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Sumário

Introdução

1. Vá além do ruído dentro de sua cabeça

2. Descubra seu ritmo interior

3. Ancore-se na paz infinita

4. Aprenda a diferença entre saber e crer

5. Comece por você

6. Escolha a gratidão

7. Alivie o fardo em momentos difíceis

8. Liberte-se pelo perdão

9. Ame agora

10. Cultive o divino

11. Torne-se o eu universal por meio da bondade

12. Pratique, pratique e pratique

Sobre o autor

Créditos
Introdução

Ao longo dos anos, conheci muitas pessoas que estão em

uma jornada de autodescoberta. Algumas dedicam a vida a

encontrar a iluminação e vivem explorando ideias e técnicas

do mundo todo. Outras querem apenas se entender um pouco

melhor, crescer como indivíduos ou experimentar uma

sensação maior de plenitude e alegria em sua vida.

Viaje comigo durante parte de sua jornada e você poderá se

surpreender. Vamos nos afastar da esfera de teorias e opiniões

e nos aproximar de uma forma única de conhecimento. Iremos

para um lugar dentro de você que é livre das distrações do dia

a dia. Um lugar onde você sentirá clareza, plenitude e alegria

reais. Um lugar de paz interior. Nosso caminho nos levará

através da consciência plena e do coração pleno rumo à paz

plena. Quem quer que você seja, a paz está em você — o

autoconhecimento é o que lhe permite sentir essa paz, e este

livro vai mostrar como.

Acredito que há muita confusão intelectual quando o

assunto é se entender, mas o objetivo de adquirir

autoconhecimento não poderia ser mais simples: é sentir a

clareza renovadora, a plenitude interior e a alegria profunda e

incomensurável — e muitas outras maravilhas —, a começar

pelo universo de paz dentro de nós. Essa sensação de paz está

no cerne de quem realmente somos.


Para esclarecer: meu objetivo é ajudar você a desenvolver sua

compreensão de paz e do que a conexão com a paz interior

pode representar na sua vida, mas só você é capaz de fazer sua

jornada do ruído exterior para a paz interior. Ninguém pode

dar a paz a você; é algo que só você consegue descobrir, dentro

de você. Ao fazer isso, você passa a ter um novo entendimento

de si mesmo. Há muitas coisas que são automáticas em nossa

vida, coisas que nos acontecem facilmente, mas encontrar a

paz interior pode dar trabalho. Estar plenamente consciente

exige esforço. Como Einstein disse, “A sabedoria não resulta do

ensino, mas de uma vida toda buscando por ela”.

Com o desenrolar das histórias e ideias contidas neste livro,

espero que você adquira perspectivas inesperadas sobre algo

que todos temos em comum, algo que sinto que deveríamos

celebrar muito mais em nossa vida: nosso incrível espírito

humano. Também há um personagem extraordinário que

quero muito que você conheça. Mas logo falarei mais dessa

pessoa.

Muitas pessoas dizem que se sentem desafiadas pelo volume

crescente de ruído ao seu redor. Em nossas cidades lotadas e

nossas vidas movimentadas e digitalmente ampliadas, costuma

ser difícil encontrar tempo e espaço para a simplicidade

tranquila de existir. O “progresso” também está chegando cada

vez mais a áreas rurais, levando benefícios e oportunidades

necessárias, mas também novas demandas para indivíduos e

comunidades. É uma boa época para viver, em que a inovação

cria possibilidades maravilhosas, mas às vezes o barulho que

acompanha esse progresso pode ser uma distração indesejável.

Na verdade, o barulho lá fora não é nada comparado ao

barulho que muitas vezes criamos dentro de nossas mentes: os

problemas e questões que achamos impossíveis de resolver, as

ansiedades e dúvidas pessoais que não conseguimos aliviar, as


ambições e expectativas que parecemos incapazes de satisfazer.

Podemos sentir irritação, rancor e até raiva dos outros e ficar

desapontados com nós mesmos. Ou talvez nos sintamos

imobilizados pela falta de foco ou pela sensação de estarmos

sobrecarregados, pela confusão e pela procrastinação, ou pela

acrobacia mental que realizamos todos os dias na busca por

prazer e segurança. Neste livro, irei abordar o impacto que o

pensamento negativo causa em nós e apresentar uma forma de

chegar a uma noção mais profunda e imutável de nossa

identidade que vai além dos nossos pensamentos.

UM CAMINHO DIFERENTE

Como sei que minha estratégia funciona? Ela funcionou para

mim, e é por isso que tenho confiança para compartilhá-la

com você. Eu tinha sede e encontrei um poço, e minha sede

foi saciada. Existem outras estratégias? Com certeza. Por que

não as experimentei? Porque eu não tinha mais sede.

Você pode usar minha estratégia independentemente de suas

visões religiosas, éticas ou políticas (ou, aliás, sua

nacionalidade, classe, gênero, idade ou sexualidade). Ela não é

um substituto para aquilo em que você acredita, porque o

assunto aqui é saber, e não acreditar — uma diferença de

importância fundamental que irei explorar mais adiante. Saber

pode lhe proporcionar uma conexão muito profunda com o

que há de melhor no espírito humano e lhe permitir vivenciar

seu eu em todas as suas dimensões. Já com aquilo em que

acredita, cabe a você decidir como se relaciona.

Convido você a valorizar seu coração e confiar nele, e não

depender apenas de sua mente como guia. A mente molda

grande parte de nossa experiência cotidiana, e pode ser

incrivelmente útil entender como ela se comporta, seja para o


bem ou para o mal. É importante reconhecermos o efeito

positivo e negativo da mente em nossa vida, aproveitando

oportunidades para enriquecer nossas ideias e aprimorar nosso

intelecto. Muitas vezes, porém, nossas sociedades defendem a

mente em detrimento do coração. O cérebro não é capaz de

tudo. Por exemplo, acredito que, sozinha, nossa mente não

consegue dar uma resposta satisfatória à pergunta “Quem é

você?”. Minha mente nunca me levou ao lugar de paz interior

dentro de mim. Para funcionar direito, nossa mente depende

muito do que é colocado dentro dela, enquanto o coração se

baseia mais no dna de um ser humano.

Por falar em mente, tenho um pedido para você como leitor:

apenas aceite o que escrevo neste livro se sentir que for verdade

para você. Independentemente de seu intelecto ser cético ou

acolhedor à minha mensagem, abra-se também para o que seu

eu interior está dizendo. Dê uma chance a essa filosofia. Em

vez de lhe dizer o que pensar, os capítulos a seguir irão

apresentar algumas possibilidades a considerar. Não estou aqui

para convencer você com lógica; irei apenas compartilhar

experiências, visões e histórias que podem fornecer

perspectivas úteis. Palavras sinceras expressadas de maneira

clara podem agir como pontos de partida para a compreensão,

e ofereço as palavras neste livro como um caminho através de

ideias e muito mais — rumo ao mundo da experiência interior.

Por favor, pondere sobre o que digo com a mente, mas também

escute com o coração.

QUEM SOU EU?

Antes de avançarmos, devo falar um pouco sobre mim.

Nasci em Haridwar, na Índia, em 1957, e cresci perto de

Dehra Dun, nos sopés dos Himalaias indianos. A nascente do


rio Ganges brota nas montanhas no alto da cidade e é

considerada uma área de peregrinação sagrada pelos hindus.

Inclusive, Hari dwar significa “porta para deus”. Não é um lugar

muito grande, mas todo ano milhões de visitantes participam

de festivais sagrados lá. É algo incrível de ver.

Fui criado, portanto, em um lugar onde as pessoas levam a

religião muito a sério e expressam suas crenças de formas

poderosas e evocativas. Meu pai, Shri Hans Ji Maharaj, era um

orador ilustre sobre a paz e atraía multidões. Desde pequeno,

ele viajava para as montanhas — tendo depois visitado muitas

cidades grandes e pequenas — em busca de homens sagrados

que pudessem lhe proporcionar sabedoria. Ele se decepcionou

inúmeras vezes.

A revelação se deu quando ele conheceu Shri Swarupanand

Ji, um guru,* no que era o norte da Índia e depois da Partição

se tornou o Paquistão. Meu pai sentiu que finalmente havia

encontrado um verdadeiro professor — alguém com uma

compreensão profunda do espírito humano. Essa experiência o

transformou de verdade. Ele havia encontrado o que estava

buscando: uma compreensão profunda do eu e uma sensação

quase indescritível de paz interior. Eu o vi chorar quando

recordou a sensação de aprender com o homem a quem se

referia como “mestre”. Ele costumava citar um poeta indiano

do século xv Kabir, que havia passado por algo semelhante com

seu próprio professor:

Eu estava sendo arrastado por esse rio de escuridão — deste mundo, da sociedade
—, e então meu mestre me deu uma lamparina.
Ele me mostrou esse lugar lindo dentro de mim, e agora estou contente.

Meu pai e minha mãe por fim se fixaram em uma casa em

Dehra Dun, mas meu pai ainda trabalhava no centro que havia

fundado em Haridwar, que não ficava muito longe. Lá, ele


começou a compartilhar sua mensagem com quem quisesse

ouvir. Sua filosofia expressava uma tradição antiga que tinha

sido passada de professores a alunos ao longo dos séculos e, no

caso do meu pai, de Shri Swarupanand Ji, que escolhera meu

pai como sucessor. O fundamento da mensagem do meu pai

era que a paz que você busca não está esperando em algum

lugar do mundo; ela já está dentro de você — mas você deve

escolher se conectar com ela. Como você verá, a questão da

escolha é central na minha filosofia.

Meu pai se recusava a seguir a linha convencional sobre

quem tinha o direito de alcançar a sabedoria. A sociedade

indiana era marcada por soberba, desconfiança em relação a

estrangeiros e um sistema de castas brutal, mas meu pai via os

indivíduos como parte de uma família humana universal.

Qualquer que fosse sua raça, origem social ou gênero, você era

bem-vindo para se juntar a ele e escutar suas palavras. Lembro

que, em um evento, ele chamou um casal americano ao palco,

tornando-os convidados de honra e os sentando em cadeiras.

Era um desafio claro a todos que pensassem que não indianos

eram espiritualmente impuros e os mais reles dos reles.

Compartilho minhas opiniões sobre nossas conexões humanas

universais no capítulo 11.

Aprendi com meu pai sempre que pude, sentando-me

muitas vezes aos seus pés enquanto ele se dirigia a plateias de

seguidores e pessoas que buscavam conhecimento. Discursei

pela primeira vez em um de seus eventos quando eu tinha

quatro anos. Minha mensagem naquele dia era simples: a paz é

possível quando você começa por você mesmo. Sempre senti

essa verdade dentro de mim e, embora fosse muito jovem, me

pareceu completamente natural ficar de pé e compartilhar essa

ideia com as pessoas diante de mim.


Um dia, dois anos depois, eu estava brincando na rua com

meus irmãos quando um amigo da família veio até nós,

dizendo: “Seu pai quer ver todos vocês lá dentro. Agora”.

Pensamos: “Opa, o que será que fizemos?”. Quando entramos,

meu pai nos perguntou se gostaríamos de receber

Conhecimento. Foi essa a palavra que ele usou para descrever a

série de ideias e técnicas relacionadas ao autoconhecimento.

Sem parar para pensar, todos dissemos que sim.

Essa sessão com meu pai não durou muito, e foi só ao longo

dos anos seguintes que desenvolvi uma boa compreensão do

que ele havia me transmitido naquele dia, e que irei transmitir

para você. Percebi que eu havia começado a adquirir uma

perspectiva mais ampla sobre a vida, entendendo melhor que

não somos moldados apenas pelo que há fora de nós ou por

nossos pensamentos. Existe outra coisa acontecendo dentro

também — algo incrivelmente poderoso.

Eu também já contava com uma noção de mundo interior,

mas foi nesse momento em particular que comecei a ver como

o autoconhecimento era uma rota para a paz pessoal e que

praticá-lo possibilitava que eu me mantivesse centrado e

ancorado. Senti que esse Conhecimento estava me gerando

foco e confiança quando os outros pareciam inseguros de si.

Com o Conhecimento, não há necessidade de estar em

nenhum lugar nem pensar em mais nada. Não há necessidade

de uma consciência de nada além da doce delícia de

simplesmente existir. Comecei então a entender que a paz não

é um luxo em nossa vida; é uma necessidade.

Um dia, um pouco depois de aprender as técnicas de

autoconhecimento, eu estava sentado em nosso jardim em

Dehra Dun quando uma sensação extraordinária de paz se

instalou dentro de mim. Foi quando, pela primeira vez,

realmente entendi que a paz interior é mais do que uma série


de sentimentos passageiros e que sua essência não está

relacionada ao mundo exterior. Falarei mais sobre essa

experiência no capítulo 3.

DO GANGES A GLASTONBURY

Quando eu tinha oito anos e meio, meu pai faleceu. Como

você deve imaginar, foi um choque terrível para mim, minha

mãe, minha irmã, meus irmãos e toda a família. Deixou um

buraco imenso em nossas vidas e nas de todos os seus

seguidores.

Meu pai havia me mandado para uma escola católica romana

em Dehra Dun, a St. Joseph’s Academy, para que eu aprendesse

inglês. Ele tinha esperança de que um dia eu pudesse

compartilhar sua visão do autoconhecimento com pessoas do

exterior — com toda a humanidade, na verdade. Depois que

ele faleceu, meu propósito de vida ficou claro para mim: eu

tinha que dar continuidade ao trabalho dele, compartilhando a

mensagem de que a paz é possível, onde quer que as pessoas

escutassem, por todo o mundo.

Uma ambição bastante ousada para um menino, mas pareceu

óbvio que era o que eu precisava fazer. A única forma de

começar era me dirigindo aos seguidores do meu pai, então

reuni coragem suficiente para enfrentar as multidões sozinho e

logo estava falando por toda a Índia. Até hoje, fico admirado

com o caráter extraordinário do povo indiano. O país passou

por tanta coisa, tantas conquistas e desafios, mas sobreviveu

graças à resiliência do povo. Encontrei muitos indivíduos

incríveis em minhas viagens pela Índia.

Nos anos 1960, visitantes dos Estados Unidos e da Europa

chegaram a Dehra Dun, muitas vezes em busca de novas ideias

sobre a vida. Alguns começaram a ir para me ouvir. Trato do


meu primeiro encontro com esses visitantes estrangeiros neste

livro. Um grupo ouviu minha mensagem com atenção e,

depois de um tempo, eles disseram que queriam compartilhar

meus ensinamentos com as pessoas de seu país, e me

convidaram para ir à Inglaterra. Eu queria ir, mas, como tinha

apenas treze anos, os professores exigiam minha presença na

St. Joseph’s, e a viagem precisou ser marcada para as férias

escolares.

Poucos dias depois de chegar ao Reino Unido, em junho de

1971, me levaram de carro de Londres até o interior. No fim da

viagem, estava no Pyramid Stage em pleno festival de música

de Glastonbury. Era apenas o segundo Glastonbury, que agora

se tornou um evento famoso em todo o mundo. Naquela noite,

falei um pouco sobre o poder do autoconhecimento e da paz

pessoal para uma plateia bastante surpresa e barulhenta. A

mensagem pareceu fazer sentido para muitos. Minha chegada

ao Reino Unido e essa aparição no Glastonbury atraíram a

atenção da imprensa, e as pessoas começaram a me procurar.

Naquele ano, estive nos Estados Unidos pela primeira vez, e

o interesse começou a crescer por lá também. Eu pretendia

voltar para casa para o retorno das aulas, mas decidi ficar mais

um pouco. Lembro-me de ligar para minha mãe e dizer que

não planejava voltar. Na época eu estava em Boulder, no

Colorado. Contei que coisas maravilhosas estavam acontecendo

nos Estados Unidos. Que era este o verdadeiro propósito da

viagem: descobrir se as pessoas de fora estavam interessadas

nessa mensagem de paz. Na Índia, muita gente é terrivelmente

pobre, mas tem acesso aos tesouros do autoconhecimento. Será

que os povos relativamente ricos dos Estados Unidos e de

outros países sentiam a necessidade de criar uma conexão

melhor com seu eu? Logo ficou muito claro que as pessoas no
Ocidente tinham sim a mesma sede de autoconhecimento e paz

interior que os habitantes da minha terra.

Então, lá estava eu: treze anos de idade e muitos milhares de

quilômetros longe de casa, mas com uma sensação clara da

oportunidade diante de mim. E eu conhecia minha própria

mente. Depois de alguns argumentos persuasivos, minha mãe

concordou — relutante — que eu deveria ficar um pouco

mais. Nenhum de nós sabia na época, mas eu logo começaria

uma vida nova nos Estados Unidos, discursando para

multidões cada vez maiores tanto lá como em outros lugares.

E, em poucos anos, eu conheceria minha mulher, Marolyn, e

começaria uma família.

PROCURANDO NO LUGAR CERTO

Há muito tempo viajo pelo mundo levando minha

mensagem de paz pessoal. Quando sentimos essa paz dentro de

nós, começamos a influenciar aqueles ao nosso redor. É lindo

como a paz é contagiosa. Falei sobre isso em toda parte, desde

reuniões das Nações Unidas até prisões de segurança máxima,

de países que passaram por conflitos recentes (como África do

Sul, Sri Lanka, Colômbia, Timor-Leste e Costa do Marfim) a

auditórios e estádios em muitas outras nações. Conversei com

todo tipo de gente, desde líderes mundiais até ex-guerrilheiros,

de multidões de 500 mil e audiências televisivas de milhões a

pequenos grupos, e com muitas pessoas individualmente.

Agora estou falando com você por meio deste livro.

Aonde quer que eu vá, quero compartilhar essa mensagem

antiga de autoconhecimento e paz que me foi passada ao longo

dos anos, mas sempre procuro relacionar a sabedoria antiga ao

que está acontecendo hoje. Você verá que, embora eu esteja

preocupado com os impactos pessoais e sociais trazidos pelo


desenvolvimento industrial e tecnológico, também celebro os

benefícios da modernidade.

A tecnologia sem dúvida representa um papel significativo

na minha vida cotidiana. Pilotar, por exemplo, é importante

para mim. Quando eu era jovem, sempre pensava em aviões e

sonhava em poder voar. Queria muito estar entre as nuvens.

Depois que cheguei aos Estados Unidos, decidi estudar para me

tornar piloto. Desde então, pilotar me possibilita assumir o

controle das minhas viagens e chegar a lugares distantes para

compartilhar minha mensagem. Pilotar é uma parte

imensamente gratificante da minha vida.

Ao longo das décadas de viagens e discursos, vi um aumento

extraordinário nos padrões de vida mundiais. Nem todos se

beneficiaram disso, claro, como uma viagem à Índia (ou às

áreas mais pobres dos Estados Unidos) pode mostrar. Mas o

aumento na prosperidade material como um todo é

impressionante. No entanto, aonde quer que eu vá, parece não

haver um aumento correspondente no número de pessoas que

se sentem felizes com suas circunstâncias, em total sintonia

consigo mesmas, e com uma visão clara sobre seu propósito.

Muita gente me diz que sente que seu eu está ausente, mas não

está ausente de verdade — só estão procurando no lugar

errado.

Pode ser tentador sair por aí para encontrar o que estamos

buscando — e isso pode nos trazer ótimas experiências —, mas

a verdadeira plenitude só existe quando direcionamos nossa

consciência para dentro de nós. A paz é formada perfeitamente

em nosso interior a partir do momento em que somos criados,

mas podemos perder contato com ela quando encontramos as

distrações da vida. As pessoas procuram autoconhecimento e

paz em toda parte, mas não há por que ficar buscando quando

você já tem o que procura.


Precisamos sentir de verdade quem somos. E este é o

personagem extraordinário de que falei antes e que é central

nesse processo, a pessoa que você precisa conhecer melhor do

que todos: você. Acredito que você tem tudo de que precisa

dentro de você — todos os recursos necessários para se

conhecer de verdade. Clareza, contentamento e bondade estão

dentro de você. A escuridão está dentro de você, mas também a

luz. Mesmo quando você estiver triste, a alegria continua em

você. Esses sentimentos não vêm de nenhum outro lugar, são

parte de você, embora possa perdê-los de vista. Basicamente, o

que faço é oferecer um espelho para que você possa começar a

ver seu eu interior com clareza.

QUAL É A SUA HISTÓRIA?

Minha família demorou a ter uma televisão, e as emissoras

de rádio só ficavam no ar algumas horas por dia, mas nossa

casa era cheia de contadores de histórias. Há uma tradição

muito longa de contação de histórias na Índia, com professores

transmitindo histórias para estudantes, estudantes

compartilhando-as com os outros e assim por diante. Essa

fórmula oral fazia com que as narrativas pudessem refletir

preocupações e acontecimentos contemporâneos para que

sempre permanecessem relevantes. O antigo escriba indiano

sagrado Veda Viasa valorizava a tradição oral, mas acreditava

que certas histórias estavam se perdendo com o tempo, por

isso começou a escrevê-las. Ele agora é reverenciado como o

autor do épico sânscrito Mahabharata e é muitas vezes

creditado como autor ou compilador de outras coletâneas

famosas de textos como os Vedas e os Puranas. As histórias

orais e escritas mantinham todos em nossa casa entretidos,

mas também aprendíamos com elas. Como orador, compartilho


histórias que me tocaram ao longo dos anos — incluindo

narrativas do outro lado do mundo — e apresento algumas das

minhas favoritas neste livro.

Histórias tradicionais normalmente começam com “Era uma

vez”, mas a grande história que quero lhe contar começa um

pouco diferente: “Era esta vez em que você vive”. Você tem uma

história que está escrevendo desde que nasceu, e é importante

que permaneça no centro da ação. Você precisa saborear quem

você é. Se não tomar cuidado, todos os outros podem se tornar

os personagens principais do drama da sua vida — cônjuges,

familiares, amigos, colegas, celebridades, políticos, até

desconhecidos —, portanto é preciso colocar você no palco

central. “Não é egocentrismo?”, as pessoas me perguntam.

Muito pelo contrário — e vou dizer por que começar com você

mesmo é na verdade a melhor coisa a fazer pelos outros.

CONHECE A TI MESMO

Em algum momento da história humana, as pessoas

começaram a perceber que existe um nível de consciência

além do pensamento necessário para a sobrevivência do dia a

dia. Não se sabe exatamente quando essa compreensão surgiu.

O que sabemos é que sinais de autoconhecimento podem ser

traçados como um lindo fio que percorre muitas das maiores

culturas e civilizações, cada uma se adaptando das maneiras

que faziam sentido para elas.

Pense nas famosas palavras tantas vezes atribuídas ao filósofo

grego Sócrates: conhece a ti mesmo. Acredita-se que a mesma

frase estivesse escrita em pedra no Templo de Apolo em

Delfos. Alguns historiadores argumentam que os gregos podem

ter adotado essas palavras dos antigos egípcios. Diz-se que, no

templo interno de Luxor, no Egito, há uma inscrição que diz:


“Homem, conhece a ti mesmo, assim conhecerá os deuses”.

Adiante trataremos mais dos deuses. A questão é que a frase

não é “conheça sua história” nem “conheça sua cultura” nem

“conheça sua sociedade”. É extremamente precisa: “conheça

você mesmo”.

Você se conhece?

Quando faço essa pergunta, a maioria das pessoas apenas

sorri e diz algo como “talvez” ou “não sei direito”. Quem é

você? É uma pergunta simples que pode ser difícil de

responder, em parte porque tentamos responder com palavras

em vez de sentimentos. Palavras são um bom lugar para

começar, mas conhecer seu eu está mais relacionado ao que

sentimos do que a como nos definimos. Estou aqui para dizer

que, ao longo de muitos séculos, as pessoas experimentam a

plenitude que acompanha o verdadeiro autoconhecimento — e

você também pode experimentar.

Parte do meu trabalho é ajudar a equilibrar os efeitos de um

mundo que pode facilmente distrair você de quem você é.

Muitas pessoas irão dizer o que você não é; estou aqui para

ajudá-lo a saber o que você é. Muitas pessoas terão o maior

prazer em lhe dizer tudo que há de errado em você; estou aqui

para ajudá-lo a valorizar tudo que há de certo em você. Muitas

pessoas serão rápidas em dizer que você deveria ser mais assim

ou assado; estou aqui para dizer que você tem a perfeição

dentro de você. Ao longo do caminho, você conseguirá

responder sozinho a “Quem sou eu?”. E talvez até a “Por que

estou aqui?”.

Até hoje, minha mensagem começa com a verdade

fundamental de que a paz está dentro de cada um de nós, sem

exceção. Essa parece uma afirmação importante diante de tanta

confusão, cinismo, medo e desespero em nosso mundo. Você

verá que minha filosofia é simples, prática e fácil de aplicar.


Não envolve estudar por anos e anos — você tem o necessário

dentro de você agora. Mas o autoconhecimento só pode

começar de verdade quando você assume a responsabilidade

pelo seu bem-estar e decide explorar seu interior. Pela minha

experiência, a paz só é possível quando se começa pelo seu eu.

O filósofo grego Aristóteles dizia: “Conhecer a si mesmo é o

começo de toda sabedoria”. Do autoconhecimento e da paz

fluem sensações deliciosamente doces de alegria, clareza,

plenitude, amor, resiliência e muitas outras coisas — sensações

que podem ser desfrutadas por si mesmas e não precisam estar

vinculadas a nada nem a ninguém. Apenas permita que esse

pensamento fique dentro de você por um momento: você tem

um estoque vitalício de paz interior que não depende das

outras pessoas nem é definido por elas nem por nada dentro

de você. É seu e apenas seu. É absolutamente perfeito e vive

bem no seu coração. É para lá que estamos indo.

OUÇA O SOM SECRETO

O poeta indiano Kabir disse: “Se quiser a verdade, digo-lhe a

verdade: ouça o som secreto, o som real, que há dentro de

você”. O autoconhecimento é como música — quando você

começa a se entender, começa a ouvir os muitos belos sons que

essa vida pode tocar para você. É como se seus ouvidos fossem

se sintonizando com mais e mais frequências. Por fim, apesar

de todo o ruído, você se ouve. Torna-se um músico também,

produzindo melodias maravilhosas que deliciarão aqueles que

são capazes de ouvir. E é bem possível que você inspire

algumas harmonias. Mas, como qualquer músico, você deve

aprender seu instrumento e praticar, praticar, praticar.

Lembro-me de uma época, em Dehra Dun, em que as

pessoas faziam música em casa, por puro e simples prazer.


Pouquíssimos poderiam ser chamados de músicos de verdade,

mas eles tocavam e tocavam, muitas vezes enquanto as outras

pessoas e os animais da casa cuidavam da própria vida a seu

redor. Alguém às vezes tinha um dhapli (um tamborim), e

poderia haver um pequeno teclado como um harmônio e um

instrumento de uma corda chamado ektara. O som era

geralmente bem simples, mas era maravilhoso como os

músicos ficavam imersos na experiência de tocar.

Meu pai às vezes saía para escutar. “Shhh”, ele dizia. “Não

deixe que saibam que estou aqui, senão vão parar de tocar.” Ele

queria que vivessem aquele momento e se expressassem sem

pensar, sem se preocupar em tocar para os outros nem se

esforçar para ser tecnicamente corretos. Isso é muito parecido

com praticar o autoconhecimento: o foco não é a perfeição do

instrumento usado nem a reação da plateia à apresentação; é a

sensação experimentada pelo músico.

Imagine como a sensação de paz pode mudar a maneira

como você vive cada momento precioso. Imagine se todos ao

seu redor puderem adquirir essa conexão profunda com quem

são. Imagine se todos puderem ouvir e tocar a música do

autoconhecimento. Pense no impacto sobre os indivíduos, as

famílias, as comunidades, a política, a guerra, o nosso mundo.

Bem, vamos começar por uma pessoa de cada vez — no caso,

você.

Vamos lá.

* Na Índia, “gu” significa “trevas”, e “ru”, “luz”. Um guru, portanto, é


alguém que pode levá-lo das trevas para a luz. Você pode pensar nos gurus
como guias de vida. (N. A.)
1. Vá além do ruído dentro de sua cabeça

Nosso tempo é muito precioso — quem sabe quanto tempo

temos? A cada dia recebemos esse dom maravilhoso que é a

vida. A maior responsabilidade que temos com nós mesmos é

garantir que vivamos todos os momentos da melhor maneira

possível. Quando isso acontece, é como se a vida brotasse em

toda a sua glória. Mesmo nos períodos difíceis, podemos sentir

a alegria pura da própria vida. Mas, para aproveitar ao máximo

nosso tempo, devemos cuidar de nossa atenção, oferecendo-a

apenas ao que importa — àquilo de que realmente precisamos

e o que mais nos satisfaz. O restante é ruído.

Todos os dias, quero que meus objetivos sejam claros. O

objetivo de hoje é alegria. O objetivo de hoje é gentileza. O

objetivo de hoje é plenitude. O objetivo de hoje é amor. Acima

de tudo, o objetivo de hoje é viver em paz. Atividades

extracurriculares podem surgir — todas as coisas práticas ou

necessárias que entram em nossa vida —, mas nada deve me

distrair da prioridade de viver a vida ao máximo.

As pessoas sempre falam sobre a necessidade de concentrar

nossa atenção. Minha sugestão é que olhemos com mais

clareza quando estivermos olhando dentro e fora de nós.

Existem oportunidades incríveis a serem aproveitadas em

nosso mundo, mas, se estivermos envolvidos apenas com o que

está acontecendo “lá fora” e perdermos contato com o que


acontece dentro de nós, podemos perder nossa perspectiva e

começar a nos sentir desequilibrados.

Quando digo “dentro de nós”, estou me referindo à parte

mais profunda de quem somos. Penso nisso como o coração

em vez de como a mente. É muito fácil acabarmos perdendo

todo o nosso tempo no mundo inquieto da mente — a

província dos pensamentos, ideias, expectativas, projeções,

ansiedades, críticas e fantasias a respeito das coisas externas —

e então um dia nos perguntamos: “É apenas isso que existe? É

apenas isso que sou? Sou apenas um veículo para esses

pensamentos em fluxo constante?”. Essa sede por um sentido

pessoal de completude além do que acontece em nossa mente

transcende culturas.

Bom, será mesmo apenas isso que existe? Será mesmo apenas

isso que somos? Ou será que somos muito mais do que uma

mente dentro de um corpo? A resposta é que existe muito

mais — muito, muito, mas muito mais — na vida e em nós do

que aquilo que passa pela nossa cabeça. Inclusive, costuma ser

nossa mente que nos distrai de uma conexão mais profunda

com nosso eu. O desafio para muitas pessoas é que elas

crescem cercadas pelas distrações externas mas nunca são

ensinadas a se conectar com seu interior além do pensamento.

Sem essa conexão mais profunda, podemos sentir que uma

parte de nós está faltando — talvez a parte mais importante —,

mas não sabemos bem o que é ou onde encontrar. O que falta é

uma conexão com nossa sensação de paz interior, com o âmago

de quem somos. Quando estamos conectados com a paz, nossa

experiência de vida é enriquecida pela clareza, por uma

sensação nítida daquilo que realmente importa. Quando

iniciamos cada dia em um lugar de calma — em que

conhecemos nosso eu verdadeiro —, podemos sair para o


mundo lá fora concentrados no que mais queremos fazer, viver

e sentir.

Portanto, paz, plenitude e muitas outras maravilhas estão

disponíveis, mas precisamos verificar se estamos buscando no

lugar certo. Antes de chegarmos lá, pode ser útil entender um

pouco mais essa coisa chamada ruído.

A CORRERIA DA VIDA

Talvez você se identifique com esta cena: você acorda, abre

os olhos devagar, boceja e se espreguiça. E, imediatamente, eles

pulam em cima de você. Todos os pensamentos sobre o dia à

sua frente. Todos os objetivos que precisam ser cumpridos e os

planos que devem ser seguidos. Todas as expectativas e

opiniões da família, dos amigos e dos colegas. Todos os

problemas de casa ou do trabalho. Todas as preocupações sobre

coisas que aconteceram ontem ou podem acontecer amanhã. O

passado e o futuro se encontrando em uma cacofonia

completa.

É como se as muitas distrações de seu mundo estivessem

esperando pacientemente do lado da cama até você sair do

sono. E agora elas ganham vida. A sua vida. Na verdade, às

vezes as distrações são tão impacientes que acordam você mais

cedo. “Hora de acordar!”, elas gritam. “Precisamos ser

alimentadas!”

Ouço um coro de reclamações de alguns dos meus amigos:

“Há demandas demais!”

“Não tenho um minuto para mim!”

“Nunca para!”

É muito comum as pessoas falarem como se fossem servas

do corre-corre — da correria — da vida. É muito fácil

deixarmos as distrações definirem nossa agenda, e o tempo


parece derreter em pleno ar. Quando isso acontece, podemos

perder as bênçãos de nossos dias — o contentamento e a

alegria que existem para saborearmos. É assim que o ruído

pode prejudicar nossa experiência de vida.

AS MARAVILHAS E OS DESAFIOS DA TECNOLOGIA

Era para a tecnologia nos ajudar a resolver os problemas da

correria. Diziam que ela acabaria com as tarefas chatas e

demoradas e nos deixaria livres para fazer mais o que amamos.

Não foi bem o que aconteceu.

Eu gosto da tecnologia, portanto não tome isso como uma

sugestão para voltarmos a uma forma de vida menos avançada.

A invenção e a inovação fizeram coisas incríveis pela

humanidade ao longo da minha vida. O progresso tecnológico

ajudou a elevar os níveis de prosperidade, saúde e conforto

para milhões. Possibilitou que viajássemos mais longe, mais

rápido e com mais segurança do que nunca. Permitiu que

mantivéssemos contato com entes queridos que vivem a

muitos quilômetros de distância. Trouxe novos serviços,

informações e entretenimento para nossos lares. E espero que

traga muito mais, sobretudo para as pessoas mais pobres do

planeta.

Minha experiência pessoal de mudança tecnológica começou

quando meus pais compraram uma geladeira. Na época, a Índia

estava muito atrasada em termos de progresso técnico, então,

quando esse objeto caro chegou à nossa casa, ficamos todos

admirados. Ela foi instalada em um cômodo separado da

cozinha, e não sabíamos bem o que colocar lá dentro. Por um

tempo, abrigou apenas galões de água gelada, até alguém dizer:

“Ei, dá para armazenar as verduras e frutas!”. E nos mostraram

o que ela podia fazer.


Eu era cheio de curiosidade quando era criança, e queria

muito saber se a luz dentro da geladeira se apagava quando a

porta se fechava. Então entrei e fechei a porta. Cerca de dois

minutos depois, alguém veio e abriu. A pessoa ficou em

choque — havia uma coisa viva dentro da geladeira! Mas eu

tinha minha resposta.

Então chegou o telefone. Mas, em vez de digitar um número,

erguíamos o fone e a telefonista estava lá, esperando para nos

conectar. Se fosse uma chamada local, bastava dar o nome, e ela

nos colocava em contato.

Mais adiante, quando visitávamos Delhi, usávamos um

telefone para descobrir se um amigo da família, que tinha uma

das únicas tvs da cidade, ligaria seu aparelho naquela noite.

Sempre queríamos ir lá para assistir. Que jornada incrível

desde aquela época até os dias de hoje, quando o filme mais

recente está disponível no tablet ou no celular.

Podemos apreciar os benefícios da tecnologia e aceitar a

inovação, mas, junto com as maravilhas, vêm desafios.

Devemos ter cuidado para garantir que a tecnologia sempre

funcione a nosso favor. Quando sinto que a tecnologia está

começando a me dominar, eu não gosto. Quero manter o

controle e tomar as decisões que me afetam. Quero ser a

pessoa que desliga e liga a tecnologia.

VAI PASSAR

Às vezes acho surpreendente a conexão emocional que as

pessoas estabelecem com seus aparelhos. Eu estava no Camboja

alguns anos atrás fazendo um discurso para alguns alunos

excelentes. Em certo ponto, durante as perguntas, uma jovem

se levantou, parecendo aflita. “Assisti aos seus vídeos”, ela

disse, “e você disse que não deveríamos viver no passado,


deveríamos viver no presente…” Imediatamente comecei a

imaginar que ela devia ter passado por algo traumático, talvez a

morte dos pais, e já estava me sentindo grato por ela se abrir

comigo. Então ela disse: “Ontem perdi meu celular. E ainda

choro por isso e me sinto mal. O que posso fazer para ser feliz

de novo?”.

Eu não esperava por uma tragédia tão pequena, mas a jovem

parecia triste de verdade. Respondi algo assim: “Você nasceu

com um celular? Não. Você não pode julgar os momentos de

sua vida por um celular. Para viver, você precisa de um celular?

Sabe quanto tempo a civilização existiu antes de haver um

celular? Por milhares e milhares de anos, as pessoas não

tinham celulares. Então, todos eram tristes? Não. As coisas

vêm e vão. Sua alegria não pode estar ligada a essas coisas. Você

deve se preocupar? Sim. Deve ficar triste? Não.

“Quando o vento sopra muito forte, as árvores que não

sabem se curvar se quebram. Mas as que sabem balançar com o

vento ficam. É apenas uma tempestade; vai passar. Mas você

tem que estar acima disso. Você vai ficar bem.”

SEMPRE CONECTADOS

Consigo ver que o progresso tecnológico definitivamente

está transformando o mundo ao nosso redor de muitas formas,

e fico feliz com isso. É quando se trata do mundo dentro de

nós que meus sentimentos ficam um pouco mais complicados.

A tecnologia — sobretudo em comunicações — pode ser um

amplificador do ruído em nossa vida, um multiplicador das

distrações que disputam nossa atenção. Muitas pessoas relatam

que se sentem bombardeadas por e-mails, mensagens de texto,

notificações, postagens e tudo o mais. Só que também nos


preocupamos com as mensagens que ainda não recebemos e

com as pessoas que ainda não nos seguem.

Os humanos conseguem se adaptar muito depressa a novas

situações, mas parece que alguns de nós estão sendo levados

pela maré de inovação em vez de seguir seu próprio curso. A

tecnologia está aí para nos ajudar a manter contato com os

outros, mas, em vez disso, estamos perdendo contato com nós

mesmos. Às vezes parece que nossos aparelhos estão nos

puxando para baixo. É como se tivéssemos comprado um

cavalo para nos levar de um lugar a outro, mas acabamos

carregando o cavalo.

Quando sentimos as demandas da tecnologia nos chamando,

devemos nos perguntar: neste momento, me sinto livre ou

entreguei uma parte de mim a essa conectividade constante?

Dizem que é um mundo “sempre conectado” — será que não

pode ser bom para nós apertarmos o pause com mais

frequência?

Um problema é que diferentes formas de redes sociais

apresentam um fluxo contínuo de material novo. Isso pode ser

interessante e enriquecedor, mas, em vez de sermos

revigorados pelo que há de novo, acabamos sempre querendo o

que vem em seguida. Então ficamos ansiosos sobre talvez

perder algo importante. Há um acrônimo em inglês para esse

sentimento: fomo — fear of missing out, ou medo de ficar de

fora.

Vemos uma onda nova de tecnologia entrando em nossa

vida: inovações que podem fazer grandes coisas por nós, mas

com consequências que precisamos considerar com cuidado. A

inteligência artificial, a realidade aumentada, a realidade

virtual: existem muitas possibilidades fascinantes, mas

devemos garantir que a tecnologia ajude a melhorar nossa

realidade do dia a dia. Lembro-me de um comentário feito


pelo economista John Kenneth Galbraith: “A busca de avanços

técnicos complexos oferece uma pista sobre por que os Estados

Unidos são bons em engenhocas espaciais e ruins em questões

de pobreza”.

Às vezes me perguntam: “O que vai acontecer quando a

inteligência artificial chegar?”. Bom, você ainda será você. Eu

ainda serei eu. Os seres humanos ainda serão seres humanos.

Você pode achar divertido, mas sempre que precisam de

alguma manutenção, uso uma pedra afiada de 2,6 bilhões de

anos para soltar a parte de trás dos meus aparelhos digitais.

Algumas tecnologias retêm seu valor.

O grande escritor de ficção científica e acadêmico Isaac

Asimov disse: “O aspecto mais triste da vida de hoje é que a

ciência acumula conhecimento mais rápido do que a sociedade

acumula sabedoria”. Mas sempre temos a oportunidade de

mudar isso. E sempre precisamos nos lembrar de que existe

uma realidade mais profunda dentro de nós que é cheia de

sabedoria.

FALTA DELEITE

Nossa sensação de sobrecarga não está relacionada apenas à

tecnologia, claro. Às vezes as expectativas que depositam em

nós podem aumentar a pressão que sentimos. E há também

nossas próprias expectativas: os desejos e vontades não

realizados, aqueles quereres persistentes que não conseguimos

deixar de lado. Ambição é uma coisa boa, mas não quando nos

impede de aproveitar toda a riqueza da vida. Alguns de nós

vivem tão ocupados tentando ser bem-sucedidos que não têm

tempo para aproveitar o que já são. E alguns estão tão ocupados

tentando chegar a algum lugar que não veem onde estão agora.
Pode ser um mundo “sempre conectado” em nossa mente

também.

Toda geração tenta encontrar maneiras de reagir a esse

desejo insaciável de alguma outra coisa. O filósofo romano

Sêneca parecia entender o fomo. Em seu ensaio Sobre a

brevidade da vida, ele escreveu:

Os homens viajam por toda parte, vagando por praias estrangeiras e


pondo à prova por terra e mar sua inquietação, a qual sempre odeia o
que está ao redor. “Vamos agora para a Campânia”, dizem. Então, quando
ficam entediados com o luxo: “Vamos visitar áreas não cultivadas; vamos
explorar as florestas de Bruttium e Lucânia”. E, ainda assim, em meio à
selva, falta algum deleite […]. Eles fazem viagem após viagem e trocam
um espetáculo por outro. Como diz Lucrécio: “Assim, cada homem
sempre foge de si mesmo”. Mas para quê, se não tem como fugir de si
mesmo?

Falta algum deleite em meio à selva da vida moderna. O

mundo exterior apresenta oportunidades maravilhosas para

nos conectarmos com as pessoas e experimentarmos coisas

novas. A tecnologia de comunicações prolonga tudo isso

imensamente, o que é ótimo. Mas o que estamos mesmo

buscando está dentro de nós. Quero saber o seguinte: como é o

mundo das redes sociais dentro de você? Você segue você? Você

curte você? Você sabe como ser seu próprio amigo? Se não

conseguir ser amigo de si mesmo, tem como ser amigo de

alguém mais?

Às vezes basta soltar nosso aparelho e ficar com a pessoa que

é nossa fã número um: nós mesmos. Como o filósofo chinês

Lao-Tsé disse: “Conhecer os amigos é sinal de inteligência, mas

conhecer a si próprio é a verdadeira sabedoria”.

AGORA UMA BOA NOTÍCIA


Então, você quer encontrar um equilíbrio melhor entre o

que está no mundo lá fora e o que acontece dentro de você?

Reduzir as distrações em sua vida e encontrar contentamento?

Experimentar a doce sensação de ser feliz e completo no

momento? Diminuir o volume do ruído e se escutar? Isso é

tudo perfeitamente possível. Primeiro, porém, precisamos

reconhecer que o ruído no mundo exterior é irrelevante para a

sensação de paz interior. Em outras palavras, temos apenas que

lidar com o ruído dentro de nossa cabeça.

As pessoas tentam de tudo para escapar do barulho. Entram

embaixo das cobertas e cobrem as orelhas com travesseiros.

Escalam montanhas, entram em florestas, fogem. Sobem a

quase 10 mil metros de altitude e mergulham nas profundezas

sob as ondas. Vão a peregrinações e visitam retiros silenciosos

em cantos remotos. Frequentam templos ou igrejas ou

mesquitas ou shoppings ou bares ou bocas de fumo. Mas o

ruído ainda está lá. Vive dentro da cabeça delas, então não há

mais onde possa estar. Como disse o escritor americano Ralph

Waldo Emerson:

Por mais que viajemos o mundo em busca da beleza,

Devemos carregá-la conosco ou não a encontraremos.

Portanto, todo homem ou mulher sempre foge de seu eu —

mas de que adianta se não há como escapar? A menos que

encontremos a paz dentro nós, o ruído sempre nos encontrará.

Agora a boa notícia.

O ruído não está simplesmente acontecendo conosco;

estamos deixando que ele nos aconteça. Podemos escolher

quando desligar nossos aparelhos. Podemos escolher como

gerenciar nossa caixa de entrada mental. Podemos escolher a

quem dar ouvidos, com quem nos importar e a quem

responder.
Mencionei que as pessoas tentam escapar do ruído a quase 10

mil metros de altura. Permita-me levar você a essa altitude por

um momento. Como piloto, já estive em várias cabines e

pilotei diferentes tipos de aeronave. Há muita automação agora,

com computadores tomando grande parte das decisões. Na

verdade, com o avanço da tecnologia, os pilotos não cuidam

mais da aeronave, e sim da tecnologia que muitas vezes pilota a

aeronave por eles. Em última instância, porém, é um humano

que pilota o avião, não o computador, sobretudo em uma

emergência. Quando eu estava em treinamento, meus

instrutores viviam dizendo: “Se houver um problema com a

tecnologia, basta desligar tudo e fazer o que sempre fizemos —

pilotar o avião”.

É também o que precisamos fazer quando o ruído fica muito

alto em nossa vida: desligar as outras coisas e pilotar o próprio

eu. E fazemos isso por meio das nossas escolhas.

Um único momento de escolha positiva pode ser o começo

de uma jornada transformadora pelo autoconhecimento até a

calma interior, o foco, o contentamento e a paz. Seguimos em

direção à paz interior quando escolhemos — escolhemos —

também voltar nossa atenção para dentro. Quando estamos

plenamente conectados com nosso eu interior, o ruído deixa de

ser um intruso e passa a ser nosso amigo — mas um amigo

particularmente agitado, barulhento e animado que vemos

apenas quando nos convém.

É importante notar o “também” nessa frase, “também voltar

nossa atenção para dentro”. Não precisa ser uma escolha

absoluta entre tecnologia e paz interior, entre ruído e

contentamento, entre os mundos exterior e interior. Às vezes

as pessoas pressupõem que ou podem ter todos os benefícios

da modernidade ou a paz interior, como se uma coisa fosse

incompatível com a outra. Não temos que sacrificar uma pela


outra; precisamos apenas garantir que somos nós que estamos

decidindo para onde voltar nossa atenção.

A GANGUE DE LADRÕES

Vamos pôr em prática nossa estratégia de escolha positiva

em uma questão específica. Nosso tempo está sendo roubado

de nós: é o que muitas pessoas parecem sentir. É verdade?

Talvez algumas redes sociais sejam ladras de atenção (algumas

parecem ser projetadas dessa forma) e, no fundo, todos

sabemos que nossos desejos podem nos distrair do

contentamento.

Mas quem abre a porta para esses ladrões? Nós! Nós trazemos

o mundo exterior para dentro de nós. Muitas vezes, é

interessante e gratificante encontrar coisas, pessoas e

informações novas — afinal, isso é parte do aprendizado. Mas

precisamos nos manter no comando da entrada de nossa

mente e nosso coração. Quando deixamos que qualquer pessoa

ou coisa entre, podemos nos tornar cúmplices do roubo de

nosso próprio tempo. Outras pessoas podem ser catalisadoras,

mas nós somos a principal fonte de nossa agitação. Somos a

principal fonte de nossa confusão. Somos a principal fonte de

nosso descontentamento. Somos a principal fonte de nossa

distração. Mas também somos a principal fonte de todas as

qualidades imensamente positivas que podem nos levar de

volta a um caminho de alegria, clareza, plenitude, foco e paz

interior.

Quando estamos sempre buscando o que vem depois,

quando o que nos torna humanos começa a desaparecer,

quando começamos a depender tanto de algo que perdemos

contato com nós mesmos: é então que precisamos fechar por

um tempo a porta para o mundo exterior e nos reconectar com


o mundo interior. É lá que encontramos nossa verdadeira

liberdade.

Voltar ao comando de si dessa forma pode ser extremamente

libertador. Ajuda-nos a encontrar, compreender e ser

completamente uma pessoa que está vivendo e respirando no

aqui e agora. Sempre temos a opção de deixar o ruído do

mundo fazer o que faz e levar a atenção para dentro. Sou a

única pessoa que pode fazer isso por mim. Você é a única

pessoa que pode fazer isso por você. Ninguém mais tem acesso

a seu controle de volume.

Ruído gera mais ruído. As pessoas disfarçam o barulho com

mais barulho, e assim por diante, cada vez mais alto. Mas existe

uma coisa que vence o barulho: o silêncio dentro de você. Aqui

estão algumas palavras do poeta Rumi:

Você é canção, uma canção desejada.


Passa pelo ouvido até o centro,
Onde o céu está, onde venta,
Onde se sabe em silêncio.

Quando aquietamos o barulho da mente, o coração pode ser

ouvido. Então começamos a encontrar uma voz muito doce e

gentil: um chamado, não em palavras, mas em sensações. Que

sensação é essa? É a expressão interna de “eu sou, eu sou, eu

sou”. Essa canção do coração nos convida a estar à altura do

desafio, e o desafio não é nenhum outro além da vida em si.

CLAREZA E AÇÃO

Você pode estar pensando: tudo isso é muito bom, mas e

quando as coisas demandam minha atenção? Quando o barulho

da vida não pode ser ignorado? Sim, sempre há questões de

que realmente precisamos tratar, mas também há muitas


situações do dia a dia que entram em nossa imaginação

negativa e assumem uma importância maior do que a que de

fato têm. Lembre-se daquela menina cambojana e seu celular

perdido. Aquilo virou o mundo dela de cabeça para baixo, mas

era apenas um momento passageiro. Não era uma coisa grande,

mas juntas todas as tempestades em copo d’água podem

assumir o controle de nossa vida.

Quando passamos por dor e sofrimento, buscamos

explicações, mas buscar explicações também pode se tornar

um problema. Em vez de tentar explicar, a primeira coisa que

faço diante de um problema sério é me voltar para dentro e

reconhecer o fator mais importante: “Eu sou. Eu sou. Eu sou”.

Isso me dá a maior e melhor perspectiva a partir da qual posso

ver qualquer problema que surge. O autoconhecimento

começa com o entendimento de que a coisa mais importante

está absolutamente certa: você está vivo. Você está aqui,

respirando, com todas as possibilidades que isso oferece.

Parabéns!

Quando os problemas vierem — e eles virão —, sempre

podemos escolher vê-los pelo que são, encará-los abertamente,

ou desviar deles e seguir adiante. Como piloto, você pode estar

na cabine e tudo estar indo bem até encontrar uma

turbulência. Você não a vê — você a sente. Normalmente

começa devagar e, muitas vezes, acaba por conta própria. Mas

às vezes piora e você precisa agir. É hora de deixar essa altitude

e encontrar um ar melhor. Subir, descer, ir para a esquerda,

para a direita, tanto faz. O mesmo vale para tempestades, mas a

vantagem é que elas você consegue ver com antecedência.

Na nossa vida cotidiana, sempre haverá momentos

turbulentos e, às vezes, conseguimos até ver quando eles estão

vindo, mas muitas vezes não. É quando temos que escolher: ou

vou me preocupar com isso ou vou me dirigir a uma altitude


diferente. Qualquer opção é melhor do que voar pela

turbulência sem se decidir por uma nem por outra, porque

então passa a ser desagradável. Quando isso acontece,

esquecemos tudo menos a turbulência, em vez de desfrutar a

jornada. Esquecemos a vista bonita pela janela. E paramos de

conversar com os passageiros à nossa volta.

Em meio aos problemas, podemos nos inspirar na flor de

lótus. Ela consegue vicejar mesmo quando suas raízes estão na

água suja. Por mais imundo que seja o ambiente, a flor está

sempre linda. Quando nos sentimos cercados por desafios,

podemos escolher não deixar que a água suja de nossa situação

nos impeça de expressar a alegria de simplesmente existir.

E SE?

Remorsos do passado e ansiedade pelo futuro — é difícil

avançar na vida se nos permitirmos ficar presos entre esses

dois sentimentos. As memórias nos atormentam. As

preocupações sobre o amanhã nos assombram. E se isso não

tivesse acontecido? E se aquilo acontecer? Nossa imaginação

negativa nos aprisiona de duas formas. Algumas pessoas não

conseguem pensar no passado, por isso ficam buscando a

aparente segurança do futuro. Outras vivem em um mundo

fantástico de nostalgia sobre o dia de ontem porque têm medo

do amanhã. E se? E se? E se?

Esparta era uma das maiores cidades-estado da Grécia antiga

e seu povo era famoso por ser muito forte. Após invadir o sul

da Grécia e conquistar outras cidades importantes, o rei Filipe

ii da Macedônia voltou sua atenção a Esparta. O relato do

escritor grego Plutarco nos conta que Filipe enviou aos

espartanos uma mensagem perguntando se deveria ir como

amigo ou inimigo.
“Não venha”, eles responderam.

Então Filipe enviou outra mensagem: “Aconselho a se

entregarem o quanto antes, pois, se eu levar meu exército a

suas terras, destruirei suas fazendas, matarei seu povo e

arrasarei sua cidade”.

Mais uma vez, os espartanos responderam de forma lacônica:

“Se”.

Filipe nunca tentou conquistar Esparta.

E se? E se? E se? Talvez, em certo momento, devamos adotar

a estratégia espartana e enfrentar nosso medo. Também

podemos levar uma vida moldada por nossa imaginação

negativa e pelas ilusões disformes que ela projeta sobre a

realidade.

Vou contar uma história sobre ilusões e o efeito que elas têm

sobre nós.

Era uma vez uma rainha que tinha um colar deslumbrante.

Um dia, ela estava na sacada, secando o cabelo, quando tirou o

colar e o pendurou em um gancho. Um corvo estava passando,

viu a joia cintilando sob o sol, apanhou-a e saiu voando. Antes

que chegasse longe, o corvo derrubou o colar em uma árvore e

o objeto caiu em um dos galhos sobre o rio poluído.

Quando a rainha foi pegar o colar e não o encontrou, teve

um surto. “Quem o roubou?”, ela gritou. Mandou todos

procurarem, mas ninguém conseguiu encontrá-lo. Ela disse ao

rei: “Se eu não encontrar meu colar, nunca mais vou comer”.

O rei ficou profundamente preocupado e mandou o exército

e seus súditos em busca do colar, mas a joia não foi

encontrada. Por fim, o rei fez um anúncio: “Quem encontrar o

colar ficará com metade do meu reino”. Então as pessoas

realmente começaram a procurar.

No dia seguinte, um general passou pela árvore e pensou ver

o colar dentro do rio. Ele pulou imediatamente na água suja,


porque queria metade do reino. O ministro viu o general

pulando e também pensou ter visto o colar e saltou. O rei viu

seu general e o ministro procurando no rio e pulou. A essa

altura, mais soldados e aldeões tinham vindo, e todos entraram

na água também.

Finalmente, alguém com um pouco de sabedoria disse: “O

que vocês estão fazendo? O colar não está aí embaixo. Está lá

em cima na árvore. Vocês estão indo atrás do reflexo dele”.

Então o rei disse: “Como você encontrou o colar, metade do

meu reino é seu”. E a pessoa sábia disse: “Agradeço, mas sou

feliz como estou”.

Saltamos na direção de nossas ilusões. E a maior ilusão é que

as distrações de nossa vida são o que buscamos, mas a

realidade interior nos oferece mais maravilhas do que

poderíamos sonhar em ver. Sempre temos a possibilidade de

entrar em contato com essa realidade.

ESPELHO, ESPELHO MEU

Toda a nossa vida é vivida no hoje. Agora. Neste segundo. E

neste. E neste. Não podemos viver no ontem, não podemos

viver no amanhã. Além disso, é hoje que a mágica acontece.

Hoje é o momento em que conseguimos sentir paz, alegria e

amor de verdade. É onde deveríamos estar: presentes no

presente. Para viver o hoje, precisamos remover o ontem e o

amanhã e, então, o que nos resta é a realidade. O único fomo

com que deveríamos nos preocupar é o medo de ficar de fora

da realidade de estarmos vivos.

Hoje é um espelho. Ele nos reflete perfeitamente. É

verdadeiro e justo, e retrata não apenas nosso rosto, nosso

cabelo e nossas roupas, mas tudo ao nosso redor. Reflete nossa


clareza ou confusão. Reflete nossa confiança ou incerteza.

Reflete nossa bondade ou raiva.

Se você estivesse diante de um espelho, o que veria? Quem

você veria? O que seu reflexo representa para você? Você está

se vendo com seus próprios olhos? Vê que sua aparência

mudou ao longo dos anos, mas consegue sentir que algo

dentro de você nunca muda?

NO CENTRO DO SEU MUNDO

Nascemos com paz no coração e ela está sempre dentro de

nós, no centro de nosso mundo. Apesar das dificuldades e

distrações, apesar dos nossos problemas e confusões, a paz é

possível dentro de todos.

O que quer que aconteça em nossa vida, sempre há essa

oportunidade de reunir todos os elementos que nos tornam

inteiros. Quando nossa vida exterior se torna mais

movimentada e exigente, podemos perder de vista o que mais

importa. Mas tudo fora de nós vem e vai, está apenas de

passagem. Se você tirar o ruído de sua vida, a única coisa que

sobra é você. Você — no fundo do seu coração — é a constante.

Existem caminhos diferentes que nos levam à paz, mas

apenas uma direção: para dentro. Algumas pessoas passam a

vida inteira em uma busca espiritual perpétua, indo visitar

todos os cantos do que existe lá fora na esperança de que isso

lhes dê a grande resposta que está aqui dentro. Meu conselho é

parar de procurar. A paz não é uma ideia. Não é uma teoria.

Não é uma fórmula. Não é algo a ser descoberto numa

passagem escrita em um livro antigo, escondido em uma

prateleira secreta em um edifício estranho num lugar obscuro

no alto de uma montanha envolta por névoa. A paz está nas

pessoas, não nas coisas. Está em você. E está aí para ser sentida,
tocada, vivenciada, apreciada e celebrada. O poeta indiano

Kabir diz:

Fique em silêncio na sua mente, em silêncio em seus sentidos e também


em silêncio em seu corpo. Então, quando tudo estiver em silêncio, não
faça nada. Nesse estado, a verdade se revelará a você.

O processo de atingir o autoconhecimento e revelar a paz

interior é simples, mas não necessariamente fácil. Alguns

podem adquirir clareza em um instante; outros podem tentar a

vida toda. Nas páginas a seguir, vou explorar mais o que

envolve encontrar a paz e os tesouros maravilhosos que ela

pode trazer. Mas antes devemos pensar por que tudo isso

importa tanto. E o que é essa tal de vida, afinal?


2. Descubra seu ritmo interior

Existe um poder que percorre o universo há bilhões de anos.

Estava lá antes de nós e estará lá depois. Permeia todos os

átomos e deu à luz algo maravilhoso chamado Natureza, o que

inclui tudo que os humanos criam.

Tudo que vemos, tocamos, ouvimos, cheiramos e

degustamos é uma expressão desse poder. Ele está nas

montanhas e nos vales, e no fundo das cavernas subterrâneas.

Está nas florestas e selvas, e em todos os grãos de areia dos

desertos e praias. Está nos vastos oceanos, nos lagos e lagoas, e

nos rios estrondosos, nas cachoeiras e nos riachos calmos. Está

na chuva, na névoa e na neblina, no gelo e na neve, em todos

os raios de sol e todas as rajadas de vento. E está em todas as

cidades, grandes e pequenas, nas aldeias e nos lares. Está em

tudo que respiramos, comemos e bebemos. Está dentro de nós

e ao nosso redor — está em todos os lugares.

É assim que entendemos a força vital que conecta todos os

seres vivos. Algumas pessoas chamam esse poder de Deus;

outras podem usar um nome diferente. Para mim, não faz

diferença qual palavra associamos a esse poder; ele

simplesmente existe.

O MILAGRE QUE É VOCÊ


O poder se manifesta de muitas formas, da poeira cósmica —

os elementos básicos de nosso universo — às inúmeras

espécies, todas evoluindo, se reproduzindo, se adaptando.

Imagine a escala de nossa própria transformação, de

organismos unicelulares no oceano a criaturas caminhando

sobre a terra até andar na Lua.

Por um momento, tente imaginar todas as coisas que

existem na Terra. Imagine a escala e a amplitude dessa vida ao

longo dos muitos milhões de anos. Pense na variedade incrível

de animais e plantas que já viveram. Estima-se que existam

mais árvores neste planeta agora do que estrelas em nossa

galáxia — mais de 3 trilhões, segundo um estudo publicado na

revista Nature. Isso apenas hoje. Pense nos trilhões e trilhões e

trilhões de árvores que já existiram e se foram desde que a

Terra tomou forma.

Pense nas rosas silvestres que existiram e se foram, nos

insetos que existiram e se foram, nas montanhas e nas ondas

que existiram e se foram, nas pessoas que existiram e se foram.

Pense na escala desse corpo de criação que viveu antes de nós e

entenda que tudo isso levou a você — a este momento de sua

presença aqui como uma expressão viva do poder universal.

Essa energia que reverbera pelo universo chega até você em

sua respiração, possibilitando que você exista. Aqui está você,

surfando nessa onda de criatividade incrível. Este momento

está se formando há bilhões de anos.

Você consegue se sentir dentro do grande fluxo de energia

que começou lá atrás e vai continuar até sabe-se lá quando?

Você é parte do ritmo pulsante da Natureza que dá vida, tira

vida, dá vida, tira vida. Uma semente cai e uma árvore vai

crescer. Outra semente cai e se tornará alimento. Outra

semente cai e vai apodrecer. Aprecie por um momento a bela


indiferença da Natureza a tudo menos aos atos irrefreáveis de

criação e morte.

Em algum lugar, agora, estrelas estão explodindo com uma

força inimaginável. Aqui, na Terra, pessoas estão nascendo. E

existe você, neste universo em constante expansão, em

constante mudança — vivenciando a perfeição de existir.

VOCÊ É UMA HISTÓRIA DE SUCESSO AMBULANTE

O poder do universo abriu por um momento o passado e o

futuro para criar o agora — essa fatia estreita de tempo em que

todas as ações acontecem. É nela que existimos. É nela que

tudo existe. Que problema ou expectativa poderia ser tão

importante em nossa vida a ponto de nos distrair de tal

maneira que nos esquecemos de aproveitar a beleza impecável

do agora?

Toda vez que você vê uma árvore, uma flor, uma folha de

grama — é o que deu certo. Sobreviveu à infância, cresceu,

brotou, vive. E você também é prova desse milagre chamado

vida. Você é uma história de sucesso ambulante. Que coisa

incrível é o ser humano. Devemos nos celebrar!

Dizem que somos apenas os acidentes ou consequências da

evolução. Afinal, somos 99% feitos de oxigênio, hidrogênio,

carbono, cálcio, nitrogênio e fósforo. Se misturarmos esses

elementos em uma garrafa, acrescentarmos 0,85% de mais

potássio, enxofre, sódio, cloro e magnésio, e então

adicionarmos os últimos 0,15% de elementos menores, daria

um ser humano? Bom, essa pode ser a descrição de nosso

corpo, mas não somos nada além disso? Você poderia se

apaixonar pelo conteúdo de uma garrafa? Consegue falar com

essa garrafa sobre beleza e família e bondade? Será que ela

poderia apreciar a maravilha da existência?


Somos muito mais do que a soma de nossos elementos

físicos, sobretudo porque conseguimos nos conectar

conscientemente com nosso eu e todos os seres vivos ao nosso

redor. Todo momento nos oferece a oportunidade de entender

e expressar nossa gratidão pela vida. Se escolhemos aproveitar

essa oportunidade é outra questão.

O RITMO DIVINO DE NOSSA RESPIRAÇÃO

Os seres humanos que buscam um milagre para explicar

nosso propósito esquecem que esse milagre acontece todos os

dias em sua vida: eles respiram. Nascemos, e o drama humano

se desenrola ao nosso redor e dentro de nós. A cada respiração,

temos a oportunidade de escolher nossa função e representar

nosso papel, escrever a história de nossa vida.

Existe muito ruído no mundo, mas também existe uma

canção sendo entoada: a canção constante da inspiração e da

expiração. Existem muitos ritmos no mundo, e eles costumam

estar fora de sintonia entre si, mas existe um ritmo que está

em perfeita sintonia com você: o ritmo constante da inspiração

e da expiração. Cada sopro que passa por nós é uma bênção,

entrando e saindo.

No dia em que você nasceu, todos na sala estavam

concentrados em apenas uma coisa, e não era se você era

menino ou menina. Apenas uma coisa: você está respirando?

Se isso não acontecer, os médicos vão fazer de tudo para

garantir que o sopro da vida entre em você. Como é

reconfortante para uma mãe ouvir a respiração do bebê. Como

é reconfortante que o ritmo da respiração de seu bebê sussurre

de novo e de novo: “Está tudo bem, está tudo bem, está tudo

bem”.
Na outra ponta da jornada, quando você está de volta ao

hospital, como sabem se você partiu? Verificam a respiração.

Há também uma máquina incrível que diz se você está vivo ou

não. Então, o que acontece se a máquina declarar que você não

está mais vivo, mas conseguirem ver que você ainda está

respirando? A médica vai bater em você ou na máquina? Bom,

ela não vai vir até você para avisar: “Você morreu”. Respiração

é vida.

Aqui vai um dístico do poeta e santo hindu Tulsidas:

Este corpo é o barco para atravessar o oceano de confusão. O ir e vir da respiração


é minha bênção.

Na minha imaginação, me vejo nesse oceano, içando minha

vela para fazer a travessia. Eu escolho içar a vela. As ondas são as

ondas do bem e do mal, do certo e do errado, de tudo que a

mudança nos traz. Existem as ondas de amor e repulsa, de

esperança e decepção, de remorso e ansiedade. Devemos

velejar através de tudo isso, e tudo de que precisamos para

cumprir nossa jornada já está dentro de nós. Bastar levantar as

velas e encontrar o vento que esteja soprando para você,

pronto para levar seu barco pelas águas turbulentas até os

mares tranquilos, os mares da clareza.

Em nossa vida, nos perdemos no mar da confusão quando

nos deixamos influenciar, para usar um termo hindu, pela

“maia” — a ilusão de que o transitório que existe no mundo

exterior e dentro do nosso cérebro é a verdadeira realidade.

Mas, em última instância, nossa realidade está no fundo de

nós. Sabedoria é esse conhecimento.

O louva-a-deus-flor é um inseto que consegue assumir a

forma da planta em que está pousado. Outro inseto que passe

por perto vê uma flor, não um predador perigoso. No

momento da constatação, quando o louva-a-deus se move e se


revela, a ficha da presa cai. Mas com que frequência nós vemos

o que a vida de fato é? Mesmo se entrevirmos a verdade,

simplesmente retornamos à ilusão — como o inseto que vê

apenas uma flor? Quanto tempo de nossa vida passamos

acreditando na “maia”? No entanto, o ir e vir da respiração é a

bênção que nos aponta para a realidade — a cada inspiração e

expiração.

Tudo indica que as pessoas sentem há muito tempo uma

relação entre a respiração e a sensação de nosso eu interior —

algo mais do que nossos elementos físicos. Por exemplo, a

palavra hebraica “ruah” também significa “espírito”,

“respiração” e “vento”, e aparece várias vezes no Velho

Testamento. Podemos encontrar outras palavras que combinam

esses e outros significados parecidos em outras línguas e em

obras religiosas. Um exemplo em particular — e a evolução de

seu significado — nos diz algo significativo sobre como

podemos perder de vista o que é mais importante. As formas

mais antigas do termo “psique” eram originalmente uma fusão

das palavras que significavam “vida” e “respiração”, mas

“psique” também passou a significar “alma, espírito e essência”.

Recentemente, porém, o termo “psique” foi associado à mente

— pense em “psicologia” — e poucos agora o associam à

respiração. Do mesmo modo, hoje damos muita atenção ao

nosso pensamento e nos esquecemos facilmente da respiração.

Podemos acabar optando pela complexidade de nossa mente e

negligenciando a simplicidade vital de nossa respiração.

CELEBRE CADA RESPIRAÇÃO

A chegada da respiração em nossa vida não é condicional.

Dia após dia ela vem a nós sem marcar hora, sem julgar. Vem

quando fomos bons e maus. Vem quando não pensamos nela e


quando pensamos. Não há nada mais valioso. Nenhum

dinheiro pode comprar a capacidade de respirar, portanto isso

não nos torna ricos? Estamos em posse de algo inestimável.

O dom da respiração: devemos aceitá-lo, entendê-lo, estimá-

lo. E devemos também reconhecer quando o ruído da vida —

especialmente todos aqueles pensamentos que voam ao redor

da nossa cabeça — nos distrai da beleza do ritmo da vida,

entrando e saindo. Por exemplo, o remorso e a ansiedade

podem nublar nossa clareza. O que é clareza? É a compreensão

clara de como somos abençoados pela existência.

O oposto de clareza é confusão, e uma das fontes mais

potentes de confusão é a preocupação. Vamos pensar na

linguagem de novo. A raiz histórica da palavra “worry”, em

inglês, vem da palavra do inglês antigo “wyrgan”, que

significava “estrangular”. Mais adiante, o sentido evoluiu para

“apanhar pela garganta e dilacerar”, como lobos que worry —

estrangulam — presas. O medo nos pega pela garganta — esse

ponto no corpo em que o ar flui para dentro de nós. Podemos

nos preocupar a ponto de perder a alegria de viver quando

deveríamos estar celebrando essa vida a cada respiração. Traga

clareza para dentro — e, mais uma vez, começaremos a abrir

os braços para a vida, assim como ela faz conosco.

COMECE FAZENDO PEDIDOS

Existem aqueles entre nós que valorizam cada momento mas

se deixam distrair facilmente pelo medo, e existem aqueles que

mal notam que estão respirando. Nesse caso, a existência se

torna uma suposição automática. A vida foi delegada ao piloto

automático. Quando você perde contato consigo mesmo, perde

contato com a realidade.


Muitas vezes, é preciso uma ameaça mortal para tirar nossa

atenção da preciosidade da vida. Diga a uma pessoa que ela só

viverá mais uma semana e, de repente, o valor que ela dá a

cada respiração aumenta. Em vez de esperar uma crise para

apreciar o dom, talvez devêssemos seguir o conselho do

imperador e filósofo romano Marco Aurélio: “Faça tudo como

se fosse a última coisa que você estivesse fazendo nesta vida”.

Pense na história de Aladim e sua lâmpada. Quando ele

esfrega a lâmpada, um gênio poderoso vem e lhe concede

desejos. Imagine que eu lhe desse a lâmpada do Aladim e

dissesse: “Por duas horas, essa lâmpada é sua. Fique à vontade:

você pode desejar o que quiser durante essas duas horas. Mas,

depois, a lâmpada é minha”. O que você faria? Pensaria: “Ah, só

posso ter a lâmpada por duas horas, que triste. Se ao menos eu

pudesse ter a lâmpada por duas horas e meia, poderia fazer

muito mais. Ou três horas. E seria melhor terminar aquela

outra coisa que tenho para fazer antes de começar a fazer

pedidos. Para ser sincero, não é a melhor hora para eu ficar

com a lâmpada. Posso ficar com a lâmpada na próxima quarta-

feira em vez de hoje?”.

A lâmpada é a sua vida. Pare de perder o tempo precioso e

comece a esfregar essa lâmpada. Faça seus pedidos, um depois

do outro. Aproveite a oportunidade da vida e mantenha esse

gênio o mais ocupado possível.

Aqui vai uma história sobre aproveitar oportunidades. Era

uma vez um homem que ganhava a vida vendendo ferro-velho.

Ele era muito, mas muito bom nisso, mas era um miserável.

Ele era tão miserável que tinha vendido seus próprios

pertences de metal e os substituído por outros mais

vagabundos de madeira, pedra e papel. Não havia nada de

metal na casa dele.


Até que um dia um homem apareceu à sua porta e disse:

“Está vendo essa pedra? Ela vai transformar qualquer sucata

em ouro. Você é livre para usá-la como quiser, mas voltarei em

uma semana para buscá-la”.

O vendedor se lembrou de que tinha vendido tudo que era

de metal em sua casa e que precisava comprar mais. Então,

assim que o homem saiu, ligou para o mercado e perguntou o

preço da sucata e o do ouro. O ouro era muito mais valioso

que o metal, claro, mas ele achou o preço da sucata alto

demais. “Hmmm”, ele pensou, “tenho a semana toda: vou

esperar.”

E a semana inteira ele esperou. Toda vez que ligava e

perguntava o preço da sucata, era alto demais para ele. Mesmo

quando o preço começou a cair, ele achou que ainda era

demais. Dia após dia ele adiou comprar o metal básico de que

precisava. Ele se recusava a pagar aquela quantia por ferro-

velho. Então, exatamente uma semana depois, o homem

apareceu à sua porta.

“Vim buscar minha pedra”, ele disse.

O vendedor ficou em choque: ele tinha perdido a noção do

tempo e não usara a pedra nenhuma vez. Em desespero, correu

pela casa em busca de objetos de metal, mas tudo que pegava

era de madeira, pedra ou papel. De repente, o homem apareceu

ao seu lado e tirou a pedra de suas mãos.

“Acabou o tempo”, ele disse.

ENTRE DUAS PAREDES

O número 25 550 — você sabe o que ele representa? É a

quantidade de dias que teríamos se vivêssemos setenta anos.

Não é tanto assim, é? Se você vivesse até os cem, seriam apenas

36 500. Isso faz a gente refletir, não faz?


Agora precisamos fazer outra conta: subtraia todos os dias

que já viveu. Como está sua contagem atual? (Fiz o meu

cálculo e decidi parar.)

Mesmo que as coisas corram como o planejado e você leve

uma vida longa, o tempo é precioso. E também precisamos

levar em consideração o fator da incerteza, pois ninguém sabe

ao certo quanto crédito temos no banco da vida.

Sabemos que houve um dia em que você chegou a este

mundo e haverá outro em que você partirá. Isso você não pode

mudar, mas em todos os dias entre esses dois pontos você pode

mudar o que sente e o que vivencia neste mundo. É assim que

se vive plenamente. Entenda que, todo dia, cabe a você

aproveitar o tempo que tem. (E tentar não reclamar demais dos

impostos.)

Aqui vai uma forma de pensar na sua existência: você

chegou à vida por uma porta em uma parede e vai sair por

uma porta em outra. Algumas pessoas são fascinadas pelo que

há do outro lado da segunda parede; eu sou fascinado pelo que

há entre as paredes.

Você pode pedir às pessoas do outro lado para descreverem

como é, mas — pela minha experiência, ao menos — ninguém

responde. Nem mesmo Houdini, o grande escapologista que

havia prometido à esposa que enviaria uma mensagem

codificada do além, foi capaz de escapar do caráter definitivo

da morte.

E o que acontece na ausência de comunicação desse lado da

segunda parede? Especulamos: “O além é assim” ou “O Paraíso

é assado”… Então, tentamos criar imagens de algo que está

além de nossa imaginação.

Não sabemos se a existência é possível depois dessa parede,

mas de uma coisa temos certeza: estamos aqui agora, com uma

chance de cumprir qualquer missão que nos pareça


importante. Para mim, essa missão é simples: quero encher

minha vida de alegria e compartilhar minha mensagem de que

a paz é possível em todo o mundo.

Nossa vida é um longo hoje, não um longo ontem nem

amanhã. O momento presente dura 25 550 dias — ou seja lá

com quantos dias cada um de nós é abençoado. Podemos

aprender com o passado, mas não temos como viver nele.

Podemos imaginar o amanhã, mas não temos como viver nele.

O único momento que realmente podemos vivenciar é o agora.

O agora vem uma respiração de cada vez. Nossa vida é

mensurada por nossas respirações.

Muitas mudanças irão acontecer com cada um de nós entre

passar pela primeira parede e chegar à segunda. O que quer

que aconteça — de bom ou de mau — pode nos ajudar se

continuarmos a reconhecer que o tempo é valiosíssimo. Talvez

o maior sucesso possível seja viver cada momento o mais

plenamente possível, mesmo quando enfrentamos problemas.

O poeta romano Horácio captou esse sentimento na frase carpe

diem. Literalmente significa “colha o dia”, mas é expressada

com mais frequência como “aproveite o dia”. Gosto das duas

expressões, mas “colha” também me sugere a linda ideia de

que o dia de hoje é uma flor que está desabrochando pronta

para nos deliciar. Isso me faz lembrar os famosos versos do

poeta britânico Robert Herrick:

Colhei enquanto podeis vossos botões de rosa,


O tempo passa correndo;
E essa flor que hoje sorri cheirosa
Amanhã estará morrendo.

Há um belo fio de autoconhecimento tenuemente costurado

na história, expressado em palavras que ressoam 350 anos

depois.
DEIXE A VIDA FLORESCER

Às vezes, nos distraímos pensando no amanhã e no ontem e

não colhemos o momento. Em outras, podemos sentir que o

hoje nos oferece muito pouco — que não há belos botões de

rosa para colher. Muitas pessoas vivem nesse espírito de

descontentamento.

Embora em alguns momentos a vida possa parecer um

deserto árido, as sementes necessárias para criar um jardim

magnífico estão lá, esperando na terra pelas condições

adequadas para crescer. Elas estavam em nós desde o momento

em que nascemos. Nossa função é regar, regar, regar a terra e

deixar entrar a luz da claridade para dar a essas sementes

aquilo de que elas precisam para florescer. E, quando fizermos

isso, o deserto florescerá e irá se encher de todas as cores

imagináveis. A paz quer se mostrar. A paz quer que você saiba

que ela está lá. A paz quer florescer.

Sempre fico impressionado com a resiliência e a paciência

dessas sementes dentro de nós. Elas esperam uma vida inteira

pela chegada da água e da luz, conservando o potencial de

florir. “Estou pronta”, elas dizem, “para quando vierem a chuva

e o sol.” E é disso que precisamos nos lembrar: por mais que

sintamos que a vida é um deserto, sempre temos esse potencial

para florescer.

APRENDENDO COM AS ÁRVORES

Tudo na natureza criou um espaço para si e uma relação com

o que há ao redor. Tudo tem seu propósito e tenta cumpri-lo.

Mas às vezes parecemos esquecer o nosso propósito e o nosso

potencial de florir.
Talvez tenhamos algo a aprender com as árvores. Você sabia

que pesquisas científicas recentes sugerem que algumas

árvores têm um “batimento cardíaco”? Elas movimentam os

galhos para cima e para baixo à noite, criando um pulso lento

de água que flui pelo seu corpo. Elas são grandes estrategistas

de sobrevivência, assim como nós. Descobrem o que precisam

fazer para sua espécie se desenvolver, acondicionando suas

sementes de maneira que prosperem. Elas estão fazendo esse

trabalho há muitos anos, o que é o motivo pelo qual existem

mais de 3 trilhões delas (embora alguns de nossa espécie

estejam reduzindo a população das árvores com fins sórdidos).

As árvores se estruturam para tolerar o ambiente em que

estão, e com isso poderem continuar sendo árvores vitoriosas.

Vi lugares nas montanhas onde existia uma pequena fenda na

rocha que parecia ser o lugar mais improvável para uma árvore

crescer, mas uma havia crescido. Bem ali. Encontrou o que

estava buscando e aproveitou a oportunidade.

Quaisquer que sejam nossas circunstâncias, qualquer que

seja nosso ambiente, precisamos encontrar uma forma de

deixar nossa natureza interior se expressar plenamente.

Nenhuma oportunidade de fazer isso deve ser ignorada ou

abandonada; nenhuma oportunidade deve ser adiada até

amanhã. Mesmo quando o chão ao nosso redor parecer estéril,

há um mundo incrível dentro de nós que é cheio de potencial

fértil. Se conseguirmos começar a trazer a luz da clareza e a

água da compreensão para dentro de nossa vida, nosso deserto

irá florescer.

COMPLETO DESPERTAR

Por que temos tanta dificuldade para deixar nossa vida

florescer? Por que o ruído silencia a música da vida tantas e


tantas vezes? Porque acabamos nos esquecendo do que é

importante. A jornada rumo à paz começa com a valorização da

coisa mais simples, mas mais importante que temos: nossa

existência. Sempre tivemos a oportunidade de expressar

gratidão por essa vida, agradecendo cada respiração em vez de

desperdiçar nossa atenção.

Quando foi a última vez que você sentiu gratidão profunda

pela vida? Não estou falando sobre aqueles pensamentos

funerários, do tipo quando você vê um caixão e pensa: “Antes

ele do que eu”. Estou me referindo a estar completamente

desperto para o dia e para a noite, aproveitando a existência para

valer.

Um ser humano pode ser uma celebração de vida. Que

maravilha é sermos gratos pela vida — gratos pelas pessoas que

amamos, gratos pela luz do sol e pela chuva, gratos pelas

estações, gratos pela doce música de nossa existência, gratos

pelo dom de respirar. Sem gratidão, a vida é como um

compromisso social em que não queremos estar: “Olá.

Obrigado por me convidar. Tchau”. Com gratidão, nos

tornamos a alma da festa chamada vida.

UM LEMBRETE URGENTE

Existem, então, duas paredes — nascimento e morte — e,

quando nos aproximamos de onde imaginamos ser a segunda

parede, ela assombra nossa mente. Preocupar-se com a morte

pode se tornar uma distração enorme, terrível e ruidosa —

talvez o mais barulhento de todos os nossos problemas. Se não

tivermos cuidado, podemos acabar celebrando cada aniversário

nosso pensando na morte quase o dia todo. E aí está uma

ironia terrível: cada momento que passamos preocupados com

a morte é um desperdício da vida preciosa. Podemos ficar tão


tomados pelo desejo de viver para sempre que nos esquecemos

de viver o hoje.

Por mais que tentemos, não temos como evitar passar por

essa segunda parede em algum momento. Até os mais

inteligentes entre nós — ou talvez eu deva dizer: geralmente os

mais inteligentes entre nós — se esquecem da verdade natural

de que somos mortais.

Existe uma história antiga sobre isso que sempre me faz rir:

era uma vez um médico muito inteligente — muito inteligente

mesmo. E todos falavam isso para ele. Ele havia passado

décadas de sua vida ajudando as pessoas a viver, mas agora

sentia que a Morte estava se aproximando e ele não queria ir.

Então traçou um plano.

Ele sabia que a Morte só poderia levar um dele, não dois. Por

isso, fez uma réplica de si mesmo, exatamente igual até o

último detalhe. Era perfeita, e ele ficou muito orgulhoso.

Um dia, a Morte entrou — sem marcar hora, imagino — e

viu dois médicos na cama. O médico tinha sentido que aquele

dia fatídico estava se aproximando e já havia se deitado ao lado

da réplica. Uma boa tática. Era mesmo uma cópia excelente,

então a Morte ficou confusa: “Só posso levar um; quem eu

levo?”, ela se perguntou.

Ela pensou por um minuto, então disse: “Doutor, parabéns!

Você fez um trabalho incrível se replicando. Mas cometeu um

erro”.

O médico estava ali deitado, e as palavras da Morte

começaram a se revirar em sua mente. Ele pensou consigo

mesmo: que erro? Como posso ter cometido um erro? Ela está

enganada, não está?

Depois de um tempo, não aguentou mais e disse: “Mas não

há erro nenhum!”.

Então a Morte disse: “Essa! Essa é a falha!”.


O médico havia sido derrotado pela própria arrogância. Não

somos seres perfeitos (desculpe se isso é novidade para você) e

não temos como escapar de nossa mortalidade. A sabedoria é

reconhecer isso e fazer questão de viver todos os dias com os

olhos bem abertos: vendo a realidade com clareza, aceitando o

que existe e aproveitando todas as oportunidades de alegria e

contentamento. Carpe diem.

NAVEGANDO RIO ABAIXO

Existe uma canção de Kabir em que ele diz: “Você é apenas

um barquinho de papel navegando rio abaixo”. São palavras

muito sábias porque, à medida que você navega pelo rio,

adivinhe? O papel vai se encharcando e começa a se

desintegrar, o que significa que o barco vai perdendo a forma e

se misturando à água lentamente.

Nesse meio-tempo, você precisa saber que é livre para

aproveitar esta vida. Tudo está preparado para você ser o

instrumento de qualquer que seja o seu propósito e aproveitar

a riqueza de sua existência. Tudo começa quando você faz esse

círculo contínuo de conexão dentro de você: da gratidão à paz,

da paz à gratidão.

É assim que tento reagir à realidade da segunda parede: digo

“tento” porque ninguém tem clareza 100% do tempo. Quero

viver em um estado de sentir plenamente todos os aspectos do

meu eu interior e da alegria que vem da paz. Quando estou

nesse estado, adoraria que o dia continuasse para sempre. Mas

sei que, em algum momento, a noite vai chegar.

Não tenho medo da morte. Eu a uso como inspiração para

viver o melhor de cada momento, e isso me dá uma sensação

de urgência. Para mim, qualquer outra forma de existir não é

boa o suficiente: é não aproveitar a riqueza que todos


recebemos em comum. Qualquer outra forma de viver é uma

perda.

TUDO É TEMPORÁRIO

Este corpo vai embora um dia, eu sei, e, quando meu eu

físico se for, todos os meus pensamentos e experiências irão

com ele. O que restará? Bom, não há nada neste mundo que

realmente me pertença. Às vezes posso dizer: “Ah, aquilo me

pertence e é meu”, mas isso é temporário. Tudo que posso

chamar de meu um dia não será.

Isso me faz lembrar uma história de que gosto sobre

Alexandre, o Grande (embora muito provavelmente seja uma

ficção). Diz a lenda que, no leito de morte, Alexandre disse:

“Tenho três comandos. Só meus médicos devem carregar meu

caixão. Meu caminho para a cova deve ser coberto de ouro,

prata e joias. Minhas mãos devem estar penduradas para fora

do caixão”.

Os amigos e conselheiros ficaram confusos, então seu

general favorito deu um passo à frente e perguntou por que

essas coisas eram importantes. Alexandre respondeu: “Quero

que as pessoas saibam que, no fim, os médicos são impotentes

e não podem nos curar da morte. Quero que saibam que uma

vida gasta correndo atrás de riqueza é uma perda de tempo

valioso. E quero que saibam que todos chegamos a este mundo

de mãos abanando e saímos da mesma forma”.

Sim, todos saímos da mesma forma. E as únicas coisas que

de fato possuo nesta vida são minha paz e meu

autoconhecimento. Eles são minha realidade. Quando esta vida

acabar, o que restará de mim serão as memórias no coração dos

outros.
Sabe quando você vai à casa de alguém e tem um momento

maravilhoso? Pode ser que a comida e o ambiente sejam

fabulosos. Mas muito depois de ter digerido o jantar e se

esquecido de como era o lugar, a sensação de prazer

permanece. Você leva essa sensação com você e ela basta.

UM CONVITE AO INFINITO

Por bilhões de anos, eu e você não fomos nada. Por bilhões

de anos ou mais no futuro, não seremos nada. Nosso tempo

aqui é a exceção. Nossa função é viver esses minutos, horas e

dias de maneira excepcional.

Meu convite é o seguinte: ouse vivenciar o hoje atemporal da

paz interior. Sua vida aqui é finita, mas você tem a

oportunidade de transcender isso e se conectar por um

momento com o infinito — a alegria da existência pura. É uma

forma de experimentar conscientemente esse poder universal.

A oportunidade para nós, como seres finitos, é encontrar o

infinito. É para esse mundo atemporal da existência pura que

iremos no próximo capítulo.


3. Ancore-se na paz infinita

Quando eu era criança em Dehra Dun, tínhamos dias de

outono mágicos, pouco antes dos primeiros indícios de

inverno, quando os céus eram muito, muito azuis e o ar sobre

os Himalaias era completamente claro. Toda manhã havia uma

camada de orvalho sobre a grama e as plantas, e a primeira luz

iluminava a água no ar de modo que as gotas cintilavam como

diamantes. Essas gotas de orvalho eram muito pequenas, mas

brilhavam como pequenos sóis.

Quando o sol aquecia o ar, todo o orvalho evaporava,

deixando esse cenário matinal fresco em que tudo se tornava

nítido e podia-se ver o céu infinito. Era como se o tempo mal

passasse. Devagar, à tarde, nuvens ondulantes de margens

prateadas iam chegando.

Eu costumava me sentar no jardim da frente, entre duas

árvores de magnólia. Tínhamos ervilhas-de-cheiro crescendo

nas paredes, cada uma com uma linda flor, e o aroma era

delicado e delicioso, com um leve toque de lavanda. Havia

também as florzinhas que chamávamos de boca-de-cão —

algumas pessoas chamam de boca-de-leão —, e costumávamos

apertá-las como se estivessem abrindo e fechando a boca e

latindo para nós em silêncio. Era muito gostoso ficar naquele

lugar.
Um dia, saí para o jardim e senti o desejo de colher o

momento. Lembro que meu coração estava inteiramente aberto

para o dia e eu estava feliz de andar por ali observando tudo

que crescia. Pouco depois, eu estava sentado embaixo de um

dos pés de magnólia, olhando para as nuvens e flores, quando

fui tomado por uma sensação avassaladora de que o que me

criou também criou aquelas árvores e as flores perfumadas, e

salpicou o orvalho no quintal, e transportava o sol de um

horizonte a outro, e fazia aquelas nuvens gordas passarem pelo

céu azul. Naquele momento, o ser que havia me criado

originalmente disse, muito baixo: “Apenas sinta”.

Foi um sentimento perfeito de um momento perfeito.

Apenas sinta.

Daquele momento em diante, eu conseguia me sentar

embaixo do pé de magnólia e mergulhar num sentimento em

que não tinha nenhuma vontade, nenhum desejo, nenhuma

necessidade interior de fazer nada. Era bom apenas existir.

Desde então, uma voz continuou a me dizer: “Este dia é para

você”, e isso se refere àquele dia no jardim assim como se

refere ao dia de hoje.

GUARDANDO O SENTIMENTO

Essa parte sensível de mim não mudou. Não mesmo. Mas

reconheço que, às vezes, acumulei muitas camadas em cima da

pureza dessa experiência. Você deve saber a que estou me

referindo: “Preciso ter isso, e preciso ter aquilo. E precisa ser

assim, e precisa ser assado. E eu sou isso, e sou aquilo. E

depois devo fazer isso, e depois devo fazer aquilo”.

Em vez de sair e aproveitar a nova manhã, posso me ver

distraído com problemas e preocupações. Isso me mostra que

os problemas da minha vida correm o risco de tomar conta da


vida em si. Sim, mesmo uma pessoa que fala sobre paz desde

os quatro anos de idade acha difícil, às vezes, permanecer em

contato com a clareza interior. A escuridão do ruído e da

ignorância consegue ser forte assim.

Aquele dia no jardim foi para mim, e entendi que nunca devo

abandonar aquela sensação. Experimentei essa conexão

profunda vezes e mais vezes. Ela é a minha realidade — uma

sensação de paz perfeita — e tudo o mais é ruído (às vezes um

ruído agradável, às vezes um ruído que distrai). A perfeição é

não apenas a memória daquele momento da infância, mas a

experiência viva de ser capaz de apenas sentir o agora.

A PAZ ENVOLVE TODAS AS BÊNÇÃOS

Refleti muito sobre minha experiência no jardim. Passei a

entender que a paz dentro de nós não é sobre nada além de si

mesma. Não está lá para cumprir um objetivo; está lá para

estar. Não depende de coisas externas para ter uma finalidade

ou um valor; apenas existe. É algo inteiramente seu e não

envolve nem depende de mais ninguém nem de nada. Como o

jovem sentado sob a árvore naquele momento perfeito, ela só

está.

Era com ela que eu estava me conectando naquele momento

e é ela que quero conhecer na minha vida. A sensação de paz é

a versão mais profunda de mim. Mas também é parte de algo

maior do que eu, maior do que todos nós. Depois que eu e

você morrermos, a possibilidade de paz continuará vivendo em

todos os átomos do universo. É infinita. Quando apenas

sentimos, estamos nos unindo a essa paz infinita.

Todas as sensações positivas que fluem da paz interior

também são um fim em si mesmas. A alegria dentro de você

não está relacionada a nada mais; é alegria em si. O amor


dentro de você não depende de mais ninguém; é puro amor.

Você precisa de clareza para ver o mundo de paz dentro de

você e o mundo ao seu redor, mas existe também uma clareza

que é uma clareza pura — de sentir e desfrutá-la pelo que ela

é, não pelo que ela faz.

Aqui vai um ponto importante: a paz envolve todas as outras

bênçãos, mas nada envolve a paz. Existe alegria na paz, mas a

alegria sozinha não é paz. Existe bondade na paz, mas a

bondade sozinha não é paz. Existe clareza na paz, mas a clareza

sozinha não é paz. São apenas palavras diferentes para

expressar aspectos da mesma coisa. A paz é um estado único e

total de existência.

COMO DORMIR SEM DORMIR

Uma vez perguntaram ao meu pai: “Como é mergulhar

fundo e se conectar com a paz?”. Ele respondeu: “É como

dormir sem dormir”.

Na primeira vez que ouvi essa história, eu estava dirigindo e

tive que parar na beira da estrada. Achei isso muito profundo.

Imagine estar nesse estado: como dormir sem dormir. É a

combinação de dois estados em um. Imagine como esse sono

sem sono pode ser revigorante.

Quando tiramos do nosso eu mais interior a necessidade de

se preocupar com outras coisas, podemos desfrutar de uma

sensação imensa de liberdade. O peso do apego sai dos nossos

ombros. Será que nós, humanos, somos capazes de desfrutar de

alguma coisa apenas pelo que ela é, e não pelo que nos permite

fazer depois? Bom, isso pode ser contra nosso mundo movido

por ações, mas acredito que sim. A paz é possível para todos,

mas é preciso escolher desfrutar dela, e não tentar fabricá-la.

Ó
CEGOS PARA O ÓBVIO

A paz está bem aqui em nós, mas muitas pessoas nunca

conseguem senti-la. Ela está em todos os lugares, mas é

arredia. Nesse sentido, é muito semelhante à luz. Olhe pela

janela e você pode ver um muro. Se olhar mais de perto, verá

os tijolos naquele muro e até os pequenos detalhes da

argamassa entre os tijolos. Se tiver o olhar atento, poderá

também perceber os efeitos do clima sobre o tijolo e o ângulo

da sombra, bem como as muitas cores realçadas pela luz do sol

ou do luar ou dos postes. E também há os reflexos da luz de

outras superfícies sobre esse muro, cada uma acrescentando

uma tonalidade à luz que recai sobre ele. Vemos o muro, mas

não vemos a luz, porque a luz está por toda parte.

A luz natural não existe para iluminar o mundo para nós — é

apenas uma vantagem maravilhosa e vital de a luz ser luz.

Assim como acontece com a paz interior, podemos reconhecer

o efeito da luz sobre o mundo ao nosso redor, mas também

devemos reconhecer a essência da luz como uma coisa em si.

Às vezes a coisa mais maravilhosa que podemos fazer é

simplesmente existir. As distrações da vida cotidiana desviam

nossa atenção de vivenciar o universo dentro de nós. Passamos

pela vida vendo as cores que nos são refletidas pelo mundo

exterior sem enxergar todo o espectro da realidade interior.

Nossa experiência de vida é transformada quando

reconhecemos que vivemos nessa terra radiante e somos parte

dela.

O HOJE ATEMPORAL

Olhamos fotos de nós mesmos quando éramos bebês ou

crianças, ou retratos de nossos filhos quando eram pequenos, e


pensamos nos anos que se passaram. Quando vemos velhos

amigos, costumamos dizer: “Quanto tempo!”. Nesses

momentos, sentimos o rio do tempo correndo em direção ao

mar da eternidade. Pode ser assustador e, muitas vezes, traz

sentimentos de remorso ou ansiedade quando pensamos nas

distrações com que nos permitimos desperdiçar nosso tempo.

E então voltamos ao corre-corre da vida cotidiana.

Nesses momentos — antes de as tiranias da nossa agenda,

dos nossos problemas e das nossas preocupações voltarem a

nos dominar —, deveríamos nos perguntar: qual é o valor do

tempo se não entendemos o valor de cada respiração? Se o

agora não é importante para mim, como o ontem pode ser? Se

o agora não é importante para mim, como o amanhã pode ser?

Não importa o quanto planejemos, não importa o que

façamos, não importa o que aconteça, só podemos viver neste

lugar chamado “agora”. É nele que estamos.

Independentemente de termos seis meses ou completado cem

anos, nessa jornada estamos todos vivos neste momento.

Muitos de nós acreditam que é importante viver no aqui e

agora, mas sabemos a verdade disso? Valorizamos o agora

profundamente? Temos gratidão pelo agora?

Existe uma forma de pensar no tempo que é muito diferente

da estrutura linear com a qual estamos acostumados. Pode ser

um pouco difícil de compreender a princípio, mas vou tentar

descrevê-la. Vamos começar pelo tempo normal. A convenção

é dividir nosso tempo em frações cada vez menores: anos,

meses, semanas, dias, horas, segundos. As empresas são

movidas pelo tempo. Cada vez mais funcionários são

monitorados de perto pelo quanto produzem no tempo em que

estão no trabalho, às vezes levando em conta até os segundos.

E, se você já teve algum assunto jurídico para resolver, talvez


tenha passado pelo incômodo financeiro gerado pela planilha

de horários de um advogado.

Existem bons motivos para dividir nossos momentos dessa

forma. Ter uma noção compartilhada de tempo ajuda quando

você está se programando para encontrar amigos para jantar ou

pegar um avião ou assistir a um concerto. Mas existem

perspectivas diferentes sobre como devemos pensar no tempo

em um sentido mais amplo. A ciência, a religião e a filosofia

estão repletas de debates efervescentes sobre o que é o tempo e

como podemos entendê-lo. Do ponto de vista empírico,

realmente parece que — para usar uma metáfora espacial — o

tempo segue em frente. Consigo dizer com confiança que, se

eu quebrar minha perna hoje, ela não vai estar inteira amanhã,

mas pode estar daqui a seis semanas.

No entanto — e é aqui que as coisas ficam interessantes de

verdade —, temos outra perspectiva sobre o tempo que

podemos usar quando queremos nos conectar com algo mais

profundo. Conseguimos entrar e sair dessa estrutura temporal

ao nosso bel-prazer quando sabemos como ter esse acesso.

Você pode ver isso da seguinte forma: no mundo exterior,

vemos cada momento como uma unidade em um conjunto de

momentos, como um trem de carga muito comprido seguindo

os trilhos. No mundo interior, podemos sentir o momento

como algo absoluto: um hoje atemporal. O tempo interior é

um começo e um fim em si mesmos, como a paz, a energia e a

luz. Simplesmente existe.

Imagine da seguinte forma: a cada momento interior, a

marcha do tempo é substituída pela dança do tempo. Assim

como quando eu ficava sentado sob a árvore de magnólia, no

hoje atemporal você é livre para sentir. Não há necessidade de

se aprimorar ou de buscar a verdade — você encontrou a paz


infinita que estava buscando. Estas palavras do celebrado poeta

William Blake ecoam essa ideia:

Ver um Mundo em um Grão


De Areia e um Paraíso na Flora
Segure o Infinito na palma da mão
E a Eternidade em uma hora.

Enquanto pensamos no infinito, é importante saber que não

há limite para a felicidade e o contentamento que podemos

sentir no momento. Pessoas morreram por excesso de tristeza,

mas ninguém nunca morreu por excesso de felicidade. Vamos

preencher nosso coração com alegria.

NETI NETI

Reconheço que o conceito de infinito pode ser confuso ou

frustrante. Tentamos usar a mente para apreender essa ideia,

mas é difícil dar forma a algo que não se encaixa facilmente

em nossa imaginação. Minha sugestão é: não responda à ideia

de tempo infinito com a mente. Deixe seu coração tentar e

sentir isso também.

Aqui vai uma coisa que pode ajudar a explicar um pouco

mais o tempo infinito. Existe uma expressão em sânscrito que

captura a sensação de que uma experiência é mais do que uma

simples explicação ou definição: neti neti. Literalmente, quer

dizer “nem isso nem aquilo” e é uma fusão de duas palavras,

derivada de na iti, ou “nem tanto”. Às vezes é usada quando

uma pessoa está tentando descobrir as camadas de si mesma —

“não sou isso, nem isso, nem aquilo” — até chegar ao

verdadeiro “eu”. Estamos no começo dessa mesma jornada

neste livro: desenvolvendo nossa capacidade de deixar para trás

o tempo normal e a mente agitada quando quisermos e


mergulhar no infinito para poder desfrutar do nosso eu em sua

forma mais pura.

Muitas vezes, quando uma pessoa vive uma experiência

profunda, ela não a captura em palavras. Na verdade, ela pode

nem saber exatamente o que encontrou. Será que você não

conhece essa sensação? Às vezes, a essência de uma experiência

não está presente nas palavras que buscamos para descrevê-la.

A linguagem pode ser útil e lindamente expressiva, mas nem

sempre consegue nos levar ao cerne da experiência humana.

Uma voz pergunta: “Qual foi a sua experiência? Foi isso? Foi

aquilo?”.

E você só consegue responder: “Não, não foi bem isso. Nem

aquilo”.

“Mas o que você estava fazendo naquele momento?”

“Nada!”

“O que você estava pensando?”

“Nada!”

“Então o que você sentiu?”

“Tudo!”

Se a experiência não pode ser explicada facilmente, as

pessoas presumem que seja complicada. Mas normalmente é a

tentativa de explicar que é complicada, não a experiência em

si. Em vez de apresentar um retrato claro e completo do que

aconteceu, há ocasiões em que só conseguimos oferecer um

vislumbre. E pode acontecer de uma experiência ser

cognoscível mas inexprimível. Aqui vão alguns versos do poeta

Rumi:

Existe um beijo que queremos com todo o nosso ser,


o toque do Espírito no corpo.
A água do mar suplica à pérola que rompa sua concha.
E o lírio anseia sua amada silvestre com tanta paixão!
À noite, abro a janela e peço à lua que venha e encoste o rosto no meu.
Sopre dentro de mim.
Feche a porta-linguagem,
E abra a janela-amor.
A lua não usará a porta,
Apenas a janela.

Quando saí para o jardim de casa em Dehra Dun, eu não

estava pensando: “Agora vou ter uma experiência incrível”.

Comecei a aproveitar cada momento um pouco mais, sem

entender por quê, e então a magia cresceu dentro de mim. Foi

deliciosamente simples, e deixei que acontecesse. Minha janela

estava aberta.

Há momentos em que as pessoas entram em um jardim, e

ele está lindo, e o aroma é maravilhoso, e elas pegam suas

tesouras e cortam as flores e levam para casa. Já fiz isso, e é

uma delícia ter um pouco de cor e perfume do jardim dentro

de casa. Mas às vezes a oportunidade está lá para simplesmente

apreciarmos a beleza pelo que ela é, sem ter que mudá-la. A

Natureza em um vaso pode ser linda; encontrar a Natureza

como ela é pode ser uma experiência incrivelmente pura e

profunda.

DEIXANDO DE LADO

Para entender a paz interior, precisamos afastar os conceitos

intelectuais para revelar a forma natural e a beleza do eu. Não

se cria a paz; ela é descoberta dentro de você. É um processo de

deixar de lado o que não é necessário.

As pessoas dizem que querem ter uma revelação, mas esta é

a revelação que procuram: deixar as coisas de lado para

podermos revelar, entender e desfrutar nosso verdadeiro eu em

sua simplicidade perfeita. O escritor francês Antoine de Saint-

Exupéry capturou a elegância da simplicidade quando disse: “A


perfeição não é alcançada quando não há mais nada a ser

incluído. A perfeição é alcançada quando não há mais nada a

ser retirado”.

Pense por um momento na sua camisa ou no seu vestido

favorito. Na sua mente, vá até o guarda-roupa e coloque a peça

de roupa na cama. Crie uma imagem mental nítida dela. À

medida que você usa esse vestido ou essa camisa, a roupa vai se

sujando com o tempo. Você trabalha, brinca, viaja, corre de um

lado para o outro, come espaguete — mais cedo ou mais tarde,

ela vai se enxovalhar. Então você lava. Qual é o processo de

lavagem? Muito simples: você tira a sujeira. Você não pega a

limpeza de algum lugar lá fora e a põe dentro da camisa. Você

tira o que não é necessário e deixa o que é: a peça de roupa

limpa. O mesmo vale para encontrar a paz dentro de você.

Você não inclui a paz em seu eu interior; deixa todo o resto

sair. O autoconhecimento envolve permitir que seu verdadeiro

eu brilhe no momento presente.

Isso me faz lembrar a história apócrifa sobre Michelangelo e

o segredo da grande escultura. “Como você conseguiu criar

essa representação sublime de Davi?”, perguntaram ao escultor.

“Bom”, ele respondeu, “fui tirando tudo que não se parecia

com Davi.”

Siga o caminho do autoconhecimento e comece a se

concentrar em você, deixando de lado todo o resto. Assim você

passa a ser a constante. É fácil os outros se tornarem a

constante em nossa vida e termos apenas vislumbres raros de

nós mesmos. É o que acontece quando o barulho domina.

Precisamos deixar esse ruído de lado.

Você consegue imaginar um estado de existência que seja

verdadeiramente livre de todas essas distrações? No exterior,

há o seu corpo e, claro, ele vai mudar. Mas existe algo dentro
de você que vai permanecer aconteça o que acontecer,

independentemente dos outros. Esse é o você atemporal.

DA AUSÊNCIA À PRESENÇA

Mas como deixar de lado aquilo de que não precisamos?

Como deixamos o ruído de lado? Tenho uma sugestão: não se

concentre nos sentimentos negativos dentro de você. Em vez

disso, fortaleça os positivos.

A presença e a ausência percorrem o universo. Podemos

identificar as duas, mas, quando se trata da nossa vida,

devemos escolher o que queremos tornar mais presente e

poderoso. Pela minha experiência, é muito melhor

incentivarmos a presença em vez de tentar manipular a

ausência. Se nos faltar coragem, o medo assume a dianteira.

Qual é a melhor forma de enfrentar o medo? Recorrer à

coragem e trazê-la de volta. Se você não estiver em contato

com sua clareza, surge a confusão. A confusão é retirada

buscando de volta a clareza. Como se remove o crime?

Ajudando as pessoas a levarem uma vida consciente, a começar

por você. Para pôr fim à escuridão, traga a luz.

Você se lembra na escola quando o professor entrava e

perguntava: “Está todo mundo aqui?”? Isso sempre me fazia rir.

As pessoas que não estavam não poderiam dizer: “Não, não

estou”. Só podemos trabalhar com o que está presente.

Portanto, não temos como simplesmente nos livrar do ódio.

Ele deixaria um vácuo e, na Natureza, os vácuos são

preenchidos por algo. Em vez disso, precisamos escolher o

amor. Se o amor está ausente, ele cria um vácuo que é logo

preenchido pelo ódio. Traga o amor à dianteira, e o ódio

perderá a força.
Quando você pensa em um buraco no chão, ele é algo que é

ou que não é? É uma coisa com um formato próprio ou é

apenas uma ausência de outra coisa? Buracos existem, mas

apenas porque algo não está lá. Não se pode transportar um

buraco de um lugar para outro, certo? Compartilho minha

filosofia sobre buracos porque ela pode nos ajudar a entender

esse argumento sobre a presença e a ausência dentro de nós.

O que é tristeza? A ausência de alegria.

O que é confusão? A ausência de clareza.

O que é escuridão? A ausência de luz.

O que é guerra? A ausência de paz.

A guerra é um buraco, um vazio, uma negação. Então, como

acabamos com a guerra? Nós a preenchemos com algo. E a

melhor coisa com que preenchê-la é a paz. Onde podemos

encontrar a paz? Dentro de cada um de nós. E onde podemos

encontrar o buraco da guerra? Dentro de cada um de nós.

Portanto, é assim que podemos dar os primeiros passos

rumo à paz entre as pessoas: encher os buracos de ódio,

tristeza, confusão, escuridão e guerra dentro de nós com o

amor, a alegria, a clareza, a luz e a paz que existem dentro de

nós.

UMA SINFONIA DE SIMPLICIDADE

Uma vez, fui a um concerto de música clássica em Viena. O

auditório estava lotado e havia um burburinho tremendo de

conversas ansiosas. Os músicos subiram ao palco e começaram

a afinar seus instrumentos. Então as conversas foram ficando

mais altas e as pessoas que chegavam na última hora entraram

para ocupar seus assentos, o que significava que os outros

precisavam se levantar e voltar a se sentar para deixar que

passassem. Era um caos. Eu não estava gostando nada daquilo:


minha mente estava ficando agitada demais. Poderia facilmente

me levantar e sair, mas tinha sido difícil conseguir os

ingressos.

De repente, a afinação parou, o maestro surgiu, todos

aplaudiram e… silêncio. Houve um delicioso momento de

tensão silenciosa enquanto o regente erguia e segurava a batuta

no ar. Então a música começou. Era baixa no início, e

podíamos ouvir todas as ressonâncias das cordas, o movimento

dos dedos. Aos poucos, foi se tornando uma experiência

sensorial incrível.

Às vezes é assim dentro de nós. Há um concerto

acontecendo em nosso coração. Para alguns, a afinação e o

palavrório duram anos. Para outros, a batuta se ergue e a paz

adentra, e então a música começa. O barulho, o silêncio e a

música estão todos dentro de nós.

Vez ou outra, também pode haver um ritmo que nos leve a

dançar — um ritmo mais forte do que todos os outros ritmos

da vida ao nosso redor. Por meio do autoconhecimento,

sentimos nosso verdadeiro compasso e nos movimentamos de

acordo com ele. É essa a sensação de estarmos verdadeiramente

concentrados. Todo o resto fica para trás. Vem o silêncio, e

então uma bela sinfonia começa a tocar em nosso coração.

Você se ouve.

DESAPEGO, AMBIÇÃO E ESCOLHA

Devemos aspirar a ser completamente desapegados do

mundo ao nosso redor? Essa é uma pergunta que me fazem

com frequência. Minha visão é simples: não é possível ser

100% desapegado. Qualquer um que se diga totalmente livre

das pressões e distrações do dia a dia deve estar se iludindo.


Algumas pessoas têm receio de que o autoconhecimento as

leve a uma existência entediante e abstrata — a um retiro da

realidade. Se alcançarmos o contentamento, viraremos mesmo

um vegetal (uma batata, talvez, ou um nabo) enraizado em um

só lugar? Não haverá nada interessante acontecendo em nosso

cérebro de batata ou de nabo, e sem nenhuma aspiração? De

jeito nenhum! Em algumas das histórias sobre Buda, vemos

que ele atingiu a iluminação e então se tornou ambicioso de

verdade. Ele quis levar a mensagem de paz a todos os lugares

logo que encontrou o contentamento.

Quero deixar isto bem claro: o autoconhecimento não

transforma nosso eu exterior em um ser perfeito que plana

pela vida, intocado por questionamentos e problemas. O que

ele pode fazer é nos dar a clareza de que precisamos para

reconhecer que temos uma escolha. Não escolhemos quando

nascemos nem quando morremos. Com relação a todo o resto,

podemos arriscar.

Viver de maneira consciente envolve saber que você sempre

tem uma escolha — mesmo em momentos difíceis — e, então,

escolher com cuidado. Vivemos inconscientemente quando

não sabemos que podemos escolher ou escolhemos não

escolher. A inconsciência de uma pessoa pode levar à

inconsciência de outra e, assim, o ciclo de ignorância segue

adiante. E ele tem consequências. Por outro lado, nos

tornarmos conscientes de nossas escolhas pode ser

extremamente fortalecedor e gratificante. Voltarei a essa ideia

no capítulo 5.

TRANSCENDENDO NOSSAS PREOCUPAÇÕES

É tentador pensar que, se nos livrarmos de todas as

preocupações, teremos paz. Posso falar apenas pela minha


experiência: se eu parar de pensar em comida, minha fome vai

passar? Não. E se alguém me disser “Pare de pensar em

comida”, minha fome vai passar? Não. Enquanto você estiver

vivo, provavelmente vai passar por momentos em que vai se

preocupar com alguma coisa — às vezes um pouco, às vezes

muito. É então que vale a pena escolher se afastar da mente

inquieta e se aproximar do coração pacífico, se puder.

Conheço pessoas que foram até os confins do planeta em

busca de um lugar que pudesse lhes proporcionar a mente

despreocupada que tanto desejavam. O que aconteceu? Elas

voltaram e se sentaram em uma poltrona. Então fecharam os

olhos e pensaram: “Finalmente cheguei! Agora posso aproveitar

a verdadeira paz”. Tudo ficou em silêncio por um momento.

Ou dois. Então, elas começaram a ouvir os grilos cantando. Ou

o vento soprando nas árvores. As ondas batendo na praia. Ou

um pássaro solitário cantando em algum lugar longínquo da

floresta. E então os pensamentos da sua casa voltaram a encher

sua mente, como uma bagagem que tivesse ficado perdida no

aeroporto mas por fim foi entregue.

Assim todo homem e toda mulher sempre fogem de si

mesmos — mas de que adianta, se não há como escapar de si

mesmo? Quando estamos inquietos dentro de nós, maravilhas

naturais soam como uma cacofonia; quando estamos à vontade

dentro de nós, quase tudo pode se tornar música. A menos que

encontremos a resposta para o barulho da preocupação, ele

sempre vai viajar conosco. Nossa maior defesa é uma

capacidade que levamos por toda parte: saber que sempre

podemos escolher o caminho do autoconhecimento rumo à

paz interior.

O poeta Kabir disse: “Se é para se preocupar, preocupe-se

com a verdade. Se é para se preocupar, preocupe-se com a

alegria. Se é para se preocupar, preocupe-se com o bem em sua


vida”. Dessa forma, tornamos a preocupação ausente quando

escolhemos tornar qualidades positivas presentes.

ESCUTE SEU CORAÇÃO

Para mim, o processo de autoconhecimento — da

consciência plena passando pelo coração pleno para chegar à

paz plena — é muito semelhante a disparar um foguete para o

espaço. A consciência plena diz respeito a acalmar a mente e

concentrar a atenção: levar o foguete à plataforma de

lançamento. Deixamos para trás tudo que não é necessário para

o voo e dirigimos nossa atenção para estarmos prontos para

partir. O coração pleno envolve se conectar totalmente com o

lado de dentro para que possamos gerar uma sensação de

completude forte o bastante para nos fazer decolar. E a paz

plena é o que sentimos em nosso coração quando estamos

subindo, subindo e subindo — livrando-nos da gravidade.

Então o foguete reforçador se solta e estamos voando na

vastidão de nosso universo interno, além das dimensões do

tempo normal e do espaço.

Meu coração é o lugar dentro de mim onde fico

profundamente feliz por nenhum motivo além da felicidade

em si. Existem oceanos que velejo dentro do meu coração, não

para ir a algum lugar, mas porque é uma viagem incrível. O

coração é onde desenvolvemos coragem para ver a clareza em

meio à confusão e onde conseguimos desfrutar da clareza em

si. Estou no paraíso quando meu coração está contente, quando

ele canta com gratidão por existir. É então que me sinto vivo

de verdade. Foi isso que encontrei naquela manhã mágica em

Dehra Dun.

Precisamos nos certificar de que estejamos conectados de

verdade com nosso coração, e não com o que a nossa cabeça


diz que o nosso coração pode querer. Essa mente ocupada está

sempre pronta para se intrometer e interceptar tudo à sua

maneira. Nossa mente acha muito difícil parar de procurar no

mundo exterior o que vem a seguir. Se o que você tem é uma

ideia do coração, então isso é só mais um ruído. Nosso coração

não está aqui para ser direcionado ou para receber ordens

sobre o que sentir; nosso coração simplesmente expressa o que

sente.

É quando estamos em paz que nossas prioridades podem ser

reconhecidas com mais clareza e nossa atenção pode ser mais

bem direcionada. É sentindo a paz em nosso coração que

podemos nos conhecer melhor. E esse parece um bom

momento para voltarmos nossa atenção para a diferença entre

crer e saber.
4. Aprenda a diferença entre saber e crer

A maneira como pensamos exerce forte impacto na maneira

como vivemos. Usando nossa capacidade intelectual, podemos

entender nossos desafios e oportunidades, e fazer isso nos

ajuda a tomar decisões melhores. Ao mesmo tempo, a

inteligência coletiva da humanidade nos permite moldar o

mundo para nosso benefício mútuo. A melhora nos padrões

médios de vida é apenas um exemplo do impacto do

pensamento em nossa vida.

Devemos, portanto, celebrar o poder do cérebro — mas

sabemos que ele também é inteligente a ponto de ver as

limitações do pensamento. Interagimos com o mundo de

diferentes maneiras; contudo, em sociedades mais modernas, é

o pensamento que domina como as pessoas levam a vida.

Muita gente tenta encaixar tudo que encontra na estrutura

daquilo em que acredita, mas essa parece uma maneira rígida

de responder à riqueza e ao fluxo da existência, à correria

maravilhosa e caótica da vida.

Sinto que existe uma forma mais gratificante de se

relacionar com o mundo dentro e fora de nós. Para mim, o

ponto fulcral da experiência humana é quando estamos

intelectualmente despertos ao que é novo mas plenamente

centrados em nosso eu. Dessa forma, nossa mente está aberta

para mudar enquanto nosso coração nos mantém ancorados


em quem somos. Por meio do autoconhecimento, podemos

começar a aguçar nosso foco no que acontece dentro de nós:

sem ignorar o mundo, apenas aumentando as crenças com o

saber — saber o que realmente importa. Numa época em que o

pensamento costuma ser mais valorizado do que qualquer

outra coisa, esse equilíbrio consciente é radical.

ENCONTRANDO OS LIMITES DO PENSAMENTO

Mas qual é o problema de deixar que nossa mente domine

nossa experiência de vida? Bom, é porque os pensamentos e

crenças se esforçam para explicar e expressar aspectos

importantes de quem somos.

Imagine o seguinte cenário: você se senta com a pessoa que

mais ama no mundo e pergunta: “Você me ama?”. E ela

responde: “Penso que sim”. Ela pensa que ama você? E se ela

dissesse: “Creio que sim”. Ela crê que ama você? É o mesmo

que dizer: “De jeito nenhum”. Você sabe se ama uma pessoa ou

não.

Aqui vai outra pergunta simples que pode revelar os limites

do pensamento: quem é você? As pessoas costumam ter

dificuldade para responder a essa pergunta porque exige que

elas vão além da crença e adentrem o sentimento. Não temos

como responder de forma relevante dando nosso nome, idade,

gênero, profissão, estado civil e cor favorita. Não temos como

responder de forma relevante por meio da lógica ou da teoria.

Trata-se de ter uma conexão consigo mesmo que é tão

profunda e clara que você não precisa responder com palavras

— você apenas sabe.

Swami Vivekananda, o monge hindu indiano que foi porta-

voz internacional da filosofia Vedanta, disse: “Acreditar

cegamente é degenerar a alma humana. Seja um ateu se quiser,


mas não acredite em nada sem questionar”. Gostamos de

acreditar porque quando acreditamos outra pessoa está fazendo

a lição de casa por nós. Não é que não entendamos as

consequências de acreditar cegamente; é só que parece muito

mais fácil do que saber. Mas, na realidade, saber não é nada

difícil: o segredo é conhecer seu eu, não conhecer outra coisa

ou pessoa.

UM UNIVERSO INTERIOR

Quando Sócrates disse “Conhece a ti mesmo”, foi um convite

para desfrutar do universo mais interno dentro de cada um. E

o que você encontra quando chega a esse lugar de

conhecimento dentro de si? Não é uma lista de convicções.

Não é a revelação dos seus traços de caráter, tipos de

personalidade ou indicadores psicológicos. Não é uma teoria de

quem você é. O que você descobre é uma sensação de paz

infinita e uma compreensão profunda da sua presença no

momento atual. É a conexão completa de você com o poder

universal. E esta é a experiência mais rara em um mundo de

ruído e corre-corre: a alegria de apenas ser.

A racionalização da mente se expressa por uma linha de

questionamentos. Quem? O quê? Onde? Quando? Como? Por

quê? E por aí vai. Essas perguntas podem ser incrivelmente

úteis em nosso cotidiano, mas não vão nos levar ao infinito.

Para experimentar o que existe, no sentido mais profundo,

temos que nos afastar da estrutura da mente. É quando

deixamos os questionamentos de lado que começamos a saber.

É por isso que, na Índia, o autoconhecimento é chamado de

rajaioga. Yoga não significa “dobre-se em tudo quanto é

posição”; significa “união”. Rāja significa “rei”. Portanto, Rāja

Yoga é a ioga majestosa que põe você em união com o divino, a


maior de todas as uniões. E o divino não é algo misterioso

escondido no alto de uma montanha — é a paz em seu

coração.

Meu coração fala comigo da mesma forma direta como meu

corpo se expressa. Quando seu corpo está com fome, ele fala.

Quando está com sono, ele fala. Quando sente dor, ele fala. Não

se oferece nem se espera nenhum “por favor”. Não existem

gentilezas nem bons modos. “Você está com fome: é melhor

comer alguma coisa”, ele diz. O autoconhecimento permite

que você ouça seu eu interior com clareza, de modo que,

quando seu coração está saciado, você sabe. Quando seu

coração está cheio de alegria, você sabe. Quando seu coração

está cheio de amor, você sabe. A língua da paz interior é clara,

forte e imediata. Tem uma poesia simples que é deliciosa de

ouvir.

ENCONTRANDO NOSSO CAMINHO

Qual é a primeira regra de navegação para pilotos? Saber

onde você está. Um mapa, por mais preciso e detalhado que

seja, é inútil se você não souber sua localização. Crer sem

conhecer o eu é como ter um mapa sem entender onde está.

Se você não souber onde está, como vai chegar aonde quer?

Os pilotos podem passar por algo chamado “perda de

orientação”. Quando isso acontece, eles não sabem sua

inclinação, sua altitude nem sua velocidade. Não estão onde

pensam estar. Na verdade, estão perdidos e confusos. Podemos

passar por algo bastante parecido no nosso dia a dia. Sem nos

conhecer, podemos ter muitas ideias e planos mas pouca noção

do que realmente importa. Sem nos conhecer, podemos ter

perguntas infinitas que nos levam mais e mais longe de uma

resposta satisfatória. Sem nos conhecer, podemos sentir uma


necessidade constante de buscar a paz sem nunca sentir a paz

que já está dentro de nós.

Convido você a saber onde está neste momento procurando

também dentro de si e valorizando sua existência no aqui e

agora. O autoconhecimento significa conhecer sua posição atual.

Saber que somos abençoados pela vida e que a oportunidade

está aí para nós — cada um de nós — nos sentirmos plenos a

cada dia, cada hora, cada minuto. Quando estamos em contato

com a paz interior, podemos aproveitar a jornada da vida de

verdade, sentindo alegria e contentamento no agora em vez de

esperar chegar a seu destino imaginário amanhã.

O SENTIDO VEM DE DENTRO

O que existe dentro de nós é o ponto de partida para todo o

sentido. Podemos olhar pela janela e pensar “Ah, que mundo

lindo!” sem nos dar conta de que a beleza começa dentro de

nós. Se a humanidade fosse extinta, a beleza desapareceria

junto conosco, porque a beleza vem de nós. Você carrega um

universo infinito de beleza dentro de você, bem agora. O

autoconhecimento é o caminho que nos leva a todas essas

maravilhas que existem dentro de nós e estão só esperando

pela nossa atenção.

Pense na doçura de uma manga. Todos os ingredientes

necessários para produzir aquele sabor incrível estão na fruta,

mas só ganham vida quando a descascamos e nos deliciamos

com ela. Sem nosso desejo de saborear e nossa sede de suco, a

manga seria apenas um objeto com determinadas propriedades

químicas. Quando acrescentamos nosso desejo e nossa sede,

comer a manga se torna uma experiência deliciosa. No fundo,

a doçura da vida está dentro de você para ser provada.


Você tem muita sede e alguém lhe diz para escolher entre

um copo de água gelada e uma apresentação de trinta minutos

sobre as qualidades de um copo de água gelada. Qual você vai

escolher? É óbvio! Em vez de tentar saciar nossa sede de

autoconhecimento com uma teoria sobre quem somos nós,

podemos sempre escolher vivenciar quem somos.

Sem a vivência, tudo que pensamos e em que acreditamos é

teoria. Podemos nos viciar em teorias, na esperança de que

expliquem tudo milagrosamente. E então começamos a moldar

a realidade para que se encaixe em nossas ideias. Lembro-me

de uma piada que ouvi de um economista: “Essa ideia funciona

muito bem na prática, mas será que funciona na teoria?”.

A teoria tem muitas utilidades — utilidades de importância

crucial às vezes —, mas também tem seus limites. Imagine um

homem que prometeu à namorada que faria um delicioso

jantar para celebrar o aniversário de namoro.

“O que você fez para jantar, amor?”

“Ah, te amo tanto que passei a tarde toda pensando no que

queria preparar para você”, ele responde.

“Que bom!”

“Mas na prática não preparei nada.”

“Ah.”

Esse é um debate bastante filosófico. Pode ser interessante

reunir os melhores ingredientes intelectuais sobre o ser

humano, mas é muito mais fascinante se eles forem

transformados em experiência. Esse não é um argumento

contra a investigação filosófica; estou apenas ressaltando que

ideias e teorias sobre quem somos têm limitações. A vida não é

teórica.

O QUE É POSSÍVEL SABER?


Podemos nos distrair teorizando sobre o eu e perder a

oportunidade de conhecer nosso eu. O que é possível saber?

Podemos saber que estamos vivos, que esses momentos pelos

quais estamos passando são reais, que devemos aproveitar cada

momento ao máximo, que a paz interior traz a sensação

profunda de plenitude que buscamos, que, quando estamos em

paz, os mundos interior e exterior brilham ainda mais para

nós, em toda a sua glória. O conhecimento não é uma

explicação; é sentir o divino dentro de você.

A verdade disso está bem diante de nós, mas pensar demais

pode nos distrair de verdades simples. Como disse o

dramaturgo grego Eurípides, “Inteligência não é sabedoria”. Às

vezes, parece que as pessoas estão lendo um guia de 2 mil

páginas sobre um livro de uma página e, quanto mais leem,

menos entendem.

Existe uma história antiga da qual gosto muito. As pessoas

mais inteligentes se reuniram para descobrir o que era mais

importante: o Sol ou a Lua. Elas deliberaram e deliberaram e

deliberaram, argumentando e contra-argumentando. Por fim,

chegaram a uma conclusão: a Lua é mais importante. E por

que a Lua é mais importante? “Veja”, disseram, “durante o dia,

quando há luz de sobra, o Sol brilha. Mas à noite, quando está

escuro, a Lua brilha. Por isso ela é mais importante.”

Na primeira vez que ouvi essa história, ri e pensei: “Que

ridículo”. E então me ocorreu: na verdade, é assim que

pensamos às vezes. Esquecemos de dar valor às coisas

essenciais da vida — aos elementos vitais bem debaixo do

nosso nariz. Quando reconhecemos isso e começamos a

valorizar o que realmente importa, é como se uma luz

brilhasse sobre nós, iluminando o dom incrível que nos foi

dado.
ENCONTRANDO O CAMINHO LIVRE

Eu estava no carro na hora do rush em Londres quando,

mais à frente, vi alguém descendo a rua de maneira muito

curiosa. Ele estava andando em um ritmo normal, mas, mesmo

de longe, eu podia ver que a linguagem corporal dele era um

pouco diferente das pessoas ao seu redor. Quando me

aproximei, ficou óbvio que aquela pessoa — um homem

sozinho — não enxergava e estava usando uma bengala para

encontrar o caminho.

Eu já tinha visto muitas pessoas com deficiência visual

usando uma bengala antes, então não foi isso que chamou

minha atenção — foi o fato de que esse homem não

demonstrava nenhuma preocupação em relação ao muro à sua

direita, nem à estrada à esquerda, nem aos possíveis obstáculos

ao redor. Ele estava usando a bengala para mapear uma área

livre em que pudesse se locomover com segurança. O homem

tinha movimentos tão seguros que sugeriam que sua mente

não se distraía com o trânsito, com a conversa entre o homem

e a mulher em frente à loja, com a música que saía do carro

estacionado mais adiante, com o cachorro latindo do outro

lado da rua, com nada. Ele sabia onde estava, e fazia uma

pergunta clara o tempo todo: tenho um caminho livre à minha

frente para poder continuar?

Pensei em como aquela estratégia era eficaz em comparação

com a forma como percorremos a vida mentalmente. Às vezes,

imaginamos possíveis obstáculos e problemas em toda parte.

Vemos perigos onde não existem e deixamos de notar aqueles

que estão lá. Permitimos que nossa atenção seja capturada pelo

que se movimenta ao nosso redor em vez de onde estamos

agora e aonde queremos ir depois. Quando vemos a montanha,

ela pode nos assustar, mas a trilha dá a volta até lá em cima.


Ficamos parados pensando em todos os obstáculos diante de

nós e deixamos de ver a simplicidade do caminho livre à

frente.

O que pessoas com deficiência visual fazem quando

encontram um obstáculo? Buscam um caminho livre ao redor

dele. O que fazemos quando encontramos um obstáculo em

nossa mente? Muitas vezes, apenas continuamos insistindo

nele, na esperança de que, de alguma forma, ele saia dali por

conta própria.

Quero destacar o seguinte: segundo a minha experiência, ter

autoconhecimento não tira magicamente os obstáculos do

caminho. O que isso pode fazer é nos ajudar a encontrar o

caminho livre. Daí então é possível escolher o que faremos em

resposta. Se nos concentrarmos no que é importante para nós e

continuarmos buscando o caminho livre, podemos continuar

seguindo em frente.

Sei que, às vezes, nossa vida pode ser dominada pelos

obstáculos, e que essa sensação pode se tornar opressiva.

Também sei que muitas pessoas encontram grandes obstáculos

para adquirir o autoconhecimento, sentir alegria, ver a paz

florescer em seu coração, ter clareza e fazer boas escolhas. Mas

esses são apenas conceitos em que elas acreditam, e sei que

existe um caminho livre para nós quando escolhemos nos

conectar com a paz interior e avançar a partir dela.

UMA CONVERSA ENTRE A CABEÇA E O CORAÇÃO

Quando colocamos mais ênfase nos sentimentos, existe um

perigo de que nossas reações emocionais ao mundo deixem de

ser questionadas? Talvez. Sabemos que nossos sentimentos

nem sempre equivalem à realidade. Todos podemos ser

inutilmente irracionais às vezes. Nossas emoções também


podem ser moldadas pela mente. Se não nos conhecermos,

podemos nos deixar enganar por qualquer coisa, incluindo

nossas emoções, mas, com o autoconhecimento, buscamos nos

conectar com um conjunto mais profundo de sentimentos.

É útil ouvir com a mesma atenção os pensamentos e os

sentimentos mais profundos para que eles fiquem equilibrados.

Se parecerem discordar uns dos outros, deve ser um bom

momento para convidar o coração e a mente para se sentarem

e terem uma conversa. E, já que vamos fazer isso, pode ser

bom convidar outra parte nossa: o instinto ou a intuição — a

soma de todas as nossas experiências.

Nossa mente costuma ser quem fala mais alto em nossa

conversa interior — sempre ouvimos seu coro de quem, o quê,

onde, quando, como e por quê —, portanto pode ser bom

cultivar a voz do coração. Enquanto a mente se ocupa falando

sobre expectativas, planos, aspirações e ansiedades, o coração

vai dizer apenas uma coisa de muitas maneiras diferentes:

“Esteja pleno”. E é por isso que, para mim, a resposta mais

expressiva à pergunta “Quem é você?” está no coração.

Enquanto nossa mente vive tentando criar sentido, nosso

coração transborda de sentidos lindíssimos. Pegue aquele

exemplo do amor: nenhuma explicação é necessária. Nossa

mente pode tentar nos dar motivos, mas ou sentimos o amor

no coração ou não. Não é possível explicar por que sentimos: o

amor simplesmente existe. Não é maravilhoso?

O mesmo vale para a paz: ela simplesmente existe no nosso

coração. A sede de paz está em nós e a fonte de paz está em

nós. É por isso que é sempre fascinante conversar com alguém

sobre paz pela primeira vez, porque todos têm que partir da

própria mente — entendendo um ao outro por meio de

palavras primeiro — e, então, vislumbrar a beleza sem forma

da paz interior. No fim das contas, a paz faz sentido como um


sentimento. Ao longo deste livro, defino o que sinto que a paz

pode ser para nós, em nossa vida, mas só você pode senti-la e

entendê-la por sua conta.

A IMPORTÂNCIA DE QUESTIONAR TUDO

Nossa mente está cheia do que foi depositado nela ao longo

dos anos — daquilo que escolhemos aceitar e acreditar.

Levamos nossas crenças conosco e, às vezes, elas podem

parecer uma bagagem pesada, nos deixando sobrecarregados.

Imagine por um momento abandonar as malas cheias de

crenças. Imagine como isso deixaria você se sentindo leve,

aberto a novas ideias e experiências.

Vale a pena considerar como aprendemos aquilo em que

acreditamos e que sabemos. Por exemplo, a aprendizagem

mecânica — decorar por repetição — é uma forma de coletar

informações desde crianças, quando fazíamos isso com nossos

pais. Usamos esse método na vida adulta também. Na primeira

vez que visitei o Japão, eu queria muito aprender a dizer

“obrigado”, então perguntei para alguns amigos.

“Arigatou gozaimasu”, eles responderam.

“Como?”, perguntei.

“Arigatou gozaimasu!”

“Como!?” Parecia complexo demais para os meus ouvidos.

“Arigatou gozaimasu!”

“Hmmm…”

Aos poucos, eles me ajudaram a partir em pedaços menores,

entender e treinar a frase até que ela fizesse sentido para mim,

de modo que eu pudesse usá-la nas conversas. Praticamos o

mesmo com outras frases úteis. Era um trabalho de fazer com

que as palavras se tornassem minhas.


A aprendizagem mecânica pode ser útil, mas temos que

tomar cuidado para não nos fixar em tudo que nos dizem.

Durante a infância, nossos pais e professores compartilharam

conosco suas visões de mundo. Parte de se tornar

independente é se preparar para reconsiderar o que nos foi

ensinado. As suposições e os questionamentos que fazemos

sobre a vida: são suposições e questionamentos nossos? Grande

parte do ruído dentro de nossa cabeça vem de outras pessoas,

mas sempre temos a opção de baixar o volume das vozes delas

para podermos nos escutar.

Seus pais devem ter lhe dito coisas com as melhores

intenções, mas não necessariamente estavam certos. Geração

após geração após geração, ideias erradas são passadas adiante

como heranças envelhecidas, e carregamos essas ideias

herdadas em nossa mala pesada. Acho que todos conseguimos

pensar em “verdades” pelas quais nossos pais e professores

botavam a mão no fogo e que agora parecem simplesmente

erradas. Precisamos apenas continuar questionando o que

aprendemos para poder continuar vendo o mundo com clareza

— não pelos olhos dos outros, mas pelos nossos.

Um dia, em uma aula de ciências na escola, o professor

disse: “Abram na página 132 do livro de física”. Depois de

alguns minutos lendo o texto, o professor apontou que o livro

estava errado ao definir o átomo como indivisível. “Risquem

isso”, ele gritou. E aquilo me fez pensar: todos que fizeram

aquela matéria no ano anterior tinham usado o mesmo livro e,

na cabeça deles, o átomo talvez ainda fosse indivisível. Não sei

que diferença acreditar nisso fazia para eles, mas aquele

episódio me ensinou que é bom não permanecer fixo em

nenhuma teoria.

Ao longo dos anos, vi que ideias herdadas podem nos

impedir de aprender algo novo, ao passo que aquilo que


aprendemos com a experiência nos encoraja a nos abrir para

um mundo de possibilidades. Será que não ganhamos mais

confiança com a experiência do que com as ideias?

Temos essa oportunidade maravilhosa de levar a vida de

maneira consciente em vez de seguir sem pensar as convicções

de nossos pais e professores (o que no fundo não passa de uma

reencarnação intelectual). E é por isso que convido você a estar

consciente de como minhas palavras ressoam aí. Não acredite

nelas simplesmente, teste-as, não em comparação com suas

teorias mas com sua experiência.

APENAS FIQUE EM SILÊNCIO

Quando alguém começa a questionar nossas crenças, isso

pode nos deixar com medo. Crença e medo se enrolam um no

outro como dois arbustos espinhosos crescendo lado a lado. É

muito difícil separá-los. Se você vive com medo, é tentador

encontrar refúgio nas crenças, mas as crenças podem levar a

mais medos.

Acho útil encarar o aprendizado pensando no equilíbrio

entre mente e coração: minha mente deve estar aberta à

mudança constante, mas meu coração é imutável. Isso me dá

forças em meu interior, mas também disposição para ouvir os

pontos de vista dos outros. Vou contar uma história antiga

sobre isso.

Um jovem estava buscando se tornar sábio, então começou a

procurar por um homem sábio. Ele buscou e buscou até

encontrar alguém que parecia se encaixar na descrição. Ele

abordou o homem e disse: “Poderia, por favor, me dar

sabedoria?”.

A princípio, o sábio pareceu relutante. “Você está mesmo

pronto para receber sabedoria?”, ele questionou.


“Com certeza”, disse o homem, “estou buscando há anos.

Viajei aos quatro cantos do mundo, e estou pronto.”

O sábio pensou por um momento e respondeu: “Certo, vou

lhe ensinar, mas antes preciso regar minhas plantações. Por

favor, venha comigo até o poço e espere enquanto pego água.

Tenho também uma condição: aconteça o que acontecer,

apenas fique em silêncio e não diga nada. Depois que eu

terminar de regar as plantas, vou lhe dar sabedoria”.

O jovem pensou consigo mesmo: “Que ótimo, basta ficar em

silêncio, observar enquanto ele rega as plantas, e ele vai me dar

sabedoria”.

Eles foram até o poço, e o sábio jogou o balde no buraco.

Depois de cerca de um minuto, puxou de volta o balde, que

estava cheio de buracos, e vazou água por toda parte até ficar

vazio. Logo em seguida, o sábio pegou o balde vazio e o jogou

no poço de novo.

O jovem começou a pensar: “Hum, que estranho… Será que

ele é sábio mesmo? Será que não sabe que o balde está cheio de

buracos? Como vai regar as plantas se toda vez que traz a água

para cima o balde se esvazia?”. Mas então pensou: “Tudo bem,

basta ficar em silêncio e ele vai me dar sabedoria”.

O sábio puxou o balde para cima. Mais uma vez, a água

escorreu pelos buracos e o balde se esvaziou rapidamente. O

jovem sentia suas dúvidas crescerem, mas disse para si mesmo:

“Só fique em silêncio, e você terá sabedoria”.

Uma terceira vez, o balde subiu escorrendo água dos

buracos. Ficou vazio num piscar de olhos, mas o sábio apenas o

jogou de volta no poço. O jovem já estava começando a duvidar

a essa altura. “Por que ele não vê que o balde está vazando e

cheio de buracos? Será que esse homem pode mesmo ser um

professor?”
Pela quarta vez, o balde voltou do poço com água saindo dos

buracos, e o sábio o jogou dentro do poço novamente. O jovem

pensava: “Qual é o problema desse homem? Será que ele é

capaz de me ensinar alguma coisa?”.

Pela quinta vez, o sábio tirou o balde, que estava vazando

água por toda a lateral do poço e criando uma enorme poça no

chão. Dessa vez, o jovem não conseguiu mais se conter. Disse

para o sábio: “Com licença, você não sabe que seu balde está

cheio de buracos e não consegue conter o que quer que seja?”.

O sábio deixou o balde cair, sorriu e voltou a se sentar perto

do jovem. “É verdade, o balde está cheio de buracos e não

consegue conter a água. E você mostrou que seu balde tem

muitos buracos e não consegue conter nada. Sua mente é cheia

de convicções, assim como esse balde é cheio de buracos.”

Como muitas histórias antigas, a conclusão é simples: se sua

mente já está cheia de convicções, será difícil aprender

qualquer outra coisa com os outros, mas a sabedoria flui de

dentro para fora, como os círculos de uma pedra atirada num

lago. Ou num poço.

Uma vez um cético foi ver meu pai discursar. Seu plano era

vaiar lá no fundo e ele estava esperando o momento certo para

contestar — uma mensagem, uma história, qualquer coisa. Isso

o obrigou a ouvir com muita atenção o que meu pai estava

dizendo. Cada palavra. Ele não vaiou em nenhum momento.

Na verdade, no fim da sessão, estava praticamente pronto para

pedir Conhecimento ao meu pai. Ele havia chegado com uma

série de preconceitos e um plano, mas se abriu o suficiente

para permitir que seu coração e sua cabeça escutassem.

PRECISANDO SABER
As pessoas às vezes me dizem: “Ah, caia na real — todo esse

papo sobre paz interior é uma fantasia!”. Na verdade, são

muitos os que duvidam de que a paz é possível. Alguns chegam

a essa conclusão depois de uma reflexão cuidadosa, e eu

respeito isso. Outros simplesmente descartam a paz num piscar

de olhos. Se você não tem autoconhecimento em sua vida,

grandes princípios como “a paz é possível” podem ser

ameaçadores. Algumas pessoas têm medo de deixar que

qualquer dúvida entre em sua casa ou em suas fortes

convicções.

Dúvidas podem nos deixar malucos. Se você duvida de que a

pessoa que ama é sincera com você, o medo não será afastado

por teorias. Precisamos saber.

Permita-me dramatizar isso. (É útil saber que Akbar foi um

governante indiano do século xvi e Birbal era seu conselheiro.)

Um dia, a esposa de Akbar, o imperador, veio até ele e disse:

“Você privilegia Birbal em vez de meu irmão. Ele é seu

parente, era ele que você deveria colocar em primeiro lugar.

Birbal não é ninguém!”.

Akbar respondeu: “Sim, privilegio Birbal. Ele é sagaz e

inteligente”.

Sua esposa protestou: “Meu irmão também, e quero que ele

seja nomeado”.

Akbar questionou: “Ah, como isso vai acontecer?”.

E ela disse: “Muito simples: dê uma volta no jardim. Chame

Birbal. Diga a ele para vir me buscar. Vou me recusar a ir e,

assim, você pode demiti-lo pelo fracasso”.

Mais tarde, Akbar estava caminhando nos jardins e ordenou:

“Chamem Birbal”. Rapidamente, Birbal veio.

“Pois não, majestade? Como posso ajudar?”

“Vá buscar minha esposa. Gostaria que ela estivesse aqui

enquanto faço meu passeio.”


Birbal olhou para Akbar e disse: “Vossa majestade tem tantos

servos, por que logo eu recebi essa honra?”.

O imperador tinha um sorriso no rosto. “Por motivo

nenhum”, ele respondeu, “apenas escolhi você.”

Birbal percebeu que havia um problema. Então entendeu o

que estava acontecendo: a esposa do imperador devia ter

conspirado contra ele. E logo deduziu que a esposa não tinha a

mínima intenção de ir.

No caminho para visitar a imperatriz, ele parou um dos

guardas e disse: “Vou conversar com sua majestade. Enquanto

eu estiver falando, venha e comece a sussurrar no meu ouvido.

Quero que você diga algumas palavras alto o bastante para que

ela escute. As palavras são: ‘E ela é muito linda’”.

Birbal foi e conversou com a imperatriz.

“O imperador deseja que vossa majestade o acompanhe no

jardim” e assim por diante, mas não estava chegando a lugar

nenhum. Depois de um tempo, o guarda entrou, começou a

sussurrar em seu ouvido e, como instruído, disse: “E ela é

muito linda”. Em seguida, saiu.

Birbal se voltou para a imperatriz: “Ah, vossa majestade não

precisa vir agora, mas creio que precisam de mim lá”. E saiu.

Dois minutos depois, a imperatriz estava ao lado do

imperador no jardim. Ele disse para ela: “Viu? Falei que Birbal

é muito inteligente. Como fez isso, Birbal?”.

E Birbal respondeu: “Majestade, bastou plantar uma

sementinha de dúvida, e ela precisava saber”.

SOBRE ENSINAR

Meu pai costumava dizer a mim e aos meus irmãos: “Nunca

entendi como, mas meu mestre respondia a todas as perguntas

que eu nem mesmo tinha feito”. Uma das coisas que


aprendemos com meu pai foi a ouvir e contemplar o que nos

era ensinado. Com frequência, as perguntas ficavam claras

depois de eu ter ouvido as respostas com atenção.

Sou muito grato pelo que meu pai me deu, especialmente

esse dom de ser capaz de entrar em mim mesmo e me sentir

pleno. A relação de pai e filho acabou há muito tempo, quando

ele faleceu, mas o dom que ele me deu continua a render

frutos. Minha ambição é compartilhar as sementes desse fruto

com o maior número de pessoas possível.

Nem sempre foi fácil ser visto como um professor quando

eu era jovem. Lembro-me de olhar para salões cheios de

médicos, advogados e outras pessoas maduras e cultas sentadas

pacientemente esperando que eu falasse. Lá estava eu, com

nove ou dez anos; eles na casa dos trinta, quarenta, cinquenta

— esperando para me fazer perguntas. E eu lhes daria as

respostas.

Quando eu discursava, muitas pessoas me perguntavam:

“Mas como você sabe isso?”. E minha resposta era sempre:

“Porque vivenciei isso”. E então as pessoas pediam: “Pode me

mostrar?”. E eu respondia: “Sim, mas antes você precisa sentir

sua sede de paz”. Isso porque se preparar para o

autoconhecimento começa com encontrar seu desejo de se

conhecer.

Não há por que entrar nessa jornada se o que você busca é

confirmar suas crenças preexistentes; o essencial é sentir a

necessidade de vivenciar quem você é de verdade. É como

quando você dá um presente embrulhado para uma criança.

Ela começa a perguntar: “O que é? É isso? É aquilo? Acho que já

sei!”. Ela está tentando associar o formato do presente ao que

quer que ele seja. Mas a única maneira de saber o que tem

dentro é rasgar o papel de embrulho. O mesmo vale para o eu.


Na Índia, quando minhas turnês de palestras terminavam, eu

voltava à escola e me tornava um estudante de novo. Às vezes

era tão difícil para o professor se acostumar como era para

mim. Em um momento, eu estava sendo ouvido com grande

atenção; no outro, os professores estavam gritando: “Você está

atrasado!” (e era provável que eu estivesse mesmo).

Por isso, me perguntei: quem sou eu? A resposta começou

com este pensamento simples: “Minha vida está em constante

mudança, mas graças ao autoconhecimento estou sempre

conectado ao meu eu”. Com grande clareza eu via que nada

duraria para sempre, portanto não precisava me preocupar em

alternar entre os papéis diferentes que tinha na vida. Pensei:

“Não vou ser um estudante para sempre, mas, quando estiver

na escola, posso ser essa versão de mim”. E: “Não vou ser

criança a vida toda, mas, enquanto for, posso ser esse filho”. E:

“Não necessariamente vou ser um palestrante sobre sabedoria

na Índia até o fim dos meus dias, mas, enquanto estiver aqui,

posso ser isso”.

Entender que nada na vida é fixo foi libertador. Permitiu que

eu fosse mais flexível em relação à minha perspectiva e tornou

muito mais fácil suportar alguns dos meus professores mais

rabugentos.

SUSPENDENDO A CRENÇA

“A sabedoria começa pela reflexão”, disse Sócrates, mais uma

vez sintetizando uma verdade profunda em poucas palavras. O

mesmo pensamento ecoa no desejo do poeta inglês Coleridge

de que os leitores permitam à imaginação uma “suspensão

voluntária da descrença por um momento, o que constitui a fé

poética”.
Nascido em 1772, Samuel Taylor Coleridge queria que as

pessoas se livrassem da mente lógica quando lessem, de

maneira que pudessem vivenciar algo diferente — algo além do

que já pensavam. Nesse espírito, Coleridge começou um

projeto chamado Baladas líricas, colaborando com o também

poeta William Wordsworth para criar uma coletânea de

poemas extremamente criativos. Coleridge descreveu o

objetivo de Wordsworth como algo que

despertaria da letargia do costume a atenção da mente e a apontaria para


a beleza e as maravilhas do mundo diante de nós; um tesouro
inexaurível, mas para o qual, em virtude do véu da familiaridade e da
solicitude egoísta, temos olhos que não enxergam, ouvidos que não
escutam e corações que não sentem nem compreendem.

Em um espírito parecido, o que estamos buscando aqui é

uma suspensão voluntária da crença. Sim, sempre precisamos do

pensamento inteligente e de ideias sensatas para nos explicar

como entendemos o mundo. A ciência proporciona vantagens

enormes para todos. Mas, quando o assunto é

autoconhecimento, devemos silenciar o pensamento e ouvir a

voz mais profunda dentro de nós. Precisamos ter olhos que

enxerguem de verdade, ouvidos que escutem de verdade e um

coração que sinta e entenda de verdade — que saiba de

verdade.

Além de desenvolver a mente, que mal há em suspendermos

nossas crenças e despertarmos nossa atenção da letargia da

vida automática, apontando-a para as maravilhas do mundo

diante — e dentro — de nós?


5. Comece por você

Um jovem estava descendo a rua quando viu um homem

muito mais velho, curvado pelo peso de um fardo enorme de

madeira que carregava nas costas. O jovem pensou: “Esse

senhor já está aí há um bom tempo, enquanto eu só estou

começando a vida — por que não peço um pouco de sabedoria

para ele?”. Então ele se aproximou e disse: “Velho, por favor,

me dê um conselho sobre a vida”. O homem olhou para ele,

tirou o fardo pesado dos ombros, colocou-o no chão e se

empertigou. Então, olhou para ele de novo, curvou-se, colocou

a lenha de volta nos ombros, levantou-se e saiu andando.

Qual é a moral da história? Talvez seja que devemos limitar

os fardos que carregamos. Ou talvez nos diga que boa parte da

vida gira em torno de seguir em frente com o que é necessário

e que deveríamos evitar dar tempo a distrações. Ou que às

vezes podemos dizer mais com ações do que com palavras. Mas

o que sempre tiro dessa história é a lembrança de que a vida

exige que nos mantenhamos em pé. Podemos precisar da ajuda

dos outros de vez em quando, mas no fim das contas devemos

assumir a responsabilidade por nós. É disso que trata este

capítulo.

NAVEGANDO NOSSO PRÓPRIO NAVIO


Vamos voltar um pouco. Quando nascemos, éramos o centro

do nosso mundo. Nenhuma das complexidades e confusões da

vida nos afetava, e conseguíamos expressar a energia pura de se

estar vivo e ter necessidades. Pense na maneira natural como

um bebê ri ou chora. Pense no sorriso largo da criança quando

está se divertindo. Por que deixamos esses sentimentos de

lado? Na vida adulta, podemos nos tornar atores representando

papéis para os outros, tentando deixar todos felizes. Mas onde

está nossa alegria? Onde está nosso amor? Onde está nossa paz?

Já estão no fundo de nós, mas às vezes esquecemos que estão

lá.

Quando essa falta de conexão com o eu acontece, buscamos

respostas no mundo exterior. Outras pessoas podem nos ajudar

— sendo boas ouvintes e orientando com a experiência delas

—, mas no fim somos nós que precisamos encontrar essa

conexão de volta com quem realmente somos. No fundo,

apenas eu sou responsável pela minha felicidade e apenas você

é responsável pela sua.

VOCÊ SE APROVA?

Às vezes acreditamos erroneamente que o que nossos

familiares, amigos e colegas pensam de nós é o que somos.

Acabamos moldando nossas opiniões para nos encaixar no que

eles pensam — ou no que pensamos que os outros pensam.

Podemos nos tornar como aqueles políticos que vivem

consultando pesquisas de opinião para ver suas taxas de

aprovação e dizem apenas o que acreditam que as pessoas

querem ouvir. Mas as opiniões dos outros e as suas

necessidades são duas coisas diferentes. O imperador e filósofo

Marco Aurélio expressou isso nos seguintes termos:


A felicidade de todo homem depende de si mesmo, contudo observa que
fazes tua felicidade consistir nas almas e conceitos de outros homens.

É difícil respeitar alguém que não se respeita. A propósito,

vemos a necessidade de aceitação por toda parte. As pessoas se

preocupam com o que estranhos pensam de sua aparência.

Preocupam-se se disseram algo inteligente nas reuniões.

Preocupam-se se são populares. Mais importante do que tudo

isso: você se aprova? Você gosta de passar tempo com você? Você

se entende e se valoriza? A questão não é ser autocentrado; é se

centrar em si.

NÃO SE OFENDA, NÃO OFENDA

Em casa, no trabalho, na escola, em público — podemos

sentir que estamos sendo julgados o tempo todo e então nós

retribuímos o favor julgando tudo em resposta. Julgamos as

pessoas por julgarem! Assim se forma uma atmosfera negativa,

como um sistema climático, e, antes que você se dê conta,

caem tempestades.

Imagine duas substâncias químicas que são estáveis sozinhas

mas explodem quando combinadas: agora pense nelas como o

desejo que você e outra pessoa têm de julgar um ao outro.

Misture as duas substâncias e dê início ao processo de

combustão emocional.

Mas existe outra forma. Nem sempre é fácil pôr em prática,

mas, se pararmos de julgar os outros e nos concentramos no

quanto nós nos aprovamos, tudo se transforma. Quando nos

sentimos centrados em nosso eu, não nos perturba ouvir as

opiniões dos outros, quaisquer que sejam elas.

Um mantra muito útil é: “Não se ofenda, não ofenda”. Em

outros termos, se você não trouxer a bordo uma carga de


comentários negativos, você não achará necessário despejar

esses comentários no próximo porto.

Quando sentimos a tentação de nos concentrar no caráter do

outro, podemos em vez disso nos concentrar em nós mesmos.

Como eu estou? Eu me entendo? Eu estou sendo generoso e

amoroso com todos? E eu estou sentindo a paz dentro de mim?

Digo a mim mesmo: não busque bondade nos outros antes de

encontrar a bondade em você. Não busque amor nos outros

antes de encontrar o amor em você. Não busque paz nos

outros antes de encontrar a paz em você.

O poeta Rumi capturou isso maravilhosamente:

Ontem eu era inteligente, então quis mudar o mundo. Hoje sou sábio,
então estou mudando a mim mesmo.

A mesma sabedoria foi expressa cerca de seiscentos anos

depois pelo escritor russo Liev Tolstói:

Em nosso mundo todos pensam em mudar a humanidade, mas ninguém


pensa em mudar a si mesmo.

Em outros termos: comece por você.

NÃO É DA SUA CONTA

Existe um ditado maravilhoso que nos lembra que existe

outra forma de responder a críticas: “O que as pessoas pensam

sobre você não é da sua conta”. Sim! Se alguém que você

respeita faz uma observação sensata sobre você, ótimo —

aprenda com ela. Se não, siga seu caminho.

Marido e mulher seguiam uma longa jornada andando ao

lado do cavalo. Alguns aldeões os viram e disseram: “Aquele

casal é doido: eles têm um cavalo mas não cavalgam”.


O homem e a mulher escutaram e disseram um para o

outro: “Certo, vamos cavalgar”. Então os dois se sentaram no

animal.

Na vila seguinte, algumas pessoas saíram de casa para

observar os estranhos e disseram: “Que cruéis são aquelas

pessoas: estão os dois montados no pobre cavalo”.

Mais uma vez, eles ouviram os comentários. O homem

pensou consigo: “Devo mostrar compaixão pelo cavalo e pela

minha esposa”, então a convidou para ficar sentada enquanto

seguia a pé, e ela cavalgou.

Em outras casas mais adiante, as pessoas saíram e falaram:

“Vejam só aquela moça; não tem pena do marido”.

Então, para proteger a mulher de críticas, o homem disse:

“Desça, vou montar no cavalo”.

É claro que os habitantes do vilarejo seguinte disseram:

“Você não tem compaixão nenhuma pela mulher? Você está

cavalgando e ela está a pé!”.

Então o homem desceu e disse: “Mulher, se formos ouvir

essas pessoas, nunca chegaremos ao nosso destino. Vamos

continuar como estávamos”. E voltaram a caminhar ao lado do

cavalo.

QUEM LIGA?

Na Índia, quase todas as famílias administram os gastos com

muito cuidado, porque é necessário, mas, quando se trata do

casamento do filho ou da filha, esbanjam de maneira

extraordinária. Às vezes fazem empréstimos muito maiores do

que sua renda anual. Pegam emprestado porque querem causar

boa impressão. Acontece em todo o mundo, mas os indianos

transformaram isso em uma arte. E depois precisam pagar a

conta.
Aqui vai uma dica que pode poupar muito dinheiro: convide

para seu casamento apenas as pessoas que já amam e respeitam

você. O mesmo vale para aniversários, datas comemorativas e

outros grandes eventos sociais. O ponto central é o seguinte: se

estiver buscando atingir a perfeição no exterior — aos olhos

dos outros —, você deve estar fazendo as coisas do jeito errado.

As percepções das pessoas sobre você não podem ser

controladas. Os sentimentos dos outros mudam e evoluem.

Quando confiamos em nós e nos valorizamos, opiniões sobre

nós são apenas uma coisa passageira — às vezes injusta, às

vezes certeira, às vezes até agradável, mas nunca de

importância duradoura. O que perdura é o que sinto sobre

mim, e o que sinto sobre você.

Em muitos casos, as pessoas que julgam não estão pensando

exatamente em nós — é mais provável que estejam pensando no

que achamos delas. Ou talvez seja como a escritora americana

Ann Landers apontou certa vez: “Aos vinte, nos preocupamos

com o que os outros pensam de nós. Aos quarenta, não nos

importamos com o que pensam de nós. Aos sessenta,

descobrimos que nunca nem pensaram em nós”.

Uma vez, quando eu estava discursando para detentos na

penitenciária de Pune, na Índia, um prisioneiro se levantou

para me fazer uma pergunta. “Estou aqui pelos motivos

errados”, ele disse. “Quero dizer, não era para eu estar aqui,

mas vou ser libertado em breve e voltarei para casa. O que as

pessoas lá vão pensar de mim?”

Logo percebi como essa questão era importante para muitos

detentos, porque todos se voltaram para ele. Sua pergunta

tinha tocado um ponto sensível. Havia centenas e centenas de

pessoas naquele salão, e de repente tudo ficou quieto por um

momento. O lugar ficou em silêncio e, então, todos olharam de

novo para mim, curiosos sobre o que eu iria dizer.


Respondi: “Quer mesmo saber?”.

E ele disse que sim.

“Bom, sinto muito em dizer”, respondi, “mas elas não

estavam pensando em você. Elas têm seus próprios problemas.

Você está pensando no que elas pensam de você, mas a maioria

das pessoas está ocupada pensando em outras coisas. Você acha

que elas estão sem fazer nada, pensando em você? Bom, você é

importante, mas não é tão importante assim. As pessoas

seguem em frente!”

Os detentos pareceram achar essa perspectiva útil, talvez

porque todos saibamos que, quando se trata de outras pessoas

nos julgando, sempre há “duas escolas de pensamento”. É

quase absurdo: em nossa cabeça, estamos imaginando o que se

passa na cabeça delas, embora, em nossa cabeça, saibamos que

isso não é tão importante assim; na cabeça delas, elas devem

estar pensando em outra coisa. E assim vai. Pode levar tempo e

esforço, mas a solução é dedicar sua energia ao que você pode

saber: quem você é, dentro do seu coração. Todo o resto é ruído.

TIGELA DE BUDA

Para todos que já se sentiram desencorajados pelos outros,

gostaria que ouvissem as seguintes palavras com muita clareza:

você tem o poder de decidir o que é certo para você. Estou aqui

para fazê-lo se lembrar desse poder, para dizer que ele está bem

vivo dentro de você, para sugerir que tente se conectar de

perto com essa força aí dentro e convidá-lo a se impor uma vez

mais. Ser desencorajado é ter sua coragem escondida de você

mesmo — mas a coragem é sua, e sempre é possível encontrar

e sentir a coragem interior.

Um dia, Buda estava andando com um discípulo, e todos na

cidade o estavam criticando, dizendo: “Você não presta para


nada. Não faz isso, não faz aquilo…”.

O discípulo perguntou: “Buda, não o incomoda que todas

essas pessoas o critiquem?”.

Buda esperou até voltarem para casa, então pegou sua tigela

e se aproximou do discípulo.

Ele disse: “De quem é esta tigela?”.

E o discípulo: “É sua”.

Então chegou mais perto do discípulo.

“De quem é esta tigela?”

“Ainda é sua.”

Ele continuou fazendo isso, e o discípulo continuou a

responder: “É sua; é sua”.

Então Buda pegou a tigela e a pôs no colo do discípulo, e

disse:

“Agora, de quem é essa tigela?”

O discípulo respondeu: “Ainda é sua”.

“Exato!”, disse Buda. “Se você não aceitar a tigela, ela não é

sua. Se eu não aceitar as críticas, elas não me pertencem.”

SEM RESMUNGAR

Se não tomarmos cuidado, a negatividade de uma pessoa

pode formar uma nuvem sobre todos. Deve ser por isso que

são Bento, o fundador vi da Ordem dos Beneditinos, era contra

resmungos (isso aparece várias e várias vezes na Regra de São

Bento, o “manual” da vida no mosteiro). É fácil imaginar como

um resmungão seria irritante se você estivesse vivendo em um

mosteiro com ele 24 horas por dia.

Isso me lembra uma piada. Um jovem entra em um

mosteiro e, na primeira manhã, lhe explicam: “Neste lugar,

temos uma grande regra: é proibido falar. Mas, uma vez por
ano, perguntamos a você como vai, e você pode dizer duas

palavras”.

Então, o primeiro ano se passa e perguntam: “Como vai?”.

Ele diz: “Frio demais”.

Outro ano se passa.

“Como vai?”

“Cama dura.”

E outro ano se passa.

“Como vai?”

“Quieto demais.”

Finalmente, o monge superior vai até ele e diz: “Você está

aqui há três anos e não fez nada além de reclamar, reclamar,

reclamar”.

TUDO DE QUE VOCÊ PRECISA ESTÁ AÍ DENTRO

Às vezes, podemos buscar aprovação e outras distrações para

preencher uma sensação de vazio dentro de nós. Mas ninguém

mais pode preencher esse vazio. Seria como colocar água em

uma tigela rachada. Devemos nos aceitar, e isso significa aceitar

as forças e os recursos maravilhosos que temos aqui dentro. No

fundo, não precisamos nos preocupar com a opinião dos

outros, porque tudo de que precisamos está dentro de nós.

Isso é tão importante que quero repetir: tudo de que

precisamos está dentro de nós! Clareza, alegria, serenidade,

amor — esses e muitos outros sentimentos positivos estão

dentro de você, esperando para florescer. O mesmo vale para

todas as qualidades negativas, obviamente. A clareza está em

você, mas a confusão também. A alegria está em você, mas o

desespero também. A serenidade está em você, mas o caos

também. O amor está em você, mas o ódio também.


Suas qualidades negativas costumam simplesmente aparecer,

mas você pode ter que se esforçar um pouco para encontrar as

boas. As qualidades positivas brotam da sua paz interior, e isso

lhe dá uma base sólida e imutável no fundo do seu ser. Mas

você deve saber onde buscar esse tesouro. O que me leva a

uma história.

Um homem deixa sua vila e vai à cidade para ganhar

dinheiro. Ele se sai muito bem e, depois de alguns anos fora,

decide que é hora de voltar para ver a família. Então inicia

uma longa jornada de volta para sua terra, as malas e bolsas

cheias de presentes. Um ladrão o avista quase imediatamente e

pensa: “Esse homem tem dinheiro. Não estou nem aí para os

presentes, quero é a bolsa dele”. Ele vai até o homem e puxa

assunto. Pergunta aonde está indo e diz: “Estou indo na mesma

direção, vamos juntos”.

Naquela noite, eles se hospedam em uma estalagem. No

jantar, o homem revela que se deu muito, mas muito bem na

cidade e agora está voltando para construir uma casa grande e

cuidar da família. O ladrão fica encantado ao ouvir aquilo.

Inventa uma desculpa para ir dormir cedo, mas em vez disso

vai ao quarto do homem. Revira todas as bolsas mas não

encontra o dinheiro. Olha em todas as gavetas mas não acha

nada. Vira os lençóis do avesso mas não encontra nenhuma

moeda.

Na noite seguinte, eles se hospedam em outra estalagem.

“Então, você ganhou mesmo muito dinheiro”, diz o ladrão, “e

está levando tudo de volta para construir uma casa e cuidar da

família, certo?”

“Ah, sim”, diz o homem, “ganhei muito mais dinheiro do

que imaginava, e fico muito contente por poder levar tudo de

volta e construir alguma coisa bonita.”


Mais uma vez, o ladrão sai às escondidas e examina o quarto

do homem, procurando em todos os lugares em que consegue

pensar. Nada.

Na noite seguinte, eles chegam a outra estalagem e, de novo,

o homem janta com o ladrão. No fim da refeição, o ladrão diz:

“Então, você logo vai estar em casa e investir aquele dinheiro”.

“Isso mesmo”, diz o homem, “vai ser ótimo.” Depois, o ladrão

dá boa-noite e vai revirar desesperadamente cada centímetro

do quarto do homem em busca da bolsa. Nada.

Na manhã seguinte, eles estão chegando perto da vila natal

do homem, e o ladrão não consegue mais se conter. “Preciso

confessar uma coisa”, ele diz. “Sou um ladrão e, quando você

me contou que tinha todo aquele dinheiro, eu quis muito

roubar. Toda noite, olhei seu quarto, procurando até dentro das

botas e embaixo do travesseiro. Não encontrei nada. Você

ganhou mesmo dinheiro?”

“Ah, sim”, diz o homem alegremente, tirando duas bolsas

cheias dos bolsos, “logo percebi que você era um ladrão. Então,

toda noite, a caminho do jantar, eu entrava no seu quarto e

escondia minha fortuna embaixo do seu travesseiro. Eu sabia

que você olharia embaixo do meu, mas nunca embaixo do

seu.”

Para encontrar o tesouro inestimável da paz interior, olhe

dentro de você. Nenhuma loja a vende, nenhum senhorio a

controla, nenhum governo a regula, e ninguém pode roubá-la

de você. Você é rico de autoconhecimento e de todo o tesouro

que lhe permitirá descobrir a paz dentro de você.

Tornamo-nos especialistas em sentir o mundo exterior —

ver, tatear, degustar, cheirar, ouvir —, mas você sabia que

também podemos projetar nossos sentidos para dentro de nós?

Quais são as texturas e formas do seu mundo interior? Quais

imagens você vê quando tenta olhar dentro de você? Qual é o


sabor das suas necessidades e desejos? Qual é o aroma das suas

emoções? Qual é o som secreto do seu eu? Consegue se ouvir

com clareza?

Quando eu era criança, tínhamos aqueles livros de pintar

por números: 1 significava vermelho, 2 amarelo, 3 azul, e assim

por diante. Eram divertidos. Então chegaram livros novos em

que a tinta já estava na página; bastava passar água e a imagem

começava a aparecer. Era um pouco elementar demais. Um dia,

pensei: por que me dar a todo esse trabalho? Então peguei o

livro todo e o mergulhei na água, deixei secar, abri — e estava

tudo pintado. Mas não fazia sentido nenhum: era apenas uma

confusão. Então comecei a desenhar e pintar do zero.

Há muitas pessoas neste mundo que levam a vida na

esperança de ouvir onde pintar. Elas dizem: “Deem quadrados

em que eu possa pintar ou passar água, não me peçam para

criar algo sozinha”. Mas nos foi dada a oportunidade de nos

expressar — pintar lindas imagens com as forças que temos

dentro de nós. A cada nova manhã, podemos escolher a versão

mais fantástica de nós mesmos. Ignore os números. Pinte fora

dos contornos. Pinte o que está dentro do seu coração. Pinte a

versão mais deslumbrante de quem você é.

UNS E ZEROS

Há muito tempo, eu estava falando em um evento em Santa

Cruz, na Califórnia, e finalizamos com uma sessão de

perguntas e respostas. Lembro que o salão estava cheio; havia

pessoas em pé do lado de fora, olhando pelas portas e janelas.

A certa altura, uma mulher — uma professora de ioga —

levantou a mão para indicar que tinha uma pergunta, e toda a

atenção se voltou a ela.

“O que você acha de ioga?”, ela perguntou.


Posso ter interpretado mal, mas senti que ela estava

esperando que eu dissesse: “Ah, ioga é algo que todos devemos

fazer”, para que ela tivesse mais clientes ou mais fama.

Relembrando, consigo ver que minha resposta pode ter

parecido absurda. Respondi:

“Ah, ioga? Sim, é como um zero.”

Zero.

Ela ficou muito irritada. Estava longe de ser a resposta que

ela esperava, então ela saiu. Depois que ela foi embora,

expliquei o que quis dizer às pessoas que estavam no salão:

“Pensem da seguinte forma: você é um e ioga é zero.

Coloque zero na frente de um, o que você ganha? Um fica um,

zero fica zero. Coloque zero depois de um, e você fica com dez.

Acrescente outro zero, e você fica com cem.”

Achei uma resposta um bocado inteligente, mas fui lento

demais para explicar minha genialidade para a professora de

ioga.

Há um ponto sério aqui: o que colocamos à frente de nós

não nos acrescenta. Trabalho, dinheiro, crenças, as

necessidades dos outros, ioga: não devem vir antes de nós. Por

outro lado, tudo que colocarmos depois de nós multiplica o que

somos. Acima de tudo, precisamos elaborar esse um porque

sem ele não há nada. Depois, podemos começar a colocar zeros

após o um.

Há 7 bilhões de uns no mundo. Eu sou um. Você é um. Na

sua vida, tudo precisa começar por seu um particular — você.

O QUE VOCÊ VAI ESCOLHER?

Quando entendemos quem realmente somos, isso nos dá

uma ferramenta poderosa. Essa ferramenta molda nossa vida e

o mundo ao nosso redor. Estou falando de escolha. O


autoconhecimento lhe permite ver que você pode escolher

entre paz e conflito, entre amor e ódio, entre alegria e

aborrecimento. Não escolher também é uma escolha, aliás. Se

você decidir boiar no rio da vida, não pode reclamar quando

ele o levar aonde você não quer ir.

Precisamos estar conscientes do que está acontecendo em

nossa vida. Quando estamos num carro ou numa bicicleta a

caminho de casa, como saber que estamos na direção certa e

não nos perdemos? Porque tudo que vemos está confirmando

onde estamos e aonde estamos indo. Na vida, quais são as

pistas ao longo do caminho? Você as está vendo com clareza?

Eu estou consciente de onde estou hoje e do que quero

experimentar neste mundo?

É possível ser consciente o tempo todo? Não, porque viver

de maneira inconsciente é quase natural: somos muito bons

nisso. Mas e se escolhêssemos trabalhar em sermos

conscientes? Bom, isso pode ter um efeito profundo em nós e

nos outros. Mas devemos sempre começar conosco. Você é o

centro do seu universo, mas precisa escolher entender e

vivenciar isso plenamente — saber isso.

O que escolhemos em nossa vida vai fazer toda a diferença

para nós e tocar a vida das pessoas ao nosso redor. Muitos

pensam que não têm escolha, mas sempre têm. Sempre. Você

pode estar em uma situação terrível e sentir que tem pouca

liberdade, segurança ou oportunidade — e essas situações

acontecem mesmo, e são assustadoras. Ainda assim, porém,

você pode escolher se conectar com a paz dentro de você. Mas

apenas nós podemos fazer essa escolha; os outros não podem

fazer isso por nós.

Atravessar a vida pode ser muito semelhante a dirigir um

carro. Dirigir se resume a fazer escolhas — onde você vira, em

que marcha está, a que velocidade, onde para, o que toca no


rádio. Quando você ocupa o banco de motorista da sua vida,

você está no comando e suas decisões têm consequências. Se

parar de fazer boas escolhas, vai se perder, ficar sem gasolina,

se atrasar ou até bater. Se fizer boas escolhas, poderá ir aonde

quiser e aproveitar a viagem.

Vamos levar essa analogia um pouco além. Quando você está

dirigindo, se olhar pelo retrovisor o tempo todo, não vai ver o

que está à sua frente. Se ficar imaginando o que pode surgir

depois de cada esquina, pode deixar de notar o que está

acontecendo bem diante de seus olhos. É muito mais

gratificante estar no momento: ver a estrada à frente com

clareza, responder fazendo boas escolhas e apreciar cada

quilômetro da jornada. Você está no banco de motorista da sua

vida?

PRIMEIROS PASSOS

Começamos por nós quando escolhemos aceitar o dom da

vida que nos foi dado em cada momento e entender que esse

dom está aqui para nós — para fazermos o que quisermos com

ele. Começamos por nós quando escolhemos ouvir nosso

coração, mais do que a balbúrdia das opiniões, necessidades e

vontades dos outros. Começamos por nós quando

reconhecemos que temos um mundo de paz e força em nosso

interior, que os tesouros do eu que não podem ser roubados

estão guardados para nós sempre que decidirmos nos voltar

para dentro. Começamos por nós quando sentimos nossa sede

de saber quem somos.

Aqui estão alguns versos meus sobre ouvir o coração e a

maravilha de encontrar nosso eu pela primeira vez:

Na escuridão, você disse para aprender a olhar


Fiquei confuso a princípio
Mas agora vejo.

Sem um copo, você disse para aprender a degustar


Tive sede a princípio
Mas agora bebo.

Sem me mover, você disse para aprender a tocar


Fiquei dormente a princípio
Mas agora sinto.

No silêncio, você disse para aprender a ouvir


Fiquei surdo a princípio
Mas agora ouço.

Tratamos de muitos assuntos neste capítulo, então vou

deixar um lembrete de três maneiras simples como podemos

nos conectar com nós mesmos:

Saiba que tudo de que precisamos está dentro de nós — sinta a


variedade incrível de recursos que você tem dentro de você.
Temos um potencial imenso, mas devemos expressá-lo na maneira
como vivemos — não há ninguém como você, então se torne a
melhor versão de quem você pode ser.
Lembre-se: você sempre tem uma escolha — qualquer que seja a sua
situação, você tem mais de uma opção.

P.S. QUEM É O IDIOTA?

Não posso deixar de incluir esta história aqui no fim. É

minha versão de uma narrativa clássica de Akbar e Birbal sobre

como perdemos tempo julgando os outros sem olhar para nós

mesmos de maneira clara.

Havia um imperador na Índia, Akbar, e ele convocou seu

ministro favorito, Birbal, porque precisava de ajuda.

“Birbal, busque cinco idiotas para mim.”

“Sim, majestade”, Birbal respondeu e saiu da sala. Enquanto

saía, pensava: “Aceitei o pedido dele, mas como vou encontrar


cinco idiotas? Por que fui dizer sim? Não vai ser nem um

pouco fácil!”.

Birbal era o homem mais inteligente da corte, mas ficou

com receio de não encontrar uma solução. Então, deixou todas

as suas outras funções de lado e saiu às ruas em busca de

idiotas. Ele estava se perguntando como poderia realizar a

tarefa quando viu um homem deitado no chão, movendo as

pernas de maneira frenética enquanto mantinha as mãos bem

afastadas.

“O que você está fazendo?”, perguntou Birbal.

“Minha mulher está redecorando a casa e mediu uma janela

para comprar material para a cortina, e me mandou ir ao

mercado e comprar exatamente essa quantidade de cortina”,

ele disse, apontando com a cabeça para a distância entre as

mãos. “Então caí e estou esperneando aqui no chão porque não

posso usar as mãos para me levantar.”

“Bom, acho que encontrei o primeiro idiota”, pensou Birbal.

Mais ou menos uma hora depois, ele viu um homem

montado em um burro enquanto equilibrava uma cesta

enorme na cabeça.

“O que você está fazendo?”, perguntou Birbal.

“Ah, eu amo meu burro! Não quis colocar essa carga pesada

sobre ele, então estou carregando na minha cabeça.”

Birbal ficou radiante. Outro idiota.

Começou a anoitecer, então Birbal parou perto de um

candeeiro de rua, onde havia um homem de quatro

procurando alguma coisa no chão.

“O que está fazendo?”, perguntou Birbal.

“À tarde, eu estava com meus amigos na selva, a uns

quilômetros daqui”, disse o homem. “Fizemos um piquenique

e eu estava com meu anel, mas o anel caiu.”


“Bom, você não deveria estar procurando o anel na selva?”,

perguntou Birbal.

“Você está doido?”, retrucou o homem. “Não há luz na selva

a essa hora, escureceu!”

Birbal esfregou as mãos com alegria.

No dia seguinte, Birbal levou os três para encontrar o

imperador.

“Senhor, encontrei seus idiotas”, ele disse, e explicou o que

cada um estava fazendo quando os encontrou.

“Mas, Birbal, eu pedi cinco idiotas”, disse o imperador.

“Senhor, o quarto idiota sou eu por perder o dia de ontem

procurando idiotas”, disse Birbal.

“E o quinto idiota?”, perguntou o imperador.

Birbal apenas sorriu.


6. Escolha a gratidão

Quando pergunto “Pelo que você sente gratidão na vida?”,

costumo ouvir respostas como: “Ah, minha família, meus

amigos, minha casa, meu trabalho”. É perfeitamente

compreensível — todas essas coisas são bênçãos maravilhosas,

claro —, mas às vezes tenho a impressão de que as pessoas só

estão dizendo aquilo pelo que pensam que deveriam ser gratas.

Sempre espero que também citem a dádiva mais importante

que recebemos — a vida! Sem ela, tudo mais é impossível, mas

isso simplesmente escapa de nossa mente.

DESEMBRULHANDO O PRESENTE

Ouço muitas pessoas declararem: “Precisamos viver o hoje”.

Mas quantas realmente sentem a verdade disso em seu

coração? Quantas vezes por dia pensamos: “Estou vivo,

obrigado”? Essa é a primeira coisa que passa pela nossa cabeça

de manhã, ou nossa mente nos leva direto a pensamentos

como “Que horas são? O que preciso fazer hoje? Cadê a pasta

de dente? Preciso de café!”? O ruído. O ruído. O ruído. Quando

estamos sintonizados no ruído, paramos de ouvir todo o resto

— e paramos de nos ouvir.

O presente da vida merece ser desembrulhado e valorizado.

(E, aliás, sem dúvida há uma data de validade nesse presente,

então comece a rasgar esse papel de embrulho!) Nosso coração


se enche de gratidão quando vemos, com absoluta clareza, a

oportunidade que nos é dada a cada momento. E é sobre essa

gratidão que quero falar aqui: o conhecimento íntimo de que

cada respiração traz a bênção da vida. E com essa clareza vem

uma sensação incrível de plenitude.

Quando meu sentimento de gratidão interior se expressa, ele

diz: “Estou vivo e sei de verdade que estou vivo”. Então sinto a

pulsação vital por todo o meu corpo. Agora, a energia incrível

que sustenta o universo está me sustentando. Meus glóbulos

transportam oxigênio dos meus pulmões para onde é

necessário. Tenho esses elétrons, prótons e nêutrons dentro e

ao redor de mim. E cada nova respiração propulsiona minha

existência aqui neste planeta deslumbrante, com todas as

possibilidades que isso traz. Um ser humano é um conjunto

lindamente construído de partes e processos complexos —

uma verdadeira maravilha viva —, então que presente melhor

podemos nos dar do que valorizar nossa criação e vivenciar o

momento em sua plenitude?

Em sua forma mais pura e potente, minha gratidão pela vida

é pelo presente em si: não pelo que ele me permite fazer, mas

simplesmente pela experiência de existir neste mundo, agora.

Essa canção de gratidão vibra para mim quando faço a jornada

de fora para dentro.

Existem bilhões de pessoas na face da Terra, e cada pessoa é

única na maneira como se sente em relação ao que lhe foi

dado. Cada um de nós pode cantar uma canção diferente: uma

canção sobre como me sinto por estar vivo, como me sinto

quando estou tranquilo e como me sinto quando estou alegre.

Alguns não sabem sobre o dom que lhes foi dado; outros o

celebram com frequência. Quem quer que você seja, sempre

existe essa oportunidade de sentir gratidão pelo maior bem que

lhe foi ofertado.


SENTINDO GRATIDÃO

A gratidão não é algo que criamos com o pensamento; é algo

que sentimos. Podemos nos sentir plenos, mas não podemos

nos pensar plenos. Podemos nos sentir gratos, mas não

podemos nos pensar gratos. A questão não é pensar que temos

sorte; é dar graças à vida por meio dos sentimentos.

A gratidão também não tem a ver com educação; é escolher

valorizar minha existência na maneira como eu me sinto.

Costumamos ouvir que precisamos dizer “obrigado” quando

ganhamos algo (crianças passam por isso o tempo todo), mas a

gratidão pela vida vem de dentro.

Quando chega a hora certa de começar a sentir gratidão pela

vida? Agora. Não é preciso esperar uma cerimônia, o

alinhamento dos planetas nem uma crise pessoal. Todos

precisamos voltar nossa atenção para dentro e dar valor ao que

nos é dado. Nesse momento perfeito de gratidão, todas as

distrações desaparecem. É como se nossa jornada finalmente

tivesse chegado a seu destino, mas uma nova jornada

emocionante também estivesse começando. A gratidão é o

ponto de encontro perfeito entre o passado e o futuro — é

uma celebração do agora.

SOMOS COMPLETOS

A gratidão vem do que é, não do que poderia ser. Isso não

quer dizer que devamos abandonar nossas necessidades e

vontades, nossos desejos, esperanças e sonhos. É só que não

precisamos esperar o sucesso exterior chegar para agradecer

pelo que já temos. Nossa imaginação e nosso entusiasmo

podem realizar grandes coisas no mundo exterior — para nós e


para os outros —, mas não precisamos de conquistas para nos

tornar completos; somos completos.

Sempre podemos escolher aceitar as coisas como elas são,

vivenciá-las como elas são e ser gratos a elas pelo que elas são.

Quando realmente somos gratos pelo que é, nossa gratidão é

infinita. Nosso contentamento não pode ser medido. Nossa

alegria não pode ser medida. Nosso amor não pode ser medido.

Nossa compreensão não pode ser medida. Nossa felicidade não

pode ser medida. Nossa paz interior não pode ser medida. Não

é possível passar uma fita métrica ao redor deles, como um

alfaiate, e dizer que tamanho têm. Não há como colocá-los em

balanças. São infinitos e não têm forma, mas são

profundamente reais para nós.

Quando valorizamos cada respiração, essa é a realidade.

Quando nos conectamos profundamente com a paz dentro de

nós, essa é a realidade. Tudo isso só pode acontecer no aqui e

agora. Qual é o carma bom para “agora”? O carma bom para

agora é a consciência. O carma bom para agora é a alegria. O

carma bom para agora é a gratidão.

ALÉM DO SOFRIMENTO, ALÉM DO SUCESSO

Sempre me perguntam: “E as coisas ruins que acontecem na

minha vida? Preciso ser grato por elas?”. Ou, como uma pessoa

me perguntou certa vez, com bastante raiva: “Devo agradecer a

confusão? Devo agradecer o sofrimento? Devo agradecer a

dor?”. Não, mas nesses sentimentos também há uma seta

apontando para algo bom: a vida em si. Sem a vida, você não

poderia sentir nem o mal nem o bem. Sem a vida, não teria

como sentir raiva, não teria como sentir dor. Sem a vida, não

teria a oportunidade de ver os momentos ruins se

transformarem em bons. Aqui vai uma história sobre isso.


Um rei, seu ministro e seu cavaleiro estavam em uma

missão secreta para visitar um reino vizinho quando o rei

machucou o polegar enquanto cortava uma maçã. Começou a

sangrar profusamente, mas o cavaleiro fez um curativo e eles

seguiram em frente. O rei estava aborrecido por ter se

machucado e começou a se perguntar, vezes e mais vezes: “Por

que isso aconteceu?”. Alguns quilômetros depois, virou-se para

o ministro e perguntou: “Por que me cortei?”.

“Senhor, tudo que acontece é por um motivo”, disse o

ministro.

O rei achou a resposta irritante, ainda mais com o polegar

latejando. Ele pensou: “Vamos ensinar uma lição a ele”. Então

chamou o cavaleiro e disse para ele encontrar uma vala funda

e jogar o ministro nela de maneira que não pudesse sair.

O cavaleiro obedeceu, embora o ministro tenha resistido

bastante, tendo chegado a morder a orelha do cavaleiro a ponto

de sangrar. O ministro começou a gritar: “Por que você está

fazendo isso comigo?”.

“Bom”, disse o rei, “tudo que acontece é por um motivo.”

O rei e o cavaleiro deixaram o ministro na vala e seguiram

andando e andando até entrarem em uma floresta. Eles

caminharam por horas e encontraram uma aldeia estranha.

Antes que se dessem conta, foram cercados por aldeões; o povo

local ficou ensandecido de fúria contra os visitantes invasores.

A pena por entrar na aldeia sem ser convidado era morte por

sacrifício. Os aldeões decidiram matar o rei primeiro, então o

amarraram e começaram a fazer uma fogueira.

O rei gritou: “É terrível! Por que estão fazendo isso? Me

salvem! Parem!”.

O homem que estava comandando a cerimônia já estava nos

preparativos finais quando de repente se voltou para o chefe da

aldeia e disse: “Não podemos sacrificar este homem”.


“Por que não?”, perguntou o chefe.

“Todos que sacrificamos devem ser perfeitos, mas olhe isto!”

E levantou o polegar enfaixado do rei.

Os aldeões esbravejaram, mas logo se voltaram para o

cavaleiro e o amarraram. Mais uma vez, o homem no comando

estava nos preparativos quando notou a orelha ensanguentada

do cavaleiro.

“Também não podemos sacrificar este homem”, ele gritou e,

mais uma vez, desamarrou as cordas.

O chefe e os aldeões ficaram loucos de raiva. Começaram a

gritar e discutir. Em meio àquele caos, o rei e o cavaleiro

conseguiram sair às escondidas. De volta à floresta,

caminharam sem parar até chegarem à vala onde o ministro

tinha ficado.

“Tire-o dali!”, gritou o rei. E continuou: “Desculpe por ter

jogado você lá embaixo; aquele corte salvou minha vida.” O rei

então contou a história dos aldeões enlouquecidos e como

haviam escapado da morte.

“Que bom que me jogou na vala”, disse o ministro, “porque

não tenho nenhum ferimento e teria sido sacrificado no lugar

de vocês.”

Essa história nos lembra o lado bom que vem junto com as

nuvens em nossa vida. O que o lado bom nos diz? Diz que

existe um sol forte atrás daquela nuvem escura, esperando para

nos aquecer e iluminar nosso caminho.

Longe de mim desconsiderar o impacto das coisas horríveis

que podem nos acontecer. Estou apenas apontando que a dor

que sentimos não é tudo. Aliás, isso também vale para o prazer.

Tudo muda. Podemos sofrer, mas o sofrimento não nos define.

Podemos ter um grande sucesso, mas o sucesso não nos define.

Sucesso e sofrimento podem percorrer nossa vida, mas a paz é

constante.
A dor física, a dor mental e a dor emocional podem

sobrecarregar nossa mente, mas sempre existe algo de belo

acontecendo em nosso coração. Pode ser difícil sentir a paz

interior quando estamos no meio de um momento terrível,

mas olhe dentro de você, e encontrará algo além do

sofrimento: uma gentil lembrança de que há alegria esperando

do outro lado da dor.

Aqui vão algumas palavras de Sócrates:

Se você não consegue o que quer, você sofre; se consegue o que não quer,
você sofre; mesmo quando consegue exatamente o que quer, você ainda
sofre porque não pode ter aquilo para sempre. Sua mente cria essa
situação. Ela quer estar livre da mudança, livre da dor, livre das
obrigações da vida e da morte. Mas a mudança é lei e nenhuma
pretensão alterará essa realidade. A vida não é sofrimento; a questão é
apenas que você mais padece do que desfruta dela, até que solte as
amarras da mente e saia livre pelo caminho, aconteça o que acontecer.

A NUVEM MAIS ESCURA

Como todo mundo, tenho dias bons e ruins. Mas, mesmo

quando o dia foi terrível, quero ser capaz de me voltar para

dentro e dizer: “Sou grato por estar vivo”. E, quando tenho um

dia fantástico — quando sinto que tudo está a meu favor —,

quero poder me voltar para dentro e dizer: “Sou grato por estar

vivo”. Nem as adversidades nem a felicidade precisam nos

distrair da paz a ser encontrada em nosso coração.

A nuvem mais escura que entrou na minha vida surgiu

quando eu estava na Argentina, preparando-me para discursar

em um evento. Recebi uma ligação dizendo que minha esposa,

Marolyn, tinha sido levada às pressas para o hospital. Ela estava

em um hotel em San Diego, com nosso filho caçula, e eles

tinham pedido pizza pelo serviço de quarto. Ela tinha se

abaixado para abrir a porta do carrinho de serviço quando


desmaiou de repente e caiu no chão. No dia seguinte, no

hospital, tiraram uma amostra de fluido da coluna vertebral

dela e havia sangue, e o exame apontou que havia algo

acontecendo na cabeça dela — um problema sério com um

vaso sanguíneo. Disseram que o risco de que ela pudesse

morrer era grande.

Baixei o celular e olhei ao redor. Eu estava a milhares de

quilômetros de distância, em um fuso horário completamente

diferente. Naquela noite, encontraria uma multidão de pessoas,

muitas das quais tinham esperado anos para que eu visitasse

sua cidade natal. Estava sendo difícil conciliar todas as

informações e emoções que rodopiavam dentro de mim.

Nesse momento, decidi me sentar e me conectar comigo em

silêncio. Ao fazer isso, senti o verdadeiro peso dos

acontecimentos terríveis que se desdobravam a quilômetros de

distância, mas também senti a paz em meu interior. Uma

grande sensação de calma e clareza fluiu para dentro de mim.

Tomei providências para que aprontassem nosso avião e,

enquanto isso acontecia, me preparei para falar com uma

plateia importante.

Naquele dia, encontrar um equilíbrio entre o bem e o mal

permitiu que eu me mantivesse no caminho certo. Fui até o

evento e discursei, depois saí para o aeroporto logo em

seguida. Viajei durante a noite, e aquele voo pareceu surreal.

Minha mente estava a mil com todas as consequências

possíveis da situação de Marolyn, mas havia outra parte de

mim que estava muito clara quanto ao que eu precisava fazer.

Pousamos, passamos pela alfândega, e fui direto para o

hospital. Marolyn estava acordada, mas os médicos disseram

que a cirurgia era fundamental. Seria uma operação complexa.

Eu queria estar perto do hospital, então me hospedei em um

hotel. Fiquei lá, alternando entre o hotel e o hospital, durante


pouco mais de um mês. Todo dia, nossos familiares e amigos

nutriam esperanças. Sempre havia novidades, mas eu

conseguia sentir a força e a simplicidade que vinham do

autoconhecimento. E com isso eu podia ajudar Marolyn e

nossa família.

Durante esse tempo, toda a família mergulhou nas

profundezas do sofrimento, mas ainda havia gratidão pela vida

em si. Não éramos gratos pelo problema, mas a gratidão estava

em nós mesmo assim — uma luz na escuridão, uma luz que

nos permitia continuar vendo o quadro geral do que estava

acontecendo. Depois de todos aqueles dias, Marolyn começou a

se recuperar. Devagar, devagarzinho. Então voltou para casa e

cuidamos dela. Agora você nem imaginaria que ela passou por

aquela experiência horrível. Nossa capacidade de nos curar —

física, mental e emocionalmente — é extraordinária. (No

próximo capítulo, falo mais sobre como podemos reagir aos

momentos difíceis da vida.)

O RIO DA PAZ

Penso na paz interior como um rio que flui dentro de nós.

Às vezes, sentimos que estamos em um terreno árido, sem

nada crescendo na terra. Não há textura, não há cor, não há

abrigo. Então um fio de paz brota no solo duro, cintila sob a

luz e começa a correr pelo terreno fissurado, encontrando

antigos leitos de rio.

Enquanto a água borbulha e se move ao longo do vale, coisas

vão acontecendo. Folhas de grama começam a crescer na

margem do rio. Sementes lançadas na terra seca brotam e dão

flor. Insetos chegam para comer as folhas. Insetos maiores vêm

comer os menores e atraem pássaros em busca de comida, e os


pássaros trazem todo tipo de outras sementes, e as sementes

caem no solo agora fértil.

Então surgem as árvores, e os galhos se enchem de frutos

maduros, e há todas as cores e formatos de folhas imagináveis

formando uma pintura gloriosa de um lado a outro do

horizonte, e o canto de insetos e pássaros enche o ar de

música. Perfumes doces flutuam sobre a vasta floresta como

um convite para toda a vida entrar na festa da radiante criação.

A evolução de cada planta e animal tem elementos únicos,

mas todos precisam de água para sobreviver. A paz é a água que

permite à vida prosperar. Sou grato pela paz que flui em minha

vida, pela existência com que fui abençoado e pelas muitas

cores e padrões de vida que florescem para mim sempre que

me conecto comigo mesmo.

O QUE É SUFICIENTE?

Gosto de comida boa, lugares fantásticos e inovações

tecnológicas como a maioria das pessoas. Se você tiver a sorte

de ser relativamente próspero, esse mundo oferece algumas

coisas incríveis. O problema vem quando ficamos colecionando

e possuindo coisas sem as apreciar.

Uma vez, eu estava em uma emissora de tv discutindo

questões globais, e alguém começou a falar sobre ganância e de

como via esse problema em absolutamente todos os lugares.

No caminho para casa, no carro, comecei a pensar em

antídotos para a ganância. Então, quando paramos em um

semáforo, um carro parou ao lado do nosso e o motorista

estava com a música no volume máximo. Muito, mas muito

alta. Bum. Bum. Bum. Bum. Meu primeiro pensamento foi:

“Que desagradável. Ele não precisa fazer isso”. Mas então

repensei: “Na verdade, pode ser que ele goste tanto da música
que quer que todo mundo ouça”. Talvez aquela pessoa estivesse

apenas apreciando a música. Então me passou pela cabeça que

o antídoto para a ganância é a apreciação. E, quando

apreciamos algo de verdade, queremos compartilhar aquilo. O

contrário é quando cobiçamos algo e guardamos só para nós.

A ganância é o sentimento de que não podemos ser felizes

até conseguirmos mais; no entanto, quando começamos a

apreciar, nos aproximamos de uma sensação de plenitude. O

momento em que nos conectamos plenamente com esse

sentimento de gratidão é o fim da ganância.

Precisamos ser sinceros conosco e reconhecer o que de fato

priorizamos a cada dia. É a apreciação da vida em si que está

no topo de nossa lista do que é mais importante ou ela vai

sendo empurrada mais e mais para baixo por outras

prioridades até nem a vermos mais? Relacionamentos, casa,

carreira, férias, eventos, hobbies, tecnologia e todo o resto —

merecem mesmo ficar acima de aproveitar o dom da vida em

si? Sinto que precisamos priorizar a experiência de nossa

bênção, não deixar que ela se esconda sob todo o resto. Como

seria nossa vida se colocássemos a apreciação por essa bênção

no topo — todos os dias? Como isso mudaria a forma como

tratamos as coisas? O que você acha que isso mudaria em sua

vida?

Vejo pessoas que estão perto do fim de seu tempo na Terra e

sabem disso, e mesmo assim sua mente insiste em pôr todo o

resto no topo dessa lista de prioridades. Onde está o prazer

sincero e profundo desses dias preciosos que agraciam nossa

vida? Precisamos mesmo ter prioridades maiores do que essa?

Quanto mais nossa mente busca a plenitude no mundo lá fora,

mais longe ficamos da sensação de plenitude verdadeira dentro

de nós. Aqui vai uma sabedoria do poeta Kabir:


O peixe na água tem sede, e toda vez que vejo isso dou risada.

Quando somos gananciosos, somos esse peixe sentindo sede

na água. Água, água por toda parte, nenhuma gota para beber.

Temos tudo de que precisamos mas não damos valor. A

gratidão pelo que temos sacia nossa sede.

VOCÊ SENTE QUE TEM SUCESSO?

No fundo, tudo no mundo exterior é temporário e pode

abandonar você a qualquer momento. Simples assim. É o que

você sente, agora, que realmente importa. Você sente que tem

sucesso? Só você pode decidir. Você sente que tem sucesso? Só

você pode criar o sucesso que deseja. Você sente que tem

sucesso? O que sua resposta lhe diz sobre sua relação com você

mesmo?

Sabe quantos bilhões de pessoas trabalham arduamente na

vida para ouvir outra pessoa dizer “Você tem sucesso”? Sabe

quantos bilhões de pessoas sonham com a linha arbitrária que

outra pessoa traçou que declara “Isso é sucesso”?

É isso que é a vida ou é alguma outra coisa? Bom, existe um

mundo interior e, nesse mundo, você não precisa se esforçar

pelo que os outros dizem que é sucesso; você pode

simplesmente encontrar esse sentimento aí dentro. Não precisa

lutar pela fama; pode se sentir amado como você é. Não precisa

lutar pelo respeito dos outros; pode dar valor a quem você é.

Não precisa pesar e medir suas posses; pode continuar

desembrulhando o presente da vida.

VONTADES E NECESSIDADES

Um motivo da nossa confusão sobre a plenitude é que nem

sempre sabemos a diferença entre nossas necessidades e nossas


vontades.

Ar — talvez três minutos sem ele e já éramos.

Calor — talvez três horas sem ele e já éramos.

Água, comida, sono — também precisamos.

Batata frita — é uma vontade.

Assistir a um novo filme imperdível — é uma vontade.

Comprar aquele carro novinho — é uma vontade.

Não há nada de errado nas vontades. Elas dão prazer a nossa

vida e mantêm o dinheiro circulando e as pessoas em seus

empregos. Aquilo de que você gosta hoje pode já não gostar

amanhã. Essa é a natureza do desejo. Se o desejo não muda, é

inútil. Ele se altera o tempo todo. Você compra uma tv nova e,

quando a traz para casa, põe na tomada e a liga, está passando a

propaganda de uma tv mais nova. Então é ela que você vai

desejar. Você vai a um restaurante com um amigo; olha o

cardápio e, depois de pensar bastante, pede um prato. E,

quando ele chega, você olha para a comida do seu amigo e é

ela que você deseja. Esse é o desejo: nunca satisfeito.

Acabamos dando atenção demais às nossas vontades

enquanto esquecemos as nossas necessidades. Não é de se

admirar: existe uma indústria de vontades multibilionária e

muito chamativa que anuncia constantemente todas essas

coisas que podem ser seus próximos desejos.

Você já ouviu aquela frase sobre relacionamentos que diz

“Familiaridade gera desprezo”? Ela sugere que podemos nos

tornar complacentes com as pessoas quando passamos muito

tempo com elas. O mesmo costuma valer para os elementos

essenciais de nossa vida. Quantos acordaram hoje de manhã e

agradeceram por ter água, ar, comida e calor? E por terem

dormido?

A meu ver, não há mal nenhum em querer mais disso ou

daquilo, mas temos que nos certificar de que isso não é à custa
de tornar algo menos em nossa vida. Existe um preço por

querer essa coisa ou ela está apenas acrescentando algo

agradável? Se estiver adicionando algo bom, e não subtraindo,

ótimo!

Sempre fico impressionado quando uma pessoa tem a

determinação e o foco necessários para melhorar a vida

material para ela e sua família, sobretudo se ela vive em um

lugar com condições econômicas adversas. Mas, onde quer que

você esteja, é necessário manter um equilíbrio. Acredito que o

segredo é continuarmos melhorando nossa situação sem

perder de vista a maravilha pura da existência. A riqueza do

mundo pode saciar nossas vontades, mas é a riqueza do

coração que sacia nossas necessidades.

Você deve ter imaginado o que vem agora. Então, a paz

interior é uma vontade ou uma necessidade? Uma vez

perguntei isso a uma plateia, e as pessoas se sentiram bastante

confrontadas; tiveram que pensar muito. Se sentir uma

conexão com a paz interior é uma vontade ou uma

necessidade, cabe a cada um de nós decidir. Mas sei o que a paz

interior é para mim: uma necessidade profunda. Não é algo

que busco ligar e desligar, como um ar-condicionado. É algo

que se parece mais com o próprio ar, na verdade. Ninguém

pensa: “Não preciso respirar entre as nove da noite e as seis da

manhã”.

A paz precisa dançar em nós o tempo todo, não apenas

quando nos sentamos e nos concentramos nela. Sem a paz,

nada que tentamos fazer para nos alegrar funciona; com a paz,

temos o que é vital para nosso bem-estar. O objetivo é

prosperar, não apenas sobreviver.

Algumas pessoas têm muita dificuldade para entender esse

conceito de paz como uma necessidade. Meu ponto é que, se a

paz interior for apenas uma ideia intelectual na sua vida —


algo que você não vê mal em ligar e desligar de acordo com as

circunstâncias —, você deve estar preso em acreditar, em vez

de saber. No entanto, é necessário apenas um momento para

reconhecer o tesouro dentro de nós. Essa sensação de gratidão

está a um só segundo de distância.

QUEM É CONTENTE?

Quando não estamos em contato com a paz dentro de nós,

nossa mente consegue nos levar em longas viagens de

distração. Podemos nos incomodar tanto que nada parece certo

em nossa vida. Projetamos fantasias na vida dos outros e

deixamos de ver as bênçãos na nossa.

Quando isso acontece, começamos a nos afogar em um mar

de expectativas, e cada expectativa traz mais decepção, e cada

decepção leva a mais expectativas, e assim por diante. Nas

palavras de Kabir: “A vaca não dá mais leite, mas você está

esperando manteiga”. Não adianta criar expectativas em algo

que é incapaz de cumpri-las.

Benjamin Franklin — o polivalente gênio americano —

escreveu: “Quem é sábio? Aquele que aprende de todos. Quem

é poderoso? Aquele que governa suas paixões. Quem é rico?

Aquele que é contente. Quem é contente? Ninguém”.

Esse “Ninguém” me faz sorrir. É um comentário mordaz

sobre a condição humana. Mas aqui discordo de Franklin:

quando nos tornamos o centro de nossa vida, podemos sim

experimentar o sucesso verdadeiro, podemos sentir a

plenitude, podemos sentir o contentamento profundo. Todos

nós. E isso começa por sentir gratidão pelo que temos.

Isso me lembra uma história que ouvi certa vez, e vou

encerrar este capítulo compartilhando esse conto sobre um

quebrador de pedras e sua busca pela plenitude.


Havia um homem que trabalhava como quebrador de pedras.

Todos os dias, ele ia até a montanha, cortava algumas rochas e

as levava para casa. Em sua oficina, ele criava pequenos ídolos,

tigelas e outros objetos, e dessa forma ele ganhava a vida.

Ele estava descontente porque dava muito trabalho ir até a

montanha, cortar a rocha e trazê-la para casa. Quando estava

trabalhando, havia poeira por toda parte, e ele dependia de

pessoas ricas para comprar seus materiais. Ele sentia que não

tinha poder, por isso estava insatisfeito.

Um dia, ele estava passando pela casa de um homem rico.

Havia uma festa acontecendo, e as pessoas estavam comendo e

bebendo. Ele pensou: “Quero uma vida boa e fácil, e não

quebrar pedras todos os dias!”. Ele ergueu os olhos e disse:

“Deus, por favor, me torne assim”.

Naquele dia, Deus estava ouvindo. (Como você deve ter

notado, Ele ou Ela nem sempre ouve, mas naquele dia o

quebrador de pedras estava com sorte.) Bum! Simples assim.

Ele foi transformado em um homem rico com uma casa

grande e muitas outras coisas que vêm junto com esse estilo de

vida.

“É isso!”, ele pensou. “As pessoas se curvam diante de mim,

me respeitam, esperando meu comando.” Ele ficou muito feliz.

Um dia, por acaso, viu o rei passando. Pessoas ricas estavam

à beira da estrada prestando homenagem ao soberano, e todos

tremiam diante de seu nome. O homem pensou: “Uau, isso

sim é poder!”. Ele estava sendo feliz até aquele momento, mas

então desejou mais, por isso disse: “Deus, quero ser rei”. Nesse

dia, também, Deus estava ouvindo. E assim o homem que

tinha sido um quebrador de pedras e um homem rico se

tornou rei.

Certa manhã de verão, o homem que agora era rei saiu para

a varanda. O sol brilhava e todos, até onde a vista alcançava,


tentavam se esconder de seus raios poderosos. “Então”, ele

pensou, “o sol é mais poderoso do que eu! Todos estão com

medo do sol.” E nesse dia também Deus estava escutando

quando ele disse: “Deus, quero ser o sol”.

No momento seguinte, lá estava ele, brilhando no céu.

“Agora sim”, ele pensou. “Todos estão abaixo de mim, não há

ninguém acima. Controlo a vida de todos. Sem mim, ninguém

pode enxergar. Todos se levantam quando me levanto. E todos

vão dormir quando vou dormir. A vida é boa.”

Todo dia, o homem que agora era o sol brilhava, sentindo

seu poder, até que um dia uma nuvem colossal se pôs sobre

seu antigo reino. Ele estava tentando brilhar através da nuvem

mas não conseguia. “Hmm, será que aquela nuvem pode ser

mais poderosa do que eu? Deus, quero ser a nuvem.”

Então lá estava ele, uma nuvem imensa no céu. Ele pensou:

“Agora tenho poder verdadeiro: posso bloquear o sol”. Mas um

dia, para seu grande espanto, ele começou a se mover. “O que

está fazendo eu me mover?”, ele se perguntou. E percebeu que

era o vento. “O vento é mais poderoso que eu? Não é

possível!”, ele pensou. “Deus, quero ser o vento.”

Agora ele era o vento, e soprou e soprou, e se deliciou com

seu poder. Até que, um dia, ele estava soprando e soprando e

não conseguia mover coisa alguma: “O que é mais poderoso do

que o vento?”, ele se perguntou. Era a maior montanha que ele

já tinha visto, e ela estava impedindo o vento de mover o que

quer que fosse.

“Deus, torne-me uma montanha”, ele pediu. Bum! E se

tornou a montanha. “Agora sou a coisa mais poderosa”, ele

pensou. “O vento pode mover a nuvem, a nuvem que pode

esconder o sol, o sol que é mais poderoso do que o rei, o rei

que é mais poderoso do que o homem rico, que é mais


poderoso do que o quebrador de pedras. Mas o vento não pode

mover montanhas, e agora sou a maior montanha. Aí sim!”

Ele ficou feliz por um tempo, até que, um dia, ouviu um

barulho de uma pancadinha atrás da outra. Era como se

alguém estivesse cortando uma parte dele fora. “Quem pode

ser tão poderoso que é capaz de cortar a montanha?”, ele

pensou. “Essa deve ser a pessoa mais poderosa da Terra.” Então

ele baixou os olhos e viu que era um quebrador de pedras.


7. Alivie o fardo em momentos difíceis

Um paciente foi ao médico e disse: “Doutor, tudo dói”.

O doutor perguntou: “Como assim, ‘tudo dói’?”.

“Quando aperto aqui, dói; quando aperto aqui, dói; quando

aperto aqui, dói. Todo o meu corpo dói.”

“Já sei qual é o problema”, respondeu o médico. “Você está

com o dedo quebrado.”

Quando você está passando por uma dor na vida, pode

parecer que tudo é fonte de sofrimento. Os momentos difíceis

lançam uma luz ruim sobre o mundo ao nosso redor. Um pôr

do sol maravilhoso, uma festa cheia de velhos amigos, um

jantar no seu restaurante favorito: o que normalmente seria

uma fonte de prazer pode se tornar um lembrete de tudo que

parece errado em sua vida. Tudo dói.

Conheço essa dor. Sei que não existem respostas fáceis

quando a vida fica difícil. Às vezes parece que estamos

avançando. Às vezes parece que estamos retrocedendo. Em

alguns dias é fácil, em outros é difícil. Alguns dias são muito

difíceis. Mas, como diz o velho ditado, “A dor é inevitável, o

sofrimento é opcional”.

Para mim, existe uma distinção importante a ser feita entre

momentos complicados e momentos difíceis. A vida pode nos

oferecer vários tipos de momentos complicados. Os problemas

envolvidos nem sempre são fáceis de resolver, mas, no fundo,


sentimos que podemos fazer algo a respeito deles — podemos

mudar nossa situação. Nos momentos difíceis, porém,

sentimos que não há esperança e há pouco ou nada que

possamos fazer. Essas ocasiões podem ser um duro golpe na

nossa coragem, e emoções como medo, frustração, remorso e

tristeza dominam nossa vida.

Às vezes, não há nada que possamos fazer para mudar a

situação. Alguns aspectos da vida estão além do nosso controle,

e precisamos ser realistas em relação a eles. Mas sempre temos

uma escolha com relação a como reagimos dentro de nós. Os

momentos difíceis podem nos afastar da clareza e da sabedoria,

mas essas forças estão sempre conosco. O simples ato de

reconhecer que temos a opção de nos conectar com nossas

forças interiores pode ser o começo de uma virada na forma

como nos sentimos.

Quando passamos por dificuldades, existem duas realidades

lado a lado: o mal que está atravessando nossa mente e o bem

que está para sempre em nosso coração. A todo momento

temos a possibilidade de nos conectar com o bem interior, se

assim decidirmos. Mesmo nas ocasiões mais difíceis.

Aqui, compartilho algumas reflexões que podem aliviar a

escuridão emocional que acompanha os momentos difíceis da

vida. Quero começar defendendo o bem na humanidade,

porque não existe escuridão maior do que acreditar que é você

que está errado neste mundo.

JÁ OUVIU A NOTÍCIA?

É incrível o volume de informações a que temos acesso hoje

pela tv e por outros aparelhos. Somos muito bem-informados.

Mas as notícias também nos expõem a algumas das coisas mais

perturbadoras que acontecem em nossa região e em outros


lugares. Uma história se torna notícia porque é fora do

comum, portanto, se continuarmos consumindo mais e mais

notícias negativas, nossa percepção da realidade pode se tornar

distorcida. O mundo parece um lugar cada vez mais perigoso e

as pessoas podem parecer majoritariamente más.

Claro, acontecem coisas terríveis no mundo, mas absorver

todas as notícias ruins e ficar torcendo as mãos não ajuda

ninguém e só nos deixa aflitos. Em vez disso, podemos dedicar

nossa energia a nos solidarizar com aqueles que passam pelos

acontecimentos terríveis e tomar atitudes diretas para ajudá-

los. Também podemos questionar que papel nós temos nessa

situação, se é que temos algum. Somos parte do problema em

algum sentido? E devemos sempre considerar que existe muito

mais amor, compaixão e generosidade neste mundo do que

ódio — pense em todas as boas notícias que não são

divulgadas.

Se você ainda duvida que sua espécie tenha a capacidade de

fazer o bem, você deve estar passando por um momento difícil.

Aqui vai uma sugestão: olhe com atenção dentro de você e

procure o bem em você antes de dar atenção ao bem e ao mal

nos outros. Encontre as forças internas em você. Encontre o

amor em você. Por mais que alguém tenha se afastado do ponto

de partida da paz, sempre há a possibilidade de voltar. E o

mesmo vale para nós, claro. Um campo abandonado tem o

potencial de se tornar um belo jardim. A paz é possível sim.

QUANDO NOSSOS ENTES QUERIDOS MORREM

Um dos momentos mais difíceis pelos quais passamos é

quando alguém que amamos morre. Isso pode nos deixar com

muitas perguntas sem resposta, com uma sensação profunda

de vazio, estupor, raiva e confusão.


Cada pessoa é única em sua forma de sentir dor. Passamos

por estágios de luto, às vezes voltando a cada sentimento

enquanto nossa mente e nosso coração se recuperam. Já vi

muitas pessoas atravessarem um período de luto e depois

voltarem a ser exatamente como antes, enquanto outras saem

com a vida profundamente mudada. Também conheci pessoas

que ficaram emocionalmente destruídas por muitos anos.

Não tenho um remédio simples para os piores momentos de

perda e tristeza, apenas algumas reflexões que podem ajudar.

Pela minha experiência, depois que meus sentimentos iniciais

de luto se apaziguam, busco entender como minha relação

com aquela pessoa mudou — não acabou, mas mudou. Pode

levar um tempo para entender que seu ente querido deixou o

corpo fisicamente. Mas, claro, se ele não está no corpo, deve

estar em algum lugar. E onde ele sempre estará é com você, em

seu coração.

As memórias não podem substituir a pessoa que viveu em

todas as suas muitas qualidades: o cheiro da pele, a melodia da

voz, o brilho dos olhos quando ela ria, o calor do corpo em

uma noite fria. Mas o melhor do seu ente querido continua

vivendo em suas memórias. Você carrega essa forma nova

daquela pessoa aonde quer que vá. Eu quero que as lembranças

felizes de quem perdi dancem dentro de mim.

Eu tinha oito anos e meio quando meu pai morreu. Eu era

muito apegado a ele. Ele era muito amoroso mas bastante

rígido. As pessoas tinham grande reverência por ele, mas,

quando se é criança, você apenas aceita as coisas como elas são,

então era normal para mim — ele era só meu pai. Milhares se

reuniam para ouvi-lo falar, e aqueles eventos eram mágicos.

Todos vinham com um propósito, que era se conhecer um

pouco mais. Ele se sentava e começava a falar e, naquele

momento, caía um silêncio absoluto. Era uma grande sorte


fazer parte daquilo. Vivenciar apenas um daqueles dias na vida

seria muito especial, mas pude viver aquilo por anos.

Nos dias seguintes ao falecimento de meu pai, eu não

entendia bem o que havia acontecido. Lembro que apenas

chorei e chorei. E, depois de um tempo, compreendi uma

coisa: no meu coração, eu ainda conseguia vê-lo, ouvi-lo, senti-

lo. Anos se passaram desde então, mas ainda o vejo e ainda o

escuto e ainda o sinto em mim. Quando alguém morre, não há

nada que você possa fazer. O que você pode fazer é começar a

aceitar. Então, talvez, aos poucos, consiga começar a entender

que essa pessoa está com você de uma forma nova. Esse

sentimento de conexão nunca pode ser tirado de você.

Muitas pessoas sentiram uma grande tristeza quando meu

pai faleceu. Alguns dias depois, uma multidão se reuniu, e

todos estavam muito tristes. Eu não queria que eles

continuassem sentindo tanta tristeza e, de repente, subi ao

palco e caminhei até o microfone. Contemplei aqueles rostos e

disse: “Não há por que chorar. Aquele por quem vocês estão

chorando ainda está aqui conosco em nosso coração, no seu

ser, e sempre estará”. Quando as pessoas ouviram esse

sentimento da minha boca, foi muito inspirador para elas, e

começaram a comemorar. Talvez elas conseguissem ver um

aspecto do meu pai em mim, mas também conseguiram sentir

a energia dele dentro delas.

Assim como a energia não pode ser destruída, apenas

transformada ou transferida, nossos entes queridos se tornam

outra coisa, em outro lugar. É assim que a Natureza funciona.

É assim que o poder universal se movimenta. Evolução

constante. Uma semente se transforma em uma árvore, e essa

árvore dá frutos, e cada um dos frutos tem uma semente, e

cada uma das sementes tem o potencial de se transformar em

outra árvore. Quando você segura uma semente, o que você


tem na mão? Algo minúsculo, mas também a possibilidade de

uma floresta. Sinta a floresta na semente.

Seu ente querido sempre estará presente em você. A energia

dele é passada adiante através de você. E ele é parte dessa

energia universal infinita que é a consciência. Abra seu coração

e sinta a presença dele.

OLHE PARA A LUA

Muitos cientistas acreditam que a Lua veio da Terra. A teoria

(às vezes chamada de hipótese do grande impacto) é que um

corpo gigantesco atingiu nosso jovem planeta, e um novo

satélite fabuloso se formou a partir dos escombros. Alguns se

referem a esse corpo como Theia, batizando-o em homenagem

a Selene, a deusa Lua da mitologia grega. Portanto, a Lua pode

ser parte Terra e parte Theia.

Quando a Lua nos deixou, ela não foi muito longe. Agora ela

orbita em torno de seu velho lar e, enquanto se movimenta,

nos influencia aqui embaixo. Talvez possamos pensar que

nosso ente querido que morreu se tornou nossa Lua. Ele é

sempre parte de nós. Ele rodeia nossa vida. Ilumina nossas

noites. Influencia as marés de nossas emoções, movimentando-

se ao nosso redor. Erga os olhos e veja o reflexo da luz do Sol

no rosto dele.

Podemos honrar a pessoa que faleceu e aceitá-la na nova

forma como ela está conosco. Não há necessidade de se apegar

ao passado. Podemos flutuar sobre a maré da vida, deixando

que a água nos sustente enquanto erguemos os olhos para o

céu da noite e sentimos a conexão com essa Lua. Podemos

sentir nossa dor sem deixar de saber que existe uma sensação

permanente de união com ela em nosso coração. Podemos


estimar o que foi celebrando o que é: levando nossos entes

queridos ao longo da vida com nosso amor.

Aqui vai um poema meu sobre a forma como guardamos

nossos entes queridos conosco e a força que isso traz:

Quando a noite parece pesada pelas trevas


A lua se ergue e começa a brilhar
Haverá uma luzinha para você
Não apenas para ser admirada
Mas também para guiar.

DESCANSAR DENTRO DE VOCÊ

Existe um desafio mais difícil do que perder alguém que

amamos? Para alguns, é o pensamento sombrio de que um dia

vão morrer. As pessoas podem encontrar seus medos em fases

diferentes da vida. Esse medo aperta ainda mais se adoecemos

ou estamos em uma situação perigosa, mas pode nos

assombrar mesmo quando estamos sãos e salvos.

Muita gente me pede para falar sobre encarar a morte.

Embora possa parecer um contrassenso, acho importante

primeiro admitir a realidade da nossa mortalidade. Devemos

entender que, no fim, todos temos que partir. É uma fantasia

pensar que a vida que você tem agora vai durar para sempre.

Mas exatamente quando isso vai acontecer? Ninguém sabe

dizer! O que você realmente sabe sobre vida e morte? A única

coisa da qual tem certeza é que nasceu e está vivo agora, neste

momento.

Quando estamos doentes, é muito importante lembrar que

temos uma força incrível lá no fundo. Precisamos encontrar

esses aliados e usá-los se possível, botar para trabalhar toda a

energia positiva que temos dentro de nós. Doenças graves (e

tristeza, decepção, ansiedade e tantas outras experiências e


sentimentos negativos) podem nos afastar de nossa coragem —

e de nossa clareza, nossa plenitude, nossa alegria e nossa paz.

Mas nossa coragem ainda está lá dentro de nós. Nossa clareza

ainda está lá dentro de nós. Nossa plenitude ainda está lá

dentro de nós. Nossa alegria ainda está lá dentro de nós. Nossa

paz ainda está lá dentro de nós. Em momentos difíceis, sempre

temos acesso aos recursos em nosso coração.

Há uma qualidade da paz que eu gostaria muito de anunciar:

ela permite que você descanse dentro de você. Quando o

mundo exterior o levar aos seus limites, saiba que você sempre

pode se conectar com algo imutável e ancorador aí dentro.

Quando estiver esgotado pelas batalhas da vida, saiba que pode

descansar aí dentro. Como meu pai dizia sobre a sensação de

mergulhar dentro de si e sentir seu eu: é como dormir sem

dormir. Quando precisamos, podemos nos afastar do ruído e

mergulhar nessa sensação de paz interior que nos alimenta.

GRANDES EXPECTATIVAS

Uma forma de nos ajudarmos a passar por momentos

difíceis — por qualquer momento, na verdade, bom ou ruim

— é notar como as expectativas moldam nossa experiência.

Todo dia ponho expectativas em meu despertador. Tenho

expectativas, quando pego um saleiro, de que haverá sal nele.

Não há mal nenhum em criar expectativas, desde que

entendamos que elas nem sempre condizem com a realidade.

Como disse o boxeador Mike Tyson, sem meias palavras: “Todo

mundo tem um plano até levar um murro na boca”.

É preciso coragem para aceitar a vida como ela é, em vez de

se deixar distrair pelo medo ou pela fantasia. A clareza sobre o

que é pode nos poupar de muitas mágoas. Ou, nas palavras de

Sêneca, “Sofremos mais na imaginação do que na realidade”.


O que acontece quando você se deixa levar pelas

expectativas? Bom, é provável que consiga superar a decepção

de um saleiro vazio. Conheço algumas pessoas que teriam um

surto se os eletroeletrônicos parassem de funcionar, mas

sobreviveriam. Os verdadeiros problemas começam com os

outros e as expectativas que projetamos neles. Há uma

quantidade imensa de raiva e tristeza gerada por desejos não

realizados. Os relacionamentos caem por terra. Pode ser um

desastre.

Era uma vez um jovem fazendeiro que toda semana

precisava transportar com as mãos seus sacos pesados de

hortaliças do mercado. Era um trabalho árduo, e a quantidade

que ele conseguia carregar sozinho era limitada, por isso ele

economizou muito para comprar um burro. Sua esposa

discordava. Ela dizia que eles precisavam de uma vaca, porque

a vaca daria leite e manteiga. Compraram então uma jovem

vaca. O sofrimento do jovem por ter que carregar sacos

pesados até o mercado não diminuiu, mas ele continuou

trabalhando duro até terem dinheiro suficiente para comprar

um burro. O burro mudou sua vida. O problema era que havia

pouco espaço no quintal e não demorou para a vaca crescer, e

o burro estava se sentindo infeliz. Corria, inclusive, o risco de

ser esmagado.

O jovem ficou frustrado com aquela situação e rezou a Deus:

“Senhor, isso não pode continuar assim: por favor, pode matar

a vaca? Assim meu burro terá o espaço de que precisa”. Na

manhã seguinte, ele acorda e descobre que o burro morreu.

“Ah, Deus”, ele diz, “pensei que a esta altura o Senhor soubesse

a diferença entre uma vaca e um burro.”

Expectativas!

Pense em algumas das cerimônias de casamento a que você

foi ou de que ouviu falar. Assim que percebe que os noivos ou


os familiares estão querendo o “casamento perfeito”, você sabe

que vai dar problema. A primeira coisa que um amigo ou

organizador de casamentos vai dizer é: “Nada nunca acontece

exatamente como o planejado”.

Claro, é ótimo criar expectativas em áreas importantes da

vida — relacionamentos, casa, trabalho, casamento —, mas não

devemos nos fixar nelas. A decepção tira a magia do momento.

Perdemos uma parte grande demais da vida lamentando que o

agora não chegou perto do nosso ideal. Então de quem é a

culpa quando isso acontece: da realidade ou da nossa

imaginação? Se formos rígidos em nossa perspectiva, sentimos

ainda mais o impacto de acontecimentos inesperados e

decepções. Nos tornamos mais fortes quando aprendemos a

nos virar com o que existe. Pense na maneira como uma árvore

balança com o vento. Pense na maneira como um pássaro voa

em uma tempestade. Pense na maneira como o peixe se move

com a maré.

Quem cria nossas expectativas? Nós! Somos nós que criamos

nossas expectativas. Somos nós que aceitamos as expectativas

dos outros. Às vezes uma expectativa é alcançada, às vezes não.

A questão é: os outros podem depositar expectativas em nós,

mas não precisamos criar expectativas próprias. Quando nos

sentimos decepcionados, muitas vezes nos decepcionamos

conosco. E isso me parece um desperdício de nosso tempo

precioso.

POR QUE VOCÊ NÃO SE PARECE COM VOCÊ?

É preciso esforço para se afastar dos próprios pensamentos e

ver o quanto você está fixado em um resultado em particular. É

como uma pessoa teimosa que se perde: ela prefere acreditar

em sua interpretação do mapa em vez de acreditar no mundo


que vê ao seu redor, até ser obrigada a reconhecer que algo deu

muito errado. E então põe a culpa no mapa. Somos pegos na

armadilha de seguir nossa mente, mesmo quando nosso

coração está nos dizendo que alguma coisa não está certa.

Uma vez cheguei a uma grande palestra, e alguns dos

organizadores estavam esperando perto da porta para me guiar.

Eles tinham me visto discursar muitas vezes antes, e fiquei

grato por quererem me receber dessa forma.

Naquele dia, eu não estava usando terno nem gravata, o que

era raro quando participava de algum evento. Foi uma viagem

longa, então devo ter decidido me vestir de maneira

confortável. Quando estacionei o carro, o grupo de recepção

ficou parado olhando para nós. Eles não saíram do lugar. Então

abri a porta. “Não, não, não!”, eles gritaram. “Tire o carro! Tire

o carro! Estamos esperando uma pessoa que vai chegar a

qualquer momento! Tire o carro!”

Eles estavam olhando bem na minha cara, mas percebi que

esperavam um terno e uma gravata. Tirando isso, o resto de

mim não se encaixava na expectativa deles. Foi quando um deles

se deu conta da realidade e ficou constrangido. “Ah! Mil

desculpas, não percebemos que era você!” Os outros ficaram

me olhando como se dissessem: “Por que você não se parece

com você?”.

UM PROBLEMA ANTIQUÍSSIMO

“Aquele que tem uma natureza calma e feliz dificilmente

sentirá a pressão da idade, mas, para quem tem uma disposição

oposta, juventude e velhice são igualmente um fardo.” Assim

declarou o filósofo Platão (que viveu até os oitenta e poucos,

aliás). Quanto mais envelheço, mais entendo essas palavras.


Envelhecer é algo complexo, e pode ser um forte teste de

caráter.

Nosso ego sem dúvida sofre um duro golpe. Mas grande

parte do que toma nossa mente sobre o assunto é ruído

provocado pelo medo. “Não posso fazer isso, tenho sessenta

anos!” Certo, então talvez você não consiga correr uma

maratona — ou talvez seu tempo de maratona supere as cinco

horas. Seja como for, grande coisa!

Qualquer que seja sua idade, há muitas coisas que você não

pode mais fazer, algumas que você não consegue fazer tão bem

e muitas que você pode fazer. Aceite o que é e esqueça o que

não pode ser. Grande parte de envelhecer está na nossa mente.

Na juventude, amamos a vida e não ligamos para a morte. É

quando temos medo de viver e de morrer que envelhecemos.

CAIA NA REAL

Você estava preparando o jantar, saiu para fazer alguma coisa

e agora tudo queimou. Era a única comida que tinha em casa e

está muito tarde para fazer compras. Tenho certeza de que você

já passou por isso ou por uma situação parecida. Exatamente

quando você está pensando no que aconteceu, alguém

intervém: “Positividade sempre!”.

A verdade é a seguinte: não estou me sentindo positivo —

não há nada para comer! O que preciso ser é realista, não

positivo. O que me traz ao seguinte argumento: minhas

mensagens sobre o consolo da paz interior e a necessidade de

aproveitar o dia não são simples conselhos de “positividade

sempre!”. Não estou dizendo isso para embelezar qualquer

situação ruim com um otimismo sorridente. Em vez disso,

podemos apreciar e aproveitar mais a vida se virmos o mundo

e nos entendermos com clareza. Os momentos difíceis pelos


quais você passa são reais, mas a alegria dentro de você

também é real. Os momentos difíceis pelos quais você passa

são reais, mas a paz dentro de você também é real. Viver de

maneira consciente significa ser o mais realista possível sobre

qualquer situação — no mundo ao seu redor e no mundo

dentro de você. Sinta a decepção, sinta a tristeza, sinta a raiva,

sinta a solidão, sinta a depressão: reconheça a dor, mas saiba

também que você sempre pode escolher se conectar com a paz

interior.

Um grande provérbio chinês diz: “Não culpe Deus por ter

criado o tigre; agradeça por não ter dado asas a ele”. Imagine o

caos que um tigre alado poderia causar! Felizmente, não temos

que lidar com essas criaturas imaginárias, e também não temos

que lidar com situações imaginárias. Aprendi que a vida fica

mais fácil se nos concentrarmos em lidar com o que existe. A

realidade é o melhor lugar para viver.

Ser realista pode nos ajudar a nos preparar para o que

acontecerá em nossa vida. Se você estiver passando por um

bom momento, saiba que momentos ruins virão — mais cedo

ou mais tarde. Não precisa se preocupar, apenas saber. Se

estiver passando por um momento ruim, saiba que bons

momentos virão mais cedo ou mais tarde. Não precisa projetar

a mente para todos os cenários futuros possíveis; basta saber

que a mudança está acontecendo e sentir sua resiliência.

Como parte de sermos realistas, podemos saber que —

mesmo nas piores tempestades da vida — há um lugar que é

muito calmo, e esse lugar está dentro de nós. É isto que sei:

posso estar num lugar dentro de mim tanto em momentos

maravilhosos como em momentos terríveis. Nem sempre

consigo escapar das tempestades da vida ou atravessá-las, mas

posso ir a um lugar de calma dentro de mim.


Por isso, tenho um estado de espírito positivo mas sou

realista. Quando piloto um avião, sempre levo combustível a

mais. Quando você está aprendendo a pilotar, ouve o seguinte

conselho: “Três coisas são inúteis em uma emergência: a pista

de decolagem atrás de você, o céu sobre você e o combustível

na bomba”. Se você passou por quase toda a pista de decolagem

e ainda não decolou, toda essa pista atrás de você não terá

servido para nada. Se perdeu potência e está descendo para um

pouso de emergência, é a quantidade de ar abaixo de você que

é crucial, não o céu acima. E o combustível parado na bomba

do aeroporto não adianta nada se você está no ar. Isso é ser

realista.

TORNANDO-SE O PILOTO DE SUA VIDA

Ouvi uma história quando estava na Flórida aprendendo a

pilotar helicópteros que sempre me faz rir. É um bom

lembrete de como às vezes podemos ser os criadores de nossos

próprios problemas, nossos próprios momentos difíceis. Eu

deveria começar dizendo que pilotos tendem a contar altas

histórias ou capricham nos detalhes. Esta é baseada em

acontecimentos reais, mas deve haver certo exagero em

algumas partes.

Um rapaz tinha um daqueles pequenos aviões em que

precisava girar o propulsor à mão para dar partida. Um dia, ele

fez isso e nada aconteceu. Não havia potência e o propulsor

não se moveu. Então ele entrou na cabine de piloto e

aumentou o empuxo, o que pôs mais potência no motor —

exatamente como quando você está tentando dar partida em

um carro velho. Tentou de novo, mas também sem resultado.

Acrescentou mais empuxo. E depois mais.


Finalmente, o piloto girou o propulsor com força e o motor

ganhou vida, mas ele tinha colocado tanto empuxo que a

potência do avião começou a subir demais. Agora a máquina

queria se mover, o que era bom, mas ele estava fora da cabine,

o que era muito ruim! O homem tinha posto um grande calço

na frente de uma das rodas, então o avião não mudaria de

posição, mas a outra roda não queria ficar parada e começou a

se movimentar. Portanto, uma roda estava parada e a outra

estava livre, o que significava que o avião começou a rodar em

um círculo. Então foi ganhando velocidade.

Nesse momento, o piloto tentou segurar um suporte em

uma asa, mas isso fez com que a outra roda saltasse sobre o

calço. Agora não havia nada que impedisse o avião de

atravessar a pista de decolagem além dele agarrado à aeronave.

Ele não poderia se segurar para sempre, até porque estava

tonto de tanto rodar. Quando finalmente soltou, o avião se

endireitou, seguiu pela pista ganhando velocidade, passou por

uma inclinação e então decolou — sem piloto dentro.

Nas imediações, havia alguns pilotos treinando em

helicópteros que viram o que aconteceu, então começaram a

perseguir o avião. Imagine essa cena sobrevoando você — uma

perseguição aérea. O avião vazio voava tranquilamente, alheio a

todo o resto, fazendo o que foi feito para fazer. Ele voou por

cerca de uma hora e 45 minutos até fazer um suavíssimo

pouso de emergência em campo aberto. Os pilotos de

helicóptero ficaram impressionados com a leveza com que o

avião planou.

O motivo por que essa história me vem à mente é que às

vezes é o piloto quem bate o avião. Eles entram na cabine e

pensam: “Certo, tenho que fazer isso, e tenho que fazer aquilo, e

tenho que fazer aquilo outro”, e suas atitudes causam os

problemas. Sozinho, o avião da história cumpriu seu serviço


maravilhosamente bem enquanto estava no ar, sem ninguém.

Quando está pilotando, você precisa dar ao avião uma

orientação que seja produtiva e realista, deixando que ele faça

o que foi feito para fazer e mais nada. Na vida, também é

assim. Se vivermos pensando: “Bom, devo fazer com que

minha vida faça isso por mim, e aquilo, e aquilo outro”, podemos

acabar caindo. A vida tem uma simplicidade linda se

deixarmos que ela faça o que foi feita para fazer.

Quando as coisas dão errado, nossa tendência é culpar os

outros, o azar ou o carma. Às vezes, porém, tudo se resume a

como nos portamos. Temos clareza? Temos planos realistas?

Estamos nos adaptando a condições inesperadas? Estamos

tentando fazer nossa vida funcionar de uma maneira que não

tem como funcionar, em vez de permitir que faça o que ela faz

de melhor? Pela minha experiência, queremos tentar encontrar

o equilíbrio entre controlar nossa vida e deixar que ela floresça

— entre guiar o avião e deixar que ele voe.

ENCONTRE SUA CHAMA

Existe um provérbio que diz: “É melhor acender uma vela do

que amaldiçoar a escuridão”. Você pode passar a noite toda

deitado na cama e maldizer a escuridão, mas isso não vai trazer

a luz. Podemos nos sentar na floresta escura de nossos

problemas e choramingar — e sei que os problemas podem ser

opressivos às vezes —, mas em algum momento temos que

dizer: “Basta”.

Nessas situações, precisamos criar coragem, riscar um

fósforo e acender aquela vela. Então podemos usar a chama

dessa vela para acender outra vela. Adivinha? A luz da primeira

vela não se apaga: temos o dobro de luz. E podemos continuar

assim até iluminarmos nossa vida de novo. Mas é necessária


uma vela acesa para iluminar outras velas, portanto sempre

precisamos encontrar a chama dentro de nós.

E o que é a luz? É a consciência: a única luz verdadeira que

pode nos guiar na vida. Mesmo nos momentos mais difíceis.

Minha perspectiva sobre os momentos difíceis não é nova,

mas a mensagem é tão relevante hoje como imagino que tenha

sido nos tempos de Platão, ou quando o poeta Kabir escreveu

no século xv, ou milhares de anos antes deles. Meu recado é

simples: o mundo pode ser um lugar difícil, mas as pessoas

nascem boas, e a paz pode ser encontrada em todos. A morte

leva os que amamos e os transforma em algo que ainda

conseguimos sentir e honrar. É preciso coragem para enfrentar

a realidade, mas isso nos liberta para viver a vida como ela

realmente é. Devemos controlar nossas expectativas ou elas

irão nos controlar. E, tanto nos dias mais difíceis como nos

mais agradáveis, sempre temos essa possibilidade de nos

conectar dentro de nós com nosso verdadeiro eu — de escolher

sentir a alegria, a plenitude e a paz em nosso coração.

Isso me lembra um poema de Kabir.

Luz reluzente da lua cintila dentro de nós


Olhos cegos não podem se banhar nela
Dentro de nós estão a lua e o sol
E dentro de nós está o som silencioso
Dentro de nós tocam todos os instrumentos em harmonia
Os ouvidos surdos não escutam sequer uma palavra da canção
Se você se ativer ao “meu”
Não terá êxito em tarefa alguma
Quando não me apego mais ao que é meu
A pessoa que amo vem completar minha tarefa
Com o desejo de ser livre, ganha-se Conhecimento
Mas apenas depois do autoconhecimento se é livre de verdade
Pois, quando as plantas desejam ter frutos, as flores se abrem
Quando o fruto está pronto, a planta não precisa mais das flores
Assim como o cervo almiscarado carrega o almíscar em seu umbigo
O cervo em busca do aroma não o busca dentro de si, mas na grama
Todos os instrumentos dentro de você estão tocando em

harmonia. Escute a paz aí dentro e talvez assim você consiga se

ouvir.
8. Liberte-se pelo perdão

Imagine um mundo onde todos vivem em paz. Imagine o

que brotaria da paz mundial — as lindas flores da bondade.

Imagine um mundo onde a sociedade usasse seus talentos,

recursos e energia para o bem de todos. Onde os muitíssimos

bilhões de dólares atualmente gastos em defesa fossem usados

para atacar doenças em vez de atacar uns aos outros. Onde

comunidades e famílias não fossem despedaçadas pela

violência e pelo crime, mas unidas, fortes, compreensivas e

amorosas. Onde a casa de todos fosse segura, confortável e

acolhedora. Onde novas tecnologias fossem desenvolvidas para

servir a humanidade, para nos ajudar a prosperar. Onde

houvesse comida e água para todos, e tivéssemos o maior

prazer em compartilhar o que temos com amigos, vizinhos e

desconhecidos. Onde fronteiras não fossem mais do que linhas

em mapas antigos. Onde criaturas de todos os tamanhos e

formas tivessem espaço para se desenvolver. Onde a Natureza

fosse amada e respeitada. Onde nossas vilas e cidades

transbordassem de gratidão e generosidade.

Imagine esse mundo.

Em vez de enfrentar o cano da arma da destruição,

poderíamos viver assim — em paz. Todos. Juntos.

“Sim!”, dizemos. “É isso que queremos!” Mas esse mundo

ideal só aconteceria se, antes, entendêssemos de verdade o que


é a paz. Pouquíssimos entendem. Sabemos muito sobre a

guerra mas quase nada sobre a paz.

Podemos ter muitas ideias sobre paz, mas em geral elas são

pouco mais do que sonhos utópicos. E o que significa a palavra

“utopia”? Em grego, ou significa “não” e topos significa “lugar”

— portanto, juntos: “não lugar”. Estamos sonhando com um

lugar que nunca pode existir a menos que comecemos a

procurar por ele de maneira diferente. A paz é encontrada

dentro de você. Começa dentro do seu eu e dentro do meu eu.

Só podemos começar a saber o que é a paz quando sentimos

a paz interior em primeira mão, daí a importância do

autoconhecimento. Quando entendemos a paz dentro de nós, e

estamos em contato com essa paz, aí sim conseguimos entender

o que é a paz entre as pessoas. Aí sim conseguimos escolher ser

verdadeiramente pacíficos na maneira como agimos. Aí sim a

paz mundial que estamos buscando tem a chance de se tornar

realidade em vez de existir na forma de uma “utopia” abstrata.

APENAS UMA SEMENTE

Acredito que conversas sobre paz podem produzir todo tipo

de “se”, “mas” e “talvez” em relação aos “outros”. Perguntamos:

se os outros não querem viver em paz, como podemos tornar

possível a paz mundial? A paz pessoal parece ótima, mas como

todos os outros na sociedade vão seguir nosso exemplo? Talvez

os outros sejam o problema, não a solução?

Nosso foco nos “outros” nos distrai de olhar dentro de nós.

De fato, inspirar bilhões de indivíduos a aceitar a paz é uma

tarefa enorme, mas existe uma boa forma de começar: uma

pessoa de cada vez. E quem é a pessoa com que precisamos

começar? Nós mesmos!


Imagine você e eu em um campo vasto, com mais e mais

campos se estendendo até o horizonte. Eu digo: “Quero que

você crie uma floresta nesse campo e em todos os campos ao

redor”. Você diz: “Está bem, parece uma ótima ideia!”. Mas

como você vai começar?

Parece um desafio imenso e complicado — praticamente

impossível —, mas na verdade é muito simples se você

entender a natureza de uma árvore. Cada árvore tem o

potencial de se multiplicar. Tudo de que você precisa para

começar é terra saudável e a semente certa, porque uma árvore

pode propagar uma floresta. Não é preciso plantar 10 mil

árvores uma a uma. Não é preciso água, equipamento pesado,

especialistas nem nada parecido. Nada disso é necessário se

você tiver terra fértil e uma semente. Apenas uma semente.

APRENDENDO A ESCOLHER

Existem momentos em que é legítimo brigarmos, ou mesmo

irmos à guerra? Talvez. Cabe a cada um de nós escolher guerra

ou paz para nós, de acordo com o que sentimos em nosso

coração. Temos guerra e paz dentro de nós, e existe clareza e

confusão em nós também. Só podemos fazer a escolha certa

quando nos entendemos.

Em uma parte muito conhecida do grande épico sânscrito

Mahabharata, o deus Krishna acompanha Arjun, um guerreiro,

até o campo de batalha. O que acontece em seguida diz algo

sobre o significado da paz e da guerra, em parte porque nosso

herói, Arjun, toma uma decisão surpreendente.

Uma grande batalha está prestes a começar, e Arjun diz que

não quer lutar. Olha para as fileiras de soldados ao redor e vê

uma longa linha de familiares, amigos, professores, camaradas.


Ele não tem vontade de usar o arco contra aqueles que ele ama

e conhece. Seus motivos parecem nobres e altruísticos.

Você pode pensar que Krishna ficaria feliz com isso. Nem

tanto. Por quê? Porque Arjun não tem autoconhecimento. O

guerreiro não entendeu os muitos fatores que devem moldar

sua decisão. Seus sentimentos são utópicos, e ele não enxerga o

quadro geral. Seus sentimentos não estão conectados com a

realidade de sua situação. Em outras palavras, ele não se

conhece de verdade.

Krishna conversa com Arjun, explicando a história por trás

da batalha e ajudando-o a entender seu lugar no mundo,

incluindo seu dever como guerreiro de fazer parte de uma

guerra justa. Aos poucos, Arjun vai entendendo sua posição,

então percebe que agora é completamente livre para decidir

por conta própria. O importante é fazer a escolha certa, e isso

começa por saber que você tem uma escolha.

Digamos que você esteja na prisão e há muitos anos olhe

pela janela da cela, planejando sua fuga. Há um muro alto

muito perto de você, e ele é tudo que você vê. Ele domina sua

visão, mal deixando alguma luz entrar em sua cela. Você acha

que esse é o único muro que o separa da liberdade, mas um

pouco atrás desse muro há outro. O segundo muro é ainda

mais alto do que o primeiro, mas o muro mais próximo da sua

cela bloqueia sua visão desse segundo muro. Depois desse

segundo muro há um muro ainda mais alto, mas você também

não consegue ver esse terceiro muro por causa do primeiro.

Há semanas, você vem reunindo em segredo todos os

equipamentos necessários para escalar o primeiro muro. Você

mede suas cordas com cuidado mais uma vez e chega à

conclusão de que tem o suficiente para escalar. Mas, no alto do

primeiro muro, depara com o segundo muro, e suas cordas


não são suficientes para chegar ao alto dele. Você interpretou

mal a situação.

Sem ver o quadro geral, não temos como tomar a decisão

certa. Sem autoconhecimento, não temos como nos conectar

com a paz em nosso coração. Sem estarmos conectados com a

paz em nosso coração, podemos escolher lutar pelos motivos

errados. E, sem estarmos conectados com a paz em nosso

coração, podemos escolher não lutar pelos motivos errados. Da

paz interior vem a clareza de escolher. Em vez de sonhar com

utopias, precisamos ver a realidade com clareza e fazer nossa

escolha.

OUTRO SALTO GIGANTE

Então a paz mundial é mesmo possível? Os humanos são

realmente capazes de viver juntos em harmonia? Muitas

pessoas acham que não. A negatividade que você vai encontrar

sobre esse tema pode ser bastante desanimadora. Sêneca disse:

“Não é porque as coisas são difíceis que não ousamos nos

arriscar; é porque não ousamos nos arriscar que elas são

difíceis”. Ousamos dar uma oportunidade para a paz?

Gostaria de levá-lo de volta a algo que aconteceu há um

certo tempo. Durou doze segundos e atravessou apenas 37

metros, mas mudou o mundo. Estou falando do primeiro voo

motorizado. Sem dúvida, muitos haviam olhado para o plano

ousado dos irmãos Wright e dito: “Isso não vai dar certo”. Ou:

“Vocês são ingênuos”. Ou: “Se Deus quisesse que voássemos,

teria nos dado asas”. Mas aqueles dois homens, que começaram

a carreira consertando bicicletas, tinham grande imaginação. E

não entendiam a palavra “não”. O nome disso é persistência.

Precisamos de mais persistência e ousadia quando o assunto é

paz.
Existe outro exemplo de voo que costumo dar às pessoas que

dizem que a paz é impossível: fomos à Lua. Essa missão — esse

salto gigante da imaginação para a realidade — só aconteceu

por causa de pessoas que declararam “Não dá para fazer isso”

ou de gente que disse “Vamos tentar”? Ouça a ambição nas

palavras do presidente John F. Kennedy em 1962:

Escolhemos ir à Lua. Escolhemos ir à Lua nesta década e fazer outras


coisas não porque sejam fáceis, mas porque são difíceis, porque esse
objetivo servirá para organizar e mensurar o melhor de nossas energias e
habilidades, porque é um desafio que estamos dispostos a aceitar, que
não iremos adiar e que pretendemos vencer.

Talvez tenhamos que desaprender parte da negatividade que

trouxemos a bordo desde aquelas primeiras aventuras lunares.

Fazer da paz uma realidade aqui na Terra definitivamente seria

nossa maior realização coletiva, então que tal fortalecer nossa

determinação? E se seguirmos o exemplo de Kennedy e

dissermos:

Escolhemos atingir a paz entre as pessoas. Escolhemos fazer isso nesta


década não porque seja fácil, mas porque é difícil, porque esse objetivo
servirá para organizar e mensurar o melhor das nossas energias e
habilidades, porque é um desafio que estamos dispostos a aceitar, que
não iremos adiar e que pretendemos vencer. Porque a paz é possível
quando cada um de nós começa por si mesmo.

A MALDIÇÃO DA VINGANÇA

Os conflitos acontecem quando perdemos o respeito uns

pelos outros. Na ausência de respeito, nossos princípios e

regras se tornam mais importantes do que as pessoas. A cabeça

toma conta do coração, e então começamos a projetar

conceitos naqueles que enfrentamos. Propagandistas de guerra

sabem há séculos que vale a pena desumanizar o outro lado. Se

você transformar seus opositores em monstros, fica mais fácil


que pessoas decentes os odeiem. Uma sociedade dá um passo

na jornada rumo à paz quando reconhece seu inimigo como

um ser humano, e isso começa com uma pessoa de cada vez.

Isso me traz ao tema da vingança, de “fui injustiçado, devo

dar o troco”. Esse sentimento pode parecer profundamente

justo, entranhado de certeza. Mais do que isso: pode parecer

que você precisa se vingar para se proteger. Mas isso faz

alguma coisa além de criar medo, ódio e um desejo de

vingança contra os outros?

A narrativa do Mahabharata é guiada pela Guerra de

Kurukshetra, um conflito que surgiu a partir de uma disputa

entre dois grupos de primos — os Káuravas e os Pândavas —,

ambos os quais se achavam os legítimos herdeiros do antigo

reino indiano de Kuru. Alguns acreditam que a guerra levou ao

princípio da Cáli Iuga, uma das quatro iugas, ou eras — na

mitologia indiana, um tempo em que a discórdia, a disputa e o

conflito dominam.

Existe uma história sobre vingança no Mahabharata que

nunca saiu da minha cabeça. Ela mostra o que acontece

quando perdemos a clareza sobre quem somos, sobretudo

aquela conexão com a paz em nosso coração. Trata também da

importância de escolher bem. Assim como Krishna e Arjun no

campo de batalha, a versão original é uma narrativa longa e

complexa — e grande parte está aberta a interpretação e

variações —, então vou resumir da maneira mais simples

possível.

Algum tempo depois da guerra, um nobre chamado Parikshit

se torna rei. Ele é considerado um ótimo governante, e o povo

é abençoado com paz e prosperidade. Um dia, ele sai em seu

cavalo e encontra Cáli Iuga, que assumiu a forma de uma

pessoa (isso é normal no Mahabharata, que é cheio de

personificações e metáforas).
Cáli Iuga para na frente de Parikshit e diz: “Sou Cáli Iuga e

quero me espalhar pelo seu reino — meu tempo chegou”.

Parikshit retruca: “Não vou permitir que faça isso porque sei

quem e o que você é. Você é o que deixará as pessoas confusas,

que as fará lutar entre si, e elas vão se esquecer de suas

responsabilidades”.

Cáli Iuga percebe que tem um grande desafio. “Como é

possível que eu esteja em todos os lugares menos no reino

dele?”, pensa, mas também sabe que Parikshit é um governante

poderoso e não se atreve a desafiá-lo diretamente. Ele

considera a situação por um momento, então diz: “Escute,

estou lhe pedindo abrigo”.

Bom, sempre é dever do rei oferecer abrigo quando lhe

pedem, portanto agora é a vez de Parikshit pensar rápido. “Há

algum lugar em que eu possa acomodá-lo onde ele não

prejudique meu reino?”, ele se pergunta. “Como posso mantê-

lo por perto de modo que eu sempre fique de olho nele?”

Então Parikshit diz as palavras fatídicas: “Tudo bem, pode se

abrigar na minha mente”.

Cáli Iuga fica radiante porque sabe que, de lá, pode ocupar

todo o reino.

Alguns dias se passam e Parikshit decide partir em uma

caçada. Em certo momento, sente sede; vê um ashram e entra

em busca de água. Lá encontra um rishi (um homem sábio)

chamado Shamika, que está em meditação profunda. Parikshit

diz a ele: “Dê-me um pouco d’água, rishi”. Mas Shamika não o

escuta. Então o rei diz: “Por favor, rishi, peço-lhe humildemente

um pouco d’água”. E Shamika ainda assim não responde.

Nesse momento, Parikshit fica furioso, o que é algo muito

raro. Na verdade, ele fica mais do que apenas furioso: sente-se

menosprezado. Ele vê uma cobra morta ali perto e coloca o


animal impuro em volta do pescoço do rishi — um insulto

terrível.

Um dos discípulos do rishi vê tudo isso acontecer e

amaldiçoa o rei, dizendo que ele encontrará a morte pela cobra

Takshak em sete dias. Parikshit percebe seu erro e pede

desculpas a Shamika, mas não há nada que ele possa fazer para

reverter a maldição.

Uma torre é construída rapidamente para proteger o rei, e

ele prepara seus soldados para matar qualquer cobra que se

aproxime. No sétimo dia, Parikshit pensa que talvez a maldição

não se realize. Pouco depois do crepúsculo, sente fome e pega

uma fruta. Ao fazer isso, um verme aparece. Ele brinca dizendo

que, se fosse uma cobra, deixaria que ela o mordesse. Então

Takshak deixa de ser um verme e assume seu corpo de cobra, e

cumpre a maldição.

Janmijay, filho de Parikshit, fica indignado. Ele está tão

furioso que deseja destruir todas as cobras do reino. Organiza

um enorme Sapt Satra, ou sacrifício de cobras, e seus homens

queimam todas as serpentes que conseguem encontrar. E assim

o ciclo de vingança continua.

Na história, Parikshit, o discípulo de Shamika e Janmijay

sentem que foram vítimas de injustiças. Dessa sensação vem

uma raiva que queima tudo em seu caminho, incluindo sua

própria noção de identidade. Janmijay por fim é persuadido a

parar o sacrifício por outro rishi, Astik. “As cobras que ainda

estão vivas são virtuosas (tirando Takshak, claro) e não

merecem ser destruídas”, diz Astik. “Sua glória aumentará se

poupar a vida delas.” Janmijay interrompe a queima.

Vou deixar para você a tarefa de descobrir mais sobre a

história de Cáli Iuga, se tiver interesse, senão vou acabar

resumindo o Mahabharata inteiro! A questão é que Cáli Iuga

veio e a clareza se foi. O que assume o lugar dela, então? Raiva,


dor, medo, vingança — vezes e mais vezes. Esse ciclo de horror

não gera nada além de tristeza. Você pode exigir olho por olho,

mas — como Gandhi teria dito — isso apenas deixaria o

mundo todo cego.

UMA PERSPECTIVA DIFERENTE SOBRE PERDÃO

O caminho que vai da fúria ao perdão pode ser íngreme e

difícil, ainda mais quando um grande mal foi causado a você e

àqueles que você ama. Uma reviravolta acontece se

conseguirmos ver o perdão não como uma aceitação submissa,

mas como uma forma corajosa de nos libertar da dor.

Alguns atos são tão terríveis, tão prejudiciais, tão cruéis e tão

odiosos que não podem ser aceitos. Devem ser respondidos com

justiça. Perdão significa cortar o laço com a ação histórica para

que ela não impeça nosso avanço. Perdão não liberta o

perpetrador da responsabilidade; nos liberta do perpetrador.

Conheci muitos sobreviventes de conflitos, e algumas de

suas histórias me levaram às lágrimas. Conheço os filhos de

pessoas mortas em guerras que cresceram com a vingança em

seu coração. Os sentimentos que trazemos desses

acontecimentos traumáticos nunca são fáceis de deixar para

trás, mas damos nossos primeiros passos para sair do

vitimismo quando escolhemos agir por conta própria. É muito

impressionante quando uma pessoa que busca vingança

encontra a força interior para superar seu medo e sua fúria.

Fico maravilhado com a determinação das pessoas de viver

bem hoje apesar do que lhes aconteceu no passado. E aí está

um ponto importante: elas sofreram, mas não quiseram viver o

resto da vida sentindo-se vítimas.

NA ÁFRICA DO SUL
Visitei a África do Sul pela primeira vez em 1972, aos catorze

anos. Fui discursar em eventos e fiquei horrorizado com o que

vi e vivenciei. Aquilo fez com que eu me lembrasse do sistema

terrível de castas da Índia, que eu odiava. Na época, Nelson

Mandela estava na cadeia por suas tentativas de derrubar o

regime.

O apartheid era completamente brutal. Em certa ocasião, o

governo sul-africano me disse: “Você não pode fazer um evento

misto. Pessoas de raças diferentes têm que ser mantidas

segregadas”. E eu respondi: “Desculpe, mas não vou fazer isso.

Quem quiser pode vir aos meus eventos. Falo com seres

humanos. Não com suas raças. Não com suas religiões”.

Virei persona non grata. Os funcionários do governo não

queriam prender aquele jovem palestrante convidado e

provocar um escândalo internacional, mas me seguiram e

monitoraram o tempo todo. Acho que quebrei praticamente

todas as regras em relação aos lugares aonde fui, como viajei,

com quem interagi e o que disse. O medo e a raiva deles eram

impressionantes.

Havia uma variedade maravilhosa de humanos nos meus

eventos — as mais diversas formas, tamanhos e cores de

pessoas que se podem imaginar —, mas todos tinham a mesma

busca: sentir a paz dentro de si e levar uma vida plena. Essa

possibilidade maravilhosa estava sendo nutrida bem diante da

segregação e da violência. Era contrária a todas as regras

existentes e me mostrou como a paz dentro de nós é mais forte

do que os jogos mentais em que as pessoas se envolvem às

vezes — jogos esses com consequências devastadoras.

Recentemente, realizei eventos em Soweto, um lugar onde as

pessoas foram machucadas de uma forma que você não

imaginaria. Muitos palestrantes convidados falam sobre perdão,

mas costumo ser o único a dizer que o perdão é antes de tudo


para você, e não para eles, os perpetradores. Digo o seguinte: as

pessoas podem cometer atos tão abomináveis que você

provavelmente não consegue perdoá-las, mas há uma coisa que

é possível fazer por você mesmo: cortar as amarras da dor. Ao

fazer isso, você garante que o que aconteceu ontem não

domine mais sua vida hoje.

Uma vez, na África do Sul, eu estava discursando em um

evento, e uma mulher na cadeia tinha me enviado uma

pergunta: “Fiz algo na vida pelo que não consigo me perdoar.

Matei dois dos meus filhos e quase me matei por causa do

abuso que estava sofrendo. Quero sentir a paz de que você fala.

Mas acho que perdi a capacidade de senti-la. Existe alguma

chance para mim?”.

Olhei para a plateia. Percebi que todos ali estavam muito

mais próximos daqueles acontecimentos terríveis do que eu.

Perguntei a eles: “Bom, vocês acham que existe alguma chance

para essa pessoa?”.

Foi muito surpreendente, mas todos — com uma só voz —

disseram: “Sim!”. Essa foi sua resposta — há esperança para ela.

Aquele momento vai ficar comigo para sempre. Ele me

mostrou, em alto e bom som, que há esperança sim para a

humanidade.

DEVER E RESPONSABILIDADE

Na história do Mahabharata que contei, Janmijay foi

questionado por Astik e respondeu que estava cumprindo seu

dever, seu darma. Algumas pessoas sentem uma forte obrigação

moral de lutar — pelo país, pela religião, pela comunidade, pela

família. Não vou tentar definir que dever você tem para com

os outros; quero apenas lembrar que você também tem um

dever para com você. E seu dever com você mesmo é entender
você antes de agir, e sentir a paz em você antes de decidir lutar

ou não. Sua mente pode ser convencida a aceitar a justificativa

pela guerra, mas e seu coração?

Alguns anos atrás, a Fundação Prem Rawat levou seu

Programa de Educação para a Paz (pep) ao Sri Lanka, um país

que sofreu uma guerra civil terrível. Usado inicialmente para

auxiliar detentos, o pep fornece apoio a uma grande variedade

de pessoas que querem se reintegrar à sociedade ajudando-as a

entender e se reconectar com sua sensação de paz interior. No

Sri Lanka, trabalhamos para ajudar ex-combatentes a se

reconectar consigo mesmos, e isso teve forte impacto. Um ex-

membro do Tigre Tamil me disse: “Se eu conhecesse essa

mensagem no começo da vida, nunca teria ido à guerra”. O pep

hoje está presente em mais de cem países e é oferecido a

pessoas em comunidades que estiveram envolvidas em

conflitos.

Na Colômbia, nossas equipes trabalharam com ex-

combatentes das Farc. Muitos lutavam desde crianças e não

conheceram outra vida além dessa. Durante décadas, houve

exércitos particulares em todo o país e eles estiveram

envolvidos em violências e crimes terríveis, em cujo caos as

drogas representaram um grande papel. Tendo concluído o

pep, um ex-combatente me disse: “Se um guerrilheiro

consegue aceitar essa mensagem em seu coração, imagine o

que você pode fazer pelo resto do mundo”.

CONFLITOS COTIDIANOS

Falar sobre guerra pode parecer um tanto abstrato para

aqueles que não passaram por ela. Mas a mesmíssima dinâmica

se desenrola no dia a dia, só que em escala menor. Pegue um

exemplo comum de conflito leve. Você está dirigindo seu


carro; alguém corta na sua frente e não se desculpa. Você fica

indignado. A raiva corre em suas veias. Você buzina e persegue

a pessoa até o próximo semáforo. O que aconteceu? Você está

se deixando controlar pelo seu sentimento. Aonde esses dez

segundos vão levar você? Ao paraíso? Ou só alguns metros à

frente na rodovia? Se vocês dois estiverem competindo por

algo que, no fundo, não tem importância, quem está perdendo

a razão — você ou a outra pessoa? Os dois!

Podemos tentar outra estratégia. Se virmos alguém tentando

entrar na nossa frente, podemos frear e deixar que ela entre.

Nós controlamos a situação. Alguém está tentando roubar

nossa vaga no estacionamento? Deixe a pessoa pegar. Estamos

no controle. Quem sabe ela esteja com uma questão

verdadeiramente urgente para resolver. Mesmo se a

necessidade dela não for maior do que a nossa, talvez nossa

ação plante uma semente de bondade na cabeça dela.

Isso é importante porque vemos que disputas mesquinhas

podem se transformar rapidamente em tragédias. Para onde

quer que olhemos, as pessoas estão aprisionadas em conflitos, e

jovens em regiões pobres costumam ser deixados na linha de

frente. Quantas vezes vemos uma notícia sobre mais um jovem

morto em uma região perigosa da cidade e tratamos isso como

algo normal? Quando isso acontece, devemos parar por um

momento e reconhecer que aquela pessoa perdeu a

humanidade aos nossos olhos. Ela não é mais uma pessoa para

nós, apenas mais uma estatística de crime. Se pararmos de ver

as vítimas de violência como seres humanos, a guerra nas

cidades só vai piorar.

ESPERANÇA VERS US APATIA


Estou envolvido em muitas iniciativas que tratam da

violência juvenil, e um desafio que todas enfrentam é a

desesperança que as pessoas sentem. Quem pode deter a

violência? Somente todos, juntos. O esforço começa em cada

um de nós. A polícia, os políticos, as organizações

comunitárias, a população local e os jovens em si — todos

precisamos estar envolvidos. Todos somos seres humanos, e

todos precisamos encontrar a esperança dentro de nós. Eu e

você precisamos encontrar a esperança dentro de nós também.

Se os jovens não veem esperança — de estarem envolvidos

na comunidade, de conseguirem um emprego, de viverem em

uma boa casa, de terem oportunidades, de serem respeitados e

amados —, eles viram as costas para a sociedade. Ainda mais

importante: eles viram as costas para si próprios. Se você não

sente amor nenhum por você, por que sentiria por outra

pessoa, sobretudo se teme que ela possa fazer mal a você? Esses

jovens acabam brigando entre si porque estão brigando consigo

mesmos.

Dentro deles há um ruído terrível de apatia. Nosso desafio é

ajudá-los a ver que existe sim algo que podem controlar e

sentir e valorizar. Está dentro deles. E, quando eles sentem essa

conexão com o sentimento de amor em seu coração, podem

desenvolver seu sentimento em relação às pessoas ao seu redor.

Assim, a paz interior tem algo de poderoso para oferecer a

todos.

QUESTÕES DE FAMÍLIA

É inevitável questionar certas escolhas que os jovens fazem:

por que a amizade com estranhos acaba sendo mais importante

do que o convívio com a família? Às vezes, parece que a família

não tem tempo para os jovens. Todos parecem ter coisas


demais exigindo sua atenção. Em certos casos, os pais

entendem que dar responsabilidade aos filhos é deixar que

sigam a vida por conta própria. Adivinhem só: desse jeito, eles

se sentem sozinhos e procuram amizade em gangues. Os

jovens podem se tornar tão desesperados por aceitação nessa

família que vão e matam alguém como um teste de iniciação.

Os governos precisam apoiar a família. As empresas

precisam apoiar a família. Mas, acima de tudo, nós precisamos

apoiar a família. E o que podemos fazer para fortalecer a

família? Comece pela sua.

UM SORRISO SURPREENDENTE

A prisão é o destino de muitos jovens que se perderam aos

próprios olhos e aos olhos da sociedade, assim como o de

muitas pessoas mais velhas que não conseguem fugir da

transgressão. O pep foi criado originalmente para ajudar

pessoas dentro da prisão a se reconectarem consigo mesmas,

descobrirem seus recursos interiores e sentirem a paz pessoal.

Ele pode mudar completamente a forma como os detentos

entendem quem são, transformando sua experiência dentro e

fora dos muros. O programa também se revelou útil para os

funcionários das instituições que apoiamos.

Nunca imaginei que entraria em tantas prisões de segurança

máxima. Visitar esses lugares é algo que nos faz refletir, e

sempre é uma experiência impressionante. Não consigo evitar

a sensação de que a prisão na verdade é uma pequena réplica

do mundo — um microcosmo. Lá dentro, você encontra todo

tipo de gente.

Ao longo da infância, ouvi meu pai falar sobre a conversa

entre Krishna e Arjun no campo de batalha. Foi só depois da

minha primeira visita a uma prisão que entendi como teria


sido essa conversa. A cacofonia e a sensação de deslocamento lá

dentro são diferentes de qualquer outra coisa. Não existe uma

atmosfera de paz em nenhuma prisão em que entrei. Mas,

quando estive nesses lugares, encontrei muitas vezes o que só

posso descrever como a forma mais surpreendente de sorriso:

surpreendente porque os detentos estão vivendo em um

ambiente desolador — e podem passar muitos anos lá —, mas

conseguem expressar uma energia extremamente positiva.

Durante uma visita, percebi o quanto aquelas pessoas

perderam em termos de controle quando foram parar lá

dentro. No mundo aqui fora, podem ter sofrido todo tipo de

pressão, mas, pelo menos, tinham uma casa. Por mais

degradado ou atribulado que fosse, havia um lugar para

chamar de seu. Atrás das grades, elas perdem isso. Não são

donas de nada. A prisão controla o ambiente e o horário delas,

os guardas detêm o poder e os outros detentos podem ser

motivo de competição e perigo. Sem dúvida é desagradável

conviver com muros, grades e cercas, mas ficar trancado com

indivíduos que estão levando uma vida inconsciente pode ser

incrivelmente difícil. No fundo, por mais terrível que seja o

ambiente físico, são as pessoas que tornam a prisão de fato

deprimente umas para as outras.

O que posso dizer a alguém nessa situação? Apenas o

seguinte: não posso tirar você daqui, mas posso ajudá-lo a se

libertar dentro de você. Sou muito direto com os detentos:

“Você pode, sim, sentir a paz aqui!”. A paz interior não diz

respeito ao que você tem ou deixa de ter. Claro, todos preferem

a liberdade e um lar confortável à vida em uma cela, mas a paz

não está lá fora; está dentro de você.

Quando entendem isso, os detentos percebem que têm, sim,

uma escolha: podem escolher se conectar com a paz, o amor e

a autoestima dentro deles ou não. Na cadeia, ter uma escolha


pode ser incrivelmente libertador. A escolha é um tipo de

poder. Os detentos se sentem isolados e ameaçados; ter a

possibilidade de acessar um lugar que oferece alegria,

serenidade e clareza é uma tábua de salvação. É uma grande

mudança perceber que existe um lugar aonde você pode ir em

que você é sempre o número um, que é o seu lugar, em que

você pode se sentir reconfortado, em que pode ser quem você

é de verdade.

Os detentos às vezes falam da maneira como o pep os

conecta com todo o bem interior. Um deles me disse: “Sua

mensagem ecoa no meu coração. Estou descobrindo meu

poder, meu amor, minha natureza, minha paz, minha alegria,

minha arte”. Esse sorriso que os detentos abrem para mim

mostra que agora eles entendem o que o autoconhecimento

pode oferecer — que estão escolhendo a paz.

O QUE VOCÊ PODE MUDAR?

Depois que aquela porta pesada se fecha atrás deles, muitos

prisioneiros culpam os outros por seu sofrimento. Passar a

responsabilidade para os outros é uma forma de vingança e dá

continuidade ao ciclo de desespero. Isso não acontece apenas

com prisioneiros, claro. Pessoas em todos os lugares fazem

isso.

No dia em que um prisioneiro começa a olhar de verdade

para dentro de si, algo profundo acontece. Ele se dá conta —

talvez pela primeira vez — de que tem mais poder do que

imaginava. Finalmente entende que não tem como mudar o

sistema judicial. Não tem como mudar a história. Mas tem

como mudar a si mesmo. Que revelação!

Essa virada de desesperança para força é muito importante,

porque são os indivíduos que compõem a sociedade; não é a


sociedade que compõe o indivíduo. Progredimos juntos uma

pessoa por vez, incluindo aquelas em nossas cadeias. A menos

que os indivíduos dentro de uma comunidade sejam fortes,

essa comunidade sempre terá fraquezas. Se for impossível que

os indivíduos mudem, a sociedade terá problemas. Vezes e

mais vezes, em prisões em todo o mundo — e com ex-

combatentes também —, vejo que a paz é possível.

É preciso ter a mente aberta para se conectar com a minha

mensagem? Não sei; talvez baste que a pessoa esteja preparada

para escutar. Sei que muitos detentos vieram ao seu primeiro

evento do pep porque ficaram sabendo que ganhariam uma

caneta e um bloco de papel. Mas, enquanto estavam lá,

começaram a escutar — a escutar de verdade — e isso mudou a

vida deles.

Nas prisões, vejo guerreiros que estão enfim começando a

vencer a guerra interior, e é maravilhoso estar na presença

deles. O pep lhes oferece uma estratégia muito simples para

vencer essa guerra, e um exército poderoso de forças internas

preparado para lutar pela paz. Alguns deles estão atrás das

grades para sempre e sabem que talvez eu nunca mais volte à

sua prisão, mas me agradecem porque — finalmente —

experimentaram o que é viver em paz.

LIBERTE-SE

Às vezes, saio de uma prisão e volto ao mundo exterior com

lembranças de detentos sorridentes frescas na mente, mas

encontro pessoas “normais” bastante infelizes. Estar distante da

paz interior é uma sentença perpétua terrível, seja dentro ou

fora da prisão. Medos, expectativas e preconceitos se tornam

muros, portas e grades. E a pessoa que torna sua vida um

inferno é você. Não existe nenhuma possibilidade de liberdade


condicional a menos que você escolha fazer a mudança

acontecer para você. A prisão mais dolorosa é a prisão interior.

A guerra mais violenta é a guerra interior. O perdão mais

libertador é o perdão interior. A paz mais poderosa é a paz

interior.

Quaisquer que sejam suas circunstâncias — dentro ou fora

da prisão —, hoje é o dia de reconhecer que você cria sua

própria sensação de liberdade. Nossa vida pode estar longe de

ser perfeita, mas todos podemos sentir a paz perfeita dentro de

nós se assim escolhermos. Não subestime o grau de

transformação que acontece quando você se conecta com seu

verdadeiro eu, quando se liberta para sentir a paz interior.

Aqui vai uma história que contei quando discursava para

detentos na Dominguez State Jail, em San Antonio, no Texas,

alguns anos atrás. Fez sentido para eles, e acho que diz algo

sobre o perigo que corremos ao esquecer o poder que temos

dentro de nós.

Certa vez, houve uma competição entre o vento e o sol —

quem é melhor? O sol disse: “Sabe, sou o que sou”. E o vento

disse: “Sim, e acho que sou melhor do que você. Vamos

resolver isso da seguinte forma: está vendo aquele homem

caminhando? Ele está de casaco e aposto que, com meu poder,

consigo fazer com que ele o tire”.

O sol disse: “Claro, fique à vontade”. Então o vento começou

a soprar. E, quanto mais o vento soprava, mais o homem

apertava o casaco. E o vento soprou mais forte, e o homem

apertou mais e mais e mais o casaco. E o vento tentou de novo,

mas o homem estava se segurando ao casaco com tanta firmeza

que o vento ficou exausto e desistiu.

Então foi a vez do sol, e tudo que o sol fez foi brilhar. E,

quando ele brilhou, lá se foi o casaco porque o homem estava

se sentindo confortável.
Quem quer que seja e onde quer que esteja, dentro de cada

um de nós há um sol esperando para brilhar. Deixe brilhar.


9. Ame agora

Quando nasci, deram-me o nome Prem. Em hindi, significa

“amor” — uma forma pura e incondicional de amor oferecida

sem expectativa —, portanto o tema deste capítulo me é caro

há muito tempo.

O amor vem em muitas formas e determina grande parte da

nossa vida. Leva alguns de nós aos pontos mais altos e mais

baixos, tocando todos os nossos sentimentos. Mas existem

formas de pensar e sentir o amor que podem ajudar a torná-lo

glorioso e constante, em vez de uma tempestade de prazer e

dor que cai sobre nós de tempos em tempos.

Ao longo das próximas páginas, compartilho algumas

observações pessoais sobre o amor e algumas frases

maravilhosas de poetas e outros autores. Como você pode

imaginar, não estou interessado no amor como algo que

projetamos nos outros, nem no mundo lá fora, mas como algo

que experimentamos dentro de nós. Cada parte é uma

“observação” independente. São pensadas como momentos em

uma conversa: pontos de partida, em vez de conclusões.

O AMOR NÃO PRECISA DE MOTIVO

Para existir, o amor não precisa de motivos externos. As

expectativas mudam. Os desejos mudam. E as relações também

mudam. Mas o verdadeiro amor está sempre lá dentro de nós.


Não podemos dá-lo a alguém, nem podemos exigir que ele nos

seja dado. O amor é uma força interior. Uma graça interior.

Uma beleza interior.

O AMOR É COMPLETO EM SI MESMO

Como uma árvore dá sombra? Ela não faz nada. Apenas é ela

mesma e, sendo ela mesma, oferece sombra. Um rio promete

que pode resolver seus problemas de sede ou lhe trazer peixes?

Não, ele apenas corre, e as pessoas encontram nele o que

buscam. O vento exige respeito por encher as velas dos navios?

Não, ele simplesmente vai aonde vai. Como você pode ajudar

aqueles que ama? Sendo você.

O AMOR É SIMPLES

Alguns versos do poeta indiano Kabir:

No mercado
Quero o bem a todos.
Ninguém é meu amigo.
E ninguém é meu inimigo.

O amor pode ser simples assim.

O AMOR É UM FOGO

Se você já foi a uma aula de ioga, sabe que muitas pessoas

sofrem para encontrar seu equilíbrio. “Encontre seu centro”,

instrui o professor, e fileiras de pessoas ficam lá balançando

em uma perna só. Nosso equilíbrio emocional também pode

ser difícil, mas sei lhe dizer onde é seu centro: seu coração.

Seu coração é seu verdadeiro lar.


Quando nos sentimos perdidos, é porque nos esquecemos do

caminho de volta para nosso coração. Então ficamos confusos.

A palavra “foco” vem do termo em latim para lareira — a

lareira que é o centro da casa. Quando sentimos esse fogo

queimar dentro de nós, sabemos que estamos em casa;

sabemos que sentimos amor.

O AMOR BRILHA

Quando o Sol e a Lua estão no lugar certo, a magia acontece

e a Lua brilha. Quando somos gratos pelo que temos,

brilhamos com o amor da vida em si. Todos temos esse

potencial dentro de nós.

O AMOR ESTÁ DENTRO DE NÓS

Aqui vão dois trechos da extraordinária poeta santa hindu

Lalla Ded, que viveu na Caxemira do século xiv. Ela desafiou a

convenção social em sua busca pelo divino, abandonando seu

casamento e sua casa para se tornar poeta e cantora viajante.

Eu era apaixonada,
cheia de desejo,
busquei
em toda parte.

Mas no dia
em que o Verdadeiro
me encontrou,
eu estava em casa.

Você é a terra, o céu,


o ar, o dia, a noite.
Você é o grão,
a pasta de sândalo,
a água, as flores e tudo o mais.
Como eu poderia lhe trazer algo
em oferenda?

O AMOR VIVE NO MOMENTO

Há não muito tempo, enquanto trabalhava, eu estava

ouvindo uma canção inspirada por um dos poemas de Kabir.

As palavras e a música eram tão maravilhosas juntas que parei

o que estava fazendo no computador e me entreguei ao

momento. No poema, Kabir diz: não adie a plenitude para o

amanhã, sinta-a agora. Se tiver sede, beba agora. Se tiver fome,

coma agora.

Só podemos viver neste momento chamado “agora”, então só

podemos amar neste momento. Se pensarmos no amor como

algo apenas do passado ou do futuro, podemos perdê-lo no

presente. O amor não tem futuro — é agora ou nunca. Em vez

disso, podemos abrir nosso coração para o momento e

encontrar algo divino: não a fantasia de se sentir amado

amanhã, mas a experiência real de sentir amor em nosso

coração hoje.

O AMOR FLUI

Assim como não podemos controlar as marés, também não

podemos controlar o fluxo do amor. Ele se movimenta onde se

sente bem. Ele se sente bem quando é aceito.

O AMOR CANTA COM DOÇURA

Aqui vai uma variação de um conto de fadas escrito por

Hans Christian Andersen. O original foi inspirado pelo amor

não correspondido dele pela cantora de ópera Jenny Lind, que

se tornou conhecida como o Rouxinol Sueco.


Era uma vez um rei que amava a canção do rouxinol. Ao

entardecer, outro rei lhe enviou um rouxinol mecânico. O rei

ficou encantado. “Uau!”, ele pensou. “Que belo presente. Agora

não preciso esperar pelo rouxinol todo fim de tarde. Basta dar

corda e lá está ele.”

Então ele parou de abrir a janela, e o rouxinol parou de vir.

O rei estava apaixonado pelo pássaro mecânico. Ao seu

comando, o pássaro cantava, a qualquer hora do dia. Ele era

muito belo, com sua decoração de ouro e diamantes.

O rei instruía a ave a cantar sempre que queria, e ela sempre

obedecia. Cada vez mais, ele pedia que ela entoasse sua canção.

Mas, quanto mais ela cantava, menos satisfatória ele achava a

música. E mesmo assim pedia para o pássaro mecânico cantar

— manhã, tarde e noite.

Até que um dia o rouxinol quebrou. Ele foi mandado para os

artesãos mais habilidosos do reino, mas ninguém conseguiu

consertar o mecanismo.

Logo o rei adoeceu. Ele queria muito que o rouxinol

mecânico cantasse para ele. Na ausência do canto, tudo se

tornava terrivelmente quieto. Ele ficava deitado na cama e nada

que seus cortesãos diziam o consolava. Todos no país ficaram

com o coração pesado e temeram que o rei morresse.

Em certo momento, o rei instruiu seus soldados a saírem em

busca do rouxinol que vivia na floresta, a ave que cantava para

ele. Mas não conseguiram encontrá-lo.

Certa noite, quando tudo estava silencioso no castelo, o rei

foi até a janela, abriu-a e olhou para a floresta. Ele desejava

muito que o rouxinol de verdade voltasse. Ele o chamou,

dizendo com carinho: “Rouxinol, por favor, venha! Sei que eu

estava errado. Você é livre para ir e vir quando quiser, e isso

torna sua canção ainda mais bela. Você não está às minhas

ordens; eu estou às suas. Mas, por favor, tenha pena de mim!”.


Naquele dia, assim que o sol havia se posto, ele ouviu um

bater de asas lá fora. O rouxinol pousou em seu parapeito e

começou a cantar. O rei ficou radiante.

“Obrigado por vir”, ele disse ao rouxinol.

“Obrigado por abrir a janela”, respondeu o rouxinol.

AME O QUE É

O filósofo estoico Epiteto disse: “Se você deseja seu filho,

amigo ou companheiro quando ele não lhe é dado, saiba que é

como desejar um figo no inverno”. Pode parecer bastante

insensível da parte de Epiteto, mas existe certa bondade nessa

filosofia. Às vezes, a ausência, a perda e a rejeição são tão

dolorosas que nos refugiamos nas coisas imaginárias como

gostaríamos que elas fossem. É uma forma de autoproteção,

mas a dor persiste quando a ilusão passa.

Se conseguirmos ver a realidade com clareza, podemos

apreciar o que é, sem nos distrair com o que não é. Libertamo-

nos de desejar aquele figo no inverno para então amar o que já

temos.

O AMOR É INDESTRUTÍVEL

Mirabai, também conhecida como Meera, nasceu no século

vi na Índia e amava Krishna. Muitos a consideram uma grande

santa. Ela compôs poemas comoventes, expressando

sentimentos de profunda união espiritual e emocional com sua

inspiração, o deus Krishna, e a dor da separação física dele.

Seus bhajans — canções devocionais — vão além da esfera da

simples devoção. Escritos em dísticos, são obras das quais toda

a humanidade poderia se beneficiar. Para Mirabai, o amor é

algo que se doa, não algo que se conquista, e, quando o


verdadeiro amor é dado, dois corações se tornam um. Ela teve

uma vida extraordinária — a família de seu marido pediu

várias vezes que ela tirasse a própria vida, por exemplo —, mas

essa história ocuparia todas as páginas restantes deste livro.

Vou compartilhar apenas uma de suas expressões de amor

aqui.

Indestrutível, Senhor,
É o amor
Que me une a você:
Como um diamante,
Ele quebra o martelo que o atinge.

Meu coração vai até você


Como o brilho vai ao ouro.
Como a lótus vive na água,
Eu vivo em você.

Como a ave
Que observa a noite toda
A lua que passa,
Eu me perdi habitando em você.

Ah, meu amor, volte.

O AMOR NEM SEMPRE É FÁCIL

Muitos anos atrás, fui à Sardenha com minha família.

Enquanto saía de nosso carro alugado, meu filho, que era bem

pequeno na época, bateu a porta no meu dedo. Não sei se você

já passou por algo parecido, mas doeu muito. Doeu muito

mesmo. Quando olhei para meu filho, vi que ele também estava

sofrendo. Seu rosto expressava um pensamento claro: “Ah, não,

o que foi que eu fiz?”.

Percebi que, embora meu dedo doesse, meus sentimentos

não precisavam doer também. De que adiantaria gritar sobre a

dor e ficar com raiva daquele garotinho? Olhei para o rosto


dele e pensei comigo mesmo: “Posso tirar o sofrimento dele

pela forma como reajo”. Então disse: “Preciso dar uma volta;

quer vir comigo?”.

Fomos dar uma volta juntos e ele ficava perguntando: “Papai,

como está seu dedo?”.

“Está bem; está tudo bem”, eu dizia. Uma mentira inocente.

Minha mão estava tremendo. Doía muito, mas ele não

precisava saber isso.

Tenho que ser sincero, foi preciso um esforço consciente

incrível — incrível — para fazer isso. Eu conseguia sentir muito

bem a parte de mim que ainda queria gritar: “Por que você

tinha que fazer aquilo?”.

Doeu mais ou doeu menos porque não fiz um escândalo?

Não, a dor física foi a mesma, mas a dor emocional logo

passou. Nem sempre é fácil, mas escolher a opção bondosa é se

voltar internamente para o amor.

AME-SE ANTES DE TUDO

Às vezes, nos voltamos aos outros para preencher o que

parece um vazio dentro de nós. Vejo amigos cuidando de todos

em sua vida menos de si mesmos. Alguns têm tanto medo de

ficar sozinhos que abrem mão de seu bem-estar para deixar os

outros felizes. Mas, se não nos amarmos, por que outras

pessoas dariam valor ao nosso amor? Devemos nos amar antes

de tudo.

O AMOR ESTÁ EM SEU CORAÇÃO

Algumas palavras do poeta Rumi:

No minuto em que ouvi minha primeira história de amor, comecei a procurar por
você, sem saber como era uma busca cega.
Os amantes não se encontram finalmente em algum lugar, estão o tempo todo um
no outro.

O AMOR É REAL

Estes são versos de Rabia al Basri, que viveu no século viii e

é considerado por alguns o primeiro santo verdadeiro da

tradição sufi:

No amor, não existe nada entre o coração e o coração.


A fala nasce do desejo,
A verdadeira descrição do verdadeiro gosto.
Aquele que degusta sabe;
Aquele que explica mente.
Como descrever a verdadeira forma de algo
Em cuja presença você se obscurece?
E em cujo ser você ainda existe?
E que vive como um sinal para sua jornada?

O AMOR ALÉM DAS PALAVRAS

Podemos nos comover com o que as pessoas dizem e

escrevem sobre suas experiências do coração. E a presença do

amor pode ser guardada lindamente na memória pela

linguagem que usamos. Pense nas palavras gentis e reveladoras

que vêm aos amantes durante aqueles primeiros dias tantas

vezes frágeis de um relacionamento. Pense nos votos feitos em

casamentos. Pense nos conselhos sábios que damos às crianças.

Pense nas palavras gentis que usamos para celebrar a família e

a amizade. Pense nos discursos de grandes líderes quando se

conectam plenamente com seu povo. Pense nos tributos em

funerais.

No entanto, em sua forma mais pura, o amor transcende a

linguagem. Quando nos aprofundamos mais e mais dentro de

nós, as palavras se perdem. Quando empreendemos essa


jornada interior, entramos em um estado de ser além do

tempo, além dos números, além das imagens, além das ideias,

além das definições, além dos rótulos, além da linguagem.

Nesse universo interior de paz, encontramos o sentimento

mais perfeito de amar e ser amado.

AME SUA VIDA

A cada momento, nos é dada a grande oportunidade de

aproveitar e apreciar o dom da existência. Agora, podemos dar

as costas para as trevas e nos voltar para a luz da gratidão, e

sentir a vida fluindo em nosso corpo. Quando fazemos isso,

amamos o que é para nós. Todos os dias, podemos escolher

amar nossa respiração. Amar nossa alegria. Amar nossa clareza.

Podemos nos apaixonar pela vida.

A cada respiração que entra e sai, podemos aceitar a graça da

vida. Quando isso acontece, nosso coração se enche de

gratidão, e isso traz ainda mais amor. E assim um ciclo infinito

flui continuamente.

Não escolhemos que a respiração venha, mas podemos

escolher amar cada respiração. E qual é o efeito dessa escolha

em nosso corpo? Começamos a sorrir.

Escolha amar.
10. Cultive o divino

Um homem estava caminhando por uma cordilheira alta

quando tropeçou e caiu. Ele continuou caindo por um tempo

até conseguir se segurar ao galho de uma pequena árvore que

crescia na parede do penhasco. Segurando-se no galho, ele

olhou para baixo e viu que havia um longuíssimo percurso até

o chão. Quando ergueu os olhos, viu que seria impossível

escalar de volta até um lugar seguro porque o penhasco era

vertical e não havia onde se apoiar. Então começou a sentir os

músculos de seu braço se cansando.

O homem ficou desesperado. Ele sentia os braços cada vez

mais pesados e cada vez mais fracos. Por fim, prestes a cair,

gritou: “Deus, por favor, me ajude, não quero morrer! Me

ajude!”.

De repente, uma voz retumbante veio do alto: “Certo, como

sinal de sua fé, solte o galho, que vou salvar você”.

O homem olhou para o alto do penhasco e para o chão lá

embaixo. Então gritou: “Tem mais alguém aí em cima?”.

JOGAR MOEDAS PARA DEUS

Há uma moral nessa piada de que vou tratar depois.

Primeiro, preciso falar um pouco do meu histórico com a

religião. Na infância, conheci algumas das diferentes

sociedades e religiões himalaicas, e aprendi como as águas de


diferentes culturas descem pelas montanhas trazendo uma

grande variedade de crenças como sufismo, budismo e

siquismo. Na escola, também tínhamos contato com o

catolicismo romano. Mas quase sempre vivi em meio a uma

devoção hindu extraordinária.

Minha mãe era uma hindu convicta, mas meu pai não tinha

nenhuma religião forte porque queria saber em vez de

simplesmente acreditar. Ele havia passado a vida procurando

por — e depois falando sobre — sabedoria. Para ele, a

sabedoria não era encontrada nos livros e não era consagrada

em construções.

Toda vez que nossa família saía da cidade para viajar,

passávamos por templos à beira da estrada. Era comum as

pessoas abrirem as janelas do carro e atirarem uma moeda para

Deus, e havia pessoas por perto que juntavam as moedas e as

levavam para dentro do templo, embora eu desconfiasse que

algumas fossem parar em seus bolsos. Sempre que passávamos

por um templo em particular, minha mãe lançava uma moeda,

e toda vez meu pai perguntava: “Por que você faz isso?”. Ela

respondia: “Para ir para o céu”. E meu pai retrucava: “Dê o

dinheiro para mim que levo você para o céu”. Mas ela só

revirava os olhos, abria a janela e atirava a moeda, cumprindo

sua devoção.

Eu ficava ali no banco de trás e, à medida que fui ficando

mais velho, conversas como essa me faziam pensar. Por um

lado, eu entendia a aspiração da minha mãe, mas cada vez mais

parecia que ela estava apenas imitando o que todos faziam.

(Algo parecido com a aprendizagem mecânica de que trato em

outra parte deste livro.) Seja como for, não é um pouco

estranho atirar uma moeda para Deus? Pare o carro, pelo

menos!
Como você pode imaginar, o ceticismo do meu pai fazia com

que ele entrasse em conflito com muitos religiosos

convencionais. Certa vez, ele foi visitar um lugar sagrado onde

havia muitos devotos, e um deles estava parado numa perna só,

orando a Deus em silêncio. Havia uma placa que dizia que ele

estava numa perna só havia muitas semanas e que não dizia

uma palavra. Meu pai foi até lá e disse: “Ah, Deus, por que deu

uma segunda perna para esse homem? Ele não a usa. E por que

deu uma boca a esse homem? Ele também não a usa”. O

homem ficou tão irritado que gritou: “Como ousa dizer isso?”.

E baixou a segunda perna.

O QUE VOCÊ É?

Muitas pessoas me perguntam sobre minhas crenças

religiosas. “O que você é?”, dizem. Normalmente respondo:

“Acima de tudo, sou um ser humano”. Para falar a verdade, não

gosto muito da forma como as pessoas são levadas a definir

que tipo de fé seguem. Assim que alguém responde a “O que

você é?” com uma palavra — hindu, cristão, muçulmano,

judeu, sikh, budista, ateu, jainista, taoista, xintoísta, bahaísta e

assim por diante —, uma jaula de expectativas parece surgir

em volta delas. O que deveria ser um ponto de partida para

uma conversa entre duas mentes abertas pode se tornar um

monólogo da pessoa que perguntou “O que você é?”. Seja como

for, “Por que você é?” não seria uma pergunta mais

interessante?

Pode ser uma surpresa saber que meu sentimento religioso é

mais próximo do de meu pai do que do de minha mãe. O

divino é incrivelmente importante para mim — molda toda a

minha vida —, mas não me sinto religioso.


Ao longo dos anos, conheci muitas pessoas de diferentes

tradições espirituais, e algumas me pareceram profundamente

amáveis. Sei que a espiritualidade é uma fonte de grande

alegria e apoio para meus amigos. Apreciei conversas

eloquentes sobre o divino com muitos religiosos, e aprendi

com elas, mas não compartilho da fé em um paraíso “lá em

cima”. Estou mais interessado em conhecer o divino dentro de

mim aqui embaixo.

Uma vez, quando eu estava na Ásia, notei que muitos dos

templos eram no alto de montanhas, e eu sempre me

perguntava o porquê. As pessoas estão aqui embaixo — os

templos não deveriam estar aqui embaixo também para que

pudéssemos ir a eles com facilidade?

QUEM É MAIOR DO QUE DEUS?

Existem muitas boas histórias sobre questões espirituais.

Aqui vai uma de que gosto especialmente, dos tempos de

Akbar e Birbal.

Um dia, um poeta entrou na corte do imperador Akbar. O

poeta cantou e recitou lindos poemas para ele, e o imperador

ficou muito feliz, sobretudo porque as palavras diziam como

ele era grandioso. Akbar deu uma joia para o poeta, que então

compôs mais versos, e estes eram ainda melhores e mais

elogiosos do que os primeiros. Akbar ofereceu ainda mais joias

para o poeta, e cada novo poema dizia coisas ainda mais

maravilhosas sobre o imperador.

O poeta dizia a Akbar: “Você é o maior, você é maravilhoso,

você é tão generoso”, e assim por diante, até que começou a

sentir medo de ficar sem adjetivos. Então, no fim da tarde,

soltou: “Você é maior do que Deus!”.


Todos na corte prenderam a respiração. Até aquele

momento, os cortesãos diziam “Sim, sim, sim!” a cada novo

poema porque não queriam ir contra Akbar. Mas, quando o

poeta disse “Você é maior do que Deus!”, todos pararam,

consternados. Eles simplesmente não tinham como concordar.

Akbar olhou para a corte e disse: “Então, sou mesmo maior

do que Deus?”.

Ninguém se atreveu a falar. “Sim” significaria ter a cabeça

cortada, e “Não” significaria ter a cabeça cortada.

O silêncio encheu o salão. Então as pessoas começaram a

olhar para o cortesão mais inteligente e perspicaz, Birbal.

Sempre houve uma tensão entre ele e os demais conselheiros

porque ele era muito inteligente, e eles invejavam sua relação

com o imperador.

Finalmente, um dos cortesãos levantou a voz: “Majestade,

talvez Birbal possa responder a essa pergunta”.

“Ótima ideia”, respondeu o imperador. “Birbal, me diga: sou

mesmo maior do que Deus?”

Birbal pensou por um momento e então disse: “Posso

responder amanhã?”.

O imperador pareceu um pouco impaciente, mas concordou:

“Sim, pode”.

No dia seguinte, a corte se reuniu e Birbal veio à frente.

Todos os outros cortesãos estavam se sentindo orgulhosos.

Pensavam: “Ele já era! Se disser ‘Sim’, está acabado. Se disser

‘Não’, está acabado”.

“Então, Birbal”, perguntou o imperador, “encontrou uma

resposta? Sou maior do que Deus?”

“Não sei se vossa majestade é maior do que Deus”, disse

Birbal, “mas existe uma coisa que vossa majestade pode fazer

que nem Deus pode.”


O imperador ficou em choque. “Como assim? Existe algo

que eu posso fazer que nem Deus pode?”

Birbal disse: “Se quiser expulsar alguém do seu reino, você

pode; mas se Deus quiser expulsar uma pessoa, aonde ela

poderia ir?”.

E isso vale para todos, dentro de nós. Todos —

independentemente de crenças, ações e origens — são bem-

vindos no reino do divino. Ninguém nunca é expulso dele.

O DIVINO INTERIOR

Se for uma pessoa espiritualizada, você deve ter o direito de

acreditar no que quiser. Respeito a liberdade de todos para

criar uma relação com seu divino ou com divino nenhum.

Meu divino é o poder universal que estava aqui antes de nós,

está a toda a nossa volta e estará depois que nos formos. Aqui

vão algumas palavras do poeta Kabir:

Assim como existe óleo na semente de sésamo


Assim como existe fogo na pederneira
O divino está em você
Se puder, desperte-se a isso.

O tempo dos humanos na Terra acabará. O tempo deste

planeta acabará. As estrelas que vemos iluminando nosso céu

passarão. Mas o divino sem forma vai continuar. A todo

momento em que estamos vivos, ele nos percorre, e assim uma

bênção incrível acontece dentro de nós: uma energia fluindo a

cada respiração, permitindo-nos existir. Esse é o meu divino.

Meu divino é bondoso não porque realiza meus desejos, mas

porque permite que o universo exista. E nessa possibilidade

existe bondade. Não é um divino que governa um paraíso no


alto das nuvens, mas um divino que oferece a possibilidade de

um paraíso para toda criatura, por toda a existência.

Meu divino vai além do bem e do mal: simplesmente é. Para

entender isso de verdade, você precisa ver o divino pelos olhos

dele — ver pelos olhos do divino dentro de você. Ele não tem

atributos humanos. Você não é o divino, mas ele não é algo

separado de você. Quando o chá é servido na chaleira, o chá

ainda é chá e a chaleira ainda é chaleira. A chaleira não é feita

de chá, mas contém o chá dentro dela. Você é um receptáculo

que abriga o divino dentro de você.

Sempre temos ideias diferentes do que é bom e mau, mas

devemos deixá-las de lado se quisermos sentir o divino que

guardamos dentro de nós. Devemos nos afastar da mente e

mergulhar no coração. Carregamos pressuposições e

expectativas, mas, para encontrar o divino, nem um pingo de

julgamento deve passar. O divino é algo além da dor e do

prazer, além das ideias e dos conceitos, além do bem e do mal,

além do julgamento. No entanto, sofremos para entender como

seria não julgar.

O paraíso começa por nós quando deixamos de lado os

julgamentos, as condições, as dúvidas e os conceitos e sentimos

a simplicidade da perfeição. Está lá para nós a cada respiração.

Apreciar tudo isso e nos conectar com o divino interior é

entender de verdade o contexto da vida. Será que um ser

humano é capaz de atingir essa compreensão? Será que um ser

humano é capaz de sentir o divino? Não é uma tarefa fácil. É

quase impossível. Mas é possível.

ENCONTRAR O DIVINO

O mundo é grande e cheio de pessoas, cada uma com suas

próprias ideias do que é a vida, o que ela significa e como


surgiu. Milhares de civilizações existiram antes de nós e, quem

sabe, haverá muitas outras civilizações no futuro. Cada cultura

tem sua própria visão de fé, mas sempre há uma oportunidade

para a paz interior existir em harmonia com a crença religiosa.

A religião sempre fala sobre o paraíso lá em cima, e eu falo

sobre o paraíso aqui embaixo. Para mim, é onde encontramos o

divino.

Não sinto necessidade do consolo de uma vida após a morte,

embora reconheça e respeite que outros precisem dele. Sinto a

necessidade de me conectar com a sensação infinita de paz

disponível no aqui e agora. Sempre quero vivenciar o divino

dentro de mim, no meu coração. O santo e poeta indiano

Tulsidas escreveu:

Apenas os santos que conhecem o coração do corpo atingiram o Auge, ó


Tulsi.
Compreenda isso e você encontrará sua liberdade, enquanto mestres
presos na tradição conhecem apenas a miragem no espelho.

VER O DIVINO EM VOCÊ

Para mim, encontrar o divino aqui dentro é uma experiência

verdadeiramente maravilhosa que abençoa minha vida.

Conheço muita gente que se sente da mesma forma sobre sua

experiência de paz interior. Mas a conexão às vezes pode nos

escapar. O divino pode desaparecer diante de nós quando nos

distraímos com o ruído fora e dentro da mente. Nossa mente

nos distrai da clareza do nosso coração. Mas cada um consegue

ver e sentir o divino quando se volta para dentro. Isso me

lembra uma história — uma boa lembrança de que vale a pena

se conhecer de verdade e não se deixar guiar pelas expectativas

da mente.
No alto das montanhas, havia uma vila muito antiga. Não

havia eletricidade nem tecnologia, e pouquíssimas pessoas a

visitavam. No centro, ficava uma casa bonita onde moravam

uma mulher e um homem. Era um lar feliz e simples. O

homem tinha um quarto separado onde entrava todos os dias

para rezar por cerca de uma hora.

Um dia, um viajante estava passando — uma ocasião rara.

Ele precisava muito se refrescar depois da longa subida pela

encosta, então deixou a mochila ao lado da porta da casa e foi

até o rio nas proximidades.

O homem da casa saiu, viu a mochila e a abriu. Havia roupas

e botas de reserva, e ele encontrou um espelho — o primeiro

que via na vida. Ele tirou o espelho da mochila, olhou-o e se

sobressaltou de espanto. Então, entrou em um estado de

profunda alegria porque, no espelho, finalmente viu a imagem

para a qual vinha orando todos aqueles anos. Ele sempre

imaginara que a deidade se parecia com seu pai de certa forma

e agora sabia que isso era verdade. O homem pegou o espelho

e o deixou sobre a mesa do quarto. Agora que conseguia ver a

forma da deidade para a qual estava orando, começou a rezar

por horas a fio, noite após noite.

A mulher logo notou que seu marido estava passando mais e

mais tempo naquele quarto e ficou desconfiada. Por fim, lhe

passou pela cabeça que ele poderia estar com outra mulher e

tê-la escondido lá. Então, um dia, quando ele havia saído, ela

entrou discretamente no quarto. Viu o espelho — o primeiro

que via na vida — e quase desmaiou. “É por isso que ele não

sai mais daqui”, ela pensou. “Ele está completamente

apaixonado por essa linda mulher no espelho!”

Ela ficou furiosa, pegou o espelho e o levou ao sacerdote

local. Lá estava ele com seu longo cabelo grisalho, uma grande
barba cinzenta, olhos brilhantes, um sorriso radiante. Ela disse

ao sacerdote o que havia acontecido, e ele ouviu com atenção.

O sacerdote nunca tinha visto um espelho, então o pegou

das mãos dela, olhou para ele com atenção e pulou de alegria.

“Esta é a deidade para a qual rezo todos os dias!”, ele gritou. E

entrou no templo e pendurou o espelho no centro do altar.

Quando o homem, a mulher e o sacerdote olharam o

espelho, eles não se reconheceram — viram aquilo em que

acreditavam. Por quê? Se você não se conhece, não tem como

ver como realmente é.

OS DOIS MONGES

Aqui vai uma história que mostra a diferença entre alguém

que leva uma vida devotada de coração e mente aberta e

alguém que leva seu dogma de um lado para outro aonde quer

que vá. Como em diversas histórias, há muitas versões dessa

narrativa; é desta que gosto.

Dois monges estão andando até o mosteiro quando dão de

cara com um rio. É o único caminho para casa, e eles precisam

atravessar. Não existe ponte, e eles se dão conta de que vão ter

que passar andando pela água, mas o rio é fundo e a corrente,

forte.

Então o monge vê uma linda mulher à margem, com

lágrimas nos olhos. Um dos monges se aproxima dela e

pergunta: “Qual é o problema?”.

“Preciso chegar à minha vila”, ela diz, “mas o rio é forte.

Tenho medo de ser levada pela corrente, mas preciso

atravessar.”

O monge diz: “Sem problemas. Levo você até outro lado”.

Ele a ergue, a põe sobre os ombros e a leva através do rio. Na

outra margem, ele a deixa no chão, ela agradece e ele a


abençoa. O outro monge atravessa o rio atrás deles e os dois

voltam a caminhar em direção ao mosteiro.

O monge que não ajudou fica em silêncio durante quase o

caminho todo até chegarem aos muros do mosteiro. De

repente diz: “O que você fez foi tão indecoroso! Como um

monge põe uma jovem sobre os ombros daquele jeito? Como

você ousa? Pensei que tivesse renunciado ao mundo!”.

O monge que tinha ajudado a mulher olhou para o outro e

disse: “Sabe, só carreguei a mulher nos ombros de um lado ao

outro do rio; você a trouxe até o mosteiro”.

ORAÇÕES DE GRATIDÃO

A piada que contei na abertura do capítulo fala das tensões

que podem acontecer quando a crença encontra o cotidiano.

Sei pelas conversas com meus amigos que a fé pode atravessar

fortes provações. Aqueles que sentem que sabem seu divino,

em vez de apenas acreditar nele, costumam parecer

particularmente resilientes diante desse questionamento. O

coração pode ser mais forte do que a mente em certas ocasiões.

Também entendo perfeitamente por que as pessoas recorrem à

oração para enfrentar momentos difíceis — no caso da piada,

quando o pobre homem sente o desejo compreensível de não

morrer na queda. Penso apenas que deveríamos considerar

orar também quando as coisas estão indo bem.

Para mim, uma verdadeira oração acontece quando alguém

dá graças, e não faz apenas pedidos pessoais. Se estiver numa

guerra, você verá soldados dos dois lados rezando pela vitória.

Aqui vai uma pequena história sobre oração.

Certo dia, um jovem estava pedalando para uma entrevista

de emprego importante quando sua bicicleta passou em cima

de uma pedra afiada e o pneu furou. “Que terrível”, pensou o


homem. “Se eu não consertar esse pneu, não vou conseguir o

emprego”, e ele começou a rezar por uma solução. Na esquina

seguinte estava outro jovem, sentado em frente a sua oficina de

bicicletas. “Que terrível”, ele pensou. “Se eu não conseguir

nenhum cliente hoje, vou perder a loja.” E começou a rezar.

Veja só: o problema de uma pessoa pode ser a resposta à

oração de outra. Mas a forma mais profunda e poderosa de

oração é quando simplesmente agradecemos pelo que é, em

vez do que pode vir a ser. Pela minha experiência, você sempre

recebe uma resposta às orações de gratidão.

Quando agradecemos de coração pela vida que nos é dada,

uma expressão maravilhosa da paz interior acontece. A voz do

nosso coração está pronta para cantar de gratidão — dando

valor a tudo que é bom e certo em nossa vida. Eis um

paradoxo delicioso para você: a gratidão nos faz nos sentir

completos, mas sempre somos capazes de mais. Todos temos

uma capacidade infinita de paz, alegria e amor — não é

incrível?

Existe uma linda canção do santo indiano Swami

Brahmanand que expressa o espírito da gratidão. Para o divino

dele, ele canta as seguintes palavras:

É uma criação incrível a que você criou,


De um mero pensamento você criou esta peça
Sem caneta, papel ou cor, criou a magnificência
Em tudo vejo um rosto, a partir de um rosto você criou todos os seres
Dentro de todos os templos do coração, você fez morada
Sem pilares e vigas, sustenta essa criação
Sem terra, criou um palácio encantador
Sem semente, criou uma floresta inteira
Você reside com todos mas se esconde
O coração de Brahmanand se enche de uma alegria imensa
Quando o mestre me mostra onde você se esconde.

Que eloquente essa homenagem ao divino dentro de nós.

Í
CRIANDO O PARAÍSO AQUI

Quaisquer que sejam suas crenças, existe um paraíso aqui

para você na Terra agora — um paraíso de tesouro e prazer em

todas as suas incontáveis formas. O que é o paraíso? Paraíso é o

lugar onde você se sente pleno. Como é o paraíso? É

paradisíaco.

Encontramos esse paraíso quando abrimos os olhos e o

coração para ele; quando o sentimos no aqui e agora; quando

reconhecemos a beleza de ser, aqui neste planeta hoje. Quando

uma criança nasce e pesa três quilos, a Terra fica três quilos

mais pesada? Não. E, quando a mesma pessoa morre na vida

adulta pesando noventa quilos, a Terra fica noventa quilos mais

leve? Não. É aqui que estamos — nesta Terra.

Aqui vai uma história que dramatiza o que estou dizendo

sobre o paraíso (e o inferno).

Um rei precisa combater uma guerra, e ele sabe que estará

na vanguarda da batalha. Ao contrário de alguns dos nossos

líderes políticos, que adoram começar uma guerra mas nunca

estão nem perto do combate, esse rei sabe que está prestes a

enfrentar um período sangrento. A noite toda, ele pensa:

“Posso morrer. E, se eu morrer, vou para o paraíso ou para o

inferno? Mas o que é o paraíso? E o que é o inferno?”.

Isso continua a noite toda.

De manhã, o rei veste sua armadura, monta em seu cavalo —

seu exército em formação atrás dele — e marcha em direção ao

campo de batalha. Todo o tempo, parte de sua mente está

revirando aquelas perguntas: “O que é o paraíso? O que é o

inferno?”.

Então, enquanto cavalga, ele vê um sábio muito venerado

andando na outra direção. Ele galopa até o sábio e ordena:


“Pare! Quero fazer duas perguntas. O que é o paraíso? E o que é

o inferno?”.

O sábio diz: “Estou atrasado. Não tenho tempo para

responder”.

O rei fica furioso. “Você sabe quem eu sou? Sou o rei! Você

não tem tempo para seu governante? Como é possível?” E fica

mais e mais raivoso.

O sábio olha para o rei e diz: “Rei, agora você está no

inferno”.

O rei para um momento para pensar: “Bom, ele está certo!

Ele é sábio mesmo”. Desmonta do cavalo, ajoelha-se e diz:

“Obrigado. Você abriu meus olhos. Muito obrigado!”.

O sábio olha para ele e fala: “Rei, agora você está no paraíso”.

Veja, tudo que ele disse foram três coisas, mas respondeu à

grande pergunta do rei. Onde estava a curiosidade sobre

paraíso e inferno? Nele. Onde estava o inferno? Nele. Onde

estava o paraíso? Nele.

Quando existe confusão, raiva e medo, você está no inferno.

Quando existe clareza e gratidão, está no paraíso. É assim que

funciona.

VIVENDO NO PARAÍSO

Quando entendemos a importância e a maravilha de cada

momento, chegamos mais perto de entender o que é a

imortalidade. O momento presente é imortal porque estamos

sempre nele. Sentimos o paraíso na Terra quando vivemos

conscientemente em cada momento, e fazemos isso estando

conscientes de que somos abençoados pela existência. O auge

da existência é sentir de verdade a paz interior — essa é a

experiência mais paradisíaca para mim.


O paraíso da paz interior é um fim em si mesmo, mas essa

sensação de plenitude também pode tornar o mundo ao nosso

redor um paraíso.

Quando se vive em paz, ver os delicados primeiros sinais do

nascer do sol é um paraíso.

Sentir o calor do sol que nasce, trazendo o dia e todas as suas

possibilidades, é um paraíso.

Ouvir o coro matinal dos pássaros, cantando para o deleite

do coração, é um paraíso.

Ver os raios de sol dançarem sobre o oceano é um paraíso.

Ver uma baleia desafiar a gravidade por alguns segundos de

alegria é um paraíso.

Sentir uma nuvem de aromas emanar de um jardim banhado

pelo sol é um paraíso.

Sentir um vento fresco no rosto é um paraíso.

Beber água gelada em um dia quente é um paraíso.

Comer a fruta mais doce direto do pé é um paraíso.

Ver o sol se pôr atrás do horizonte, despedindo-se do dia e

nos guiando para o descanso, é um paraíso.

Saber que sempre existem um nascer e um pôr do sol

acontecendo em algum lugar desta linda Terra é um paraíso.

Ver os contornos da paisagem banhados pelo luar suave é

um paraíso.

Ouvir o pio da coruja na floresta escura é um paraíso.

Ver estrelas cadentes, súbitas e sublimes, é um paraíso.

Ver alguém que você ama sorrir é um paraíso.

Sentir-se contente é um paraíso.

Sentir o divino em sua respiração é um paraíso.

Esses sentimentos são a alegria da vida em si — não passos

no caminho para alguma outra coisa, mas a pura alegria de

existir. Estão lá para todos saborearmos — onde quer que


vivamos, qualquer que seja nossa idade, no que quer que

acreditemos, quem quer que sejamos.

É essa a sensação de estar no paraíso. Então, o que é o

inferno? É quando não estamos no paraíso.


11. Torne-se o eu universal por meio da
bondade

Certo dia, em Dehra Dun, quando eu tinha doze anos, voltei

da escola e notei um trailer estranho estacionado na frente de

casa. Era produzido pela Commer, uma fabricante britânica,

portanto se destacava em meio aos carros Ambassador

produzidos na Índia que costumávamos ver na região. Nenhum

dos meus parentes jamais tinha saído da Índia, então a chegada

daquele veículo diferente era intrigante. Naquela época, eu era

um grande fã da série de tv Além da imaginação, que falava de

mistérios de ficção científica, alienígenas, suspense e essas

coisas, então minha cabeça foi à loucura. Quem poderia estar

dentro da Commer e por que estavam ali?

Eu era muito curioso na infância, e era bem confiante

também, então fui direto até lá e abri as portas. E fiquei em

choque: a parte de trás da van estava cheia de pessoas muito

pálidas, sentadas em silêncio e usando roupas um tanto

incomuns. Hoje pensamos apenas: “Ei, tem uns hippies num

trailer!”, mas na época praticamente tudo sobre aqueles

visitantes era novo para mim. Eles estavam usando uma

combinação estranha de roupas ocidentais e indianas, e todos

tinham o cabelo comprido, incluindo os homens. Era uma

visão incrível. Mas isso não era nada comparado ao cheiro que

emanava do carro, um aroma forte de corpos suados, incenso e


outros ingredientes que se misturaram em uma longa viagem

quente. Dei um passo para trás e tentei entender o que meus

olhos e meu nariz estavam me dizendo.

Um cara me olhou bem de perto e balançou os dedos em

sinal de cumprimento. Acho que dei um meio aceno em

resposta, mas meu cérebro ainda estava processando a cena.

Devagar, a estranheza da situação deu lugar a uma sensação

bastante agradável de: “Certo, tem uns estranhos aqui que são

claramente muito diferentes de nós, mas eles parecem seres

humanos simpáticos”.

Pouco depois, comecei a conversar com aqueles homens e

mulheres, e descobri que eles tinham vindo para me ver. Eles

queriam conhecer aquele garoto que falava do fundo do

coração sobre a paz interior. Ao longo dos dias seguintes, eles

me fizeram várias perguntas, e respondi da melhor maneira

que pude. Conforme o diálogo evoluía, um respeito mútuo foi

crescendo. As perguntas eram feitas em inglês, mas não eram

muito diferentes das que os indianos viviam me fazendo.

CRUZANDO A BARREIRA

Os visitantes ocidentais ficaram por um tempo, e outros

ocidentais se juntaram a eles, e começamos a nos conhecer um

pouco melhor a cada dia. No entanto, alguns dos adultos da

minha família e próximos a nós eram menos abertos do que eu

à ideia de cruzar essa barreira. Eles viam os estranhos como

impuros, e não digo impuros no sentido de que precisavam de

um bom banho depois de viver naquela van; quero dizer que

eram vistos como espiritualmente impuros. Naquele tempo —

os anos 1960 —, muitos indianos ficavam orgulhosos por

pessoas do Ocidente estarem começando a visitar seu país, mas

também eram um tanto desconfiados em relação a eles. Ouvir


falar dos estrangeiros era uma coisa, dar de cara com eles era

outra bem diferente.

Um dia, uma americana do grupo de visitantes entrou na

cozinha de nossa família para pedir um pouco de comida.

Pediram educadamente para ela sair, e depois disso a cozinha

toda teve de ser “consagrada” de novo — o que significa que

ela precisava ser limpa de cima a baixo. Era como se um

Intocável — alguém considerado “impuro” porque veio de uma

casta baixa ou alguém de fora do sistema de castas — tivesse

entrado. Fiquei complemente chocado com a maneira como

aquela pessoa tinha sido tratada. Eu disse: “Mas é só outra

humana que simplesmente entrou atrás de comida. Vamos dar

um pouco para ela!”. Mas a resposta foi clara: “Não, isso não

pode acontecer”.

Algo que entendi claramente alguns anos depois, quando fui

para a África do Sul, foi que as pessoas que se sentem

inferiores costumam procurar formas de se impor sobre as

outras. Alguns acreditam que se elevam ao controlar os outros,

mas isso não é nada mais do que um caso absurdo de inflação

do ego, e está fadado a fracassar no final. A melhor forma de

remediar a sensação de inferioridade é desenvolver amor e

respeito próprios, e não projetar qualidades negativas nos

outros. Quando nos colocamos em primeiro lugar, o desejo de

preconceito se evapora.

Os estranhos visitantes na Commer — alguns dos quais se

tornaram meus amigos por toda a vida — atravessaram muitas

barreiras físicas em sua jornada até a Índia. Eles tiveram

algumas experiências interessantes no Afeganistão e no

Paquistão, como você deve imaginar. Uma aventura como essa

parece quase impensável hoje, ou no mínimo um tanto

imprudente.
Cada vez mais, os ocidentais foram começando a usar dhoti

(um pano enrolado em volta das pernas e amarrado na cintura)

em vez de calças, e kurta (uma camisa larga sem colarinho que

se alarga na altura dos joelhos) em vez de camisas de estilo

ocidental. Para ser sincero, eu achava que eles ficavam

engraçados nessas roupas locais, mas eles adoravam. Na época,

quando eu viajava para fazer minhas palestras, usava dhoti e

kurta também, mas todo dia na escola estava de calça, paletó,

camiseta em estilo ocidental e gravata. Então, na maior parte

do tempo, os ocidentais estavam vestidos à moda indiana e os

estudantes indianos estavam vestidos à moda ocidental!

Foi só quando fui para a Inglaterra com alguns dos meus

novos amigos que me dei conta de como as duas culturas eram

diferentes. Foi a primeira vez que viajei para o exterior, então

era óbvio que seria estranho. Tudo era novo para mim, e quero

dizer tudo mesmo. Lembro que, logo depois de chegar, fui

tomado por este pensamento claro: “Não estou mais na Índia”.

Na verdade, não foi apenas o pensamento, foi uma sensação

profunda de estar longe de casa. Isso foi em junho de 1971, e o

que eu não sabia na época era que só voltaria à Índia em

novembro.

No dia em que cheguei a Londres, fui até uma casa que

tinham alugado para mim, tomei um banho e desci a escada.

Ao me sentar em um sofá esperando o jet lag passar, fui

cercado por um grupo de pessoas sentadas no carpete, a

maioria das quais eu nunca tinha visto antes. Eles estavam

olhando para mim e eu estava olhando para eles. Nenhuma

palavra foi trocada a princípio. E então, aos pouquinhos,

começamos a conversar, e a recepção deles se revelou muito

calorosa.

A partir daqueles primeiros dias na Inglaterra, desenvolvi

um forte compromisso de respeitar as pessoas do país em que


estou. Isso é uma coisa importante na minha vida, pois estive

em muitíssimos lugares para compartilhar a mensagem de paz.

Trago minha própria cultura, mas sempre quero respeitar a

cultura do lugar que estou visitando. Viajo pelo mundo, mas

minha casa agora é nos Estados Unidos. Como um imigrante,

quero me tornar parte da cultura local e também somar algo a

ela. Acho muito importante que os imigrantes tentem

encontrar esse equilíbrio.

A questão de os imigrantes “encontrarem o equilíbrio” vem

acontecendo há séculos. Quando os persas foram à Índia em

busca de refúgio, eles encontraram resistência. Alguns

habitantes locais achavam que o país já estava cheio e que já

havia demandas demais de comida e fontes de água. O rei, ao

receber um destacamento de persas influentes, pediu que lhe

trouxessem um copo de leite, bem como um pequeno jarro à

parte. Ele mostrou o copo para os persas e disse: “Assim como

este copo, estamos cheios. Colocar mais vai fazer o país

transbordar”. Então serviu mais leite do jarro no copo, fazendo

o líquido transbordar e se derramar no chão.

Nesse momento, um sábio persa deu um passo à frente e,

educadamente, pegou o copo do rei. Ele tirou um pouco de

açúcar do bolso e o misturou ao leite. “Agora o leite está ainda

mais doce”, ele disse, “e nada se perdeu do copo. Estamos aqui

para somar à sua sociedade, não para subtrair.”

BUSCANDO AS DIFERENÇAS

Quando estou pilotando um avião, às vezes faço um anúncio

como: “Se olharem pela janela agora, vocês verão a fronteira

entre tal e tal país logo abaixo de nós”. Claro, sempre escolho

uma fronteira que não é possível ver. As pessoas começam a

olhar para o chão muito atentamente e então percebem que


não existe nenhuma barreira visível, apenas a extensão

uniforme de uma cadeia montanhosa ou um deserto ou

campos ou o oceano. Estamos sempre buscando diferenças e

divisões.

Tente conversar sobre fronteiras com uma formiga. O dono

de uma casa constrói uma cerquinha em volta do lar, e a

formiga vai continuar andando de um lado para o outro o dia

todo, indo e voltando, indo e voltando. Tente falar sobre

fronteiras com um pássaro. “Ei, você aí das asas, cadê seu

passaporte?” Não existem fronteiras para corvos, abelhas ou

borboletas; não existem fronteiras para peixes, golfinhos ou

lulas; não existem fronteiras para as nuvens, o vento ou a água.

Na infância, aprendemos as diferenças entre as pessoas e

crescemos acreditando nelas. “Somos daqui, o que significa que

somos assim e assado. Eles são de lá, o que significa que são

assim e assado.” Mas as diferenças entre as pessoas muitas

vezes são apenas superficiais. Um indiano pode dizer: “Nossa

culinária é especial: olhe nosso chapatti maravilhoso”. Um

italiano pode dizer: “Nossa comida é especial: olhe nossa massa

maravilhosa”. Mas do que a massa é feita? E do que o chapatti é

feito? Eles estão comendo a mesma coisa preparada de

maneiras um pouco diferentes. Vejam só!

Se alguém precisar de uma cirurgia no coração, os médicos

vão fazer uma operação diferente de acordo com a raça da

pessoa? Os médicos não passam a faculdade de medicina

aprendendo a tratar as pessoas de maneiras diferentes

dependendo da cor.

Temos tanto em comum. “Estou com sede” pode ser dito em

muitas línguas, mas sempre significa a mesma coisa. Muitos

me perguntam: “De onde você é?”. Só me resta sorrir. O que

respondo? “Sou do mesmo lugar que você — da Terra!” Às


vezes o interlocutor me olha como se eu fosse um louco, mas

estou apenas falando a verdade.

Quando vou ao México, as pessoas pensam que sou

mexicano; quando vou à Malásia, pensam que sou malaio; e

isso acontece comigo em muitos outros lugares. O único lugar

em que já me pararam para perguntar se eu era estrangeiro foi

a Índia! Eu estava indo visitar minha irmã quando ela morava

em uma região no Norte. O exército não queria a entrada de

estrangeiros, e então, num cruzamento, um soldado olhou para

mim e pediu para ver meu passaporte. Eu disse: “Mas sou

indiano!”. O oficial veio ver qual era o motivo da confusão e

me reconheceu de imediato. Ele riu e se virou para o soldado:

“Sim, ele é indiano”.

Podem ser surpreendentes os fortes preconceitos que mesmo

pessoas de mente aberta alimentam sobre os outros porque são

diferentes. Uma vez, na Argentina, eu estava apresentando a um

grupo as técnicas do autoconhecimento (veremos mais sobre

isso no capítulo 12). Um dos mediadores que estavam

trabalhando comigo veio e disse: “Há uma pessoa aqui que não

deveria receber Conhecimento”.

“Por que não?”, perguntei.

“Porque ela acabou de me falar que é prostituta”, ele disse.

Respondi: “Se ela é prostituta, e você desaprova, não durma

com ela. O que isso tem a ver com dar Conhecimento?”.

CONEXÕES REAIS

Quando nos afastamos de ideias e conceitos em nossa cabeça,

o que nosso coração nos diz sobre os outros seres humanos? É

verdade que é possível encontrar ódio no mundo, assim como

egoísmo, inveja, preconceito e assim por diante. Algumas

pessoas vivem a vida sem consciência, e as consequências disso


podem fazer mal a elas e aos outros. Mas também existe um

bilhão de atos de bondade que passam despercebidos dia após

dia. A generosidade, a criatividade, a gentileza, a compreensão

— muitas coisas maravilhosas acontecem dentro e ao redor de

nós.

Em vez de ser idealistas ou pessimistas sobre a natureza

humana, precisamos ser realistas. A verdade é que todos temos

o bem e o mal dentro de nós. Vi uma escuridão incrível nos

olhos das pessoas — uma escuridão aparentemente sem fundo

nem qualquer vislumbre de luz. E vi uma luz incrível nos

olhos das pessoas — um brilho de esperança, alegria e amor

—, mesmo nas que passavam por momentos difíceis. Todos

temos o potencial de escuridão e luz, e elas vivem lado a lado

dentro de nós.

Tudo que considero bom em mim nunca está longe daquilo

de que não gosto. O amor nunca está longe do ódio. A clareza

nunca está longe da confusão. A luz nunca está longe das

trevas. Basta apertar um interruptor para transformar a luz em

escuridão e a escuridão em luz. Não precisamos nos preocupar

em tirar a escuridão de nossa vida; basta nos concentrarmos

em trazer a clareza. Não precisamos nos preocupar em tirar o

ódio da nossa vida; basta nos concentrarmos em trazer o amor.

Existem muitas qualidades dentro de nós — são aquelas com

que escolhemos agir ou expressar que determinam a maior

parte da nossa vida. Essa capacidade de escolher é parte

fundamental da experiência humana. Nossa humanidade se

fundamenta em nossa capacidade de escolher.

Era uma vez um homem, e ele era normal em todos os

aspectos exceto um: ele pensava que era um grão de trigo. Isso

não representava um grande problema até ele ver galinhas.

Quando ele via uma galinha, surtava, pensando que seria

comido.
Esse problema foi se agravando até que sua família não

aguentou mais. Sempre que iam juntos a algum lugar, ele

inevitavelmente via galinhas, e então gritava e saía correndo.

Os passeios não eram nada agradáveis. Então o levaram à

médica, que recomendou uma instituição especial. O homem

foi internado, e a médica o tratou. Dia após dia, ela trabalhou

com ele para convencê-lo de que ele era um ser humano, não

um grão de trigo.

Ele levou um longo tempo — um muito longo tempo —,

mas um dia a médica perguntou: “O que você é?”. E ele

respondeu: “Sou um ser humano”.

“Você tem certeza de que é um ser humano, e não um grão

de trigo?”

“Absoluta, sou um ser humano!”

“Adivinhe”, disse a médica, “você está curado. Pode deixar a

instituição.”

O homem ficou muito feliz porque iria voltar para casa. A

médica assinou sua alta, e ele a pegou e saiu. A médica ficou

muito aliviada.

Cerca de quinze minutos depois, o homem voltou. A médica

ficou surpresa: “O que está fazendo aqui? Você já pode ir! Está

curado!”.

Ele olhou para ela e disse: “Doutora, sei que estou curado,

mas alguém avisou às galinhas que não sou um grão de trigo?”.

Esse é nosso problema. Tudo bem, talvez não nos vejamos

como um grão de trigo, mas podemos ficar igualmente

confusos sobre o que somos exatamente. O que somos? Seres

humanos! E um ser humano é uma criatura que carrega em

seu peito um oceano de amor, de bondade, de luz. Todos temos

essas qualidades em algum lugar dentro de nós. Em vez de

buscar aquilo que nos separa, podemos sempre escolher


celebrar as maravilhas que vivem dentro de todos nós —

incluindo você e eu.

AS NECESSIDADES NOS UNEM

Culturalmente, as pessoas costumam buscar coisas

diferentes. Olhe como as diferentes comunidades e sociedades

veem a morte. O povo de Toraja, na ilha indonésia de Celebes,

mantém os corpos mumificados dos parentes mortos na casa

da família enquanto guarda dinheiro para pagar funerais

requintados. Os corpos ficam dessa forma por meses e às vezes

anos, sendo tratados como “doentes” em vez de mortos, e as

pessoas lhes trazem comida e bebida, e se sentam e conversam

com eles. Mesmo depois de serem enterrados na tumba da

família, os mortos ainda são tirados dos caixões com

frequência para ter o cabelo arrumado e as roupas trocadas, e

os parentes conversam com eles e tiram fotografias. Para

alguns, isso pode parecer macabro. Para outros, o ritual é uma

forma comovente de homenagear e relembrar os entes

queridos que se foram.

Na Mongólia e no Tibete, muitos povos locais acreditam que

o espírito humano vive depois da morte. Para ajudar no

processo de reencarnação, os corpos são cortados em

pedacinhos e deixados no alto de uma montanha,

normalmente perto de um lugar aonde abutres costumam ir.

As aves são vistas como anjos que ajudam o espírito a subir ao

céu enquanto esperam seu renascimento, daí o nome da

tradição: “enterro celestial”.

Na maioria das culturas hindus, o corpo do falecido é

cremado sem deixar vestígio, apenas uma foto com uma

guirlanda em volta do porta-retrato. Quando você entra na casa


de alguém e vê uma dessas fotografias enfeitadas com flores,

sabe que a pessoa se foi mas permanece no coração da família.

Se der a volta ao mundo, você encontrará muitas outras

formas de os mortos serem lembrados. Ouvi dizer que hoje em

dia é possível pegar as cinzas da cremação e, em vez de guardá-

las em uma urna, mandar fazer um diamante aplicando calor e

pressão extrema e, então, usá-lo para fazer uma joia.

Portanto, sim, existem diferenças culturais entre as pessoas,

e isso é algo que costumamos notar, desfrutar e até celebrar.

Mas essas diferenças são apenas parte de como vivemos na face

da Terra; elas não definem a essência do que somos. Vontades e

desejos, regras e rituais — tudo isso diz respeito ao estilo de

vida, não à vida em si. Existem outras coisas que nos unem,

independentemente de onde viemos e em que acreditamos,

sobretudo nossas necessidades fundamentais.

As necessidades são aquilo sem o que não conseguimos

viver. Todos sentimos fome e sede. Todos precisamos de abrigo.

Todos dividimos o mesmo ar que envolve este planeta

deslumbrante. Inspiramos e expiramos.

Como trabalhamos juntos para atender nossas necessidades é

sempre um misto fascinante de individualismo e

universalismo. Hoje em dia, quando olhamos o mundo que os

seres humanos construíram ao nosso redor, o que vemos?

Como respondemos ao desafio de saciar nossas necessidades

em comum? Às vezes vemos um progresso humano

maravilhoso, muita fartura e beleza, muita generosidade e

benefícios materiais. Outras, vemos os efeitos do medo e da

ganância: poluição, escassez de alimentos, problemas de saúde.

Aqui, mais uma vez, a escolha é a chave. Se conseguimos fazer

coisas ruins, também conseguimos fazer o bem. São os

humanos que criam circunstâncias terríveis para outros

humanos, mas sempre existe a possibilidade de aliviar essas


circunstâncias. E normalmente isso começa com pequenos

passos.

Veja a fome. A fome é natural, mas a escassez de alimentos é

um problema causado pelo ser humano. A natureza pode

fornecer todos os alimentos de que precisamos e mais ainda se

trabalharmos da maneira certa. Mas a distribuição de alimentos

é precária e o desperdício é muito grande. Fico abalado toda

vez que penso que ainda existem pessoas na Índia morrendo de

desnutrição, enquanto o país exporta grande parte do alimento

que produz.

Alguns anos atrás, eu e uma equipe da Fundação Prem Rawat

fomos ver como poderíamos ajudar a resolver alguns dos

problemas que ocorriam ao redor de Ranchi, a capital do

estado indiano de Jharkhand. A região sofreu fortes tensões

políticas e violência comunal, somadas a níveis altíssimos de

pobreza. Embora a terra compreenda cerca de 40% dos

recursos minerais de todo o país, uma porcentagem parecida

de pessoas estava vivendo abaixo da linha da pobreza e

desnutridas.

Havíamos encontrado um terreno que estávamos pensando

em comprar e construir um centro para ajudar a população

local. Nossos conselheiros disseram: “Não façam isso; essa

região tem um grave problema de terrorismo e crime, e não

podemos garantir a segurança de ninguém que trabalhe aqui”.

Mas, se tivéssemos desistido, esses problemas teriam

simplesmente continuado. Então seguimos em frente.

A questão era: como poderíamos exercer o maior impacto

possível para as comunidades locais? Alguém disse que

deveríamos construir um hospital, mas não tínhamos

conhecimento na área. Teria sido um grande desafio construí-

lo e um trabalho ainda mais complexo administrá-lo. Então

alguém sugeriu construir uma escola, mas já havia escolas de


sobra na região e eu também não achava que tínhamos a

capacidade de administrar uma instituição de ensino. Então

pensamos em nutrição, e isso realmente tocou um ponto

importante para todos. A situação era desesperadora para

muitas famílias. Algumas crianças que conheci haviam

aprendido a encontrar e desenterrar ninhos de rato para

roubar os restos de comida que os animais haviam coletado.

Decidimos construir um grande centro de alimentação que

ofereceria pratos de comida nutritiva todos os dias, de graça.

Eu queria a todo custo evitar a interferência política sobre

quem teria permissão de comer e quem não. Portanto,

convidamos todos os líderes comunitários da região e lhes

demos a escolha final sobre quem receberia as refeições

gratuitas. Pouco depois, as crianças começaram a vir, depois os

mais velhos e as mães com crianças de colo. Construímos

sanitários e impusemos a regra de que todos que os usassem

lavassem bem as mãos. Isso era novidade para muitas das

crianças. Em casa, algumas coletavam esterco dos campos

assim que acordavam, para ser usado como combustível. Elas

me contaram que depois da tarefa partiam direto para o café da

manhã, sem antes lavar as mãos.

As cozinhas do centro de alimentação eram, e continuam a

ser, impecavelmente limpas. Todas as pessoas que trabalham lá

usam máscaras, a comida — deliciosa e de origem local — é

preparada com cuidado e todos que chegam podem comer o

que quiserem.

Depois de alguns anos, vimos o impacto de termos escolhido

a alimentação como estratégia, e foi inacreditável. O crime

despencou porque as pessoas tinham mais dinheiro, tendo

economizado com o orçamento alimentar da família. Esse

dinheiro extra fez com que menos pais saíssem para encontrar

emprego longe e menos crianças passassem o dia trabalhando.


As crianças passaram a frequentar a escola em números muito

maiores e começaram a se formar. A saúde infantil melhorou,

e com isso a demanda sobre os hospitais locais diminuiu. E,

como viam que o que estávamos fazendo ajudava a população

local, os grupos terroristas locais deixaram nossas equipes e

nossos equipamentos em paz.

Mesmo agora, não consigo acreditar que apenas uma boa

refeição por dia pôde fazer tanta diferença para toda uma

região. Já criamos algo parecido em Gana e no Nepal,

programas que também tiveram um impacto positivo

considerável. Mais uma vez, pequenos passos vão criando

grandes mudanças.

(Um aparte: nosso centro no Nepal foi construído

adequadamente, seguindo os códigos de obras. Quando ocorreu

o grande terremoto de 2015, muitos dos edifícios próximos

desabaram ou deixaram de ser seguros, mas o nosso sofreu

apenas uma pequena rachadura, passando a servir também

como abrigo. Nesse momento o centro realmente salvou vidas.)

SOBRE A BONDADE

Aqui vai uma piada sobre a forma completamente diferente

como os seres humanos respondem às necessidades dos outros.

Há um homem perdido no deserto e ele sente muita sede.

Ele rastejando, e sua língua parece feita de areia. Ele está com

muita sede. Então passa por um homem montado num camelo.

Ele diz para o homem: “Por favor, por favor, por favor, pode me

dar um pouco d’água?”.

“Que tal eu lhe dar uma gravata?”, oferece o homem. E, dito

e feito, ele abre o alforje e há várias gravatas dentro. “Qual

delas você quer?”, ele pergunta.


“Não, não, não quero uma gravata”, diz o homem sedento.

“Você tem água?”

“Que tal uma gravata?”

“Não, não quero uma gravata”, repete o homem, e continua a

rastejar. Então ele olha para trás e pergunta: “Tem certeza de

que não pode me dizer onde encontro água?”.

“Ah, sim, posso dizer. Siga reto por mais um quilômetro e

você vai encontrar um oásis. Lá tem água de sobra.”

Então o homem segue rastejando até finalmente chegar a

um lindo oásis. Há árvores, plantas e flores maravilhosas, e ele

vê um lago fundo cintilando atrás da vegetação. Um

grandalhão está parado no caminho, então o homem sedento

rasteja até ele.

“Posso entrar no oásis e beber água?”, ele pergunta.

“Você está usando gravata?”

É assim que acabamos agindo se não pensarmos

conscientemente — obrigamos as pessoas a fazerem

malabarismos para poderem satisfazer suas necessidades. E se,

em vez disso, tratássemos os outros como gostaríamos de ser

tratados? E se buscássemos um objetivo em comum em vez de

diferenças competitivas? E se fôssemos simplesmente bondosos?

A palavra “kind” em inglês tem uma história em comum

com a palavra “kin”, que significa parente ou familiar. Quando

pensamos e agimos com kindness, com bondade, quebramos as

barreiras entre nós e eles. Se dermos bondade a todas as pessoas

que conhecemos, não estaremos perdendo nada, mas ganhando

tudo. Poderíamos multiplicar isso por 7 bilhões, e nada se

perderia, e tudo se ganharia.

Quando espalhamos bondade, criamos uma família com

aqueles com quem nos conectamos. Temos um espírito

familiar: sentimos que somos um. Mas para compartilhar

bondade é preciso, antes, sermos bondosos conosco. A bondade


começa com nosso próprio eu — uma conexão alimentada

pelas melhores qualidades humanas dentro de nós — e brota

desse lugar.

A empatia faz parte da experiência humana há muito, muito

tempo, mas a palavra só foi cunhada no século xx. Existem

muitas as definições para ela, mas quero apenas apontar o

poder da empatia em seu sentido mais puro: colocar-se no

lugar do outro. Você pode não viver a mesma experiência, e

pode não concordar com o outro, mas é importante entender

de que lugar essa pessoa vem. É uma forma muito melhor de

entender o mundo ao seu redor do que sempre ver os outros

como completamente separados de você. Em vez de começar

tentando categorizar a pessoa — por religião, cor,

nacionalidade ou seja lá o que for —, tente se ver naquilo que

ela pode estar sentindo. Desde fome até dor, tristeza, raiva e

guerra, basta tentar empatizar com as pessoas cujas

necessidades não estão sendo atendidas. Fazer isso é se lembrar

do significado de ser humano.

A SOCIEDADE E O EU

A bondade parte de dentro, então, se quisermos fazer do

mundo um lugar melhor, devemos antes olhar para nós. Rodei

o mundo algumas vezes e ainda não encontrei nenhuma

sociedade perfeita. O que vi é que é muito difícil fazer uma

sociedade toda mudar. Leva tempo. Às vezes progredimos, às

vezes regredimos. Se começarmos por nós, podemos conseguir

mudar o que nós pensamos e como nós agimos e, a partir daí,

podemos agir coletivamente.

A condição de cada tijolo determina a força de um edifício.

Se um tijolo estiver rachado e caindo aos pedaços, isso afeta os

que estão ao redor. E o efeito é passado adiante, botando mais


pressão sobre os tijolos vizinhos. Quando a segurança de um

edifício é avaliada, a integridade individual de cada tijolo deve

ser levada em consideração. O mesmo vale para o indivíduo e a

sociedade. Precisamos cuidar de cada unidade, e isso começa

com cada pessoa tentando se fortalecer o máximo possível.

Pense em um relógio. Dentro dele há muitas, muitas, mas

muitas peças. Algumas se mexem, outras não, mas todas são

essenciais. Por fora, você vê apenas um ponteiro de horas, um

ponteiro de minutos, um ponteiro de segundos, mas dentro há

um universo em miniatura. Todas as peças se unem para

colocar o ponteiro de horas no lugar certo, assim como o

ponteiro de minutos e o de segundos. Os relojoeiros sabem que

para isso acontecer com precisão, dia após dia, cada parte deve

estar funcionando perfeitamente.

Aqui vai mais uma forma de entender isso. Você está na

frente da tv, que mostra uma imagem do planeta visto do

espaço. Então começa a dar zoom, e mais zoom, e mais zoom, e

mais zoom. Agora você está vendo uma imagem de montanhas,

depois uma floresta na encosta de uma montanha, depois um

pequeno número de árvores, depois as folhas de uma árvore.

Você continua dando mais e mais zoom. A imagem das folhas

logo se transforma em borrões de cor, e você continua dando

mais e mais zoom até ver três retângulos: um vermelho, um

verde e um azul. Você chegou ao nível de um único pixel. Era

isso que você estava vendo o tempo todo, mas o que realmente

viu foi a imagem de uma folha, e uma árvore, e uma

montanha, e todo o mundo.

Cada ser humano é como um único pixel e, juntos,

formamos uma comunidade, depois uma sociedade, depois

uma população global. Se o quadro geral da sociedade parece

errado, precisamos perguntar o que há de errado com os pixels

— por que eles não estão se iluminando da maneira certa? E


quanto a mim: estou ajudando a construir uma boa imagem da

minha comunidade, da sociedade e do mundo? Estou me

iluminando da maneira certa? O que acontece se dermos zoom

em você?

Basta uma peça quebrada para parar um relógio, enfraquecer

um prédio, corromper uma imagem clara, prejudicar a

sociedade. E é por isso que nunca é egoísmo passarmos tempo

nos entendendo. Para iluminar um mundo inteiro, começa-se

acendendo uma vela.

SOMOS TODOS DO MESMO LUGAR

Visto de certa perspectiva, o título deste capítulo — “O eu

universal” — parece um paradoxo. Um “eu” não é algo que se

distingue de todo o resto? Não sou um eu único? Você não é

um você único?

Sim, desde que nascemos, existe algo singular em cada um

de nós, mas todos temos o mesmo conjunto de necessidades

fundamentais, incluindo a necessidade de paz no coração. A

paz interior não se reserva aos poderosos nem aos fracos, nem

aos ricos nem aos pobres, nem a uma raça ou outra. A paz está

aí para todos e dentro de todos.

Nossa mente está sempre trabalhando para tentar moldar o

mundo ao nosso redor, mas a existência tem uma beleza

simples. Pense em quando está dormindo: qual é a diferença

entre os ricos e os pobres? Entre as pessoas com ou sem

instrução? Entre os bons e os maus? Durante o sono, nossos

conceitos e diferenças desaparecem, e simplesmente

respiramos.

Compartilhamos um conjunto de necessidades fundamentais

e compartilhamos este planeta, mas também compartilhamos

algo ainda maior: nosso universo em constante expansão. Uma


linha em um mapa se torna insignificante quando imaginamos

a vastidão do espaço. Essa é a verdadeira natureza do nosso lar.

Aqui vão algumas palavras da filósofa francesa Simone Weil:

Devemos nos identificar com o universo em si. Tudo o que é menor do


que o universo é sujeito ao sofrimento.

A faísca divina do poder universal está em nós desde o

momento em que somos criados, e ela forma uma rede

invisível de conexão entre tudo e todos. Somos

simultaneamente diferentes e iguais. Somos um.

O dogma pode nos dividir, mas o divino interior nos une.

Nem todos são conscientes desse elo entre as pessoas, entre os

amigos, entre os desconhecidos, mas ele pode se revelar

subitamente a qualquer momento, como o sol ressurgindo

depois de uma tempestade. O poeta Kabir assim expressou

nosso universalismo:

Todos sabemos que existe uma gota no oceano, mas pouquíssimos sabem
que existe um oceano na gota.

Aí está o paradoxo outra vez: o oceano na gota. Por um

momento, sigamos o fluxo de Kabir e imaginemos a

humanidade como a água, movendo-se unida no oceano. Veja

como cada gota se ergue das ondas, é absorvida pelas nuvens e

então derramada em lugares diferentes — os montes, as

planícies, as cidades — antes de voltar a correr em direção ao

ponto onde tudo começou. Ao longo do caminho, as gotas se

juntam para formar córregos que crescem e se tornam rios

poderosos com nomes e histórias. O Mississippi, o Amazonas,

o Tâmisa e todos os outros se unem para formar um vasto

oceano sem nome que envolve a Terra. Esse é o fim da

jornada? Não, ela recomeça: gotas de água se erguem das


ondas… e daí por diante. E assim nossa jornada continua.

Somos ao mesmo tempo uma gota e um oceano.

A Terra recicla sua água há bilhões de anos. O começo e o

fim constante da água são como o alfa e o ômega do divino

interminável: o processo nunca para. E isso não é um

argumento a favor da reencarnação. Estou apenas dizendo que

o divino existia antes de nós, trabalha nos animando durante

toda a nossa vida e continuará existindo depois que nos

formos.

Recentemente, alguém me perguntou “Como vai?” e

respondi: “Está indo. Aquilo que sustenta a natureza da ida está

indo, e o que sustenta a natureza da vinda está vindo. Tudo que

vem vai, mas a natureza do divino está sempre presente. Essa é

a única constante”. Acho que a pessoa não estava esperando

por essa resposta.

Nossa forma humana é uma expressão passageira do ciclo da

vida que flui constantemente. Afinal, somos todos um com as

outras pessoas, com o universo e com o divino. Esse é o eu

universal.
12. Pratique, pratique e pratique

Pense na vida como um livro. A capa se abre quando

nascemos. Dentro encontramos os agradecimentos e o prefácio:

nossa primeira infância. Não podemos reivindicar muitos

créditos por essa parte, mas logo a história começa para valer.

A cada nova página virada, temos a oportunidade de escrever

algo, cada dia deixando tinta nova no papel em branco da nossa

existência.

Se você tiver sorte, haverá muitas páginas em seu livro, uma

história rica de aventuras e experiências. Assim como em todas

as histórias, haverá momentos difíceis ao longo do caminho.

Até que, um dia, faltará escrever em apenas uma página e,

nessa última página, uma palavra vai aparecer: “Fim”.

O que você está escrevendo em seu livro? Ele faz sentido?

Prende a sua atenção? Inspira você? É a história que você quer

contar?

Segundo uma antiga história hindu, quando o lendário sábio

Veda Viasa quis escrever o Mahabharata, ele precisou de alguém

com uma inteligência sublime para botar no papel sua

narração oral. Ele precisou de um escritor. Então recorreu a

Ganesha, o venerado deus da sabedoria. Ganesha disse que

escreveria contanto que sua pena não parasse de fluir. O que

Ganesha estava dizendo a Veda Viasa era: “Quero que você fale

com a voz do coração, e não pense demais nisso”. Por sua vez,
Veda Viasa pediu que Ganesha escrevesse “apenas o que fizer

sentido para você”. Tudo que você escrever na história da sua

vida deve fazer sentido para você. O que você está escrevendo é

a sua história ou a de outra pessoa? Ela tem clareza e

propósito? Tem significado para você?

Todo dia traz uma nova oportunidade para nos expressarmos

— uma nova página em branco à espera de ser preenchida. O

autoconhecimento pode nos ajudar a escrever algo memorável,

algo jubiloso, algo fiel a quem realmente somos. Algo cheio de

significado. Apenas eu consigo escrever a história da minha

vida e apenas você consegue escrever a sua. Todo dia

precisamos pegar nossa pena e escrever o que está em nosso

coração. Deixe a tinta fluir.

Sei que nem sempre é fácil fazer isso. Entendo que a jornada

da distração e do descontentamento até a paz interior e uma

vida plena nem sempre é uma linha reta. Às vezes podemos

sentir que nossa história está sendo abafada pelo mundo

repleto de ruídos. Em alguns casos, acho muito difícil. É

preciso prática. Para guiar o barco rio abaixo, não remamos só

uma ou duas vezes.

Neste capítulo, vou falar um pouco mais sobre os desafios

que enfrentamos no caminho rumo à paz interior, e o que

pode nos ajudar. Vou mostrar de novo por que isso é tão

importante em nossa vida. E, ao longo do percurso, vou falar

sobre como estamos todos de férias de sermos poeira. Sim,

poeira. Como sempre, em vez de dizer a você o que pensar,

espero que as palavras a seguir ofereçam novas formas para

nos entendermos e nos conectarmos conosco.

POR ONDE PASSAMOS


Se você viajou comigo da Introdução em diante,

percorremos um longo trajeto juntos. Falamos de como o

corre-corre da vida moderna cria ruído ao nosso redor, mas é o

ruído dentro de nossa cabeça que mais afeta a maneira como

vivemos. Refletimos sobre como a vida é preciosa e como, nos

conectando com a paz interior, podemos transformar nossa

experiência de vida. Observamos a diferença entre saber e

acreditar, e o valor de começar com você em vez de esperar

que o mundo exterior atenda a suas necessidades. Vimos como

a vida pode brotar em meio à gratidão, e como a paz interior

pode nos ajudar a passar por momentos difíceis e pelas guerras

dentro de nós. Ouvimos canções de amor, celebramos o paraíso

que pode ser encontrado aqui na Terra e sentimos nossas

conexões universais.

Ao longo deste livro, repeti a mensagem de que a paz está

sempre dentro de nós e que ela é algo que se pode conhecer, e

fiz isso com bons argumentos. A simplicidade dessa ideia é

central, mas nossa mente inquieta pode turvar e complicar

isso, distanciando-nos da clareza da paz interior. Todo dia

existem muitas coisas mutáveis que exigem nossa atenção —

em um momento, elas nos deixam felizes, no outro estão nos

causando problemas —, mas a paz interior é imutável. A vida

pode se concentrar apenas no caráter evolutivo do que existe

fora de nós, mas a paz pessoal não tem nada a ver com o que

está fora. Quem quer que sejamos, onde quer que moremos, o

que quer que façamos, qualquer que seja a mudança trazida

para nós: a paz está sempre aqui para nós e, através do

autoconhecimento, disponível para nós.

Adquirir conhecimento sobre si é um processo de

descoberta, de desvendar quem somos. O que está em jogo

quando permitimos que nosso eu interior fique escondido —

quando vivemos de maneira inconsciente? Bom, abrimos mão


da coisa mais preciosa que temos: nossa experiência da vida

em si. Também podemos sofrer todo tipo de dor mental e

emocional. E também podemos projetar nossa dor nas pessoas

que amamos e no mundo ao nosso redor.

O autoconhecimento nos conecta com o oposto disso: tudo

que é bom em nós. Paz é a clareza em nós. Paz é a

compreensão em nós. Paz é a serenidade em nós. Paz é a

bondade em nós. Paz é a gentileza em nós. Paz é a luz em nós.

Paz é a alegria em nós. Paz é a gratidão em nós. Paz é a beleza

em nós. Paz é o ir e vir dessa respiração em nós. Paz é o divino

em nós. Paz é tudo isso e mais. A paz reúne tudo que é bom

em uma experiência sincera e atemporal de quem realmente

somos.

É PRECISO CORAGEM PARA ACEITAR A PAZ

Permitir que o autoconhecimento entre em sua vida pode

trazer desafios. Para alguns, é preciso ir contra o fluxo de sua

situação social e profissional. Familiares, amigos e colegas

podem ficar desconfiados e desdenhosos. Podemos nos ver

cercados de pessoas que acreditam que o mundo interior não

oferece nada de mais e que adoram compartilhar essa opinião

conosco.

Algumas pessoas têm uma voz forte na cabeça falando para

elas não olharem para dentro, e isso costuma ser o ruído das

ideias que herdaram de outras pessoas. O coração diz: “Por

favor, por favor, por favor, me veja, me entenda, desfrute de

mim!”. E a mente diz: “Não, não, não!”. O eu fica, assim,

cindido.

Grande prazer e progresso podem vir de nossa interação com

o mundo, mas isso é apenas uma parte de quem somos. Dizer

“Existem dois mundos — o exterior e o interior — e os dois


importam para mim” requer coragem. É preciso ser valente

para dizer “Minha mente e meu coração podem estar em paz

um com o outro”.

As pessoas às vezes pensam que, se quiserem sentir a paz

interior e a plenitude, precisam se enclausurar em sua versão

de mosteiro ou algum outro retiro. Para elas, é como se

houvesse um gerador elétrico imenso nesse lugar remoto, e

elas só conseguissem acender as luzes da clareza e do

contentamento quando estão próximas dessa fonte de energia.

Talvez pensem que, caso se afastem demais do gerador, vão

voltar à escuridão. Eu vejo de outra forma. Como um ser

humano, sua paz, clareza e bondade emanam do seu coração.

Você tem um gerador de energia interno, uma fonte interna de

luz, um santuário interno de calma — e leva tudo isso com

você aonde quer que vá.

Às vezes sobrevoo o deserto do Saara, e nessas viagens uma

analogia me vem à mente: imagine que você precisa viajar

através de um deserto e tenha levado uma grande garrafa de

água, um pouco de comida e uma sombrinha — provisões

suficientes para sua jornada. Então você está nessa vasta

paisagem de terra, terra e mais terra. Não há nenhum oásis em

lugar algum, e está muito quente e seco. Agora pense nisso

como a jornada pela vida. Ter a paz pessoal dentro de si é como

carregar água, comida e sombra com você a cada passo do

caminho. Muitas pessoas viajam pela vida de mãos abanando e

tentam converter o deserto naquilo de que precisam. Já tentou

transformar areia quente em água fria? A realidade é simples,

mas mudá-la é difícil.

Pense na sede que você teria se atravessasse o deserto sem

água. Pense bem nessa sede: vou voltar a ela em breve.


COMO POSSO AJUDAR?

As pessoas sempre me perguntam: “Se eu fizer isso, aquilo e

aquilo outro, vou ter paz?”. Eles pensam que precisam criar a

paz por meio de ações, mas tudo que realmente precisam fazer

é se abrir ao que já existe dentro delas. Entender como se

conectar a esse lugar de paz interior e sentir gratidão por ela:

isso se chama Conhecimento, e é algo que todos podemos

aprender. O que é aprender? É aproveitar o dom da vida de

uma nova forma.

Alguns conseguem fazer a jornada de autoconhecimento

sozinhos; outros precisam de um pouco de orientação. São

muitos os professores e oradores no mundo; se você precisa de

um pouco de orientação de vez em quando, encontre o guia

que parecer certo para você. Ter alguém ao seu lado — alguém

que realmente entende o eu — pode ser reconfortante. Essa

pessoa pode apontar o caminho na escuridão.

É assim que vejo meu papel. Não cabe a mim dizer às

pessoas o que elas devem ou não devem ser; estou aqui para

lembrar que somos todos abençoados pelo milagre da

existência e para ajudar a apontar na direção da paz interior. Só

você pode decidir se é essa a direção que quer seguir. Só você

pode decidir se essa é a rota que quer tomar para chegar lá.

Você costuma ouvir música clássica indiana? É muito

diferente da música clássica ocidental. Tem instrumentos como

a cítara, a tabla e a bansuri (um tipo de flauta). Mas existe outro

instrumento importante que não costuma ser muito

comentado: chama-se tambura. Tem um longo braço com

cordas que o músico toca constantemente. A pessoa que a toca

costuma ficar no fundo. Inclusive, às vezes a tambura nem tem

microfone. Enquanto os outros músicos criam a raga, ou

texturas melódicas, a tambura produz um constante zumbido


harmônico. Todos os outros instrumentos relacionam o que

tocam com o som da tambura, de modo que ela os mantém no

tom certo. E a tambura também estabelece um ritmo sutil —

um embalo que sustenta a música, permitindo que os outros

instrumentos dancem ao redor da batida.

Por que estou descrevendo o papel da tambura? Porque acho

que é parecido com o que eu faço. Um bom professor não

tenta cantar a canção por você, tocar o instrumento por você

nem definir os ritmos de sua vida. Você toca sua raga, você

define seu ritmo: só estou aqui para ajudar você a continuar no

tom e sentir o embalo da sua vida. Posso ajudá-lo a se ouvir.

Meu pai, Shri Hans Ji Maharaj, uma vez utilizou uma

metáfora maravilhosa para explicar o papel do professor de

autoconhecimento. Falava sobre o Mestre, que é como as

pessoas costumam chamar seu professor principal,

especialmente na Índia. Nas suas palavras:

Dizem que o conhecimento é como o sândalo, e o Mestre, como a brisa.


O sândalo inteiro é cheio de fragrância, no entanto, mesmo se ele
quisesse distribuir sua fragrância, não conseguiria. Mas, quando a brisa
sopra, ela leva a fragrância para toda a floresta. Como resultado, outras
árvores se tornam tão fragrantes quanto o sândalo. Do mesmo modo, o
mundo inteiro pode ser fragrante de Conhecimento.

APRENDENDO A SENTIR

Aprendi sobre autoconhecimento aos pés do meu pai,

literalmente. Quando eu era criança, ficava sentado no palco

quando ele falava e ouvia o que ele dizia e as perguntas que as

pessoas faziam. Foi assim que passei a entender que nascemos

com tudo de que precisamos para sentir a paz, mas a correria

da vida diária pode obscurecer essas forças interiores. Ao

encontrar nossa clareza interior, começamos a deixar de lado

aquilo que não somos e ver com nitidez o que somos. A ideia é
permitir que aquilo de que não precisamos em nossa vida

simplesmente se desfaça. Do que não precisamos? Vamos

começar com expectativas ultrapassadas, medos, preconceitos e

regras.

Ao longo dos anos, aprendi que o entendimento não pode

ser colocado dentro de alguém; devemos aceitá-lo por conta

própria. Para isso, precisamos estar abertos ao que é novo. Se

você tem um copo vazio e uma garrafa com água, deve colocar

a garrafa acima do copo e deixar que a gravidade atraia a água.

A água não pode fluir para um copo vazio que esteja acima

dela. O conhecimento não pode fluir de um coração aberto

para um coração fechado.

Normalmente, as pessoas questionam tudo sobre o

autoconhecimento com a cabeça. Como exatamente funciona?

Como posso ter certeza se está funcionando para mim? Qual é

a prova? Em outros aspectos da nossa vida, questões

inteligentes como essas podem ser úteis, mas só é possível

aprender de verdade sobre seu eu por meio da experiência, não

da teoria. O que você sente que é certo? O que ressoa dentro de

você? A prova está em como você vivencia isso. Nossa mente

não quer abrir mão do controle, mas é ela que nos impede de

sentir profundamente o que somos de verdade. Às vezes

precisamos deixar o pensamento de lado — existe a hora de

acreditar e a hora de saber.

Quero contar sobre um momento em que senti a diferença

entre acreditar e saber. Anos atrás, eu estava aprendendo a

esquiar, e achei difícil. Eu via as pessoas — até crianças

pequenas — atravessando toda a montanha em alta velocidade.

Pareciam incríveis, movendo-se rapidíssimo e deixando rastros

de neve no caminho. Um instrutor da Suíça se ofereceu para

me ensinar. Então calcei meus esquis, e a primeira coisa que

ele disse foi: “Ande assim”.


“Não é assim que eles estão fazendo!”, eu reclamei. “Quero

aprender o que eles estão fazendo. Você vai me ensinar uma

coisa diferente?”

“É assim que se começa”, ele disse.

Resisti por um tempo e, então, disse comigo mesmo: “Tudo

bem, deixe que ele ensine. Se começar a fazer sentido,

continue. Se não, pense outra vez”.

No começo, se eu tentava ir para a esquerda, acabava indo

para a direita. Quando queria parar, às vezes via que estava

acelerando. Esquiar pode ser contraintuitivo quando se é

iniciante. Se fizer direito, inclinar-se para a frente dá

estabilidade, mas, por um tempo, seu cérebro só fica gritando:

“Incline-se para trás!”. Do mesmo modo, reclinar-se ajuda você

a se virar, mas costuma parecer natural se inclinar. E você fica

olhando para a frente dos esquis em vez de se concentrar na

direção em que está indo!

Notei que o instrutor ficava me perguntando: “Como você se

sente? Qual é a sensação? Você sente isso?”.

Para ser sincero, na maior parte do tempo o que eu sentia

era descontrole. Estava confuso sobre o que precisava fazer.

Mas continuava fazendo porque, quando se está aprendendo, é

preciso aceitar a incerteza e seguir adiante. Então comecei a

sentir. Comecei a parar de pensar demais em como virar e me

permiti fazer o que o professor havia descrito. Quanto mais

confiava na nova sensação, melhor eu me tornava.

Adquirir autoconhecimento é parecido. As pessoas

normalmente precisam de um pouco de ajuda para entender

como começar e como atravessar a incerteza.

AS TÉCNICAS DE CONHECIMENTO
A paz é possível para todos. Para ajudar as pessoas a

descobrirem seu potencial interior de paz pessoal, ofereço um

programa chamado Educação e Conhecimento para a Paz (peak,

na sigla em inglês). Você pode descobrir como acessar o peak

(em inglês) no meu site, <www.premrawat.com>. Ele o ajudará

a sentir as forças que estão dentro de você e trata de muitos

dos temas que você já encontrou neste livro, entre outros.

Sinta-se livre para usar esses recursos gratuitos e me envie

qualquer pergunta que tiver.

Se este livro e o programa peak fizerem sentido para você,

também existe a opção de aprender algumas técnicas práticas e

poderosas de autoconhecimento. Elas irão ajudá-lo a explorar

suas forças interiores e levar seu foco do mundo exterior para

o interior. Foram essas técnicas que meu pai me ensinou

naquele dia em Dehra Dun, quando eu tinha seis anos, como

descrevi na Introdução. Pela minha experiência, as técnicas são

mais bem transmitidas de pessoa para pessoa. Elas são algo

precioso que deve ser aprendido com alguém que realmente as

entende. (Aliás, se você leu os últimos onze capítulos e eles

tocaram seu coração, você já está no caminho de uma boa

compreensão do Conhecimento.)

A chave que abre a porta para uma sensação mais profunda

de consciência é sua sede de autoconhecimento. Essa é a sede

que mencionei antes. Se você não sentir essa sede, o peak e

qualquer outra estratégia podem se revelar infrutíferos. Se você

tiver mesmo esse desejo e essa necessidade de conhecer seu eu,

o peak fará todo o sentido. É como aprender uma língua nova:

você precisa ter a curiosidade e a motivação para começar,

então seguir com determinação e prática. O Conhecimento é a

língua do eu.

À Ê
DA EXPECTATIVA À EXPERIÊNCIA

Neste livro, falei sobre o problema das expectativas na nossa

vida. Também é comum haver grandes expectativas atreladas à

aquisição de autoconhecimento e paz. “Quando tiver paz, essa

deve ser a sensação. Quando tiver paz, é dessa maneira que

deve agir.” Assim surgem as expectativas. Sugiro uma estratégia

diferente: sinta sua sede, explore o autoconhecimento e

permita que o que vier se desenvolva naturalmente. É melhor

abandonar quaisquer ideias fixas que tiver sobre paz interior:

nossas expectativas vão apenas atrapalhar nossa experiência.

Um tempo atrás, eu estava no Sri Lanka para discursar, e a

mestra de cerimônias do evento se apresentou para mim no

camarim: “É um prazer conhecê-lo, mas eu estava achando que

encontraria um homem flutuando meio metro acima do chão”.

Ela tinha uma expectativa de como seria alguém conectado à

paz interior. Bom, eu não sou assim. Tenho paz o tempo todo?

Não. Tenho problemas de vez em quando? Sim. Vivo

experiências extraordinárias do mundo dentro de mim? Com

certeza. Já flutuei meio metro acima do chão? Ainda não.

Uma vez, eu estava reunido com pessoas que estavam

seguindo o caminho do autoconhecimento. Durante a sessão

de perguntas e respostas, uma moça levantou a mão e disse:

“Agora sei as técnicas de Conhecimento, mas não acontece

nada”. Todos ficaram alvoroçados com aquilo. Respondi: “Tudo

bem, se nada estiver acontecendo, não pratique”. Então ela

disse: “Ah, não, não, não! Não quero parar, porque sinto muita

paz e muita alegria. É muito, muito bonito”. O problema era

que ela estava pensando no que poderia sentir, em vez de

simplesmente sentir. Expectativas!

Alguém disse certa vez: “Não precisamos de asas para voar;

basta que as amarras que nos prendem sejam cortadas”. Se


cortarmos as amarras das expectativas, ficamos livres para

explorar, vivenciar e entender nosso eu. É na gratidão pelo que

é que o conhecimento começa, e nossa prática pode continuar

evoluindo até o último suspiro.

MINHA EXPERIÊNCIA DE PAZ

Ter uma forte conexão com a paz interior é uma bênção

incrível na minha vida — nos bons e nos maus momentos.

Para mim, não importa quais problemas eu tenha ou o que

esteja acontecendo no mundo; quando cruzo essa fronteira e

me conecto plenamente com meu eu, todas as preocupações se

evaporam. E esta é a possibilidade para todos os seres

humanos: estar nesse lugar onde seu coração canta e eles

simplesmente desfrutam da música de existir.

Falo muito sobre a clareza que vem do autoconhecimento

porque ela pode transformar como nos sentimos com relação a

nós mesmos e como encaramos a vida. Aqui vai uma analogia.

Quando pilota um avião, você usa seus sentidos para saber

como está indo — por exemplo, observando onde está o

horizonte para se manter em linha reta. Você pilota a partir da

sua base. Mas é fácil se desorientar no ar, sobretudo quando as

condições meteorológicas estão contra você ou se está escuro.

Seus conceitos e interpretações da realidade podem estar

errados. Os instrumentos oferecem todo um outro sistema

para somar a seus sentidos. Eles dizem exatamente se você está

em linha reta, em que velocidade está seguindo, qual o ângulo

da curva que está fazendo e assim por diante. Como instrutor,

posso dizer que costuma levar tempo para os pilotos

aprenderem a voar com instrumentos, em parte porque —

assim como aprender a esquiar — é preciso aprender a confiar

no especialista.
O autoconhecimento pode lhe permitir desenvolver um

conjunto de instrumentos internos conectados a seu

verdadeiro eu. E é aí que você encontra sua realidade. É aí que

realmente pode se orientar.

Para continuar com a analogia do voo, as cabines de

pilotagem acabaram ficando com luzes demais, então um

fabricante inventou uma coisa chamada “cabine escura”. Ela

minimiza quais luzes são acesas, o que ajuda o piloto a

estabelecer prioridades. Se não houver nenhuma luz, tudo está

ok; se uma luz se acender, você resolve o problema. Compare a

clareza disso com a forma como uma mente agitada fica

buscando o mundo exterior, sempre à caça tanto de problemas

como da paz.

Como todo mundo, preciso tomar cuidado para minha

mente não atrapalhar meu coração, e as expectativas também

podem me afetar, claro. Uma vez, no Japão, fui convidado para

ir a um templo por um professor, que era um especialista

muito respeitado em jardinagem. Era um belíssimo templo

com jardins magníficos. Entramos lá e nos sentamos, e todos

comentaram como era pacífico. Claro, minhas engrenagens

mentais estavam girando: “Isso não é paz”, pensei, “é silêncio”.

Fiquei sentado ali e comecei a ouvir — ouvir com atenção —

e percebi que não era tão silencioso, na verdade. A água que

estava correndo era bem barulhenta. Então, de repente, eu

conseguia ouvir grilos, e eles estavam todos em ação. Eu

conseguia ouvir as folhas farfalhando sob o vento e o canto dos

pássaros. Não era silencioso, mas depois de um tempo senti

que havia uma harmonia fabulosa nos sons. Deixei de lado as

definições intelectuais de “silêncio” e “paz” e apenas vivenciei

— naquele momento — a canção do jardim: a harmonia de

uma bela realidade.

Ê Á É
VOCÊ ESTÁ APROVEITANDO ESSAS FÉRIAS CHAMADAS VIDA?

Por que a busca de autoconhecimento é tão importante?

Vamos pensar mais uma vez na maravilha de nossa existência.

Muitos santos e poetas dizem que, quando morremos, vamos

para casa, que este mundo é um lugar que visitamos. Quer

você acredite que existe vida após a morte, quer não, há algo

sublime na ideia de que estamos apenas de passagem aqui.

Pensei muito sobre isso, e uma conclusão a que cheguei é que

nós, humanos, nos esquecemos muito facilmente de onde

viemos: pó. Éramos parte da poeira cósmica antes de

nascermos, e vamos voltar ao pó depois de morrermos. “Do pó

ao pó”, como expressa o Livro de oração comum dos cristãos.

Escrevi alguns versos sobre esse tema:

UM

O pó sob meus pés


De tolos e sábios
Misturados pelo moinho do tempo
O príncipe e o plebeu
O santo e o ladrão
Jogados à terra
O prato do mendigo e a coroa do rei
Enferrujados no mesmo terreno
Carregados pelo mesmo vento
Espalhados sem graciosidade
A história de todas as coisas
A poeira sob meus pés.

Acredita-se que nosso universo tenha nascido há pouco

menos de 14 bilhões de anos, e que esta Terra esteja em sua

forma atual há cerca de 4,5 bilhões de anos. O Homo sapiens

surgiu há 200 mil anos. Os humanos modernos tomaram

forma nos últimos 10 mil anos — desde a última Era do Gelo.

Isso significa que os seres humanos — na forma como


reconhecemos hoje — só estão aqui há uma fração minúscula

do tempo em que a Terra existe, e uma fração ainda menor do

tempo na vida de todo o universo. Há bilhões de anos,

estávamos flutuando pela galáxia como partículas de poeira.

Então a grande energia universal agiu sobre nós, e nos foi dada

a oportunidade de viver esta vida aqui neste planeta, no espaço

de um instante na longa história do tempo.

Portanto, nos foram dadas férias de ser poeira, e essas férias

começam quando nascemos e terminam quando morremos.

Todas as plantas e criaturas vivas estão de férias. E a que

destino maravilhoso fomos trazidos! Mas será que sabemos que

estamos nestas férias fabulosas? Estamos aproveitando nosso

tempo? Estamos distraídos demais para apreciar esta vida?

Estamos saboreando tudo que podemos deste momento

precioso — desta oportunidade para experimentar um trilhão

de coisas diferentes antes de voltarmos a ser pó?

Às vezes esqueço que estou de férias. Todo dia quero lembrar

que a coisa mais importante para mim é apreciar esse tempo,

essa oportunidade, essa beleza: curtir e aproveitar cada

momento ao máximo. Em cada um desses momentos há a

possibilidade de sentirmos nossa conexão com tudo o mais —

vivenciar o eu universal que encontramos no capítulo 11.

A mesma poeira cósmica que nos formou também construiu

todos os planetas de nosso sistema solar. Somos parte da Via

Láctea acima de nós e da terra sob nossos pés. Estamos

conectados às árvores e aos pássaros que pousam e voam de

seus galhos. À borboleta que rodeia a flor. Ao peixe que

percorre as correntes do rio cintilante. À luz do sol e à chuva.

Sempre seremos parte da matéria, mas, nesse curto período,

também fomos abençoados com a consciência. Recebemos a

capacidade temporária de sentir e entender, então a questão é:

estamos aproveitando nossas férias?


CARPE DIEM

A Terra, quando finalmente se desintegrar, vai voar pelo

universo como poeira e se tornar inúmeras outras coisas, em

outro lugar. Essa é a renovação constante da criatividade

universal. Por isso, a oportunidade que temos é continuar nos

conectando com o agora — não com o ontem que já passou

nem com o amanhã que nunca vem, mas com o milagre de

nossa existência neste momento, e neste, e neste, e assim por

diante. Muitas vezes, porém, achamos difícil essa apreciação

tão simples da vida. O filósofo chinês Lao-Tsé expressou isso

da seguinte forma:

Cada momento é frágil e fugaz.


O momento do passado não pode ser retido,
por mais belo que tenha sido.
O momento do presente não pode ser sustentado,
por mais agradável que seja.
O momento do futuro não pode ser capturado,
por mais desejável que venha a ser.
Mas a mente se desespera para fixar o rio:
Possuída por ideias do passado, preocupada com imagens do futuro, ela ignora a
verdade pura do momento.

Qual é a verdade pura deste momento? Sabedoria não é se

dar conta do valor de uma coisa quando ela se for; sabedoria é

reconhecer o valor daquilo que temos agora. O que temos

agora? A possibilidade de vivenciar a maravilha de existir. A

possibilidade de ver com clareza o que é mais importante em

nossa vida. A possibilidade de conhecer de verdade quem

somos. A possibilidade de dar as costas para o ruído e desfrutar

da paz interior. Nosso coração está sempre batendo à porta de

nossa mente, lembrando-nos da possibilidade de ser um só

com tudo que há de bom em nós.


Imagine um mercado central — lá você vai encontrar os

melhores alimentos que o mundo tem a oferecer: as frutas e

verduras mais frescas, as melhores carnes e peixes, queijos

maravilhosos, os doces mais deliciosos conhecidos pela

humanidade e as bebidas mais refrescantes oriundas de uma

centena de fontes. Falam que você pode comer e beber o que

quiser, mas sob uma condição: você não pode levar nada com

você. Qual seria sua reação? Você ficaria desapontado? Ou

pensaria: “Vou aproveitar tudo enquanto estou aqui”?

Parece familiar, não é? Temos muito a aproveitar, mas não

podemos levar nada conosco. Carpe diem.

LOBO BOM, LOBO MAU

Isso nos traz a um ponto vital que percorre todo este livro e

é essencial na prática do autoconhecimento — escolha. A cada

momento, temos uma escolha, e é a seguinte: damos atenção

ao bem em nós ou ao mal em nós? Ao positivo ou ao negativo?

Havia um grupo de indígenas nativos americanos e, um dia,

um garotinho da tribo se aproximou do chefe e perguntou:

“Chefe, tenho uma pergunta: por que algumas pessoas são boas

às vezes, mas ruins em outras?”.

O chefe disse: “É porque temos dois lobos dentro de nós,

lutando entre si. Existe um lobo bom e existe um lobo mau”.

Então o menino pensou por um tempo e quis saber: “Chefe,

qual lobo vence?”.

O chefe respondeu: “Aquele que você alimentar”.

Não é preciso ficar castigando nosso lobo mau — isso não

ajuda o bem em nós. Em vez disso, alimente o lobo bom: dê-

lhe tempo, consciência, compreensão, cuidado, amor. O que vai

acontecer? O lobo bom se fortalece.

Ódio, raiva, medo e confusão alimentam o lobo mau.


Amor, alegria, calma e clareza alimentam o lobo bom.

Portanto, devemos nos perguntar: o que vamos escolher

hoje? Escolhemos estimular o preconceito ou a compreensão?

Escolhemos estimular a confusão ou a clareza? Escolhemos

estimular a guerra ou a paz?

Aqui vão alguns versos que li muito tempo atrás sobre como

nossas escolhas nos definem — palavras que guardo comigo

até hoje:

Se quiser ser forte, seja gentil.


Se quiser ser poderoso, seja bom.
Se quiser ser rico, seja generoso.
Se quiser ser inteligente, seja simples.
Se quiser ser livre, seja você mesmo.

ESCOLHENDO SER LIVRE

Certa vez, quando eu estava falando com as pessoas que

estavam aprendendo as técnicas de Conhecimento, um homem

disse: “Estou com medo”.

“Medo de quê?”, respondi.

“Não consigo deixar as coisas de lado: não consigo entrar

nesse sentimento.”

“Por quê?”, perguntei. “Você só está se voltando para dentro.

Não tenha medo de si mesmo. Voe!”

Um tempo depois, ele voltou para me ver e disse que aquela

conversa tinha sido tão forte que ele tinha deixado o medo de

lado e se permitido voar. Perguntei como era a sensação. Ele

contou que era como se não houvesse limites para a liberdade

que ele sentia. Nenhum limite.

Nossa natureza é ser livre. O que nos prende pode não ser

tão grande assim. Mas é preciso nos conectarmos com a

necessidade interior. Você consegue sentir essa necessidade de


liberdade dentro de você? Consegue se libertar para olhar com

os olhos do divino dentro de você?

Quando eu estava crescendo, aprendi com os pássaros uma

lição sobre a liberdade. Se você pegar um pássaro livre e o

colocar numa gaiola, ele vai fazer de tudo para sair. Mas sabe o

que acaba acontecendo depois de algum tempo? Ele vai

aprender a viver na gaiola. Um dia, se você abrir a porta da

gaiola, adivinha? O pássaro não vai sair voando. Sei disso

porque uma vez tentei libertar alguns pássaros que estavam

presos e eles não saíram do lugar. Tinham se esquecido do que

significava liberdade. O mesmo pode acontecer conosco.

O que quer que esteja acontecendo em nossa vida, somos

livres para nos conectar com a realidade de quem somos —

para sermos livres de ser controlados pelo que está

acontecendo lá fora —, mas precisamos escolher isso por nós

mesmos. Conforme o ritmo de nossa respiração aumenta e

diminui, ele nos traz o milagre da vida. Volte-se para dentro e,

a cada momento, você pode escolher se conectar com a paz

infinita dentro de você. Volte-se para dentro, e o ruído do

mundo se transforma em silêncio, permitindo que você escute

a música divina do agora. Volte-se para dentro e escute sua

melodia interior. Comece!


timeless today

Há mais de cinquenta anos, prem rawat vem


discursando para centenas de milhões de pessoas em
mais de cem países com o objetivo de espalhar sua
mensagem de paz. Nascido na Índia, fez seu primeiro
discurso público aos quatro anos de idade e, aos treze,
começou a palestrar ao redor do mundo. Prem é autor
best-seller e também piloto, fotógrafo, compositor, pai
de quatro filhos e avô de quatro netos.
Copyright © 2021 by Rawat Creations

O selo Fontanar foi licenciado pela Editora Schwarcz S.A.

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de


1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

título original Hear Yourself: How to Find Peace in a Noisy World

capa Eduardo Foresti/ Foresti Design

preparação Tamara Sender

revisão Luciana Baraldi e Bonie Santos

versão digital Rafael Alt

isbn 978-65-5782-384-2

Todos os direitos desta edição reservados à

EDITORA SCHWARCZ S.A.


Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32

04532-002 — São Paulo — SP

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