementos constituintes do espaço
e do tempo e a modalidade das narrativas, bem como dos aspectos conteudísticos,
como a influência de outros gêneros – a aventura, a autoajuda, a literatura espírita –
e a função da personagem fantasma. Sempre que possível, procurou-se relacionar
os aspectos comentados às categorias propostas, consolidadora, desmistificadora,
anuladora e corruptora.
O Capítulo 5 é o que trata da análise pormenorizada das quatro narrativas
infanto-juvenis representantes das categorias, sendo elas: “A mais bela noite
Margarida”, “Caio?”, O pequeno fantasma e “Mão de Cabelo”. Em cada um dos
contos, observaram-se aspectos da história e do discurso, com base em Reis,
Genette, Propp e Todorov.
Na Conclusão, tratou-se de retomar o que havia sido dito acerca de cada uma
das quatro categorias, a fim de salientar, após as análises dos textos que compõem
o corpus, o que se confirmou ou se modificou em sua definição a respeito de
aspectos do conteúdo e da forma. Igualmente, comentaram-se as contribuições dos
conceitos desenvolvidos por Todorov, fantástico, maravilhoso e estranho, para a
ampliação das definições das categorias. Além disso, os aspectos do contexto
histórico-social relacionados a cada categoria que puderam ser observados foram
apontados na Conclusão.
Por fim, constam ainda neste trabalho Apêndices, que consistem em dois
instrumentos utilizados durante esta pesquisa: a lista completa com os títulos e
referências de todas as narrativas pertencentes ao corpus e a ficha utilizada para a
análise das narrativas do Capítulo 5.
2 ASPECTOS TEÓRICOS DA NARRATIVA

2.1 ORIGEM, DEFINIÇÃO E MANIFESTAÇÕES

A narrativa ocupa há muito tempo um espaço significativo na cultura


humana. Em variados povos, em diferentes países, o gosto por contar histórias tem-
se feito presente e é muito anterior à invenção da escrita. Desde os primórdios, a
imaginação do homem valeu-se da narração para explicar a origem e a natureza das
coisas, para transmitir um ensinamento salutar ou para divertir, simplesmente.
Esse “relato de eventos”, ou “articulação de ações”, – definições pelas quais
Marisa Lajolo compreende a narrativa (2005, p.5) – teve suas primeiras
manifestações literárias por meio da oralidade e também assim foram inicialmente
transmitidas. Mesmo sendo impossível precisar com exatidão os primórdios do ato
de contar histórias, pressupõe-se um tempo remoto, não marcado pela tradição
escrita.
Em busca da origem da narrativa, Nádia Batella Gotlib (1999) remete a 4000
anos antes de Cristo, época em que aparece a primeira coletânea de contos
egípcios, chamada Os contos dos mágicos. Em seguida, ela cita as histórias bíblicas
e os textos literários greco-latinos, bem como os contos orientais presentes em
Pantchtantra, que data do século VI a.C., e em As mil e uma noites, do século X.
Segundo a pesquisadora, enumerar as fases da evolução da narrativa seria,
portanto, “percorrer a nossa própria história, a história de nossa cultura, detectando
os momentos da escrita que a representam” (GOTLIB, 1999, p.6).
Já que a origem da narrativa não pode ser facilmente identificada, parece
necessário ocupar-se de sua definição. O linguista Labov adota um conceito
genérico, definindo-a como “método de recapitulação da experiência passada que
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consiste em fazer corresponder a uma sequência de eventos (supostamente) reais


uma sequência idêntica de proposições verbais” (apud REIS; LOPES, 1990, p.262).
Nesse quadro, inserem-se as narrativas literárias, que são, segundo Carlos Reis e
Ana Cristina M. Lopes, “normalmente de índole ficcional”, estruturadas “pela
ativação de códigos e signos” e realizadas “em diversos gêneros narrativos” (1990,
p.263); por exemplo, no conto, no romance, na novela, no mito, na anedota. Assim,
as narrativas procuram cumprir as variadas funções socioculturais que são
atribuídas, em diferentes épocas, às práticas literárias.
Uma vez que a narrativa se concretiza em suportes expressivos diversos, é
possível dizer que ela não se efetiva somente no plano literário estético próprio dos
textos narrativos literários, mas “desencadeia-se com frequência e encontra-se em
diversas situações funcionais e contextos comunicacionais” (REIS; LOPES, 1990,
p.262). A narrativa literária forma, ao lado da lírica e do drama, a tríade que tem sido
adotada por diversos teóricos desde a Antiguidade no estudo de textos ficcionais.
Gérard Genette (1995) apresenta três acepções correntes para o termo
narrativa e discorre brevemente sobre cada uma delas. A compreensão de narrativa
como discurso, além de ser a de uso mais comum, é a empregada pelo teórico
francês na obra Discurso da narrativa; ela designa o enunciado narrativo que, sendo
discurso oral ou escrito, assume o relato de um acontecimento ou de uma série de
acontecimentos. A narrativa compreendida como história designa a sucessão de
acontecimentos, sejam eles reais ou fictícios, que constituem o objeto desse
discurso, bem como suas relações de encadeamento, de oposição e de repetição. O
terceiro e último conceito, o de narrativa como ato narrativo, é aparentemente o
mais antigo, pois designa o acontecimento do próprio ato de narrar. Genette observa
ainda que “sem ato narrativo não há enunciado e, às vezes, nem sequer conteúdo
narrativo” (1995, p.24).
O estudo conduzido por Genette, pormenorizado mais adiante, baseia-se na
narrativa com o sentido de discurso narrativo, já que este é, para ele, o único
condizente com os estudos do campo da narrativa literária. Para a análise do discurso
narrativo, ele utiliza as expressões história, para referir-se ao significado ou conteúdo
narrativo, e narrativa, para referir-se ao significante, ou seja, o enunciado, o discurso
ou texto narrativo em si. O termo narração indica o ato narrativo produtor, logo, o
conjunto da situação real ou fictícia na qual toma lugar.
19

Portanto, a narrativa é o único meio de interpretação dela mesma. O


conhecimento dos leitores acerca da atividade trazida à luz dos acontecimentos
relatados é indireto, porque mediatizado pelo discurso da narrativa. “História e
narração só existem para nós, pois, por intermédio da narrativa”, conclui Genette
(1995, p.27).

2.2 NARRATIVA E ORALIDADE

As fontes da narrativa, bem como sua perpetuação, revelam o antigo e


estreito vínculo entre literatura e oralidade. Nos dias de hoje, esse vínculo parece ter
sido esquecido, visto que a memória cultural de diferentes comunidades e,
consequentemente, sua literatura oral não têm sido devidamente valorizadas e
estudadas. O advento e o posterior domínio da forma escrita acabaram por tomar o
lugar até então ocupado pela literatura oral na transmissão de saberes e no
entretenimento dos homens. Vítor Manuel de Aguiar e Silva, no compêndio Teoria
da literatura, reforça essa ideia ao afirmar que, ao final do século XVIII, o termo
literatura adquire o valor de criação estética e designa uma “específica categoria
intelectual e específica forma de conhecimento” (1969, p.21), passando a abranger,
por fim, todas as manifestações da arte de escrever.
Tendo definido, portanto, o literário como atividade estética registrada por
meio da escrita, o teórico português observa, de modo breve, que a literatura
compreende não somente obras de expressão verbal escrita, mas também oral;
essas, no entanto, segundo suas palavras, constituiriam “um aspecto menor,
quantitativa e qualitativamente [...], sobretudo depois da invenção da imprensa”
(AGUIAR E SILVA, 1969, p.24).
Tal postura redutora da literatura oral não é encontrada em teóricos que se
ocupam de estudos do folclore1, como Câmara Cascudo (2002, p.331), segundo o

1 De acordo com o Novo dicionário da língua portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (s.d.), e com a Enciclopédia luso-brasileira de
cultura(s.d.), a palavra folclore foi utilizada pela primeira vez em 1846 por William G. Thomas para designar o estudo das populações civilizadas e, dessa
forma, opor-se ao termo etnologia, empregado no estudo dos povos primitivos. O significado do étimo modifica-se ao longo do tempo e perde sua
característica etnocentrista, passando a ser considerado um ramo da etnologia que visa, em especial, recolher e descrever as tradições orais de qualquer
povo; aí, além de crenças, conhecimentos e costumes populares, incluem-se provérbios, canções, lendas e contos. Tais formas populares, repassadas por
meio da oralidade, constituem a literatura oral de um determinado grupo social.
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qual, a literatura é uma manifestação cultural que compreende tanto as formas


escritas quanto as verbais, como quadrinhas, contos, mitos, assombrações, lendas,
histórias, causos, anedotas, orações, etc. Em uma definição complementar,
Cascudo (1978, p.23) afirma que a literatura oral abrange tudo aquilo que substitui
as produções literárias para os não-leitores. Lembra ainda que toda literatura
proveniente do folclore é popular, porém adverte: nem toda produção popular é
folclórica, uma vez que àquela falta o tempo, único capaz de legitimá-la enquanto
folclórica. Essenciais para o estabelecimento do folclórico são a antiguidade, a
persistência, o anonimato e a oralidade, postula o estudioso.
A literatura oral – e folclórica – provém, portanto, da memória coletiva,
indistinta e contínua; são as águas paralelas, solitárias e poderosas da imaginação e
da memória popular que correm ao lado da literatura por assim dizer erudita, do
pensamento intelectual letrado (CASCUDO, 1955, p.4). Infelizmente, a força da
corrente folclórica não tem sido suficiente para valorizar o trabalho com esse
material nas escolas brasileiras. O pesquisador Júlio César da Silva afirma que,
embora essa já seja uma preocupação de alguns educadores, o aproveitamento do
folclore na sala de aula tem ainda muitos adeptos a conquistar, visto que:

[...] as atividades culturais são consideradas como secundárias para o


sistema educacional, são tratadas como se representassem um mero
complemento, um momento de festa, a lembrança de uma data, de uma
época, ou como se atendessem a um planejamento marcado pela falta de
continuidade (1986, p.59).

Vê-se, portanto, que não somente em histórias da literatura, mas também nas
escolas, a literatura oral é deixada de lado. Reiterando a importância dos
conhecimentos vindos da tradição, afirma Cascudo que “o folclore ensina a conhecer
o espírito, o trabalho, a tendência, o instinto, tudo quanto de habitual existe no
homem” (1955, p.4); além disso, é o primeiro contato intelectual que a criança tem
na infância por meio da voz materna ou de outros familiares.
21

2.2.1 Narrativa folclórica e narrativa artística

Cabe aqui estabelecer as diferenças entre a narrativa oral, na maioria das


vezes, de origem folclórica, e a narrativa escrita, de cunho erudito, chamada por
Cascudo de “tradicional”. Sabe-se, basicamente, que o elemento folclórico se
distingue do artístico na medida em que este apresenta uma elaboração formal e
linguística e aquele tem sua principal característica na espontaneidade. Enquanto a
origem do folclórico é popular, via pela qual se perpetua, a produção artística é fruto
da elaboração de um poeta, isto é, de um artífice. Cascudo distingue claramente três
tipos de literatura: a oral; a popular, que, embora sendo “tipicamente impressa, não
exclui a passagem à oralidade” (2002, p.331); e a literatura tradicional, sendo essa
sempre impressa.
Conforme Juracy Assmann Saraiva (2007), apesar das semelhanças
existentes entre as narrativas folclóricas e as artísticas, no que diz respeito à sua
natureza e finalidade, não se apagam suas diferenças. Acrescenta ela:

Enquanto fábulas, lendas, casos de assombração trazem, em sua


origem, a espontaneidade e o anonimato próprio de produções coletivas, as
narrativas estéticas, romances, novelas, contos sublinham a artificialidade
de sua produção e apontam para a existência de um sistema que agrega as
obras literárias (SARAIVA, 2007, p. 172).

A perspectiva de um sistema que agrega as obras literárias de cunho erudito


é considerada também por Marisa Lajolo (2001), que se ocupa em definir os limites
da literatura. Embora, para ela, o ponto fundamental para o reconhecimento do
literário seja a existência de um público leitor, é necessário notar a existência do
mercado editorial, o que pressupõe que a obra deverá ser escrita, editada, impressa
em um livro e vendida a um público. Apontando para a natureza social do objeto
literário, ela afirma ser preciso, para a instalação do literário,

em primeiro lugar, que alguém a escreva e que outro alguém a leia. E, para
ela passar das mãos do autor aos olhos do leitor, várias instâncias se
interpõem: editor, distribuidor e livreiros são três delas. O trio constitui uma
espécie de corredor econômico pelo qual deve passar a obra literária antes
que se cumpra sua natureza social, de criar um espaço de interação entre
dois sujeitos: o autor e o leitor (LAJOLO, 2001, p.18).
22

Lajolo menciona ainda mais um elemento essencial a uma obra para que
possa ser considerada literatura, qual seja, o reconhecimento perante os críticos,
capazes de “estabelecer e afiançar o valor ou a natureza artística e literária de uma
obra” (LAJOLO, 2001, p.18). Vista a questão da existência de um sistema literário,
agregador de obras, desponta a importância do ato de escrita pressuposto na
criação de uma narrativa literária. O escritor, que está ausente na narrativa oral,

demonstra sua preocupação com o emprego da linguagem, com a estrutura


global do texto e com a receptividade de sua produção. [...] Dessa forma,
seja sob o aspecto da composição ou da institucionalização, a comparação
das narrativas orais com as de cunho literário ressalta a complexidade
destas, mas não diminui a importância daquelas. Ambas as modalidades
fazem parte da cultura de um povo, de um país ou de uma região e, em
maior ou menor grau, têm a função de evidenciar, criticar e renovar
comportamentos sociais ou individuais. Por conseguinte, elas podem ser
um eficaz „instrumento de leitura do outro e do mundo‟, sobretudo pela
sedução que exercem sobre ouvintes e leitores (SARAIVA, 2007, p.172-
173).

A narrativa artística, portanto, caracteriza-se pela questão da autoria e por


seu caráter ficcional, contrapondo-se à narrativa folclórica, que é anônima, oral e
espontânea. Vale lembrar que, muitas vezes, o escritor erudito se vale de formas
narrativas simples, provenientes da literatura oral, para desenvolver seu trabalho,
adaptando-as ou reformulando-as.

2.3 ESPECIFICIDADES DA NARRATIVA INFANTO-JUVENIL

Ao tratar especificamente da narrativa infanto-juvenil não se pode deixar de


levar em consideração tudo o que já se disse acerca da narrativa em geral. O
adjetivo infanto-juvenil, agregado ao termo que aqui vem sendo estudado, não
confere à narrativa literária um caráter restritivo, nem tampouco diminui a qualidade
dos textos que abrange, uma vez que se acredita poder definir e analisar a literatura
infanto-juvenil pelas mesmas categorias e padrões estéticos da literatura direcionada
a adultos. A diferença entre a literatura chamada infanto-juvenil e a adulta reside
justamente no leitor a que se destina; sendo a criança ou o jovem os supostos
leitores de um livro infanto-juvenil, espera-se dessa obra que esteja adequada a seu
23

receptor, sem que infrinja padrões estéticos e formais da literatura, por assim dizer,
para adultos.
Para muitos teóricos, a distinção entre literatura infanto-juvenil e literatura
adulta não pode ser facilmente estabelecida, motivo pelo qual tal questão vem sendo
amplamente discutida. A problemática acerca do conceito de literatura infanto-juvenil
parece residir substancialmente no receptor, ou seja, “na diferença de idade e de
interesses entre adultos e crianças” (SILVA, 1986, p.59). Fundamental é não subtrair
da obra voltada ao público infantil e/ou juvenil o seu caráter literário e, portanto,
artístico. Assim, tudo o que já se disse aqui acerca da narrativa literária, vale
também para a literatura produzida tendo em vista a leitura de crianças e jovens.
Esse posicionamento, no entanto, não desconsidera o fato reconhecido de
que, quando a concepção de criança se altera, modifica-se também aquilo que é
entendido por literatura infanto-juvenil. Sabe-se que a literatura infanto-juvenil, tal
como hoje é concebida, é recente na história da humanidade. Tendo iniciado como
simples adaptação dos textos da literatura adulta para crianças e jovens, seu
surgimento se dá a partir dos séculos XVII e XVIII, na Europa, quando do
estabelecimento de uma nova classe social, a burguesia. É a partir de sua ascensão
que as crianças passam a receber tratamento e educação especiais, respeitando-se
suas necessidades e características. Até então, a criança era vista e considerada
um adulto em miniatura e, sendo assim, compartilhava de todas as manifestações
culturais de seu meio social.
A consolidação da burguesia como classe social desencadeou não só uma
mudança na concepção da infância, como também uma alteração nas instituições a
ela relacionadas. À medida que a família e a escola passaram a ser valorizadas,
tornaram-se necessários textos dirigidos especialmente às crianças. Inicialmente o
material utilizado na educação das crianças era constituído de adaptações de textos
para adultos. Aos poucos, começaram a aparecer coletâneas de histórias de cunho
popular, como as recolhidas por Charles Perrault, na França, ou pelos Irmãos
Grimm, na Alemanha. Em plena Idade Moderna, portanto, já se verificava uma
ligação entre o infantil e o popular.
Maria Zaira Turchi (2002) afirma que as raízes dessa ligação são mais
profundas do que uma simples referência histórica pode apontar, uma vez que
simbolizam o inconsciente.
24

A ligação entre o infantil e o popular se dá porque em ambos


predomina o pensamento mágico; ambos estão abertos ao jogo dos
possíveis do imaginário e, através da fantasia, das representações e
manifestações espontâneas, enfrentam de forma simbólica as questões
existenciais e sociais (TURCHI, 2002, p. 24).

A relação entre narrativas populares e literatura infantil, concretizada por meio


das coletâneas de Charles Perrault e dos Irmãos Grimm, é confirmada por Nelly
Novaes Coelho (1991). A pesquisadora informa que eles, bem como outros
escritores, a partir do século XVII, apenas reuniram histórias anônimas, que vinham
sendo contadas há séculos no meio de seu povo. No entanto, Coelho aponta para
uma possível origem da literatura dita infantil mais remota ainda, estabelecida sob
narrativas primordiais, cujas fontes são orientais e muito heterogêneas. Sua difusão
deu-se durante a Idade Média, por meio da oralidade. É a partir dessas narrativas
primordiais orientais que teriam surgido as narrativas medievais arcaicas que se
popularizaram e que se transformaram em literatura folclórica ou em literatura
infantil.
Vale salientar que, embora os contos de fada de Perrault e dos Irmãos Grimm
tenham sido prontamente impressos e adotados na educação infantil, algumas
manifestações literárias de cunho popular não foram registradas, mas
permaneceram na oralidade, sendo contadas e modificadas até os dias de hoje. É o
caso das histórias de assombração que têm, notadamente, assim como os contos
de fada, origem popular e continuam a atrair leitores pela força do imaginário nelas
contido.
Vladimir Propp (1984) é um dos primeiros estudiosos, no âmbito da literatura,
a se ocupar de forma sistemática com o conto popular, folclórico, bem como com
suas formas Em Morfologia do conto maravilhoso, publicado em 1928, ele propõe o
estabelecimento de leis capazes de reger a disposição desses pontos “com a
mesma precisão da morfologia das formações orgânicas” (1984, p.11); graças a
esse estudo, o teórico russo é considerado um dos criadores da narratologia.
Seu método consiste em comparar o enredo de contos de magia, isolando
suas partes constitutivas. Quando aproxima os contos, chega ao que chama
morfologia, isto é, uma a “descrição do conto maravilhoso segundo as partes que o
constituem, e as relações destas partes entre si e com o conjunto” (1984, p.25).
Propp observa que, nos contos maravilhosos ou de magia, mudam os nomes e os
atributos das personagens, mas não mudam suas ações, isto é, suas
25

funções. Portanto, ações iguais podem ser atribuídas a personagens diferentes. O


que importa são as funções da personagem, ou seja, saber o que fazem e não como
fazem ou quem faz.
Função, define o teórico, é o “procedimento de um (sic) personagem, definido
do ponto de vista de sua importância para o desenrolar da ação” (1994, p.26). As
funções das personagens são partes fundamentais dos contos maravilhosos; a ação
não pode ser definida fora de seu lugar no decorrer do relato. Além disso, afirma ser
limitado a 31 o número de funções dos contos de magia conhecidos. A sequência
das funções, por sua vez, é sempre idêntica. Nem todos os contos apresentam
todas as funções, mas isso não se modifica quanto à lei da sequência. As funções
nunca irão excluir-se ou contradizer-se mutuamente. Por fim, Propp nota que “todos
os contos de magia são monotípicos quanto à construção” (1994, p.28).
Vale lembrar que o conto popular, em geral, assim como os contos
maravilhosos, analisados por Propp, é feito de estruturas simples, mesmo que se
ramifique, que se divida. As funções das personagens podem ser resumidas às que
seguem. Após uma situação inicial, podem acontecer: afastamento, proibição,
transgressão, interrogatório, informação, ardil, cumplicidade, dano, carência,
momento de conexão, início da reação, partida, primeira função do doador, reação
do herói, fornecimento ou recepção do meio mágico, deslocamento no espaço entre
dois reinos ou viagem com um guia, combate, marca, vitória, reparação de dano ou
carência, regresso, perseguição, salvamento ou resgate, chegada incógnito,
pretensões infundadas, tarefa difícil, realização, reconhecimento, desmascaramento,
transfiguração, punição e casamento. Além das funções, partes fundamentais do
conto maravilhoso, há outras partes importantes nos contos que ligam as funções
entre si: são as informações.
Quanto às personagens dos contos maravilhosos, assinala Propp que sua
nomenclatura e atributos “são grandezas variáveis” (1994, p.81). Para ele, a análise
dos atributos das personagens deve ater-se a três aspectos fundamentais:
aparência e nomenclatura, particularidades da entrada em cena e habitat. Outros
elementos auxiliares são de menor importância. Além disso, o estudo dos atributos
das personagens “permite uma interpretação científica do conto maravilhoso. Do
ponto de vista histórico, isto significa que o conto maravilhoso, em sua base
morfológica, é um mito” (1994, p.83).
26

Propp define, por fim, o que entende por conto de magia: “todo
desenvolvimento narrativo que, partindo de um dano ou uma carência e passando
por funções intermediárias, termina com o casamento ou outras funções utilizadas
como desenlace” (1994, p.85). A este desenvolvimento dá-se o nome de sequência.
A cada novo dano, prejuízo ou carência, inicia-se uma nova sequência.
Para uma classificação segundo as propriedades estruturais, deve-se,
portanto, em primeiro lugar, destacar os contos de magia dos demais e, depois,
classificá-los enquanto tais. Para tanto, Propp define: “o conto de magia é uma
narrativa construída de acordo com a sucessão ordenada das funções citadas em
suas diferentes formas, com ausência de algumas e repetição de outras, conforme o
caso” (1994, p.92). De acordo com essa definição final, o termo magia acaba
perdendo seu significado primordial. Daí ser possível, por um lado, encontrar um
conto de magia fantástico construído de modo diferente, como alguns de Andersen;
por outro lado, também podem ser encontrados contos que não são de magia, mas
que são construídos segundo o esquema citado.

2.4 A ANÁLISE DA NARRATIVA, SEGUNDO GENETTE

Estudos mais recentes de narratologia mostram que toda narrativa pode ser
em dois planos, fundamentais à sua análise, quais sejam: o plano da história e o
plano do discurso. Afirmam Reis e Lopes que essa “concepção orgânica
desenvolve-se e aprofunda-se pela particularização de categorias da narrativa e
domínios de codificação de onde decorrem as práticas narrativas na sua existência
concreta” (1990, p.264) e pode ser abarcada pelos estudos da personagem e de
suas modulações de relevo, composição e caracterização; pelo estudo do espaço e
de seus diversos modos de existência; bem como pelo estudo das ações e de suas
variedades compositivas.

Estas categorias da história submetem-se a procedimentos de


representação elaborados no plano do discurso: o tempo compreende
virtualidades de tratamento em termos de ordenação, de velocidade
27

narrativa, etc.; a perspectiva narrativa condiciona a imagem que da história


se faculta, com inevitáveis projeções subjetivas e incidências semio-
estilísticas” (REIS; LOPES, 1990, p.264).

Gérard Genette (1995) propõe-se a realizar uma exploração do discurso


narrativo na obra Discurso da Narrativa. Sendo a análise do discurso o único
instrumento de que se dispõe para estudos no campo da narrativa ficcional, o
estudioso propõe sua realização, tendo em vista os aspectos tempo, modo e voz. A
análise do tempo assume as relações temporais entre a narrativa e a diegese, a
análise do modo trata da forma e do grau em que se dá a representação da
narrativa, já a da voz trata da “situação ou instância narrativa e, com ela, os seus
dois protagonistas: o narrador e o seu destinatário, real ou virtual” (GENETTE, 1995
p.29).
A partir das três classes acima propostas, o autor estabelece campos de
estudo, salientando que o tempo e o modo revelam a relação entre história e narrativa
e a voz designa a relação entre narração e narrativa e entre narração e história.

2.4.1 A questão do tempo

Metz define inicialmente a narrativa como “uma sequência duas vezes


temporal...: há o tempo da coisa-contada e o tempo da narrativa (tempo do significado
e tempo do significante)” (apud GENETTE, 1995, p.31). Essa dualidade temporal –
chamada pelos teóricos alemães de oposição entre o tempo da história e o tempo da
narrativa – é um traço característico da narrativa literária, bem como da
cinematográfica e da oral (recitação épica ou narração dramática) e pode ser menos
pertinente em outros gêneros, como a fotonovela.
A narrativa literária escrita apresenta uma dificuldade que é a do tempo da
leitura, isto é, ela não pode ser consumida da mesma forma que a narrativa oral ou a
fílmica; o tempo reservado à leitura é indeterminável. O livro ou a narrativa escrita,
além disso, exigem certa linearidade na leitura, que não permite que essa seja feita,
por exemplo, de trás para frente. “O texto narrativo, como qualquer outro texto, não
28

tem outra temporalidade senão aquela que toma metonimicamente de empréstimo à


sua própria leitura” (GENETTE, 1995, p.33).
Genette alerta para o fato de esse tempo de leitura ser um tempo falso, mas
que vale por um verdadeiro, tendo sido denominado, por isso, pseudo-tempo. O
teórico estuda as relações entre tempo da história e (pseudo) tempo da narrativa,
segundo suas determinações essenciais, que são de ordem, de duração e de
frequência, a seguir mencionadas: 1) Relações entre ordem temporal de sucessão
dos acontecimentos na diegese e ordem pseudo-temporal da sua disposição na
narrativa; 2) Relações entre a duração variável dos acontecimentos e a pseudo-
duração da sua relação na narrativa (relações de velocidade); 3) Relações de
frequência entre as capacidades de repetição da história e as da narrativa.
Explica Genette que, ao estudar a ordem temporal de uma narrativa, é
necessário comparar “a ordem da disposição dos acontecimentos ou segmentos
temporais no discurso narrativo com a ordem da sucessão desses mesmos
acontecimentos ou segmentos temporais na história” (1995, p.33), o que pode ser
indicado explicitamente pela narrativa ou não 2. A essas formas de discordância entre
a ordem da história e a ordem da narrativa dá o estudioso o nome de anacronia.
Quanto à narrativa folclórica, parece ter essa uma ordem cronológica, pelo menos em
suas grandes articulações. A tradição literária ocidental, ao contrário, inaugura um
efeito de anacronia. O início da Ilíada, seguido de um voltar atrás explicativo, mostra
que a anacronia não é uma raridade ou uma invenção moderna, mas sim um recurso
tradicional da narração literária.
Genette cunha os termos prolepse, para designar toda a manobra narrativa
que conta ou evoca “de antemão um acontecimento ulterior”; analepse, para referir-se
a “toda a ulterior evocação de um acontecimento anterior ao ponto da história em que
se está”, reservando o termo geral anacronia “para designar quaisquer formas de
discordância entre duas ordens temporais, que [...] se não reduzem inteiramente à
analepse e à prolepse” (1995, p.38). Ele observa que, além da dificuldade do começo
exposta na Ilíada, está presente, na tradição narrativa mais antiga, a estratégia do
encaixe narrativo do tipo “A conta que B conta que...”. Essa estratégia, que ainda hoje
é utilizada concede “ao narrador tempo de colocar a voz” (1995, p.45).

2 Cabe salientar que o tempo pode ser analisado em um nível macronarrativo, isto é, o das grandes articulações, que toma consideráveis segmentos da
obra para análise; também pode dar-se o estudo em um nível micronarrativo, a análise pode então ser feita a cada enunciado. Genette utiliza, em seu
estudo, esses dois tipos de análises do tempo: o que leva em conta a macroestrutura da obra e o que leva em conta sua microestrutura.
29

Quanto às definições de alcance e amplitude, ensina Genette:

Uma anacronia pode ir, no passado como no futuro, mais ou menos


longe do momento „presente‟, isto é, do momento da história em que a
narrativa se interrompeu para lhe dar lugar: chamaremos alcance da
anacronia a essa distância temporal. Pode igualmente recobrir uma duração
de história mais ou menos longa: é aquilo a que chamaremos sua amplitude
(1995, p.46).

O teórico afirma ainda que “toda anacronia constitui, em relação à narrativa na


qual se insere [...] uma narrativa temporalmente segunda, subordinada à primeira”
(1995, p.47). Os modos de encaixe, no entanto, podem ser mais complexos,
abarcando um maior número de narrativas.
Para o autor desse estudo, as noções de retrospecção ou antecipação,
conferidas pela analepse e pela prolepse, respectivamente, “supõem uma consciência
temporal perfeitamente clara, e relações sem ambiguidade entre o presente, o
passado e o futuro” (1995, p.77). No entanto, a frequência das interpolações e seu
cruzamento recíproco confundem as coisas para o simples leitor ou mesmo para o
analista.
Segundo Genette, “confrontar a „duração‟ de uma narrativa à duração da
história é uma” (1995, p.86) tarefa difícil, porque não há como medir a duração de
uma narrativa, isto é, de seu tempo de leitura. Os tempos da leitura variam, o que não
permite fixar uma velocidade padrão para sua execução.
A isocronia entre narrativa e história – que, em matéria de ordem temporal,
reflete-se na coincidência entre sucessão diegética e sucessão narrativa – não existe
quanto à questão da duração. O que mais se aproxima desse conceito são as cenas
de diálogo sem elipses e sem intervenção alguma do narrador. Seria capaz de atingir
o grau zero de referência somente uma narrativa isócrona, isto é, aquela capaz de
manter uma “velocidade igual sem acelerações, sem abrandamentos, em que a
relação duração de história/extensão da narrativa permanecesse constante” (1995,
p.87). Vale lembrar que, para o teórico, tal narrativa não existe, já que uma narrativa
pode não apresentar anacronias, mas não pode se desenvolver sem anisocronias, ou
seja, sem efeitos de ritmo. O estudo do ritmo da narrativa, alerta Genette, só vale se
for feito ao nível macroscópico, isto é, o das grandes unidades, e se for relacionado a
outros tratamentos temporais.
30

A divisão e a organização da diversidade das velocidades narrativas são


descritas da seguinte forma:

[...] existe uma gradação contínua desde a velocidade infinita que é a


da elipse, em que um segmento nulo da narrativa corresponde a uma
qualquer duração de história, até à absoluta lentidão que é a da pausa
descritiva, em que um qualquer segmento do discurso narrativo corresponde
a uma duração diegética nula (GENETTE, 1995, p.93).

Elipse e pausa, segundo Genette, são os dois extremos das quatro formas
fundamentais do movimento narrativo; as formas intermediárias são a cena,
dialogada, na maioria das vezes, e o sumário, uma “forma de movimento variável (ao
passo que os três outros têm um movimento determinado, pelo menos em princípio),
que cobre com grande adaptabilidade de regime todo o campo compreendido entre e
cena e a elipse” (1995, p.94). Esquematicamente, essas quatro formas podem ser
assim representadas:

PAUSA: TN ∞> TH TH tempo da história


TN tempo da narrativa ou pseudo-tempo
CENA: TN = TH ∞> infinitamente maior
SUMÁRIO: TN < TH = igual
< menor
ELIPSE: TN <∞ TH <∞ infinitamente menor

Quadro 1 – Formas do movimento narrativo propostas por Genette

O sumário consiste na "narração em alguns parágrafos, ou algumas páginas


de vários dias, meses ou anos de existência, sem pormenores de ação ou de
palavras" (1995, p.95). Sua brevidade lhe confere uma inferioridade quantitativa em
relação a capítulos descritivos e dramáticos. Segundo Bentley, a relação entre o
sumário e a analepse é evidente, já que "uma das funções mais importantes e mais
frequentes da narrativa sumária é o relatar rapidamente um período do passado"
(apud GENETTE, 1995, p.97).
Pausa é uma parada feita pelo narrador no tempo da história para a
descrição. As do tipo iterativo “não se reportam a um momento particular da
história, mas a uma série de momentos análogos, e, por consequência, não poderão
de modo nenhum contribuir par retardar a narrativa, muito pelo contrário” (1995,
p.99).
Nem uma narrativa sumária, nem uma pausa descritiva, a elipse dá-se
31

quando um tempo da história é pulado, omitido; representa "uma parte do texto


praticamente nula" (1995, p.109). A elipse refere-se aqui unicamente ao tempo, daí
ser chamada de elipse temporal. A quantidade de tempo elidido pode estar
determinada ou indeterminada no texto.
A cena, por sua vez, é detalhada e normalmente dramática, coincidindo com
um tempo forte da ação, isto é, um momento intenso da narrativa. Na cena típica, ou
exemplar, a ação apaga-se quase que completamente e dá espaço a uma
caracterização psicológica e social.

2.4.2 A questão do modo

Nesta parte de seu estudo, Genette procura analisar o modo como se dá a


narrativa, isto é, a quantidade de informação narrativa que é fornecida ao leitor e o
ponto de vista sob o qual se dá a narrativa. Assim, a distância e a perspectiva da
informação narrativa são os dois aspectos aprofundados.
O primeiro a preocupar-se com a distância foi Platão em A República, ao
opor dois modos narrativos: a diegese e a mimese. A diegese, ou narrativa pura
acontece quando o poeta “fala em seu nome sem procurar fazer-nos crer que é um
outro que não ele quem fala” (GENETTE, 1995, p.160-161); já a mimese ocorre
quando o poeta “se esforça por dar a ilusão de que não é ele quem fala” (1995,
p.161), mas sim uma personagem; há falas pronunciadas, à maneira do drama.
Nesse caso, a narrativa pura é entendida como mais distante do que a imitação; ela
diz menos e de uma forma mais imediata.
No fim do século XIX e início do XX, Henry James e seus seguidores
retomam essa oposição sob os termos showing (mostrar) e teeling (contar). Wayne
Booth critica a noção de showing como a de imitação ou de representação narrativa,
uma vez que,

nenhuma narrativa pode „mostrar‟ ou „imitar‟ a história que conta. Mais não
pode que contá-la de modo pormenorizado, preciso, „vivo‟, e dar assim mais
ou menos a ilusão de mimese que é a única mímesis narrativa possível,
pela razão única e suficiente de que a narração, oral ou escrita, é um fato
de linguagem, e que a linguagem significa sem imitar (apud GENETTE,
1995, p.162).
32

E o que fazer quando não há falas? Como fazer com que o objeto narrativo se
conte por ele mesmo, sem que ninguém precise falar por ele? Para esclarecer essas
questões, afirma o estudioso, é necessário distinguir narrativas de acontecimentos e
narrativas de falas.
A narrativa de acontecimentos é sempre narrativa; transcrição do não-
verbal em verbal. “A sua mimese nunca será mais que uma ilusão de mimese, como
toda a ilusão dependendo de uma relação eminentemente variável entre o emissor e
o receptor” (GENETTE, 1995, p.164). Daí que a relação do leitor com o texto é
variável segundo indivíduos, grupos e épocas. Essa narrativa pode ser mais
desenvolvida ou mais pormenorizada (chamada de cena) e não tem um narrador ou
informador (caso tenha, sua presença é mínima).
Para os pós-jamesianos, a melhor forma de narrativa é aquela em que a
história é contada por uma personagem em terceira pessoa. Assim, afirma
Friedman: “o leitor dá conta da ação filtrada pela consciência de uma das
personagens, mas dá conta dela diretamente, tal qual ela afeta essa consciência,
evitando a distância que inevitavelmente implica a narração retrospectiva na primeira
pessoa” (apud GENETTE, 1995, p. 166).
“Se a „imitação‟ verbal de acontecimentos não verbais mais não é do que a
utopia ou ilusão, a „narrativa de falas‟ pode parecer, ao contrário, condenada a
priori” à absoluta imitação (1995, p.167). Não se pode falar aqui em narrativa, já que
o narrador recopia a frase do herói; ele mal a imita e também não a conta. Por isso,
Platão reduz o discurso a acontecimentos, o que inspira Genette a propor três
estados do discurso da personagem (seja ele pronunciado ou interior) que levam em
conta a distância da narrativa. São eles: 1) discurso narrativizado ou contado: é o
estado mais distante e, em geral, o mais redutor; 2) discurso transposto, em estilo
indireto. Embora seja mais mimético que o discurso contado, essa forma não dá ao
leitor garantia nenhuma nem sentimento de fidelidade literal às falas pronunciadas. A
presença do narrador é muito sensível; 3) discurso relatado ou reportado, de tipo
dramático. O narrador finge ceder a palavra à personagem. É a forma mais
mimética.
A perspectiva é o segundo modo de regulação da informação apresentado
pelo teórico. Ela procede da escolha de um ponto de vista e é estabelecida em três
termos, a seguir relacionados e esquematizados no quadro: 1) Narrativa de narrador
33

onisciente ou a visão por trás: o narrador sabe mais que a personagem, por isso,
diz mais do que aquilo que qualquer personagem sabe; 2) A narrativa de certo ponto
de vista, ou de campo restrito, ou a visão com: o narrador diz apenas aquilo que
certa personagem sabe; 3) A narrativa objetiva ou visão de fora: o narrador diz
menos do que sabe a personagem.

visão por trás N>P N narrador


P personagem
visão com N=P > sabe mais
= sabe tanto quanto
< sabe menos
visão de fora N<P

Quadro 2 – Tipos de perspectiva propostos por Genette

Genette retoma o termo focalização, a fim evitar aquilo que a visão e o ponto
de vista têm de especificamente visual, apresenta os tipos focalização zero,
focalização interna (que pode ser fixa, variável ou múltipla) e focalização externa,
e lembra que o partido tomado pela focalização não é necessariamente o mesmo
em toda a narrativa. A fórmula da focalização se ajusta melhor a uma passagem, e
não à obra toda. Variações de ponto de vista em uma narrativa são mudanças de
focalização. Todavia, se uma mudança de focalização surgir isolada em um contexto
coerente, pode configurar-se em “uma infração momentânea ao código que rege
esse contexto, sem que a existência desse código seja por si só posta em questão”
(1995, p.193).

2.4.3 A questão da voz

Genette propõe ainda que se estudem as incidências da narrativa sob a


categoria da voz. Voz, diz ele, é o “aspecto (...) da ação verbal considerada nas
suas relações com o sujeito” (1995, p.212). Sob o termo sujeito entende não
somente quem realiza ou sofre a ação, mas aquele que a relata e todos os que
participam nessa atividade narrativa. Narração, esclarece, é a instância produtiva e
autônoma do discurso narrativo, assim como enunciação é, na Linguística, a análise
das relações entre os enunciados e sua instância produtiva. A instância narrativa,
34

alerta o teórico, não permanece necessariamente idêntica e invariável ao longo de


uma mesma obra. Quanto à confusão recorrente entre instância narrativa e instância
de escrita, entre narrador e o autor e entre destinatário da narrativa e leitor da obra,
lembra Genette que a narrativa literária pressupõe a ficção.

Uma situação narrativa, como qualquer outra, é um conjunto


complexo no qual a análise, ou simplesmente a descrição, só pode
distinguir retalhando-o um tecido de relações estreitas entre o acto
narrativo, os seus protagonistas, as suas determinações espácio-temporais,
a sua relação com as outras situações narrativas implicadas na mesma
narrativa, etc. (1995, p.214).

Genette trata das definições tempo de narração, nível narrativo e pessoa,


as quais exprimem as relações entre o narrador, seu narratário e a história que
conta. Ele afirma ser mais proveitoso estudar o tempo da instância narrativa
(passado, presente ou futuro), já que o lugar nem sempre será determinado, ao
passo que o tempo o será sempre, obrigatoriamente. “O lugar narrativo é muito
raramente especificado, e, por assim dizer, nunca pertinente” (1995, p.215). A
principal determinação temporal da instância narrativa é sua posição relativa em
relação à história. Do ponto de vista da posição temporal, são quatro os tipos de
narração nomeados: ulterior, anterior, simultânea e intercalada.
A narração ulterior apresenta a posição clássica da narrativa no passado,
sendo, de longe, o tipo mais frequente; já a narração anterior é preditiva,
geralmente no futuro e normalmente presente em narrativas de segundo nível; a
narração simultânea é no presente, contemporânea da ação, e, por coincidirem a
história e a narração, é a mais simples, eliminando, assim, o jogo temporal e
possíveis interferências. A narração intercalada, por seu turno, acontece entre os
momentos da ação é a mais complexa, pois consiste em uma narração de várias
instâncias, “podendo a história e a narração enredar-se nela a um ponto tal que a
segunda reaja sobre a primeira” (GENETTE, 1995, p.216).
Genette identifica a existência de diferentes níveis narrativos e postula: “todo
o acontecimento contado por uma narrativa está num nível diegético imediatamente
superior àquele em que se situa o ato narrativo produtor dessa narrativa” (1995,
p.227). Isso pode também acontecer quando uma narrativa contém outra narrativa.
Os acontecimentos são divididos pelo teórico em extradiegético, intradiegético e
metadiegético.
35

A narrativa no segundo grau está ligada à narração épica e é o que


acontece na Odisseia, nos cantos IX a XII, em que a narrativa é feita por Ulisses.
Essa prática mantém-se no século XVIII, apesar da concorrência de formas novas.
Genette distingue os principais tipos de relação que podem unir a narrativa
metadiegética e a narrativa primeira em que se insere: 1) Causalidade direta entre
os acontecimentos da metadiegese e da diegese; a narrativa segunda tem função
explicativa. Responde-se, aqui à pergunta: quais os acontecimentos que conduziram
à situação presente; 2) Relação temática: de contraste ou de analogia. Não há
continuidade espácio-temporal entre metadiegese e diegese; 3) Não há nenhuma
relação explícita entre os dois níveis da história. O próprio ato da narração
desempenha uma função na diegese, independentemente do conteúdo
metadiegético.
Quanto à questão do narrador, Genette critica as expressões “narrativa em
primeira pessoa” ou “narrativa em terceira pessoa”, referentes à voz da narrativa.
Para contar uma história, o romancista não escolhe entre duas formas gramaticais,
mas sim entre duas atitudes narrativas, isto é, ele conta a história por uma de suas
personagens ou por meio de um narrador estranho a essa história. A partir dessas
ideias de Genette, o estatuto do narrador é definido por seu nível narrativo –
podendo ser extradiegético ou intradiegético – e por sua relação com a história –
classificado então como heterodiegético ou homodiegético. Por isso, quatro serão os
tipos fundamentais de narrador, elencados a seguir e ilustrados na tabela
(GENETTE, 1995, p.247): 1) extradiegético-heterodiegético: narrador de primeiro
nível, que conta uma história da qual está ausente; 2) extradiegético-
homodiegético: narrador de primeiro nível, que conta a sua própria história; 3)
intradiegético-heterodiegético: narrador de segundo grau que conta histórias das
quais está geralmente ausente; 4) intradiegético-homodiegético: narrador de
segundo grau que conta a sua própria história.
36

Tabela 1 – Tipos de narrador segundo Genette

NÍVEL
extradiegético intradiegético
RELAÇÃO

heterodiegético O narrador em O tempo e o vento Xerazade em As mil e uma noites


(vol. I)

homodiegético Bento Santiago em Dom Casmurro Ulisses em Odisseia

Ao contrário do que se possa pensar, o papel do narratário não é puramente


passivo, limitando-se a receber uma mensagem. O narratário apresenta uma
função bem variável dentro da narrativa. Ele é um dos elementos da situação
narrativa e coloca-se exatamente no mesmo nível diegético que o narrador, não
sendo confundindo, assim, com o leitor. Acerca do narratário, ensina Genette: para
narrador intradiegético, narratário intradiegético; o narrador extradiegético, por seu
turno, visa um narratário extradiegético, que se confunde com o leitor virtual, com
quem o leitor real pode identificar-se. O narrador extradiegético pode também fingir
que não está se dirigindo a ninguém. A existência de um narrador intradiegético tem
como efeito manter o leitor distante, ficando mais transparente a instância receptora,
mais silenciosa sua invocação na narrativa e mais fácil a identificação do leitor real a
essa instância virtual.
3 AS FONTES DA NARRATIVA DE FANTASMA

A afirmação da epígrafe desta dissertação, além de incontestável, faz pensar


na impossibilidade de localizar, na história humana, as primeiras manifestações
literárias do medo do desconhecido, visto ser o medo “a emoção mais forte e mais
antiga do homem” (LOVECRAFT, 1987, p.1). Não deve haver, igualmente, data
certa para o surgimento das narrativas orais de fantasmas ou de outras
assombrações. Neste capítulo, apresentam-se alguns estudos fundamentais sobre
essa literatura do medo, chamada por alguns de fantástica, de literatura de horror
por outros ou de literatura sobrenatural, simplesmente. Salienta-se, desde já, que
nenhum desses estudos trata especificamente das histórias de fantasma ou dos
populares “causos de assombração”, no entanto, esses textos tangenciam a questão
do fantasma, como o de Propp (1984), o de Romero (1954) e o de Cascudo (1955),
ou ainda, englobam o tema fantasmagórico: Lovecraft (1987) versa sobre o horror
sobrenatural e Todorov (1975), sobre o fantástico. Visto que não foi encontrado
estudo que tratasse das narrativas de fantasma propriamente, a seleção de artigos
aqui exposta é uma tentativa de constituir uma rede temática em torno do que
mantenha relações estreitas com o assunto proposto, capaz de auxiliar na
elucidação de questões como a classificação conferida às narrativas de fantasma no
âmbito do folclore e da literatura infantil, suas origens e suas características comuns.

3.1 DEFINIÇÃO DE TERMOS

Antes de partir para os estudos mencionados, parece necessário definir o


que se entende por assombração e fantasma, visto serem esses os termos que
38

direcionaram as buscas desta pesquisa. Para tanto, foi preciso valer-se de apoio
lexicográfico nas explicações que seguem, pois o gênero proposto – narrativas de
fantasma – especificamente e suas eventuais definições não constam em estudos
teóricos, nem mesmo em materiais consultados acerca do folclore e da literatura
oral.
No Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, Antônio
Geralado da Cunha aponta a palavra assombração como sinônima de
assombramento e conduz ao termo sombra, cuja definição é: “espaço sem luz ou
escurecido pela interposição de um corpo opaco” (1999, p.735); fantasma, por sua
vez, é palavra afim de fantasia, caracterizada como uma “espécie de imaginação,
devaneio” (1999, p.349). Já o Dicionário etimológico da língua portuguesa, de José
Pedro Machado, discute a origem do termo assombração, também ligando-o à
sombra e, sobre o termo fantasma, diz ser ele proveniente do grego phántasma, do
latim phantasma e variante culto de abantesma e designado como um “ser
imaginário, espectro” (1977, p.29). Fantasia relaciona-se com fantasma e é o léxico
que melhor define o significado: “aparição de coisas extraordinárias que causam
ilusão, visão; espetáculo, [...] particularmente de coisas extraordinárias, próprias
para ferir a imaginação, acto de provocar a imaginação; imagem que aparece ao
espírito [...] ” (1977, p.20). O termo imagem, anteriormente sugerido por fantasia,
também revela proximidade com fantasma, sendo definido da seguinte forma: “[...]
imagem, sombra de um morto; fantasma, visão, sonho, aparição, espectro; [...]”
(1977, p.266).
A Enciclopédia luso-brasileira de cultura (s.d.), do Editorial Verbo, confirma os
significados do termo fantasma já expostos e acrescenta-lhe novos: é uma imagem
ou aparição e “designa o produto da fantasia, ou objeto representado pela
imaginação” (s.d., p.357); para a Psicanálise, é uma “representação mental que, em
certas circunstâncias, se impõe ao indivíduo sem que este se aperceba da sua razão
de ser” (s.d., p.358), e pode ser distinguida de fantasia, que é sonho diurno, ficção
ou ilusão consciente porque está ligado a “núcleos de representação relacionados
com o instinto ou desejo infantil, pulsões libidinais e agressivas, emoções e
mecanismos de defesa” (s.d., p.358). Para a Etnologia e o folclore, o fantasma faz
parte de uma série de seres sobrenaturais, e é uma entidade tradicional do povo que
singulariza medos relacionados a determinados lugares e personalidades. O
fantasma “é pessoal e representa alguém, remoto ou recente, que morreu e
39

ressurge a manter segredos ou guardar privilégios de grei; protetor e vingador” (s.d.,


p.359).
A busca estendeu-se ao Dicionário do folclore brasileiro, redigido por
Cascudo, em que se encontram as seguintes designações:

Assombração. Terror pelo encontro com entes fantásticos, aparição


de espectros, ato de espavorir-se; casa mal-assombrada, onde aparecem
almas do outro mundo. Uma assombração, um grande medo. Rumores,
vozes, sons misteriosos, luzes inexplicáveis (2002, p.28).

Fantasma. Espectro, aparição, figura sobrenatural, assombração.


Surge em diferentes lugares, às vezes perseguindo-as ou assustando-as.
Aparece e desaparece temporariamente ou não, para a mesma pessoa ou
para outras (2002, p.226).

Vê-se, portanto, que os termos pesquisados se entrecruzam e, por vezes, se


complementam, formando campos lexicais bastante variados que trazem à tona
novos termos. No entanto, parece certo dizer que assombração é uma
manifestação fantástica, sobrenatural, sem explicação racional, e algumas de suas
personificações, popularmente conhecidas, são facilmente elencadas: o bicho-
papão, a mula-sem-cabeça, o lobisomem, a perna cabeluda, a cabra cabriola e o
fantasma. Logo, o fantasma é um tipo de assombração que pode ser definida,
conforme se viu, por tantos outros termos: visão, visagem, aparição, espectro,
imagem e alma penada.
No referido Dicionário, Cascudo registra uma série de assombrações
fantasmagóricas bem como suas aparições, comprovando, assim, a presença
desses seres fantásticos no imaginário do povo brasileiro. É o caso do Cresce-
míngua, fantasma muito popular no Brasil e em diferentes países, que muda de
altura conforme sua vontade, para assustar as pessoas; ou do Gunucô, espécie de
divindade das florestas que, quando aparece aos membros de uma tribo, muda
também de altura e dá conselhos. Não-se-pode é um fantasma feminino que
costumava aparecer em Teresina aos notívagos que perambulavam pelas ruas;
representado pela figura de uma mulher esguia, de olheiras profundas e ar de
tristeza, a mulher pedia cigarros aos passantes. Se lhe perguntavam o nome, ela
afastava-se, repetindo sem pausa: “Não se pode! Não se pode! Não se pode!”, até
desaparecer. Assombração semelhante é o Pé-de-anjo; conta-se que ele aparecia,
também nas ruas de Teresina, diante de quem voltasse tarde da noite para casa. Na
forma de um caboclo, ele pedia a quem passava que o ajudasse a colocar suas
40

malas em um jumento; quando o transeunte tentava erguer uma mala, não


conseguia, e perguntava então ao homem o que levava nela, ao que ele respondia:
“Nesta mala é o pé-de-anjo; nesta outra o suco puro sem mistura da uva roxa”. Dito
isso, sumia, sem deixar vestígios.
Outra aparição relatada por Cascudo é a Mulher de Duas Cores, um
fantasma que surge em plena luz do dia em pequenas matas ou nas estradas de
Minas Gerais que fazem fronteira com São Paulo; vestindo sempre duas cores, a
aparição atravessa em silêncio o caminho do passante, pisando sem encostar os
calcanhares no chão e olhando fixamente para o chão, sem incomodar ninguém. Já
a Dama de Branco é uma visão que traz sorte àqueles que com ela cruzam, pois é a
guardiã dos tesouros escondidos; leve e inalcançável, costuma aparecer aos
fazendeiros do rio das Garças e passeia, à noite, pelas estradas ou por velhos
casarões. Reminiscências da Dama de Branco podem ser encontradas na França,
na Alemanha e na Inglaterra; contudo, lá não tinham relação com tesouros
enterrados, mas sua visão indicava algum acontecimento notável ou a morte de
algum príncipe-soberano.

3.2 OS APONTAMENTOS DE PROPP

Propp (1984) foi um dos primeiros a estudar a narrativa sob o ponto de vista
de textos folclóricos, isto é, de tradição popular. Em Morfologia do conto
maravilhoso, o teórico trata apenas de contos de magia, no sentido exato da
palavra, chamados por ele de maravilhosos e, para tanto, utiliza um corpus
formado por 449 contos folclóricos reunidos pelo também russo Afanássiev. No
primeiro capítulo de seu clássico, Propp expõe e discute a classificação proposta por
diferentes estudiosos para os contos folclóricos3. Uma das razões para a grande
dificuldade na obtenção de precisão e clareza na resolução de problemas
relacionados aos contos maravilhosos reside, segundo o teórico, no fato de serem
tais contos constituídos de material heterogêneo e variado. Como os contos são

3 Este assunto faz parte do capítulo inicial de Morfologia do conto maravilhoso e serve para justificar a posterior classificação proposta por Propp para os
contos de magia, desenvolvida no Capítulo 2 desta dissertação. Feita de acordo com a construção, ou seja, com o sistema de indícios formais, estruturais,
das narrativas, a classificação do estudioso é completamente inovadora em relação à dos demais teóricos por ele apresentados.
41

muito variados, deve-se primeiro classificá-los. Alerta Propp que a classificação deve
ser “o resultado de um exame preliminar profundo” (1984, p.15), visto que a divisão
mais habitual dos contos maravilhosos, “a que distingue os contos de conteúdo
maravilhoso, os contos de costumes e os contos sobre animais” (1984, p.15)
apresenta falhas, pois existem contos de animais que contém algo de miraculoso e
vice-versa. Propp traz então outras divisões utilizadas para os contos maravilhosos.
O estudioso Wundt (apud PROPP, 1984, p.16), em Psicologia dos povos,
propõe a seguinte classificação: 1) contos-fábulas mitológicos; 2) contos de feitiçaria
puros; 3) contos e fábulas biológicas; 4) fábulas puras de animais; 5) contos sobre a
origem; 6) contos e fábulas humorísticas e 7) fábulas morais.
Essa divisão também apresenta problemas, segundo Propp, pois não se sabe
o que Wundt compreende por fábula. O conceito humorístico, por sua vez, é
inaceitável, pois um mesmo conto pode ser analisado de forma heroica ou de forma
cômica. Algumas categorias podem ainda se misturar em alguns contos, por
exemplo, as “fábulas puras de animais” e as “fábulas morais”.
Essa divisão dos contos é feita por categorias. Existe também a divisão feita
por enredos, a qual é, para Propp, absolutamente impossível: significa o caos
completo. R. M. Volvok (apud PROPP, 1984, p.17) publica, em 1925, uma obra
sobre o conto maravilhoso e a classificação por ele adotada, exposta a seguir, se dá
de acordo com o enredo do conto fantástico, sendo sobre: os inocentes perseguidos,
o herói tolo, os três irmãos, os que lutam contra dragões, a procura de uma noiva, a
donzela sábia; sobre encantados e enfeitiçados, o possuidor de um talismã, o
possuidor de objetos encantados, a mulher infiel, etc., e alcançando o total de 15
enredos.
De acordo com Propp, não se sabe como esses enredos foram estabelecidos:
se pelo nó da intriga, se pelo caráter do protagonista, se pelo número de
protagonistas, se por um dos momentos do desenrolar da ação. Também existem
contos em que as categorias, ou seja, os enredos se misturam. Por exemplo,
aqueles em que os três irmãos saem à procura de noivas. O estudioso salienta:

A divisão perfeitamente objetiva dos enredos e a seleção das


variantes não constituem uma fácil tarefa. Os enredos dos contos
maravilhosos estão estreitamente ligados uns aos outros, tão entrelaçados
que esta questão precisa ser tratada de modo especial antes da própria
divisão por enredos. Se não for feito esse estudo, o pesquisador atuará de
42

acordo com seu gosto pessoal, e a divisão objetiva dos contos resultará
simplesmente impossível (1984, p.18).

Além disso, afirma ele, “não existem critérios absolutamente objetivos para o
estabelecimento de uma divisão entre dois enredos. Onde um pesquisador vê um
enredo novo, outro verá uma variante, e vice-versa” (1984, p.18).
A classificação de Aarne (apud PROPP, 1984, p.19), um dos fundadores da
escola finlandesa, explicita também um elenco de enredos. Graças a ela, tornou-se
possível numerar os contos, uma vez que Aarne chama os enredos de tipos e cada
tipo é numerado. Mesmo que tal designação seja curta e convencional, ela também
apresenta defeitos quanto à classificação, quantos a erros cometidos por Volkov.
São três os tipos de Aarne: 1) contos de animais; 2) contos maravilhosos
propriamente ditos e 3) anedotas. Os contos de feitiçaria constituem uma subclasse,
que se subdivide nas seguintes categorias: a) o inimigo mágico; b) o esposo mágico;
c) a tarefa mágica; d) o auxiliar mágico; e) o objeto mágico; f) a força ou o
conhecimento mágico ou g) outros motivos mágicos.
Diz Propp a respeito da classificação de Aarne:

[...] seu índice é importante como guia prático, e como tal é de


extraordinária relevância. Mas [...] dá ideias falsas sobre o essencial. De
fato, não existe uma divisão nítida dos contos em tipos e ela, com
frequência, é puramente fictícia. Se existem tipos, não estão no nível em
que Aarne os situou, mas no das particularidades estruturais dos contos
que se assemelham entre si (1984, p.19).

Até então, afirma Propp, a classificação dos contos maravilhosos não


encontrou pleno êxito. Para ele, “a classificação é uma das primeiras e principais
etapas da investigação” (1984, p.20) e não deve ser feita após a descrição: “a
descrição deve enquadrar-se nos limites de uma classificação prévia” (1984, p.20).
Quando postula que o estudo da estrutura do conto maravilhoso é condição
prévia também para um estudo histórico da questão, Propp salienta a necessidade
de se fazer uma análise das leis de construção do conto maravilhoso, isto é, o
estudo morfológico por ele desenvolvido no decorrer de seu livro. O teórico
entende que, somente decompondo o conto maravilhoso em suas partes
constituintes, poderá compará-los entre si e então compará-los com outros assuntos,
gêneros, com outras áreas, enfim. Por meio de seus apontamentos, Propp pretende
encontrar a semelhança dos contos do mundo inteiro.
43

3.3 OS REGISTROS DE ROMERO E DE CASCUDO

No que diz respeito ao conto popular no Brasil, foram consultados dois


renomados estudiosos do folclore: Silvio Romero (1954) e Luís da Câmara Cascudo
(1955). A classificação de contos proposta por Romero, em 1885, – data da primeira
edição de Contos populares do Brasil, coletânea em que reúne 80 deles –, leva em
conta a suposta origem das narrativas. De caráter étnico, ela se divide em três
seções: 1) contos de origem europeia; 2) contos de origem indígena e 3) contos de
origem africana e mestiça.
Embora reconheça a influência dessas três raças para a formação da
literatura oral brasileira, Cascudo considera impossível tal classificação, uma vez
que é remota a possibilidade de determinar com precisão o grupo étnico do qual um
determinado conto provém.
Acerca do conto popular, Cascudo afirma ser ele, dentre todos os materiais
de estudo do folclore, “o mais amplo e mais expressivo” e também o “menos
examinado, reunido e divulgado” (1955, p.3). Por isso, o estudioso apresenta uma
nova classificação para os contos populares brasileiros, na antologia Contos
tradicionais do Brasil, publicada pela primeira vez em 1943. Segundo sua
classificação, que tem em vista os motivos das narrativas, os 100 contos coletados
podem ser divididos em doze grupos, a saber: 1) contos de encantamento; 2) contos
de exemplo; 3) contos de animais; 4) facécias; 5) contos religiosos; 6) contos
etiológicos; 7) demônio logrado; 8) contos de adivinhação; 9) natureza denunciante;
10) contos acumulativos; 11) ciclo da morte e 12) tradição.
Nota-se a não-existência de uma categoria que dê conta especificamente dos
contos de assombração; a categoria “contos de encantamento”, por exemplo,
corresponderia aos termos Märchen, Tales of magic ou Fairy Play; os contos do
“demônio logrado” abrangem contos ou disputas em que o demônio intervém, perde
a aposta feita com o herói e é, por fim, enganado. Já os contos do “ciclo da morte”
são aqueles em que a morte aparece e, infalivelmente, vence o herói, apesar dos
esforços empregados por este em enganá-la. Como se pode ver, Cascudo não traz
explicações aprofundadas sobre cada categoria e sua abrangência, por vezes
apenas referindo o conceito, correspondente em outras culturas, abrangido por suas
categorias.
44

No Dicionário do folclore, de publicação posterior, Cascudo parece tentar


suprir essas faltas, mas reduz o número de classificações inicialmente propostas.
Sob o verbete conto popular, o pesquisador elenca apenas cinco categorias e
discorre de modo breve sobre cada uma delas: “contos de encantamento” são os
contos de fada e as histórias da carochinha que se caracterizam pelo elemento
sobrenatural, miraculoso, maravilhoso; “contos de exemplo” são os que apresentam
fundo moral, “havendo sempre a intenção educativa” (2002, p.157); “contos de
animais” são fábulas que tem um animal como personagem principal; os “contos
religiosos” se caracterizam “pela presença ou interferência divina” (2002, 157) e os
“contos etiológicos” explicam a origem de um objeto, seja ele um animal, um vegetal
ou mineral.
Embora não se fale ainda em contos de assombração, é possível pensar que
alguns deles se encaixariam em diferentes categorias propostas pelo teórico: há
narrativas de assombração com intenção educativa que seriam, portanto, “contos de
exemplo”; há histórias em que predominam elementos sobrenaturais, o que as
classificaria como “contos de encantamento”. Mais uma vez, evidencia-se a carência
de um estudo que leve em conta os contos de assombração ou, em especial, os de
fantasma, que formam um expressivo corpus dentre as narrativas folclóricas
brasileiras.

3.4 AS ANOTAÇÕES DE LOVECRAFT

Ao contrário do que até aqui se vem apresentando, o escritor e amante do


sobrenatural H. P. Lovecraft (1987), no ensaio O horror sobrenatural na literatura,
não se preocupa em classificar ou definir os contos do gênero por ele difundido. Em
seus apontamentos, Lovecraft visa firmar a estética do conto de horror, bem como
resgatar seu histórico, desde o folclore primitivo até as produções dos mestres do
século XX, discutindo as manifestações do horror sobrenatural na Idade Média, na
cultura Renascentista, e sua sobrevivência na escola Gótica do século XVII, quando
o horror sobrenatural finalmente encontra seu gênero. Publicado pela primeira vez
45

em 1927 na Revista The Recluse, o ensaio é revisado por Lovecraft entre 1933 e
1934 e reeditado somente em 1973, isto é, 35 anos após sua morte.
Segundo Lovecraft, “o conto de horror é tão velho quanto o pensamento e a
linguagem do homem” (1987, p.7) e sua sobrevivência, evolução e aperfeiçoamento
ao longo do tempo justifica-se pelo fato de ser o medo a mais antiga e profunda
emoção sentida pelo ser humano. O sentimento de medo do desconhecido,
chamado pelo escritor de “horror sobrenatural”, pode ser encontrado nas mais
antigas manifestações folclóricas; seus traços, contudo, são reconhecíveis ainda
hoje na literatura clássica e na literatura de baladas, a qual, infelizmente, perdeu-se
no tempo, por falta de registro escrito.
Na Idade Média, o gênero teve um enorme impulso, solidificado pela herança
do folclore, da magia e do ocultismo. Foi assim que histórias de bruxas, vampiros,
lobisomens e duendes ficaram incubadas na tradição oral até migrarem para a
composição literária formal. No entanto, acrescenta o autor, tomam direções
diferentes no Oriente e no Ocidente.

No Oriente o conto místico tendeu a assumir um colorido suntuoso


tendeu a assumir um colorido suntuoso e picaresco que quase o
transformou em fantasia pura. No Ocidente, [...] ganhou uma intensidade
extrema e uma atmosfera de seriedade convincente que dobrou a força dos
horrores parte expressos e parte sugeridos (LOVECRAFT, 1987, p.8).

A Europa apresentava outrora um solo fértil para o desenvolvimento de tipos e


personagens sombrios de lendas e mitos, que persistiram na literatura de mistério
até a atualidade, mais ou menos alterados. “Muitos deles foram tirados das mais
remotas fontes orais, e são parte da herança permanente da humanidade”
(LOVECRAFT, 1987, p.9). Alguns dos temas citados pelo estudioso são a sombra
que reclama o sepultamento de seus ossos, o demônio apaixonado que rapta a
noiva ainda viva, o condutor das almas dos mortos, o homem-lobo e o mágico
imortal são recorrentes em um repertório de lendas medievais, compilado por
Baring-Gould.
Os exemplos mais antigos apontados por Lovecraft são o caso do lobisomem,
de Petrônio, as passagens de Apuleio, a carta “O moço e a sura”, de Plínio, e a
compilação Dos prodígios, do grego Flégon. Os exemplos continuam em textos
poéticos como os Edas e as Sagas da Escandinávia, em que ressoa o horror
cósmico, ou nas lendas dos Nibelungos, em que abundam monstruosidades. Dante
46

foi, segundo o autor, “um pioneiro na captura clássica da atmosfera macabra” (1987,
p.10). Também se encontra o horror nas situações horripilantes de Morte d’Arthur,
de Malory, nas bruxas de Macbeth e no fantasma de Hamlet, de Shakespeare.
Durante o século XVII e parte do XVIII, proliferaram “lendas e baladas de
feição astrosa” bem como “folhetins de horror e assombração” (LOVECRAFT, 1987,
p.11), o que favoreceu o nascimento de uma nova escola literária: a gótica. As
primeiras novelas góticas surgem no século XVIII e Horace Walpole, por meio da
narrativa O Castelo de Otranto, é o responsável por dar forma definitiva ao impulso
crescente da época, que ansiava por “toques de mistério e antiguidade fantasmal”
(LOVECRAFT, 1987, p.15). Embora seja desconstituída do verdadeiro horror
cósmico, a história de Walpole acaba por criar um novo tipo de cenário, de
personagens e de incidentes e estimula o desenvolvimento de uma escola gótica
que o imita, vindo a gerar então “os verdadeiros criadores do terror cósmico”
(LOVECRAFT, 1987, p.15). A chamada por Lovecraft “parafernália dramática” (1987,
p.15) consistia em um castelo, com labirintos e ruínas, corredores úmidos e tumbas
escondidas, fantasmas e lendas tenebrosas. Sua repetição ao longo da história da
novela gótica chega a ser cômica e encontra reflexos mais sutis na literatura atual,
por utilizar técnicas menos ingênuas e óbvias.
Segundo Lovecraft, o apogeu do romance gótico inicia-se com Matthew
Gregory Lewis, por meio da obra O monge, publicada em 1796. A partir de então,
romances góticos multiplicam-se; merecendo alguns mais atenção do que outros: é
o caso de Melmoth, o vagabundo, de Charles Robert Maturin, de Frankenstein ou o
Prometeu moderno, de Mary Shelley, ou de Morro dos ventos uivantes, de Emily
Bronte, que é símbolo de uma transição literária, pois marca uma escola nova e
mais saudável.
Informa Lovecraft:

A tradição romântica, semigótica e quase-moral [...] foi propagada a


um bom trecho do século XIX por autores como Joseph Sheridan Le Fanu,
[...] Sir A. Conan Doyle, H. G. Wells e Robert Louis Stevenson. […] Aliás,
pode-se dizer que essa escola ainda sobrevive; pois a ela pertencem
nossos contos de horror contemporâneos, que se especializam em
acontecimentos mais que na ambientação, dirigem-se ao intelecto mais que
à fantasia impressionista, cultivam uma magia esclarecida mais que a
tensão maligna ou a verossimilhança e assumem uma posição de simpatia
pela humanidade e pelo seu bem-estar (1987, p.36-37).
47

No continente europeu, o horror literário também prosperou; vejam-se, por


exemplo, os romances e contos de E. T. A. Hoffmann, na Alemanha, ou as incursões
em narrativas fantásticas de Victor Hugo e de Honoré de Balzac, na França. No
entanto, para Lovecraft, é Theophile Gautier quem parece, em seus contos,
“encontrar o autêntico senso francês do mundo irreal” (LOVECRAFT, 1987, p.42),
sua essência encontra continuidade em Gustave Flaubert e em Prosper Merimée,
com o conto “A Vênus de Ille”; os contos de horror de Guy de Maupassant, mesmo
que expressem individualidades próprias do autor, “são de extremo interesse e
pungência, sugerindo com tremenda força a iminência de inomináveis terrores e os
implacáveis tormentos infligidos a um homem malfadado por representantes odiosos
e ameaçadores da treva exterior” (LOVECRAFT, 1987, p.43).
Peça fundamental para a narrativa fantástica é a existência de Edgar Allan
Poe, que instala uma “aurora literária” (LOVECRAFT, 1987, p.47) na década de
1830, por meio de sua produção. Lovecraft dedica um capítulo inteiro de seu ensaio
a Poe, pois acredita que o escritor norte-americano tenha feito o que até então
ninguém fizera ou seria capaz de fazer; desse modo, seria o responsável por instituir
a moderna história de horror. Afirma o ensaísta que Poe estudou mais a mente
humana do que os usos da ficção gótica e, além disso, trabalhou com as
verdadeiras fontes do terror, o que tornou mais fortes suas narrativas e retirou da
escola gótica a mera função de “confecção convencional de calafrios”
(LOVECRAFT, 1987, p.49).
Ao passo que Poe representa a escola fantástica mais tecnicamente acabada,
outro famoso escritor americano, Nathaniel Hawthorne, desponta, à mesma época,
fundando outra escola com características diversas: “a tradição de valores morais,
descrição amena e fantasia mansa e pachorrenta com toques de extravagância”
(LOVECRAFT, 1987, p.56). De acordo com Lovecraft,

em Hawthorne o horror sobrenatural nunca é o objeto primário, embora os


seus impulsos sejam tão fundamente entranhados em sua personalidade
que ele não pode abster-se de segui-los com a força do gênio quando
recorre ao mundo irreal para ilustrar o sermão reflexivo que intenta pregar
(1987, p.57).

Em sua obra, as menções ao fantástico são sempre leves, fugidias e contidas.


Hawthorne não deixou uma posteridade literária definida, ao contrário de Poe, que
teve no irlandês Fitz-James O‟Brien seu primeiro discípulo, seguido de Ambrose
48

Bierce e de outros tantos, como Henry James ou Edward Lucas White, influenciados
de alguma maneira por Poe.
No que tange às Ilhas Britânicas, Lovecraft cita e comenta os autores
Rudyard Kipling, Lafcadio Hearn, Oscar Wilde, Matthew Phipps Shiel até chegar ao
conhecido Bram Stocker, criador de Drácula, que se tornou praticamente o “padrão
moderno na exploração do medonho mito dos vampiros” (1987, p.75) e que
influenciou diversas produções posteriores.
As melhores histórias de horror do tempo em que Lovecraft redige seu ensaio,
isto é, entre o final da década de 1920 e o início da de 1930, são, para ele,
infinitamente mais dotadas de técnica e de conhecimento psicológico do que
qualquer das amostras góticas de um século ou mais atrás. Nesse contexto,
menciona Arthur Machen, Blackwood, Lord Dunsay e Montague Rhodes James
como mestres do conto de horror moderno e diz que o gênero continuará existindo,
embora se possa esperar uma maior sutilização de técnicas. Lovecraft finaliza seus
apontamentos, afirmando que o conto de horror sobrenatural é

um ramo estreito mas essencial da expressão humana, e como sempre


atrairá principalmente uma audiência limitada dotada de uma sensibilidade
especial. Qualquer obra-prima universal que venha a ser forjada no futuro a
partir do sobrenatural ou do terror deverá a sua aceitação antes à
excelência de sua confecção que à simpatia pelo tema (1987, p.105).

3.5 AS DESCOBERTAS DE TODOROV

Em estudo posterior, publicado pela primeira vez em 1970, sob o título


Introduction à la literatura fantastique, Tzvetan Todorov (1975) ocupa-se
especialmente da literatura fantástica, levantando questões sobre sua definição,
suas formas e temas. Segundo ele, a expressão literatura fantástica refere-se a um
gênero literário, por isso, para estudá-la, é necessário saber primeiramente o que é
um gênero. Mesmo que pareça estar se afastando do assunto do fantástico,
Todorov faz um breve levantamento teórico do conceito de gênero e afirma que um
estudo feito a partir disso, tal qual o que ele propõe, objetiva descobrir uma regra
que se aplique a muitos textos e não focaliza, portanto, a especificidade do texto.
49

Nesse tipo de estudo, afirma ele, podem surgir algumas perguntas, como: tenho que
ler tudo o que existe do gênero?
O conceito de gênero, segundo o teórico búlgaro, assim como o
procedimento científico, apoia-se no fato de que não é necessária a observação de
todas as instâncias de um fenômeno para descrevê-lo. O que se faz é levantar um
número limitado de ocorrências, tirar daí uma hipótese geral e verificar a hipótese
em outras obras, corrigindo-a ou rejeitando-a. Ele observa que qualquer que seja o
número de obras estudadas, “estaremos sempre muito pouco autorizados a daí
deduzir leis universais, a quantidade das observações não é pertinente, mas
unicamente a coerência lógica da teoria” (TODOROV, 1975, p.8).
Outro questionamento que, segundo Todorov, pode surgir quando se estudam
textos a partir do gênero é: existem só os gêneros poético, épico e dramático, ou seu
número é infinito? Para ele, os formalistas russos são os que melhor esclarecem
essa questão, pois dizem que “os gêneros existem a diferentes níveis de
generalidade” e “o conteúdo dessa noção se define pelo ponto de vista escolhido”
(1975, p.90). Ex: o poema de Byron, a novela de Tchekov, a poesia proletária, etc.
Além disso, outra pergunta capaz de surgir é: como posso falar de gênero, se
“a obra é essencialmente única, singular, vale pelo que tem de inimitável, de
diferente de todas as outras obras, e não por aquilo que as torna semelhantes”
(1975, p.9)? Essa pergunta, que não é propriamente falsa, mas um pouco
deslocada, afirma Todorov, aponta um problema próprio da Estética. Essa mesma
objeção pode ser proposta em termos diferentes, qual seja, o aparecimento de um
novo exemplar não modifica as características da espécie? Ao passo que nas
Ciências Naturais, a resposta seria não, no campo das Artes não seria possível dizer
o mesmo. Aqui, “toda obra modifica o conjunto dos possíveis, cada novo exemplar
muda a espécie” (TODOROV, 1975, p.10).
Todorov identifica um duplo movimento, presente em qualquer estudo literário
que se conduza, que vai “da obra em direção à literatura (ou ao gênero) e da
literatura (do gênero) em direção à obra” (1975, p.11), e que pode solucionar todas
as questões por ele apresentadas. O que se faz usualmente, portanto, é privilegiar
um dos dois movimentos, salientando semelhanças ou diferenças.
O teórico define finalmente o fantástico como um evento em que há incerteza
acerca de sua realidade; o evento ocorre no nosso mundo, mas parece ser
sobrenatural, daí a hesitação por ele causada. Todorov ilustra o que diz por meio da
50

personagem Alvare, do romance Le Diable amoreux, de Cazotte: o fato, de Alvare


ter que decidir se a mulher que ama é mesmo uma mulher ou se é um demônio,
caracterizaria um evento fantástico.
Todorov se vale de mais uma obra, Le Manuscrit trouvé à Saragosse, de Jan
Potocki, para esclarecer se, durante a ocorrência do fantástico, caberia ao leitor ou à
personagem decidir se o evento é uma ilusão, fruto da imaginação, ou se é real e de
fato aconteceu. Afirma ele:

O fantástico implica [...] uma integração do leitor no mundo das


personagens; define-se pela percepção ambígua que tem o próprio leitor
dos acontecimentos narrados [...]. A percepção desse leitor implícito está
inscrita no texto com a mesma precisão com que o estão os movimentos
das personagens (1975, p.37).

Todorov alerta que, para a existência do fantástico, não bastam um


acontecimento estranho e a hesitação do leitor e do herói; é necessário uma
maneira própria de ler, que não é nem poética nem alegórica, pois, qualquer uma
das formas, destruir-se-ia o efeito fantástico. De acordo com a designação de Roger
Caillois, o fantástico não é feito nem de imagens infinitas nem de imagens
delimitadas, pois, ao passo que

as primeiras procuram por princípio a incoerência e recusam


intencionalmente qualquer significação, [...] as segundas traduzem textos
precisos em símbolos que um dicionário apropriado reconverte, termo por
termo, em discursos correspondentes (apud TODOROV, 1975, p.38).

O fantástico consiste, para o estudioso, apenas no momento da hesitação da


personagem ou do leitor. Ao fim da história, quando um ou outro decide se são as
leis da realidade ou as do sobrenatural que regem o acontecimento narrado, define-
se também um novo gênero ao qual se liga a obra: o estranho ou o maravilhoso.
O estranho dá-se quando o sobrenatural é racionalmente explicado.

Nas obras que pertencem a este gênero, relatam-se acontecimentos


que podem perfeitamente ser explicados pelas leis da razão, mas que são,
de uma maneira ou de outra, incríveis, extraordinários, insólitos e que, por
esta razão, provocam na personagem e no leitor reação semelhante àquela
que os textos fantásticos nos tornaram familiar (TODOROV, 1975., p.53).

O conceito é, de acordo com Todorov, amplo e impreciso, pois também assim


é o gênero que ele descreve. A pura literatura de horror pertenceria ao estranho.
51

Já o maravilhoso é designado como sobrenatural aceito, pois não recebe


explicações. Nele existem fatos sobrenaturais que não implicam reações particulares
das personagens, nem mesmo do leitor implícito. O estudioso acrescenta ainda:
“não é uma atitude para com os acontecimentos narrados que caracteriza o
maravilhoso, mas a própria natureza desses acontecimentos” (1975, p.60). Ao
gênero maravilhoso associam-se geralmente os contos de fada.
Em ambos os casos, não há o fantástico. Explica Todorov: “não existe aí o
fantástico propriamente dito: somente gêneros que lhe são vizinhos. Mais
exatamente, o efeito fantástico de fato se produz mas somente durante uma parte da
leitura” (1975, p.48). No entanto, é falso pensar que o fantástico possa ocorrer
somente em um trecho da obra, visto que existem textos capazes de manter a
ambiguidade até seu final e além.
Em obras que “mantêm por muito tempo a hesitação fantástica mas terminam
enfim no maravilhoso ou no estranho” (TODOROV, 1975, p.50), os gêneros
misturam-se e criam subgêneros transitórios, denominados fantástico estranho e
fantástico maravilhoso. O fantástico estranho consistiria na apresentação de
eventos sobrenaturais ao longo da história e em sua explicação racional, ao final de
tudo. O fantástico maravilhoso, por sua vez, englobaria as narrativas que terminam
com uma aceitação do sobrenatural e, portanto, sem explicação, motivo pelo qual se
aproximam do fantástico puro.
52

4 CARACTERIZAÇÃO DAS NARRATIVAS INFANTO-JUVENIS DE FANTASMA

4.1 ESTABELECIMENTO DA HIPÓTESE INICIAL

Com o intuito de descrever e analisar narrativas infanto-juvenis de fantasma


foi necessário, em primeiro lugar, coletar amostras desse material. Para tanto,
procuraram-se, em diversas fontes, narrativas destinadas ao público infanto-juvenil,
cujo enredo tratasse de uma aparição fantasmagórica ou em que simplesmente se
mencionasse a existência de um fantasma ou sua possibilidade. Até o final desse
processo de seleção, foram encontradas 72 narrativas que atendiam à proposta,
cuja lista com títulos e referências está disponível no Apêndice A. No entanto, não
era possível garantir que elas formariam um grupo homogêneo.
Verificou-se, desde o início da seleção, a existência de grupos distintos de
narrativas, que se diferenciavam em virtude do tratamento dispensado à
personagem fantasma. Após a leitura de uma série de narrativas de fantasmas
voltadas ao público infanto-juvenil, foi possível criar quatro categorias, bem como
fazer uma breve descrição de suas características 4. As categorias identificadas
foram, a partir do grau de incidência do sobrenatural, então chamadas de
consolidadora, desmistificadora, anuladora e corruptora e são a seguir descritas.
A narrativa consolidadora mantém o caráter sobrenatural da aparição
fantasmagórica e essa permanência do elemento fantasmagórico reproduz a
sensação de medo ou de incerteza acerca dos limites entre o real e o imaginário. É
o caso, entre outros, do livro Casa assombrada, de Angela Lago (1993?) e dos

4 A hipótese de quatro categorias foi um item que constou ainda no projeto da presente pesquisa e que consistiu em uma primeira tentativa de organizar o
material coletado.
53

contos “O médico-fantasma”, de Heloisa Prieto (1997); “A mais bela noite de


Margarida”, de Edson Gabriel Garcia (1991); “Uma noite muito estranha” de Flávio
Morais (2006); “Encurtando o caminho”, de Angela Lago (2005); “A queda da casa
de Usher”, de Edgar Allan Poe (2006); “A casa do pesadelo”, de Edward Lucas
White (2006); “A casa B... em Cadmen Hill”, de Catherine Crowe (2006); “O vigia da
fronteira”, de Charles Dickens (2006); “Uma noite na Feiticeira”, de Adelino Martins
(1996) e “Billy”, “A destemida” e “Bu!”, de Kevin Crossley-Holland (2003).
Na categoria intitulada desmistificadora, há uma negação do sobrenatural,
isto é, o elemento fantasmagórico é apresentado e posteriormente substituído por
um elemento da realidade. Por exemplo, a existência do fantasma é explicada pelo
desmascaramento de uma pessoa real, tornando-se público o embuste. É a
categoria de narrativas como Tem fantasma na rua!, de Cláudio Martins (2000);
História de fantasma, de Tatiana Belinky (2004); “O fantasma e o alfaiate”, de
Heloisa Prieto (1997); “Caio?”, de Angela Lago (2005), “O fantasma da chácara”, de
Adelino Martins e Fantasma existe?, de Ruth Rocha e Dora Lorch (2004).
Na narrativa anuladora, verifica-se uma ruptura total com o elemento
causador de medo, próprio do fantasma. Nesse tipo de narrativa, o fantasma é
mostrado como amigo do indivíduo ou como parte de seu cotidiano. Essas narrativas
têm, muitas vezes, caráter pedagogizante, e pretendem incutir à criança ou ao jovem
leitor a crença na não-existência do sobrenatural e, consequentemente, o não-temor
ao fantasma. Branquinho, o fantasminha triste, de Regina Capanema de Almeida
(1997), O pequeno fantasma, de Pedro Bandeira (1998), Pluft, o fantasminha, de
Maria Clara Machado (1984?)e “O médico-fantasma” (1997), de Heloisa Prieto, são
amostras desse grupo.
A categoria corruptora abrange narrativas em que o elemento
fantasmagórico é corrompido em sua natureza amedrontadora, seja por meio do
humor ou por outros meios. Esse tipo de efeito causa, no leitor, uma espécie de
abrandamento do medo inicial, imposto pelo fantasma. “Mão de Cabelo”, de Sônia
Travassos (2007) é uma narrativa de fantasma corruptora, bem como todas as de
Luciana Garcia (2004, 2005): “A loira do banheiro”, “A moça de branco” e “O zumbi”.
54

4.2 ASPECTOS CONTEUDÍSTICOS DO CORPUS

Mesmo depois de estabelecidas tais categorias, sucessivas leituras das


narrativas de fantasma selecionadas foram realizadas, que continuaram mostrando
disparidades de conteúdo dentre os textos que compunham o corpus. Uma coleção
heterogênea de narrativas havia se formado, que manifestava peculiaridades no que
diz respeito ao gênero do discurso, às personagens centrais da trama e ao
tratamento dispensado ao sobrenatural. Em virtude dessa variabilidade, pensou-se
ser necessário traçar um comentário acerca de tais particularidades em algumas
dessas 72 narrativas, visto que não se pretendia analisar todas elas.
Em sua maior parte, as narrativas traziam, como acontecimento principal, o
aparecimento, envolto em mistério, de um fantasma, causador de medo e/ou
estranhamento entre as personagens, o que as caracteriza como uma narrativa de
assombração. Não há dúvida de que essa posição consolidadora é o caso da
maioria das histórias coletadas; “Vovó Maria”, de Heloisa Prieto (2003) e “Os
cavaleiros de Isabela”, de Abelardo Jiménez Lambertus (1992) são bons exemplos
dessa ênfase em torno do acontecimento sobrenatural. Paralelamente, encontrou-se
um segundo grupo de variantes, em que figuravam narrativas anuladoras de caráter
mais aventuresco, em que o fantasma não é o motivo principal; ele é um meio para
que o herói descubra um tesouro escondido, como em “O tesouro enterrado”, de
Rosa Cerna Guardia (1985) ou para que o herói possa provar sua bravura, como em
“O jovem que não tinha medo de nada”, de Heloisa Prieto (1997).
O conto intitulado “A casa assombrada ou o tesouro escondido”, de Tycho
Brahe (1955), também é uma amostra desse tipo de narrativa, porém da categoria
desmistificadora; nela, a substituição do sobrenatural pela aventura é levada ao
extremo, uma vez que, terminada a leitura do conto, percebe-se não se tratar em
nada de uma história de assombração, mas sim de pura aventura. Embora o título
tenha sugerido, inicialmente, ao leitor, a existência – ou a suspeita – de uma casa
assombrada, esse fato é negado pelo narrador ainda nas primeiras páginas, em que
explica ter sido a fama da casa de mal-assombrada um embuste, criado pelo pai da
família, para manter vizinhos e estranhos afastados de sua casa e,
consequentemente, de seus filhos, que passavam o dia sozinhos. É o que explica o
narrador no trecho a seguir:
55

[...] o astucioso fidalgo recorrera a um hábil expediente qual o de


espalhar entre as vendedeiras do mercado que no caminho da floresta
apareciam à noite vultos fantásticos e mesmo de dia surgiam almas do
outro mundo e homens e mulheres encantados que se sumiam mal a gente
as via. [...].
Em breve, raros eram aqueles que se animavam mesmo de dia a
transpor o caminho que ia ter à casa do lenhador [...] (BRAHE, 1955, p.48-
49).

Já no primeiro parágrafo da narrativa, é possível encontrar a justificativa do


narrador para a crença fácil do povo nos boatos espalhados pelo patriarca,
caracterizando-a explicitamente como desmistificadora. Como pode ser lido no
trecho abaixo, o narrador escarnece das crendices populares, incluindo aí a de
casas mal-assombradas, enquanto as atribui a diferentes grupos étnicos,
formadores do Brasil:

Se houve país onde a superstição tivesse logrado uma fácil existência


foi de certo no Brasil onde a religião por vezes se mescla e se adapta ao
fetichismo do índio e do africano e também às crendices vindas de além
mar. A verdade, porém, é que sob a aparência de fadas, aparições, etc.,
alguma coisa há encobrindo a astúcia ou a maldade humanas. Também é
verdadeiro que o medroso julga ver o que não existe (BRAHE, 1955, p.48).

Esse ponto de vista do narrador, cético em relação a tudo o que é


sobrenatural, permanece em todo o decorrer da narrativa, cuja sequência de ações
leva a família a achar, no meio de uma floresta, um tesouro há muito tempo
enterrado, sem que, até seu desfecho, se mencione qualquer tipo de
assombração.O título enganoso do conto, portanto, acaba por revelar ao leitor uma
história de caráter objetivo e nada fantástico.
Outra narrativa em que prevalece o tom aventuresco é “O companheiro de
viagem”, de Figueiredo Pimentel (1896). No entanto, não chega a haver, como no
conto de Tycho Brahe, um desprezo ao fantástico; acontece simplesmente que o
encontro com o sobrenatural não causa estranhamento algum ao herói. Quando este
se depara, em noite chuvosa, com o esquife de um morto desconhecido, em uma
capela abandonada, tem-se o primeiro momento propício para que fraquejasse,
retornado à sua casa ou demonstrando temor. O rapaz, porém, dá mostras de
coragem e de piedade ao, depois de ter orado pelo finado desconhecido, pagar uma
dívida do morto a dois homens estranhos, impedindo assim que eles perturbassem o
descanso do defunto. Segue a passagem em que esse acontecimento é narrado:
56

Foi só então que o rapaz reparou: no centro da nave estava um


esquife aberto, com um cadáver, que não haviam tido tempo de inumar. Não
teve medo porém, pois sabia que os mortos não voltam; e que só os vivos
fazem mal, quando são maus.
Depois de fazer uma breve oração, por alma daquele finado, ia de
novo adormecer, quando ouviu barulho de passos. Ato contínuo, entraram
dois homens: dirigiram-se para o caixão, e fizeram menção de carregar o
corpo (PIMENTEL, 1896, p.3).

Mais adiante, se vai saber que a alma desse morto, cujo corpo foi preservado
pelo herói, está de volta na forma humana de Miguel, que se torna seu grande
companheiro e auxiliar nas tarefas impossíveis. No dia seguinte ao do casamento do
herói com a tão difícil e tão desejada princesa, o fiel companheiro revela sua
verdadeira identidade e, assim como aparecera, repentinamente, desaparece no ar,
sem causar assombro algum ao herói, situando a narrativa, portanto, dentro da
categoria anuladora.

No dia seguinte, Miguel apareceu ao companheiro, e disse-lhe:


– Eu sou a alma daquele morto, a quem não consentiste que dois
perversos atirassem no campo para servir de pasto aos urubus. Com o
único dinheiro que possuías, compraste a minha tranquilidade no túmulo.
Porque foste bom, Deus te protegeu.
Agora minha missão está finda.
Sê feliz!
Acabando de pronunciar tais palavras, transformou-se em luminosa
nuvenzinha, e desapareceu nos ares (PIMENTEL, 1896, p.7).

Note-se que as duas narrativas anteriormente citadas datam de 1955, a de


Brahe, e de 1896, a de Pimentel. Ao lado delas, figura outro conto da categoria
anuladora, extraído da coleção Thesouro da juventude [s.d.], cuja publicação é da
década de 1930. De título “As três noites no castelo encantado”, a história conta a
provação pela qual o herói tem de passar por três noites seguidas, qual seja,
aguentar a surra de espíritos maus, para conseguir desencantar uma princesa e
tomá-la como esposa. Como se pôde perceber, as narrativas de fantasma de caráter
mais aventuresco tiveram maior incidência nas publicações mais antigas do corpus,
o que pode indicar o pensamento realista dominante na época e expresso na
literatura. Um outro grupo de histórias que pôde ser identificado dentre as narrativas
do corpus, indicava uma tendência diferente nas histórias de fantasma, sendo, ao
contrário, de publicação bem mais atual.
57

Esse grupo, formado por narrativas pertencentes às categorias


desmistificadora, tem como mote o medo infantil e não a aparição fantasmagórica
em si. Assim, o fantasma é apenas fruto de uma sensação de pavor ou a
materialização do medo generalizado da protagonista. É o que acontece, por
exemplo, em Uuuuuuu: um barulho estranho, de Liliana Iacocca (1994), narrativa em
que o provável fantasma é um simples barulho causado pela tempestade que se
aproxima; ou em Tem fantasma na rua!, de Cláudio Martins, em que as aparições
fantasmagóricas são, de fato, personagens de um circo. A menção ao fantasma,
nesse tipo de narrativa, tem um propósito claro: o de dirimir o medo infantil diante do
desconhecido, ao mostrá-lo como algo racionalmente explicável.
Essa tendência, própria de uma linha pedagogizante da literatura infantil é
geral e chega à descaracterização literária na narrativa de Ruth Rocha e Dora Lorch,
intitulada Fantasma existe?. Apesar da sugestão expressa pelo título, a narrativa
não trata propriamente de fantasmas, mas sim do medo generalizado que o eu-
narrador, uma criança, sente diante do que é desconhecido ou surpreendente; nesse
contexto, o fantasma é apenas um dos objetos de seu medo, ao lado da bruxa, do
lobo mau, do escuro e de monstros, conforme explica o narrador, no trecho: “A gente
tem medo que essas coisas possam nos machucar ou machucar as pessoas que a
gente gosta” (ROCHA; LORCH, 2004, p.14).
A narrativa não é feita de uma sequência de ações, mas de perguntas
seguidas de repostas, ambas formuladas pelo próprio narrador, instaurando-se,
dessa maneira, uma espécie de monólogo reflexivo infantil. Depois de conduzir,
sozinho, uma reflexão acerca dos objetos de seu temor, o narrador criança pretende
que se chegue à conclusão de que, já que é ele quem cria seus medos, é capaz de
controlá-los; portanto, não precisa mais senti-los.

Mesmo sabendo que essas coisas não vão nos machucar, nós temos
medo. Mas afinal, por que é que nós temos medo? (ROCHA; LORCH,
2004, p.15)

É porque esses medos estão na cabeça da gente, nos sonhos da


gente. Mas nos somos mais fortes do que os nossos sonhos. Nós podemos
mandar neles. Então, não precisamos ter medo! (ROCHA; LORCH, 2004,
p.16)

O livro de Ruth Rocha e Dora Lorch ilustra uma tendência recorrente na


literatura infanto-juvenil atual, que o confirma como membro da categoria
desmistificadora e que tem funcionado como uma espécie de “autoajuda mirim”.
58

Esse tipo de livro tem, desde sua concepção, um propósito definido, qual seja, o de
oferecer à criança soluções para problemas cotidianos. No caso aqui exposto,
utilizou-se a estratégia do discurso conduzido por um narrador criança, para
aproximar o texto de seu leitor infantil e, desse modo, estimulá-lo a reconhecer-se no
narrador e, junto com ele, resolver seus próprios medos.
Uma única narrativa formou uma variante da categoria anuladora, por
apresentar um propósito completamente diferente dos perceptíveis nas demais
narrativas deste corpus. Em “Até a vista, turma!”, de Wagner Costa (1992), subjazem
crenças doutrinárias espíritas5. Por isso, os eventos sobrenaturais nela ocorridos são
apresentados como fenômenos naturais da vida e as personagens que deles
participam rumam a um autoconhecimento, por meio do desenvolvimento de sua
mediunidade. Portanto, embora esses fenômenos causem estranhamento à maioria
dos integrantes da turma, que desconhecem a doutrina espírita, são tratados com
naturalidade por outros, que dão mostras de compreender os eventos
fantasmagóricos e saber lidar com eles. Importante esclarecer que essa narrativa
tem em vista um leitor mais velho e, portanto, mais maduro linguistica e
psicologicamente que o infantil. Essa produção literária espírita, voltada para
adolescentes, não deixa de ser panfletária, pois visa a explicitar crenças, estando a
favor de uma finalidade extraliterária.
Outras narrativas, pertencentes à categoria anuladora destacaram-se no
corpus, não pelo gênero discursivo predominante, mas por apresentarem o fantasma
como sujeito, isto é, como o protagonista das ações, e não como simples objeto de
medo de alguém. É o que acontece, por exemplo, nos textos de Luciana Garcia, em
Branquinho, o fantasminha triste, de Regina Capanema de Almeida, em Pluft, o
fantasminha, de Maria Clara Machado, ou na história em quadrinhos “Um caso de
morte”, protagonizada por Penadinho, personagem, criada por Maurício de Souza
(1991), sujeito e também protagonista na maioria das histórias em quadrinhos que
ganham seu nome. Penadinho, conforme seu nome sugere, é uma alma penada
que, apesar de viver em um cemitério, executa tarefas diversas, comuns aos seres
humanos vivos: arruma a cova onde habita, sai com os amigos para escutar a
transmissão de um jogo de futebol, mantém uma namorada, etc. Do mesmo modo

5 O Espiritismo, ou Kardecismo, é um sistema doutrinário desenvolvido por Allan Kardec, no século XX, cujas crenças baseiam-se na sobrevivência da alma
após a morte e na comunicação entre vivos e mortos, isto é, entre encarnados e desencarnados, por meio de médiuns (FERREIRA, Aurélio Buarque de
Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, [s.d.], 1ª ed., p.569).
59

que um ser humano, Penadinho se aflige diante questões próprias à sua existência,
que, dada sua natureza, consistem em amparar e orientar almas recém chegadas ao
cemitério ou em aceitar a própria reencarnação em um novo corpo. Vale notar que
Penadinho não está sozinho em sua tirinha, ele aparece geralmente com uma turma
de amigos, da qual fazem parte outros seres sobrenaturais: um vampiro, um
lobisomem, uma múmia que age como se fosse viva, uma criatura à la Frankenstein
e outras almas penadas.
Em “O fantasma de Samuel”, de Kevin Crossley-Holland, evidencia-se esse
procedimento; o fantasma de um menino, de nome Samuel, tem a trajetória própria
de um herói dos contos maravilhosos: após a morte, precisa reunir todas as partes
de seu corpo e entregá-las para uma Grande Minhoca, que as comerá; somente
depois de passar por esse ser fantástico, a alma do finado Samuel poderá
transcender e libertar-se de um mundo povoado de seres espectrais. Somente no
parágrafo inicial da narrativa é que se fala de um ser vivo, o próprio Samuel, antes
da morte: “Pobre Samuel! Ele estava dormindo, quando sua casa pegou fogo, e
acordou tarde demais. Era apenas um menino e morreu queimado; virou cinzas”
(CROSSLEY-HOLLAND, 2003, p.58). A partir daí, tem-se a odisseia do fantasma do
menino. Assim como nos contos maravilhosos, o fantasma vai por três vezes à sua
casa, destruída pelas chamas, com o objetivo de reunir as cinzas de seu corpo e
entregá-las à Grande Minhoca e de buscar as duas partes que lhe faltam: um braço,
que amputara anos atrás, e uma unha, que perdera quando vivo. O fantasma
encontra as cinzas do braço, mas não as de uma unha e, na terceira vez em que
encontra a Grande Minhoca, descobre que, em função da impossibilidade de
entregar seu corpo inteiro, pela ausência da unha, terá de vagar eternamente em um
mundo de almas penadas. Em razão de seu desfecho, “O fantasma de Samuel” é
considerada uma variante pertencente à categoria consolidadora.
Essas narrativas, em que se privilegia o fantasma, em detrimento do humano,
parece também estar presente em produções mais atuais, exceto pela amostra
anteriormente citada; embora ela tenha sido retirada de uma coletânea publicada em
2003, a fonte é referida a uma coletânea folclórica de língua inglesa, datada de
1891. Cabe apontar que esse tipo de narrativa pode ter sido inaugurada, ou, ao
menos, consagrada, pelos quadrinhos norte-americanos de Gasparzinho, o
fantasminha camarada, editados a partir da década de 1940 pela Harvey Comics.
Com o título original Casper, the friendly Ghost, essas histórias ganham versões em
60

desenhos animados, que passam então a serem produzidos pela Famous Studios e
pela Harvey Films na década de 1950. Voltadas para o público infantil, as histórias
em quadrinhos de Gasparzinho só chegam ao público brasileiro em 1970, lançadas
então pela editora O Cruzeiro, e os desenhos animados começam a ser exibidos na
década de 1980 pela Record, mas ambas as produções culturais já encontram aqui
outras que se lhes assemelham.

Figura 1 – Capa do primeiro volume dos quadrinhos de Gasparzinho

É notável a influência exercida por Gasparzinho na concepção da


personagem brasileira Pluft, também um fantasminha camarada. Em 1955, a
escritora e dramaturga mineira Maria Clara Machado estreou Pluft, o fantasminha,
peça de sua autoria que foi, a partir de então, amplamente encenada e difundida em
todo o Brasil. O texto publicado era inicialmente o dramático, mas ganhou
posteriormente uma versão narrativa, a qual foi selecionada para a constituição do
corpus desta pesquisa. Sem dúvida, na literatura infantil brasileira, Pluft é o maior
representante dessa vertente que traz o fantasma como sujeito das ações; além
disso, as personagens norte-americana e brasileira podem ser aproximadas por
suas semelhanças: assim como Gasparzinho, Pluft é um fantasma bondoso e amigo
que, no fundo, não deseja causar medo algum às pessoas. Esse aspecto confere a
Pluft, o fantasminha o título de narrativa mais conhecida e talvez melhor
representante da categoria anuladora.
61

4.3 ASPECTOS FORMAIS DO CORPUS

Vistas algumas peculiaridades acerca do conteúdo do corpus formado pela


pesquisa que se propôs fazer, procurou-se traçar um panorama geral, em nível
formal, das 72 narrativas de fantasma voltadas ao público infanto-juvenil, agrupadas
em perspectiva ampla, conforme as categorias propostas. Para tanto, criaram-se
tabelas, que podem ser visualizadas nas próximas páginas, capazes de classificar
aspectos variados do corpus, como o tipo de narrador utilizado, a faixa etária das
personagens envolvidas na trama, a referência a animais, os elementos espácio-
temporais do evento principal e a modalidade da narrativa.

4.3.1 Tipo de narrador

A classificação de acordo com o tipo de narrador é feita a partir dos dois


estatutos do narrador estabelecidos por Genette (heterodiegético e
homodiegético), que levam em conta a relação entre o narrador e a história
contada. A seguir, encontra-se a tabela que indica o tipo de narrador de cada uma
das 72 narrativas deste corpus. Ela foi construída como instrumento para explicitar
os dados sobre as narrativas desta pesquisa e tem seus resultados finais expressos
no Gráfico 1, posteriormente apresentado.

Tabela 2 – Indicação do tipo de narrador

TIPO DE NARRADOR
TITULO AUTOR HETERODIEGÉTICO HOMODIEGÉTICO
1 Tem fantasma na rua! MARTINS, Cláudio X
2 História de fantasma BELINKY, Tatiana X
3 "O fantasma e o alfaiate" PRIETO, Heloisa X
4 "O médico-fantasma" PRIETO, Heloisa X
5 “O fantasma da sorte” PRIETO, Heloisa X
6 “O jovem que não tinha medo de nada” PRIETO, Heloisa X
7 “Vovó Maria” PRIETO, Heloisa X
8 “Amor de fantasma” PRIETO, Heloisa X
9 “A Loira do Banheiro” PRIETO, Heloisa X
62

TIPO DE NARRADOR
TITULO AUTOR HETERODIEGÉTICO HOMODIEGÉTICO
10 “Francisquinha” PRIETO, Heloisa X
11 “O Moleque Palhaço” PRIETO, Heloisa X
12 “Caio?” LAGO, Angela X
13 “A rosa assombrada” LAGO, Angela X
14 "A casa sonhada" LAGO, Angela X
15 “Encurtando o caminho” LAGO, Angela X
16 Casa assombrada LAGO, Angela X
17 “Até a vista, turma!” COSTA, Wagner X
18 “Uma noite na Feiticeira” MARTINS, Adelino X
19 “O fantasma da chácara” MARTINS, Adelino X
“A casa mal assombrada ou o tesouro
20 escondido” BRAHE, Tycho X
21 “Uma noite muito estranha” MORAIS, Flávio X
22 “A queda da casa de Usher” POE, Edgar Allan X
23 “A casa do pesadelo” WHITE, Edward Lucas X
24 “A casa B... em Cadmen Hill” CROWE, Catherine X
25 “O vigia da fronteira” DICKENS, Charles X
26 “Billy” CROSSLEY-HOLLAND, Kevin X
27 “O fantasma de Samuel” CROSSLEY-HOLLAND, Kevin X
28 “A destemida” CROSSLEY-HOLLAND, Kevin X
29 “Bu!” CROSSLEY-HOLLAND, Kevin X
30 “A loira do banheiro” GARCIA, Luciana X
31 “A moça de branco” GARCIA, Luciana X
32 “O zumbi” GARCIA, Luciana X
33 “Mão de Cabelo” TRAVASSOS, Sônia X
34 Fantasma existe? ROCHA, Ruth; LORCH, Dora X
ALMEIDA, Regina Capanema
35 Branquinho, o fantasminha triste de X
36 O pequeno fantasma BANDEIRA, Pedro X
37 Pluft, o fantasminha MACHADO, Maria Clara X
38 “A mortalha” THESOURO da juventude X
39 “Os sapatinhos de pão” THESOURO da juventude X
40 “As três noites no castelo encantado” THESOURO da juventude X
41 “A lavadeira encantada” THESOURO da juventude X
42 Uuuuuuu: um barulho estranho IACOCCA, Liliana X
FICHTNER, Marília; NUNES,
43 O fantasma Artur Sanfelice X
44 A noite assombrada JUNQUEIRA, Sonia X
45 O barulho fantasma JUNQUEIRA, Sonia X
46 Apalka CARDENAL, Ernesto X
DANSA, Salmo; BRAZ, Júlio
47 “Kigbo e os espíritos do mato” Emílio X
48 “A montanha viajante” CABRERA, Luis Urteaga X
49 “As cavernas de Aguas Buenas” TOMÉ, Jesús X
LAMBERTUS, Abelardo
50 “Os cavaleiros de Isabela” Jiménez X
GÓMEZ, Maria; TORRE, Jorge
51 “Maria Angula” Renán de la X
CARIZZO, Jesús Maria;
52 “A sombra negra e o gaúcho valente” GARRIDO, Nelly X
DOMENECH, Manuel; RAMOS,
53 “A gruta do Jacinto” Juan Antonio X
54 “O tesouro enterrado” GUARDIA, Rosa Cerna X
63

TIPO DE NARRADOR
TITULO AUTOR HETERODIEGÉTICO HOMODIEGÉTICO
55 “Os dois caçadores e a Saiona” ARISMENDI, Santos Erminy X
56 “Companhia à noite” LESSA, Orígenes X
57 "A velha que não morria" MESSIAS, Adriano X
58 “A porca, ora, a porca” MESSIAS, Adriano X
ANDRADE, Carlos Drummond
59 "Flor, telefone, moça" de X
60 "A história do pescador" KWAN, Michael David X
61 "A cantora da noite" KWAN, Michael David X
62 "A borboleta" KWAN, Michael David X
63 "A mais bela noite de Margarida" GARCIA, Edson Gabriel X
64 "O casal de velhos" GARCIA, Edson Gabriel X
65 "Os dentes de Madalena" GARCIA, Edson Gabriel X
66 "O companheiro de viagem" PIMENTEL, Figueiredo X
67 "O besouro de ouro" PIMENTEL, Figueiredo X
68 "A casa mal-assombrada" PIMENTEL, Figueiredo 1
69 "A alma do outro mundo" PIMENTEL, Figueiredo X
70 "O fantasma lambão" BUSCH, Wilhelm X
71 "Um espanto" DISNEY, Walt X
72 "Um caso de morte" SOUZA, Maurício de X
TOTAL 55 17

Das 72 narrativas analisadas, 55 têm narrador heterodiegético e 17


homodiegético, o que pode ser representado pelos percentuais 76% e 24%,
respectivamente, e melhor visualizado no gráfico6 a seguir:

Tipo de narrador

24%

heterodiegético
homodiegético

76%

Gráfico 1 – Tipo de narrador

A absoluta predominância do narrador heterodiegético não surpreende. Nota-


se, na literatura infantil em geral, uma preferência pelo narrador heterodiegético,
uma vez que, para o autor adulto dessa literatura, não é tarefa fácil utilizar um
narrador homodiegético que seja uma criança, pois este terá que assumir o ponto de

6 Todos os gráficos apresentados nesta dissertação foram elaborados a partir das tabelas que constam no início de cada subcapítulo.
64

vista e as peculiaridades da linguagem infantil ao narrar a história e nem sempre


convence.
Dentre o corpus selecionado, apenas em Fantasma existe?, de Ruth Rocha e
Dora Lorch, há um narrador homodiegético representado por uma criança; um
menino cheio de medos, conforme se comentou anteriormente. Nessa tentativa do
autor de experimentar o ponto de vista da criança, tem-se um narrador que não vive
realmente o medo infantil, mas que oferece à criança leitora uma conscientização de
seus medos, na intenção de auxiliá-la a derrotá-los. Tal conscientização, no entanto,
não é uma atitude do ser imaturo, mas do adulto, razão por que a postura do
narrador é um tanto forçada, embora seja louvável seu propósito.
Já os capítulos de título “A porca, ora, a porca”, retirado de Histórias mal-
assombradas em volta do fogão de lenha, de Adriano Messias (2004), e “A velha
que não morria”, encontrado em Histórias mal-assombradas do tempo da
escravidão, também de Messias (2005), apresentam um narrador homodiegético
adolescente; os casos de assombração relatados nas narrativas, no entanto, estão
apoiados em voz da tradição. Na primeira, o narrador passa para a avó o
compromisso de assumir a veridicção sobre a história por ele narrada:

Este caso de assombração minha vó Dórica, mãe de meu pai, me


contava e eu ficava ao mesmo tempo fascinado e amedrontado, a ponto de
ela ter de mudar o final da história e dizer que tudo não passava das
artimanhas de um mágico, só pra me adoçar... Mas vou contar como era
horripilante... (MESSIAS, 2004, p.25).

Na segunda narrativa, o caso está inserido na fala de Bá, uma velha mulher,
descendente de escravos africanos e detentora de boas histórias de assombração,
segundo o adolescente. É, portanto, Bá quem conta o caso de um homem tão mau,
que, depois da morte, não é recebido nem por Deus nem pelo diabo, razão por que
sua alma vaga incansavelmente mundo afora. Instala-se, assim, uma mudança de
narrador, visto que se tem, na verdade, duas narrativas, estando uma inserida
dentro da outra.
Genette descreve esse fenômeno como a existência de dois níveis narrativos
distintos, cujos acontecimentos narrados situam-se fora da narrativa primeira, sendo,
portanto, extradiegéticos. Segundo o teórico, as duas narrativas mantêm uma
relação temática de analogia, visto que o mote proposto em ambas é o da
assombração; no entanto, elas não possuem continuidade espácio-temporal, isto é,
65

acontecem em tempo e espaço diferentes. A existência de dois níveis narrativos é


observada também em muitas outras amostras do corpus, que trazem narradores
distintos na narrativa principal e na narrativa secundária. É o caso, por exemplo, do
história consolidadora “A loira do banheiro”, de Heloisa Prieto (2003), ou da
anuladora “As cavernas de Águas Buenas”, de Jesús Tomé (1992).
Tal fenômeno é observado por Genette já na Odisseia, sendo bastante
comum na literatura oral. Também a estratégia, utilizada pelo narrador na passagem
acima transposta, de calcar na tradição o que conta ou de remeter a origem do caso
narrado a outrem, é muito comum em narrativas folclóricas. Ao utilizar as expressões
“alguém me disse", “não aconteceu comigo, mas com alguém que conheço”, ou
outras do tipo, o narrador reforça, por um lado, a oralidade desse tipo de narrativa, e,
por outro lado, utilizando o rito da passagem da palavra, se exime da
responsabilidade do que vai contar, passando-a adiante e não atestando sua
veracidade, sugerindo, portanto, a possibilidade de a história ser fruto da
imaginação.
Em contrapartida, existem narrativas de narradores homodiegéticos que
afirmam ter vivenciado o que contam. Por exemplo, “A queda da casa de Usher”, de
Edgar Allan Poe, “A casa do pesadelo”, de Edward Lucas White, “O vigia da
fronteira”, de Charles Dickens, ou “Companhia à noite”, de Orígenes Lessa (2003),
são narrativas da categoria consolidadora que consistem em uma tentativa do
narrador de compreender melhor, por meio da exposição dos fatos, o que se passou
quando teve contato com algo fantasmagórico. Essa postura investigativa, assumida
por vezes abertamente pelo narrador, auxilia a construir a verossimilhança do texto,
tornando-o mais convincente para o leitor. Ressalta-se que todas narrativas citadas
neste parágrafo, nas quais essa estratégia é utilizada, foram escritas inicialmente
para adultos e encontram-se, neste corpus, adaptadas ou simplesmente
redimensionadas a um público leitor infanto-juvenil.
66

4.3.2 Faixa etária das personagens

Expõe-se, a seguir, a faixa etária das personagens das narrativas do presente


corpus; a partir desta tabela, foram elaborados os gráficos 2 e 3, comentados
adiante.

Tabela 3 – Indicação da faixa etária das personagens

FAIXA ETÁRIA DAS PERSONAGENS


ADU.
ADU. ADU. CRI. JOV.
SOMENTE SOMENTE SOMENTE e e e e
TITULO AUTOR ADULTO CRIANÇA JOVEM CRI. JOV. JOV. CRI.

1 Tem fantasma na rua! MARTINS, Cláudio X


2 História de fantasma BELINKY, Tatiana X
3 "O fantasma e o alfaiate" PRIETO, Heloisa X
4 "O médico-fantasma" PRIETO, Heloisa X
5 “O fantasma da sorte” PRIETO, Heloisa X
“O jovem que não tinha
6 medo de nada” PRIETO, Heloisa X
7 “Vovó Maria” PRIETO, Heloisa X
8 “Amor de fantasma” PRIETO, Heloisa X
9 “A Loira do Banheiro” PRIETO, Heloisa X
10 “Francisquinha” PRIETO, Heloisa X
11 “O Moleque Palhaço” PRIETO, Heloisa X
12 “Caio?” LAGO, Angela X
13 “A rosa assombrada” LAGO, Angela X
14 "A casa sonhada" LAGO, Angela X
15 “Encurtando o caminho” LAGO, Angela X
16 Casa assombrada LAGO, Angela X
17 “Até a vista, turma!” COSTA, Wagner X
18 “Uma noite na Feiticeira” MARTINS, Adelino X
19 “O fantasma da chácara” MARTINS, Adelino X
“A casa mal assombrada ou
20 o tesouro escondido” BRAHE, Tycho X
21 “Uma noite muito estranha” MORAIS, Flávio X
22 “A queda da casa de Usher” POE, Edgar Allan X
23 “A casa do pesadelo” WHITE, Edward Lucas X
24 “A casa B... em Cadmen Hill” CROWE, Catherine X
25 “O vigia da fronteira” DICKENS, Charles X
CROSSLEY-HOLLAND,
26 “Billy” Kevin X
CROSSLEY-HOLLAND,
27 “O fantasma de Samuel” Kevin X?
CROSSLEY-HOLLAND,
28 “A destemida” Kevin X
CROSSLEY-HOLLAND,
29 “Bu!” Kevin . X
30 “A loira do banheiro” GARCIA, Luciana X
31 “A moça de branco” GARCIA, Luciana X
32 “O zumbi” GARCIA, Luciana X?
67

FAIXA ETÁRIA DAS PERSONAGENS


ADU.
ADU. ADU. CRI. JOV.
SOMENTE SOMENTE SOMENTE e e e e
TITULO AUTOR ADULTO CRIANÇA JOVEM CRI. JOV. JOV. CRI.

33 “Mão de Cabelo” TRAVASSOS, Sônia X


ROCHA, Ruth; LORCH,
34 Fantasma existe? Dora X
Branquinho, o fantasminha ALMEIDA, Regina
35 triste Capanema de X
36 O pequeno fantasma BANDEIRA, Pedro X
37 Pluft, o fantasminha MACHADO, Maria Clara X
38 “A mortalha” THESOURO da juventude X
39 “Os sapatinhos de pão” THESOURO da juventude X
“As três noites no castelo
40 encantado” THESOURO da juventude X
41 “A lavadeira encantada” THESOURO da juventude X
Uuuuuuu: um barulho
42 estranho IACOCCA, Liliana X
FICHTNER, Marília;
43 O fantasma NUNES, Artur Sanfelice X
44 A noite assombrada JUNQUEIRA, Sonia X
45 O barulho fantasma JUNQUEIRA, Sonia X
46 Apalka CARDENAL, Ernesto X
“Kigbo e os espíritos do DANSA, Salmo; BRAZ,
47 mato” Júlio Emílio X
48 “A montanha viajante” CABRERA, Luis Urteaga X
“As cavernas de Aguas
49 Buenas” TOMÉ, Jesús X
LAMBERTUS, Abelardo
50 “Os cavaleiros de Isabela” Jiménez X
GÓMEZ, Maria; TORRE,
51 “Maria Angula” Jorge Renán de la X
“A sombra negra e o gaúcho CARIZZO, Jesús Maria;
52 valente” GARRIDO, Nelly X
DOMENECH, Manuel;
53 “A gruta do Jacinto” RAMOS, Juan Antonio X
54 “O tesouro enterrado” GUARDIA, Rosa Cerna X
“Os dois caçadores e a ARISMENDI, Santos
55 Saiona” Erminy X
56 “Companhia à noite” LESSA, Orígenes X
57 "A velha que não morria" MESSIAS, Adriano X?
58 “A porca, ora, a porca” MESSIAS, Adriano X?
ANDRADE, Carlos
59 "Flor, telefone, moça" Drummond de X
60 "A história do pescador" KWAN, Michael David X
61 "A cantora da noite" KWAN, Michael David X
62 "A borboleta" KWAN, Michael David X
"A mais bela noite de
63 Margarida" GARCIA, Edson Gabriel X
64 "O casal de velhos" GARCIA, Edson Gabriel X
65 "Os dentes de Madalena" GARCIA, Edson Gabriel X
66 "O companheiro de viagem" PIMENTEL, Figueiredo X
67 "O besouro de ouro" PIMENTEL, Figueiredo X
68 "A casa mal-assombrada" PIMENTEL, Figueiredo X
69 "A alma do outro mundo" PIMENTEL, Figueiredo X
70 "O fantasma lambão" BUSCH, Wilhelm X
71 "Um espanto" DISNEY, Walt X
72 "Um caso de morte" SOUZA, Maurício de
68

FAIXA ETÁRIA DAS PERSONAGENS


ADU.
ADU. ADU. CRI. JOV.
SOMENTE SOMENTE SOMENTE e e e e
TITULO AUTOR ADULTO CRIANÇA JOVEM CRI. JOV. JOV. CRI.

SUBTOTAL 20 6 2 15 18 0 7
TOTAL 21 6 2 18 18 0 7

OBSERVAÇÃO: O subtotal não contabiliza as narrativas cuja inclusão em uma categoria ficou
imprecisa, representadas por X?. Já o total leva em conta todas as narrativas, inclusive aquelas
cuja classificação ficou imprecisa.

No que diz respeito à faixa etária das personagens envolvidas na trama, a


maior parte das narrativas analisadas tem apenas adultos como personagens, isto
é, 21 narrativas, que representam 29% do total; há 6 que trazem somente crianças
no enredo, contabilizando 8% do total e 2 que apresentam somente jovens7,
somando 3% do total. Pensa-se que o adulto constitui a faixa etária predominante,
por se tratar de narrativas oriundas do folclore, ou por serem histórias que
apresentam fantasmas, personagem que põe em xeque a questão da morte e de
seus limites, tema esse evitado na literatura direcionada a crianças e a jovens.
As categorias mistas, como aqui serão chamadas, abrangem histórias que
trazem personagens de faixas etárias diferentes. Assim, em 18 narrativas estão
envolvidos pela trama adultos e crianças, o que representa 25% do total, ao passo
que igualmente 18 narrativas ou 25% do total contam com adultos e jovens, e
apenas 7 narrativas, ou seja, 10%, apresentam as três faixas etárias aqui elencadas:
adultos, jovens e crianças. Das narrativas estudadas, nenhuma delas compõe o
enredo somente com crianças e jovens. Os dados levantados podem ser
visualizados no Gráfico 2:

7 Cabe esclarecer que a categoria jovem foi criada com o intuito de oferecer uma alternativa na classificação das personagens que não eram referidas pelo
narrador nem como criança, nem como adulto. Assim, sempre que se mencionava “jovem”, “moça”, “rapaz”, ou que se compreendia na caracterização da
personagem essa fase transitória entre o infantil e o adulto, classificou-se a faixa etária da personagem como jovem. Interessante notar a pouca ocorrência
de narrativas que tivessem como personagens exclusivamente crianças ou jovens.
69

Faixa etária das personagens (versão 1)


10%
0% adulto
29%
criança
25% jovem
adulto e criança
adulto e jovem
8%
jovem e criança
3%
25% adulto, jovem e criança

Gráfico 2 – Faixa etária das personagens (versão 1)

Mesmo nas categorias mistas, isto é, naquelas em que coexistem


personagens de faixas etárias diferentes, nota-se a predominância de personagens
adultas, estejam acompanhadas por crianças ou por jovens. Para proporcionar uma
melhor visualização do que aqui se diz, fez-se, a seguir, no Gráfico 3, nova
esquematização8 dos mesmos dados anteriormente expostos:

Faixa etária das personagens (versão 2)

Total: 64 Total: 31
narrativas narrativas

■ adulto
■ criança
Total: 27
narrativas ■ jovem

Gráfico 3 – Faixa etária das personagens (versão 2)

8 Na versão 2 do gráfico Faixa etária das personagens, é possível verificar o total de ocorrências de cada uma das três faixas etárias propostas neste
estudo; no entanto, esses valores só podem ser comparados entre si e não formando um número percentual, visto que a soma das ocorrências ultrapassa a
totalidade, isto é, os 100% ou as 72 narrativas que compõem este corpus.
70

Por meio da versão acima (versão 2), procurou-se evidenciar a absoluta


predominância de narrativas que trazem adultos como personagens, visto que
perfazem um total de 64 ocorrências, seja de modo puro (área amarela), isto é,
somente com adultos, ou de modo misto, isto é, adultos ao lado de jovens (área
verde), de crianças (área laranja), ou de ambos (área marrom).
Em seguida, desponta a faixa etária dos jovens (área azul) com 30
ocorrências, confirmando uma espécie de hierarquia de personagens adultas nas
narrativas. Não muito atrás, porém, está a faixa das crianças que conta com 27
ocorrências no modo misto (áreas laranja, marrom e lilás) e apenas 2 no modo puro
(área vermelha), constituindo, assim, a faixa menos numerosa. Jovens e crianças
(área lilás), não tem nenhuma ocorrência em seu ponto de contato. O ponto de
intersecção entre as três faixas (área marrom) também apresenta valor baixo em
relação ao total das 72 narrativas.
Vale notar que muitas das narrativas que só trazem adultos na trama não
foram concebidas como literatura infanto-juvenil, embora tenham sido
posteriormente adaptadas ou redirecionadas à leitura de crianças e jovens, como as
dos consagrados autores internacionais Charles Dickens, Edgar Allan Poe e
Catherine Crowe ou as dos brasileiros Orígenes Lessa e Carlos Drummond de
Andrade (1993). A predominância de personagens adultos em narrativas infanto-
juvenis, no entanto, não deixa de ser curiosa. Não é possível afirmar que haja uma
incidência maior de adultos em histórias mais antigas, mas sim que as narrativas
mais atuais são as únicas que trazem somente crianças ou somente jovens em seu
elenco de personagens.
Pensa-se que o fato de retratar somente crianças e/ou jovens é uma
tendência atual da literatura infanto-juvenil, decorrente da visão adultocêntrica
anteriormente estabelecida. A inversão verificada representa o desejo do leitor
infantil ou adolescente de ver personagens de sua faixa etária envolvidos na história;
igualmente, configura uma estratégia adotada pelo autor para aproximar o leitor do
que é contado. Não se deve, porém, perder de vista o duplo efeito, cultural e
mercadológico, dessa aproximação: ao mesmo tempo em que, por meio dela, se
estimula a leitura de leitores iniciantes, vendem-se mais livros, o que é de grande
interesse para o mercado editorial.
71

4.3.3 Referência a animais

Também se listaram, nas narrativas selecionadas, todas as referências feitas


a animais, independentemente de sua importância ou funcionalidade. A tabela
abaixo registra todos animais a que se fez referência ao longo das 72 narrativas
deste corpus. Dado o elevado número de espécies diferentes a que se chegou, não
foi possível elaborar um gráfico a partir dos resultados dessa busca, razão por que
se optou por simplesmente apresentar a tabela na íntegra.

Tabela 4 – Indicação de referências a animais

REFERÊNCIA A ANIMAIS
TÍTULO AUTOR ANIMAL(IS) CITADO(S)
1 Tem fantasma na rua! MARTINS, Cláudio onça, tigre, leão e elefante
2 História de fantasma BELINKY, Tatiana -
3 "O fantasma e o alfaiate" PRIETO, Heloisa -
4 "O médico-fantasma" PRIETO, Heloisa -
5 “O fantasma da sorte” PRIETO, Heloisa -
“O jovem que não tinha medo de
6 nada” PRIETO, Heloisa touro e cavalo
7 “Vovó Maria” PRIETO, Heloisa -
8 “Amor de fantasma” PRIETO, Heloisa -
9 “A Loira do Banheiro” PRIETO, Heloisa -
10 “Francisquinha” PRIETO, Heloisa -
11 “O Moleque Palhaço” PRIETO, Heloisa -
12 “Caio?” LAGO, Angela -
13 “A rosa assombrada” LAGO, Angela -
14 "A casa sonhada" LAGO, Angela -
15 “Encurtando o caminho” LAGO, Angela -
16 Casa assombrada LAGO, Angela gato
17 “Até a vista, turma!” COSTA, Wagner -
18 “Uma noite na Feiticeira” MARTINS, Adelino cão
19 “O fantasma da chácara” MARTINS, Adelino morcego
“A casa mal assombrada ou o
20 tesouro escondido” BRAHE, Tycho cão
21 “Uma noite muito estranha” MORAIS, Flávio ave abatida e galo
22 “A queda da casa de Usher” POE, Edgar Allan cavalo e dragão
23 “A casa do pesadelo” WHITE, Edward Lucas porco e javali
24 “A casa B... em Cadmen Hill” CROWE, Catherine gato
25 “O vigia da fronteira” DICKENS, Charles -
26 “Billy” CROSSLEY-HOLLAND, Kevin -
27 “O fantasma de Samuel” CROSSLEY-HOLLAND, Kevin minhoca
28 “A destemida” CROSSLEY-HOLLAND, Kevin -
29 “Bu!” CROSSLEY-HOLLAND, Kevin -
72

REFERÊNCIA A ANIMAIS
TÍTULO AUTOR ANIMAL(IS) CITADO(S)
30 “A loira do banheiro” GARCIA, Luciana -
31 “A moça de branco” GARCIA, Luciana -
32 “O zumbi” GARCIA, Luciana ave, cavalo
33 “Mão de Cabelo” TRAVASSOS, Sônia -
34 Fantasma existe? ROCHA, Ruth; LORCH, Dora lobo, galinha e barata
35 Branquinho, o fantasminha triste ALMEIDA, Regina Capanema de -
36 O pequeno fantasma BANDEIRA, Pedro pomba
37 Pluft, o fantasminha MACHADO, Maria Clara peixe, baleia e tubarão
38 “A mortalha” THESOURO da juventude -
39 “Os sapatinhos de pão” THESOURO da juventude -
“As três noites no castelo
40 encantado” THESOURO da juventude -
41 “A lavadeira encantada” THESOURO da juventude cisne
42 Uuuuuuu: um barulho estranho IACOCCA, Liliana -
FICHTNER, Marília; NUNES, Artur
43 O fantasma Sanfelice -
44 A noite assombrada JUNQUEIRA, Sonia cobra
45 O barulho fantasma JUNQUEIRA, Sonia -
46 Apalka CARDENAL, Ernesto tucano, jacaré, tubarão e peixe

47 “Kigbo e os espíritos do mato” DANSA, Salmo; BRAZ, Júlio Emílio -


48 “A montanha viajante” CABRERA, Luis Urteaga peixe, lontra e boto
49 “As cavernas de Aguas Buenas” TOMÉ, Jesús -
grilo, morcego, vaga-lume, coruja e
50 “Os cavaleiros de Isabela” LAMBERTUS, Abelardo Jiménez mariposa
GÓMEZ, Maria; TORRE, Jorge Renán
51 “Maria Angula” de la -
“A sombra negra e o gaúcho
52 valente” CARIZZO, Jesús Maria; GARRIDO, Nelly mula e aves
DOMENECH, Manuel; RAMOS, Juan
53 “A gruta do Jacinto” Antonio vaca
54 “O tesouro enterrado” GUARDIA, Rosa Cerna cão
55 “Os dois caçadores e a Saiona” ARISMENDI, Santos Erminy galos
cavalo, aranha, pássaro, morcego,
56 “Companhia à noite” LESSA, Orígenes coruja e pomba
57 "A velha que não morria" MESSIAS, Adriano -
58 “A porca, ora, a porca” MESSIAS, Adriano -
59 "Flor, telefone, moça" ANDRADE, Carlos Drummond de -
60 "A história do pescador" KWAN, Michael David peixe
61 "A cantora da noite" KWAN, Michael David cavalo, dragão, fênix e pássaro
62 "A borboleta" KWAN, Michael David borboleta, cavalo e corvo
63 "A mais bela noite de Margarida" GARCIA, Edson Gabriel -
64 "O casal de velhos" GARCIA, Edson Gabriel cão
65 "Os dentes de Madalena" GARCIA, Edson Gabriel -
66 "O companheiro de viagem" PIMENTEL, Figueiredo feras, animais, bichos venenosos
67 "O besouro de ouro" PIMENTEL, Figueiredo besouro, papagaio, cavalo,
68 "A casa mal-assombrada" PIMENTEL, Figueiredo -
69 "A alma do outro mundo" PIMENTEL, Figueiredo -
70 "O fantasma lambão" BUSCH, Wilhelm lobisomem
tigre, gorila, rinoceronte, hipopótamo,
71 "Um espanto" DISNEY, Walt cobra, jacaré, javali
72 "Um caso de morte" SOUZA, Maurício de -
73

Visto que não é possível, devido à brevidade e aos objetivos deste estudo,
conduzir uma análise pormenorizada de cada uma das referências a animais e de
sua significação na narrativa, traça-se, nas próximas linhas, um panorama do que se
pôde observar de modo geral, no que diz respeito às funções das referências.
Há menções a animais que realmente acrescentam ou reforçam significados
da narrativa. Todos os animais mencionados no conto “A borboleta”, de Michael
David Kwan (2004), por exemplo, são altamente simbólicos e estão ligados a
personagens, somando-lhes significações, ocultas em uma primeira leitura. Eis
porque a jovem bondosa, já morta, aparece para o rapaz na forma de uma
borboleta, signo do efêmero e do transcendental e, por meio de seu fascinante voo,
o conduz até a floresta; também em uma borboleta é que se transforma o herói
depois da morte, para então poder compartilhar com a amada a eternidade; a velha
bruxa que, para viver, precisa alimentar-se do sangue de homens, transforma-se em
um corvo, animal que representa um estado de degradação e que é repelido pelos
seres humanos.
Algumas referências a animais são feitas com a intenção de melhor
caracterizar um espaço simplesmente, com ele fundindo-se e nem sempre
acrescentando uma nova significação ao que é narrado. O aparecimento de uma
onça, um tigre, um leão e um elefante em Tem fantasma na rua!, de Cláudio Martins,
é justificado porque esses animais fazem parte do circo, cenário que se constrói ao
longo da narrativa. É o caso também do morcego e das aranhas, em “Companhia à
noite”, de Orígenes Lessa; a existência desses animais contribui para a criação de
um ambiente de abandono, propício para um evento sobrenatural. Essas menções,
portanto, apenas auxiliam na construção de uma atmosfera de horror, preparando o
leitor para a sugestão fantasmagórica. A fim de instalar um clima macabro, pode-se
apelar a animais e insetos bastante conhecidos das histórias de horror: cobras,
aranhas, morcegos, corujas, gatos e outros animais noturnos; embora existam
narrativas do corpus em que constam esses clichês, elas não formam um grupo
expressivo quantitativamente.
Existem, nas narrativas, referências feitas a outras espécies de animais que
não têm função autônoma e não caracterizam o espaço, mas são elementos
qualificadores de personagens, sendo seu meio de transporte ou seu instrumento de
trabalho. É o caso da mula em “A sombra negra e o gaúcho valente”, de Jesús Maria
74

Carizzo e Nelly Garrido (1985) ou da vaca em “A gruta do Jacinto”, de Manuel


Domenech e Juan Antonio Ramos (1985).
Por fim, não se pode deixar de mencionar os animais que são a própria
aparição fantasmagórica, como o cachorro fantasma, que a menina vê, em “Uma
noite na Feiticeira”, de Adelino Martins, e descobre nunca ter existido ou os animais
que sugerem uma ligação com o sobrenatural. No conto “O tesouro enterrado”, de
Rosa Cerna Guardia, um cachorro preto9 é o responsável por indicar, desde o início
da trama, o local exato do tesouro escondido, configurando-se, assim, em uma
espécie de mediador entre o mundo dos mortos e o dos vivos.

4.3.4 Elementos espácio-temporais

A pesquisa teve em vista também analisar elementos espácio-temporais das


narrativas de fantasma. Como não seria possível verificar tempo e espaço de todas
as ações das 72 narrativas selecionadas, cuidou-se somente do evento principal,
que coincidiu, na maioria das vezes, com o contato entre o protagonista e o
fantasma. A fim de facilitar a apreensão dos dados, durante este trabalho, optou-se
por separar os aspectos espaciais dos temporais e criar tabelas diferentes para eles,
embora se saiba que o estudo do tempo e do espaço deva ser conduzido de
maneira conjunta, dada sua estreita relação. Logo, as tabelas e os gráficos
apresentados mais adiante, bem como o comentário geral dos elementos, mantêm
essa divisão.
A seguir, pode ser conferida a tabela que deu origem ao Gráfico 4,
anteriormente apresentado. Nela, constam, de maneira pormenorizada, dados

9 No decorrer do texto, o cachorro é chamado pelo narrador às vezes de “cachorrinho”, “cão”, “cãozinho” ou pelo nome, “Salguerito”. Essa diferença no
modo de chamar parece ser usada simplesmente para evitar repetições e não leva em consideração que o termo cão, no Brasil, pode fazer referência ao
diabo, sendo “cão” um de seus sinônimos. Explica Ferreira: “Para não enunciar o nome Diabo, a superstição popular substitui-o por muito outros: anhangá,
[...] cão, [...] diacho, [...] tinhoso”, etc. No entanto, esse não é um dos significados atribuídos ao cão da história “O tesouro enterrado”. O sentido que lhe é
atribuído pode ser encontrado no Dicionário de simbologia de Manfred Lurker (1997, p.114), sob o verbete cão: “é um animal do limiar, encontra-se entre o
aqui e o além, é guardião no portal do mundo dos mortos” e intermediário entre os dois mundos. A associação do cão à morte e ao inferno é apontada
também por Jean Chevalier e Alain Gheerbrant (1990). Sua primeira função mítica é guiar o homem na noite da morte, depois de ter sido seu companheiro
no dia da vida. Sua outra função é interceder entre os dois mundos, “atuando como intermediário quando os vivos querem interrogar os mortos e as
divindades subterrâneas do país dos mortos” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1990, p.177). Muitas vezes, o cão foi usado em métodos divinatórios e pode
ser considerado o guardião dos infernos. Cascudo, em seu dicionário, também registra algumas crendices populares associadas ao cachorro, que podem
ser relacionadas às descritas no conto de Guardia: “Cachorro [...] com o focinho voltado para a casa, [...] é anuncio de dinheiro. [...] Quando está uivando é
porque vê almas do outro mundo” (2002, p.93).
75

referentes a elementos temporais das narrativas deste corpus. Na última coluna,


anotaram-se informações relevantes, referentes ao tempo, que poderiam vir a ser
contabilizadas e utilizadas na descrição das narrativas.

Tabela 5 – Indicação dos elementos temporais do evento principal

ELEMENTOS TEMPORAIS DO EVENTO PRINCIPAL


MAU INFORMAÇÕES
TITULO AUTOR NOITE DIA TEMPO RELEVANTES
1 Tem fantasma na rua! MARTINS, Cláudio X
2 História de fantasma BELINKY, Tatiana X escuridão do quarto
3 "O fantasma e o alfaiate" PRIETO, Heloisa X
4 "O médico-fantasma" PRIETO, Heloisa X lua cheia
5 “O fantasma da sorte” PRIETO, Heloisa X X depois da meia-noite
“O jovem que não tinha medo de
6 nada” PRIETO, Heloisa X
7 “Vovó Maria” PRIETO, Heloisa X escuridão da estrada
8 “Amor de fantasma” PRIETO, Heloisa X começa a escurecer
9 “A Loira do Banheiro” PRIETO, Heloisa X? X?
10 “Francisquinha” PRIETO, Heloisa X meia-noite
11 “O Moleque Palhaço” PRIETO, Heloisa X?
12 “Caio?” LAGO, Ângela X madrugada
13 “A rosa assombrada” LAGO, Ângela X? X começa a escurecer
14 "A casa sonhada" LAGO, Ângela X? começa a escurecer
15 “Encurtando o caminho” LAGO, Ângela X? começa a escurecer
16 Casa assombrada LAGO, Ângela X
17 “Até a vista, turma!” COSTA, Wagner X
18 “Uma noite na Feiticeira” MARTINS, Adelino X perto da meia-noite
19 “O fantasma da chácara” MARTINS, Adelino X
“A casa mal assombrada ou o
20 tesouro escondido” BRAHE, Tycho X
21 “Uma noite muito estranha” MORAIS, Flávio X
22 “A queda da casa de Usher” POE, Edgar Allan X X tempestade
23 “A casa do pesadelo” WHITE, Edward Lucas X
24 “A casa B... em Cadmen Hill” CROWE, Catherine X
25 “O vigia da fronteira” DICKENS, Charles X últimos raios de sol

26 “Billy” CROSSLEY-HOLLAND, Kevin X meia-noite, Halloween


27 “O fantasma de Samuel” CROSSLEY-HOLLAND, Kevin X?
28 “A destemida” CROSSLEY-HOLLAND, Kevin X escuridão do porão
29 “Bu!” CROSSLEY-HOLLAND, Kevin X
30 “A loira do banheiro” GARCIA, Luciana X?
31 “A moça de branco” GARCIA, Luciana X madrugada
madrugada e
32 “O zumbi” GARCIA, Luciana X entardecer
33 “Mão de Cabelo” TRAVASSOS, Sônia X madrugada
34 Fantasma existe? ROCHA, Ruth; LORCH, Dora X?
35 Branquinho, o fantasminha triste ALMEIDA, Regina Capanema de X cedo da manhã
36 O pequeno fantasma BANDEIRA, Pedro X dia ensolarado
37 Pluft, o fantasminha MACHADO, Maria Clara X dia ensolarado
38 “A mortalha” THESOURO da juventude X X tempestade e vento
39 “Os sapatinhos de pão” THESOURO da juventude X entardecer
76

ELEMENTOS TEMPORAIS DO EVENTO PRINCIPAL


MAU INFORMAÇÕES
TITULO AUTOR NOITE DIA TEMPO RELEVANTES
“As três noites no castelo
40 encantado” THESOURO da juventude X meia-noite
41 “A lavadeira encantada” THESOURO da juventude X
42 Uuuuuuu: um barulho estranho IACOCCA, Liliana X X tempestade
FICHTNER, Marília; NUNES,
43 O fantasma Artur Sanfelice X?
44 A noite assombrada JUNQUEIRA, Sonia X X vento, frio e chuva
45 O barulho fantasma JUNQUEIRA, Sonia X?
46 Apalka CARDENAL, Ernesto X?
DANSA, Salmo; BRAZ, Júlio
47 “Kigbo e os espíritos do mato” Emílio X
48 “A montanha viajante” CABRERA, Luis Urteaga X
49 “As cavernas de Aguas Buenas” TOMÉ, Jesús X
50 “Os cavaleiros de Isabela” LAMBERTUS, Abelardo Jiménez X sexta-feira
GÓMEZ, Maria; TORRE, Jorge
51 “Maria Angula” Renán de la X X vento forte
“A sombra negra e o gaúcho CARIZZO, Jesús Maria;
52 valente” GARRIDO, Nelly X
DOMENECH, Manuel; RAMOS,
53 “A gruta do Jacinto” Juan Antonio X noite fechada
54 “O tesouro enterrado” GUARDIA, Rosa Cerna X
55 “Os dois caçadores e a Saiona” ARISMENDI, Santos Erminy X
56 “Companhia à noite” LESSA, Orígenes X
57 "A velha que não morria" MESSIAS, Adriano X
58 “A porca, ora, a porca” MESSIAS, Adriano X meia-noite
ANDRADE, Carlos Drummond
59 "Flor, telefone, moça" de X
escuridão do fundo do
60 "A história do pescador" KWAN, Michael David X rio
61 "A cantora da noite" KWAN, Michael David X à luz da lua
62 "A borboleta" KWAN, Michael David X escuridão do bosque
63 "A mais bela noite de Margarida" GARCIA, Edson Gabriel X meia-noite, frio
64 "O casal de velhos" GARCIA, Edson Gabriel X X tempestade, luz fraca
65 "Os dentes de Madalena" GARCIA, Edson Gabriel X depois da meia-noite
66 "O companheiro de viagem" PIMENTEL, Figueiredo X
67 "O besouro de ouro" PIMENTEL, Figueiredo X
68 "A casa mal-assombrada" PIMENTEL, Figueiredo X
69 "A alma do outro mundo" PIMENTEL, Figueiredo X?
70 "O fantasma lambão" BUSCH, Wilhelm X
71 "Um espanto" DISNEY, Walt X
72 "Um caso de morte" SOUZA, Maurício de X
SUBTOTAL 43 17 8
TOTAL 50 22 9

OBSERVAÇÃO: O subtotal não contabiliza as narrativas cuja inclusão em uma categoria ficou
imprecisa, representadas por X?. Já o total leva em conta todas as narrativas, inclusive aquelas cuja
classificação ficou imprecisa.
77

Elementos temporais do evento principal

31%

noite
dia

69%

Gráfico 4 – Elementos temporais do evento principal

A predominância de narrativas cujo evento principal se dá à noite não


surpreende; aliás, se sabe de antemão, ainda que empiricamente, ser a noite
preferida para eventos de ordem sobrenatural, especialmente os folclóricos. Atinge-
se, portanto, o alto índice que pode ser conferido acima: em 50 narrativas, isto é, em
69%, o evento principal ocorre de noite, e em 22 narrativas, ou seja, em 31%, o
evento se dá de dia. Essa predominância pode representar um clichê, próprio das
histórias de assombração, que é combatido, por sua vez, em alguns relatos, sem
que se perca a atmosfera de medo e espanto. É o caso do conto, pertencente à
categoria consolidadora, “A lavadeira encantada”, retirado da coleção Thesouro da
Juventude. Nele, em plena luz do dia, uma moça encontra e segue, até um castelo
que guarda um tesouro, o fantasma de uma lavadeira que matada o próprio filho,
recém-nascido.
Acerca da noite, dicionaristas que se ocupam de simbologias, afirmam: “em
oposição ao dia, a noite é símbolo das misteriosas trevas, do irracional, do
inconsciente, da morte” (BECKER, 1999, p.199), “onde não há luz, não há vida”
(LURKER, 1997, p.730). Por essa razão, imagina-se que o mundo dos mortos seja
rodeado de trevas e, a noite, consequentemente, é metáfora do ingresso nesse
mundo. Cascudo registra que, segundo o espírito popular, a noite é dotada da
impressão de mistério, sendo as horas de trevas habitadas por seres estranhos e
poderosos. “Durante a noite, aparecem os fantasmas, almas do outro mundo, luzes
espantosas, gritos, gemidos, tesouros enterrados, penitências estranhas, animais
fabulosos, todo o cortejo apavorante que vive nas trevas da noite” (2002, p.421).
78

Os 31% atingidos por histórias cujo evento principal se dá de dia têm grande
incidência em contos que não são do gênero assombração, embora tratem de
fantasmas, conforme já se comentou anteriormente; é o que sucede nas narrativas
anuladoras Pluft, o fantasminha, de Maria Clara Machado, O fantasma, de Marília
Fichtner e Artur Sanfelice Nunes (1996) e Branquinho, o fantasminha triste, de
Regina Capanema de Almeida, entre outras. O percentual de 31% é muito
expressivo e aponta para uma tentativa de descaracterização do fantasma, presente
em diversos textos infanto-juvenis, que pretendem tornar a figura sobrenatural e
assustadora do fantasma em uma personagem amigável e parte do cotidiano do
leitor implícito, como se verá mais adiante.
Interessante notar a preferência por horários intermediários, isto é, de
transição entre o dia e a noite; encontra-se um número expressivo de narrativas em
que o evento principal ocorre em um momento descrito como o amanhecer, o
anoitecer ou escurecer. É bem sabido que horários intermediários, ou seja, os dois
crepúsculos, matutino e vespertino, têm notáveis diferenças de luminosidade solar.
Nessas “horas abertas”, termo utilizado por Cascudo (2002, p.421), instala-se uma
débil nitidez, que confunde o que é visto; o embaraço do sentido da visão é,
portanto, momento propício para o acontecimento de eventos sobrenaturais. Além
disso, tais horários de transição representam a passagem de um estado a outro.
Segundo Chevalier e Gheerbrant, os crepúsculos exprimem “o fim de um ciclo, e, em
consequência, a preparação de outro. [...] é uma imagem espaço-temporal (sic): o
instante suspenso. O espaço e o tempo vão capotar ao mesmo tempo no outro
mundo e na outra noite. Mas essa morte de um é anunciadora do outro: um novo
espaço e um novo tempo sucederão aos antigos” (1990, p.300) [grifo dos autores].
A meia-noite, conforme se pôde apontar no estudo aqui desenvolvido,
também é um dos horários prediletos para o aparecimento de fantasmas. No
imaginário popular, aponta Cascudo (2002, p.421), a meia-noite é “hora horrível, é
de universal assombro fantástico”. Também ela representa uma fenda temporal por
onde outros níveis de existência se dão a conhecer.
Estabeleceu-se, durante o levantamento de dados temporais, mais um item a
ser observado, chamado mau tempo, em que foram incluídas todas as narrativas
cujo acontecimento principal fosse acompanhado por ventos, chuvas, tempestades
ou baixas temperaturas. Apenas 9 narrativas, 13% do total, apresentaram alguns
desses fenômenos naturais; esse baixo índice contrariou as expectativas desta
79

pesquisa, visto que se partiu da hipótese de que a incidência de fenômenos


sobrenaturais sob mau tempo também poderia representar um clichê de histórias de
horror, razão por que se procedeu a análise referida. No entanto, não é possível
afirmar que o percentual restante, isto é, 87% das narrativas tenham seus
acontecimentos ocorridos em tempo bom. De fato, algumas poucas, realmente
ocorrem em dias ensolarados, sem chuva, etc.; outras, porém, sequer mencionam a
condição climática em que transcorrem as ações. Em virtude disso, optou-se por não
criar uma categoria intitulada bom tempo, visto que, quando não mencionada, a
condição do tempo é irrelevante para o desenrolar da história.
Na busca pela determinação do espaço em que ocorrem os eventos principais
das narrativas, fez-se a distinção entre meio urbano e meio natural, no intuito de
estabelecer uma oposição, como a existente nas categorias noite e dia. É
necessário esclarecer que a categoria meio natural abrangeu lugares afastados da
cidade e de alguma forma opostos ao meio urbano; constam daí, por isso, as
referências feitas a florestas, matos, campos, praias, fazendas ou mesmo a castelos.
A tabela elucida a anotação de elementos espaciais de todas as narrativas
deste corpus e foi utilizada para a elaboração do Gráfico 5. Registrou-se, nela, além
das categorias meio urbano e meio natural, a recorrência a casas, casas mal-
assombradas e outros espaços fechados ou abertos.

Tabela 6 – Indicação dos elementos espaciais do evento principal

ELEMENTOS ESPACIAIS DO EVENTO PRINCIPAL


MEIO MEIO
TITULO AUTOR URBANO NATURAL CASA OUTRO ESPAÇO
1 Tem fantasma na rua! MARTINS, Cláudio X rua
2 História de fantasma BELINKY, Tatiana X X
3 "O fantasma e o alfaiate" PRIETO, Heloisa X cemitério
4 "O médico-fantasma" PRIETO, Heloisa X cemitério
5 “O fantasma da sorte” PRIETO, Heloisa X castelo
“O jovem que não tinha medo de
6 nada” PRIETO, Heloisa X? X*
7 “Vovó Maria” PRIETO, Heloisa X auto-estrada
8 “Amor de fantasma” PRIETO, Heloisa X fazenda/encruzilhada
9 “A Loira do Banheiro” PRIETO, Heloisa X escola/rua
10 “Francisquinha” PRIETO, Heloisa X X
11 “O Moleque Palhaço” PRIETO, Heloisa X teatro
12 “Caio?” LAGO, Angela X X*
13 “A rosa assombrada” LAGO, Angela X? igreja/cemitério
14 "A casa sonhada" LAGO, Angela X X*
15 “Encurtando o caminho” LAGO, Angela X? cemitério
16 Casa assombrada LAGO, Angela X X*
80

ELEMENTOS ESPACIAIS DO EVENTO PRINCIPAL


MEIO MEIO
TITULO AUTOR URBANO NATURAL CASA OUTRO ESPAÇO
17 “Até a vista, turma!” COSTA, Wagner X escola/rua
18 “Uma noite na Feiticeira” MARTINS, Adelino X X* praia, fazenda
19 “O fantasma da chácara” MARTINS, Adelino X X chácara
“A casa mal assombrada ou o
20 tesouro escondido” BRAHE, Tycho X floresta
21 “Uma noite muito estranha” MORAIS, Flávio X floresta
22 “A queda da casa de Usher” POE, Edgar Allan X? X região isolada e triste
23 “A casa do pesadelo” WHITE, Edward Lucas X X* fazenda abandonada
24 “A casa B... em Cadmen Hill” CROWE, Catherine X X*
25 “O vigia da fronteira” DICKENS, Charles X? trilhos do trem
CROSSLEY-HOLLAND,
26 “Billy” Kevin X? X cemitério
CROSSLEY-HOLLAND,
27 “O fantasma de Samuel” Kevin X? cemitério
CROSSLEY-HOLLAND,
28 “A destemida” Kevin X? X* porão
CROSSLEY-HOLLAND,
29 “Bu!” Kevin X? X
30 “A loira do banheiro” GARCIA, Luciana X? escola
rua / cemitério /
31 “A moça de branco” GARCIA, Luciana X? capela
32 “O zumbi” GARCIA, Luciana X? X rua / fazenda
33 “Mão de Cabelo” TRAVASSOS, Sônia X? X
ROCHA, Ruth; LORCH,
34 Fantasma existe? Dora X?
ALMEIDA, Regina
35 Branquinho, o fantasminha triste Capanema de X escola
36 O pequeno fantasma BANDEIRA, Pedro X
MACHADO, Maria
37 Pluft, o fantasminha Clara X X* praia, sótão
THESOURO da
38 “A mortalha” juventude X fazenda
THESOURO da
39 “Os sapatinhos de pão” juventude X? capela
“As três noites no castelo THESOURO da
40 encantado” juventude X castelo
THESOURO da
41 “A lavadeira encantada” juventude X beira do rio, castelo
42 Uuuuuuu: um barulho estranho IACOCCA, Liliana X? X
FICHTNER, Marília;
43 O fantasma NUNES, Artur Sanfelice X? X
44 A noite assombrada JUNQUEIRA, Sonia X X*
45 O barulho fantasma JUNQUEIRA, Sonia X? X
46 Apalka CARDENAL, Ernesto X lagoa
DANSA, Salmo; BRAZ,
47 “Kigbo e os espíritos do mato” Júlio Emílio X mato
CABRERA, Luis
48 “A montanha viajante” Urteaga X aldeia indígena
49 “As cavernas de Aguas Buenas” TOMÉ, Jesús X caverna
LAMBERTUS, Abelardo
50 “Os cavaleiros de Isabela” Jiménez X ruínas da cidade
GÓMEZ, Maria;
TORRE, Jorge Renán
51 “Maria Angula” de la X X
“A sombra negra e o gaúcho CARIZZO, Jesús Maria;
52 valente” GARRIDO, Nelly X X*
DOMENECH, Manuel;
53 “A gruta do Jacinto” RAMOS, Juan Antonio X praia
54 “O tesouro enterrado” GUARDIA, Rosa Cerna X X*
81

ELEMENTOS ESPACIAIS DO EVENTO PRINCIPAL


MEIO MEIO
TITULO AUTOR URBANO NATURAL CASA OUTRO ESPAÇO
ARISMENDI, Santos
55 “Os dois caçadores e a Saiona” Erminy X mato
56 “Companhia à noite” LESSA, Orígenes X X*
57 "A velha que não morria" MESSIAS, Adriano X?
58 “A porca, ora, a porca” MESSIAS, Adriano X? X*
ANDRADE, Carlos
59 "Flor, telefone, moça" Drummond de X X pelo telefone
60 "A história do pescador" KWAN, Michael David X rio
61 "A cantora da noite" KWAN, Michael David X X* à beira de um lago
62 "A borboleta" KWAN, Michael David X bosque
63 "A mais bela noite de Margarida" GARCIA, Edson Gabriel X baile
64 "O casal de velhos" GARCIA, Edson Gabriel X X capela do cemitério
65 "Os dentes de Madalena" GARCIA, Edson Gabriel X cemitério
66 "O companheiro de viagem" PIMENTEL, Figueiredo X
67 "O besouro de ouro" PIMENTEL, Figueiredo X reino dos Cavalos
68 "A casa mal-assombrada" PIMENTEL, Figueiredo X? X*
69 "A alma do outro mundo" PIMENTEL, Figueiredo X palácio
70 "O fantasma lambão" BUSCH, Wilhelm X X
71 "Um espanto" DISNEY, Walt X X*
72 "Um caso de morte" SOUZA, Maurício de X
SUBTOTAL 27 24 32
TOTAL 42 30 32
TOTAL DE CASAS ASSOMBRADAS 17

OBSERVAÇÃO: O subtotal não contabiliza as narrativas cuja inclusão em uma categoria ficou
imprecisa, representadas por X?. Já o total leva em conta todas as narrativas, inclusive aquelas
cuja classificação ficou imprecisa. O descritor total de casas assombradas contabiliza as casas
que são assombradas ou assim conhecidas, que foram representadas ao longo da tabela por meio
do sinal *.

Como se pôde constatar, o meio urbano prevaleceu sobre o meio natural; 42


narrativas foram classificadas como ocorridas em meio urbano, o que representa
58% do total e 30 ocorridas em meio natural, somando 42%. Esse equilíbrio entre os
meios propostos demonstra a variabilidade do espaço em narrativas de fantasma e
não permite o estabelecimento de nenhum tipo de clichê.
82

Elementos espaciais do evento principal

42%
meio urbano
meio natural
58%

Gráfico 5 – Elementos espaciais do evento principal

Em contrapartida, o clichê pode estar presente no que diz respeito a


cemitérios. Destacam-se, dentre o corpus, 9 narrativas cujas ações têm como pano
de fundo especificamente cemitérios; contabilizando 13% do total, elas ocupam um
percentual bastante significativo em termos de quantidade e, podem, por isso,
representar um lugar comum em contos de fantasma.
Interessante notar a referência feita a castelos em histórias de fantasma. Esse
local, além de remeter às ideias de solidão e afastamento, dada a imensidão de sua
estrutura e sua provável localização afastada das cidades, aparece com mais
frequência em outras narrativas de origem popular: os contos de fada. Cabe
esclarecer que os dois contos deste corpus cujas principais ações ocorrem em um
castelo têm ambos algo de maravilhoso, tal qual contos de fada, e pertencem à
categoria anuladora.
Outro aspecto observado, neste corpus, relativo ao espaço, foi a recorrência a
lugares fechados, especialmente casas. Portanto, cuidou-se de listar as narrativas
que tivessem as ações principais ocorridas dentro de casas e chegou-se a um total
de 32, isto é, 44% . Esse alto índice revela uma preferência por casas, sejam elas
localizadas no meio urbano ou no natural. Dessas 32 ocorrências, 17, ou seja, 24%
do total, se referem a casas mal-assombradas, sejam elas habitadas por seres
sobrenaturais de fato ou simplesmente assim reconhecidas por personagens da
trama.
83

4.3.5 Modalidade

Por fim, procurou-se estabelecer a modalidade das narrativas em questão,


utilizando-se para isso, as denominações folclórica e artística, que se
fundamentam na discussão do Capítulo 2 desta dissertação, em que se procurou
estabelecer as diferenças entre a narrativa oral, na maioria das vezes, de natureza
folclórica, e a narrativa escrita, de natureza artística.
A tabela que segue indica a modalidade folclórica ou artística das 72 narrativas
presentes neste corpus; seu resultado serviu para a elaboração do Gráfico 6,
explicitado mais adiante.

Tabela 7 – Indicação da modalidade da narrativa

MODALIDADE DA NARRATIVA
TITULO AUTOR FOLCLÓRICA ARTÍSTICA
1 Tem fantasma na rua! MARTINS, Cláudio X
2 História de fantasma BELINKY, Tatiana X
3 "O fantasma e o alfaiate" PRIETO, Heloisa X
4 "O médico-fantasma" PRIETO, Heloisa X
5 “O fantasma da sorte” PRIETO, Heloisa X
6 “O jovem que não tinha medo de nada” PRIETO, Heloisa X
7 “Vovó Maria” PRIETO, Heloisa X?
8 “Amor de fantasma” PRIETO, Heloisa X?
9 “A Loira do Banheiro” PRIETO, Heloisa X?
10 “Francisquinha” PRIETO, Heloisa X?
11 “O Moleque Palhaço” PRIETO, Heloisa X?
12 “Caio?” LAGO, Angela X
13 “A rosa assombrada” LAGO, Angela X
14 "A casa sonhada" LAGO, Angela X
15 “Encurtando o caminho” LAGO, Angela X
16 Casa assombrada LAGO, Angela X
17 “Até a vista, turma!” COSTA, Wagner X
18 “Uma noite na Feiticeira” MARTINS, Adelino X
19 “O fantasma da chácara” MARTINS, Adelino X
“A casa mal assombrada ou o tesouro
20 escondido” BRAHE, Tycho X
21 “Uma noite muito estranha” MORAIS, Flávio X
22 “A queda da casa de Usher” POE, Edgar Allan X
23 “A casa do pesadelo” WHITE, Edward Lucas X
24 “A casa B... em Cadmen Hill” CROWE, Catherine X
25 “O vigia da fronteira” DICKENS, Charles X
26 “Billy” CROSSLEY-HOLLAND, Kevin X
27 “O fantasma de Samuel” CROSSLEY-HOLLAND, Kevin X
28 “A destemida” CROSSLEY-HOLLAND, Kevin X
84

MODALIDADE DA NARRATIVA
TITULO AUTOR FOLCLÓRICA ARTÍSTICA
29 “Bu!” CROSSLEY-HOLLAND, Kevin X
30 “A loira do banheiro” GARCIA, Luciana X
31 “A moça de branco” GARCIA, Luciana X
32 “O zumbi” GARCIA, Luciana X
33 “Mão de Cabelo” TRAVASSOS, Sônia X
34 Fantasma existe? ROCHA, Ruth; LORCH, Dora X
35 Branquinho, o fantasminha triste ALMEIDA, Regina Capanema de X
36 O pequeno fantasma BANDEIRA, Pedro X
37 Pluft, o fantasminha MACHADO, Maria Clara X
38 “A mortalha” THESOURO da juventude X
39 “Os sapatinhos de pão” THESOURO da juventude X
40 “As três noites no castelo encantado” THESOURO da juventude X
41 “A lavadeira encantada” THESOURO da juventude X
42 Uuuuuuu: um barulho estranho IACOCCA, Liliana X
FICHTNER, Marília; NUNES, Artur
43 O fantasma Sanfelice X
44 A noite assombrada JUNQUEIRA, Sonia X
45 O barulho fantasma JUNQUEIRA, Sonia X
46 Apalka CARDENAL, Ernesto X
47 “Kigbo e os espíritos do mato” DANSA, Salmo; BRAZ, Júlio Emílio X
48 “A montanha viajante” CABRERA, Luis Urteaga X
49 “As cavernas de Aguas Buenas” TOMÉ, Jesús X
50 “Os cavaleiros de Isabela” LAMBERTUS, Abelardo Jiménez X
GÓMEZ, Maria; TORRE, Jorge
51 “Maria Angula” Renán de la X
CARIZZO, Jesús Maria; GARRIDO,
52 “A sombra negra e o gaúcho valente” Nelly X
DOMENECH, Manuel; RAMOS,
53 “A gruta do Jacinto” Juan Antonio X
54 “O tesouro enterrado” GUARDIA, Rosa Cerna X
55 “Os dois caçadores e a Saiona” ARISMENDI, Santos Erminy X
56 “Companhia à noite” LESSA, Orígenes X
57 "A velha que não morria" MESSIAS, Adriano X
58 “A porca, ora, a porca” MESSIAS, Adriano X
59 "Flor, telefone, moça" ANDRADE, Carlos Drummond de X
60 "A história do pescador" KWAN, Michael David X
61 "A cantora da noite" KWAN, Michael David X
62 "A borboleta" KWAN, Michael David X
63 "A mais bela noite de Margarida" GARCIA, Edson Gabriel X
64 "O casal de velhos" GARCIA, Edson Gabriel X
65 "Os dentes de Madalena" GARCIA, Edson Gabriel X
66 "O companheiro de viagem" PIMENTEL, Figueiredo X
67 "O besouro de ouro" PIMENTEL, Figueiredo X
68 "A casa mal-assombrada" PIMENTEL, Figueiredo X
69 "A alma do outro mundo" PIMENTEL, Figueiredo X
70 "O fantasma lambão" BUSCH, Wilhelm X
71 "Um espanto" DISNEY, Walt X
72 "Um caso de morte" SOUZA, Maurício de X
SUBTOTAL 39 28
TOTAL 39 33
85

OBSERVAÇÃO: O subtotal não contabiliza as narrativas cuja inclusão em uma categoria ficou
imprecisa, representadas por X?. Já o total leva em conta todas as narrativas, inclusive aquelas
cuja classificação ficou imprecisa.

Conquanto todas as narrativas deste corpus sejam escritas e tenham um


autor reconhecido – exceto pelas retiradas da coleção Thesouro da Juventude – o
que as caracterizaria de imediato como artísticas, percebeu-se que, em grande parte
delas, o objetivo muitas vezes explícito era de resgatar a tradição oral. A essas
narrativas, atribuiu-se a modalidade folclórica, pois a imensa maioria delas
apresenta-se apoiada no extrato folclórico, dele retirando personagens
sobrenaturais. No entanto, apenas 54%, ou seja, 39 histórias, o declaram
abertamente, por meio dos títulos, dos títulos das coleções em que se inserem, das
apresentações iniciais dos textos ou mesmo por meio do texto inscrito nas orelhas
da publicação; os outros 46%, isto é, 47 narrativas, não mencionam a fonte folclórica
ou são evidentemente de natureza artística.

Modalidade da narrativa

46% folclórica
54% artística

Gráfico 6 – Modalidade da narrativa

A modalidade artística é facilmente reconhecida em histórias concebidas


inicialmente para adultos, bem como nas histórias dirigidas a crianças e jovens,
pertencentes à categoria anuladora, as quais, não são, portanto, reconhecidas
enquanto legítimas histórias de assombração. Já as narrativas (consolidadoras ou
anuladoras) do livro Rotas fantásticas, de Heloisa Prieto (2003), de que fazem parte
deste corpus “Vovó Maria”, “Amor de fantasma”, “A Loira do Banheiro”,
“Francisquinha” e “O Moleque Palhaço”, ocupam uma posição dúbia em relação à
86

sua modalidade, pois, embora resgatem elementos folclóricos, como fantasmas


provenientes da cultura popular, têm uma apresentação muito particular. Elas são
contadas em forma de relatos pessoais e trazem, em seu início, um quadro com as
características pessoais do narrador, que o situam no tempo e no espaço,
evidenciando o caráter particular da experiência vivida pelo sujeito, o que pode ser
conferido na Figura 2, logo abaixo. Conclui-se, logo, que o mito retomado nesses
relatos é de elementos folclóricos; as narrativas ou o discurso, porém, têm propósito
artístico.

Figura 2 - Página inicial do conto “Vovó Maria”, em Rotas fantásticas (p.15)


87

5 ANÁLISE DE CONTOS DE FANTASMA VOLTADOS AO PÚBLICO INFANTO-

JUVENIL

Tendo sido expostos os variados aspectos do corpus desta pesquisa, passa-


se, neste capítulo, à análise pormenorizada de quatro narrativas infanto-juvenis de
fantasma, selecionadas por sua representatividade nas categorias consolidadora,
desmistificadora, anuladora e corruptora. Tendo em vista a necessidade de um
corpus de análise constituído por um número reduzido de narrativas, fez-se a
primeira seleção de narrativas que restringiu a análise dos aspectos formais a oito
amostras. Esse número, porém, foi posteriormente reduzido a quatro, dada a
excessiva extensão prevista na observação de oito narrativas.
Para proceder a uma análise em que se observassem elementos da história e
do discurso, de maneira regular, nos quatro contos escolhidos, foi elaborada uma
ficha, constante do Apêndice B. Tal ficha utilizou, para a análise do discurso,
conceitos desenvolvidos por Genette (1995) expressos nesta dissertação; os
conceitos apresentados no capítulo teórico por Reis e Lopes (1990) serviram para o
estudo da história. A essa ficha acrescentaram-se conceitos desenvolvidos por
Propp (1984) para o conto maravilhoso e por Todorov (1975) acerca da literatura
fantástica.
Os contos, cujo estudo pode ser conferido neste Capítulo, são “A mais bela
noite de Margarida”, de Edson Gabriel Garcia, “Caio?”, de Angela Lago, O pequeno
fantasma, de Pedro Bandeira, e “Mão de Cabelo”, de Sônia Travassos.
88

5.1 “A MAIS BELA NOITE DE MARGARIDA”

Representante da categoria consolidadora, o conto “A mais bela noite de


Margarida” tem oito páginas e faz parte da coletânea do escritor paulista Edson
Gabriel Garcia (1991) intitulada Sete gritos de terror. Conforme o nome já indica, os
textos escritos por Garcia têm o horror e o mistério por temáticas e, segundo ele,
fontes variadas: alguns são oriundos de narradores orais, outros, da leitura de livros,
revistas e almanaques de terror, mistério ou suspense. O conto escolhido para
análise, por exemplo, encontra vestígios no folclore do Rio Grande do Sul, como se
verá mais adiante.
Em “A mais bela noite de Margarida”, narra-se a experiência fantástica vivida
por Pedro Sobreira, homem solteiro, vendedor ambulante e “sem residência fixa”
(GARCIA, 1991, p.7). Enquanto se dirige, em pleno sábado, de uma cidade a outra,
o carro de Pedro Sobreira começa a falhar. Ele para na cidade mais próxima, “um
pacato lugarejo do interior” (GARCIA, 1991, p.7), e procura o único mecânico
existente. Esse lhe diz que terá que passar o fim-de-semana na cidadezinha,
enquanto se buscam as peças para o conserto do carro na localidade vizinha. Pedro
instala-se no hotel de dona Mercedes e sai a vender seus produtos. Descobre então
que, naquela noite, haverá um baile na cidade. Durante o baile, Pedro bebe e, por
volta da meia-noite, se depara com uma bela mulher, com quem conversa e dança.
Pedro se apaixona pela mulher desconhecida e declara-lhe amor eterno. Quando o
baile acaba, Pedro a leva até sua casa e, dado o frio da noite, lhe oferece o paletó,
prometendo vê-la no dia seguinte. Pedro aparece novamente na casa da moça de
manhã, e quem abre a porta é Magnólia, uma mulher velha, que afirma ser a irmã
mais nova de Margarida. Pedro insiste em ver a amada, e Magnólia mostra a ele
uma foto antiga, onde ele reconhece a mulher com quem dançou na noite anterior. A
irmã diz que Margarida morreu há quarenta anos, vítima de uma febre repentina, no
dia em que haveria um grande baile na cidade. O homem, sem acreditar, é levado
por Magnólia ao cemitério, até o túmulo da morta. Lá, Pedro Sobreira vê a lápide e o
retrato de Margarida e, ao lado dele, encontra seu paletó, dobrado. Pedro terrifica-se
e, a partir de então, perde a lucidez.
Não há dúvida de que Pedro Sobreira é o herói das ações anteriormente
resumidas. As demais personagens, como o mecânico, dona Mercedes e Magnólia,
89

são secundárias e têm funções diferentes, mas todas se ligam ao protagonista.


Margarida, por seu turno, “a bela mulher de cabelos pretos” (GARCIA, 1991, p 10),
de roupas e corte de cabelos antiquados, que gira pelo salão com passos leves,
torna-se o objeto da paixão de Pedro assim que aparece no local do baile, e é
graças a ela que o homem passa por uma experiência amorosa sobrenatural. Esse
par romântico é formado por duas personagens ávidas por amor. Ainda no início do
conto, o leitor fica conhecendo o costume de Pedro de iniciar um novo
relacionamento a cada parada que faz para vender seus produtos. Margarida, ao
que se sabe pelo relato de Magnólia, saíra para o baile no dia de sua morte, com
intenção de “dançar e encontrar um amor que fosse só dela e ela só dele” (GARCIA,
1991, p.13). Fundamental para o enlace amoroso é, portanto, essa pré-disposição
apresentada pelo casal.
Ao considerar o conflito de Pedro Sobreira a paixão pela defunta e a busca
por ele empreendida para voltar a vê-la, é possível afirmar que ele é uma
personagem autônoma, comunicativa, que procura resolver por si mesma seu
conflito. Por essa razão, no dia seguinte ao baile, vai à casa de Margarida, conversa
com a irmã da morta e, por fim, a acompanha até o cemitério. Por necessitar da
ajuda de outra personagem, para descobrir a verdade sobre o que vivenciou na noite
anterior, Magnólia é peça fundamental no reconhecimento dos fatos, quando mostra
a Pedro a fotografia de Margarida e quando lhe conta o último dia da vida da irmã,
conduzindo-o até seu túmulo.
Há elementos espácio-temporais que auxiliam na encenação do evento
fantástico, como o horário e o local do baile. A festa acontece num sábado, à noite, e
é por volta da meia-noite que Pedro se depara com Margarida, parada junto à porta
do salão. Sua aparência antiquada é disfarçada pelo aspecto do salão de baile
“enorme e malcuidado (sic)” (GARCIA, 1991, p.9). O fato de ser Pedro um
desconhecido na cidade justificaria seu não reconhecimento da mulher morta, isto é,
um habitante poderia tê-la identificado como a jovem que morrera 40 anos atrás
quando se preparava para ir a um baile. O frio da noite, além de sugerir o arrepio,
próprio do medo, é a desculpa necessária para que o homem ofereça o paletó à
mulher, vestimenta cuja presença junto à lapide da enterrada causaria o horror na
manhã seguinte.
O paletó, aliás, é um elemento-chave que instala o fantástico maravilhoso,
segundo definições de Todorov. O fantástico se dá no momento em que o
90

protagonista hesita acerca da veracidade dos fatos: teria ele vivido um amor irreal?
Estaria Margarida, a mulher com quem dançara e a quem declarara amor eterno,
realmente morta há tempos? Quando a narrativa toma o rumo do sobrenatural, isto
é, quando o ocorrido na noite do baile e a presença insólita do casaco de Pedro na
lápide de Margarida não ganham explicações, fica clara a escolha do autor pelo
maravilhoso.
O retrato mostrado por Magnólia a Pedro, em que ele reconhece a mulher
amada, é um objeto que instaura o fenômeno do tipo informação, mencionado por
Propp10. Tal objeto tem papel fundamental para o nó da intriga, pois é por meio dele
que funções se ligam. Somente a partir desse primeiro reconhecimento, o
protagonista começa a suspeitar da natureza fantástica do que vivera e é graças a
ele que têm sentido as próximas ações. A ida ao cemitério e a visita ao túmulo da
morta visam à confirmação do caráter sobrenatural dos fatos que, de início, o herói
não queria admitir.
Encontra-se, na coletânea folclórica de Antônio Augusto Fagundes (1992)
Mitos e lendas do Rio Grande, uma lenda correspondente ao conto de Edson
Gabriel Garcia, o que revela o aproveitamento de material folclórico na construção
da obra artística. Há vários elementos coincidentes entre “A lenda da Moça que
dançou depois de morta” e “A mais bela noite de Margarida”: as duas personagens
principais são um rapaz e uma moça, o local do evento fantástico é um salão de
baile e o período, o sábado à noite. A moça da lenda é descrita de maneira
semelhante à do conto: muito bonita, sozinha, mas triste. O rapaz, quando a vê,
também por ela se encanta, e, juntos, dançam até a meia-noite. Na hora de levá-la
para casa, ele lhe empresta sua capa, para protegê-la do frio da noite. No dia
seguinte, com a desculpa de reaver a capa, ele vai à procura da moça, com quem
pretende iniciar namoro. Quem atende a porta é um homem maduro, muito triste,
que diz ao rapaz não morar moça alguma ali. O rapaz insiste, e consegue ver, pelo
vão da porta, um retrato da moça com quem dançara. O homem anuncia que a
moça da foto é sua filha, morta há um ano. Como o rapaz fica surpreso, o pai da

10 Segundo Propp, as informações servem para deixar uma personagem a par daquilo que se passa (ou se passou) com outra. Se essas informações são
omitidas, a personagem age ex machina ou é onisciente.
Propp salienta que as funções informação e momento de conexão são fenômenos do tipo informação, mas que constituem uma função independente
devido à importância que têm para o nó da intriga. “A informação pode intercalar-se entre as mais variadas funções” (1994, p.66); ela também pode tomar a
forma de um diálogo. Uma personagem pode tomar conhecimento de alguma coisa através de outra personagem ou também através da visão de algo. Em
caso de objetos muito pequenos ou distantes, esses são trazidos; em casos de seres humanos, conduzidos.
91

moça o leva ao cemitério. Ao chegar lá, encontram, em cima do túmulo da jovem, a


capa tomada emprestada na noite anterior.
Vê-se, portanto, que, na lenda e no conto, as ações principais bem como sua
sequência se assemelham muito, apresentando pequenas variações, como a capa
ao invés do paletó, ou a presença do pai e não da irmã, e há, na lenda, a ausência
de detalhes ou de ações intermediárias, visto seu caráter mais enxuto. Além disso,
na lenda, as personagens não são nomeadas e estão em menor número que no
conto, não havendo a história sobre o dia da morte da moça e a coincidência de que
se dirigia a um baile. Igualmente não existe o acontecimento, como na introdução do
conto, em que o homem é obrigado a ficar em uma cidade desconhecida, devido à
pane no carro. Ao contrário, a localização do evento fantástico é bem especificada
na lenda, pois sucede no Bairro Glória da cidade de Porto Alegre.
A análise do discurso, segundo Genette, do conto artístico em questão revela
aspectos curiosos da estratégia narrativa empregada. Ao observar a voz, nota-se o
tempo ulterior da narração; essa posição clássica da narrativa no passado justificaria
a proposta do conto, de se contar algo já acontecido com alguém, mas ainda
inexplicável. O narrador é classificado, segundo o nível narrativo, como
extradiegético e heterodiegético, segundo sua relação com a história. O narrador dá
a impressão de não existir, pois não se mostra ao longo da narrativa e, embora
saiba sentimentos e pensamentos das personagens, não os invade.
Interessante notar que o narrador, ao longo do texto, vai dando pistas ao leitor
sobre a natureza sobrenatural de Margarida, sem, no entanto, revelar por completo a
verdade. Os sinais vão desde o momento em que Pedro conhece Margarida até o
diálogo revelador que tem com Magnólia:

Uma mulher bonita, sem dúvida, apesar do jeito antigo das roupas, do
sapato de salto alto grosso e do corte dos cabelos. Era tão bonita que
Pedro Sobreira não deu a menor importância para esses detalhes e [...]
puxou uma conversa que continuou pelo resto da noite (GARCIA, 1991,
p.10) [grifo nosso].

Mas, toda vez que [Pedro] tentava apertá-la contra seu peito, não
conseguia sentir-lhe o calor do corpo (GARCIA, 1991, p.11) [grifo nosso].

Pedro Sobreira beliscou-se quando viu Margarida entrar na casa.


Queria certificar-se de que não estava sonhando, pois teve a impressão de
que ela entrara sem abrir a porta. Mas a felicidade era tanta que ele
creditou esse aparente absurdo à euforia de homem recém-apaixonado
(GARCIA, 1991, p.12) [grifo nosso].
92

Pedro Sobreira, felicidade tamanha, nem estranhou o fato de aquela


velhinha [Magnólia] ser a irmã mais nova de Margarida (GARCIA, 1991,
p.13) [grifo nosso].

Em nome da paixão, Pedro despreza as pistas do narrador, razão por que


aumentam sua surpresa e pavor no desfecho; o leitor mais desatento, por sua vez, é
conduzido à mesma atitude e também se surpreende com o trágico final do enlace
amoroso.
O narratário, tal qual o narrador, é indefinível. Pelo fato de não se fazer
menção alguma a ele ao longo do discurso, diz-se estar implícito; além disso, o
narratário segue o modelo do narrador, sendo extradiegético.
No que diz respeito ao modo da narração, é possível verificar que, quanto à
distância, há um predomínio da diegese sobre a mimese. O modo narrativo, no
entanto, não é puro, visto que o discurso da personagem assume, na maioria das
vezes, o modo mais dramático, chamado relatado. Por exemplo:

O mecânico responde-lhe preguiçosamente:


― Hoje não dá.
― Como não? O senhor não trabalha hoje?
― Trabalhar, trabalho. Mas não tenho velas aqui. Nem eu nem
ninguém.o senhor só vai achar velas na cidade de onde veio.
― E não dá pra ir buscar lá?
― Hoje não. [...] (GARCIA, 1991, p.8).

Há um diálogo narrativizado, na passagem: “Entre um gole e outro de uma


deliciosa cerveja gelada, o vendedor ficou sabendo que, à noite, haveria um salão
de festas na cidade” (GARCIA, 1991, p.9), mas os diálogos relatados são os
predominantes.
A perspectiva adotada é a visão por trás, visto que o narrador é onisciente.
Mesmo não sendo perceptível, ele sabe os pensamentos do protagonista, o que se
verifica já no primeiro parágrafo do conto: “Assim, pensou, enquanto um mecânico
procurasse e consertasse o defeito do carro, ele poderia continuar seu trabalho de
vendedor ambulante” (GARCIA, 1991, p.7). Igualmente, os sentimentos são
escrutados: “E foi assim, alegre, meio bêbado, louco e apaixonado, que chegou à
espelunca de dona Mercedes...” (GARCIA, 1991, p.12).
Quanto à focalização, ela é interna nos trechos em que o narrador assume o
ponto de vista do protagonista. Por exemplo, quando se refere ao hotel de dona
Mercedes, o narrador o chama de “espelunca de dona Mercedes” (GARCIA, 1991,
93

p.8); a cerveja, bebida pelo protagonista, é descrita como “uma deliciosa cerveja
gelada” (GARCIA, 1991, p.9). Essas opiniões proferidas pelo narrador soam, de fato,
como do próprio Pedro, que é quem realmente experimenta as sensações ou
situações da narrativa. A passagem “Algum tempo depois, desanimado e muito sem
graça, ele saiu do salão, com um quarto ou quinto copo de conhaque duplo na mão”
(GARCIA, 1991, p.9) [grifo nosso] suscita, no leitor, os seguintes questionamentos,
que encerram a ambiguidade sugerida pela focalização interna: quem não tinha
certeza de quanto Pedro bebera? O homem, que realmente ingerira a bebida, ou o
narrador, que se encarregou de contar o que observara ou ouvira?
Na análise do tempo, no nível micronarrativo, pôde-se localizar uma única
prolepse, isto é, um pequeno adiantamento, da parte do narrador, do que viria
acontecer na noite do baile: “Fora do salão, o destino havia preparado uma surpresa
para ele” (GARCIA, 1991, p.10). Essa prolepse não interfere em nada o andamento
da narrativa, não quebrando sua sequencialidade.
No nível macronarrativo, foi possível identificar uma anacronia, que
desempenha papel fundamental na narrativa: a analepse, que toma forma na
revelação feita por Magnólia a Pedro acerca do dia da morte de Margarida e
constitui-se em uma narrativa de segundo nível, tendo a irmã da morta por
narradora. Seu alcance, isto é, a que tempo dista do presente, são 40 anos antes do
tempo presente da narrativa principal. A amplitude da anacronia é relativamente
curta, durando o tempo do diálogo entre Pedro e Magnólia, em que ela conta ter
morrido a irmã há 40 anos atrás. Um esquema da relação entre o tempo da história
e o tempo do discurso permite visualizar a analepse:

N2 N1

I I 40 anos  I I ■
o dia da morte de Margarida a aventura de Pedro Sobreira no lugarejo

N1 narrativa principal
N2 narrativa secundária
 início da narrativa
■ término da narrativa
I...I analepse

Quadro 3 – Relação entre o tempo da história e o do discurso em “A mais bela noite de Margarida”
94

Ainda quanto ao tempo, embora haja sumários e elipses, verifica-se o


predomínio de cenas, reconhecidas na descrição pormenorizada da noite fantástica
de Pedro e Margarida ou nos diálogos entre ele e o mecânico e entre ele e
Magnólia. Essa variabilidade confere ritmo à narrativa que dura, temporalmente,
cerca de 24 horas.
Embora analisar ilustrações não seja o propósito do estudo que aqui se faz,
julga-se necessário atentar para a única ilustração da narrativa, a seguir exposta, vê-
se uma estrada que atravessa os limites da página e que tem em sua base um
crucifixo, além de margaridas, que fazem fundo a todo o desenho. Mais do que
representarem graficamente elementos da narrativa, tais como a estrada pela qual
Pedro Sobreira chega ao lugarejo e a cruz com que ele se depara quando visita o
túmulo de Margarida, as figuras em destaque simbolizam o destino incerto do
protagonista e seu encontro inesperado com a morte.

Figura 3 – Ilustração da página inicial da narrativa “A mais bela noite de Margarida” (p.6)
95

5.2 “CAIO?”

Angela Lago (2005) é a escritora e ilustradora mineira, autora dos contos de


Sete histórias para sacudir o esqueleto. Esses contos, que ela afirma ter ouvido de
familiares quando criança, têm, em sua maioria, origem folclórica. No final do livro,
em uma espécie de posfácio, em que conversa com o leitor, Lago esclarece que
somente depois de adulta foi saber que aqueles causos não tinham realmente se
passado com alguém da família, conforme seu pai costumava contar. Os contos da
antologia têm em comum o horror sobrenatural com doses de humor. Na capa (ver
Figura 3), nota-se de antemão esse viés, onde figuram sorridentes esqueletos em
posições engraçadas, afastando o leitor da imagem pré-concebida de esqueletos
amedrontadores, alusivos à morte. Também o título da antologia refere a uma
ambiguidade entre terror e humor, visto que a locução “sacudir o esqueleto” pode
ser entendida como expressão de medo ou de diversão.

Figura 4 – Montagem com detalhes ampliados da capa de Sete histórias para sacudir o esqueleto
96

A narrativa de sete páginas que aqui se analisa, intitulada “Caio?”, embora


contenha traços de humor, é representante da categoria desmistificadora, graças a
seu desfecho. Ela inicia com a descrição de um fato curioso: existe, em Bom
Despacho, uma fazenda que, mesmo oferecida por um valor baixo, não é vendida
nunca, pois se acredita que seja mal-assombrada. Um comprador, chamado Caio,
vem da cidade de Luzes, a fim de comprá-la. A conselho do caseiro, ele decide
passar uma noite na fazenda. Quando já está dormindo, uma voz o chama pelo
nome e um osso humano cai em cima dele. A seguir, outro chamado e outro osso
caído. Na medida em que Caio, temeroso, responde à voz, ossos vão caindo. Por
fim, apavorado, ele dá dois tiros para o alto e quem cai do forro é o caseiro, que lá
se escondia, querendo assustar o comprador e evitar, assim, que ele comprasse a
fazenda, onde gostava de vadiar.
Em uma primeira observação das duas únicas personagens da história,
estabelecem-se opostos: de um lado, está Caio, o herói da narrativa, sujeito
medroso, o que demonstra a cada vez que tem que falar com o que pensa ser uma
assombração; do outro lado, está o caseiro, que fica com o papel de espertalhão,
pois vem enganando todos os compradores que, antes de Caio, quiseram adquirir a
fazenda e se aventuraram a passar uma noite lá. Caio, apesar do medo que sente,
procura resolver sozinho seu conflito, enfrentando o que pensa ser uma
assombração. É bem verdade serem os diálogos de Caio com a voz oculta travados
na incerteza e os tiros disparados para o alto mais frutos do susto e do estado de
nervos em que se encontra a personagem do que mostra de valentia.
Vale lembrar que a voz cavernosa, não tem, na verdade, nada de
fantasmagórico, a não ser sua aparência. A percepção de que ela seria proveniente
de um fantasma é reflexo do sentimento e do comportamento expressos pelo herói e
dos elementos espácio-temporais do conto. De início, fica-se sabendo que um
homem vai pernoitar sozinho em uma fazenda com fama de mal-assombrada;
quando Caio escuta vozes terrificantes e enxerga ossos caindo do alto, nada mais
lógico do que associar esses estranhos acontecimentos a uma fonte sobrenatural, o
que Caio faz imediatamente, ao mesmo tempo que o leitor.
Nesse momento, em que há hesitação por parte do protagonista e,
consequentemente, do leitor implícito, identifica-se o fantástico, o qual, todavia, é
desfeito quando se revela a verdadeira origem da voz misteriosa. Esse fenômeno,
97

que mantém a dúvida acerca da naturalidade das coisas e somente ao final define
sua permanência no mundo real, pertence à descrição do fantástico estranho,
identificado por Todorov, no estudo anteriormente mencionado. Apesar de
estabelecer o fantástico, a narrativa de Lago não perde o tom anedótico; exemplos
disso são os diálogos, recheados de dupla significação, e o final cômico, com uma
personagem despencando inesperadamente do forro e desfazendo, assim, a tensão
causada pelo medo do sobrenatural.
Tal tom humorístico não é encontrado em outras versões para a mesma
história. Apenas no corpus desta dissertação, foram encontradas mais três
narrativas em que o protagonista conversa com uma voz fantasmagórica e ossos
caem do teto. As diferenças entre os três textos resumem-se ao número e sexo dos
protagonistas. Em comum têm o tipo da residência assombrada, uma casa, ao invés
da fazenda de Lago, e a premiação, por meio de tesouros, conferida somente
àqueles que conseguem enfrentar o medo diante do fantasma e aguentar ver caírem
todas as partes do seu corpo.
A mais antiga das variantes, publicada em 1896, é “A casa mal-assombrada”,
de Figueiredo Pimentel. Nela, duas mulheres muito pobres acabam indo morar em
uma casa mal-assombrada, por não terem mais onde ficar. À noite, ao ouvir uma
voz, anunciando que irá cair, a mais jovem responde “― Pois caia, com Deus e
Virgem Maria!” (PIMENTEL, 1896, p.85). O caráter religioso da resposta da heroína,
ausente no conto de Lago, se repete na fala do fantasma, que dá explicações acerca
de sua atual condição e insere, assim uma história intercalada:

― Eu sou uma alma penada, que ando sofrendo por causa deste
dinheiro. Quando era vivo, roubei-o de uma pobre viúva, desgraçando-a,
bem como aos órfãos, seus filhos. Deste dinheiro, a metade é para você e
sua mãe, e a outra metade é para distribuir com os pobres, e mandar dizer
cem missas por minha alma (PIMENTEL, 1896, p.85).

Como se pode ver, a existência da alma penada deve-se a um erro cometido


por ela ainda em vida que não lhe permitiu transcender. Seu estado, portanto,
consiste em uma punição, ou seja, uma espécie de remissão de pecados, que é
aliviada pelo comportamento corajoso da heroína. Esse comportamento é
recompensado, pois o fantasma mostra à jovem o lugar onde enterrara grande
quantidade de dinheiro, cujo novo destino garantirá à alma penada a redenção e
descanso eterno.
98

Na narrativa A noite assombrada, de Sonia Junqueira, de 1994, também se


faz presente essa ideia de a alma penada estar pagando por algo errado cometido
em vida. Na fala do fantasma, formado a partir das partes do corpo que caíram
gradativamente do teto, encontra-se a explicação de seu martírio, que configura,
mais uma vez, uma história intercalada:

― Há mais de cinquenta anos eu vivia aqui, nesta mesma casa. Eu


era o dono dela e de muitas terras em volta. Tinha muitos empregados, e
cada dia que passava ficava mais rico. E, quanto mais rico eu ficava, mais
pão-duro e cruel eu também ficava. [...] Um dia morri [...]. E fui condenado a
me transformar em ala penada e a ficar vagando sem descanso,
assombrando quem por aqui passasse (JUNQUEIRA, 1994, p.22).

Quanto às personagens e à ambientação da história, o conto de Junqueira


assemelha-se ao de Pimentel; porém, aquele é mais extenso e nele se ressalta a
coragem da moça, que precisa superar seu pavor intenso para responder à voz
fantasmagórica: ela leva três noites para terminar o diálogo com a assombração,
visto que na primeira e na segunda noite, desmaia ao ver caírem partes do corpo,
antes de corpo do homem se completar. A triplicação aqui presente é um fenômeno
típico de contos populares11.
No capítulo de título “A porca, ora, a porca”, parte do livro Histórias mal-
assombradas em volta do fogão de lenha, de Adriano Messias, publicado em 2004,
a história da assombração que quer cair está inserida em um uma narrativa maior.
Conta-se, dessa vez, que um homem, com fama de corajoso é quem resolve
voluntariamente pernoitar na casa mal-assombrada para dar mostras de sua
valentia. O diálogo com o fantasma ou a visão de suas partes caindo não causam
medo algum ao homem, que é recompensado com uma quantia de dinheiro. A alma,
por sua vez, depois disso, fica desobrigada de assombrar. O desfecho pode ser
conferido na passagem a seguir:

Quando caiu a cabeça, a assombração em pedaços juntou-se como


peças de um quebra-cabeça e falou:
― Eu fui muito rico e egoísta, e guardei todo o meu dinheiro no
buraco de um desses portais em carnaúba.
E revelando isso, [...] a casa se desencantou (MESSIAS, 2004, p.26-

11 De acordo com Propp, elementos que favorecem a triplicação são comuns em contos populares, como detalhes particulares de caráter atributivo (por
exemplo, um dragão de três cabeças), ou funções isoladas e pares de funções (como perseguição-salvamento), grupos de funções ou sequências inteiras.
Além disso, a repetição “pode ser uniforme (por exemplo, três tarefas, três anos de serviço), ou produzir uma intensificação (a terceira tarefa pode ser a mais
difícil, o terceiro combate o mais terrível), ou apresentar por duas vezes um resultado negativo, e na terceira vez um positivo” (PROPP, 1994, p.67).
99

27).

Nas três variantes da narrativa não são poucas as diferenças. Embora


tenham o mesmo mito como base, todas elas diferem de “Caio?”, de Angela Lago,
por tratarem de fato da assombração e não de sua substituição por um elemento da
realidade. Essa repetição revela a natureza folclórica desse caso de assombração e
constitui-se talvez em um elemento motivador para a autora mineira mudar
drasticamente o já conhecido desfecho em seu conto: enquanto todos os leitores, ou
melhor, os conhecedores da antiga história, esperavam que, ao final, se formasse o
corpo de um fantasma e se desencantasse a fazenda, o homem dá tiros para o alto
e cai do forro o caseiro, personagem presente apenas na introdução.
Também o fato de Lago atribuir nome próprio ao seu protagonista contribui
para a modalidade artística, distanciando essa variante da folclórica. A ambientação
da narrativa em uma fazenda determina, de antemão, a localização dos
acontecimentos em algum lugar da América. O papel do autor, nesse caso, é
fundamental, pois ele é quem determina e denomina o tempo, o espaço e as
personagens da ação. A narrativa folclórica, por seu turno, apresenta, na maior parte
das vezes, certa indeterminação quanto a esses aspectos.
A análise do discurso da narrativa de Lago estabelece, quanto à voz, o tempo
de narração ulterior e revela um narrador, cuja presença não é imediatamente
percebida. Porém, verificam-se, em seu discurso, alguns traços de coloquialidade ou
oralidade, como o uso das expressões “gozando” (LAGO, 2002, p.10), “teve um
treco” (LAGO, 2002, p.11) e “matutava” (LAGO, 2002, p.10), o emprego do artigo
definido antes do nome de Caio ou a escolha por orações curtas. Sendo o narrador
extradiegético, quanto ao nível narrativo, e heterodiegético, em relação com a
história, ele sabe o que Caio pensa e sente, conforme se pode provar no trecho: “O
homem gelou. Mas não adiantava correr, a assombração sabia até o seu nome.
Melhor era continuar deitado e se cobrir todinho” (LAGO, 2002, p.9). Apesar de
onisciente, o narrador não invade os pensamentos e sentimentos do herói, nem
tampouco dá sua opinião sobre qualquer coisa. O narratário, igualmente, está
implícito e é extradiegético; nenhuma menção é feita a ele ao longo da narrativa.
No que se refere ao modo, é possível dizer que, embora haja um leve
predomínio da diegese, os diálogos ocorrem entre a queda de um e outro osso e são
parte fundamental do conto, pois estabelecem o contato entre o protagonista e a
100

assombração, gerando a tensão dramática cuja finalidade é provocar o temor e


demonstrando, inclusive, o impasse de Caio pelo duplo sentido: a pergunta feita pelo
fantasma-caseiro é “Caio?” no sentido de “posso cair?”, o comprador se sente em
situação de dúvida, por nunca saber se, com sua resposta, a assombração entende
“Sim, pode cair” ou “Sim, sou eu o Caio”. As reações de Caio, entremeadas pelo
diálogo, se pinceladas, demonstram claramente a situação de medo do protagonista
e o encaminhamento para o clímax. Eis sua sequência: Caio acorda com o som de
uma voz cavernosa, gagueja, gela, continua deitado e se cobre, murmura, matuta,
acha que a assombração está gozando a cara dele, tem um treco, chora nervoso e,
finalmente, dá dois tiros para o alto. O discurso da personagem, pelo que se pode
perceber, é sempre relatado.
A perspectiva pela qual o leitor implícito recebe a narrativa é a visão por trás.
Embora não revele ao longo da narrativa mais do que a personagem sabe, é na
última frase que o narrador mostra saber do que se tratava o caso da suposta
assombração: “E para sua surpresa, quem despencou do teto foi o caseiro, que não
queria dono novo na fazenda onde ele gostava de vadiar” (LAGO, 2002, p.12). O
narrador sonega o conhecimento do leitor, para que, o sentimento de dúvida, isto é,
o fantástico, se mantenha até o final da narrativa e essa possa apresentar um
desfecho surpreendente.
A maior parte da narrativa apresenta focalização externa, é interna, porém,
nos trechos em que narrador assume os pensamentos de Caio, como: “E se a
assombração não soubesse o nome dele coisa nenhuma e estivesse só
perguntando se podia cair?” (LAGO, 2002, p.9) ou “E Caio matutava. Será que a
assombração estava pensando que “Sim” queria dizer “Sim, pode cair”? ou “Sim,
sou eu, o Caio”? (LAGO, 2002, p.10).
O tratamento dispensado ao tempo, em nível macronarrativo, não apresenta
anacronias, o que acarreta a sequencialidade cronológica entre o tempo da história
e o tempo do discurso, outro índice de oralidade. O ritmo é definido pela variação
entre as cenas e as elipses. Nas cenas, concentra-se toda a tensão dramática do
conto. A elipse é estabelecida quando se resumem (sumário), nas sequências
iniciais, as tentativas dos primeiros candidatos em comprar a fazenda e quando é
narrada, de maneira rápida, condensada, a noite passada na casa mal-assombrada.
Estas sequências são ampliadas pela inserção de cenas com o relato dos diálogos.
101

Ocorre aí a substituição do discurso narrativo pelo discurso dramático, conferindo


maior tensão à narrativa e, consequentemente, causando maior impacto no leitor.

5.3 O PEQUENO FANTASMA

Em O pequeno fantasma, do paulista Pedro Bandeira (1998), está bem


representada a categoria anuladora, como se verá adiante. Nesse livro, de 48
páginas, narram-se as desventuras de Psiu, um lençol, que, depois de ser rejeitado
em uma fábrica pela dona por conter defeitos, vira fantasma. Tal seria, segundo a
explicação inicial fornecida pelo narrador, a origem de todos os fantasmas. O
protagonista, Psiu, descobre, portanto, que, assim como ele, existem outros lençóis
rejeitados, que, tendo virado fantasmas, assombram castelos, mansões e casas
velhas. Depois de pegar no sono e acordar sozinho na fábrica de lençóis, Psiu parte
para a cidade com a intenção de assustar pessoas, no entanto, é atropelado por
uma bicicleta, arrastado por um caminhão de maçãs e atingido por um “cocozinho de
pomba”. Psiu então pousa triste, rasgado e sujo em uma praça. Quando chega a
noite, chora e acaba adormecendo. Na manhã seguinte, o fantasma é recolhido por
uma moça com um bebê no colo, que o leva para casa, onde o lava e o costura.
Psiu, ainda sem saber o que está acontecendo, é estendido em um varal, para
secar, e adormece de novo. Ao acordar, está em uma cama, cobrindo um lindo
bebê. Ao final da história de Psiu, o narrador incita o leitor a lembrar de sua infância,
perguntando se também ele nunca teve um lençol com que gostasse de dormir.
Resumidas as ações da narrativa, é necessário, em primeiro lugar, atentar
para a humanização da personagem principal, Psiu, o fantasma. Tal qual um ser
humano, Psiu vive fases decisivas: depois de nascer, precisa sair mundo afora e
procurar emprego. Sua expectativa de trabalho, porém, é uma só, própria da sua
natureza: assustar pessoas. Essa aproximação entre um ser sobrenatural e um ser
humano não causa estranhamento algum às demais personagens, sendo aceita com
naturalidade desde o começo da narrativa, também pelo narrador. Estabelece-se,
portanto, no conto de Pedro Bandeira, o maravilhoso referido por Todorov, pela
102

existência de um sobrenatural aceito de antemão por todos e ao qual não são dadas
explicações.
Já que Psiu é apresentado com características próprias às de um ser
humano, também sob esse viés ele pode ser analisado. Psiu demonstra
acomodação diante de sua condição de fantasma; ele não a questiona, nem tenta
modificá-la, razão por que parte da fábrica de lençóis, à noite, com intenção de
assustar pessoas e, assim, “começar sua carreira de fantasma” (BANDEIRA, 1998,
p.16). Sua nova condição de fantasma exerce grande domínio sobre ele, indicando-
lhe o que e como deve ser. O trecho em que diz “Se sou um fantasma, se nasci para
assustar os outros, tenho de ser corajoso!” (BANDEIRA, 1998, p.16), revela a falta
de questionamento de Psiu acerca da própria existência, bem como a plena
aceitação de sua natureza.
Além disso, é clara a intenção de fazer o leitor pensar que Psiu é um bom
fantasma, de temperamento amigável. Já na ilustração da capa do livro, que pode
ser conferida abaixo (Figura 6), é sugerido um protagonista bondoso, simpático –
impressões denotadas a partir do sorriso e do aceno de mão de Psiu, contrárias ao
esperado de um fantasma.

Figura 5 – Detalhe da capa do livro O pequeno fantasma

No entanto, não é possível dizer que Psiu realmente é bondoso ou que não
tem talento para assombrar pessoas, pois nem sequer chega perto disso. O que
acontece com ele antes de encontrar seu feliz destino, é sofrer uma série de
fracassos e humilhações ao ingressar num ambiente novo, o da cidade. Logo, o final
que o aguarda, ser o lençol de um bebê, constitui-se, para ele, em um alívio para os
103

sofrimentos do dia, mas não necessariamente na concretização do destino por ele


almejado.
Psiu é, portanto, apresentado como um herói ingênuo e passivo, embora
haja tentativas por parte do narrador de ganhar para o fantasma a simpatia e até a
comiseração dos leitores, como se verá mais adiante, na análise do discurso da
narrativa. Se comparado a Pluft, personagem de Maria Clara Machado, que é
naturalmente reflexiva e boa e vence o medo de gente ao entrar em contato com a
menina Maribel, Psiu perde em carisma e em capacidade de superação.
Mesmo carecendo de posicionamento crítico acerca de sua existência, Psiu
demonstra certa iniciativa, quando busca resolver seu conflito, qual seja, o de iniciar
a carreira de fantasma, e, para tanto, sai em busca de trabalho. Mas, ao fim do dia,
depois de muitos insucessos, dá sinais de fraqueza, como o choro, o cansaço e
acaba adormecendo em uma praça. Quem dá um objetivo à sua vida, na verdade, é
uma outra personagem, a moça, que o recolhe e faz dele um lençol para a filha.
Psiu, portanto, não resolve sozinho seu conflito. Ele precisa da ajuda moça que, ao
recolhê-lo e restabelecer sua condição inicial de simples lençol, exerce a função de
personagem auxiliar, classificada por Propp12.
A natureza de Psiu, ao que se pode perceber, é, na verdade, de lençol. Por
conter defeitos, vira fantasma; restaurada sua condição inicial, volta a ser fantasma.
Cabe salientar que ele não reside nele a responsabilidade por transformar-se em
fantasma, ao contrário de outras assombrações já vistas, que carregam, durante a
eternidade, a culpa por medidas ou atitudes adotadas por elas quando vivas. Psiu,
pelo fato de não ter merecido o castigo de transformar-se em fantasma, é
recompensado ao final da narrativa, voltando a ser o que era. Há, portanto, uma
moral implícita no conto de Bandeira que conduz ao seguinte questionamento: o que
faz um fantasma ser fantasma? Sua aparência ou as ações que pratica?
Embora não se apresentem explicitamente as características da moça, é
possível, por meio de suas ações, depreender seu caráter decidido e de atitudes
objetivas: ela recolhe o lençol, costura-o, lava-o, coloca-o a secar e por fim, estende-

12 As personagens auxiliares são ainda divididas por Propp em três categorias: a dos auxiliares universais, “capazes de cumprir as cinco funções do
auxiliar” (1994, p.76) – apenas o cavalo teria essa função –, a dos auxiliares parciais, aptos a desempenhar certas funções, mas não as cinco do auxiliar –
é o caso de alguns animais, espíritos ou personagens – e a dos auxiliares específicos, que cumprem somente uma função; segundo o estudioso, apenas
objetos podem desempenhar esse papel. Observa ele ainda que frequentemente o herói não necessita de um auxiliar. Em alguns casos, o herói apresenta
um atributo do auxiliar, como, por exemplo, o poder de adivinhação. Também pode o auxiliar exercer uma função específica do herói, ocupando assim seu
lugar.
104

o na cama da filha, ainda bebê. Ela, portanto, é quem tem o poder de transformação:
faz Psiu, de fantasma, voltar a ser um simples lençol. A dona da fábrica, por sua vez,
é outra personagem que tem o poder de transformação: ao dobrar o lençol com
defeito e colocá-lo na pilha dos lençóis descartados, no início da narrativa muda o
destino de Psiu.
O bebê, que é a única personagem criança na história, tem, ao contrário das
mulheres adultas citadas, papel passivo, embora não se possa negar que a nova
vida adotada por Psiu ao seu lado passe a ser sinônimo de felicidade para ambos.
Se observadas as ilustrações, vê-se o bebê como uma criatura amável, sorridente,
sendo, segundo o narrador, “o mais lindo dos bebês” (BANDEIRA, 1998, p.40). A
harmonia da futura relação entre o fantasma e o bebê, bem como o desejo do autor
de fazer o leitor render-se à bondade e à meiguice de Psiu, podem ser conferidos na
Figura 6, a seguir, que ilustra o final do conto:

Figura 6 – Ilustração de O pequeno fantasma (p. 48)

O conto de Bandeira propõe, desde sua concepção, o maravilhoso de


Todorov, sem a presença do fantástico, visto serem as transformações do lençol em
fantasma e vice-versa fenômenos naturalmente apresentados e não questionados
pelo narrador.
105

A observação dos elementos espácio-temporais mostra uma variação das


ações entre o dia e a noite, o que não qualifica especialmente nenhum dos períodos:
Psiu é fabricado durante o dia, mas dorme e acorda de madrugada, quando todos os
outros fantasmas já saíram para trabalhar. Durante o dia, sofre uma série de
intempéries e dorme novamente durante a noite. Ele é descoberto pela moça de
manhã cedo, na praça, no dia seguinte. A cidade, ou melhor, as ruas da cidade, para
onde o herói ruma, procurando trabalho, representa o mundo desconhecido,
selvagem, que o acolhe com brutalidade. Sua partida da fábrica de lençóis
assemelha-se ao afastamento do herói, uma das funções propostas por Propp no
estudo aqui mencionado.
A análise dos elementos do discurso da narrativa vem reforçar muito do que
já se disse e acrescentar novas perspectivas à análise. Quando se observa a voz, é
possível detectar, em primeiro lugar, que a narrativa possui três partes: na primeira,
em que se explica de onde vêm os fantasmas, o tempo de narração empregado é
simultâneo; na segunda parte, que conta especificamente a história de Psiu, o tempo
de narração é ulterior, bem como na terceira parte, em que o narrador procura ativar
a memória do narratário, questionando se também ele nunca teve um lençol de
estimação.
Nas três partes identificadas, é utilizado um narrador extradiegético quanto ao
nível narrativo e heterodiegético em sua relação com a história. O narrador não é
facilmente perceptível; não usa o “eu” e não se intromete de forma marcante na
narrativa, porém sabe o que o protagonista sente e pensa. Sua presença parece
mais evidenciada no trecho inicial da narrativa, em que ele faz uma espécie de
preâmbulo, explicando a origem dos fantasmas. Nesse trecho, podemos perceber
sua voz, que procura interagir com o narratário, questionando: “Você sabe onde
nascem os fantasmas? Não?! Pois é muito fácil saber.” (BANDEIRA, 1998, p.2) ou
“Então ficou muito fácil descobrir onde nascem os fantasmas, não é?!” (BANDEIRA,
1998, p.6). Mais adiante, o narrador estabelece claramente o início da narrativa de
Psiu. É aí que se tem a história do fantasma propriamente dita, em que ele utiliza a
mesma estratégia de diálogo, revelando sua presença, como nas passagens: “Psiu
ficou tristinho, pois ninguém gosta de ser rejeitado, não é?” e (BANDEIRA, 1998,
p.11) “E o Psiu? Coitado, ficou sozinho!” (BANDEIRA, 1998, p.13). Essas perguntas
instauram mais uma vez o diálogo com o narratário; na verdade, é como se o
106

narrador fosse capaz de saber o questionamento do narratário, preocupado com o


destino do fantasma.
O trecho “Mas as cidades... Ah, as cidades! Não são mais como nos tempos
antigos quando as pessoas andavam de carruagem que nem a Branca de Neve e a
Cinderela” (BANDEIRA, 1998, p.19) revela a nostalgia do narrador pelos contos de
fada e talvez até a pretensão de ser um narrador comparável aos dos contos.
O narratário, apesar de ser explícito, não é facilmente delineado. Ele é
apenas um “você” não definido, possivelmente o pressuposto leitor; é mencionado
em uma frase inicial do texto e em uma final e subentendido em perguntas feitas
pelo narrador, como as anteriormente mencionadas. No entanto, no final da
narrativa, fazendo as perguntas para o narratário, explicita-se mais uma vez o
narratário e sua pressuposta condição para o narrador, qual seja, a de uma criança
um pouco mais crescida, que já tenha abandonado hábitos infantis, como o de ter
um lençol de estimação. É o que se pode ler nas passagens: “Lembra do lençol que
você tinha quando era pequeno? Lembra como era gostoso adormecer pegando
uma pontinha de seu fantasminha e esfregando no nariz” (BANDEIRA, 1998, p.44) e
“Pois é! Você também já teve o seu Psiu” (BANDEIRA, 1998, p.47).
Logo, entende-se que o narratário não deve ser pequeno e não deve ter um
apego especial ao seu lençol. Essa questão, se analisada profundamente, revela
certa contradição na concepção de narratário exposta pelo narrador, pois ao passo
que o final da narrativa sugere uma criança mais crescida, um adolescente, ou
talvez até um adulto, o restante da narrativa é claramente dirigida a uma criança
pequena, pela linguagem utilizada e pelo forte apelo à fantasia.
O narratário se mostra também por meio das frases imperativas do narrador,
que apelam para a contemplação do leitor para o que está ilustrado, nos trechos:
“Olha aí o coitadinho do Psiu pendurado no varal!” (BANDEIRA, 1998, p.36) e “Olha
aí o Psiu todo feliz com sua nova amiguinha” (BANDEIRA, 1998, p.42). O narratário,
cabe dizer, é extradiegético; sua classificação é igual à do narrador, conforme
apontado por Genette. Sem dúvida, ele encontra-se fora da narrativa, não tomando
parte nas ações que se desenvolvem.
O modo do discurso revela o predomínio da narrativa pura, ou seja, da
diegese. As poucas vezes em que as personagens ganham voz são feitas por meio
do discurso relatado. Uma única fala de Psiu vem entre aspas:
107

Tinha de sair pelo mundo e arranjar um jeito de começar sua carreira


de fantasma.
„Se sou um fantasma, se nasci para assustar os outros, tenho de ser
corajoso!‟
Foi pensar isso e sair (BANDEIRA, 1998, p.16).

A fala da mulher que o recolhe é registrada com travessão: “― Nossa, que


sorte! Veja o que eu achei!” (BANDEIRA, 1998, p.32).
A perspectiva adotada pelo narrador é a visão por trás, por isso, o narrador
detém saberes exclusivos, como a origem do protagonista e de fantasmas em geral,
e o conhecimento de que muitas crianças, incluindo, possivelmente, o leitor implícito,
já tiveram seu lençol de estimação na infância.
A focalização é interna especificamente quando o narrador acompanha o
ponto de vista do herói, o que pode ser percebido nas indagações que faz, em sua
voz, mas que são próprias de Psiu e de sua condição: “Para onde é que Psiu iria?
Onde ficavam os parques de diversão? Qual era o endereço do castelo mal-
assombrado mais próximo? E ele, que nem sabia direito o que era um castelo?”
(BANDEIRA, 1998, p.14). Note-se que essas perguntas, que deveriam pertencer a
Psiu, são do narrador. Mais adiante, lê-se: “Que sensação era aquela? O que estaria
acontecendo com o fantasminha?” (BANDEIRA, 1998, p.39). Outra exclamação que
deveria pertencer a Psiu: “Ah, quando Psiu descobriu, que felicidade! [...] Que
maravilha! Que vida gostosa ele tinha arranjado!” (BANDEIRA, 1998, p.40).
A empatia sentida pelo narrador por Psiu, de tão enfatizada que é, e, dados
os termos que a expressam, como “pobre”, “coitado”, etc., atinge o nível de pena.
Seguem trechos que comprovam a pena que o narrador sente do fantasma; esse
sentimento, tal qual a simpatia e bondade anteriormente referidas, também quer ser
passado ao leitor:

[...] veio um caminhão cheio de maçãs e arrastou o pobrezinho


enganchado no para-choque! (BANDEIRA, 1998, p.20).

Coitado do Psiu! (BANDEIRA, 1998, p.26).

Olha aí o coitadinho do Psiu pendurado no varal! (BANDEIRA, 1998,


p.36).

Pensa-se que a ilustração da p.26, que pode ser visualizada abaixo, na Figura
7, tenha o efeito de coroar esse sentimento de pena, sugerido pelo narrador, pois
nela encontra-se o fantasma sozinho, à noite, em um praça, sujo e esfarrapado;
108

grafado com letras enormes, acima dele, seu condoído choro, depois do dia passado
em busca de trabalho. A cena, composta pelo ilustrador da obra, Carlos Edgard
Herrero, condiz com a ideologia da narrativa.

Figura 7 – Ilustração de O pequeno fantasma (p.29)

É interessante notar a grande ocorrência de diminutivos do tipo inho/inha,


acrescidos a substantivos ao longo da narrativa, que chegam à quantidade de 26 e
que se referem, em sua maioria, ao protagonista:

Antes que o pobre Psiu pudesse acordar direito e fugir, a moça


abaixou-se, enrolou o lençolzinho e foi embora com o Psiu debaixo do
braço (BANDEIRA, 1998, p.32).

Depois, ela enfiou o pobrezinho numa tina cheia d‟água (BANDEIRA,


1998, p.35).
109

Os diminutivos não só causam dó, mas pretendem aproximar o discurso do


leitor implícito e acabam, assim, imbecilizando13 a literatura e, de certa forma,
constituindo uma ofensa ao desenvolvimento intelectual das crianças leitoras.
No nível macronarrativo, o tempo da narrativa principal transcorre sem
anacronias. No entanto, no início da narrativa, há uma espécie de preâmbulo, não
bem localizado no tempo, que se parece com um presente eterno; sua instância
narrativa é simultânea, isto é, está no presente. No final da narrativa, há um convite
a retornar ao passado, isto é, à memória do leitor. Apesar da existência desses dois
movimentos, nem um deles faz parte da narrativa principal, isto é, a do pequeno
fantasma Psiu e nela não interferem; são duas narrativas à parte da narrativa
principal que a complementam. A tentativa de traçar a relação entre o tempo da
história e o tempo do discurso resultou no esquema a seguir, que apresenta duas
histórias temporalmente simultâneas:

N2a N1 N2b
 a ■  ■  ■
explicação sobre a origem dos fantasmas história de Psiu menção ao passado do narratário

N1 narrativa principal
N2 narrativa secundária
 início da narrativa
■ término da narrativa

Quadro 4 – Relação entre o tempo da história e o do discurso em O pequeno fantasma

Ainda no que diz respeito ao tempo, verifica-se o predomínio de sumários,


que resumem ações na narrativa. As cenas, porém, são os trechos mais marcantes,
como o que trata das desventuras sofridas por Psiu quando vai à cidade em busca
de emprego.

13 O termo imbecilizar aplicado à literatura infantil é utilizado por Maria da Glória Bordini, quando se refere a um problema muito comum surgido nas
adaptações de obras de adultos para jovens e crianças, que consiste em abusar de “fórmulas verbais com diminutivos e adjetivações profusas e construções
frasais canhestras” (1986, p.7), no intuito de aproximar a linguagem do seu de seu novo leitor implícito.
110

5.4 “MÃO DE CABELO”

O livro Bicho-papão para gente pequena, bicho papão para gente grande, da
carioca Sônia Travassos (2007) é, dentre os comentados neste capítulo, o mais
inovador no que diz respeito à forma. Embora o modo narrativo seja predominante
nos textos que o compõem, neles não se narra exatamente uma história; os 16
textos constituem uma espécie de glossário sobre bichos-papões, divido em duas
partes, com explicações prévias das respectivas narradoras. Na primeira parte, a
narradora, mãe da menina que é narradora na segunda, apresenta monstros e
outras assombrações conhecidas da cultura popular brasileira, como a Cabra-
cabriola, o Papa-Figo, o Mão de Cabelo, o Homem do Saco, o Quibungo; na
segunda parte do livro, a filha assume a narração e expõe sua coleção de bichos-
papões, inventados por ela mesma, com intenção de assustar a mãe ou outros
adultos, daí constarem as figuras fictícias denominadas Xicama, Mão de Sopa, Nó
de Escova, Senhor da Meia-Noite, entre outras.
A descrição que aqui se pretende analisar é a do “Mão de Cabelo”, ocupada
por uma única página, além da página em que predomina a ilustração, e
representante da categoria corruptora. Segundo a narradora, Mão de Cabelo é um
fantasma alto, vestido de lençol branco, que tem cabelos compridos e até as mãos
feitas de cabelo. Durante as madrugadas, ele ronda os quartos das crianças,
passando suas mãos de cabelo pelas camas. A criança que tiver a cama molhada
será punida com pesadelos horríveis durante a noite. A dica dada pela narradora
para espantar essa assombração é chamar o Barbeiro Tesourão, personagem
imaginária, única capaz de cortar as melenas do fantasma.
Como se pode ver, não há um conflito a ser resolvido por uma determinada
personagem pertencente à história. O conflito que se instaura, ou seja, o medo de
encontrar o terrível fantasma, é dirigido ao narratário e, consequentemente, lançado
para o circuito externo da comunicação literária, no nível do leitor implícito; é o
pequeno ouvinte ou leitor quem deve sentir o medo do fantasma e tomar cuidado
para não molhar a cama durante a noite. O que a autora pretende é provocar temor
no leitor pela própria narrativa, feita tão somente da descrição de características e
ações desse fantasma. Essa estratégia discursiva remete às narrativas exemplares,
111

características da literatura oral, mas sem o apelo à moralidade e sim a uma


finalidade prática: formação de hábitos de higiene ou outros.
Vê-se, de imediato, que a proposta inovadora existente nesta narrativa da
categoria corruptora não abrange somente o conteúdo, mas também a estrutura do
texto, dado que são apresentadas duas narrativas, uma inserida dentro da outra,
com propostas diferentes: uma quer contar o que sabe sobre determinada
assombração e outra vai além da descrição, oferecendo à criança leitora ou ouvinte
soluções para acabar com o fantasma.
A única personagem a que se faz referência, além das crianças sondadas,
rapidamente mencionadas, é o próprio Mão de Cabelo. Compõem sua descrição,
elementos típicos de um fantasma: a estatura alta, conforme os fantasmas Não-se-
pode ou Cresce-míngua, referidos por Cascudo (2002) e o traje representado por um
lençol branco. Ao contrário de outras assombrações, apresentadas neste Capítulo, a
natureza fantasmagórica de Mão de Cabelo não se dá em virtude de alguma falta
cometida por ele em vida; não se sabe, aliás, a motivação14 que leva a personagem
a vasculhar camas de crianças. Mas um elemento da caracterização do fantasma é
fundamental para a função investigativa: os cabelos pelo corpo todo, que se molham
com o toque em camas urinadas.
Algumas funções de Propp que podem ser reconhecidas nesta história são a
proibição, a transgressão, o dano, o início da reação, a possível reação e o provável
combate. No entanto, nenhuma dessas funções realmente ocorre no texto, isto é,
elas ficam subentendidas quando se narram as propriedades de Mão de Cabelo,
sendo representadas da seguinte maneira: a mãe proíbe a criança de urinar na
cama, ela o faz, involuntariamente, razão por que aparece a assombração, trazendo
pesadelos. A criança soluciona a questão, chamando pelo Barbeiro Tesourão, que
provavelmente inicia um combate com Mão de Cabelo e o espanta. O ato de chamar
por outra personagem, capaz de salvá-la, transforma a criança na verdadeira
heroína da história. O tal barbeiro, por sua vez, consistiria em uma espécie de
auxiliar, segundo classificação de Propp.
Seguindo a análise do texto, é possível notar uma sequência clara e ordenada
que pretende dar conta de todos os aspectos da descrição de uma assombração:

14 A motivação, explica Propp, é a razão e/ou o objetivo que leva a personagem a realizar determinada(s) ação(ões); é um dos elementos mais instável e
versátil do conto maravilhoso. Ações semelhantes ou idênticas podem corresponder a motivações diversas. Alerta o estudioso: “o sentimento de carência,
frequentemente, não recebe nenhuma motivação” (1994, p.71).
112

sua aparência, seu nome, o momento, o local e a finalidade com que aparece e a
punição reservada ao indivíduo que diante dela se deparar, tendo cometido uma
falta (isto é, ter urinado na cama). Ao final, o leitor se depara com uma surpresa: a
possibilidade de vencer a assombração; assim, é oferecida ao leitor uma espécie de
solução para o conflito que vive, embora ela seja dada por um agente externo.
Encontra-se no Dicionário do Folclore Brasileiro, de Cascudo (2002), um
verbete correspondente ao mesmo fantasma descrito por Travassos:

Mão de Cabelo. Entidade fantástica, de forma humana e esguia,


tendo as mãos constituídas de feixes de cabelos. Anda envolta em
roupagem branca. É o espantalho das crianças no sul de Minas Gerais. Aos
meninos que costumam urinar na cama é muito empregada esta frase
caipira: “Oia, si neném mijá na cama, Mão-de-Cabelo vem te pegá e cortá
minhoquinha di neném” (CASCUDO, 2002, p.358).

Naturalmente predomina a descrição no Dicionário, tal qual o estilo proposto


no texto extraído de Bichos-papões para gente pequena, bichos-papões para gente
grande, o que aproxima as duas variantes e reforça a proposta do livro, de ser
construído na forma de uma espécie de glossário.
Além disso, é notável a semelhança física entre as personagens do Dicionário
e do livro infantil. No entanto, Cascudo aproxima sua aparência à de um
“espantalho” e não o caracteriza verbalmente como “fantasma”. A assombração
possui ainda uma qualidade que é subtraída na história infantil: diz-se que Mão de
Cabelo costuma cortar o pênis dos meninos que urinam na cama. Pelo que se pode
de imediato perceber, esse hábito da assombração é excluído no livro, ou por tratar-
se de um elemento folclórico desconhecido à autora ou pela evidente censura
destinada ao assunto castração em produtos culturais voltados a crianças.
Não há muitos elementos espácio-temporais a serem apontados na narrativa
em questão, visto tratar-se mais de uma descrição, em que se mencionam apenas a
madrugada e as casas, ou melhor, as camas das crianças como esfera de ação do
fantasma. Tais elementos caracterizam Mão de Cabelo, desde já, como uma
assombração exclusiva das crianças; adultos não devem temê-la, pois ela procura
preferencialmente as camas infantis. Além disso, contribui para o efeito terrificante
desse fantasma, o fato de ele agir no interior das moradias. Dessa maneira, invade a
privacidade de suas vítimas e acaba com a sensação de segurança proporcionada
pelo espaço doméstico e, em especial, pelo quarto. Diferentemente de outras
113

assombrações, que para não encontrá-las, basta não sair à rua tarde da noite, é
difícil prevenir-se do ataque do Mão de Cabelo. A única solução seria, portanto,
manter a cama seca durante a noite.
A presença, ao final da narrativa, da nova personagem, o Barbeiro Tesourão
constitui-se, sem dúvida, em um mecanismo capaz de abrandar o medo do leitor,
causado pelos terríveis atos do Mão de Cabelo. O nome da personagem fictícia,
exagerado pelo aumentativo (para estar de acordo com a estatura do fantasma) bem
como o detalhe, no canto esquerdo da ilustração na página 12, que mostra uma
tesoura e a palavra “recorte”, (um convite para o leitor recortar o medonho fantasma
e sua cabeleira), conferem um tom humorístico à narrativa.

Figura 8 – Ilustração da narrativa “Mão de Cabelo” (p.12 e 13)

A corrupção se dá, nesta categoria, justamente por ela unir aspectos


aparentemente contraditórios, como a afirmação do mito do fantasma e a instalação
do medo para, depois, dele debochar e provocar o riso.
Em relação às categorias propostas por Todorov, é possível classificar a
narrativa de Travassos como maravilhosa, dado que em nenhum momento há
hesitação por parte de personagens ou do leitor acerca da veracidade do que é
descrito. É como se Mão de Cabelo realmente existisse e sua existência não fosse
questionada.
No que se refere à voz narrativa, identifica-se seu tempo de narração
simultâneo, ou seja, a narrativa dá-se no presente, é contemporânea da ação. Essa
114

forma é característica desse tipo de texto: uma narrativa descritiva, à maneira de um


glossário. O narrador de “Mão de Cabelo” é extradiegético, quanto ao nível narrativo,
e heterodiegético, em sua relação com a história. Já se disse que é identificado
como a mãe da narradora da segunda parte. Essa informação revela-se ao leitor no
prefácio da obra. No trecho que se pretendeu analisar, no entanto, não se
encontram mostras que revelassem outras características desse narrador.
No entanto, ele faz-se presente no discurso, quando procura estabelecer
diálogo com o narratário nas primeiras linhas por meio do convite e do
questionamento: “Imagine um fantasma altíssimo [...]. Imaginou?” (TRAVASSOS,
2007, p.12). Também as passagens “E sabe para quê?” (TRAVASSOS, 2007, p.12)
e “Mas, olhe, existe uma maneira de espantar o cabeludão [...]” (TRAVASSOS,
2007, p.12) revelam o desejo do narrador de dialogar com o narratário, incitando-o a
imaginar e buscando sua aproximação. O narratário, por sua vez, é implícito no
trecho analisado e extradiegético, tal qual o narrador. Sabe-se, pela leitura dos
prefácios da primeira e da segunda partes, que é um você não-determinado.
No que diz respeito ao modo, nota-se o predomínio absoluto da diegese, visto
que não há discurso algum da personagem. O que mais disso se aproxima é a dica
dada pelo narrador: “[...] existe uma maneira de espantar o cabeludão: é só dizer
que vai chamar um tal de Barbeiro Tesourão” (TRAVASSOS, 2007, p.12). Na
passagem, há uma espécie de discurso narrativizado, visto que o narrador tenta
exprimir a possível voz do narratário, clamando por ajuda.
A perspectiva adotada pelo narrador é a visão por trás, visto que ele sabe
mais do que a personagem descrita, inclusive a maneira de derrotá-la. Já a análise
da focalização, revela que ela é externa à personagem principal, ou seja, o Mão de
Cabelo. No trecho “faz com que ela tenha pesadelos de arrepiar” (TRAVASSOS,
2007, p.12), o narrador parece colocar-se ao lado do narratário, ou seja, o provável
leitor infantil, e sentir com ele o pavor dos pesadelos impostos pela assombração.
Quando afirma que “O Mão de Cabelo se pela de medo da tesoura dele...”
(TRAVASSOS, 2007, p.12), a intenção de vingança se manifesta, por meio do uso
da expressão engraçada “pelar de medo” como sinônima de sentir muito medo.
O tempo da narrativa, no nível macronarrativo, não apresenta anacronias; o
ritmo se estabelece com uma cena inicial, em que se descreve de maneira breve o
fantasma, e os sumários seguintes, em que se resumem as ações de Mão de
Cabelo.
115

6 CONCLUSÃO

Este estudo descritivo e crítico de narrativas de fantasma destinadas ao


público infanto-juvenil partiu, desde a concepção de seu projeto, da hipótese da
existência de quatro categorias, segundo as quais todas as narrativas infanto-juvenis
de fantasma poderiam ser classificadas. Tais categorias foram chamadas então de
consolidadora, desmistificadora, anuladora e corruptora. As análises do Capítulo 5,
que trataram de narrativas representantes de cada categoria, bem como os
comentários do Capítulo 4, que mencionaram as narrativas do corpus de maneira
mais geral, permitiram que se confirmasse a existência das categorias inicialmente
propostas e que, além disso, se ampliassem ou se restringissem suas definições, a
fim de abarcar as novas variantes encontradas ou de evitar que as classificações se
cruzassem, gerando dúvidas.
No Capítulo 4, se expuseram as primeiras definições criadas para as quatro
categorias, que levavam em conta o tratamento dispensado à personagem
fantasma. Findas as análises, foi possível redefinir as categorias, tendo em vista as
particularidades do conteúdo e, por vezes, da forma, encontradas em amostras
deste corpus. Igualmente, a leitura e os acréscimos das definições de Todorov no
desenvolvimento desta pesquisa (ver Capítulo 3) acrescentaram um novo olhar à
questão das categorias, visto ter o estudo do teórico búlgaro como objetivo apontar
elementos caracterizadores do gênero fantástico e dos subgêneros estranho e
maravilhoso. Foi possível, de pronto, estabelecer uma proximidade entre as quatro
categorias propostas e os conceitos de Todorov. Essas semelhanças, bem como as
novas configurações das quatro categorias é o que se quer demonstrar a seguir.
Dizia-se que narrativa consolidadora era aquela que mantinha o caráter
sobrenatural da aparição fantasmagórica. Essa permanência do elemento
fantasmagórico, por sua vez, reproduziria a sensação de medo ou a incerteza
116

acerca dos limites entre o real e o imaginário. Essa definição se confirmou e,


trazendo no enredo fantasmas legítimos ou mantendo a ambiguidade em torno da
existência do fantasma, deu origem ao grupo de narrativas mais numeroso deste
corpus.
É necessário frisar que a categoria consolidadora mantém o mistério e a
incompreensão do sobrenatural e, por isso, ele não pode ser desfeito ao longo ou
durante a narrativa, por meio de explicações baseadas na realidade. Algumas das
narrativas desta categoria terminam abruptamente, quando o herói descobre ter
vivido (ou estar vivendo) uma experiência sobrenatural. A maior parte das narrativas
aqui encontradas são, de fato, contos de assombração e não histórias aventurescas,
isto é, pretendem reforçar mitos ou lendas já existentes no folclore ou contar
experiências individuais em que há contato com seres fantasmagóricos.
O medo, gerado pelo desconhecido, é fator que não deve ser desprezado no
estabelecimento desta categoria, seja ele sentido pelo protagonista ou transmitido
ao leitor pelo narrador. O conto representante dessa categoria, “A mais bela noite de
Margarida”, reforça os aspectos anteriormente mencionados e apresenta um
desfecho surpreendente. Ao que se pôde constatar, a categoria consolidadora
encontrou paralelos com a definição do fantástico maravilhoso de Todorov.
Na categoria desmistificadora, haveria uma negação do sobrenatural, isto é,
do elemento fantasmagórico, que tendo sido uma vez apresentado, seria
posteriormente substituído por um elemento da realidade. A essência negadora da
categoria foi confirmada, mas constatou-se que, em algumas histórias, já se
indicava, desde o início, estar tratando de elementos reais. Portanto, o desfecho das
narrativas desta categoria não se resume no desmascaramento de uma pessoa real,
que fingia ser fantasma, ou na descoberta do embuste do falso fantasma, calcada
em explicações racionais. Em alguns casos, o leitor já sabe, desde o início das
ações, que o acontecimento que parece sobrenatural para determinada(s)
personagem(ns) é, na verdade, oriundo de elementos do mundo real.
Pelo fato de algumas das narrativas da categoria desmistificadora terem a
pretensão de acabar com o medo infantil de fantasmas, não se pode deixar de notar
certa finalidade pedagogizante nessa literatura. Narrativas infanto-juvenis cujo mote
é o medo a ser vencido – e os fantasmas são sua simples decorrência –, portanto,
serão sempre desmistificadoras. Pelas razões anteriormente expostas, esta foi a
categoria que mais modificações sofreu durante as análises. O conto “Caio?”,
117

representante estudado desta categoria, mostra ao leitor um falso fantasma,


revelado pelas ações do protagonista ao final da narrativa. Na categoria
desmistificadora, os conceitos estudados por Todorov que se manifestam são,
portanto, o fantástico estranho ou somente o estranho.
Nas narrativas da categoria anuladora, seria possível verificar uma ruptura
total com o elemento causador de medo, próprio do fantasma. Essas narrativas
apresentariam o fantasma como amigo do herói ou como parte de seu cotidiano. O
caráter pedagogizante dessas histórias também se faz presente, dada as pretensões
de difundir, para a criança ou para o jovem leitor, a crença na não-existência do
sobrenatural e de reforçar o não-temor ao fantasma.
Típicas desta categoria são, de fato, narrativas em que o fantasma é
apresentado amigo do protagonista, sendo, muitas vezes, bondoso e exercendo até
a função de auxiliar. Narrativas que apresentam o fantasma como sujeito das ações,
isto é, como o próprio herói, também fazem parte da categoria anuladora, visto que
conferem a um ser sobrenatural as dimensões de um ser humano, ao trazê-los com
naturalidade ao plano do real; em virtude disso, essas histórias pretendem anular
elementos causadores de medo, típicos dos casos de assombrações.
Percebeu-se ainda que a categoria anuladora dá conta de narrativas em que
prevalece o caráter de aventura. Neste tipo de história, o medo é um sentimento
secundário, abrandado ou apagado pela bravura do herói. Muitas vezes, as demais
personagens e o próprio narrador parecem igualmente não sentir medo da
assombração. Os eventos sobrenaturais são encarados, portanto, com valentia ou
com naturalidade e vivenciados com desenvoltura pelo herói. A literatura espírita
infanto-juvenil, da qual se conseguiu coletar um único exemplar, parte deste corpus,
pode ser igualmente considerada anuladora, dada a finalidade explícita de propagar
os benefícios e até a necessidade vital do contato entre seres terrenos e espíritos.
Ao que se pode notar, a categoria anuladora foi a que mais se ampliou após
as análises de suas variantes, revelando um fantasma que é fantasma só no nome,
que não causa medo ou dúvida acerca de sua veracidade. O conto O pequeno
fantasma, representante desta categoria, anteriormente analisado, delineia com
propriedade a figura do fantasma amigo, que pretende ser bondoso e parte do dia a
dia da criança. A categoria anuladora, no que se refere à aproximação com os
subgêneros de Todorov, instaura o maravilhoso, e somente ele, visto que, desde o
princípio, se aceita com naturalidade os acontecimentos sobrenaturais.
118

Acerca da categoria corruptora, foi dito que abrangeria narrativas em que,


por meio do humor ou por outros meios, o elemento fantasmagórico se corromperia
em sua natureza amedrontadora. Esse tipo de efeito causaria, no leitor, uma espécie
de abrandamento do medo inicial, imposto pelo fantasma. Esta categoria foi a que
gerou mais incertezas ao longo desta pesquisa: será que realmente é uma categoria
à parte? Ou seria uma variante da anuladora? Pelo fato de apresentar apenas três
narrativas (número que não aumentou desde a primeira classificação), pouco se
pode acrescentar à sua classificação inicial. A análise do texto “Mão de Cabelo”
determinou a presença, ainda que sutil, do humor, capaz de modificar a sensação de
medo inicialmente presente pela figura do fantasma. Na categoria corruptora, por
fim, não se identificou nenhuma proximidade com os subgêneros estudados por
Todorov; apenas foi possível identificar na narrativa analisada a presença do
maravilhoso.
A análise dos aspectos formais das narrativas pertencentes ao corpus
demonstrou a preferência por narradores heterodiegéticos. As quatro narrativas
analisadas a fundo também mostraram narradores heterodiegéticos e, além disso,
extradiegéticos, enquanto os narratários eram extradiegéticos e quase todos
implícitos. Esse traço parece ser característico da literatura infanto-juvenil, bem
como da literatura oral, no caso, de contos de fantasma; no entanto, não foi possível
relacioná-lo às categorias consolidadora, desmistificadora, anuladora ou corruptora.
Quando se observou a faixa etária das personagens envolvidas na trama,
notou-se o predomínio de adultos. Tal dado encontra explicação no fato de o tema
da morte, suscitado pelo fantasma, ser, na atualidade, banido da educação infantil, e
consequentemente, evitado na literatura voltada a jovens e crianças. Como muitas
das histórias de assombração são de procedência popular ou adaptações de contos
para adultos, evidencia-se outra razão para a preferência por personagens adultas
na trama. Embora os resultados deste aspecto não tragam avanços diretos para a
conceituação das quatro categorias, eles podem indicar aproximações, como a
existente entre a categoria consolidadora e a presença de personagens adultas ou
entre a categoria anuladora e a presença de personagens juvenis ou infantis. Essa
aproximação é possível graças à finalidade subjacente a cada uma das categorias
mencionadas: consolidar o mito do fantasma ou anulá-lo como provocador de medo,
respectivamente.
119

As referências a animais feitas ao longo das narrativas têm, basicamente,


duas funções: uma simbólica, outra qualificadora. De acordo com a função
simbólica, os animais acrescentam significados ao que é narrado, podendo ser,
inclusive, a própria aparição fantasmagórica. A função qualificadora, por seu turno,
atribui características ao espaço ou às personagens a que se ligam os animais
mencionados. Sem análise aprofundada, não é possível mesurar com propriedade
quais contos trazem animais com funções simbólica ou qualificadora. Uma
observação superficial, que não leva em conta os diferentes níveis de leitura, porém,
aponta que as narrativas em que são feitas referências a animais com função
simbólica estão em menor número e pertencem à categoria consolidadora.
Os elementos espácio-temporais são os que parecem manter maiores
relações com as quatro categorias propostas neste trabalho. A análise do tempo
demonstrou que a maioria das histórias (69%) ocorre à noite, aspecto esse que está
diretamente ligado à proposta da categoria consolidadora, mas que também pode
fazer parte da desmistificadora, visto ser o objetivo da última justamente o de
desfazer, por meio da introdução de algo real, o clima de mistério e medo melhor
identificado com a noite. Do mesmo modo, o mau tempo está presente, em sua
maioria, em narrativas de uma das duas categorias recém-mencionadas, pois a
escuridão, o frio, a chuva, etc. são elementos temporais que contribuem para
consolidar ou desmistificar o mito do fantasma. Os 31% restantes às narrativas
ocorridas durante o dia contribuem para a anuladora, devido ao objetivo já
explicitado dessa categoria. Cabe salientar que, apesar das observações feitas, não
há uma correspondência exata entre as quatro categorias e os elementos dia e noite
ou mau tempo e bom tempo.
Os elementos espaciais das narrativas permitem estabelecer que casas mal-
assombradas são típicas das categorias consolidadora e desmistificadora. Já a
oposição entre os elementos meio urbano e meio natural, cuja incidência foi
praticamente igual (58% e 42%, respectivamente), não demonstra predomínio de
algum desses meios em uma determinada categoria: todas as categorias possuem
narrativas cujas ações sucedem em ambos os espaços. A referência a outros
espaços, também anotados durante a pesquisa, mostra que o cemitério, o lugar
específico mais citado, é um local citado em narrativas das quatro categorias, com
uma pequena preferência apresentada pela consolidadora.
120

A modalidade da narrativa é outro aspecto formal incapaz de apontar com


precisão possíveis relações com as categorias. A categoria consolidadora contém,
igualmente, histórias de fonte folclórica, apoiadas na tradição, e histórias de cunho
artístico, configuradas em relatos ou experiências sobrenaturais individuais. A
categoria desmistificadora, por sua vez, também se ocupa de narrativas folclóricas
ou artísticas, bem como a categoria anuladora. A corruptora é a única que
apresenta somente narrativas baseadas no folclore, o que parece ser uma exigência
para sua categoria, pois, para corromper o mito do fantasma, é necessário que ele
esteja calcado na tradição.
Ao que se pôde constatar, o levantamento dos aspectos formais das
narrativas de fantasma não necessariamente acrescentou novas informações às
categorias, mas demonstrou, antes de tudo, a variabilidade formal das narrativas do
presente corpus. Ao lado do conteúdo e da forma, é possível ainda contextualizar
histórica e socialmente o provável surgimento das categorias das narrativas de
fantasmas infanto-juvenis.
As raízes da categoria consolidadora remetem à Antiguidade, uma vez que
os primeiros registros da existência de almas penadas já datam dessa época.
Segundo a crença dos gregos, os mortos deveriam ser enterrados com um óbolo
sob a língua, para que a alma do defunto pudesse pagar Caronte, o barqueiro que
comandava a travessia pelo Aqueronte, rio que os conduziria aos Infernos. A
travessia visava à chegada dos insepultos a um tribunal de deuses, onde seriam
então julgados e conduzidos ao Tártaro ou aos Campos Elíseos. Às almas que não
tivessem o óbolo para entregar ao barqueiro ou que não tivessem sido sepultadas,
era proibida a entrada na barca. Tais almas, sem poder atravessar, ficavam
chorando, à beira do rio, por toda a eternidade ou pelo período de cem anos
(PESSANHA, 1976, p.99; LEFÈVRE, 1976, p.30).
Ao que parece, esta categoria manteve-se presente e soberana entre as
demais apontadas neste estudo até o século XVII, visto que, até então, crianças e
adultos compartilhavam temas como a morte, a sexualidade, a transgressão das
regras sociais, sem as censuras da atualidade. Essa condição era possível, segundo
Richter, pois as crianças trabalhavam junto com os adultos e viviam com eles de
maneira igualitária; consequentemente, testemunhavam processos naturais da
existência, como o nascimento, a doença e a morte, e tinham seu lugar assegurado
nas tradições culturais comuns: a narração de histórias, os cantos e os jogos (apud
121

ZILBERMAN, 2003, p.36). Além disso, apontam Ariès e outros historiadores, a morte
era fator corriqueiro, inclusive a de crianças, seja por falta de higiene, doenças, fome
ou pelas intempéries. Mesmo que se sofresse a perda da morte, ela era entendida
como um acontecimento banal, capaz de suceder em qualquer casa (apud
AZEVEDO, 2008, p.1).
Além disso, o espírito popular medieval, salienta Ricardo Azevedo (2008, p.2),
“era marcado pelo fatalismo, pela crença no fantástico, em poderes sobre-humanos,
em pactos com o diabo e em personificações de todo tipo”. Nesse mundo, a crença
em seres e eventos sobrenaturais era disseminada em rodas de histórias, em plena
praça pública. Logo, presume-se que almas penadas também deveriam ser assunto
das histórias então contadas. Nessas narrativas de assombração, as almas
receberiam um tratamento que confirmaria seu caráter sobrenatural, o que as
tornaria obedientes aos critérios da categoria consolidadora, a qual, como se
verificou nesta pesquisa, está presente até hoje nas narrativas infanto-juvenis.
A categoria anuladora, por sua vez, surge, ou melhor, se consolida, a partir
da Revolução Industrial de 1750, período que marca o nascimento da própria
literatura infantil, a reorganização da escola, e em que se concede novo status à
infância, graças à ascensão da família burguesa. A família moderna, afirma
Zilberman (2003), procura a privacidade e está voltada a reforçar o vínculo afetivo
existente entre pais e filhos. A pesquisadora salienta ainda que “o aparecimento e a
expansão da literatura deveram-se antes de tudo à sua associação com a
pedagogia, já que aquela foi acionada para converter-se em instrumento desta”
(2003, p.33-34).
A associação da literatura infantil com a pedagogia traz mudanças que podem
ser percebidas até os dias de hoje, no que se refere aos usos e às finalidades
atribuídas ao trabalho com a literatura em escolas. Conforme Edmir Perrotti (1986), a
nova interpretação da infância que se instala a partir do século XVIII, e que é
conduzida ao longo do século XIX, conta com a atenção de filósofos, educadores e o
auxílio da Sociologia e da Psicologia, duas ciências novas e vizinhas, criando um
novo discurso. A infância passa a ser associada às ideias de “inocência, proteção e
segregação” (1986, p.79). Em virtude disso, a criança começa a ser vista como um
ser frágil e inocente, que deve ser amado, protegido, e sua educação deve ser
controlada, banindo-se alguns temas, anteriormente comuns.
122

Daí que, a partir dessas novas percepções, se acredita ter a categoria


anuladora encontrado forças e se mantido até a atualidade em histórias de
assombração. Muitos dos valores então descobertos permanecem vigentes em
nossa sociedade e ganham argumentos em algumas modernas teorias psicológicas;
por essa razão, o tema da morte é driblado em narrativas desta categoria, que, em
sua maioria, não apresentam fundo moral ou religioso. Ao contrário das narrativas
consolidadoras, em que a existência do fantasma é fruto do erro ou é a expiação
de alguma culpa, o fantasma, nas narrativas anuladoras, quando não é amigo, é
protagonista das ações, ou não causa temor algum ao herói, o que demonstra estar
presente, na concepção desta categoria, a censura ou o desprezo ao tema da morte
e a negação do medo, provocado pelo desconhecido.
A categoria desmistificadora de narrativas de fantasma demonstra estreita
ligação com o pensamento realista do século XIX, pois prevê a explicação de fatos
sobrenaturais por meio da lógica do mundo terreno. As mudanças no modo de agir e
pensar das pessoas da metade do século XIX acarretou também modificações no
plano das ideias. Avanços no campo da Ciência, da Psicologia e da Sociologia
fazem com que filósofos, artistas e pensadores em geral lancem um olhar objetivo e
analítico sobre o mundo, que se reflete, naturalmente, também na produção literária.
No que diz respeito à literatura infanto-juvenil, essa tendência realista acaba por
atribuir às obras a função de desmistificar elementos fantásticos para acabar com
medos comuns às crianças e jovens.
Frutos dessa percepção podem ser encontrados em amostras da literatura
infanto-juvenil e até mesmo no comportamento de crianças da atualidade. Não é à
toa que muitos mitos infantis são desfeitos ainda na mais terna idade, atropelados
pelo excesso de informações e pela necessidade (precoce) da instalação do real. A
afirmação de Jacqueline Held corrobora o que se vem aqui dizendo e atribui à
escola do século XX essa atitude de ver sentido apenas na “literatura séria” e
desprezar a literatura fantástica: “O texto engraçado sem vulgaridade, humorístico,
carregado de fantasia e de poesia não é nada praticado e é, ainda, frequentemente,
considerado com suspeita” (1980, p.221). Segundo ela, tais textos, dotados de
linguagem criativa e crítica, seriam responsáveis pela formação de um adulto livre,
capaz de tomar iniciativas, de inventar e de se sensibilizar. Textos excessivamente
documentários e realistas, recheados de “virtudes morais”, postula Held, mais
123

aprisionam do que libertam o indivíduo e contribuem para a formação de um adulto


dócil, porém, sem capacidade de reflexão (1980, p.227).
O excesso de liberalismo e o ritmo de vida dos dias atuais parecem ter
incentivado a instalação da categoria corruptora, no que tange às narrativas
infanto-juvenis de fantasma. Esta categoria, que surge, provavelmente, na
contemporaneidade, representa uma tentativa de resgatar histórias esquecidas da
tradição oral e popular e mostrá-las ao público leitor com cara nova, reformulada. As
crianças encontram-se, hoje, em geral, privadas da presença dos pais ou do
convívio constante com outros familiares. Por essa razão, também estão privadas da
transmissão oral de saberes folclóricos, em que estão incluídas as narrativas de
assombração. No dia a dia de crianças e jovens, abriu-se espaço, portanto, para a
mídia e para tecnologias eletrônicas, uma vez que “as instâncias mediadoras
tradicionais, como a família e a escola, ficaram num segundo plano, [tendo sido]
substituídas” (CAPPARELLI, 2002, p.3).
Muitos pensadores têm se preocupado com o fenômeno que foi chamado
“desaparecimento da infância” (2000, p.4) e, para Sergio Capparelli, “o conceito de
infância entrou em crise” (2000, p.2) devido, especialmente, à explosão da
informação presente na contemporaneidade.

Se aceitarmos que o sentimento da infância é uma construção histórica e


social, operada por forças sociais, culturais, políticas e econômicas,
estamos aceitando, também, o fato de que ele surgiu em alguma fase da
história humana, e, se esse sentimento surgiu, também pode desaparecer
ou modificar-se (CAPARRELLI, 2000, p.4)

A categoria corruptora, portanto, parece abarcar essa mudança da noção


tradicional de infância, adquirindo uma nova finalidade: a de não deixar que os mitos
morram, renovando-os constantemente.
Cabe salientar, por fim, que embora se tenham relacionado aspectos da
contextualização histórico-social à cada categoria, o assunto não está esgotado,
podendo ser abordado por outras perspectivas, dada a dimensão social, cultural,
econômica, etc. em que se inserem a literatura e suas obras. Espera-se ainda que
alguns frutos deste trabalho, como, por exemplo, os gráficos e as tabelas do
Capítulo 4, sirvam de material a futuros pesquisadores que se interessarem pelo
tema deste estudo.
124

REFERÊNCIAS

Referências teóricas, históricas e críticas

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______. Francisquinha. In: ______. Rotas fantásticas. São Paulo: FTD, 2003, p.64-
73.
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133

APÊNDICE A – Lista das narrativas selecionadas para a constituição do corpus

TÍTULO E REFERÊNCIA DAS NARRATIVAS SELECIONADAS

1. Tem fantasma na rua!


MARTINS, Cláudio. Tem fantasma na rua! São Paulo: FTD, 2000.

2. História de fantasma
BELINKY, Tatiana. História de fantasma. São Paulo: Ática, 2004.

3. “O fantasma e o alfaiate”
PRIETO, Heloisa. O fantasma e o alfaiate. In: ______. Lá vem história outra vez: contos do
folclore mundial. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1997, p.64-65.

4. “O médico-fantasma”
PRIETO, Heloisa. O médico fantasma. In: ______. Lá vem história outra vez: contos do
folclore mundial. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1997, p.66-67.

5. “O fantasma da sorte”
PRIETO, Heloisa. O fantasma da sorte. In: ______. Lá vem história: contos do folclore
mundial. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1997, p.68-69.

6. “O jovem que não tinha medo de nada”


PRIETO, Heloisa. O jovem que não tinha medo de nada. In: ______. Lá vem história: contos
do folclore mundial. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1997, p.70-71.

7. “Vovó Maria”
PRIETO, Heloisa. Vovó Maria. In: ______. Rotas fantásticas. São Paulo: FTD, 2003, p.14-27.

8. “Amor de fantasma”
PRIETO, Heloisa. Amor de fantasma. In: ______. Rotas fantásticas. São Paulo: FTD, 2003,
p.28-35.

9. “A Loira do Banheiro”
PRIETO, Heloisa. A Loira do Banheiro. In: ______. Rotas fantásticas. São Paulo: FTD, 2003,
p.54-63.
134

10. “Francisquinha”
PRIETO, Heloisa. Francisquinha. In: ______. Rotas fantásticas. São Paulo: FTD, 2003, p.64-
73.

11. “O Moleque Palhaço”


PRIETO, Heloisa. O Moleque Palhaço. In: ______. Rotas fantásticas. São Paulo: FTD, 2003,
p.110-123.

12. “Caio?”
LAGO, Angela. Caio? In: ______. Sete histórias para sacudir o esqueleto. São Paulo:
Companhia das Letrinhas, 2005, p.7-13.

13. “A rosa assombrada”


LAGO, Angela. A rosa assombrada. In: ______. Sete histórias para sacudir o esqueleto. São
Paulo: Companhia das Letrinhas, 2005, p.35-43.

14. “A casa sonhada”


LAGO, Angela. A casa sonhada In: ______. Sete histórias para sacudir o esqueleto. São
Paulo: Companhia das Letrinhas, 2005, p.45-51.

15. “Encurtando o caminho”


LAGO, Angela. Encurtando o caminho. In: ______. Sete histórias para sacudir o esqueleto.
São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2005, p.15-17.

16. Casa assombrada


LAGO, Angela. Casa assombrada. Belo Horizonte: RHJ, [1993?], 6ª ed.

17. “Até a vista, turma!”


COSTA, Wagner. Até a vista, turma! In: LAURITO, llka et al. Sete faces do sobrenatural. São
Paulo: Moderna, 1992, p.97-112.

18. “Uma noite na Feiticeira”


MARTINS, Adelino. Uma noite na Feiticeira. In: ______. Histórias no escuro. São Paulo:
Moderna, 1996, p.35-44.

19. “O fantasma da chácara”


MARTINS, Adelino. O fantasma da chácara. In: ______. Histórias no escuro. São Paulo:
Moderna, 1996, p.68-73.

20. “A casa mal assombrada ou o tesouro escondido”


BRAHE, Tycho. A casa mal assombrada ou o tesouro escondido. In: ______. Histórias
brasileiras: contos para crianças. Rio de Janeiro: Livraria Quaresma, 1955, p.47-70

21. “Uma noite muito estranha”


MORAIS, Flávio. Uma noite muito estranha. In: ______. Sete contos de arrepiar. Rio de
Janeiro: Rocco, 2006, p.28-33.

22. “A queda da casa de Usher”


POE, Edgar Allan. A queda da casa de Usher. In: ______ et al. O grande livro do medo: 20 +
1 histórias de aterrorizar. Tradução de Eduardo Brandão e adaptação de Xavier Valls. São
Paulo: Girafinha, 2006, p.38-43.

23. “A casa do pesadelo”


135

WHITE, Edward Lucas. A casa do pesadelo. In: POE, Edgar Allan et al. O grande livro do
medo: 20 + 1 histórias de aterrorizar. Tradução de Eduardo Brandão e adaptação de Xavier
Valls. São Paulo: Girafinha, 2006, p.66-71.

24. “A casa B... em Cadmen Hill”


CROWE, Catherine. A casa B... em Cadmen Hill. In: POE, Edgar Allan et al. O grande livro do
medo: 20 + 1 histórias de aterrorizar. Tradução de Eduardo Brandão e adaptação de Xavier
Valls. São Paulo: Girafinha, 2006, p.106-108.

25. “O vigia da fronteira”


DICKENS, Charles. O vigia da fronteira. In: POE, Edgar Allan et al. O grande livro do medo:
20 + 1 histórias de aterrorizar. Tradução de Eduardo Brandão e adaptação de Xavier Valls.
São Paulo: Girafinha, 2006, p.8-12.

26. “Billy”
CROSSLEY-HOLLAND, Kevin. Billy. In: ______. Encantamento: contos de fada, fantasma e
magia. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2003, p.32-34.

27. “O fantasma de Samuel”


CROSSLEY-HOLLAND, Kevin. O fantasma de Samuel. In: ______. Encantamento: contos de
fada, fantasma e magia. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2003, p.58-61.

28. “A destemida”
CROSSLEY-HOLLAND, Kevin. A destemida. In: ______. Encantamento: contos de fada,
fantasma e magia. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2003, p.117-125.

29. “Bu!”
CROSSLEY-HOLLAND, Kevin. Bu! In: ______. Encantamento: contos de fada, fantasma e
magia. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2003, p.126.

30. “A loira do banheiro”


GARCIA, Luciana. A loira do banheiro. In: ______. O mais misterioso do folclore. São Paulo:
Caramelo, 2004, p.26-27.

31. “A moça de branco”


GARCIA, Luciana. A moça de branco. In: ______. O mais misterioso do folclore. São Paulo:
Caramelo, 2004, p.38-39.

32. “O zumbi”
GARCIA, Luciana. O zumbi. In: ______. O mais assustador do folclore: monstros da mitologia
brasileira. São Paulo: Caramelo, 2005, p.24.

33. “Mão de Cabelo”


TRAVASSOS, Sônia. Mão de Cabelo. In: ______. Bicho papão pra gente pequena, bicho
papão pra gente grande. Rio de Janeiro: Rocco, 2007, p.12-13.

34. Fantasma existe?


ROCHA, Ruth; LORCH, Dora. Fantasma existe? São Paulo: Ática, 2004.

35. Branquinho, o fantasminha triste


ALMEIDA, Regina Capanema de. Branquinho, o fantasminha triste. Belo Horizonte: Maza,
1997.
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36. O pequeno fantasma


BANDEIRA, Pedro. O pequeno fantasma. São Paulo: Moderna, 1998.

37. Pluft, o fantasminha


MACHADO, Maria Clara. Pluft, o fantasminha. Rio de Janeiro: Cedibra, [1984?], 9ª ed.

38. “A mortalha”
A mortalha. In: THESOURO da juventude. São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre:
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39. “Os sapatinhos de pão”


Os sapatinhos de pão. In: THESOURO da juventude. São Paulo, Rio de Janeiro, Porto
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40. “As três noites no castelo encantado”


As três noites no castelo encantado. In: THESOURO da juventude. São Paulo, Rio de
Janeiro, Porto Alegre: W.M.Jackson Inc., [s.d.], vol. XIV, p.4537-4540.

41. “A lavadeira encantada”


A lavadeira encantada. In: THESOURO da juventude. São Paulo, Rio de Janeiro, Porto
Alegre: W.M.Jackson Inc., [s.d.], vol. VII, p.2312-2313.

42. Uuuuuuu: um barulho estranho


IACOCCA, Liliana. Uuuuuuu: um barulho estranho. São Paulo: Ática, 1994.

43. O fantasma
FICHTNER, Marília; NUNES, Artur Sanfelice. O fantasma. São Leopoldo: Sinodal, 1996.

44. A noite assombrada


JUNQUEIRA, Sonia. A noite assombrada. São Paulo: Atual, 1994.

45. O barulho fantasma


JUNQUEIRA, Sonia. O barulho fantasma. São Paulo: Ática, 1987, 3ª ed.

46. Apalka
CARDENAL, Ernesto. Apalka. Petrópolis: Autores & Agentes & Associados, 1995.

47. “Kigbo e os espíritos do mato”


DANSA, Salmo; BRAZ, Júlio Emílio. Kigbo e os espíritos do mato. In: ______. Lendas negras.
São Paulo: FTD, 2001, p.64-81.

48. “A montanha viajante”


CABRERA, Luis Urteaga. A montanha viajante. In: GAJU, Mercedes (ed.). Contos de lugares
encantados. São Paulo: Ática, 1992, p.88-95.

49. “As cavernas de Aguas Buenas”


TOMÉ, Jesús. As cavernas de Aguas Buenas. In: GAJU, Mercedes (ed.). Contos de lugares
encantados. São Paulo: Ática, 1992, p.96-105.

50. “Os cavaleiros de Isabela”


LAMBERTUS, Abelardo Jiménez. Os cavaleiros de Isabela. In: GAJU, Mercedes (ed.).
Contos de lugares encantados. São Paulo: Ática, 1992, p.106-113.
137

51. “Maria Angula”


GÓMEZ, María; TORRE, Jorge Renán de la. Maria Angula. In: URIBE, Veronica (ed.). Contos
de assombração. São Paulo: Ática, 1985, p.33-40.

52. “A sombra negra e o gaúcho valente”


CARRIZO, Jesús Maria; GARRIDO, Nelly. A sombra negra e o gaúcho valente. In: URIBE,
Veronica (ed.). Contos de assombração. São Paulo: Ática, 1985, p.57-64.

53. “A gruta do Jacinto”


DOMENECH, Manuel A. ; RAMOS, Juan Antonio. A gruta do Jacinto. In: URIBE, Veronica
(ed.). Contos de assombração. São Paulo: Ática, 1985, p.65-70.

54. “O tesouro enterrado”


GUARDIA, Rosa Cerna. O tesouro enterrado. In: URIBE, Veronica (ed.). Contos de
assombração. São Paulo: Ática, 1985, p.71-78.

55. “Os dois caçadores e a Saiona”


ARISMENDI, Santos Erminy. Os dois caçadores e a Saiona. In: URIBE, Veronica (ed.).
Contos de assombração. São Paulo: Ática, 1985, p.79-84.

56. “Companhia à noite”


LESSA, Orígenes. Companhia à noite. In: GUIMARÃES, Bernardo et alli. Histórias de fantasia
e mistério. São Paulo: Scipione, 2003, p.14-27.

57. “A velha que não morria”


MESSIAS, Adriano. A velha que não morria. In: ______. Histórias mal-assombradas do tempo
da escravidão. São Paulo: Biruta, 2005, p.103-109.

58. “A porca, ora, a porca”


MESSIAS, Adriano. A porca, ora, a porca. In: ______. Histórias mal-assombradas em volta do
fogão de lenha. São Paulo: Biruta, 2004, p.25-29.

59. “Flor, telefone, moça”


ANDRADE, Carlos Drummond de. Flor, telefone, moça. In: ______. O sorvete e outras
histórias. São Paulo: Ática, 1993, p.32-38.

60. “A história do pescador”


KWAN, Michael David. A história do pescador. In: ______. O livro do contador de histórias
chinês: contos do sobrenatural. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.123-146.

61. “A cantora da noite”


KWAN, Michael David. A cantora da noite. In: ______. O livro do contador de histórias chinês:
contos do sobrenatural. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.147-170.

62. “A borboleta”
KWAN, Michael David. A borboleta. In: ______. O livro do contador de histórias chinês:
contos do sobrenatural. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.213-247.

63. “A mais bela noite de Margarida”


GARCIA, Edson Gabriel. A mais bela noite de Margarida. In: ______. Sete gritos de terror.
São Paulo: Moderna, 1991, p.5-14.

64. “O casal de velhos”


138

GARCIA, Edson Gabriel. O casal de velhos. In: ______. Sete gritos de terror. São Paulo:
Moderna, 1991, p.15-22.

65. “Os dentes de Madalena”


GARCIA, Edson Gabriel. Os dentes de Madalena. In: ______. Sete gritos de terror. São
Paulo: Moderna, 1991, p.52-60.

66. “O companheiro de viagem”


PIMENTEL, Figueiredo. O companheiro de viagem. In: ______. Histórias da avozinha. Rio de
Janeiro: [s.ed.], 1896, p.1-7. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000137.pdf> Acesso em: 15 set. 08.

67. “O besouro de ouro”


PIMENTEL, Figueiredo. O besouro de ouro. In: ______. Histórias da avozinha. Rio de
Janeiro: [s.ed.], 1896, p.17-20. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000137.pdf> Acesso em: 15 set. 08.

68. “A casa mal-assombrada”


PIMENTEL, Figueiredo. A casa mal-assombrada. In: ______. Histórias da avozinha. Rio de
Janeiro: [s.ed.], 1896, p.85-86. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000137.pdf> Acesso em: 15 set. 08.

69. “A alma do outro mundo”


PIMENTEL, Figueiredo. A alma do outro mundo. In: ______. Histórias da avozinha. Rio de
Janeiro: [s.ed.], 1896, p.110-111. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000137.pdf> Acesso em: 15 set. 08.

70. “O fantasma lambão”


BUSCH, Wilhelm. O fantasma lambão. In: ______. O fantasma lambão. São Paulo: Itatiaia,
1982, p.2-11.

71. “Um espanto”


DISNEY, Walt. Um espanto. In: ______. Margarida. Nº 79, julho de 1989. São Paulo:
Abril,1989, p.3-10.

72. “Um caso de morte”


SOUZA, Maurício de. Um caso de morte. In: ______. As melhores histórias do Penadinho.
Porto Alegre: LP&M, 1991, p.29-32.
139

APÊNDICE B – Ficha para análise das narrativas

Referência:

DISCURSO

Voz:
Tempo de narração:
( ) ulterior
( ) anterior
( ) simultânea
( ) intercalada

Narrador – nível narrativo:


( ) extradiegético ( ) intradiegético

Narrador – relação com a história:


( ) heterodiegético ( ) homodiegético

 Há presença do narrador e qual seu grau de intromissão na narrativa?

Narratário:
( ) implícito ( ) explícito
( ) extradiegético ( ) intradiegético

Modo:
Distância:
Predomínio da
( ) mimese ( ) diegese

Discurso da personagem:
( ) narrativizado ( ) transposto ( ) relatado ( ) misto
140

Perspectiva:
( ) visão por trás ( ) visão com ( ) visão de fora

Focalização (de uma passagem):


( ) focalização zero ( ) focalização interna ( ) focalização externa

Tempo (no nível macronarrativo):

( ) anacronia → ( ) analepse ( ) prolepse

 Qual seu alcance (quanto tempo dista do presente)?

 Qual sua amplitude (duração de história que recobre)?

( ) sem anacronia

 Esquema da relação tempo da história x tempo do discurso:

Predomínio de
( ) pausa ( ) cena ( ) sumário ( ) elipse

HISTÓRIA

Personagens:

 Quais suas características gerais?

 Elas buscam resolver o conflito?

 Dependem de agentes externos para resolver o conflito?

Elementos espácio-temporais:

Ações:
141

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

L864e Lopes, Gabriela Hoffmann


Entre assombrações e fantasminhas : estudo do sobrenatural
em narrativas infanto-juvenis / Gabriela Hoffmann Lopes. –
Porto Alegre, 2008.
140 f. il.

Dissertação (Mestrado em Letras) – Faculdade de


Letras, PUCRS, 2008.

Orientador: Profa. Dra. Alice Therezinha Campos


Moreira.

1. Literatura Infanto-Juvenil. 2. Narrativa Literária. 3. Folclore


e Literatura. 4. Fantasmas (Literatura). I. Moreira, Alice
Therezinha Campos. II. Título.

CDD 028.5

Ficha Catalográfica elaborada por


Nívea Bezerra Vasconcelos e Silva CRB 10/1255

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