Susan Mallery - Magia Do Caribe
Susan Mallery - Magia Do Caribe
Susan Mallery - Magia Do Caribe
REVISÃO: CLARICE
FORMATAÇÃO: MARISA
Susan Mallery
MAGIA DO CARIBE
ARLEQUIN®
— Seu tio Jarrett nasceu para correr o mundo, Anna Jane. Por isso não
estará aqui no Natal.
Não falava ao tio sobre aquele medo por não acreditar que ele
entendesse. Homens que dirigiam impérios dificilmente se preocupariam com
criaturas imaginárias beliscando quem quer que fosse.
Anna Jane caminhou até a janela e olhou para o profundo azul do Mar
do Caribe. As ondas quebravam na praia. Ela gostava da praia, embora não
tivesse permissão para ir sozinha até lá. Gostava dos cheiros da ilha e do sol
quente, mesmo sendo dezembro. Às vezes lembrava-se de que em Nova York,
onde morara até poucas semanas antes, devia estar nevando. Quando pensava
nisso sentia saudade dos amigos, do quarto que tinha lá e de Nana B.
Anna Jane apertou os olhos para não chorar. Criancinhas choravam, mas
ela já era quase uma moça. Mesmo assim era difícil superar a solidão. Se ao
menos tivesse um amigo na ilha, alguém com quem pudesse brincar ou
conversar, alguém que a abraçasse e se lembrasse de que dentro de duas
semanas seria Natal... Dificilmente tio Jarrett se lembraria disso e ela ainda não
havia pensado numa forma de chamar a atenção dele para o fato.
Anna Jane sorriu. Talvez devesse fazer a mesma coisa... Mandar uma
mensagem numa garrafa procurando um amigo.
À porta de saída Anna Jane franziu a testa, com duas preocupações: não
podia ir sozinha até a praia e não queria que ninguém soubesse da garrafa.
Além disso, as ondas poderiam empurrar o recipiente até as rochas e quebrá-
lo. Mas no outro lado da propriedade havia um lago raso de onde partia um
riacho que desaguava no mar. Ela poderia deixar ali a garrafa, que seria
levada embora.
Dez minutos mais tarde Anna Jane ficou olhando para a garrafa
flutuando na água. A corrente era vagarosa, movendo-se preguiçosamente
para uma curva do riacho, mas logo a garrafa com o bilhete alcançaria o mar.
Então, ela juntou as mãos, rezando para que alguém encontrasse a mensagem
e se mostrasse disposto a aceitar a amizade oferecida...
1
Talvez não tivesse sido boa ideia ir tão cedo para a ilha. Uma mudança
no calendário escolar encerrara o semestre duas semanas inteiras antes do
Natal. Preferindo não ficar em casa até que as irmãs e seus maridos saíssem de
férias, ela resolvera partir mais cedo. O chalé já reservado estava disponível e
só foi necessário antecipar a data da ocupação. Ela teria sozinha dez dias de
sol, surfe e o que mais se fazia em lugares como aquele. Infelizmente, logo no
meio do primeiro dia estava entediada.
Devia ser pela falta de costume. Naquele semestre não fora fácil lidar
com a turma da quinta série. Tendo que cumprir as exigências do trabalho,
manter-se em contato com as duas irmãs e planejar o próprio futuro, ela não
tinha tempo livre. Levaria alguns dias para se acostumar ao ócio. No
momento, talvez uma boa caminhada aplacasse aquela inquietude.
Em volta do lago havia uma calçada de pedras lisas que passava bem
perto da água. Fabiana saiu caminhando vagarosamente, inspirando a doçura
do ar tropical. Pássaros cantavam nas árvores, pulando de galho em galho.
Flores coloridas brotavam dos arbustos na lateral da calçada.
Quando dobrou uma curva ela teve a atenção chamada por alguma coisa
que boiava na água. A princípio a coisa pareceu um peixe, mas tinha um outro
formato e estava sempre na superfície. Fabiana se aproximou, estendeu a mão
e pegou uma garrafa de vidro. Lá dentro havia um pedaço de papel enrolado.
Meu nome é Anna Jane e tenho nove anos. Moro numa casa bem grande no
extremo norte da ilha. Não tenho ninguém com quem brincar. Se você encontrar esta
mensagem, espero que venha me visitar e aceite a minha amizade.
O formato da ilha do mapa era o de Santa Alícia e a casa devia estar ali
perto. Se os pais da menina concordassem, ela gostaria de visitar aquela
criança solitária. Pelo menos teria alguma coisa para fazer.
— Sabe onde fica essa casa, Joshua? — ela perguntou, pondo o papel em
cima do balcão.
— O dono do hotel?
— Sim.
— Mas tem que haver — persistiu Fabiana, virando o papel para mostrar
o bilhete. — Foi ela quem escreveu isto.
— O patrão não tem nenhum vizinho, mas é fácil chegar à casa dele. Siga
pela praia na direção norte. Fica a uns seis quilômetros daqui. Logo
reconhecerá o lugar. Mas vá preparada, porque o sr. Wilkenson não gosta de
companhia.
Joshua sorriu.
Depois de sair e fechar a porta, rumou para a praia. Passava pouco das
oito horas e havia apenas umas poucas pessoas fazendo cooper na beira da
água.
— Ligarei para você mais tarde, Roberts. Tenho que resolver uma coisa
aqui.
Dito isso ele desligou, sem esperar pela resposta. Em seguida, pressionou
os botões de um outro número. Quando uma mulher atendeu, Jarrett
informou que havia uma pessoa ferida na praia e ordenou que o médico fosse
mandado imediatamente para lá.
Uma misteriosa mulher arrastada pela água até a praia dele. Jarrett fez
cara feia. Era um bom truque... Original, embora arriscado. Mas sempre havia
aquelas dispostas a correr riscos incríveis na esperança de fisgá-lo. E ele havia
pensado que ali estaria a salvo desse assédio...
— Tio Jarrett?
A garota estava com o lábio inferior trêmulo. Às vezes ele via em Anna
Jane traços da irmã. Eram expressões, palavras pronunciadas num certo tom
ou cadência, coisas que o levavam de volta a um passado quase esquecido. Em
outras ocasiões, porém, a sobrinha era uma desconhecida. Talvez fosse porque
ele a vira apenas meia dúzia de vezes antes de se tornar guardião dela. Na
verdade, até levá-la para a ilha logo depois do enterro de Tracy, eles nunca
tinham estado juntos por mais de poucas horas.
— Não há nenhum mal nisso — disse Jarrett, girando o corpo para voltar
a caminhar para a praia.
Então ele parou e olhou para trás, pensando nas palavras da menina.
Estava me sentindo sozinha.
A solidão era uma coisa que Jarrett conhecia bem. Havia aprendido a
aceitá-la como alguém aceitava uma dor crônica ou a presença de um visitante
importuno. Mesmo assim não pensara na possibilidade de que uma criança se
sentisse solitária.
— O que mais você fez, Anna Jane? — ele perguntou, desejando poder
fazer o melhor pela sobrinha.
Como mamãe. Anna Jane não disse as palavras, mas Jarrett ouviu-as
claramente. Solidão e culpa, os dois cães que guardavam a entrada do inferno.
Como ele explicaria que nada do que havia acontecido era culpa da menina?
Chegando perto da praia Jarrett viu que Frank e Leona, o casal que
trabalhava na propriedade, ele como jardineiro e ela como doméstica, já
estavam lá, abaixados ao lado de uma figura deitada na areia.
— Oh, sr. Wilkenson, estou vendo que Anna Jane lhe falou sobre a
mulher. Pobrezinha. — A mulher fez um gesto na direção da desconhecida. —
Ela está respirando, mas não se mexe. O senhor chamou o médico? Sabe quem
é ela? Talvez seja uma hóspede do hotel. Ou alguém que participava de uma
excursão marítima. Pode ter caído do barco.
— Ótimo.
— O que...
— Doída, mas acho que estou bem — disse a moça, levando a mão à
testa. — Parece que bati em alguma coisa.
— Ótimo. — John olhou para Jarrett. — Quero que ela fique em repouso
por um dia antes de ser transportada para outro lugar, mas acho que vai ficar
boa.
— Você deve ficar na cama pelo resto do dia. Está apenas saindo do
estado de choque e seu corpo precisa se recuperar. Estou vendo que ficou
exposta ao sol durante muito tempo. — Nesse ponto o médico riu, parecendo
perceber que havia cometido uma gafe. — Desculpe, mas me esqueci de
perguntar o seu nome.
A mulher sorriu.
Por alguns instantes ela manteve a boca aberta. Moveu os lábios mas não
emitiu nenhum som. Parou de sorrir e ficou com os olhos muito abertos.
Sentando por trás da mesa, Jarrett ficou girando nos dedos a caneta
Mont Blanc. Esperou enquanto o amigo se servia de um scotch no pequeno bar
que havia ao fundo do escritório. Só falou depois que John tomou um gole e
caminhou até janela.
— Fiz o exame mais meticuloso possível. Os sinais vitais são bons e não
há evidência de lesões internas. Restam algumas escoriações causadas pelo
choque com alguma coisa dura, provavelmente um rochedo, e por mais
alguns dias ela não se sentirá cem por cento, mas fora isso está... digamos
assim, em excelente forma.
— Ela precisa descansar — prosseguiu John. — Sei que você quer vê-la
pelas costas, mas resista a expulsá-la pelo menos até amanhã.
— Não sou tão desumano assim — disse Jarrett, com frieza na voz. —
Acha que ela está fingindo?
— Eu conheço as mulheres.
— Se sabe que ela está fingindo, por que pede a minha opinião?
— Já passei por isso. Não quero fazer papel de idiota outra vez.
— Está certo. Faremos do seu jeito, mas acho que está exagerando. É
possível que essa misteriosa moça seja apenas isso: um mistério. Pode não ser
uma caça- marido ou uma mulher que usa de subterfúgios para começar um
relacionamento com você.
— Anna Jane estará segura aqui — decidiu Jarrett. — Você disse que a
moça poderá ser levada embora amanhã pela manhã, não disse?
— Uma boa noite de sono é o suficiente. Você pode usar esse tempo para
descobrir se ela está fingindo ou não. Se a mulher realmente quer fazê-lo de
idiota, como é sua crença, desmascare-a. Se a amnésia for verdadeira, você
apenas terá passado algumas horas na companhia de uma bela mulher. Há
destinos piores.
Jarrett ignorou o último comentário. Não era como o amigo, que vivia
ansioso por companhia feminina.
John levantou-se.
— Faça como quiser, mas não acredito que não esteja pelo menos um
pouco curioso.
Anna Jane bateu de leve na porta do escritório, que estava aberta. O tio
dela ergueu a cabeça. Desfazendo por alguns instantes a expressão dura,
acenou para que ela entrasse.
— Pensei que você estava com a nossa misteriosa hóspede — ele disse,
com brandura.
— Ela está dormindo. O dr. John disse que a moça ficará boa. É verdade?
Anna Jane assentiu. Gostaria que o tio a puxasse para perto e a abraçasse,
mas não foi o que ele fez.
Uma leve mudança no semblante do tio mostrou que ele não havia
gostado do que acabara de ouvir. Mas atendeu ao pedido.
— Obrigada — murmurou Anna Jane. — Por que não gosta dela, titio?
Talvez, ela pensou. Se alguém tinha poder para fazer com que tudo desse
certo, esse alguém era tio Jarrett. Afinal de contas, o homem dirigia um
império.
— Mora aqui na ilha? — Então ela franziu a testa. — Isto aqui é uma ilha,
não é?
Não que ela não sentisse saudade da mãe. Sentia, de uma certa forma.
Assim como tinha saudade da professora ou da governanta. Mas não era um
sentimento como devia estar pensando a simpática moça. Ela não chorava à
noite por sentir a falta da mãe. Essas lágrimas eram reservadas para Nana B.
Era um pecado amar a babá mais do que a própria mãe, mas ela não podia
mudar o que sentia. Só rezava para que Deus entendesse.
— O que é isso?
A mulher suspirou.
A mulher sorriu.
A mulher riu.
— Ora, não tem importância. Você está muito certa. E agora, a roupa
certa para mulheres machucadas — disse, numa voz impostada, como uma
apresentadora de televisão que mostrasse um desfile. — O que neste verão
mais se usa nos trópicos. Vista-se de acordo com a moda.
— Você não ri muito — disse, passando um dos braços por cima dos
ombros dela. — Dá para ver isso.
— Uma princesa?
— E um lindo príncipe.
— Vim ver como está a nossa hóspede. — Olhando para a mulher ele fez
um polido cumprimento de cabeça. — Como está se sentindo?
Anna Jane desceu da cama. Tio Jarrett estava enraivecido. Era possível
ver isso pela postura dos ombros e pelo aperto dos lábios. Mas não era por
causa dela, isso estava claro. O motivo só podia ser a misteriosa moça. Mas
por que ela deixaria tio Jarrett aborrecido?
— Que conveniente.
— Pelo tom de voz ele estava querendo dizer que não havia a menor
conveniência naquilo. Anna Jane sentiu-se constrangida.
— Não será. Tio Jarrett está sempre muito ocupado. Em geral janto
sozinha.
—Eu gostaria de saber o seu nome — voltou a falar Anna Jane. — Vamos
ter que chamá-la de alguma coisa.
Mas desta vez ele não partiria. Não só por não querer deixar Anna Jane
sozinha, como também porque sabia que o tipo de mulher que em geral
procurava não o ajudaria em nada naquele momento.
— Escolha você.
— Você estava na água, por isso pode ser comparada com uma sereia... E
se nós a chamarmos de Ariel? Não era esse o nome da sereia daquele filme de
Walt Disney?
Em geral janto sozinha. Aquilo era verdade, embora ele não estivesse se
alheando intencionalmente da vida da sobrinha. Possuía hotéis em todos os
cantos do mundo e, por causa das diferenças de fusos horários, recebia
telefonemas nos horários mais absurdos.
Não havia dúvida de que, como o normal das mulheres, passava uma
pequena parte do dia olhando-se no espelho. Talvez apenas para verificar se a
pele estava limpa, talvez para aplicar cosméticos. Na adolescência muito
provavelmente examinara as próprias feições, tentando concluir se era ou não
bonita. Toda pessoa acabava se acostumando com o formato do próprio rosto,
pequenas imperfeições, sardas, cor da pele. Mesmo assim o rosto que a fitava
no espelho era o de uma desconhecida. Ela seria capaz de jurar que nunca o
vira.
— Puxa, eu não estava com fome até você começar a falar em comida,
mas agora estou faminta — ela disse, terminando de descer a escada. — Ainda
bem que o dr. Reed me permitiu descer.
— Também estou com fome — disse Anna Jane, sem parar de olhar para
a escada.
Ariel voltou-se.
— O que foi?
— Esta casa é muito grande. Aposto que há muitos lugares aqui que
podem servir de esconderijo para monstros. Mostrarei a seu tio os que eu
encontrar e ele os expulsará. Enquanto estiver aqui, terei prazer em subir a
escada com você.
Anna Jane abriu um largo sorriso.
Ariel ficou intrigada. Como a menina podia ter tanta certeza? Nada
parecia real. Talvez estivesse acontecendo justamente isso. Talvez ela estivesse
apenas sonhando. Isso explicaria os conhecimentos que parecia ter sobre
psicologia infantil. Por outro lado, mesmo se tratando de um sonho, não era
normal a pessoa não se lembrar do próprio nome.
— Por quê?
— Por ter lhe mandado o bilhete na garrafa. Foi por isso que você veio
até aqui. — Anna Jane juntou as mãos e torceu os dedos. — Eu disse que
queria uma amiga, mas não imaginei que você se machucaria.
— Querida, não foi culpa sua. Não foi culpa de ninguém. O dr. Reed me
falou sobre o bilhete e explicou os perigos da maré naquela enseada. Você não
podia saber que eu viria por aquele caminho. Está tudo bem, acredite.
— Tem certeza?
Pelo menos era o que havia prometido o médico. Ariel rezou para que ele
estivesse certo.
Quando se voltou, ela viu Jarrett parado num dos degraus mais baixos
da escada. Não havia percebido a aproximação dele.
Sentia-se forçada a admitir que aquele era o homem mais belo que já
vira. Naturalmente os únicos homens de quem conseguia se lembrar eram
Frank, o jardineiro de meia-idade, e John Reed, o médico. Mas isso não tinha
importância. Ela sabia que, mesmo se olhasse para milhares de outros homens,
não encontraria nenhum que se comparasse a Jarrett Wilkenson.
Era um homem perigoso. Ela não precisava contar com a memória para
perceber isso.
Ariel ficou boquiaberta. Por acaso aquilo tinha sido uma demonstração
de senso de humor? Vinda de Jarrett Wilkenson? Talvez ele não fosse tão
formal quanto ela havia imaginado.
Quando se voltou novamente para ela, o homem estava outra vez com o
semblante fechado. Não, não tinha sido imaginação. Ele não gostava dela, fosse
por que motivo fosse. Mas isso não tinha importância. Ela só precisava
terminar o jantar. Na manhã seguinte iria para o hotel e começaria a busca da
própria identidade.
Depois de ler três vezes o bilhete, ela olhou no verso e estudou o mapa.
Ela não sabia como aquilo podia estar acontecendo. Mas era realidade e
aquilo a deixava cheia de frustração. Uma frustração com uma ponta de medo.
Antes que ela pudesse responder, Leona começou a servir o jantar. Como
esperado, a comida estava excelente. Jarrett foi um anfitrião perfeito,
mantendo uma conversa leve durante toda a refeição. Vez por outra, porém,
Ariel vislumbrava alguma coisa nos olhos dele. Ou percebia uma ponta de
raiva na voz do homem. Ele a considerava culpada de alguma coisa, embora
ela não conseguisse imaginar o que fizera de errado. Uma coisa era certa:
precisava sair dali, e depressa.
Durante a sobremesa, Ariel rezou para ter mesmo uma família. Talvez
um par de irmãos grandalhões que pusessem medo em Jarrett.
Claro, pensou Ariel. Vamos falar dos motivos que você tem para não gostar de
mim. Mas era melhor continuar no assunto de antes.
— Não sei onde nasci, mas acho que sou americana. Será que tenho
algum sotaque?
Ariel sorriu.
— Pelo menos podemos ver que você aprendeu sua lição de geografia.
— Não tenho ido à escola desde que cheguei aqui, mas vou ter que voltar
às aulas depois do Natal. Não é isso, tio Jarrett?
Ariel sentiu pena da menina. A perda de um dos pais era uma coisa
horrível. Ela não saberia dizer como entendia aquela dor, mas entendia.
Cedendo a um impulso, estendeu a mão por cima da mesa e acariciou a da
garota.
— Fico feliz por você estar aqui, Ariel. Fico feliz por ter sido a pessoa que
encontrou o meu bilhete.
Ariel assentiu, como se ela também estivesse feliz. Mas isso não era
verdade. Se não houvesse encontrado o bilhete e quase se afogado na enseada,
não teria perdido a memória. Poderia voltar para a antiga vida. Fosse ela
quem fosse.
— Por quê?
— Mas é doloroso pensar que ninguém sente a minha falta — ela disse,
parecendo falar para si própria.
Jarrett perguntou-se por que Ariel dizia aquilo. Viver sozinho não
chegava a ser uma maldição. Era assim que ele passara a maior parte da vida.
E por opção própria. Quando era viva, a irmã dele o censurava por não visitar
ninguém, mas ele nem discutia o assunto. Ficar sozinho era sempre mais fácil
do que estar com outras pessoas.
— Acho que não há nada que eu possa fazer agora. Pela manhã... Bem,
pensarei em alguma coisa.
Ela parecia tão solitária e desorientada quanto Anna Jane ao chegar ali.
Apesar do próprio cinismo, Jarret viu-se desejando dizer alguma coisa para
confortá-la. Precisou se conter para não convidá-la a ficar na casa até recuperar
a memória.
O resto de cor que havia no rosto de Ariel desapareceu. Ela abriu a boca,
mas aparentemente não conseguia falar. Jarrett, que se considerava um bom
avaliador do caráter das pessoas, por um momento ficou em dúvida.
— É isso o que você pensa? — perguntou Ariel, com a voz trêmula. —
Acha que estou fingindo só para me aproximar de você?
Ela enfatizou a última palavra, empregando o tom de voz que em geral
se usava para descrever insetos repugnantes.
— Para ser honesto, sim — respondeu Jarrett.
— Sei, sei. Você vive num mundo muito interessante, Jarrett
Wilkenson. Até o momento eu invejava a sua linda casa e sua bonita ilha, mas
você acaba de me curar disso. O medo e a desconfiança é o preço que paga
para ter tudo isso. Não estou nem um pouco interessada. Quando a querer
conquistá-lo... —Levantando-se, ela pôs as duas mãos sobre a mesa e
debruçou-se para o lado dele. — Você é um homem bonito, mas não tão
bonito. Eu posso não me lembrar de quem sou nem de onde venho, mas
aposto que não estou tão desesperada a ponto de arriscar minha segurança só
para me aproximar de um homem como você.
Dito isso, ela se voltou e marchou para a porta.
Jarrett respeitava demonstrações de altivez.
— Se está falando sério, não fará objeção a ser levada de volta para o
hotel amanhã de manhã.
Ariel girou o corpo e encarou-o.
— Eu preferiria ser levada para lá esta noite mesmo.
— O dr. Reed insistiu para que você passasse a noite aqui. Está
preocupado com sua saúde.
Os olhos da mulher fuzilaram. Ela estava com o orgulho ferido, o que
Jarrett quase podia sentir.
Ariel continuou a olhar para ele, como se quisesse dizer mais alguma
coisa. Depois arriou os ombros. Por um momento, com a silhueta desenhada
contra a porta aberta, parecia outra vez sozinha e abandonada.
A menina sorriu.
— Sim, há mais de uma hora. Está aqui para me dizer que devo apagar a
luz.
— Vim para cobri-la quando se deitar.
— Foi mesmo?
Anna Jane deitou-se de costas na cama e ele viu a lombada do livro que
ela segurava. Era a história de um menino e um cavalo. Jarrett se lembrava de
ter lido o livro quando era menino.
— Mas...
A menina suspirou.
— Não, mas...
— Por que ela não pode ficar aqui enquanto isso não acontece? Eu a
manterei fora do seu caminho, tio Jarrett. Você nem perceberá que ela está
aqui.
Jarrett devia ficar irritado, mas sorriu. Depois acariciou o rosto de Anna
Jane.
— Essa sua lógica funcionaria com uma mascote, mas não com uma
mulher adulta.
Ariel ali? Ele suportaria isso? Embora ainda houvesse uma longínqua
possibilidade de que a amnésia não fosse fingimento, aquela mulher
significava problema.
— Como assim?
— Eu quis dizer que vou levar em conta o seu pedido. Mas, se Ariel ficar,
você terá que dar comida a ela e levá-la para passear todos os dias. E fique
atenta para que ela não faça xixi nos meus sapatos.
Anna Jane riu da brincadeira. Quando estendeu os bracinhos para
envolver o pescoço dele, Jarrett perguntou-se o que tinha feito para merecer
aquela demonstração de afeto.
Logo que saiu do banho, Ariel olhou pela janela para a luminosa manhã.
Já estava farta de se olhar no espelho tentando ver alguma coisa de que se
lembrasse. Na noite anterior, havia passado mais de uma hora examinando
diferentes ângulos do próprio rosto, só conseguindo uma monumental dor de
cabeça.
Amnésia podia dar certo no cinema, mas na vida real provocava uma
sensação horrível.
Irritada por não conseguir se lembrar nem dos próprios costumes, ela
escovou rapidamente os cabelos e prendeu-os num rabo-de-cavalo.
— Se veio até aqui para não deixar que eu me atrasasse, não precisava se
preocupar. Não tenho nenhuma intenção de deixar seu motorista esperando.
Ele continuou falando, mas Ariel não ouvia nada. Como poderia? A
primeira comunicação, feita com palavras frias, a deixou como um náufrago
que visse a tábua de salvação ser levada por uma onda forte.
— Ninguém.
Aquilo não era possível. Como ela podia não ter ninguém no mundo?
Não era direito.
Ela queria perguntar como ele tinha tanta certeza. Na certa não tinha.
Apenas dizia o que devia ser dito. Não para ser simpático, mas para que ela
não ficasse histérica e causasse ainda mais problemas. Isso se acreditasse nela
ao menos um pouco.
Além da notícia que acabara de receber, Ariel ainda estava abalada pela
acusação de que fingia a amnésia apenas para se aproximar dele. Por que uma
mulher, qualquer mulher, usaria uma tática tão desesperada com um homem
como aquele?
Pensar nas outras ilhas era algo que dava um pouco de esperança, mas
no íntimo Ariel sentia que tinha estado apenas em Santa Alícia. Não era mais
que uma sombra do passado vislumbrada pela consciência, mas suficiente
para que ela tivesse certeza. A mesma sombra oferecia o conforto, quase em
forma de lembrança, de que alguém, em algum lugar, gostava dela.
Ariel não saberia dizer se ele estava sendo sarcástico ou apenas falando
por falar. Preferiu não tentar descobrir.
— Como assim?
Que tristeza, pensou Ariel. Embora aquele homem já tivesse dito sem
meias palavras o que pensava dela, era impossível não sentir pena dele. Como
alguém podia não dar importância aos festejos natalinos? Era a época da
solidariedade. Mas Jarrett Wilkenson parecia ser do tipo de homem cuja
solidariedade era proporcional à confiança.
— Agora você já não mora sozinho — disse Ariel. — Tem que pensar em
Anna Jane. Apesar da morte da mãe, ou justamente por causa disso, ela
precisa saber que a vida continua. A falta da mãe tornará este Nata horrível
para Anna Jane, e você deverá estar preparado para isso. Ela precisará da sua
presença.
— Não tenho certeza, mas sei do que estou falando. — Por acaso ele
pensava que ela estava inventando aquilo tudo? — Sei o que pensa de mim,
mas por favor não deprecie tudo o que eu digo. Não quero ser rude... embora
até ache que tenho esse direito, depois de tudo o que fui obrigada a ouvir na
noite passada, mas você não conhece muito bem a sua sobrinha. Só uma
criança muito solitária mandaria uma mensagem dentro de uma garrafa em
busca de uma nova amizade.
— Não nego o fato de que as coisas têm sido difíceis para Anna Jane.
—Não.
Ariel suspirou.
— Não sei, mas tenho tanta certeza disso quanto... — Ariel parou no
meio da frase. — Bem, tenho certeza e pronto.
Jarrett já havia declarado que não acreditava nela, mas era quase possível
ver o conflito que se travava no íntimo do homem. Parecia não ser capaz de
encontrar nenhum argumento para rebater o que ela dizia. Pelo menos
merecia o crédito de estar cuidando da sobrinha.
— Pela nossa conversa de ontem à noite, concluo que você não é casado
— disse Ariel.
— Vou tomar isso como uma confirmação, o que é ruim. Uma tia, mesmo
postiça, tornaria as coisas bem mais fáceis para Anna Jane.
— Não. — A certeza a fez falar sem pensar. Então ela se pôs de pé. —
Não, não sou casada.
— Fez faculdade?
— Sim.
— Qual?
Por alguns instantes ela buscou a resposta na lembrança.
— Não me lembro.
— É filha única?
— Não.
— Não sei.
Jarrett fez mais algumas perguntas antes que ela o mandasse parar.
Jarrett não respondeu. Na verdade, Ariel não havia esperado por isso.
Afinal de contas, ele achava que aquilo não passava de uma encenação dela. A
frustração a dominou.
Jarrett não disse nada e ela até pensou que ele havia saído. Depois sentiu
os pêlos da nuca retesados e concluiu que era atentamente observada. Sem
dúvida, ele achava que ela merecia o Oscar pela atuação como atriz. Ah, o
cretino!
— Como assim?
— Não sei. Vou circular e conversar com os hóspedes, acho. Mas não se
preocupe. Não causarei problemas nem serei intrometida. Mas que
importância terá o que eu fizer? Estarei fora da sua vida e é isso o que importa.
— Você tem razão sobre Anna Jane — disse Jarrett. — Ela é de fato uma
criança solitária, mas não sei o que fazer quanto a isso.
— Lidar com crianças não é tão complicado assim. Passe algum tempo
com ela, ame-a. É uma fórmula bem simples.
— Como é Natal, vou citar uma frase que Charles Dickens escreveu no
seu livro Uma Canção de Natal: "A humanidade é o nosso negócio". Acho bom
você se lembrar disso, para o caso de ser visitado por alguns fantasmas.
— Sim, mas você acha que tudo não passa de um mirabolante plano
meu. Eu já tinha tudo planejado e tive a sorte de encontrar a garrafa, ou achei
o bilhete e, num impulso, tive a ideia de vir seduzi-lo. Já discutimos isso antes.
Qual é a grande ideia agora?
Era muito mais fácil dizer o que tinha na cabeça estando de costas para o
homem. Ela procuraria se lembrar disso se eles viessem a ter uma outra
discussão.
— Eu te odeio.
— Isso é verdade.
— Isso é loucura.
— A decisão é sua.
Então, ela pensou no que ele dissera sobre ficar sozinha no hotel nas
festas natalinas. O homem tinha razão. Além disso, para ser honesta, ela
estava apavorada com a ideia de voltar sem saber quem era.
— Obrigada, Jarrett.
Com isso, ele saiu, sendo observado por Ariel enquanto descia a escada.
Quais eram os segredos daquele homem? O que o ferira tanto que, mesmo ele
sendo generoso, mantinha-se tão resguardado?
— Claro.
A princípio Jarrett havia pensado que tudo fazia parte do plano dela.
Quando começou a ouvir a conversa das duas, porém, passou a ter outros
pensamentos. Ariel não procurava obter de Anna Jane informações sobre ele,
assim como não dizia coisas que a engrandecessem aos olhos da sobrinha dele.
Em vez disso, perguntava sobre a escola e os amigos da menina. Nas
conversas que ouvira em apenas uma manhã, Jarrett aprendera mais sobre a
sobrinha do que nas semanas que convivera com ela.
— Claro.
— Ah, que bom! Você não se esqueceu do Natal!
Jarrett reparou que Ariel os observava. Ficou esperando, mas ela não se
referiu ao fato de que, embora soubesse que o Natal estava próximo, ele só
pensara em enfeitar a casa para a ocasião depois de ser lembrado por ela de
que isso agradaria a Anna Jane.
— O tamanho parece certo, mas não precisava ter vindo tanta coisa.
— A maior parte dessas coisas pode ser mandada de volta, a menos que
você esteja planejando algum evento formal.
— Leona!
— Vive, sim — desmentiu-o Anna Jane, olhando para ele mas dirigindo-
se a Ariel. — Tio Jarrett nem conversa com Deus, enquanto os monges fazem
isso o tempo todo.
— De nada.
Se fosse responder, Jarrett teria que dizer que era um homem rico e as
pessoas nunca pagavam pelo que recebiam dele. Em geral procuravam
arrancar ainda mais Ariel aproximou-se dele e abaixou a voz.
— Não sei como são seus amigos, mas talvez você deva pensar em fazer
novas amizades. Mesmo que eu ganhe apenas o salário mínimo, juro que lhe
pagarei pelas roupas. Talvez demore, mas conseguirei.
Jarrett não soube o que responder. Havia convicção nos olhos da mulher.
Sem dúvida, ela mentia sobre as outras coisas, mas parecia sincera ao dizer
que pagaria pelas roupas.
5
— Esse tempo bom é uma delícia — disse Anna Jane, sentada no centro
da cama.
— Não aqui.
Ariel sorriu.
— E dos amigos?
— Entrei naquela em setembro e por isso não tinha muitos amigos, mas
tenho saudade de alguns professores.
Aquele comentário fez com que Anna Jane se sentisse melhor. Era
engraçado. Por fora Ariel e Anna B. não eram nem um pouco parecidas. Com
quase sessenta anos, a antiga babá dela era miudinha, tinha cabelos brancos e
olhos negros. O que Ariel tinha para lembrar Nana B. era o jeito de falar.
Ariel olhou para ela e abriu a boca, mas não respondeu logo. Antes de
falar franziu a testa.
— É até bom perguntar. Há coisas que só percebo que sei depois que
respondo. Mas filhos... Que estranho. — Ariel levantou-se e pôs as camisetas e
os shorts dobrados no gavetão aos pés da cama. Depois retornou ao mesmo
lugar. — Meu primeiro impulso foi responder que não tinha filhos, mas
depois pensei em dizer que sim. — Por alguns instantes ela ficou alisando os
cabelos, pensativa. — Acho que não tenho filhos meus, mas há crianças na
minha vida.
— Amigos?
Anna Jane não queria que houvesse outras crianças na vida de Ariel.
Queria ser a única. O que era uma tolice. Depois do almoço Leona havia
explicado que Ariel ficaria ali apenas temporariamente. Mas parte de Anna
Jane não queria acreditar naquilo, preferia pensar que a nova amiga ficaria por
muito tempo.
— Você está séria por algum motivo. Não quer me contar qual é?
Ariel tentou ler a expressão de Anna Jane, certa de que havia alguma
coisa. Infelizmente, a menina havia herdado a habilidade da família
Wilkenson para esconder o que sentia.
— Ainda temos algumas horas antes do jantar. Podíamos fazer alguma
coisa.
— Não quer explorar a casa? Ainda não vi muita coisa. Ela é tão grande
que podemos até fingir que nos perdemos, fazendo com que Leona vá nos
procurar.
Dito isso ela ficou com a boca fechada. Ariel resistiu à vontade de fazer
mais perguntas. De alguma forma sabia que era melhor esperar. Parecia até
que já havia passado por uma experiência semelhante. Seria verdade?
— Sim. — Rolaram mais lágrimas, que Anna Jane afastou com a mão. —
Ela parou de trabalhar em setembro, quando eu fui para a nova escola. Hoje
mora com uma irmã. Sinto tanta saudade dela.
— Ah, querida, é claro que sente saudade. Ela estava com você todos os
dias. E tenho certeza de que Nana B. também sente saudade de você. — Ariel
abraçou a menina. — Eu nunca tive babá... ou pelo menos não me lembro
disso, mas sei que deve ser uma relação muito especial. É duro para você ter
perdido a babá e a mãe com uma diferença de poucos meses.
— Não há nada demais no amor. Você amava sua mãe e sua babá de
formas diferentes porque as duas ocupavam lugares diferentes na sua vida.
Nana B. participava dos seus pequenos momentos. Nós sentimos mais falta
dos pequenos momentos porque eles são muitos. Isso... faz sentido para você?
— Faz, sim.
Ariel não sabia de onde vinha o conselho que estava dando, mas Anna
Jane mostrava-se confortada e era isso o que importava no momento.
— Por quê?
— Está certo. Ela é grande mesmo. Tem uma porção de quartos e até um
telescópio no sótão.
— Você é engraçada.
Ainda rindo, a menina caminhou para fora do quarto. Ariel seguiu atrás,
perguntando-se por que achava tão fácil fazer amizade com a criança. Talvez
tivesse trabalhado como babá para alguma família rica. Ou era professora?
Podia também ter trabalhado num consultório pediátrico, como enfermeira ou
médica assistente.
Mais tarde ela procuraria uma resposta para a questão. Por enquanto
tentaria se divertir no passeio pela bonita casa de Jarrett.
Elas começaram pelas partes mais altas. Como dissera Anna Jane, no
sótão, espaçoso e de muitas janelas, havia um telescópio que devia ter custado
um bom dinheiro. No andar logo abaixo espalhavam-se pequenos quartos e
uma grande sala de jogos muito bem equipada, contando entre outras coisas
com uma mesa de bilhar e um aparelho de TV de tela bem grande.
Ariel olhou para o espelho que havia diante dele. A imagem refletida
mostrava quase de frente o homem que se exercitava. As pernas eram ainda
mais sedutoras vistas de frente. O abdômen era musculoso e reto. Mesmo o
rosto mostrava firmeza e força.
Ainda estava sem solução o mistério que era Ariel. Ninguém aparecera
para comunicar o desaparecimento dela, em Santa Alícia ou em qualquer uma
das ilhas vizinhas. Ela até havia parado de se mostrar esperançosa sempre que
o via, como se ele estivesse se aproximando para levar notícias boas. Talvez
houvesse se conformado com a possibilidade de nunca ser resgatada daquela
situação.
A certa altura ele percebeu que a sala estava silenciosa. Talvez Ariel e
Anna Jane houvessem resolvido ir a praia. Da janela do escritório era possível
ter uma vista de cento e oitenta graus do oceano. Ele podia ir até lá para ver se
Ariel não estava de roupa de banho, deixando à mostra aquelas pernas
tentadoras...
Mas que droga! Ele precisava parar com aquilo! Além do mais, a mesa
estava cheia de trabalho.
Com muito esforço, Jarrett concentrou-se no que tinha para fazer. Depois
de examinar alguns relatórios, ligou o computador para se informar sobre o
andamento da campanha destinada a incentivar o turismo interno nos países
onde a rede de hotéis dele atuava. Era bom ver que o programa estava sendo
um sucesso muito maior do que o esperado.
Cerca de duas horas mais tarde ele sentiu algo roçando no braço. Apenas
bateu com a mão no lugar para espantar o mosquito e pressionou algumas
teclas. Antes de desligar o computador, queria ver o sumário registrado pelo
programa.
Ela não estava de maiô, como ele havia imaginado. Vestia uma camiseta
vermelha ensacada no short branco. Mas não era uma visão menos
maravilhosa. O short curto deixava quase inteiramente à mostra as pernas
bem-feitas e os braços também estavam expostos. A macia malha da camiseta
acompanhava o formato dos seios, o que o fez desejar percorrer com as mãos
aquelas deliciosas curvas.
— Para ser franco, não pensei nem numa opção nem na outra.
Ariel parou e voltou-se para ele, fitando-o com aqueles olhos verdes
penetrantes.
— Assim como?
— Não sei, mas espero que sim. Detestaria ser de outra forma. Além
disso, quem não é impulsivo é desinteressante.
— Vou.
— Puxa, obrigado.
— De nada.
Sem esperar pela resposta dele, Anna Jane correu de volta à árvore para
ajudar Frank, que prendia nos galhos o fio com as luzes coloridas.
Jarrett pensou na conversa que tivera com Ariel, momentos antes. Ela
havia falado em amor incondicional, mas ele jamais havia experimentado tal
emoção. Tracy sim. O amor da irmã dele pelo marido parecia excluir o resto
do mundo. Infelizmente, isso também havia deixado do lado de fora a única
filha que o apaixonado casal tivera. Ele gostava da irmã, mas não era cego
para os erros que ela havia cometido. Mesmo depois da morte do marido,
Tracy não soubera atender às necessidades de Anna Jane.
Ao ouvir o riso da sobrinha, Jarrett moveu os lábios num sorriso.
— Gosto de ouvir o riso de Anna Jane. Acho que antes ela não ria muito.
Jarrett pensou em perguntar como ela podia saber se Anna Jane estava
ou não se adaptando, mas aquela não era hora de investigar a suposta perda
de memória de Ariel.
— Você se sairá bem, Jarrett. Se está mesmo preocupado, não vai errar a
ponto de destruir a vida de Anna Jane. — Dobrando-se para a frente ela pegou
mais uma braçada de galhos. — Ainda não me acostumei com isso. É
dezembro, nós estamos cuidando da decoração de Natal e eu estou aqui de
short. Que fantástico.
— Não sei se é neve o que espero ver. Não tenho certeza. — Então ela
sacudiu a cabeça. — Vou lhe dar um conselho: nunca perca a memória, ou
acabará louco.
Para falar a verdade ela já o estava deixando louco. Será que não
percebia isso? Ou era parte do plano dela?
Por alguns instantes eles ficaram se olhando nos olhos. Jarrett lembrou-se
de quando ela o observara correndo na esteira, da emoção que vira naqueles
olhos verdes. Teria sido aquilo desejo ou apenas uma projeção do que ele
queria ver? Era uma situação absurda. Afinal de contas, ele se sentia atraído
por uma mulher em quem não confiava. Bem, isso era próprio de quem só
tivera relacionamentos desastrosos.
— Que coisas?
Jarrett tentou se lembrar, mas só conseguia ver Ariel. Era fácil imaginá-la
nua, deitada por baixo dele, gemendo de prazer enquanto eles...
— Você sugere que eu compre uma porção de coisas e depois diz que
não devo estragar minha sobrinha? Não está sendo incoerente?
Ariel riu.
— Você estava rindo, tio Jarrett — explicou Anna Jane. — Eu nunca tinha
ouvido o som do seu riso. Ele é bom de ouvir.
6
— Claro.
Jarrett balançou a cabeça e pensou nas conversas diárias que tinha com o
gerente do hotel.
— Ainda não.
— Sei que ela está triste por causa disso — disse Anna Jane. — Pensa que
ninguém a quer.
Jarrett tinha certeza do que dizia. Uma mulher como aquela não podia
ser sozinha.
— Ela gosta daqui, gosta de nós e nós gostamos dela. — A menina torceu
o canto da boca. — Bem, eu gosto dela, mas às vezes acho que você não gosta.
— Não. O que havia entre seus pais era um amor muito especial.
Um amor em que ele não queria acreditar. Mesmo que acreditasse, não se
arriscaria numa relação como aquela.
O estranho era ele querer que isso não fosse verdade. Parte dele queria
confiar em Ariel, talvez porque ela passava tanto tempo com Anna Jane. Não
queria que a sobrinha fosse influenciada por uma mentirosa... Embora no
íntimo soubesse que o mentiroso ali era ele. Queria que Ariel não estivesse
mentindo porque não conseguia deixar de desejá-la.
— Está uma bonita noite — disse, com uma voz meio rouca.
Ela vestia a mesma roupa com que comparecera ao jantar, um top verde
de seda e uma saia colorida que ia quase até os tornozelos.
— Não, eu... — Ariel estremeceu. — Desculpe, Jarrett, mas acho que esta
noite não sou boa companhia. Sei que, como sua hóspede, uma das minhas
responsabilidades é ser espirituosa para entretê-lo. Mas... será que podemos
deixar a conversa para outra hora?
Jarrett surpreendeu-se com aquilo. Ela estava tentando enxotá-lo. Não
era uma atitude que se esperasse de uma mulher que pretendesse fisgar um
homem.
— Não quero ser entretido, mas gostaria de falar por um minuto sobre a
minha sobrinha, se você não se incomoda.
— Está bem, sim. Ainda há pouco li uma história para ela e a pus na
cama. Talvez Anna Jane já seja um pouco crescida para isso, mas acho que não
é um mau hábito.
Ariel olhou para ele. Os cabelos loiros estavam presos na parte de trás da
cabeça, deixando sem moldura o rosto de traços delicados. A luz que vinha da
janela da cozinha iluminava a face direita dela, enquanto a esquerda
permanecia na sombra. Era incrivelmente linda.
— Eu não havia pensado nisso, mas fico preocupado. Anna Jane teve que
abandonar tudo, a escola, os amigos... Seria mais fácil se a antiga babá pudesse
acompanhá-la, mas isso não foi possível.
— Sim.
— Não sei bem o que dizer — murmurou Ariel, logo depois dando de
ombros. — Alguns dias atrás sua sobrinha me contou umas coisas. Como ela
não me pediu segredo, acho que não se importará se eu lhe contar. Mesmo
assim acho engraçado.
Ariel sorriu.
— Não, mas agradeço por querer ouvir. Bem, só peço que você me deixe
fora de qualquer discussão que venha a ter com ela sobre isso. Não quero que
Anna Jane pense que a estou traindo pelas costas ou que não mereço
confiança.
Ariel assentiu.
— Espero que saiba como. Acho que saberá, já que dirige um negócio tão
grande e tão bem-sucedido. Bem, o fato é que Anna Jane está com um enorme
sentimento de culpa. Ela tem mais saudade da babá do que da mãe, e acha que
isso é errado.
— Que era uma reação normal. Não há nada de errado em gostar mais
de uma pessoa do que de outra. Tentei explicar que ela havia partilhado com a
babá os momentos do dia-a-dia, alguns certamente ricos e que a fizeram sentir
falta da pessoa que estava perto na ocasião.
— Ela compreendeu?
— Ame-a, Jarrett. Talvez possa comentar o fato de ela achar que gostava
mais da babá do que da mãe. Anna Jane verá que não há problema nisso.
— Em que sentido?
— Tem razão. Nana B. amava a menina como uma filha. Isso deu a Anna
Jane uma certa estabilidade.
Por alguns minutos eles ficaram em silêncio, até que Ariel olhou para ele,
apoiando o joelho direito na mureta e o pé no outro joelho.
— Nunca. E você?
— Não. De todas as coisas que consigo me lembrar, por que isso tinha
que ser uma delas? — Então ela forçou um sorriso. — Seria muito melhor se
eu me lembrasse de um grande amor do que saber que nunca amei ninguém.
É uma parte triste da minha vida... Não concorda?
— Já que me pergunta, acho que é uma coisa mais sensata do que triste.
— Está mentindo?
— Está certo, vou morder a isca. Mas por que não acredita em mim?
— Exatamente — Jarrett olhou para ela. — Não tinha tempo para nada.
Depois, quando as coisas começaram a se acertar, olhei para os lados e vi que
era o centro das atenções. Todos queriam se aproximar do gênio Wilkenson.
— Nesse ponto ele fez uma careta. — Foi um inferno.
— Foi.
— É disso que ela tem medo — informou-o Ariel. — Você por acaso já
ouviu falar num livro chamado A Pequena Princesa?
— Não.
— A menina só tem nove anos e não podemos esperar que ela racionalize
tudo. Esse medo é baseado no fato de que ela perdeu todos de quem gostava.
O problema não é ser pobre, mas sim ser abandonada. Acho que vai demorar
um bom tempo antes que Anna Jane possa ter confiança no futuro.
— Acho que você deve conversar com Anna Jane — opinou Ariel.
— Acho que sim... Não é esquisito? Tenho pensado nisso. Talvez eu seja
terapeuta de crianças ou professora. Bem, preciso definir a minha vida e por
isso comecei a fazer uma lista para ver qual poderia ser minha profissão.
— E como está essa lista?
— Ora, essa é uma promessa que faz bater mais depressa o coração de
qualquer moça. — Ariel aprumou-se. — O meu trabalho tem a ver com
crianças, mas crianças pequenas, não adolescentes. Com esses não tenho jeito
para lidar. — Nesse ponto ela sorriu. — Portanto, devo ser uma mulher
inteligente.
Jarrett riu.
— Parece que não existe uma única pessoa procurando por mim. Isso
provoca uma sensação esquisita, um vazio. Ninguém pode viver assim, não
acha? Tem que haver alguém, em algum lugar.
— Espere, Ariel.
— Por que está sendo tão bonzinho comigo? — perguntou Ariel, também
o abraçando e encostando a testa no pescoço dele. — Nem gosta de mim.
Jarrett manteve uma das mãos nas costas de Ariel e usou a outra para
afastar as lágrimas das faces dela.
— Obrigado.
Ariel não saberia dizer o que era pior: a confusão em que estava a vida
dela ou o fato de se sentir tão bem nos braços de Jarrett. Eles não tinham nada
em comum e o melhor que ele conseguia dizer era que não desgostava dela.
Mesmo assim, e pela primeira vez desde que havia perdido a memória, ela
não estava com medo.
Certamente o que sentia era apenas atração física, o que explicava aquela
vontade de misturar o corpo com o dele. Mas atração física não explicava
aquela sensação de estar fazendo a coisa certa. E se houvesse alguém
esperando por ela? E se já estivesse apaixonada por outro homem?
Mas não estava. Apostaria a própria alma nessa certeza. Por isso
permitiu que ele continuasse a acariciá-la no rosto.
— Você é tão bonita — disse Jarrett, alisando a face dela com as costas
dos dedos.
Ariel riu.
— Eu faço isso?
O roçar dos lábios dele nos dela a silenciou. Eles estavam caminhando
para aquilo desde o instante em que ele a tomara nos braços, mas mesmo
assim Ariel ficou chocada com o toque daqueles lábios.
Ariel sentiu o mundo em chamas. O calor do desejo era tão forte que ela
quase caiu de joelhos. Precisou se apoiar nele para que isso não acontecesse.
Oh, Deus... E aquilo tudo estava apenas começando. Como ela sobreviveria?
Logo depois a língua de Jarrett tocou nos lábios dela. Prontamente, Ariel
abriu a boca para permitir a entrada. A mão que antes a acariciava na face
agora segurava o queixo dela. A outra mão a tocava nas costas, em
movimentos incessantes, até parar na altura das nádegas. Quando ele a
apertou ali, Ariel moveu para a frente a parte baixa do corpo e sentiu no
ventre a rigidez que indicava o desejo dele.
— Sinto desejo por você — disse. — Não sei se é uma coisa muito
prudente, mas é um fato.
— Eu sei.
E não foi o que Jarrett fez. Em vez disso, levou-a de volta à mureta.
Depois que ela se sentou, fez o mesmo e passou o braço por cima dos ombros
dela.
Era verdade.
— Ariel?
— Não concordo. Você ficaria com ela por algumas semanas, depois a
deixaria ir embora.
John riu.
O que John não sabia, e Jarrett não estava disposto a contar, era que
houvera mulheres. Às vezes, quando viajava a negócios, ele levava uma
acompanhante. Tomava o cuidado de escolher alguém que entendesse a regra
de não haver envolvimento emocional. Por alguns dias se permitia
experimentar os prazeres da intimidade física. Mas isso sempre por curtos
períodos e nunca na ilha.
Até a noite anterior. Até que uma desconhecida o tocasse tanto
fisicamente quanto no aspecto emocional.
Jarrett seguiu o olhar do amigo e viu que Anna Jane acenava para eles.
Logo depois a menina correu para a porta dos fundos da casa. Segundos mais
tarde entrou no escritório.
— Dr. John, dr. John, veio ver Ariel? — perguntou Anna Jane, correndo
para o visitante com os braços abertos.
— Não. Não sabia que ela ainda estava aqui. Mas é bom ver que está em
boa forma.
— Ela está muito melhor, só que ainda não recuperou a memória. Mas eu
estou gostando disso, porque assim ela vai passar o Natal conosco.
— Tem toda razão — disse John, piscando o olho. — Mas não sei se o seu
tio Jarrett concorda com seu ponto de vista. Ele adora trabalhar e acho que
apenas tolera os cavalos.
Por alguns instantes a menina pareceu não entender, mas logo depois o
semblante dela se iluminou.
Anna Jane caminhou até bem perto de Jarrett e pousou as mãozinhas nos
joelhos dele.
— Obrigado — foi o que disse. — Isso faz com que eu me sinta uma
pessoa especial. Agora vá se divertir. Amanhã nós nos veremos.
Olhando outra vez pela janela ele viu quando Anna Jane voltou à piscina
e começou a conversar animadamente com Ariel, as duas rindo.
Só Deus sabia o quanto ele queria confiar naquela mulher, mas... Sempre
havia um "mas". Era preciso ter certeza.
John disse alguma coisa mas Jarrett não estava escutando. Um plano
havia surgido na mente dele, uma ideia brilhante que o ajudaria a descobrir se
Ariel era mesmo o que parecia ser ou simplesmente uma fabulosa atriz em
busca de fortuna.
Ariel vestiu uma calça jeans, que ficou um pouco folgada mas serviria
para uma tarde de cavalgada. A ideia de Anna Jane era duplamente
interessante. Ela não só exploraria a ilha, o que talvez a fizesse se lembrar de
alguma coisa, como também verificaria se sabia montar. Quando dissera isso a
Anna Jane, a menina prontamente havia prometido que arranjaria para ela um
cavalo dócil. Ariel só esperava que a promessa fosse cumprida.
Não foi Anna Jane ou Leona quem apareceu à porta do quarto, mas sim
Jarrett. Ariel conteve a respiração.
Ah, ela desejava aquele homem. Constatara isso ao ser beijada por ele na
noite anterior. E agora, ao vê-lo recostado na porta com aquele sorriso
preguiçoso, não tinha mais dúvida.
— Que pena. Vou ter que passar a noite em St. Thomas. Pensei que você
poderia querer ir comigo. Vou estar ocupado durante a tarde, mas à noite
poderíamos jantar juntos.
Sozinhos. Ele não disse a palavra, mas Ariel ouviu muito bem. Uma noite
a sós com Jarrett. Então ela engoliu em seco, vendo nos olhos dele alguma
coisa além da paixão, algo que não conseguia identificar.
Passar uma noite a sós com Jarrett num paraíso tropical. Só eles dois e a
noite. Cada célula do corpo dela ansiava por realizar isso. Como recusar o
convite? Mas como se arriscar a dizer que sim? Qualquer coisa poderia
acontecer se eles ficassem sozinhos. Coisas com as quais ela não estava
preparada para lidar. Além disso, havia feito uma promessa a Anna Jane.
— Não posso — disse Ariel. — Gostaria muito, mas acho que não vai dar
certo.
— Então qual é o problema? Se não for por outro motivo, você terá a
tarde livre para explorar a cidade. Talvez se lembre de alguma coisa.
— Eu gostaria muito, mas acho que não. Já prometi a Anna Jane que iria
cavalgar com ela e não quero desapontá-la.
Jarrett não mudou de posição, mas Ariel juraria que ele ficou com os
músculos tensos ao ouvir aquilo.
— Vai, sim, Jarrett. Eu dei minha palavra. Além disso, não quero deixá-la
sozinha.
Ariel ficou mais confusa do que nunca. O que significava aquilo? Por que
ele havia agradecido? Bem, era melhor procurar esquecer o episódio. Pelo
menos até ele voltar da viagem.
A não ser pelo fato de que queria passar a noite com Ariel, acariciá-la,
beijá-la, fazer amor com ela. Mas haveria tempo para isso.
Por enquanto ele não forçaria nada. Ela ficaria pelo tempo que quisesse.
Tudo levava a crer que passaria o Natal com Anna Jane e ele. Bem, seria parte
da família. Pelo menos não se sentiria sozinha.
Ela estava com saudade de Jarrett. Embora ele falasse muito pouco à
mesa, era uma presença que sempre dominava o ambiente. Uma prova disso
era que, naquela noite, embora todas as luzes estivessem acesas, parecia faltar
alguma coisa na sala.
Ah, ela estava enrascada. Que Deus a ajudasse, mas estava se
apaixonando pelo homem. Seria tarde demais para voltar atrás? Era difícil
responder.
— Foi o que prometeu, não foi? Ele lhe explicou o motivo dessa viagem?
— Tio Jarrett disse que só ficaria fora uma noite, mas eu queria ter
certeza disso. Às vezes os adultos vão embora e nunca mais voltam.
Talvez fosse difícil convencer Anna Jane daquilo. Depois de ser obrigada
a se afastar da babá, a menina simplesmente se vira privada da presença da
mãe.
— Nesta época o correio trabalha vinte e quatro horas por dia e tudo é
possível. Já pensou em alguma coisa?
— Queria dar uma caneta bonita. A que ele usa no escritório está com a
ponta rombuda. Além disso, posso pedir que gravem o nome dele na caneta
nova.
— Oh, bom Deus, faça com que Ariel e meu tio se apaixonem — ela
rezou, como fazia diversas vezes por dia.
Seria bom ter Ariel sempre por perto. Ela sabia fazer tio Jarrett rir. Sabia
fazer Anna Jane não sentir tanto a falta de Nana B. Ariel juntava as melhores
partes da mãe dela e de Nana B. Ela se sentiria feliz na ilha com tio Jarrett e
Ariel. Todos seriam felizes.
Anna Jane ouviu um ronco distante e olhou para o céu. Agora era o
avião. Então ela se pôs a acenar. A aeronave aproximou-se, voando baixo, e ela
intensificou os acenos. Finalmente viu o tio à janela do aparelho, também
acenando.
Rindo de alegria, Anna Jane saiu correndo para o campo de pouso.
E ele havia partido havia menos de vinte e quatro horas. Se agora ela
lamentava tanto o fato, como seria quando tivesse que ir embora?
Examinando as outras revistas, viu que era isso o que elas tinham em
comum. Todas continham matérias falando de Jarrett ou da empresa dele.
Voltando à primeira revista ela começou a ler a reportagem.
Como ele já fizera um rápido perfil do próprio passado, não foi surpresa
para Ariel ler o que o jornalista havia escrito sobre o brilhantismo com que
Jarrett livrara da falência os negócios da família. Ela já sabia que ele havia
completado o curso superior em três anos, mas não imaginara que essa proeza
tinha sido realizada em Harvard. Na verdade, só agora ficara sabendo que
Jarrett possuía não apenas o hotel na Ilha de Santa Alícia, mas também uma
cadeia de hotéis espalhados pelo mundo. O homem era muito rico e poderoso.
Como ela não havia percebido isso?
Ariel ficou tensa, mas obrigou-se a relaxar para ler o texto. Não havia
muitas informações, apenas um breve comentário sobre boatos em torno da
vida amorosa de Jarrett. Falava-se também que um explosivo amor havia
terminado tragicamente. Uma mulher morrera misteriosamente num incêndio
ocorrido na casa de Jarrett Wilkenson. Na ocasião ele não estava lá, assim
como não deu nenhuma declaração sobre a mulher ou sobre o incêndio, que
reduzira a casa a cinzas. Pouco depois era inaugurado o hotel em Santa Alícia
e ele se mudara para a ilha. Desde então vivia recluso.
Ariel fechou a revista e encostou-a ao peito. Quem era a tal mulher e por
que não havia conseguido escapar do fogo? Qual era o segredo do passado de
Jarrett? Era desalentador saber que ele havia se envolvido com alguém. A
outra mulher o tocara no coração e na alma.
— Você também não está fazendo feio. Estou até pensando em livrá-la de
algumas dessas propriedades.
— Sem chance.
Jarrett riu. Havia mais de uma hora que eles estavam jogando. Muitos
faxes e E-mails esperavam no escritório, mas ele não conseguia sair da sala de
estar para cuidar do trabalho. Talvez pela primeira vez na vida, achava outra
coisa mais importante.
Então olhou em volta. Embora ainda estivesse claro e fizesse calor, o fogo
queimava na lareira. Anna Jane havia argumentado que aquilo servia para
criar uma atmosfera de Natal. A luzes piscavam na enorme árvore colocada a
um canto da sala. Havia enfeites natalinos nas paredes, na mesa e até por cima
da porta. Ele nem se lembrava da última vez em que vira a casa onde morava
enfeitada daquele jeito. Sentia-se grato a Ariel por ela ter dado a sugestão. A
coisa era boa não só para Anna Jane, que merecia viver num lar aconchegante,
mas também para ele. Alegrar-se um pouco era bom para qualquer pessoa.
Mesmo assim... era delicioso ver a naturalidade com que Ariel passava a
mão nos cabelos. O short e a camiseta que ela usava não tinham nenhuma
sofisticação, mas nenhuma mulher seria mais sedutora, nem se estivesse
envergando o mais caro vestido de noite. E aqueles seios firmes por baixo da
camiseta, a cintura delgada, as coxas rosadas. Ele queria abraçá-la, beijá-la e...
— É a sua vez, tio Jarrett — disse Anna Jane, com os dados na palma da
mão estendida. — Não está prestando atenção.
—Desculpe.
Jarrett jogou os dados, um dos quais parou sobre um dos hotéis de Ariel.
Quando ela anunciou o preço, ele se encolheu.
— Tudo isso?
— Posso lhe fazer um desconto — ela disse. — Afinal de contas, tem sido
um anfitrião muito bondoso.
Por alguns segundos, Ariel pareceu não entender o sentido das palavras
dele, mas logo depois entreabriu os lábios e enrubesceu fortemente.
— Vai ter que pagar, tio Jarrett — disse Anna Jane. — Não pode fazer
trapaças.
A menina sorriu.
— De nós duas?
Ele falava com a menina, mas se referia à mulher. Havia sentido saudade
dela. Mais do que devia... Mais do que queria. Em geral era completamente
absorvido pelo trabalho, mas não na tarde anterior nem naquela manhã. A
toda hora se surpreendia tentando adivinhar o que Anna Jane e Ariel podiam
estar fazendo na ilha. Só pensava em estar com elas, rir com elas.
Uma batida na porta aberta fez com que todos eles se voltassem. Leona
estava com as mãos na cintura.
— Não quero interromper o jogo, mas você, mocinha, disse que fazia
questão de me ajudar a preparar os docinhos. Vou começar agora. Ou você me
ajuda ou continua jogando. Decida-se.
— Sem problemas.
— Obrigada.
— É, estou. Como você disse, não é tão difícil assim. Tenho procurado
prestar atenção nas necessidades dela, ficar por perto. Ela é uma grande
criança.
— Não sei se vou saber lidar com isso. Anna Jane não terá permissão
para encontros.
Jarrett não gostou de ouvir aquilo. Não queria ouvir confissões. Não
naquele momento. Não quando havia começado a acreditar nela. Não devia
ter confiado tão facilmente. Bem, era melhor estar preparado para o que iria
ouvir.
— Fale.
— Isso não chega a ser um crime — disse Jarrett, desejando que aquela
sensação ruim fosse embora.
— Sim, mas vi uma coisa que talvez não devesse ter visto. — Ariel puxou
para baixo a barra do short e estremeceu levemente. — Estava procurando um
livro para ler e acabei tropeçando numa caixa. — Então ela ergueu a cabeça e
fixou nele os olhos de esmeralda. — Havia várias revistas na caixa e eu li as
reportagens sobre você.
Jarrett ficou esperando, mas aparentemente ela não tinha mais o que
falar.
— Sim.
— Tem certeza?
— Agora eu entendo — disse Ariel, com uma voz branda. — Você não
podia mesmo confiar em mim. Um homem na sua posição tem que pensar na
própria segurança quando lida com desconhecidos. Desculpe-me se lhe causei
tantos problemas.
— Acho que não. Mas você foi fantástico — declarou Ariel, com
veemência. — Fico-lhe muito grata. Num momento difícil da minha vida, deu-
me um lugar para ficar enquanto tento ajeitar as coisas. Só queria poder
recuperar minha memória.
Pela primeira vez desde que Ariel havia chegado, Jarrett não estava
ansioso para que aquilo acontecesse. Não queria que ela recuperasse a
memória porque não queria vê-la indo embora. Pelo menos não por enquanto.
— Ah, isso seria tão bom. Ou pode ser que apareça alguém procurando
por mim.
Só então Jarrett reparou que ela não dizia nada sobre a mulher morta no
incêndio. Devia ter lido a respeito nas revistas. Talvez estivesse esperando que
ele tomasse a iniciativa de abordar o assunto. Jarrett faria isso, mas na hora
certa.
— Sr. Wilkenson, acho que vai ficar muito contente — disse o gerente do
hotel. — O mistério está resolvido. Há dois casais bem na minha frente
procurando pela sua hóspede.
— As duas senhoras disseram que são irmãs dela. A reserva era para
cinco pessoas e a moça chegou com alguns dias de antecedência. Por isso não
sabíamos de nenhuma hóspede sozinha.
A voz era muito parecida com a de Ariel. Então era verdade. Ela havia
sido encontrada pelos familiares.
— Não posso acreditar nisso — voltou a falar Elissa. — Nós temos que
vê-la.
Jarrett desligou e ficou olhando para um ponto no espaço, sem ver nada.
O inevitável havia ocorrido. Ele sabia o tempo todo que isso aconteceria... Até
havia querido que acontecesse. Até acontecer.
Jarrett entrou na sala de estar e viu que Anna Jane já havia retornado.
Quando olhou para ele a menina se levantou e juntou as mãos. Empalideceu
visivelmente e parecia trêmula.
Quando abriu a porta ele levou um susto. Esperava ver duas mulheres
ligeiramente parecidas com Fabiana, mas estavam ali duas réplicas idênticas
dela. Uma vestia short e camiseta, enquanto a outra envergava um vestido de
verão longo e esvoaçante. Mas esta era a única diferença. As duas mulheres
eram loiras, tinham o corpo tão escultural quanto a irmã por quem
procuravam e mostravam a mesma expressão preocupada.
— Eu sou Elissa, sr. Wilkenson. Nós nos falamos ainda há pouco pelo
telefone. Minha irmã está aqui?
— De uma certa forma acho que foi mais ou menos isso — respondeu
Fabiana.
— Está tudo bem. É bom ver que você recuperou sua memória e
reencontrou sua família.
— Estou ótima, mas não quero falar sobre isso agora. O que aconteceu?
Como foi que você perdeu a memória?
Por um instante eles trocaram um olhar que dizia muito mais que uma
demorada conversa. Naquela fração de segundo ela soube o que ele pensava,
uma constatação que a fez conter a respiração. Uma dúvida estava esclarecida.
Ter recuperado a memória não mudava em nada o que ela sentia por Jarrett. A
única diferença era que agora havia a certeza de que não existia nenhum outro
homem na vida dela.
— Por que você veio sem as suas irmãs? — perguntou Anna Jane,
levando Fabiana de volta à conversa.
— Pelo menos agora sei por que você não telefonou — declarou Kayla.
— Queria que nos dissesse se o hotel valia a pena mesmo. — Nesse ponto ela
cobriu a boca com a mão e riu nervosamente. — Não que ele não seja
fantástico, Jarrett.
Kayla riu.
— Não — respondeu Fabiana. — Mas não sei por que pediu minha
permissão. Você nunca faz o que eu peço.
— Está bem, está bem — disse Kayla, abanando a mão para o lado da
irmã e olhando novamente para Jarrett. — Ela é muito conservadora, certinha
em tudo. Sabe como é: a imagem perfeita da professora primária. Sempre faz o
que é certo. Tem lista para tudo, uma vida muito bem organizada. E espera a
mesma coisa dos outros. É isso que a torna difícil.
— Pelo que você diz, parece até que sou uma bruxa — protestou Fabiana.
— Era horroroso.
— Eu também não gostava — pronunciou-se Fabiana. — Vocês se
lembram daqueles vestidos horríveis que mamãe nos obrigava a vestir nas
gravações? — Nesse ponto ela torceu a boca. — Eram de tecido axadrezado,
cor-de-rosa e branco, com gola branca e mangas fofas. Eu me sentia como se
estivesse vestindo roupa de boneca.
— Verdade?
— Existe, sim, mas só pega uns poucos canais. Acho que estamos salvas.
— Não seria, não. Podem acreditar. Não éramos atrizes muito boas e
algumas das cenas ficaram pavorosas.
— Por sorte estamos numa ilha pequena — observou Elissa. — Não deve
haver nenhuma locadora de vídeo num raio de muitos quilômetros.
— Não esteja tão certa disso — disse à irmã. — Meu anfitrião tem a
habilidade de fazer com que as coisas aconteçam. Se o desafiarem nisso, logo
se verão cercadas por montanhas de fitas de vídeo.
Jarrett levantou-se.
Fabiana assentiu quando as irmãs olharam para ela. Elissa falou por
todos.
— Tenho uma coisa para falar com Jarrett, mas logo estarei de volta —
disse, correndo para a porta e alcançando-o na sala de visitas. — Jarrett?
— Mudaram de ideia?
Como de costume, estava com os cabelos penteados para trás, mas
algumas mechas caíam sobre a testa. Bem que ela gostaria de pô-las no lugar.
Agora que as irmãs dela estavam ali, não havia mais motivo para
permanecer ali. Na excitação dos últimos fatos, ela não havia se dado conta de
que reencontrar a família significava... deixar Jarrett e Anna Jane. Ah, como
sentiria saudade deles.
— Seja como for, foi muito simpático da sua parte convidá-los para
jantar.
— Ora, que bobagem — ele disse. — Como está se sentindo? Não deve
ser fácil uma pessoa passar pelo que você passou.
— Obrigada.
— Falarei, sim.
— Existe um marido e uma ninhada de filhos esperando por você em
algum lugar?
A pergunta foi feita com naturalidade, mas Fabiana sentiu que era
importante para ele ouvir a resposta. Ou talvez aquilo fosse apenas vontade
dela.
Patrik riu.
— É bom saber que você estava aqui para cuidar dela. Não queremos
que nada de mal aconteça com essas meninas. — Patrik fez uma careta
engraçada.
— Vai deixar que nós paguemos pelo trabalho que teve, não vai?
Cole ergueu as sobrancelhas mas não disse nada. Sem dúvida, tentava
adivinhar qual tinha sido o relacionamento de Jarrett com a cunhada dele.
Seria impossível explicar, já que o próprio Jarrett não conseguia entender.
Fabiana não era a única que estava confusa, porque ele também não
sabia como lidar com aquela mudança de rumo nos fatos. Poucas horas antes
Fabiana era Ariel, uma mulher sem passado e com futuro incerto. Quem era
ela agora? Jarrett já estava conhecendo Ariel, mas não sabia nada sobre
Fabiana Bedford. Seriam as duas realmente a mesma mulher?
— Vou me deitar.
— Quero, sim.
— Vou pôr Anna Jane na cama — disse aos outros. — Que tal vocês irem
para a sala de estar? Lá é mais aconchegante.
Jarrett olhou para trás e viu que Fabiana fazia um ar de surpresa. Então,
ele deu de ombros, querendo dizer que também não sabia qual era o
problema.
— Anna Jane, sei que você está aborrecida por causa do aparecimento da
família de Fabiana — disse, no meio da escada. — Foi um choque muito
grande, mas acho que você não devia ignorá-la assim. Não é uma coisa
simpática.
Agora eles já estavam no andar de cima. Anna Jane seguia um passo na
frente e parou.
Depois de levar Anna Jane para o quarto ele a sentou na cama. Então,
abraçou-a demoradamente. Entendia aquele sofrimento, porque também
sentiria a falta de Fabiana quando ela os deixasse.
— Eu também.
Era verdade. Ele queria aquilo mais do que tinha coragem de admitir.
Por outro lado, mesmo indo embora Fabiana deixava um precioso presente.
Havia ensinado a ele como gostar da sobrinha. Pela primeira vez desde a
morte de Tracy, Jarrett estava realmente alegre por ser o guardião de Anna
Jane.
10
Fabiana parou.
— Espero que sim. Anna Jane estava muito esquisita durante o jantar.
Não é assim tão quieta.
— Não se apresse. Não sou do tipo de mulher que exige luxos, mas esta
casa é simplesmente fabulosa. Mal posso acreditar que você viveu aqui
durante algum tempo.
Fabiana correu os olhos pelos caros móveis espalhados pela sala de estar.
Quando ia começar a subir a escada ela parou. Pensou na menina que era
capaz de mandar uma mensagem numa garrafa e achava que criaturas
sobrenaturais podiam beliscá-la quando subisse a escada. Enquanto era Ariel,
querendo desesperadamente recuperar a memória, não havia pensado no que
aquilo significaria. Não pensara em como seria quando fosse obrigada a partir.
Ter uma família era maravilhoso, mas bem que ela gostaria de ter as duas
coisas: contar com o afeto da família e continuar ali. Pelo menos por mais
algum tempo.
— Sei, mas achei que ficaria mais contente — disse Fabiana, tentando
ignorar as eróticas sensações que o toque dos dedos dele provocava.
Certamente Jarrett não estava com intenções eróticas, mas o corpo dela reagia
por conta própria. — Não estou dizendo que não me alegra saber que minha
família está aqui. Adoro minhas irmãs e é muito bom tê-las reencontrado. É só
que... — Nesse ponto ela deu de ombros. — Ah, não sei.
Fabiana sorriu.
— Foi mesmo?
Fabiana achou que desviar os olhos dos deles seria o mesmo que ficar
sem ar para respirar.
— Pergunte.
Ele entenderia, mas não Anna Jane... nem ela. Fabiana queria que a estada
dela naquela casa continuasse. O período não pertencia à vida real e mais
tarde ela teria que desistir da fantasia, voltando para casa, mas ainda não
estava pronta para isso.
— Anna Jane está dormindo e eu não pude falar com ela — respondeu
Fabiana. — Conversaremos amanhã. — Nesse ponto ela enfiou as mãos nos
bolsos traseiros do short. — A propósito, quero falar com vocês sobre um
assunto.
— Jarrett nos convidou para passar as férias aqui, na casa dele. — Então
ela ergueu a mão direita. — Antes de dizerem qualquer coisa, quero que
saibam que há quartos de sobra, uma piscina, sauna e uma praia particular lá
fora. — Fabiana fez uma pausa, pensando em como expor todos os
argumentos que tinha. — Anna Jane e eu nos tornamos amigas. Ela é uma
doçura de criança e nos últimos meses perdeu tanto a mãe quanto a babá que
a acompanhava desde muito pequena. Veio para a ilha há menos de um mês e
se sente um pouco perdida. Sei que significaria muito para ela ter companhia
nas festas natalinas. Não quero que vocês se sintam pressionados, mas...
— Ah, sim, claro — disse Cole, com fingida ironia.
— Parece que o nosso anfitrião já tem tudo o que quer — disse Kayla.
— Não vamos virar as costas para Anna Jane — declarou. — Não depois
do que Jarrett fez por Fabiana. Além disso, a garotinha parece mesmo uma
doçura e merece ter um Natal especial. Acho que devemos cuidar para que
isso aconteça. Todas nós sabemos o que é perder o pai ou a mãe.
Anna Jane teria um Natal feliz, as gêmeas e seus maridos estariam juntos
e ela poderia passar um pouco mais de tempo com Jarrett. Como se dizia no
mundo dos negócios, todos saíam ganhando.
— Jarrett?
— Qual é o veredicto?
Aquilo não devia ser verdade, mas era bom ouvi-lo dizer.
— Quando contar a Leona, não deixe que ela entre em pânico. Estamos
dispostas a ajudar. Minha irmãs e eu somos cozinheiras razoáveis. Não
fazemos nada sofisticado, mas até que nos saímos bem nos pratos triviais.
— Você já agradeceu.
Como ela podia se concentrar vendo aquele rosto de traços bonitos, olhos
negros e boca bem desenhada?
— Agradeço não só pelo convite, mas também pela forma como ele foi
feito — explicou Fabiana. — Você me fez perguntas para descobrir quais eram
os meus planos. Obviamente não queria interferir se já houvéssemos resolvido
fazer outra coisa.
— Você agiu antes de saber que era professora. Acho que a coisa se
deveu mais à sua disposição de espírito do que ao seu treinamento
profissional.
Fabiana teve a sensação de que eles estavam falando de outra coisa. Não
sabia se era isso mesmo ou se apenas reagia à proximidade dele. Jarrett estava
tão perto que, se quisesse, ela poderia abraçá-lo sem sair do lugar.
Deus, como queria fazer isso. Também queria ser abraçada por ele,
beijada e...
Fabiana quase levou um susto. Ah, sim, a bagagem... Obviamente ele não
estava sentindo o mesmo desejo que ela.
— Sim, claro. Não, acho melhor eu ir até lá, porque tirei tudo das malas.
Sem dúvida, Elissa e Kayla também vão querer ir. Existe um carro aqui?
Jarrett assentiu.
— Fabiana, eu...
Sem terminar a frase ele inclinou a cabeça e roçou os lábios nos dela. Foi
um beijo macio e doce. Fabiana sentiu uma deliciosa onda de prazer, mesmo
sabendo que a família dela estava no cômodo ao lado e nada poderia
acontecer entre eles naquela noite. Mas sempre haveria tempo.
— Sim, senhor, nós temos esses vídeos em estoque. Onde quer que eles
sejam entregues?
As remessas de avião de St. Thomas até Santa Alícia eram bem caras,
mas não havia alternativa. Além disso, ele ganhara muitos milhões de dólares
nos últimos anos e podia se permitir algumas extravagâncias. Se não gastasse
o dinheiro com Anna Jane, Fabiana e a família dela, com o que mais gastaria?
— Mas que droga, Kayla — ralhou Patrik. — Você está grávida. Ponha
essa valise no chão.
11
— Desculpe meu mau humor de ontem. Estou alegre por você ter ficado.
Fabiana pôs a escova sobre a penteadeira e acariciou a cabeça da garota.
— Mas você também é Ariel. Ela não é uma pessoa diferente, mas apenas
você sem a memória.
Fabiana achou que Ariel havia se divertido mais em poucos dias do que
ela durante toda a vida.
— Entendo.
— Está certo.
Depois de fazer um rápido aceno a menina saiu correndo do quarto.
25 de agosto. Tenho que tomar uma decisão sobre o meu futuro. Quero viajar,
mas preciso ter um plano para quando retornar. O que devo fazer? Voltar a
universidade para fazer pós-graduação? Ou será melhor continuar dando aulas no
primário? Tenho pensado até em abrir meu próprio negócio. Quando voltar das férias,
talvez já tenha tomado a decisão. O mundo é cheio de possibilidades e não quero correr
o risco de esquecer nenhuma delas.
Fabiana leu o texto uma segunda vez. Esperanças e planos para o futuro.
Em vez de ficar excitada, sentiu que estava triste. Talvez por agora saber de
algo que não sabia ao fazer aquelas anotações. Todos os planos tinham apenas
um pressuposto: de que ela continuaria sozinha. O diário não falava em
nenhum homem, não mencionava a possibilidade de ela se apaixonar ou se
isso influiria no planejamento futuro. Quando voltasse das férias, não teria
ninguém esperando.
— Alguma surpresa?
— Sim, algumas.
— Agradáveis, espero.
Jarrett entrou. Em geral ele andava pela casa de calça jeans e camiseta
pólo, mas naquele dia estava de short e camiseta. As pernas eram longas,
musculosas e morenas. Fabiana teve medo de se mostrar fascinada por aquelas
coxas poderosas.
Jarrett assentiu.
— Exatamente.
— Não.
Jarrett sorriu.
— Sem dúvida, mas ainda acho estranho pensar que há partes de mim de
cuja existência eu não sabia.
— Jarrett, eu quero pagar. Alguma coisa me diz que você não vai deixar
que o reembolsemos pelas despesas que terá conosco nestas férias. Tem que
deixar que eu lhe dê alguma coisa.
Dali era possível ver parte da piscina e toda a praia, mais ao longe. Um
som de risos e gritos agudos sobrepôs-se ao barulho das ondas. Logo depois
eles viram Anna Jane. Elissa e Kayla estavam com ela, cada uma segurando
uma mão da menina. Embora não fosse possível ouvir o que diziam, era
evidente que aquelas três estavam se divertindo.
— Eu não poderia ter dado isso a ela — disse Jarrett. — Você me mostrou
o que Anna Jane precisava e acho que agora já sei me comunicar com ela.
Devo-lhe isso, Fabiana. Não posso permitir que pague pelas roupas ou pela
estada dos seus familiares aqui. Na verdade, jamais conseguirei retribuir pelo
que recebi de você.
— Fico contente por ter podido ajudar, mas você está supervalorizando a
coisa.
Ele ainda segurava a mão dela. Fabiana tentou se convencer de que era
por puro esquecimento, mas ela não havia se esquecido. Nem por um
segundo. Naquele momento mesmo sentia a amplitude e a firmeza da mão
dele.
— Anna Jane está muito contente por você ter ficado — ele disse.
E ele? Também estaria? Jarrett não falou sobre aquilo e Fabiana não
perguntou. O medo a reteve. Certamente Ariel teria sido mais corajosa.
— Sempre fomos.
— Eu invejo isso.
— Na verdade não. Tracy era mais velha. Crescemos numa casa muito
grande, grande demais. Estávamos sempre em alas separadas e não
passávamos muito tempo juntos. Olhando para trás eu gostaria que tivesse
sido diferente. Não tivemos muitas coisas em comum. Talvez devêssemos ter
participado mais um da vida do outro.
— Um mês atrás eu teria dito que não. Agora não tenho certeza. Estou
começando a perceber o que perdi.
— Ela deve ter sido uma grande mulher — murmurou Fabiana. — Basta
ver a criança incrível que é Anna Jane.
— Não sei se Anna Jane aprendeu mais com Tracy ou com Nana B. —
disse Jarrett. — Minha irmã tinha qualidades, mas nunca foi uma mãe muito
presente. O relacionamento com o marido a consumia. Era como se eles
fossem as únicas pessoas no mundo.
— Acho que sim. Por causa do amor mútuo, eles excluíam a criança.
Prefiro pensar que o melhor tipo de amor é aquele que abre espaço para outras
pessoas. — Jarrett fez uma careta. — Mas na verdade não sou um entendido
no assunto.
— Tem razão. Minhas irmãs são assim. Elas adoram o marido, mas têm
espaço no coração para outras pessoas. As duas serão grandes mães.
O toque de Jarrett era terno, doce. Ela queria que ele a considerasse
especial.
— Não. E você?
— Em geral não falo sobre o passado, mas preciso lhe explicar certas
coisas. Por exemplo: por que agi daquela forma quando a encontramos na
praia. Já lhe pedi desculpas por aquilo?
— Não, não devia. Por causa da posição que ocupa, há muita gente
querendo tirar um pedaço de você. Não tinha como saber que eu não era uma
dessas pessoas. Entendo perfeitamente.
— Tenho uma longa história para lhe contar. Talvez queira se sentar.
— Acho que já lhe contei que meus pais morreram quando eu tinha
dezoito anos.
— Já, sim.
— Minha irmã não tinha interesse em dirigir os negócios. Por essa época
já havia conhecido Donald e não se interessava por mais nada. Então tudo caiu
sobre os meus ombros.
— Trabalhava vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana — disse.
— Embora inexperiente, era jovem demais para ter medo e por isso mergulhei
de cabeça. Às vezes cometia erros, noutras alcançava retumbantes êxitos. Ao
fim de alguns anos, havia cometido erros e acertos, mas tínhamos saído do
vermelho. Cinco anos depois de assumir o comando, estava à frente de um
império.
— Fico tentando imaginar como deve ter sido isso, mas não consigo —
disse Fabiana. — Ao mesmo tempo que admiro o que você realizou, me
pergunto o que deve lhe ter custado. Tinha tempo para se divertir?
Jarrett assentiu.
— Foi quando resolveu se mudar para cá, não foi? — ela perguntou. — A
ilha é o seu refúgio, um lugar onde não será ameaçado por ninguém.
—Vou umas poucas vezes por ano, a negócios. Mas não quero voltar a
morar lá.
— Eles não fizeram nada de errado. Por que tinham que sofrer? — Jarrett
abriu os braços. — Estou lhe contando isso não para ter a sua simpatia, mas
sim para explicar por que fui tão paranóico logo que você apareceu.
Fabiana olhou bem para ele. Os traços daquele rosto bonito haviam sido
desenhados tanto pela firmeza de princípios quanto pela dor.
— Faz sentido, Jarrett. E é bom saber que você confia em mim a ponto de
me contar tudo isso. Tem minha palavra de que não falarei do assunto com
mais ninguém, nem com minhas irmãs. Fico contente por termos esclarecido
tudo, sermos amigos.
A pergunta a surpreendeu.
Fabiana sorriu.
— Sei que suas irmãs vão voltar para os Estados Unidos logo depois do
Natal. Será que você pensaria na hipótese de ficar por aqui por mais algum
tempo? Ainda não estou muito seguro sobre como devo lidar como Anna
Jane... Além do fato de que você é uma hóspede muito bem-vinda, claro.
Fabiana sentiu as mãos úmidas ao ouvir aquele convite feito com tanta
naturalidade. Será que ele queria mesmo que ela ficasse por mais tempo?
Apertando os joelhos ela se impediu de saltar para gritar "Sim!"
— Não tenho nenhum plano definido — disse. — Ficaria muito feliz em
permanecer aqui por mais algum tempo.
Ou para sempre.
— Mas acho bom tomar cuidado, Jarrett — ela respondeu, esperando não
mostrar a satisfação que sentia. — É muito possível que eu não queira mais ir
embora.
Antes que Fabiana pudesse pensar numa resposta, Jarrett piscou o olho
para ela e saiu.
Seria por isso que ele a convidara para passar ali as festas de fim de ano?
Tinha feito o convite num impulso, embora não estivesse arrependido. No
mínimo, era agradável tê-la por perto. Mas não devia querer que ela fosse
embora? Não devia se preocupar com o fato de se sentir tão enfeitiçado pela
mulher? Afinal de contas, sabia o que custava se envolver emocionalmente.
Sabia que o amor significava sofrimento. Era melhor ficar sozinho. Era
melhor não sentir nada.
Mas não sentir nada não era mais a opção de vida dele. Embora a culpa
disso coubesse a Fabiana, não era nela que ele pensava naquele momento. Por
coincidência, quando ouviu passos na sala Jarrett se voltou e pôs os olhos na
sorridente sobrinha.
— As que viviam aqui. Sempre que subia a escada sozinha eu sentia que
era observada por elas. Ficava assustada. Tinha medo de que viessem me
pegar e por isso sempre subia correndo. Fabiana disse que não tem
importância acreditar que essas criaturas existem, mas garantiu que elas não
podem me pegar.
— Tem que me prometer que, quando ficar assustada com alguma coisa,
irá logo me contar. O meu império que vá para o inferno.
— Prometo. É bom saber que elas foram embora e que você está aqui.
12
— O tio dela tem alguma coisa a ver com isso — disse Fabiana.
Não houve resposta. Fabiana olhou para os lados e viu que era
observada atentamente pelas irmãs. A expressão das duas era a de quem faria
qualquer coisa para obrigá-la a falar.
Fabiana sorriu.
Como ela poderia descrevê-lo? Que palavras deveria usar para definir a
complexidade do relacionamento deles?
— Eu tenho visto a forma como ele olha para você — disse Elissa. —
Aquilo é mais do que gentileza. Portanto, o que está acontecendo?
Fabiana não ousava olhar para nenhuma das irmãs. Elissa e Kayla
adivinhariam o que ela estava pensando, ou, pior, o que tentava esconder.
Embora não houvesse montes de "beijos apaixonados ao luar", houvera aquela
noite. Ela ficava arrepiada só de se lembrar. E as irmãs perceberiam essa
reação.
— Não é verdade que você apenas gosta dele. Eu vejo isso, mesmo que
você não veja.
— Não tenho certeza do que sinto. As últimas vinte e quatro horas foram
um tanto esquisitas. Ontem, a esta hora, não me lembrava de quem era. Agora
a minha vida está restaurada. Estou tentando fazer com que tudo entre em
conexão.
Kayla entrou mais no mar, até ficar com a água pelos joelhos.
— É como estar num túnel mental. Eu sabia o que havia à minha volta,
mas só podia olhar para a frente. Não existiam os lados, nenhum ponto de
referência. Enquanto vocês não apareceram, tive medo de não ter família,
ninguém no mundo.
Elissa estremeceu.
— Um pouco. Quando estava com amnésia, não era apenas Fabiana sem
a memória. Eu mudei.
— Como?
Fabiana sabia que era a líder, mas nunca havia parado para pensar no
motivo daquilo.
— Sei que hoje você e Cole são felizes, mas houve época em que ele a fez
sofrer.
Elissa enrubesceu.
— Eu também o fiz sofrer. Nós éramos muito jovens. Mas agora estamos
mais conscientes e mudados, temos um relacionamento maravilhoso. Não
quero que você desista do amor, Fabiana. Deve se permitir experimentá-lo.
Prometo que não vai se arrepender.
Fabiana não ficou muito certa de que podia acreditar naquela promessa.
— Qual?
— Não sei, e estou sendo sincera. Não tenho certeza de nada. — Então
ela balançou a cabeça. — Isso era muito mais fácil quando eu era Ariel, uma
mulher nem passado. Apenas sentia, sem ter que pensar.
— Ainda pode agir assim — disse Kayla. — Não deixe que o medo a
vença. Eu quase perdi Patrik porque era uma idiota. Detestaria ver a mesma
coisa acontecendo com você. Aceite um conselho meu, irmãzinha: não
renuncie a uma coisa boa se não estiver muito certa de que não a quer.
Fabiana desceu a escada na ponta dos pés. Era tarde e cia já devia estar
dormindo, mas por algum motivo sentia-se inquieta. Depois de todas as
atividades daquele dia, devia estar deliciosamente exausta. Mas não estava. A
mente não se acalmava o suficiente para que ela conciliasse o sono. Talvez
uma rápida caminhada na praia resolvesse o problema.
— Não, ela está bem. — Então ele sacudiu a cabeça. — Droga! Nunca
pensei que seria tão difícil.
— Qual é o problema?
Fabiana olhou na direção que ele apontava e viu pilhas de caixas sobre a
mesa. No chão havia rolos de papéis de presente. Coloridos laços de fita
espalhavam-se por todos os lados. Então ela suspirou.
— Há duas horas.
— Não precisava fazer isso, Jarrett — ela disse, aliviada por já ter
encomendado vários presentes para ele. — Como me lembrou ainda há pouco,
nós somos os seus hóspedes aqui. Ter nos convidado para ficar já foi um
presente e tanto.
— Eu queria dar alguma coisa a eles. Anna Jane está muito contente por
vocês terem ficado, e eu também.
— O que acha que devo fazer com ela? Tenho pensado em algumas
opções... Nenhuma das quais me agrada. Ela precisa voltar a estudar mas não
existe nenhuma escola na ilha.
— Também não há crianças, Jarrett. Ficar aqui por enquanto é bom, mas
Anna Jane vai precisar da companhia de amiguinhos da mesma idade.
— Mas...
— Não vejo com muito bons olhos a ideia do internato — ele continuou.
— Lembro-me de quando ela falou na perda da mãe e de Nana B. Não quero
que se sinta abandonada outra vez.
— Você pode dizer quais são as opções e deixar que a menina escolha —
sugeriu Fabiana.
— Qual?
— Você poderia voltar para os Estados Unidos. Com isso seria possível
Anna Jane frequentar uma boa escola durante o dia e voltar para a sua
companhia todas as noites.
— Sei a gravidade do que estou falando — ela disse, com voz branda. —
Você passou lá por coisas terríveis. Não sei com certeza a vastidão do seu
sofrimento, mas posso imaginar. No entanto não se trata de você, mas da sua
sobrinha. Não estou dizendo que a opção é a única que dará certo, mas acho
que deve ser considerada.
Voltou à lembrança dela o que as irmãs tinham dito sobre uma pessoa se
arriscar num amor romântico. Com Elissa e Kayla tinha dado certo, mas...
seria a mesma coisa com ela? Poderia pensar em ter um futuro com Jarrett?
— Exatamente. Por uma questão de minutos, sou a mais velha das três e
a mais mandona.
— Também.
— Não concordo.
— É claro que respeito, mas não é esse o ponto. Você pode ser mandona
à vontade, Fabiana. Nós dois sabemos que eu posso vencê-la.
— Acertou.
— Isso é loucura.
Jarrett olhou para as poucas caixas que ainda não tinham sido
embrulhadas.
— De nada.
— Há muito tempo que não sentia desejo por uma mulher — disse,
finalmente, com a voz baixa e rouca. Quase me esqueci de como isso é bom.
— Eu... Bem...
— Você não viu renas voando — disse Anna Jane, com firmeza. Cole, o
marido de Elissa, mostrou-se ofendido.
— Não acredita.
— Acredito. Todo ano escrevo uma carta com uma lista de presentes e
mando para o Pólo Norte.
Kayla riu.
— Só por fora — voltou a falar Kayla, rindo ainda mais quando o marido
olhou sério para ela.
Jarrett reparou que a sobrinha dele refletia sobre o que acabara de ouvir.
Sabia que ela se considerava madura para a idade, e acreditar em Papai Noel
ia contra o que devia entender por madura. Mas evidentemente gostava muito
de Patrik e Cole.
— É como o amor — exemplificou Elissa. — Nós não podemos vê-lo,
mas sabemos que ele existe.
— Sei o que você está tentando conseguir, mas não vai dar certo.
— Eu não disse isso, mas é mesmo uma boa ideia, não acha?
Fabiana riu.
Jarrett não conseguia parar de olhar para aquelas duas. Era como se elas
fossem de uma mesma família, e não uma mulher e uma menina que
houvessem se conhecido havia poucos dias. Sem dúvida parte daquilo vinha
das necessidades mútuas. Anna Jane havia perdido recentemente todas as
pessoas importantes do mundo dela. Enquanto era Ariel, Fabiana perdera a
própria identidade. Essas perdas as haviam levado a estabelecer laços muito
mais fortes do que os de simples pessoas conhecidas.
— Jarrett, a decisão cabe a você — disse Fabiana, interrompendo os
pensamentos dele. — Anna Jane quer abrir só um dos presentes.
As trigêmeas se entreolharam.
— Ai, meu Deus, não vou suportar isso. Espero sinceramente que
estejamos enganadas.
Jarrett caminhou até a árvore e mexeu nos embrulhos até encontrar o que
queria. Finalmente pegou um pacote retangular de mais ou menos vinte
centímetros do comprimento.
— Pior que isso — lamentou-se Elissa. — Pense só onde estamos. Ele não
só encontrou os filmes como mandou buscá-los de avião.
— Você não vai querer ver isso, não é? Não tem graça nenhuma.
Kayla balançou a cabeça, mas deixou que Patrik a pusesse de pé. Àquela
altura, Cole já empurrava Elissa na direção da escada.
— Não, não estou — ela rebateu. — Vocês é que estão demorando muito.
Elissa riu.
— É compreensível.
— É você?
— Querida, o que você viu foi apenas uma história inventada. Nenhuma
daquelas crianças realmente vivia num orfanato. Estavam atuando, como
minha irmã e eu.
— Sei o que você está pensando — disse Fabiana a Jarrett, num tom
brando. — Não se preocupe. Está fazendo um grande trabalho com ela.
Jarrett olhou para a sobrinha, que naquele momento trocava o filme. Não
havia desejado a responsabilidade de educar uma criança, mas agora que
Anna Jane estava ali não conseguia imaginar a vida sem ela. E como ficariam
as coisas? A menina precisava de escola, de amigos da mesma idade. Mas ele
não queria deixar a ilha. Duvidava que ela aceitasse a ideia de ir para um
internato, uma opção que ele também não via com bons olhos. Que
alternativas restavam? Como lembrara Fabiana, ele sempre podia voltar para
os Estados Unidos.
— Quase meia-noite.
— E eu estou feliz por ter voltado. — Fazendo uma pausa ela tomou um
gole de uísque. — Meses atrás, quando fazíamos planos para passar um Natal
tropical, quem diria que acabaríamos aqui?
— Tem razão. — Elissa acomodou-se melhor no sofá. — Onde foi isso?
Na casa de Kayla, não foi?
— Eu tinha sentimentos por ele quando era Ariel, mas não sabia se já
estava envolvida com alguém, se era casada ou não.
— É verdade.
— Os sentimentos mudaram.
— Concordo, mas por enquanto vou esperar para ver o que acontece.
— Claro. Nós desejaremos feliz Natal, ela passará quinze minutos nos
contando as novidades sobre os gêmeos e depois desligará.
— Não estamos mais na TV. Era o sonho dela mas nós escolhemos outros
caminhos. Fico contente por os gêmeos estarem no cinema, se é isso o que a
faz feliz. Já resolvi o problema na minha cabeça e acho que a solução é não ver
a coisa como uma afronta pessoal.
— Acho que também vou subir — disse, embora sem fazer menção de se
levantar.
Fabiana moveu a cabeça para olhá-lo. Ah, como queria correr os dedos
por aquele rosto de traços másculos
— O que há de estranho?
Fabiana sorriu.
— Não. Não neva em Los Angeles. Talvez uma vez a cada dez anos, mas
nunca no Natal.
— Sozinho?
— Sim.
— Eu gostaria.
Ela teria. No entanto, filhos significavam família, o que implicava um
marido, o pai das crianças. Até aquele momento não havia aparecido nenhum
homem que ela considerasse adequado para ocupar o lugar. A não ser Jarrett.
Outra vez Fabiana se surpreendeu ao se lembrar de quando lera o diário. Os
planos para o futuro não incluíam casamento.
Como ela explicaria que ainda não havia aparecido ninguém que a
fizesse mudar de ideia.
Fabiana não sabia o que responder. Não tinha certeza do que ele havia
perguntado. Mesmo assim uma palavra saiu dos lábios dela como se tivesse
vontade própria.
— Mais.
Num gesto fluido e natural ele a abraçou. Fabiana não resistiu, passando
um dos braços por cima dos ombros dele e usando os dedos para acariciá-lo
na nuca. Quando a cabeça de Jarrett foi se aproximando ela entreabriu os
lábios, pronta para o beijo.
Abaixando a mão esquerda ele desceu até um dos seios dela, que cobriu
por inteiro. Depois de apertar levemente o macio monte, usou o polegar para
acariciar o endurecido mamilo. Fabiana moveu a cabeça para trás em busca de
ar. Quando ergueu as pálpebras, os olhos verdes refletiam o fogo do desejo.
Os lábios estavam molhados por causa do beijo.
— Jarrett, eu...
Se ela perguntasse o motivo ele não saberia explicar. Mas alguma coisa
dizia que ainda não era a hora. Fazer amor com Fabiana tinha que ser algo
completamente diferente de fazer amor com qualquer outra mulher. Ela já
invadira a vida dele, mas Jarrett ainda não estava pronto para ter também a
alma invadida.
14
—É divertido.
Ele teve que concordar. Parecia que um redemoinho havia passado pela
sala de estar. Por todos os lados viam-se caixas jogadas, papel rasgado, fitas e
laços de diferentes tamanhos. Risonhas, as pessoas comentavam os presentes
recebidos.
— Isso é bom.
— Não a tempo de fazer com que Anna Jane tivesse um Natal agradável.
— Está se subestimando.
Bem que ele queria que ela estivesse certa, mas sabia que não. Desde a
chegada de Anna Jane até o aparecimento de Ariel, havia se enterrado no
trabalho porque sabia que isso era mais fácil do que aprender a lidar com uma
criança. Estremecia ao pensar na possibilidade de que a menina ficasse
desapontada com ele. Graças a Deus Fabiana o ajudara a inverter a situação.
Kayla disse alguma coisa que chamou a atenção de Fabiana. Jarrett olhou
para os felizes casais presentes e sentiu inveja. O amor entre um homem e uma
mulher ainda o aterrorizava. Sabia o que custava amar uma pessoa excluindo
as demais. Seria mais seguro ficar sozinho. Mesmo assim...
Jarrett suspirou. Estar perto de Fabiana fazia com que ele quisesse mais.
E justamente por querer mais não fizera amor com ela na noite anterior.
— Verdade?
— Verdade. Um para você e outro para Fabiana. Fico surpreso por vocês
não terem encontrado.
— Ah, lá estão!
— Ele é lindo — disse, fascinada. — Tio Jarrett, é a coisa mais linda que
eu já vi.
— Abra o seu.
Fabiana não ousava olhar para Jarrett ou para a menina. Rasgou o papel
do presente e soltou-o no chão. A caixa era aveludada e de um cinza bem
claro. Quando ela ergueu a tampa, conteve a respiração. Em vez de um
pingente estava ali um colar de pérolas legítimas, absolutamente iguais e
reluzente como a luz da manhã.
— Oh, meu Deus — ela murmurou, achando que jamais vira nada tão
lindo. Elissa e Kayla a cercaram.
— Jarrett... este colar deve ter custado muito dinheiro. Não posso aceitar.
Anna Jane aproximou-se por trás de Fabiana e pôs as mãos nos ombros
dela.
— Ah, é lindo, tio Jarrett, mas pensei que haveria uma sereia.
— Mas há — ele disse, apontando para um pequeno pacote no centro da
caixa.
Com dedos trêmulos Fabiana pegou o embrulho, que era bem pesado.
Depois de soltar a caixa vazia no chão ela rasgou o papel e pôs os olhos numa
sereia de ouro bem maior que a que Anna Jane havia ganho. Mas o formato
era o mesmo. As únicas diferenças eram que a sereia não tinha tiara de pérolas
e segurava um diamante bem maior.
— Das duas.
— Diga "obrigada".
— Eu... — Depois de morder o lábio ela olhou para Jarrett com a cabeça
abaixada. — Obrigada.
— Eles voltarão.
Kayla riu.
— Ei, essa é a minha fala — interferiu Patrik, para logo depois abrir um
largo sorriso.
— Segure esse sujeito, Fabiana. Não há muitos como ele por aí.
Fabiana tinha que concordar. Não saberia explicar como, mas estava
tendo sorte com Jarrett. Por providência dele, ela e a família tinham passado o
melhor Natal da vida.
Fabiana riu com eles. Assim como Anna Jane, estava triste por ver as
irmãs partirem, mas a perspectiva de dançar nos braços de Jarrett no dia
seguinte era compensadora. Ela havia comprado um vestido bem sexy na
butique. A ocasião seria perfeita para estreá-lo. Queria impressionar Jarrett. E
talvez deixá-lo um pouco desequilibrado. Seria justo. Ele fazia a mesma coisa
toda vez que olhava para ela.
— Sorte dela se há aqui mais meninos do que meninas. Mas acho que o
sucesso de Anna Jane não diminuiría se essa proporção fosse inversa.
— Você não só não tem, como está proibida de fazer isso. Tem apenas
nove anos, Anna Jane. Que diabo...!
A garota riu.
— Você não é um menino, mas sim um homem feito. — Nesse ponto ela
abaixou a voz. — Mas é bom saber disso. Bobby disse que à meia-noite todos
se beijam. Não sei se vou gostar.
Fabiana sorriu.
— Mas eu também não devo estar pronto? Ela não deve esperar até que
isso aconteça?
— Como?
— Você podia ser pai de trigêmeas.
— O quê?
— Não ficaria lá sem vocês. Mas foi muito divertido assim mesmo.
— Obrigado.
Jarrett procurou não se deixar influenciar pelo fogo que via nos olhos
dela. Aquilo provavelmente acontecia sem o consentimento de Fabiana. Devia
ser resultado do clima da noite, da dança, do champanhe.
Mas podia ser algo inteiramente diferente. Talvez ela estivesse reagindo
com ele da mesma forma como ele reagia com ela. Podia ter certas
necessidades. Talvez o desejo da carne a dominasse, mantendo-a acordada até
aquela hora.
— Qual é o problema?
Por alguns instantes Fabiana ficou olhando para ele, com os lábios
entreabertos.
— Entraria com você no seu quarto... e nós dois nos deitaríamos na sua
cama.
Por alguns instantes Fabiana o fitou. Jarrett estava nervoso. Sabia que
não morreria se fosse rejeitado, mas isso não seria nada bom.
— E então, Fabiana?
15
Fabiana não quis acreditar que tinha tido tanta ousadia. Jarrett também
não devia estar acreditando, pela expressão que mostrava. Mas parecia feliz.
Fabiana ficou arrepiada quando Jarrett a beijou ternamente. Acariciou-o
na face enquanto ele traçava o contorno dos lábios dela com a língua. Já se
sentia quente, pronta para a entrega.
Depois, ele passou a beijar a sensível área por baixo da orelha direita
dela. Fabiana sentiu os seios levemente doloridos. As pernas tremiam e ela até
duvidou de que conseguiria continuar em pé. Apoiou-se nele com medo de
desabar no chão.
— Jarrett, eu...
Depois que eles entraram no quarto de Jarrett, ele fechou a porta com o
pé. Sem parar de beijá-la, pressionou um interruptor na parede e uma
lâmpada se acendeu num canto do quarto. A fraca luminosidade mostrou a
cama no centro do cômodo. Jarrett caminhou até lá e cuidadosamente a
deitou. Só então parou de beijá-la.
Outra vez ele a beijou, levando-a mais para o meio da cama. Fabiana
relaxou, buscando abrigo naquele peito poderoso.
— Só queria que você soubesse o que fez comigo — ele disse, passando
uma mão por baixo dela para soltar a presilha do sutiã.
Depois ele cobriu com a boca metade do outro seio dela. A morna
umidade provocava um prazer entontecedor, que só aumentava por causa do
passeio da língua dele. Enquanto isso os dedos de Jarrett continuavam a
trabalhar no outro seio. Era como uma dança sensual, ponto e contraponto,
aumentando cada vez mais o desejo dela. Fabiana não conseguia falar e mal
respirava. Existiam apenas o homem e a mágica que ele criava.
Não pare. Era o que ela queria dizer. Não pare de me tocar desse jeito. Não
pare de me fazer sentir essas coisas.
Jarrett rasgou a frágil calcinha mas ela não protestou. Quando ele desceu
do seio até a região das costelas, o murmúrio dela mal pôde ser ouvido. Agora
Fabiana experimentava novos prazeres.
Jarrett mudou novamente de posição e ajoelhou-se entre as pernas dela.
Beijou-a na barriga, depois nas laterais das ancas. Usando as mãos, subia e
descia nas coxas dela. Sempre que alcançava a parte mais alta, o polegares
dele chegavam perigosamente perto do centro umedecido. Fabiana sentiu os
músculos fracos. Queria... Precisava...
Logo. Seria verdade? Iria ela finalmente passar pela experiência sobre a
qual tanto lera e ouvira falar? Veria o mundo se movendo e se sentiria às
portas do paraíso? Isso realmente aconteceria?
Antes que Fabiana pudesse pensar num jeito de fazer aquelas perguntas
sem parecer uma idiota, Jarrett abaixou a cabeça e pressionou a língua contra a
parte mais íntima dela. A sensação foi tão fantástica, tão maravilhosa que ela
nem pensou em protestar. Em vez disso, num gesto sem o menor pudor,
ergueu os joelhos e plantou os pés na cama.
Gostar não era exatamente a palavra que ela teria usado. Estava
adorando. As sensações que os movimentos da língua dele provocavam, a
mente turva, os gemidos involuntários que saíam da garganta dela... Tudo
aquilo era uma coisa de sonho. Racionalmente ela não acreditaria ser possível.
— Eu também.
Jarrett quase perguntou o que ela estava querendo dizer. Quando ia fazer
isso, Fabiana abriu mais as pernas e movimentou os quadris para cima. Foi o
incentivo de que ele precisava. Ajeitou-se na entrada dela e vagarosamente foi
penetrando.
A surpresa quase superou o desejo. Jarrett olhou-a nos olhos, sem saber
se havia entendido corretamente o que estava acontecendo.
— Fabiana?
Quero que você seja o escolhido. Agora ele entendia. Ela era virgem. Ou
tinha sido. Graças a ele, não era mais.
E agora era tarde para recuar. O corpo dela se oferecia, tentador demais.
Consumada a penetração, ele não saberia dizer quanto tempo ficou nos
movimentos de vaivém. Até que chegou ao orgasmo, despejando dentro de
Fabiana sucessivas descargas de sêmen e perdendo-se no prazer que aquilo
proporcionava.
Depois do último estremecimento, Jarrett saiu da posição em que estava
e sentou-se na beira da cama. A enormidade do que acabava de acontecer o
espantava. Que diabo havia passado pela cabeça daquela mulher?
— Eu deveria lhe fazer essa pergunta — ele disse. Por que uma coisa tão
maravilhosa o fazia sentir tanta amargura?
— Eu sei.
— Acha isso um problema? Concordo que devia ter contado, mas nem
pensei nisso. Tudo o que queria era que fizéssemos amor. — Nesse ponto a
confusão dela se transformou em vergonha. — É porque não foi muito bom,
não é? Isto é... Porque você não soube o que fazer. Desculpe-me. Eu devia ter
pensado nisso.
Teria parado. Jamais havia levado uma virgem para a cama tendo
conhecimento disso. Não queria ter na lembrança aquela responsabilidade.
Queria ser livre para se afastar dela.
Sim, ele tinha certeza. Estar com ela era tudo o que havia querido. E
mais: pela primeira vez em muitos anos, fizera amor em vez de apenas fazer
sexo. Arriscara-se a se apaixonar, e acabava saindo como perdedor. Diabo de
mulher.
— Como pode dizer isso? Não foi uma armadilha. Eu gosto de você.
Pensei que também gostasse de mim. Pensei que... — Nesse ponto ela fechou
os olhos. — Pensei que me desejasse.
— O que saiu errado, Jarrett? O que aconteceu de tão horrível para você
me punir desse jeito? Eu te amo.
Mas não fez nada disso. Havia conhecido o risco de gostar, de tentar
fazer com que um relacionamento desse certo. Conhecia o preço do engano.
Bem, havia uma coisa que precisava ser feita antes da partida. Fabiana
respirou fundo, levantou-se e caminhou para a porta. Viu em cima da
penteadeira a garrafa em que havia recebido a mensagem de Anna Jane.
Preferira não levá-la. Seria uma lembrança dolorosa demais.
— Eu não esperava nada — ela prosseguiu. — A não ser talvez que você
admitisse gostar de mim.
Silêncio total.
— Espero que um dia você ainda possa superar o passado, Jarrett. Espero
que ainda possa amar alguém o suficiente para confiar e entregar o coração.
Merece isso. Quanto a mim, acho que nunca deixarei de te amar. Minhas irmãs
sempre amaram apenas um homem cada uma e eu sou exatamente como elas.
Nesse ponto ela soltou o que podia ser um riso ou uma sucessão de
soluços.
— Jarrett, quero sua permissão para levar Anna Jane comigo. Sou
professora e conheço as necessidades da menina. Gostaria muito de cuidar
dela como se fosse minha própria filha. Assim você não teria mais com que se
preocupar.
— O que vai fazer com ela? Não pode deixá-la aprisionada nesta ilha, e
não é boa ideia mandá-la para um internato. A menina se sentiria
abandonada.
Fabiana sentiu-se esbofeteada. Jarrett não queria acreditar que ela havia
se oferecido por gostar dele, mas mostrava-se disposto a deixar a ilha em
atenção a Anna Jane. Seria melhor ela nunca ter sabido disso. Pelo menos não
se sentiria idiota por ter pensado que ele não era capaz de amar ninguém.
Agora sabia que ele amava a sobrinha e que simplesmente não a amava.
— Por quê?
— É difícil explicar.
Bastaria se fosse verdade. Mas não era e ela não podia obrigá-lo a isso.
— Prometo — murmurou.
16
Não. O que ela queria não era uma nova amiga, mas sim que Fabiana
voltasse. Uma mensagem não ajudaria. Também não adiantaria ligar
diretamente para Fabiana pedindo que retornasse. Intimamente Anna Jane
sabia que tinha alguma responsabilidade na partida da amiga. Alguma coisa
havia acontecido entre Fabiana e tio Jarrett, mas o quê? Fabiana não voltaria
enquanto a questão não se resolvesse.
E cabia a ela, Anna Jane, descobrir qual era o problema para tentar
resolvê-lo. Assim resolvida, ela se levantou e caminhou para a casa. Quando
se aproximou do escritório do tio, ergueu a cabeça e aprumou o corpo. Exigiria
ser ouvida. Faria com que ele entendesse que tudo tinha sido melhor quando
Fabiana estivera ali.
Quando entrou no escritório, porém, Anna Jane viu que o tio nem
mesmo fingia trabalhar. Olhava para um ponto fixo no espaço. Subitamente,
ele contraiu os músculos do rosto, como se fosse começar a chorar. A
possibilidade de ver o tio chorando a assustava e ela saiu rapidamente do
escritório, tomando o caminho da escada. Quando começou a subir, sentiu um
frio na espinha. As criaturas más haviam voltado.
Fabiana já havia escrito para Anna Jane duas vezes. Com um pouco de
sorte, logo receberia resposta da menina. Certamente não seria a mesma coisa
que estar lá, em contato direto, mas ajudaria um pouco. Seria mais do que ela
tivera com Jarrett.
Até que o mundo dele voltou a ser preto e branco, Jarrett não havia
percebido que havia se acostumado às cores. A casa era uma prisão e, embora
ele tivesse planos para ir embora dali, estava com a sensação de que aquela
atmosfera cinzenta e nebulosa o seguiria a qualquer lugar.
Havia deixado que ela partisse. Não existia outra forma de descrever a
coisa. Fabiana fora de bom grado à cama dele, oferecendo o mais precioso dos
presentes, e ele a descartara. Por puro medo. Porque, não importava o quanto
a desejasse, tinha pavor de que o passado se repetisse. Não queria ser
responsável por algo terrível que pudesse acontecer com ela.
A morte de Charlotte tinha sido uma tragédia sem sentido, mas ele
jamais havia amado a mulher. Culpando-se, havia se afastado do mundo. Até
o momento tudo correra bem. Ele se ajustara à vida solitária... Um ajustamento
até fácil, porque sempre vivera longe do que a maioria das pessoas
considerava normal. Até o aparecimento de uma misteriosa desconhecida. Até
que o riso franco de uma alma bondosa encontrasse espaço na vida dele. Até
que ele aprendesse o que era desejar e amar alguém.
Jarrett apertou os lábios. Sabia que naquela manhã ela havia apanhado
no hotel as cópias das fotos feitas na festa de Natal. Fotos de Fabiana e da
família dela.
Ao ver uma das fotos Jarrett sentiu os músculos tensos. Ele e Fabiana
apareciam juntos, no sofá. Ele falava com alguém que não aparecia na
imagem, mas ela o olhava fixamente. O amor que se via no semblante de
Fabiana era genuíno e poderoso, até ele reconhecia isso.
— Mamãe costumava olhar assim para papai — disse Anna Jane, com
meiguice.
— Fabiana ama você, tio Jarrett. Foi por isso que ficou zangado?
— Não.
Então por que diabo a mandou embora? Não era a primeira vez que aquela
voz gritava na mente dele. Era preciso responder.
— Quando falei com Fabiana sobre amar Nana B. mais do que mamãe,
ela disse que não era errado amar uma pessoa mais do que outra. Garantiu
que nunca é errado amar. Disse também que não há nenhum problema em
sentir saudade da pessoa de quem se gosta. — Anna Jane pôs as fotos em cima
da mesa e olhou para ele. — Estou assustada, tio Jarrett. Estou triste porque
Fabiana foi embora. Não quero que você também vá embora.
— Fui um idiota.
Ele falou sem pensar, logo vendo que dissera a pura verdade.
— Eu estava com medo. Tinha medo de amar Fabiana do jeito como sua
mãe amava seu pai, ou como Charlotte me amava.
— Quem é Charlotte?
— Ninguém que você conheça. Não posso explicar mais sobre isso, a não
ser que, quando você for crescida, poderá achar fácil não amar ninguém.
— Eu sei.
— Você ama Fabiana e ela o ama. Por que deixou que ela fosse embora?
Outra vez a mesma pergunta. E a resposta era que ele ficara com medo.
— O que foi que eu fiz? — disse Jarrett, como se falasse consigo próprio.
— Fala sério?
— Claro.
— Estou admirando o seu colar desde que chegamos aqui. Ele é lindo.
A mulher sorriu.
— Obviamente de um admirador.
Meu nome é Jarrett Wilkenson e tenho trinta e dois anos. Moro numa casa
muito grande numa ilha. Se você encontrar esta mensagem, espero que me perdoe por
ter sido tão idiota. Eu te amo e preciso tê-la na minha vida. Por favor, seja minha
amiga, minha amante, minha esposa. Por favor me diga que ainda não é tarde demais.
— Perdão — disse, erguendo as duas mãos para segurar numa das dela.
— Eu tinha medo de amar porque achava que o amor significava sofrimento.
Mas o meu maior sofrimento é estar longe de você, que é a melhor coisa que já
me aconteceu. Você trouxe cores para a minha vida. Não consigo imaginar um
mundo sem você. — Nos olhos dele brilhavam as chamas do amor. — Não
tenho nada para oferecer. Você já tem uma família e dinheiro.
Fabiana sorriu.
Fabiana assentiu.
— Sim. Quero estar com você para sempre. Quero criar Anna Jane como
se fosse nossa filha e talvez ter mais alguns para fazer companhia a ela.
Em seguida, ele a beijou. Com o canto do olho Fabiana viu que Anna
Jane havia se aproximado para bater uma foto deles. Também ouviu o barulho
das filmadoras dos turistas sendo postas em ação. Logo eles estariam sendo
mostrados nas telas de TV de várias casas.
Outra vez ele a beijou e Fabiana teve certeza de que tudo estava bem.
Quando Jarrett resolvia alguma coisa, nada o impedia de realizá-la. Ela teria
uma vida inteira de amor com aquele homem. Eles liquidariam os demônios
do passado e encontrariam a perfeita felicidade... juntos.
Epílogo
O diretor era um homem alto e magro que não parava de falar em captar
a "essência" do texto que seria encenado.
— Já faz vinte anos — disse Kayla, da cadeira onde estava sentada. — A
essência deve estar muito velha.
Elissa riu. Tentando não rir também, Fabiana olhou para as irmãs.
Elissa tomou a palavra e explicou quem elas eram e por que haviam
participado as três do programa de televisão. Kayla falou em seguida,
relatando o que ela e as irmãs tinham feito depois de deixar a vida artística.
FIM