Susan Mallery - Magia Do Caribe

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Seu passado era um mistério.

Seu presente, uma grande


paixão!
Quando aquela linda e sensual sereia apareceu na praia de sua mansão, trazida
pelas ondas do mar, Jarret Wilkenson ficou desconfiado. Milionário e solteiro, ele
sofrera as mais estranhas tentativas de conquista. Jarret não podia deixar se
influenciar pela beleza da desconhecida, que afirmava estar com amnésia. Mas
precisava desvendar o passado da misteriosa hóspede, para saber se ela poderia ter
um futuro...com ele!

REVISÃO: CLARICE
FORMATAÇÃO: MARISA
Susan Mallery

MAGIA DO CARIBE

ARLEQUIN®

Copyright © 1997 by Susan W. Macias

Originalmente publicado em 1997 pela Silhouette Books, divisão da


Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos reservados, inclusive o
direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma.

Esta edição é publicada através de contrato com a Harlequin Enterprises


Limited, Toronto, Canadá. Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas
registradas da Harlequin Enterprises B.V.

Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com


pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.

Título original: The Misterious Stranger

Tradução: José Batista de Carvalho

EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.

Rua Paes Leme, 524 - 10° andar

CEP: 05424-010 - São Paulo - Brasil

Copyright para a língua portuguesa: 1997

EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.

Fotocomposição: Editora Nova Cultural Ltda.

Impressão e acabamento: Gráfica Círculo


Prólogo

Anna Jane tocou na lisa madeira da porta do escritório e suspirou. Ela


adorava o tio Jarrett. Sabia que era uma sorte ter alguém para cuidar dela
depois da morte da mãe. Às vezes, porém, desejava que ele não exercesse
apenas o papel de guardião legal. Queria que fosse fácil para ele estar com ela,
amá-la. Queria tê-lo como amigo, mesmo ele sendo um adulto.

Mas tratava-se de um homem ocupado. Muito ocupado. Tio Jarrett tinha


um império para comandar. Pelo menos era o que ela sempre ouvira da mãe.

— Seu tio Jarrett nasceu para correr o mundo, Anna Jane. Por isso não
estará aqui no Natal.

Ele também não aparecia no aniversário de Anna Jane e nem mesmo no


da mãe dela. Tio Jarrett tinha responsabilidades, muitas das quais eram mais
importantes que uma menina de nove anos.

Anna Jane afastou-se do escritório e dirigiu-se à escada. As sandálias


fizeram barulho ao pisar nos degraus de mármore, os intervalos entre os sons
se tornando mais curtos à medida que ela corria para o segundo andar. Subir
aquela escada era algo que não a agradava. A casa era grande demais e muito
silenciosa. Às vezes ela achava que, se não se apressasse, surgiriam criaturas
para beliscá-la.

Não falava ao tio sobre aquele medo por não acreditar que ele
entendesse. Homens que dirigiam impérios dificilmente se preocupariam com
criaturas imaginárias beliscando quem quer que fosse.

Anna Jane entrou no quarto e fechou a porta. A decoração ali tivera o


propósito de proporcionar conforto à dona. Além da espaçosa cama, havia
uma cômoda, uma mesa, prateleiras para livros e uma enorme caixa de
brinquedos. As roupas mal ocupavam um quarto do espaço disponível no
armário embutido. Mesmo assim, quando trancava a porta para o mundo lá
fora, era ali que ela se sentia segura.

Anna Jane caminhou até a janela e olhou para o profundo azul do Mar
do Caribe. As ondas quebravam na praia. Ela gostava da praia, embora não
tivesse permissão para ir sozinha até lá. Gostava dos cheiros da ilha e do sol
quente, mesmo sendo dezembro. Às vezes lembrava-se de que em Nova York,
onde morara até poucas semanas antes, devia estar nevando. Quando pensava
nisso sentia saudade dos amigos, do quarto que tinha lá e de Nana B.

Anna Jane apertou os olhos para não chorar. Criancinhas choravam, mas
ela já era quase uma moça. Mesmo assim era difícil superar a solidão. Se ao
menos tivesse um amigo na ilha, alguém com quem pudesse brincar ou
conversar, alguém que a abraçasse e se lembrasse de que dentro de duas
semanas seria Natal... Dificilmente tio Jarrett se lembraria disso e ela ainda não
havia pensado numa forma de chamar a atenção dele para o fato.

Superada a ameaça de lágrimas, ela ergueu as pálpebras e correu os


olhos pelo quarto. Talvez se sentisse melhor se lesse um livro. Então,
caminhou até uma das prateleiras e examinou os novos títulos. Nada a atraía e
ela correu o dedo pela lombada de livros que já lera. Não seria como conversar
com alguém, mas os personagens das histórias eram amigos para qualquer
hora. Anna Jane parou com o dedo num volume. Lembrava-se da história, que
falava de uma menina mantida cativa numa terra distante. Querendo escapar,
a personagem mandava uma mensagem numa garrafa pedindo que alguém a
ajudasse.

Anna Jane sorriu. Talvez devesse fazer a mesma coisa... Mandar uma
mensagem numa garrafa procurando um amigo.

Correndo para a mesa ela rapidamente escreveu um bilhete. No verso fez


um resumido mapa da ilha e indicou com um X o local da casa. Entrando no
banheiro, examinou as garrafas com sais de banho, escolhendo uma delas.

Era uma bonita garrafa, larga na base e que se afinava na direção do


gargalo. Depois de retirar a rolha ela despejou o conteúdo num vidro, enfiou
na garrafa o bilhete enrolado e voltou a fechá-la. Certificando-se de que a
rolha estava bem firme, correu para a escada.

À porta de saída Anna Jane franziu a testa, com duas preocupações: não
podia ir sozinha até a praia e não queria que ninguém soubesse da garrafa.
Além disso, as ondas poderiam empurrar o recipiente até as rochas e quebrá-
lo. Mas no outro lado da propriedade havia um lago raso de onde partia um
riacho que desaguava no mar. Ela poderia deixar ali a garrafa, que seria
levada embora.

Dez minutos mais tarde Anna Jane ficou olhando para a garrafa
flutuando na água. A corrente era vagarosa, movendo-se preguiçosamente
para uma curva do riacho, mas logo a garrafa com o bilhete alcançaria o mar.
Então, ela juntou as mãos, rezando para que alguém encontrasse a mensagem
e se mostrasse disposto a aceitar a amizade oferecida...
1

Fabiana Bedford abriu a espreguiçadeira na frente do chalé, tentando se


convencer de que estava se divertindo. A mentira não foi aceita pela
consciência, em geral realista. O paraíso não estava sendo o que ela esperara.

— Você está de férias — ela disse a si mesma. — Relaxe.

Fabiana pôs os óculos escuros e respirou fundo. O sol quente brilhava


num céu absurdamente azul. Sobre a mesinha ali perto repousavam uma
revista de moda e um drinque tropical muito carregado em rum. O objetivo
dela tinha sido divertir-se o dia inteiro, sem se preocupar com nada. Havia
conseguido isso até uma e meia da tarde, quando o tédio a dominou.

Talvez não tivesse sido boa ideia ir tão cedo para a ilha. Uma mudança
no calendário escolar encerrara o semestre duas semanas inteiras antes do
Natal. Preferindo não ficar em casa até que as irmãs e seus maridos saíssem de
férias, ela resolvera partir mais cedo. O chalé já reservado estava disponível e
só foi necessário antecipar a data da ocupação. Ela teria sozinha dez dias de
sol, surfe e o que mais se fazia em lugares como aquele. Infelizmente, logo no
meio do primeiro dia estava entediada.

Devia ser pela falta de costume. Naquele semestre não fora fácil lidar
com a turma da quinta série. Tendo que cumprir as exigências do trabalho,
manter-se em contato com as duas irmãs e planejar o próprio futuro, ela não
tinha tempo livre. Levaria alguns dias para se acostumar ao ócio. No
momento, talvez uma boa caminhada aplacasse aquela inquietude.

Fabiana envolveu-se na canga colorida, que combinava com a roupa de


banho. Depois de pegar o chapéu e a chave do chalé, tomou um último gole da
bebida e rumou para o caminho que levava ao prédio principal do hotel.

O lugar era uma combinação de refúgio romântico e paraíso tropical.


Embora os hotéis da rede Wilkenson fossem conhecidos pela excelência de
suas instalações, o da Ilha de Santa Alícia certamente superava os demais.
Muitos chalés cercavam um pequeno lago no lado leste da propriedade.
O hotel em si tinha três alas, que ocupavam quase oitocentos metros de ponta
a ponta. A praia cercava a ilha, uma faixa de areia branca com enseadas de
águas cálidas. Fabiana ouvira dizer que era possível contornar a ilha seguindo
numa ou noutra direção da praia. Bem, não havia necessidade de verificar a
veracidade daquilo. Para começo de conversa, Santa Alícia tinha mais de
oitocentos quilômetros quadrados e ela não estava com a menor vontade de
caminhar tanto.

Em volta do lago havia uma calçada de pedras lisas que passava bem
perto da água. Fabiana saiu caminhando vagarosamente, inspirando a doçura
do ar tropical. Pássaros cantavam nas árvores, pulando de galho em galho.
Flores coloridas brotavam dos arbustos na lateral da calçada.

Quando dobrou uma curva ela teve a atenção chamada por alguma coisa
que boiava na água. A princípio a coisa pareceu um peixe, mas tinha um outro
formato e estava sempre na superfície. Fabiana se aproximou, estendeu a mão
e pegou uma garrafa de vidro. Lá dentro havia um pedaço de papel enrolado.

Fabiana olhou em volta, achando que talvez estivesse sendo vítima da


brincadeira de alguém. Um bilhete numa garrafa? Aquilo não acontecia na
vida real. Mas era o que estava ali. Caminhando até um dos bancos de pedra
que havia ao longo da calçada ela se sentou. Depois de desarrolhar a garrafa,
retirou o papel para ler a mensagem.

Meu nome é Anna Jane e tenho nove anos. Moro numa casa bem grande no
extremo norte da ilha. Não tenho ninguém com quem brincar. Se você encontrar esta
mensagem, espero que venha me visitar e aceite a minha amizade.

Ao pé da página estava escrita a palavra vire. Fabiana olhou no outro


lado do papel e viu um mapa rabiscado à mão com um X indicando a casa da
menina.

— Que coisa triste — ela murmurou.

O formato da ilha do mapa era o de Santa Alícia e a casa devia estar ali
perto. Se os pais da menina concordassem, ela gostaria de visitar aquela
criança solitária. Pelo menos teria alguma coisa para fazer.

Levando o papel, Fabiana dirigiu-se ao prédio do hotel. Perto da piscina


havia um comprido bar coberto por um toldo. Sentando-se num dos bancos
ela sorriu quando o barman se aproximou. Tomou o cuidado de ler o nome
gravado no crachá do rapaz.

— Sabe onde fica essa casa, Joshua? — ela perguntou, pondo o papel em
cima do balcão.

Por alguns instantes o barman examinou o mapa rabiscado.

— Parece a casa-grande — concluiu. — É onde mora o sr. Wilkenson.

— O dono do hotel?

— Sim.

— A filha dele deve ter mandado a mensagem — supôs Fabiana, falando


mais para si do que para o rapaz. — Onde está a esposa dele?

Joshua franziu a testa.

— Não há esposa. O sr. Wilkenson não é casado. Também não há


nenhuma menina.

— Mas tem que haver — persistiu Fabiana, virando o papel para mostrar
o bilhete. — Foi ela quem escreveu isto.

Joshua leu a mensagem.

— Não sei de quem se trata.

— Que estranho... — murmurou Fabiana, lembrando-se de que na


verdade aquilo não era da conta dela. Mas estava sem nada para fazer e a tal
menina parecia precisar mesmo de uma amiga. — Existe alguma outra casa
perto da propriedade do sr. Wilkenson? Talvez essa criança seja de lá.

— O patrão não tem nenhum vizinho, mas é fácil chegar à casa dele. Siga
pela praia na direção norte. Fica a uns seis quilômetros daqui. Logo
reconhecerá o lugar. Mas vá preparada, porque o sr. Wilkenson não gosta de
companhia.

— Isso não me surpreende. — O dono da cadeia de hotéis Wilkenson


tinha mesmo fama de ser um recluso. — Não estou interessada no homem,
mas na menina, se é que ela existe. Não se preocupe, Joshua. Não direi a ele
que você me ensinou o caminho.

Joshua sorriu.

— Ainda bem. Hoje mesmo embarcarei de avião para passar férias em


casa. Não quero ser obrigado a ir falar com o sr. Wilkenson.

— Onde é "em casa"?


— Na Jamaica.

Fabiana desceu do banco e sorriu para o rapaz.

— Obrigada pela informação, Joshua. E boas férias.

Logo depois ela se afastou. Alguns metros adiante parou e examinou o


mapa. Caminhar seis quilômetros na praia seria o mesmo que percorrer uma
trilha de seis quilômetros na montanha. Talvez pior, porque a areia era fofa. Já
eram quase duas horas. Não havia como encontrar a casa e retornar ainda à
luz do dia.

Bem, ela deixaria a empreitada para o dia seguinte.

Fabiana levantou-se cedo. Juntamente com o café da manhã, pediu que


entregassem no chalé uma caixa com o almoço e algumas garrafas de água
mineral. Pôs a caixa e a água numa velha mochila de lona, mais o protetor
solar e uma toalha.

Depois de sair e fechar a porta, rumou para a praia. Passava pouco das
oito horas e havia apenas umas poucas pessoas fazendo cooper na beira da
água.

Fabiana ajeitou na cabeça o chapéu de abas largas e sorriu sozinha. Não


importava o resultado daquela jornada, ela estava contente com o que se
propusera a fazer. Havia passado muitos meses numa sala de aulas com vinte
e oito brilhantes e ativas crianças de dez anos. Merecia um descanso.

Duas horas mais tarde as passadas firmes de Fabiana haviam se


transformado num caminhar trôpego. Os pés afundavam na fina areia e as
coxas doíam. Ela calçava tênis especiais, para o caso de ter que fazer alguma
escalada, mas não havia grandes elevações em Santa Alicia, menos ainda na
praia. Não se via nada além de sol, areia e água. E onde podia haver um sol
mais quente do que aquele?

Fabiana tirou o chapéu e usou-o para abanar-se. Se a quentura que sentia


nas faces e nos ombros dizia alguma coisa, o protetor solar número trinta que
havia usado não seria suficiente para deixá-la com a pele protegida. Havia um
bom tempo que ela não via vivalma, assim como não encontrava sinais de que
a área em volta era habitada. Se já não houvesse passado duas noites no lindo
hotel de praia, juraria que tinha sido deixada por engano numa ilha deserta.

Duzentos metros adiante, numa bonita enseada, Fabiana parou e,


aproveitando a rala sombra de uns arbustos, sentou-se. Pegou uma garrafa de
água na mochila e bebeu uns bons goles. Já havia esvaziado a primeira garrafa
e a segunda estava na metade. Depois abriu a caixa com o almoço.
Terminada a refeição, suspirou. Sentia a cabeça um pouco pesada, o que
atribuiu ao calor. Talvez devesse fechar os olhos por alguns minutos para
descansar.

Enfiando o bilhete no bolso ela se espichou na areia e usou o chapéu para


cobrir o rosto. Segundos mais tarde estava cochilando, quase adormecida mas
levemente ciente da passagem do tempo. Alguma coisa macia começou a
embalá-la, erguendo-a cada vez mais alto. Quando ela respirou fundo,
aconteceu o choque.

Fabiana abriu os olhos. Alguma coisa estava terrivelmente errada.


Preciosos segundos foram necessários para que ela enchesse os pulmões de ar.
Horrorizada, percebeu que a maré estava alta. A água havia coberto toda a
praia e alcançava os rochedos que havia num dos cantos da enseada.

Procurando relaxar ela ficou boiando, tentando se convencer de que tudo


daria certo. Afinal de contas, sabia nadar. A maré apenas havia subido e a
enseada não era tão grande assim. Em último caso, bastava voltar nadando na
direção do hotel.

Com o pânico controlado, Fabiana começou a fazer, nadando, o caminho


de volta. Procurou se aproximar de uns rochedos na esperança de que ali
desse pé. Sentiu os pés pesados e sacudiu-os para livrar-se dos tênis. Estava
perto de um dos rochedos quando sentiu a primeira cãimbra.

A dor foi forte, fazendo-a dobrar o corpo. Experimentou o gosto da água


salgada e sentiu-se sufocada. Com a segunda cãimbra, entrou em pânico e
começou a chorar. Pôs-se a tossir, debatendo-se para se manter na superfície.

Uma onda a atingiu, empurrando-a na direção do rochedo. Com muita


dificuldade ela se desviou do choque. Depois sentiu novamente o estômago
embrulhado. Com a onda seguinte, foi impossível impedir a colisão com o
rochedo. A última coisa que Fabiana sentiu conscientemente foi o choque
contra a dura e lisa superfície da pedra.

— Diga a eles que é a nossa última oferta — orientou Jarrett Wilkenson,


virando a cadeira giratória para a maravilhosa vista que se podia ter através
da enorme janela envidraçada do escritório. — Ou eles concordam ou nós
caímos fora. Entendeu?

— Sim, senhor — disse a voz no outro lado da linha. — Temos só mais


dois assuntos para tratar hoje.

Jarrett girou novamente e cadeira para o lado da mesa e riscou um dos


itens anotados numa folha de papel. Aqueles telefonemas que recebia duas
vezes por semana tomavam muito tempo mas eram preferíveis a voar até os
Estados Unidos para resolver tudo pessoalmente.

— Temos que resolver a questão do hotel em Riverbend — disse o


assessor. — De acordo com minhas fontes...

A porta se abriu e Anna Jane entrou correndo.

— Tio Jarrett, venha depressa!

Jarrett voltou-se para a sobrinha, que estava com os olhos arregalados.

— Espere um pouco, Roberts — ele pediu, pondo o fone sobre a mesa e


olhando para a menina. — O que aconteceu?

Parada na frente da mesa, Anna Jane apertou as mãos, muito nervosa.

— Há uma moça na praia. Frank acha que a maré alta a surpreendeu na


enseada e que as ondas a trouxeram até aqui. Está ferida. Frank disse também
que ela precisa de atendimento médico.

Jarrett assentiu e pegou novamente o fone.

— Ligarei para você mais tarde, Roberts. Tenho que resolver uma coisa
aqui.

Dito isso ele desligou, sem esperar pela resposta. Em seguida, pressionou
os botões de um outro número. Quando uma mulher atendeu, Jarrett
informou que havia uma pessoa ferida na praia e ordenou que o médico fosse
mandado imediatamente para lá.

Finalmente levantou-se e marchou para a porta. Instantes mais tarde


estava fora da casa, caminhando rapidamente para a praia.

Uma misteriosa mulher arrastada pela água até a praia dele. Jarrett fez
cara feia. Era um bom truque... Original, embora arriscado. Mas sempre havia
aquelas dispostas a correr riscos incríveis na esperança de fisgá-lo. E ele havia
pensado que ali estaria a salvo desse assédio...

— Tio Jarrett?

Ao ouvir a vozinha ofegante, Jarrett lembrou-se de que havia saído do


escritório na frente da sobrinha, quase correndo. Então parou e esperou pela
menina.

— O que é, Anna Jane?

— Acho que fiz uma coisa feia, tio Jarrett.

A garota estava com o lábio inferior trêmulo. Às vezes ele via em Anna
Jane traços da irmã. Eram expressões, palavras pronunciadas num certo tom
ou cadência, coisas que o levavam de volta a um passado quase esquecido. Em
outras ocasiões, porém, a sobrinha era uma desconhecida. Talvez fosse porque
ele a vira apenas meia dúzia de vezes antes de se tornar guardião dela. Na
verdade, até levá-la para a ilha logo depois do enterro de Tracy, eles nunca
tinham estado juntos por mais de poucas horas.

— O que você fez? — ele perguntou.

Anna Jane abaixou a cabeça.

— Não tive intenção de... Estava me sentindo sozinha e queria ter


alguém com quem brincar. Por isso escrevi um bilhete.

— Não há nenhum mal nisso — disse Jarrett, girando o corpo para voltar
a caminhar para a praia.

— Mas não foi só isso.

Então ele parou e olhou para trás, pensando nas palavras da menina.
Estava me sentindo sozinha.

A solidão era uma coisa que Jarrett conhecia bem. Havia aprendido a
aceitá-la como alguém aceitava uma dor crônica ou a presença de um visitante
importuno. Mesmo assim não pensara na possibilidade de que uma criança se
sentisse solitária.

— O que mais você fez, Anna Jane? — ele perguntou, desejando poder
fazer o melhor pela sobrinha.

— Pedi que quem encontrasse a carta viesse me visitar. Desenhei um


mapa da ilha e indiquei o local da casa.

— Sim, mas não sei o que isso tem a ver...

— Pus o bilhete numa garrafa, que joguei na água — interrompeu-o


Anna Jane. — Foi por isso que ela veio. Encontrou o meu bilhete e agora vai...
vai morrer.

Como mamãe. Anna Jane não disse as palavras, mas Jarrett ouviu-as
claramente. Solidão e culpa, os dois cães que guardavam a entrada do inferno.
Como ele explicaria que nada do que havia acontecido era culpa da menina?

— Se você pôs a garrafa no mar recentemente, não houve tempo para


que ela chegasse a uma outra ilha — disse Jarrett.

Por alguns instantes a menina ficou pensativa. Depois sorriu.

— Tem razão. Só joguei a garrafa na água ontem. — Chegando mais


perto ela tocou no braço dele. — Obrigada, tio Jarrett.
— De nada, Anna Jane. Agora vamos ver como está nossa misteriosa
visitante.

Chegando perto da praia Jarrett viu que Frank e Leona, o casal que
trabalhava na propriedade, ele como jardineiro e ela como doméstica, já
estavam lá, abaixados ao lado de uma figura deitada na areia.

— Fique aqui — ele disse a Anna Jane, seguindo adiante.

Leona levantou-se e foi ao encontro dele.

— Oh, sr. Wilkenson, estou vendo que Anna Jane lhe falou sobre a
mulher. Pobrezinha. — A mulher fez um gesto na direção da desconhecida. —
Ela está respirando, mas não se mexe. O senhor chamou o médico? Sabe quem
é ela? Talvez seja uma hóspede do hotel. Ou alguém que participava de uma
excursão marítima. Pode ter caído do barco.

Leona continuou a desfiar sua lista de possibilidades, todas trágicas.


Jarrett agachou-se e encostou o dedo no pescoço da mulher. A pulsação era
fraca mas firme. Apenas um hematoma arroxeado no lado esquerdo do rosto,
um corte na testa e arranhões nos braços e nas pernas manchavam a palidez
da desconhecida. Os cabelos loiros e longos se espalhavam na areia. Ela usava
um maiô inteiriço e estava de short. Não calçava sapatos, tinha entre vinte e
trinta anos e era bonita.

— Acho que ela não quebrou nenhum osso — disse o jardineiro.

— Ótimo.

Submetendo-se ao inevitável, Jarrett tomou a mulher inconsciente nos


braços e carregou-a até a casa. Enquanto a deitava na cama de um dos quartos
de hóspedes, o dr. John Reed chegou. Leona levou o médico até o primeiro
andar e Jarrett o recebeu à porta do quarto.

Os dois homens se apertaram as mãos. Formado numa das mais


prestigiadas escolas de medicina do país, John se tornara um clínico famoso
em Nova York. Depois de quinze anos de trabalho, quase chegara a entrar em
colapso nervoso. Jarrett ofereceu a ele o paraíso tropical do qual era dono,
uma casa de frente para o mar e dinheiro suficiente para que o homem
aproveitasse a vida sem maiores preocupações. A ilha pôde ter seu primeiro
médico residente e John não precisou abandonar a prática da medicina.

— O que aconteceu? — perguntou o mais velho dos dois homens,


aproximando-se da cama onde a desconhecida estava deitada.

Rapidamente Jarrett relatou o que sabia, reparando que Leona, Frank e


Anna Jane permaneciam parados à porta do quarto.
— Ela é jovem — disse John. — E bonita.

— É, sim — concordou Jarrett, embora sem sentir o menor interesse.

John fez um rápido exame.

— Não há nada quebrado, só escoriações. Provavelmente ela bebeu uma


porção de água. Na minha opinião...

Um gemido interrompeu as palavras do médico e Jarrett aproximou-se


da cama. As pálpebras da desconhecida tremeram, depois se abriram. Os
olhos eram verdes, tão verdes quanto a relva do verão.

— O que...

Sem concluir o que dizia ela começou a tossir.

John sentou-se na beirada da cama e sorriu.

— Não se preocupe, você está bem. Sofreu um pequeno acidente no mar,


mas vai ficar boa. Sou o dr. John Reed. Respire fundo antes de falar.

A mulher seguiu a instrução dele.

— Eu estava no mar? — ela perguntou, olhando em volta. — Onde estou


agora?

— Numa residência particular. Como se sente?

A mulher mexeu-se na cama, depois encolheu-se.

— Doída, mas acho que estou bem — disse a moça, levando a mão à
testa. — Parece que bati em alguma coisa.

— É, parece — concordou John, acendendo uma caneta-lanterna para


examinar o fundo dos olhos da desconhecida. — Quantos dedos estou
mostrando?

— Dois — ela respondeu. — Não estou tonta, se é isso o que quer


descobrir. O quarto não está girando nem nada. Meu estômago está um pouco
embrulhado e me sinto meio fraca, mas acho que não tenho nenhum ferimento
grave.

— Ótimo. — John olhou para Jarrett. — Quero que ela fique em repouso
por um dia antes de ser transportada para outro lugar, mas acho que vai ficar
boa.

Jarrett engoliu a recusa que ia apresentar. John conhecia o passado dele e


não faria aquele pedido se não achasse importante.

— Está certo — ele disse entre os dentes.


John voltou-se novamente para a paciente.

— Você deve ficar na cama pelo resto do dia. Está apenas saindo do
estado de choque e seu corpo precisa se recuperar. Estou vendo que ficou
exposta ao sol durante muito tempo. — Nesse ponto o médico riu, parecendo
perceber que havia cometido uma gafe. — Desculpe, mas me esqueci de
perguntar o seu nome.

A mulher sorriu.

— O senhor tinha outras coisas em que pensar. Eu sou...

Por alguns instantes ela manteve a boca aberta. Moveu os lábios mas não
emitiu nenhum som. Parou de sorrir e ficou com os olhos muito abertos.

Finalmente olhou para John.

— Não sei qual é o meu nome.

Sentando por trás da mesa, Jarrett ficou girando nos dedos a caneta
Mont Blanc. Esperou enquanto o amigo se servia de um scotch no pequeno bar
que havia ao fundo do escritório. Só falou depois que John tomou um gole e
caminhou até janela.

— Qual é o seu diagnóstico?

John deu de ombros.

— Fiz o exame mais meticuloso possível. Os sinais vitais são bons e não
há evidência de lesões internas. Restam algumas escoriações causadas pelo
choque com alguma coisa dura, provavelmente um rochedo, e por mais
alguns dias ela não se sentirá cem por cento, mas fora isso está... digamos
assim, em excelente forma.

O médico ficou olhando para ele, como se esperasse algum comentário


sobre o duplo sentido das últimas palavras.

Jarrett ignorou-o. Havia reparado, claro, que a misteriosa mulher tinha


um corpo perfeito. E daí? Milhares, centenas de milhares de mulheres tinham
corpo perfeito. Isso não significava necessariamente que ele se interessaria por
alguma delas.

— Ela precisa descansar — prosseguiu John. — Sei que você quer vê-la
pelas costas, mas resista a expulsá-la pelo menos até amanhã.

— Não sou tão desumano assim — disse Jarrett, com frieza na voz. —
Acha que ela está fingindo?

— A amnésia? — Outra vez John deu de ombros. — É difícil dizer.


Sabemos muito pouco sobre o cérebro e como ele funciona. Em geral, esse tipo
de amnésia é causado por um acidente traumático. A coisa é temporária e
desaparece sozinha. Por outro lado...

— É claro que ela está fingindo — cortou Jarrett. — Muito


convenientemente, perdeu os documentos ou deixou-os em algum lugar.

— É essa a sua opinião profissional?

— Eu conheço as mulheres.

Jarrett ficou olhando pela janela, obrigando-se a prestar atenção no céu


azul e na brilhante água do mar. Se já não via novidades naquela paisagem,
pelo menos que não ficasse pensando no passado. Nada seria pior do que isso.

John tomou outro gole do uísque e caminhou para se sentar na cadeira


de frente para a mesa.

— Se sabe que ela está fingindo, por que pede a minha opinião?

— Já passei por isso. Não quero fazer papel de idiota outra vez.

— Ah, compreendo — disse John, passando a mão pelos ralos cabelos. —


Confesso que não sabia que você tem sido assediado por uma série de
mulheres que perderam a memória. Nessas circunstâncias, está muito mais
habilitado do que eu para tratar do problema. Curvo-me diante da sua
experiência e do seu conhecimento superior.

Jarrett apenas apertou os olhos, sem responder. O médico suspirou.

— Está certo. Faremos do seu jeito, mas acho que está exagerando. É
possível que essa misteriosa moça seja apenas isso: um mistério. Pode não ser
uma caça- marido ou uma mulher que usa de subterfúgios para começar um
relacionamento com você.

— Não posso correr o risco — declarou Jarrett, olhando para um dos


poucos homens que podia chamar de amigo. —Você conhece parte do meu
passado, John, mas não sabe de tudo o que aconteceu. E agora sou responsável
por Anna Jane. Tenho que cuidar da segurança dela.
— Quer que a leve para passar a noite na minha casa? — sugeriu John.

Jarrett ergueu as sobrancelhas.

— Ela tem apenas nove anos, John. Deixe-a em paz.

O médico mostrou-se ofendido.

— Acha que sou um monstro?

Jarrett chegou a rir.

— Não, mas conheço a sua fama.

As façanhas de John eram legendárias. Sua bela casa já havia hospedado


legiões de belas mulheres. Em geral, eram hóspedes do hotel passando férias,
mas ele não tinha preconceitos de classe e envolvia-se também com jovens
camareiras e outras serviçais. Eram apenas casos passageiros e as mulheres
pareciam contentar-se com isso.

— Anna Jane estará segura aqui — decidiu Jarrett. — Você disse que a
moça poderá ser levada embora amanhã pela manhã, não disse?

— Uma boa noite de sono é o suficiente. Você pode usar esse tempo para
descobrir se ela está fingindo ou não. Se a mulher realmente quer fazê-lo de
idiota, como é sua crença, desmascare-a. Se a amnésia for verdadeira, você
apenas terá passado algumas horas na companhia de uma bela mulher. Há
destinos piores.

Jarrett ignorou o último comentário. Não era como o amigo, que vivia
ansioso por companhia feminina.

— Se a amnésia for verdadeira, o que acontecerá?

— Não tenho certeza. A memória dela pode retornar aos poucos ou


voltar de uma vez. É provável que se lembre de certas informações,
continuando esquecida de coisas aparentemente simples. O cérebro é um
órgão complexo. — John tomou o último gole do uísque. — Enquanto isso, o
que vai fazer com ela?

— Essa mulher não é responsabilidade minha. Pela manhã Frank a levará


para o hotel.

John levantou-se.

— Faça como quiser, mas não acredito que não esteja pelo menos um
pouco curioso.

— Por que eu ficaria curioso?


— Trata-se de uma bela mulher que apareceu na sua praia, uma mulher
que não sabe quem é nem de onde veio. Pense no mistério, na fantasia, nas
possibilidades.

Jarrett torceu o canto da boca.

— Numa ação judicial.

— Ora, você não tem nenhum romantismo. Bem, ligue-me se acontecer


alguma novidade. Não se esqueça de mandar que levem o jantar para a moça.
Ou talvez deva convidá-la para jantar com você.

— Até logo, John.

O médico piscou o olho.

— Sujeito de sorte. Por que essas coisas não acontecem comigo?

Dito isso ele saiu.

Jarrett ficou olhando para a porta. Se soubesse de toda a verdade, John


não pensaria em ter a vida ou o passado dele.

Anna Jane bateu de leve na porta do escritório, que estava aberta. O tio
dela ergueu a cabeça. Desfazendo por alguns instantes a expressão dura,
acenou para que ela entrasse.

— Pensei que você estava com a nossa misteriosa hóspede — ele disse,
com brandura.

— Ela está dormindo. O dr. John disse que a moça ficará boa. É verdade?

— Sim, é verdade. Tenho certeza de que há pessoas amigas esperando


por ela no hotel. Quando essas pessoas pedirem informações ao gerente,
ficarão sabendo que ela está bem. Poderão vir aqui pela manhã para buscá-la.

Anna Jane enfiou a mão no bolso do short e tirou um pedaço de papel


umedecido. Depois de abri-lo, entregou-o ao tio.

— A moça encontrou a minha mensagem. Por isso me procurou. É culpa


minha ela quase ter se afogado.

O tio dela leu o bilhete. Depois virou o papel e examinou o mapa.

— Você pôs isto numa garrafa?

— Sim — murmurou Anna Jane. — Mas achei que ninguém se


machucaria por causa disso.
— A mulher não está realmente machucada, Anna Jane. Nada disso foi
culpa sua.

Anna Jane assentiu. Gostaria que o tio a puxasse para perto e a abraçasse,
mas não foi o que ele fez.

— A moça pode descer para jantar conosco? — ela perguntou.

Uma leve mudança no semblante do tio mostrou que ele não havia
gostado do que acabara de ouvir. Mas atendeu ao pedido.

— Se você quiser, não me oponho.

— Obrigada — murmurou Anna Jane. — Por que não gosta dela, titio?

Por um bom tempo eles ficaram se olhando fixamente. Anna Jane


preparou-se para ser alvo de uma explosão de temperamento. No entanto, o
tio dela apenas a examinou em silêncio. Por que a olhava tanto? Nana B. a
achava muito parecida com a mãe, mas isso não podia ser verdade. A mãe
dela tinha sido uma mulher muito bonita, como as da televisão.

— Não desgosto dela — disse tio Jarrett, finalmente. — É que não a


conheço. Fiquei um pouco preocupado por ela ter chegado aqui como chegou.
Agora que sei que realmente leu a sua mensagem... — Nesse ponto ele vacilou.
— Mas não se preocupe, Anna Jane. Tudo dará certo.

Talvez, ela pensou. Se alguém tinha poder para fazer com que tudo desse
certo, esse alguém era tio Jarrett. Afinal de contas, o homem dirigia um
império.

Anna Jane saiu do escritório e subiu correndo a escada. No primeiro


andar, reparou que a porta do quarto de hóspedes estava aberta. Então
retardou o passo.

A desconhecida estava sentada diante da penteadeira, olhando para a


própria imagem no espelho. Vestia um roupão branco atoalhado e estava com
os cabelos soltos, os revoltos fios dourados caindo sobre os ombros.

— Está me espionando ou apenas espera que eu a convide para entrar?


— perguntou a mulher.

Anna Jane levou um susto, mas foi entrando.

— As duas coisas, acho — respondeu.

A moça olhou para ela e sorriu.

— Será um prazer se me fizer companhia.

A mulher tinha grandes olhos verdes e uma boca bonita.


— Quem é você?

— Anna Jane Quinlin.

— Mora aqui na ilha? — Então ela franziu a testa. — Isto aqui é uma ilha,
não é?

— Sim — confirmou Anna Jane. — Pertence a meu tio.

— E você está de férias?

— Não. Minha mãe morreu e eu vim morar aqui.

A mulher fez uma expressão de solidariedade.

— Ah, sinto muito... Você deve sentir saudade dela.

— Sim, é claro — respondeu Anna Jane, automaticamente, juntando os


dedos às costas para que a mentira não contasse.

Não que ela não sentisse saudade da mãe. Sentia, de uma certa forma.
Assim como tinha saudade da professora ou da governanta. Mas não era um
sentimento como devia estar pensando a simpática moça. Ela não chorava à
noite por sentir a falta da mãe. Essas lágrimas eram reservadas para Nana B.
Era um pecado amar a babá mais do que a própria mãe, mas ela não podia
mudar o que sentia. Só rezava para que Deus entendesse.

Pensando em como mudar de assunto, Anna Jane apontou para uma


pilha de roupas sobre a cama.

— O que é isso?

A mulher suspirou.

— Sua empregada trouxe para mim. Eu estava vestindo apenas um maiô


e um short, por isso precisava de roupas. Só não sei de que tipo gosto. Ou do
que gostava.

Anna Jane caminhou até a cama e examinou as roupas empilhadas.


Havia shorts, camisetas, vestidos de verão, roupas de banho, camisolas. Então
ela pegou uma camisola branca e muito fina.

— Isto aqui se usa para dormir.

A mulher sorriu.

— Disso eu me lembro. — Levantando-se e aproximando-se da cama,


pegou um vistoso vestido com estampas floridas. — Estava pensando em usar
este. O que acha?

Anna Jane pensou por alguns instantes.


— Ele é bonito. Você pode prender o cabelo no alto da cabeça, deixando
algumas mechas soltas. — Então ela apontou para uma grande flor vermelha
estampada na frente do vestido. — Essa aí combina com a cor dos seus
ferimentos. — O comentário foi feito sem pensar e imediatamente ela levou a
mão à boca. — Oh! Desculpe-me.

A mulher riu.

— Ora, não tem importância. Você está muito certa. E agora, a roupa
certa para mulheres machucadas — disse, numa voz impostada, como uma
apresentadora de televisão que mostrasse um desfile. — O que neste verão
mais se usa nos trópicos. Vista-se de acordo com a moda.

Anna Jane riu da imitação.

A moça sentou-se na cama e puxou-a para perto.

— Você não ri muito — disse, passando um dos braços por cima dos
ombros dela. — Dá para ver isso.

— É mesmo? — perguntou Anna Jane, sentindo-se muito bem por ser


acarinhada. — Como sabe disso?

O bom humor da mulher desapareceu.

— Não sei... Não é esquisito? Eu me lembro de algumas coisas e sei que


você não tem rido muito ultimamente, mas não consigo me lembrar do meu
nome.

— Como é estar assim?

— Assustador — respondeu a moça, olhando para ela. — Não sei quem


sou. Posso ser qualquer pessoa.

— Uma princesa?

— Isso não seria maravilhoso? Gostaria de ser uma princesa e ter um


bonito castelo.

— E um lindo príncipe.

A desconhecida ficou em silêncio por alguns instantes.

— Não sei se um lindo príncipe é sempre uma boa ideia. —


Aproximando os lábios do ouvido de Anna Jane ela passou a cochichar. — Às
vezes, quando você não está olhando, ele se transforma num horroroso sapo.

Logo depois as duas começaram a rir.

— O que é tão engraçado? — perguntou uma voz masculina.


Anna Jane voltou-se.

— Tio Jarrett! O que está fazendo aqui?

— Vim ver como está a nossa hóspede. — Olhando para a mulher ele fez
um polido cumprimento de cabeça. — Como está se sentindo?

A alegria da moça pareceu desaparecer.

— Estou bem—ela respondeu, levantando-se e ajeitando o robe, tomando


o cuidado de fechar bem o decote V.

Anna Jane desceu da cama. Tio Jarrett estava enraivecido. Era possível
ver isso pela postura dos ombros e pelo aperto dos lábios. Mas não era por
causa dela, isso estava claro. O motivo só podia ser a misteriosa moça. Mas
por que ela deixaria tio Jarrett aborrecido?

— Acho que não fomos convenientemente apresentados — ele disse,


estendendo a mão. — Sou Jarrett Wilkenson.

— Eu sei. — A mulher apertou rapidamente a mão dele e voltou a mexer


nas pontas do cinto do robe. — John... isto é, o dr. Reed me disse. Agradeço
pela sua hospitalidade. Sei que estou sendo um inconveniente, mas prometo
que pela manhã seguirei o meu caminho.

— O seu caminho para onde?

Ao ouvir a pergunta ela franziu a testa.

— Bem... Não sei direito. John falou num hotel.

O hotel fica a seis quilômetros daqui.

— É esse mesmo. — A esbelta loira até sorriu. — Pelo menos escolhi um


bonito lugar para perder a memória.

— Que conveniente.

— Pelo tom de voz ele estava querendo dizer que não havia a menor
conveniência naquilo. Anna Jane sentiu-se constrangida.

— Acha que poderá descer na hora do jantar? — ela perguntou à


desconhecida, numa tentativa de melhorar o clima.

A mulher pareceu espantada.

— É muita gentileza sua me convidar. Não quero ser uma intrusa.

— Não será. Tio Jarrett está sempre muito ocupado. Em geral janto
sozinha.

A mulher mostrou-se ainda mais surpresa.


— Ah, sim... Nesse caso eu aceito.

Jarrett teve que admirar a habilidade da desconhecida. A confusão que


ela demonstrava parecia genuína. Se já não tivesse sido enganado por uma
outra mulher, ele acreditaria na encenação. O espanto dos olhos, o leve tremor
dos dedos, a forma como ela insistia em apertar o robe em volta do corpo...
Eram excelentes truques para que ele não visse as verdadeiras intenções dela.

— O jantar deve ser divertido — disse Jarrett, procurando falar com


naturalidade. — Tenho trabalhado muito ultimamente. Acho que vou
acompanhá-las.

— Vai mesmo? — exclamou Anna Jane, obviamente satisfeita.

Jarrett sentiu um aperto no peito e outra vez duvidou da prudência da


irmã ao nomeá-lo guardião da única filha dela. Anna Jane seria mais bem
cuidada por qualquer outra pessoa. O que ele sabia sobre educar uma menina?

Bem, teria que aprender. A sobrinha merecia o melhor dele. Para


começar, seria bom protegê-la de mulheres inescrupulosas. Antes de entrar no
quarto ele ficara parado no corredor, escutando a conversa da sobrinha com a
misteriosa mulher. Ouvira quando ela dissera que gostaria de ser uma
princesa e ter um castelo. Ele podia não ter nenhum título de nobreza, mas era
dono de muitas terras e muito dinheiro. Mais do que o suficiente para fazer
algumas mulheres pensarem em ser felizes para sempre.

— Acha melhor eu ficar no quarto? — perguntou a mulher, olhando para


Jarrett.

A expressão do rosto revelava o pensamento. Obviamente ela havia


percebido que ele não a queria sozinha com Anna Jane, mas dava mostras de
não entender os motivos dele. Ou queria que ele acreditasse nisso.

— Você é uma hóspede aqui — disse Jarrett, friamente. — Sinta-se em


casa, por favor.

Na verdade não foi uma resposta ao que ela havia perguntado.

—Eu gostaria de saber o seu nome — voltou a falar Anna Jane. — Vamos
ter que chamá-la de alguma coisa.

A moça deu de ombros.

Acredite que eu também gostaria.

— Talvez seja possível adivinhar. — A garota encostou o dedo no


queixo. — Você deve ter um nome bonito, como Heather ou Júlia. Sabrina?
Hannah?
— Nenhum desses me parece adequado.

Anna Jane continuou a sugerir nomes. Jarrett observou a desconhecida.


Quem era ela? O que queria dele... ou de Anna Jane? Apesar do bilhete,
dificilmente teria motivos generosos.

Então, ele examinou os pés descalços da mulher, os tornozelos bem


torneados, as coxas parcialmente cobertas pelo robe. A parte de cima do corpo
estava bem protegida pelo grosso tecido, mas Jarrett se lembrava de quando a
vira na praia usando o maiô. Como John dissera, a desconhecida tinha um
corpo tentador. O rosto era muito bonito, apesar dos arranhões. E ela não
parecia muito velha. Devia ter uns vinte e cinco, vinte e seis anos.

Jarrett sentiu uma tensão na virilha. Por um instante pensou naquela


sensação. Desejo. E evidentemente isso surgira em função da presença da
misteriosa desconhecida. Mas a última coisa que ele queria na vida era um
relacionamento duradouro. Quando queria satisfazer os desejos da carne,
apenas voltava aos Estados Unidos. Lá conhecia várias mulheres que se
contentavam em ter um caso rápido e sem comprometimento.

Mas desta vez ele não partiria. Não só por não querer deixar Anna Jane
sozinha, como também porque sabia que o tipo de mulher que em geral
procurava não o ajudaria em nada naquele momento.

— Não gostou de nenhum desses nomes? — perguntou Anna Jane.

— Desculpe, mas... eu gostaria mesmo de me lembrar do meu nome. —


A mulher esfregou as têmporas. — Não posso acreditar nisso. Não faz sentido.

Fale mais sobre isso, pensou Jarrett.

— Então teremos que escolher um — decidiu Anna Jane. — Você gosta


de algum em particular?

— Escolha você.

— O que acha, tio Jarrett?

— Deixe-me fora disso.

Anna Jane olhou para a moça.

— Você estava na água, por isso pode ser comparada com uma sereia... E
se nós a chamarmos de Ariel? Não era esse o nome da sereia daquele filme de
Walt Disney?

— Ariel? — repetiu a mulher. — Está bem, se você gosta do nome. —


Depois ela olhou para Jarrett. — Alguma objeção?
— Nenhuma. — Então ele consultou o relógio. — Preciso fazer um
interurbano. Verei vocês durante o jantar.

— Posso ficar com Ariel? — perguntou Anna Jane.

Jarrett fitou a sobrinha. Ela pedia tão pouco...

— Pode — ele disse, saindo em seguida.

Quando alcançou a escada Jarrett pensou em voltar ao quarto de "Ariel"


para expulsá-la. Mas não faria isso, principalmente porque ela demonstrava
ter facilidade para se comunicar com a menina, coisa que ele precisava
aprender. Era duro reconhecer, mas quando estava com Anna Jane
simplesmente não sabia o que dizer.

Em geral janto sozinha. Aquilo era verdade, embora ele não estivesse se
alheando intencionalmente da vida da sobrinha. Possuía hotéis em todos os
cantos do mundo e, por causa das diferenças de fusos horários, recebia
telefonemas nos horários mais absurdos.

Mas precisava dar um jeito naquilo. A primeira providência seria pôr


para fora aquela misteriosa hóspede. Depois ele se concentraria na sobrinha.

Sem saber como arrumar os cabelos, Ariel aceitou a sugestão de Anna


Jane e prendeu-os no alto da cabeça. Usou a maquiagem e os grampos
emprestadas por Leona. Agora, sentada diante do espelho da penteadeira,
avaliava os resultados.

Não havia dúvida de que, como o normal das mulheres, passava uma
pequena parte do dia olhando-se no espelho. Talvez apenas para verificar se a
pele estava limpa, talvez para aplicar cosméticos. Na adolescência muito
provavelmente examinara as próprias feições, tentando concluir se era ou não
bonita. Toda pessoa acabava se acostumando com o formato do próprio rosto,
pequenas imperfeições, sardas, cor da pele. Mesmo assim o rosto que a fitava
no espelho era o de uma desconhecida. Ela seria capaz de jurar que nunca o
vira.

Mas era o rosto dela.


Ariel levantou-se e caminhou até a porta. O jantar seria servido em
alguns minutos e ela não queria deixar o anfitrião esperando. Jarrett
Wilkenson devia ser do tipo que gostava que as coisas acontecessem
exatamente na hora marcada.

Quando saiu do quarto ela pensava na complicação em que estava. Era


pouco provável que aquele tipo de coisa acontecesse com pessoas normais. No
mesmo instante várias perguntas se formaram na mente de Ariel. Como ela
podia saber que as pessoas normais não perdiam a memória? Como sabia que
ela era normal? Tinha o hábito de conversar consigo própria?

— Desmemoriada e louca — murmurou, rindo sozinha e começando a


descer a escada. — E uma combinação que não deve ser muito fácil de
encontrar.

Ainda estava rindo quando viu Anna Jane.

— Ariel! — exclamou a menina, de pé na sala. — Você está linda. Esse


vestido é muito bonito. Leona disse que há peixe fresco para o jantar. Não
gosto muito de peixe, mas o que ela faz é gostoso. Na sobremesa teremos
salada de frutas e bolo.

O estômago de Ariel roncou.

— Puxa, eu não estava com fome até você começar a falar em comida,
mas agora estou faminta — ela disse, terminando de descer a escada. — Ainda
bem que o dr. Reed me permitiu descer.

— Também estou com fome — disse Anna Jane, sem parar de olhar para
a escada.

Ariel voltou-se.

— O que foi?

A menina deu de ombros.

— Nada. E só que... às vezes, quando subo a escada, fico com medo de


que haja monstros prontos para morder meus calcanhares.

Por alguns instantes ela ficou em silêncio, obviamente esperando ouvir


que aquilo era bobagem.

Ariel agachou-se para ficar da mesma altura que a menina.

— Esta casa é muito grande. Aposto que há muitos lugares aqui que
podem servir de esconderijo para monstros. Mostrarei a seu tio os que eu
encontrar e ele os expulsará. Enquanto estiver aqui, terei prazer em subir a
escada com você.
Anna Jane abriu um largo sorriso.

— Obrigada. Eu sabia que você entenderia.

Ariel ficou intrigada. Como a menina podia ter tanta certeza? Nada
parecia real. Talvez estivesse acontecendo justamente isso. Talvez ela estivesse
apenas sonhando. Isso explicaria os conhecimentos que parecia ter sobre
psicologia infantil. Por outro lado, mesmo se tratando de um sonho, não era
normal a pessoa não se lembrar do próprio nome.

O sorriso de Anna Jane desapareceu.

— Está zangada comigo?

Ariel ficou desconcertada.

— Por quê?

— Por ter lhe mandado o bilhete na garrafa. Foi por isso que você veio
até aqui. — Anna Jane juntou as mãos e torceu os dedos. — Eu disse que
queria uma amiga, mas não imaginei que você se machucaria.

Ariel pôs as mãos nos ombros da garota.

— Querida, não foi culpa sua. Não foi culpa de ninguém. O dr. Reed me
falou sobre o bilhete e explicou os perigos da maré naquela enseada. Você não
podia saber que eu viria por aquele caminho. Está tudo bem, acredite.

— Tem certeza?

— Absoluta. E eu não me machuquei muito. Só sofri alguns arranhões,


que logo desaparecerão. Sem dúvida tinha uma sacola ou uma carteira que
desapareceram, mas são coisas que podem ser substituídas. Não se preocupe.

— Mas você não se lembra do seu nome.

Aquele era um argumento irrefutável.

— Com o tempo vou me lembrar.

Pelo menos era o que havia prometido o médico. Ariel rezou para que ele
estivesse certo.

— Gostou do nome que eu escolhi para você? — perguntou Anna Jane.

— Ariel é um bonito nome. Obrigada. — Então ela ficou pensativa. — Eu


só gostaria de saber se, quando minha memória voltar, vou me lembrar do que
está acontecendo agora.

Anna Jane juntou as sobrancelhas.

— Bem... Isso eu não sei.


— Eu também não.

— Perguntaremos ao dr. Reed na próxima visita dele — disse uma voz


masculina por trás de Ariel.

Quando se voltou, ela viu Jarrett parado num dos degraus mais baixos
da escada. Não havia percebido a aproximação dele.

— Você se movimenta muito silenciosamente — ela disse, tentando


afastar a sensação de que fora surpreendida fazendo alguma coisa que não
devia.

— Vocês estavam muito envolvidas na conversa e eu não quis


interromper.

— Ah, sim, claro. Ariel acreditava muito naquilo. Apesar da instintiva


vontade de se esconder por trás de Anna Jane, ela se ergueu e sustentou o
olhar dele.

Sentia-se forçada a admitir que aquele era o homem mais belo que já
vira. Naturalmente os únicos homens de quem conseguia se lembrar eram
Frank, o jardineiro de meia-idade, e John Reed, o médico. Mas isso não tinha
importância. Ela sabia que, mesmo se olhasse para milhares de outros homens,
não encontraria nenhum que se comparasse a Jarrett Wilkenson.

Ele era um homem de um metro e oitenta e poucos centímetros. Os


cabelos pretos, um tanto crescidos, roçavam no colarinho da camisa, que
estava aberto. Os olhos negros pareciam roubar a luz da sala sem devolver
nenhum reflexo. Certamente sabia sorrir, embora ainda não houvesse feito
isso na presença de Ariel. A camisa um pouco apertada sugeria ombros largos
e peito musculoso, enquanto a calça cáqui fazia adivinhar pernas musculosas.

Era um homem perigoso. Ela não precisava contar com a memória para
perceber isso.

— Vamos jantar? — ele sugeriu. — Já sinto daqui o cheiro da comida de


Leona.

Na sala de jantar, Ariel surpreendeu-se quando Jarrett arrastou a cadeira


para que ela se sentasse. Por alguns instantes pensou que ele puxaria de vez a
cadeira para derrubá-la, mas o homem agiu com toda cortesia antes de ir até o
próprio assento, à cabeceira da mesa.

Então ela olhou em volta. Aquela mesa podia acomodar, sem


dificuldade, oito pessoas e, a julgar pelas cadeiras encostadas na parede,
realizavam-se concorridos jantares ali. Espaçosas janelas davam para o jardim
e para a praia particular. Na parede à esquerda dela havia uma grande
cristaleira. A direita via-se um bufê que parecia antigo.
— Ouvi quando você e Anna Jane falavam do bilhete que ela escreveu —
disse Jarrett, pegando uma garrafa de vinho branco no balde de gelo e
começando a retirar a rolha. — Lembra-se do que estava escrito?

— Ariel pensou por um segundo.

— Não, não me lembro.

— Talvez ajude se você vir o bilhete.

Dizendo aquilo, ele pôs a rolha da garrafa na frente de Anna Jane. A


menina pegou a rolha e aproximou-a do nariz. Em seguida, moveu a cabeça
em aprovação.

— Boa safra, excelente aroma — declarou. — Perfeito para pessoas como


vocês, mas eu prefiro uma bebida mais branca e nutritiva.

Exemplificando o que dizia, pegou o copo e tomou um gole de leite.

— Obrigado pela sábia opinião, senhorita — disse Jarrett, piscando o


olho para a sobrinha.

Ariel ficou boquiaberta. Por acaso aquilo tinha sido uma demonstração
de senso de humor? Vinda de Jarrett Wilkenson? Talvez ele não fosse tão
formal quanto ela havia imaginado.

Quando se voltou novamente para ela, o homem estava outra vez com o
semblante fechado. Não, não tinha sido imaginação. Ele não gostava dela, fosse
por que motivo fosse. Mas isso não tinha importância. Ela só precisava
terminar o jantar. Na manhã seguinte iria para o hotel e começaria a busca da
própria identidade.

— O bilhete está comigo — disse Jarrett enquanto enchia as taças. Depois


pegou o papel no bolso da calça e o pôs diante dela. — Você se lembra das
letras, das sílabas... Sabe ler, não é?

— Claro — respondeu Ariel, automaticamente, pegando o bilhete.

Depois de ler três vezes o bilhete, ela olhou no verso e estudou o mapa.

— Nunca vi isto — disse, devolvendo o papel.

— Ele estava no seu bolso quando a encontramos na praia.

Ela não sabia como aquilo podia estar acontecendo. Mas era realidade e
aquilo a deixava cheia de frustração. Uma frustração com uma ponta de medo.

— Isso é loucura — disse. — Existe alguém com quem eu possa falar?


Talvez a polícia local tenha uma lista de pessoas desaparecidas.
— Não temos polícia. Santa Alícia é uma ilha particular e pouco
habitada. Sem contar os hóspedes e os empregados do hotel, não há
residentes... além dos da minha casa, claro. Quando é necessário, eu sou a lei
aqui.

Fantástico. Ele provavelmente daria um ótimo ditador. Era bom ela


tomar o cuidado de não cometer nenhum crime enquanto estivesse nos
domínios do senhor de Santa Alícia.

— Não se preocupe, Ariel — disse Jarrett. — Falei com o gerente do


hotel. Ele está fazendo uma verificação nas reservas e conversando com os
hóspedes. É possível que, antes mesmo que terminemos este jantar, sua
família tenha sido encontrada. Quando estiver outra vez com eles, talvez sua
memória volte.

Antes que ela pudesse responder, Leona começou a servir o jantar. Como
esperado, a comida estava excelente. Jarrett foi um anfitrião perfeito,
mantendo uma conversa leve durante toda a refeição. Vez por outra, porém,
Ariel vislumbrava alguma coisa nos olhos dele. Ou percebia uma ponta de
raiva na voz do homem. Ele a considerava culpada de alguma coisa, embora
ela não conseguisse imaginar o que fizera de errado. Uma coisa era certa:
precisava sair dali, e depressa.

Durante a sobremesa, Ariel rezou para ter mesmo uma família. Talvez
um par de irmãos grandalhões que pusessem medo em Jarrett.

— Onde você nasceu? — perguntou Anna Jane, logo depois batendo na


boca. — Opa! Eu me esqueci.

— Não se desculpe — disse Ariel. — Talvez seja bom me fazer


perguntas. Não conseguirei imaginar o que sei e o que não sei enquanto o
assunto não for levantado. — Então ela olhou para Jarrett. — Isto é, se você
não se incomoda.

— Por favor — ele disse, com excessiva cordialidade. — Pode falar do


que quiser.

Claro, pensou Ariel. Vamos falar dos motivos que você tem para não gostar de
mim. Mas era melhor continuar no assunto de antes.

— Não sei onde nasci, mas acho que sou americana. Será que tenho
algum sotaque?

— Não tem um sotaque regional muito marcado — opinou Jarrett. —


Você não é do Sul nem do Leste. Também não acho que seja do Centro-Oeste.
Não será de algum lugar do Oeste?
— Há muitos Estados no Oeste — disse Anna Jane. — Arizona, Nevada,
Washington, Califórnia e Oregon. Ah, há também Utah e Idaho.

Ariel sorriu.

— Pelo menos podemos ver que você aprendeu sua lição de geografia.

— Eu gosto dessa matéria — entusiasmou-se a menina. — Gosto muito


de olhar mapas, coisas assim. — Então ela abaixou a cabeça. — Espero poder
fazer isso na minha nova escola.

— Nova escola? — repetiu Ariel.

Anna Jane assentiu.

— Não tenho ido à escola desde que cheguei aqui, mas vou ter que voltar
às aulas depois do Natal. Não é isso, tio Jarrett?

— Descobriremos alguma boa escola — respondeu Jarrett, certamente


percebendo a confusão de Ariel, porque deu mais informações. — Minha irmã
morreu há algumas semanas e desde então Anna Jane tem estado comigo.

Ariel sentiu pena da menina. A perda de um dos pais era uma coisa
horrível. Ela não saberia dizer como entendia aquela dor, mas entendia.
Cedendo a um impulso, estendeu a mão por cima da mesa e acariciou a da
garota.

— Sinto por você.

Anna Jane mostrou um sorriso de gratidão.

— Fico feliz por você estar aqui, Ariel. Fico feliz por ter sido a pessoa que
encontrou o meu bilhete.

Ariel assentiu, como se ela também estivesse feliz. Mas isso não era
verdade. Se não houvesse encontrado o bilhete e quase se afogado na enseada,
não teria perdido a memória. Poderia voltar para a antiga vida. Fosse ela
quem fosse.

Jarrett ficou escutando por mais alguns minutos, depois agradeceu ao


gerente do hotel pela informação.

— Ligarei para você pela manhã — prometeu, desligando.

De onde estava, podia ver a hóspede caminhando pelo corredor no lado


de fora do escritório. Ela se movia com graça natural, o que o fazia pensar em
pernas longas, cabelos soltos ao vento. Rapidamente ele procurou expulsar
aquelas ideias, assim como não estava gostando de relutar em contar o que
havia descoberto só para não desapontá-la.

Talvez se sentindo observada, Ariel se voltou para o lado dele. Mesmo


sem ser convidada, entrou no escritório. Estava evidentemente ansiosa.

— Acabo de falar com o gerente do hotel — disse Jarrett, fazendo um


gesto na direção da cadeira diante da mesa.

Ariel afundou no assento. Estava com os lábios levemente trêmulos.

—Posso adivinhar que as notícias não são boas.

— Não há notícias. Até o momento ninguém comunicou o


desaparecimento de uma hóspede. Também não há reserva para quarto
individual. Meu pessoal verificou todos os registros até duas semanas atrás.
Todos os funcionários que lidam diretamente com os hóspedes foram
interrogados, mas ninguém se lembra de uma mulher que corresponda à sua
descrição.

Ariel reagiu como se acabasse de levar um soco no estômago.


Empalideceu e apertou o corpo com os braços cruzados.

— Ninguém está procurando por mim? — perguntou, numa voz muito


baixa. — Ninguém? Tenho que ter uma família.

— Por quê?

— Porque... — Ariel apertou os lábios, como se procurasse segurar as


lágrimas. Depois recostou-se na cadeira. — Tem que haver alguém na minha
vida. Recuso-me a acreditar que sou completamente sozinha.

— Muitas pessoas vivem sozinhas. Enquanto você não recuperar a


memória, é inútil tentar adivinhar qualquer coisa.

— Mas é doloroso pensar que ninguém sente a minha falta — ela disse,
parecendo falar para si própria.

Jarrett perguntou-se por que Ariel dizia aquilo. Viver sozinho não
chegava a ser uma maldição. Era assim que ele passara a maior parte da vida.
E por opção própria. Quando era viva, a irmã dele o censurava por não visitar
ninguém, mas ele nem discutia o assunto. Ficar sozinho era sempre mais fácil
do que estar com outras pessoas.

Ariel deu de ombros.

— Acho que não há nada que eu possa fazer agora. Pela manhã... Bem,
pensarei em alguma coisa.
Ela parecia tão solitária e desorientada quanto Anna Jane ao chegar ali.
Apesar do próprio cinismo, Jarret viu-se desejando dizer alguma coisa para
confortá-la. Precisou se conter para não convidá-la a ficar na casa até recuperar
a memória.

Para começo de conversa, aquela mulher não havia perdido a memória.


Talvez já fosse hora de pôr tudo em pratos limpos.

Jarrett recostou-se na cadeira e olhou fixamente para ela.

— Não vai dar certo — disse, com toda naturalidade.

— O que não vai dar certo?

— A sua encenação. É muito boa nisso. Fiquei impressionado, o que é


espantoso, porque não me impressiono facilmente.

Ariel ficou abrindo e fechando os olhos, boquiaberta.

—Mas... que história é essa? — perguntou, finalmente.

— Não é raro uma mulher aparecer no meu escritório, no meu quarto ou


mesmo no meu banheiro. Tenho recebido propostas e mais propostas de
casamento, por carta, e-mail ou fax. Mas essa sua história de amnésia é
novidade. Você chegou a arriscar a vida na enseada, mas mesmo assim não vai
dar certo. Não deixarei que ponha as mãos na minha fortuna. E não pense que
adiantará alguma coisa usar a minha sobrinha para conseguir o que quer.

O resto de cor que havia no rosto de Ariel desapareceu. Ela abriu a boca,
mas aparentemente não conseguia falar. Jarrett, que se considerava um bom
avaliador do caráter das pessoas, por um momento ficou em dúvida.
— É isso o que você pensa? — perguntou Ariel, com a voz trêmula. —
Acha que estou fingindo só para me aproximar de você?
Ela enfatizou a última palavra, empregando o tom de voz que em geral
se usava para descrever insetos repugnantes.
— Para ser honesto, sim — respondeu Jarrett.
— Sei, sei. Você vive num mundo muito interessante, Jarrett
Wilkenson. Até o momento eu invejava a sua linda casa e sua bonita ilha, mas
você acaba de me curar disso. O medo e a desconfiança é o preço que paga
para ter tudo isso. Não estou nem um pouco interessada. Quando a querer
conquistá-lo... —Levantando-se, ela pôs as duas mãos sobre a mesa e
debruçou-se para o lado dele. — Você é um homem bonito, mas não tão
bonito. Eu posso não me lembrar de quem sou nem de onde venho, mas
aposto que não estou tão desesperada a ponto de arriscar minha segurança só
para me aproximar de um homem como você.
Dito isso, ela se voltou e marchou para a porta.
Jarrett respeitava demonstrações de altivez.
— Se está falando sério, não fará objeção a ser levada de volta para o
hotel amanhã de manhã.
Ariel girou o corpo e encarou-o.
— Eu preferiria ser levada para lá esta noite mesmo.
— O dr. Reed insistiu para que você passasse a noite aqui. Está
preocupado com sua saúde.
Os olhos da mulher fuzilaram. Ela estava com o orgulho ferido, o que
Jarrett quase podia sentir.

— Na certa você vai me culpar disso também.

— Não. John fez a recomendação sem sugestão de ninguém. Mas é


conveniente... para você.

Ariel apertou os olhos.

— Você é sempre tão cretino assim?

— Sempre que é necessário. Meu motorista estará esperando por você às


nove da manhã. Esteja pronta. A essa altura, sem dúvida, a pessoa ou as
pessoas com quem você estava viajando já terão dado pela sua falta. Se não,
será fácil arranjar um apartamento individual. Naturalmente você não
precisará pagar pela hospedagem no meu hotel até que sua identidade seja
restaurada.

— Não quero a sua caridade. Alguém estará esperando por mim.

Ariel continuou a olhar para ele, como se quisesse dizer mais alguma
coisa. Depois arriou os ombros. Por um momento, com a silhueta desenhada
contra a porta aberta, parecia outra vez sozinha e abandonada.

Deliberadamente Jarrett voltou a atenção para alguns papéis que


estavam sobre a mesa. Leu um balanço três vezes antes de entender o que
estava escrito. Depois fez algumas observações na margem. Quando
finalmente ergueu a cabeça, ela não estava mais ali.

Jarrett bateu na porta do quarto da sobrinha, que estava entreaberta.

— Entre — ela disse.

Anna Jane estava sentada na cama, lendo. Jarrett olhou no relógio.

— Você já não devia estar dormindo?

A menina sorriu.

— Sim, há mais de uma hora. Está aqui para me dizer que devo apagar a
luz.
— Vim para cobri-la quando se deitar.

— Foi mesmo?

Ao ver o sorriso largo da sobrinha, ele sentiu uma onda de remorso.


Algumas semanas já se haviam passado, mas era a primeira vez em que ia
ajudar Anna Jane a se deitar. Não que não quisesse fazer isso. As coisas
simplesmente iam acontecendo e, quando ele olhava no relógio, já era perto da
meia-noite. A menina já estava dormindo.

Anna Jane deitou-se de costas na cama e ele viu a lombada do livro que
ela segurava. Era a história de um menino e um cavalo. Jarrett se lembrava de
ter lido o livro quando era menino.

— Esse aí eu li. É bom.

— Eu também li — disse a menina. — Gostei tanto que estou lendo uma


segunda vez.

Enquanto puxava o lençol por cima da sobrinha, Jarrett reparou em


várias caixas empilhadas num canto do quarto. Havia tabuleiros de jogos,
bonecas, quebra-cabeças e um elaborado kit para fazer jóias de plástico, tudo
ainda na caixa.

— Não gosta dos seus brinquedos? — ele perguntou.

Num gesto muito característico da irmã dele, a menina desviou os olhos


castanhos.

— Eles são interessantes. Obrigada por comprá-las para mim.

— Mas...

A menina suspirou.

— Não tem muita graça brincar sozinha com esses brinquedos.

Jarrett sentou-se na beirada da cama e pegou na mão da sobrinha. Os


dedos dela eram pequenos, tinham unhas limpas e bem aparadas. O que
aquela menina pensava da vida que estava levando?

— Desculpe, Anna Jane. Eu devia ter pensado nisso.

— Você é muito ocupado. Eu sou uma responsabilidade a mais.

Anna Jane disse aquelas palavras com naturalidade, como se já as tivesse


ouvido muitas vezes. Quem podia ter dito aquilo a ela? Não tinha sido ele.

— Você não é uma responsabilidade, mas sim minha sobrinha. Eu devia


ter escolhido direito os brinquedos.
— Eles seriam bons se eu tivesse com quem brincar. Talvez Ariel possa
ficar aqui para cuidar de mim enquanto não se lembra de quem é

Jarrett esforçou-se muito para manter a mão relaxada, embora sentisse os


músculos tensos. Por que não havia previsto aquilo? Por acaso não vira a
facilidade com que Ariel se comunicava com a menina?

— Ariel tem a vida dela — ele argumentou. — Há pessoas sentindo a


falta dela.

— E se não houver? Ainda não encontraram a família dela, encontraram?

— Não, mas...

— Por que ela não pode ficar aqui enquanto isso não acontece? Eu a
manterei fora do seu caminho, tio Jarrett. Você nem perceberá que ela está
aqui.

Jarrett devia ficar irritado, mas sorriu. Depois acariciou o rosto de Anna
Jane.

— Essa sua lógica funcionaria com uma mascote, mas não com uma
mulher adulta.

A menina fez beicinho.

— Ainda acho que daria certo. Por favor...

Ariel ali? Ele suportaria isso? Embora ainda houvesse uma longínqua
possibilidade de que a amnésia não fosse fingimento, aquela mulher
significava problema.

— Vou pensar no assunto — disse Jarrett, finalmente.

Anna Jane suspirou.

— O que significa esse "vou pensar no assunto"?

— Como assim?

— Quando mamãe dizia que ia pensar no assunto, significava não.


Quando era Nana B. quem dizia, significava que ela pensaria mesmo. O que
você quis dizer?

Jarrett beijou a testa da sobrinha.

— Eu quis dizer que vou levar em conta o seu pedido. Mas, se Ariel ficar,
você terá que dar comida a ela e levá-la para passear todos os dias. E fique
atenta para que ela não faça xixi nos meus sapatos.
Anna Jane riu da brincadeira. Quando estendeu os bracinhos para
envolver o pescoço dele, Jarrett perguntou-se o que tinha feito para merecer
aquela demonstração de afeto.

Logo que saiu do banho, Ariel olhou pela janela para a luminosa manhã.
Já estava farta de se olhar no espelho tentando ver alguma coisa de que se
lembrasse. Na noite anterior, havia passado mais de uma hora examinando
diferentes ângulos do próprio rosto, só conseguindo uma monumental dor de
cabeça.

Amnésia podia dar certo no cinema, mas na vida real provocava uma
sensação horrível.

Olhando no relógio ela franziu a testa. Já eram quase oito e meia. Em


mais meia hora deveria descer para ser levada ao hotel.

As roupas trazidas por Leona no dia anterior ainda estavam em cima da


cadeira. Depois, separar para vestir um short preto e uma camiseta cor-de-
rosa, Ariel voltou-se para o espelho. Que penteado costumava usar?

Irritada por não conseguir se lembrar nem dos próprios costumes, ela
escovou rapidamente os cabelos e prendeu-os num rabo-de-cavalo.

Nesse instante alguém bateu na porta.

— Entre — ela disse.

A porta se abriu e Jarrett apareceu. Tarde demais Ariel se lembrou de


que estava apenas com uma toalha enrolada no corpo. Então, estendeu a mão
para pegar o roupão deixado aos pés da cama. Vestiu-o rapidamente e deu um
laço no cinto.

— Você devia ter anunciado a sua presença — disse, tentando controlar o


embaraço.

— Mas eu bati na porta.

— Eu sei, mas pensei que fosse Anna Jane ou Leona.


— Devia ter perguntado em vez de apenas pensar.

— Obrigada pelo conselho. Vou me lembrar dele.

Jarrett ocupava praticamente todo o espaço da porta. Talvez por


trabalhar em casa, não usava terno nem gravata. Naquele momento vestia
uma camiseta pólo vermelha e uma calça jeans surrada. A malha da camiseta
moldava os músculos do peito e dos braços.

— Entre e sente-se — ela disse, indicando o banco da penteadeira. —


Não vou demorar.

Em seguida, pegando o short e a camiseta que havia separado, rumou


para o banheiro. Enquanto se vestia rapidamente, consolou-se com o
pensamento de que havia descoberto um pedaço da própria personalidade.
Sentindo-se embaraçada por Jarrett a surpreender enrolada numa toalha,
devia ser tímida e certamente não era promíscua. Graças a Deus.

Um minuto depois ela abriu a porta do banheiro e olhou no mostrador


do rádio-relógio que havia em cima do criado-mudo.

— Se veio até aqui para não deixar que eu me atrasasse, não precisava se
preocupar. Não tenho nenhuma intenção de deixar seu motorista esperando.

— De forma nenhuma — ele respondeu, indicando a cama. — Sente-se,


por favor.

Ariel obedeceu e pôs as mãos sobre as coxas. Se aquele homem queria


brincar de ser socialmente correto, ela podia fazer a mesma coisa.

Jarrett respirou fundo.

— Falei com o gerente do meu hotel. Apesar da nossa esperança de que


seus familiares comunicassem o seu desaparecimento, isso ainda não
aconteceu.

Ele continuou falando, mas Ariel não ouvia nada. Como poderia? A
primeira comunicação, feita com palavras frias, a deixou como um náufrago
que visse a tábua de salvação ser levada por uma onda forte.

— Ninguém me procurou? — ela o interrompeu. — Ninguém


comunicou o meu desaparecimento?

— Ninguém.

Aquilo não era possível. Como ela podia não ter ninguém no mundo?
Não era direito.

— Ninguém me quer — murmurou Ariel, mais para si própria que para


ele.
Jarrett pigarreou.

— Certamente você tem uma família. Só que não aqui, no hotel.

Ela queria perguntar como ele tinha tanta certeza. Na certa não tinha.
Apenas dizia o que devia ser dito. Não para ser simpático, mas para que ela
não ficasse histérica e causasse ainda mais problemas. Isso se acreditasse nela
ao menos um pouco.

Além da notícia que acabara de receber, Ariel ainda estava abalada pela
acusação de que fingia a amnésia apenas para se aproximar dele. Por que uma
mulher, qualquer mulher, usaria uma tática tão desesperada com um homem
como aquele?

Mas não era hora de pensar naquilo. No momento ela precisava


reencontrar a própria vida.

— Meu quarto! — exclamou Ariel, tendo uma ideia. — Eu não dormi no


meu quarto. Basta a camareira procurar um quarto onde ninguém dormiu.

— Seria bom se fosse simples assim — disse Jarrett, mudando de posição


no banco e cruzando as pernas. — Muitos de nossos hóspedes vão passar
algum tempo em outras ilhas. Uma cama não usada não é coisa rara por aqui.
Justamente por isso, mandei uma comunicação às ilhas vizinha. Se houver
numa delas algum parente ou amigo seu, essa pessoa poderá entrar em
contato com você aqui. Não deverá demorar muito. Poucas mulheres viajam
sozinhas nesta época do ano. Alguém comunicará o seu desaparecimento.

Pensar nas outras ilhas era algo que dava um pouco de esperança, mas
no íntimo Ariel sentia que tinha estado apenas em Santa Alícia. Não era mais
que uma sombra do passado vislumbrada pela consciência, mas suficiente
para que ela tivesse certeza. A mesma sombra oferecia o conforto, quase em
forma de lembrança, de que alguém, em algum lugar, gostava dela.

Ariel pensou nas outras palavras de Jarrett.

— O que quis dizer com "nesta época do ano"?

— Faltam menos de duas semanas para o Natal. — ele respondeu.

Por alguns instantes ela ficou com a boca aberta.

— Você está... brincando.

— Não, falo sério.

O Natal? Longe da família? Só de pensar naquilo era horrível.

— Eu não fazia idéia.


— Se perdeu a memória, isso faz sentido.

Ariel não saberia dizer se ele estava sendo sarcástico ou apenas falando
por falar. Preferiu não tentar descobrir.

— Pelo que vi na sua casa, não poderia saber.

Jarrett franziu a testa.

— Como assim?

— Olhando a decoração aqui qualquer um diria que estamos no meio do


ano. Não há enfeites, presentes em volta de uma árvore... Não há nem árvore
de Natal.

— Nunca dei importância a essas coisas.

Que tristeza, pensou Ariel. Embora aquele homem já tivesse dito sem
meias palavras o que pensava dela, era impossível não sentir pena dele. Como
alguém podia não dar importância aos festejos natalinos? Era a época da
solidariedade. Mas Jarrett Wilkenson parecia ser do tipo de homem cuja
solidariedade era proporcional à confiança.

— Agora você já não mora sozinho — disse Ariel. — Tem que pensar em
Anna Jane. Apesar da morte da mãe, ou justamente por causa disso, ela
precisa saber que a vida continua. A falta da mãe tornará este Nata horrível
para Anna Jane, e você deverá estar preparado para isso. Ela precisará da sua
presença.

Jarrett olhou fixamente para ela.

— O que a torna uma entendida no assunto?

Ariel demorou alguns instantes para responder.

— Não tenho certeza, mas sei do que estou falando. — Por acaso ele
pensava que ela estava inventando aquilo tudo? — Sei o que pensa de mim,
mas por favor não deprecie tudo o que eu digo. Não quero ser rude... embora
até ache que tenho esse direito, depois de tudo o que fui obrigada a ouvir na
noite passada, mas você não conhece muito bem a sua sobrinha. Só uma
criança muito solitária mandaria uma mensagem dentro de uma garrafa em
busca de uma nova amizade.

— Não nego o fato de que as coisas têm sido difíceis para Anna Jane.

E para você, também, pensou Ariel, o que a surpreendeu. Perder a irmã e


ficar com a guarda de uma criança bastavam para deixar perturbado uma
pessoa tão reservada quanto aquele homem.

— Quanto você conhece da sua sobrinha? — ela perguntou.


— Estive com ela algumas vezes.

— Mas nunca teve um contato regular?

—Não.

Ariel suspirou.

— Isso é complicado para os dois — opinou, debruçando-se para o lado


dele. — Ela é apenas uma garotinha assustada. No momento precisa de
estabilidade e amor, mais do que qualquer outra coisa.

— Outra vez pergunto o que a torna uma perita no assunto?

— Não sei, mas tenho tanta certeza disso quanto... — Ariel parou no
meio da frase. — Bem, tenho certeza e pronto.

Jarrett já havia declarado que não acreditava nela, mas era quase possível
ver o conflito que se travava no íntimo do homem. Parecia não ser capaz de
encontrar nenhum argumento para rebater o que ela dizia. Pelo menos
merecia o crédito de estar cuidando da sobrinha.

— Pela nossa conversa de ontem à noite, concluo que você não é casado
— disse Ariel.

Como resposta ele apenas ergueu uma das sobrancelhas.

— Vou tomar isso como uma confirmação, o que é ruim. Uma tia, mesmo
postiça, tornaria as coisas bem mais fáceis para Anna Jane.

— E você? — ele perguntou. — Tem algum marido no seu currículo?

— Não. — A certeza a fez falar sem pensar. Então ela se pôs de pé. —
Não, não sou casada.

— O que lhe dá tanta certeza?

Ariel caminhou até a janela, depois voltou-se para ele.

— Eu sei que não sou casada. — Logo em seguida Ariel mostrou-se


espantada com o que estava dizendo. — Mas... isso é informação sobre a
minha vida. Faça-me outra pergunta, por favor. Sobre qualquer coisa.

— Fala algum idioma estrangeiro?

— Espanhol, mas não muito bem.

— Fez faculdade?

— Sim.

— Qual?
Por alguns instantes ela buscou a resposta na lembrança.

— Não me lembro.

— É filha única?

— Não.

— Tem irmãos e irmãs?

Era frustrante, mas outra vez a memória não cooperava.

— Talvez. Sim. — Depois ela balançou a cabeça. — Não sei.

— Seus pais estão vivos?

Ariel sentiu um aperto no peito e conteve a respiração. O motivo talvez


fosse a morte dos pais ou uma separação causada por algum
desentendimento?

— Não sei.

Jarrett fez mais algumas perguntas antes que ela o mandasse parar.

— Não adianta — disse, olhando para fora e apertando o parapeito da


janela. — Eu queria muito voltar a ser o que era. Por que é tão difícil?

Jarrett não respondeu. Na verdade, Ariel não havia esperado por isso.
Afinal de contas, ele achava que aquilo não passava de uma encenação dela. A
frustração a dominou.

— Não estou brincando — prosseguiu Ariel, com os olhos postos na


incrível vista da praia e do mar azul — Sei que você não acredita, mas é
verdade. É horrível... Tenho a sensação de estar flutuando sem nada que me
prenda ao chão. Posso ser qualquer pessoa. Isso é assustador. E se não gostar
de quem sou? Nesse ponto ela forçou o riso. — Não responda. Já sei sua
opinião sobre mim.

Jarrett não disse nada e ela até pensou que ele havia saído. Depois sentiu
os pêlos da nuca retesados e concluiu que era atentamente observada. Sem
dúvida, ele achava que ela merecia o Oscar pela atuação como atriz. Ah, o
cretino!

— É melhor eu descer e ficar esperando pelo seu motorista lá embaixo —


disse Ariel, caminhando até a penteadeira, em cima da qual havia deixado o
short e o maiô com que chegara.

Alguma coisa que houvesse trazido mais ficara no mar.

— O que vai fazer no hotel?


Ariel olhou para ele, tentando ver o que havia por trás daquela pergunta.

— Como assim?

— O que pretende fazer com seu tempo?

Ariel não havia pensado naquilo.

— Não sei. Vou circular e conversar com os hóspedes, acho. Mas não se
preocupe. Não causarei problemas nem serei intrometida. Mas que
importância terá o que eu fizer? Estarei fora da sua vida e é isso o que importa.

— Você tem razão sobre Anna Jane — disse Jarrett. — Ela é de fato uma
criança solitária, mas não sei o que fazer quanto a isso.

— Lidar com crianças não é tão complicado assim. Passe algum tempo
com ela, ame-a. É uma fórmula bem simples.

— Tenho que cuidar dos negócios.

— Como é Natal, vou citar uma frase que Charles Dickens escreveu no
seu livro Uma Canção de Natal: "A humanidade é o nosso negócio". Acho bom
você se lembrar disso, para o caso de ser visitado por alguns fantasmas.

Jarrett Wilkenson de fato sorriu, mostrando os dentes brancos. Surpresa


com aquilo, Ariel segurou-se no caixilho da janela para não perder o
equilíbrio.

— Está me chamando de desumano? — ele perguntou.

— Estou — ela respondeu, marchando para a porta.

— Ariel, quero lhe perguntar uma coisa.

Ariel gostaria de ter continuado andando. Teria uma enorme satisfação


em ignorá-lo, mantendo-se de costas para ele. Apenas a boa educação a fez
parar. O homem não apenas a hospedara, como também a manteria no hotel
pelo tempo que fosse necessário para que ela descobrisse a própria identidade.

Ariel apenas se apoiou no batente da porta e ficou esperando, sem se


voltar.

— Você atendeu ao pedido da minha sobrinha. Anna Jane acredita que é


esse o motivo da sua presença aqui.

— Sim, mas você acha que tudo não passa de um mirabolante plano
meu. Eu já tinha tudo planejado e tive a sorte de encontrar a garrafa, ou achei
o bilhete e, num impulso, tive a ideia de vir seduzi-lo. Já discutimos isso antes.
Qual é a grande ideia agora?
Era muito mais fácil dizer o que tinha na cabeça estando de costas para o
homem. Ela procuraria se lembrar disso se eles viessem a ter uma outra
discussão.

— Até que você recupere a memória ou alguém venha procurá-la, talvez


seja mais confortável ficar aqui, na minha casa. Não ter nenhum conhecido no
hotel pode dar uma sensação de solidão, principalmente na época do Natal.

Ariel apertou contra o peito as roupas que estava segurando e voltou-se


para encará-lo. Ele só podia estar brincando.

— Eu te odeio.

—Quanto a mim, não a conheço o suficiente para odiá-la.

— Sei, mas não confia em mim e duvida da minha história.

— Isso é verdade.

— Mas mesmo assim me convida para ficar hospedada na sua casa?

— Sim, em atenção à minha sobrinha, que me perguntou se você podia


ficar.

Ariel balançou a cabeça.

— Isso é loucura.

— A decisão é sua.

Então, ela pensou no que ele dissera sobre ficar sozinha no hotel nas
festas natalinas. O homem tinha razão. Além disso, para ser honesta, ela
estava apavorada com a ideia de voltar sem saber quem era.

Mas ficar ali... Talvez fosse loucura ao menos pensar na possibilidade.

Nesse ponto eles ouviram o barulho do motor de um carro.

— É o meu motorista — disse Jarrett. — Quer que o mande embora ou


ele deve esperar?

Ariel pesou as alternativas. Sabia que Jarrett pressionaria o gerente do


hotel para que encontrasse a família dela. Estando ou não presente, ela podia
ajudar muito pouco. Além disso, havia Anna Jane, de quem gostava
sinceramente. Para ser franca, mesmo detestando Jarrett Wilkenson, seria
muito melhor continuar na casa dele do que ficar sozinha no hotel. Pelo menos
ali tinha um nome, embora não fosse o verdadeiro.

— Mande-o embora — disse, aprumando o corpo e olhando-o de frente.


— Obrigada pelo convite. Gostaria de ficar.
Jarrett levantou-se.

— Com uma condição — acrescentou Ariel.

Sem dizer nada, Jarrett ficou olhando para ela.

— Pense o que quiser de mim, já que não posso controlar seu


pensamento, mas não quero mais nenhuma conversa como a que tivemos
ontem à noite — ela declarou. — Se não podemos ter respeito mútuo, pelo
menos que nos tratemos com cortesia.

— De acordo. Mandarei que o pessoal da butique lhe traga roupas e


outros artigos. Eles deverão estar aqui dentro de poucas horas. Direi a Leona e
a Anna Jane que você será nossa hóspede. Sinta-se em casa.

— Obrigada, sr. Wilkenson.

— Por favor, chame-me de Jarrett.

— Obrigada, Jarrett.

Com isso, ele saiu, sendo observado por Ariel enquanto descia a escada.
Quais eram os segredos daquele homem? O que o ferira tanto que, mesmo ele
sendo generoso, mantinha-se tão resguardado?

— Ariel, Anna Jane, venham ver — disse a voz excitada de Leona.

Ao ouvir aquilo Jarrett perdeu a vontade de trabalhar. Desligou o


computador, levantou-se e caminhou até a sala.

Parada à larga porta de entrada da casa, Leona acenava para a hóspede e


a menina, que estavam no lado de fora.

— Venham logo. Há muito o que ver.

Os olhos da mulher brilhavam. Baixinha e roliça, ela já mostrava alguns


fios brancos nos cabelos pretos. Jarrett a conhecia havia anos. Na verdade a
roubara, juntamente com o marido, de um antigo sócio.

— O que é? — perguntou Anna Jane, que entrou correndo na sala e


olhou em volta. Quando viu as caixas empilhadas ali perto, soltou um grito. —
São para mim?

— Menina interesseira — ralhou Leona, sorrindo. — Não se trata de


presentes, mas é quase isso. Venham abrir as caixas comigo. — Ariel parou,
mas Leona a incentivou a aproximar-se. — Há coisas para você, Ariel. Venha.
Vai ser divertido.
— Vai ficar olhando, tio Jarrett? — perguntou Anna Jane, avançando
para as caixas.

— Claro.

Ariel olhou rapidamente para ele e seguiu adiante. Certamente se


perguntava o que estava acontecendo. Desde que concordara em ficar na casa,
naquela manhã, mantinha-se ocupada com Anna Jane, como se quisesse evitar
de todas as formas estar na presença dele. O que provavelmente não sabia era
que o pátio principal, ao lado da piscina, podia ser inteiramente visto da janela
do escritório. E que, se o vidro estivesse aberto, ele podia ouvir tudo o que era
dito lá fora.

A princípio Jarrett havia pensado que tudo fazia parte do plano dela.
Quando começou a ouvir a conversa das duas, porém, passou a ter outros
pensamentos. Ariel não procurava obter de Anna Jane informações sobre ele,
assim como não dizia coisas que a engrandecessem aos olhos da sobrinha dele.
Em vez disso, perguntava sobre a escola e os amigos da menina. Nas
conversas que ouvira em apenas uma manhã, Jarrett aprendera mais sobre a
sobrinha do que nas semanas que convivera com ela.

Estaria mesmo Ariel tentando usar Anna Jane para conquistá-lo ou


tratava-se de uma paranóia dele? Isso levaria alguns dias para ficar claro. Por
enquanto, a garota queria companhia e Ariel mostrava-se disposta a contentá-
la. Com Leona supervisionando as duas, a presença da visitante não
representava perigo para Anna Jane.

Outro grito de alegria interrompeu aqueles pensamentos. Jarrett ergueu


os olhos e viu Anna Jane abrindo a caixa com as lâmpadas para a decoração de
Natal.

— São lindas! São para a árvore ou para decorar a casa?

— Para as duas coisas — ele respondeu. — A árvore chegará dentro de


poucos dias.

Anna Jane pôs de volta na caixa o fio cheio de pequenas lâmpadas


coloridas e correu para onde ele estava. Instintivamente Jarrett abaixou-se e
abriu os braços.

Foi muito bom abraçar aquele corpinho infantil, aparentemente frágil.


Jarrett lembrou-se de quando era menino e brincava com a irmã.

Os olhos castanhos da menina brilhavam de felicidade.

— Vamos ter uma árvore, tio Jarrett? — ela perguntou, maravilhada.

— Claro.
— Ah, que bom! Você não se esqueceu do Natal!

Jarrett fingiu-se ofendido.

— Achou que eu me esqueceria?

— Não, nunca! — ela exclamou, voltando a abraçá-lo.

Jarrett reparou que Ariel os observava. Ficou esperando, mas ela não se
referiu ao fato de que, embora soubesse que o Natal estava próximo, ele só
pensara em enfeitar a casa para a ocasião depois de ser lembrado por ela de
que isso agradaria a Anna Jane.

— Estas são para você — disse Leona, examinando o conteúdo de várias


caixas. — São roupas e outras coisas que chegaram da butique. — Então a
mulher piscou o olho para o patrão. — Parece que eles não deixaram nada
para os outros fregueses.

Jarrett soltou a sobrinha e levantou-se.

— Pedi que trouxessem uma boa variedade. Imaginei o tamanho. Espero


ter acertado.

Ariel tirou de uma das caixas um bonito vestido de verão.

— O tamanho parece certo, mas não precisava ter vindo tanta coisa.

— Escolha o que quiser e devolva o resto.

— Esse aí é lindo — disse Anna Jane, correndo para o lado dela.

Ariel foi abrindo as caixas. Havia mais vestidos, sapatos, bolsas,


carteiras. E muitas daquelas coisas eram para ser usadas em festas. Então ela
balançou a cabeça.

— A maior parte dessas coisas pode ser mandada de volta, a menos que
você esteja planejando algum evento formal.

— Ele não faria isso — disse Leona, antecipando-se ao patrão. — O sr.


Jarrett não promove festas. — Quando ele fez cara feia, ela abanou a mão. — É
verdade. O senhor vive como um monge, nunca recebe ninguém, embora seja
um homem jovem... Isso não é saudável.

— Leona!

— É, eu falo demais. Mas é verdade. — Dito isso a mulher marchou para


a cozinha. — Já sei, já sei: "Vá preparar o almoço". Estou indo.

Ariel pôs os vestidos de noite de volta nas caixas e ocupou-se em refazer


os embrulhos. Jarrett não podia ver o rosto da hóspede, mas imaginou que ela
estava rindo do desconforto dele, sem falar no que a empregada dissera.
— Não vivo como um monge — ele resmungou.

— Vive, sim — desmentiu-o Anna Jane, olhando para ele mas dirigindo-
se a Ariel. — Tio Jarrett nem conversa com Deus, enquanto os monges fazem
isso o tempo todo.

— Ora, muito obrigado — ele disse.

A menina fez um ar vitorioso.

— De nada.

Ariel retirou o conteúdo de uma sacola. Havia shorts, camisetas e roupas


íntimas, que ela rapidamente pôs de volta na sacola.

— Acho que vou levar tudo para o quarto e separar lá.

— Não demore — disse Anna Jane. — Depois do almoço vamos ajudar


Leona na decoração da casa. Podemos começar pela sala de estar e talvez pôr
algumas das luzes no corrimão da escada.

— Boa ideia — aprovou Ariel, abraçando uma porção de roupas e


pondo-se de pé. — Acho bom você rezar para que na minha outra vida eu não
seja gastadeira, Jarrett. E para que meus cartões de crédito tenham um bom
limite. É tudo tão bonito que vai ser difícil escolher. Acho que vou acabar
ficando com uma porção de coisas.

Jarrett olhou para ela, juntando as sobrancelhas.

— Pretende me pagar pelas roupas?

— É claro. Por que não faria isso?

Se fosse responder, Jarrett teria que dizer que era um homem rico e as
pessoas nunca pagavam pelo que recebiam dele. Em geral procuravam
arrancar ainda mais Ariel aproximou-se dele e abaixou a voz.

— Não sei como são seus amigos, mas talvez você deva pensar em fazer
novas amizades. Mesmo que eu ganhe apenas o salário mínimo, juro que lhe
pagarei pelas roupas. Talvez demore, mas conseguirei.

Jarrett não soube o que responder. Havia convicção nos olhos da mulher.
Sem dúvida, ela mentia sobre as outras coisas, mas parecia sincera ao dizer
que pagaria pelas roupas.
5

Ariel guardava a roupas novas no armário.

— Esse tempo bom é uma delícia — disse Anna Jane, sentada no centro
da cama.

Ariel olhou para a menina e sorriu.

— De onde você é, Anna Jane?

— De Manhattan. Nem sempre neva lá no Natal, mas em geral faz muito


frio. Aqui faz calor o tempo todo.

— Tem razão — concordou Ariel. — Acha isso bom?

— Ah, é muito bom! E você? Lembra-se de onde é?

— Não exatamente. Imagino nevoeiro e chuva, mas nada específico, o


que não ajuda muito. Nesta época há nevoeiro e chuva em todos os lugares.

— Não aqui.

Ariel sorriu.

— Sim, não aqui. É sempre tempo bom em Santa Alícia. — Sentando-se


na cama ela começou a dobrar camisetas. — Você tem saudade de Nova York?

— Um pouco. Às vezes sinto falta da escola.

— E dos amigos?

Anna Jane torceu a boca.

— Entrei naquela em setembro e por isso não tinha muitos amigos, mas
tenho saudade de alguns professores.

Ariel pôs sobre a cama a camiseta que acabava de dobrar e repousou a


mão no joelho de Anna Jane.

— É duro ser nova na escola, não acha?

— É, sim. Algumas das meninas conversavam comigo, mas as outras


eram todas umas metidas.
— Eram umas idiotas — opinou Ariel, apertando a perna dela antes de
pegar outra camiseta. — Só podiam ser, já que não perceberam a menina
excelente que você é. Azar delas. Se fossem suas amigas, poderiam vir visitá-la
aqui.

— É mesmo. Nunca pensei nisso.

Aquele comentário fez com que Anna Jane se sentisse melhor. Era
engraçado. Por fora Ariel e Anna B. não eram nem um pouco parecidas. Com
quase sessenta anos, a antiga babá dela era miudinha, tinha cabelos brancos e
olhos negros. O que Ariel tinha para lembrar Nana B. era o jeito de falar.

— Você tem filhos? — perguntou Anna Jane.

Ariel olhou para ela e abriu a boca, mas não respondeu logo. Antes de
falar franziu a testa.

— Não tenho certeza.

— Eu vivo me esquecendo de que você perdeu a memória. Estou sempre


lhe fazendo perguntas assim.

— É até bom perguntar. Há coisas que só percebo que sei depois que
respondo. Mas filhos... Que estranho. — Ariel levantou-se e pôs as camisetas e
os shorts dobrados no gavetão aos pés da cama. Depois retornou ao mesmo
lugar. — Meu primeiro impulso foi responder que não tinha filhos, mas
depois pensei em dizer que sim. — Por alguns instantes ela ficou alisando os
cabelos, pensativa. — Acho que não tenho filhos meus, mas há crianças na
minha vida.

— Amigos?

— Talvez. Ou filhos de amigos, sobrinhos... Não tenho certeza.

Anna Jane não queria que houvesse outras crianças na vida de Ariel.
Queria ser a única. O que era uma tolice. Depois do almoço Leona havia
explicado que Ariel ficaria ali apenas temporariamente. Mas parte de Anna
Jane não queria acreditar naquilo, preferia pensar que a nova amiga ficaria por
muito tempo.

Ariel olhou para a bonita garotinha sentada na cama, muito quieta.

— Você está séria por algum motivo. Não quer me contar qual é?

— Não é nada — foi a resposta calma.

Ariel tentou ler a expressão de Anna Jane, certa de que havia alguma
coisa. Infelizmente, a menina havia herdado a habilidade da família
Wilkenson para esconder o que sentia.
— Ainda temos algumas horas antes do jantar. Podíamos fazer alguma
coisa.

A garota encolheu os ombros.

— Que tal um jogo?

Outro encolher de ombros, desta vez acompanhado por uma mãozinha


passeando sobre a cama.

— Não quer explorar a casa? Ainda não vi muita coisa. Ela é tão grande
que podemos até fingir que nos perdemos, fazendo com que Leona vá nos
procurar.

Silêncio. Ariel repassou a conversa delas. Haviam falado sobre Anna


Jane não ser muito bem recebida pelas colegas da escola e sobre a
possibilidade de ela, Ariel, ter filhos. Bingo!

— Você está com saudade da sua mãe, não é?

Anna Jane ergueu a cabeça. Agora estava com os olhos cheios de


lágrimas, uma das quais escorreu pela face direita.

— Não — murmurou, balançando a cabeça. — Eu sou muito má.

O coração de Ariel doeu de pena daquela criança.

— Querida, você é uma porção de coisas, mas certamente não é má.


Conte-me qual é o problema.

— Não posso. Você vai me detestar.

— A menos que você pretenda me vender aos piratas ou tocar fogo na


casa, não consigo pensar no que poderá fazer para que eu a deteste. — Ariel
segurou nos ombros da menina e sacudiu-a de leve. — Vamos lá.
Desembuche. Sei que não fico chocada facilmente.

Anna Jane engoliu em seco.

— Minha mãe morreu.

Dito isso ela ficou com a boca fechada. Ariel resistiu à vontade de fazer
mais perguntas. De alguma forma sabia que era melhor esperar. Parecia até
que já havia passado por uma experiência semelhante. Seria verdade?

Mas no momento o passado dela não importava. Era preciso pensar


naquela criança.

— Sinto saudade dela — continuou Anna Jane, com a voz trêmula. —


Mais ou menos. Não é tanta quanto a saudade que sinto de Nana B.
— Sua antiga babá? — adivinhou Ariel.

— Sim. — Rolaram mais lágrimas, que Anna Jane afastou com a mão. —
Ela parou de trabalhar em setembro, quando eu fui para a nova escola. Hoje
mora com uma irmã. Sinto tanta saudade dela.

— A menina levou a mão à boca para sufocar um soluço.

— Ah, querida, é claro que sente saudade. Ela estava com você todos os
dias. E tenho certeza de que Nana B. também sente saudade de você. — Ariel
abraçou a menina. — Eu nunca tive babá... ou pelo menos não me lembro
disso, mas sei que deve ser uma relação muito especial. É duro para você ter
perdido a babá e a mãe com uma diferença de poucos meses.

— Mamãe pediu que ela voltasse — relatou Anna Jane, abraçando-se


mais a Ariel. — Eu ouvi. Mas a irmã dela havia caído e quebrado o quadril.
Nana B. não podia deixá-la sozinha. Mas eu queria que ela voltasse. Gostava
dela mais do que de minha mãe. Isso é errado.

Finalmente. Estava ali a raiz do problema. Ariel sentiu o calor do corpo


infantil. Teve a impressão de que costumava fazer aquilo. Era apenas uma
lembrança distante, algo de que não conseguia se aproximar.

— Não há nada demais no amor. Você amava sua mãe e sua babá de
formas diferentes porque as duas ocupavam lugares diferentes na sua vida.
Nana B. participava dos seus pequenos momentos. Nós sentimos mais falta
dos pequenos momentos porque eles são muitos. Isso... faz sentido para você?

Anna Jane fungou.

— Faz, sim.

— Ótimo. Portanto, se há dias em que você sente muita saudade de Nana


B., aposto que há outros em que sente muita saudade da sua mãe. Nunca
pense que é errado ter saudade ou gostar de alguém que gosta de você. O
amor é a melhor parte da pessoa que somos.

Ariel não sabia de onde vinha o conselho que estava dando, mas Anna
Jane mostrava-se confortada e era isso o que importava no momento.

— Estou com medo — disse a menina.

— Por quê?

— E se me mandarem embora? Ouvi o advogado falando nisso, num


internato. — Nesse ponto a garota ergueu a cabeça e olhou para Ariel. — Se tio
Jarrett morrer, eu serei pobre e terei que viver no sótão, como Sara Crew. —
Certamente percebendo a confusão da interlocutora, ela procurou esclarecer.
— Aquela de A Pequena Princesa.
Ariel lembrou-se da história.

— Isso não vai acontecer — garantiu, apertando a garota contra o peito.


— Seu tio ainda viverá muito. Além disso, é rico e não perderá o dinheiro que
tem. Portanto, você não terá que viver num sótão.

— Mas acha que posso ser mandada para um internato?

— Vou conversar com ele — prometeu Ariel, perguntando-se por que


dizia aquilo.

Jarrett não chegava a ser um admirador dela e não estaria disposto a


ouvir conselhos. Por outro lado, tratava-se da sobrinha dele. O homem teria
que resolver o problema. Ariel só esperava ter coragem suficiente quando
tivesse que enfrentar o leão na toca.

— Farei com que ele entenda — acrescentou, ao ver a expressão


esperançosa de Anna Jane. — Tudo vai dar certo.

— Obrigada — agradeceu a menina, apoiando a testa no ombro dela. —


Foi bom você ter encontrado a garrafa.

— Também acho — declarou Ariel, com sinceridade, apesar do que havia


acontecido e da incerteza em relação ao futuro. — Mas o que me diz de
explorarmos a casa?

A menina desceu da cama, limpando do rosto os últimos vestígios de


lágrimas.

— Está certo. Ela é grande mesmo. Tem uma porção de quartos e até um
telescópio no sótão.

— Será que precisamos levar uma bússola?

Anna Jane riu.

— Eu conheço tudo. Não vamos nos perder.

— Tem certeza? Podemos pedir a Leona migalhas de pão para ir


deixando pelo caminho. Mas na certa ela vai querer que limpemos tudo na
volta e eu não estou disposta a carregar um aspirador de pó no nosso passeio.

Anna Jane riu ainda mais.

— Você é engraçada.

— Ainda bem que você acha.

Ainda rindo, a menina caminhou para fora do quarto. Ariel seguiu atrás,
perguntando-se por que achava tão fácil fazer amizade com a criança. Talvez
tivesse trabalhado como babá para alguma família rica. Ou era professora?
Podia também ter trabalhado num consultório pediátrico, como enfermeira ou
médica assistente.

Qualquer coisa era possível.

Mais tarde ela procuraria uma resposta para a questão. Por enquanto
tentaria se divertir no passeio pela bonita casa de Jarrett.

Elas começaram pelas partes mais altas. Como dissera Anna Jane, no
sótão, espaçoso e de muitas janelas, havia um telescópio que devia ter custado
um bom dinheiro. No andar logo abaixo espalhavam-se pequenos quartos e
uma grande sala de jogos muito bem equipada, contando entre outras coisas
com uma mesa de bilhar e um aparelho de TV de tela bem grande.

No segundo andar ficavam os quartos principais, entre eles o que ela


estava ocupando, o de Anna Jane e o de Jarrett. Ariel não entrou no último, já
que não queria parecer uma invasora.

Finalmente, elas chegaram ao térreo. No fundo da sala, uma porta dupla


dava para o que parecia ser uma sala de musculação.

— Há pesos e aparelhos de ginástica — disse a bem informada Anna


Jane. — Tio Jarrett é muito forte.

Ariel empurrou a porta. Ao fazer isso, ouviu o barulho surdo de um


motor e o som ritmado de passadas rápidas. Olhou na direção de onde vinha o
som e viu Jarrett na esteira rolante.

Um televisor instalado num suporte de parede estava ligado na CNN.


Quase de costas para a porta, ele ainda não havia reparado na chegada das
duas. Ariel achou que o melhor seria sair antes de ser vista, mas as pernas não
obedeceram àquele comando.

Parada onde estava, ela ficou observando os movimentos firmes do


corpo do homem. Os braços poderosos moviam-se para a frente e para trás,
enquanto as pernas compridas davam sem dificuldade longas passadas. Ele
vestia calção e camiseta regata, deixando à mostra boa parte do corpo. Os
ombros eram largos e bronzeados e a desbotada camiseta cinza já estava
molhada de suor.

Ariel olhou para o espelho que havia diante dele. A imagem refletida
mostrava quase de frente o homem que se exercitava. As pernas eram ainda
mais sedutoras vistas de frente. O abdômen era musculoso e reto. Mesmo o
rosto mostrava firmeza e força.

Os movimentos dele tinham uma graça animal. Algo primitivo dentro de


Ariel entrou em ação. Então ela procurou ignorar aquela sensação, que
prontamente identificou como desejo sexual. Não podia se sentir atraída por
ele. Que fosse por qualquer um, mas não por ele. Primeiro porque Jarrett
Wilkenson não confiava nela. Segundo porque ela própria não sabia se era
merecedora de confiança. Queria acreditar que sim, mas não podia ter certeza.

Mesmo com a porta do escritório fechada, Jarrett ouvia vozes e risos.


Fosse qual fosse o motivo de Ariel para entrar na vida dele, era inegável que a
presença dela fazia muito bem a Anna Jane. Os últimos três dias haviam
transformado aquela criança. Antes excessivamente reservada, a menina agora
vivia rindo, falando e brincando. Era exatamente o que ele queria para ela. O
que não queria era que outra pessoa houvesse operado o milagre.

Ainda estava sem solução o mistério que era Ariel. Ninguém aparecera
para comunicar o desaparecimento dela, em Santa Alícia ou em qualquer uma
das ilhas vizinhas. Ela até havia parado de se mostrar esperançosa sempre que
o via, como se ele estivesse se aproximando para levar notícias boas. Talvez
houvesse se conformado com a possibilidade de nunca ser resgatada daquela
situação.

Para complicar, Jarrett ainda não sabia se devia ou não confiar na


mulher. Bem, não era uma pergunta que pudesse ter resposta imediata. Mas
precisava de resposta.

A certa altura ele percebeu que a sala estava silenciosa. Talvez Ariel e
Anna Jane houvessem resolvido ir a praia. Da janela do escritório era possível
ter uma vista de cento e oitenta graus do oceano. Ele podia ir até lá para ver se
Ariel não estava de roupa de banho, deixando à mostra aquelas pernas
tentadoras...

Mas que droga! Ele precisava parar com aquilo! Além do mais, a mesa
estava cheia de trabalho.

Com muito esforço, Jarrett concentrou-se no que tinha para fazer. Depois
de examinar alguns relatórios, ligou o computador para se informar sobre o
andamento da campanha destinada a incentivar o turismo interno nos países
onde a rede de hotéis dele atuava. Era bom ver que o programa estava sendo
um sucesso muito maior do que o esperado.

Cerca de duas horas mais tarde ele sentiu algo roçando no braço. Apenas
bateu com a mão no lugar para espantar o mosquito e pressionou algumas
teclas. Antes de desligar o computador, queria ver o sumário registrado pelo
programa.

Logo depois sentiu outro toque no braço. Quando inspirou um aroma de


pinheiro, percebeu que não estava sozinho.
Ariel riu quando ele se voltou para olhá-la. Estava bem ali perto, com um
pequeno galho de pinheiro na mão. Como se quisesse assumir uma culpa,
bateu outra vez no braço dele com o galho.

— Você tem uma fantástica capacidade para se concentrar — disse.

— Obrigado — respondeu Jarrett, perguntando-se o que ela pensaria se


ele confessasse que ultimamente isso não estava sendo muito fácil.

Ela não estava de maiô, como ele havia imaginado. Vestia uma camiseta
vermelha ensacada no short branco. Mas não era uma visão menos
maravilhosa. O short curto deixava quase inteiramente à mostra as pernas
bem-feitas e os braços também estavam expostos. A macia malha da camiseta
acompanhava o formato dos seios, o que o fez desejar percorrer com as mãos
aquelas deliciosas curvas.

— Sua presença é requisitada — ela disse, balançando o galho de


pinheiro na frente dele. — Como já deve ter adivinhado, vieram trazer a
árvore de Natal. — Ariel sorriu. — Estamos nos trópicos, Jarrett? Por acaso
mandou que trouxessem a árvore diretamente dos Estados Unidos, de avião?

— Não tive outro jeito.

— Trouxeram uma árvore fabulosa. E enorme. Frank teve que cortar um


pedaço da base para que ela coubesse na sala de estar. Nós pensamos em
deixá-la na sala de visitas, mas não ficaria muito aconchegante. Na sala de
estar é melhor. Pelo menos foi a minha opinião. Espero que você concorde.

— Para ser franco, não pensei nem numa opção nem na outra.

— Muito típico de você — disse Ariel, caminhando para a porta. — Mas


vou perdoá-lo. Venha. Precisamos de ajuda na decoração.

— Tenho que trabalhar.

Ariel parou e voltou-se para ele, fitando-o com aqueles olhos verdes
penetrantes.

— Já não falamos sobre aqueles fantasmas? Não tem nem um pouco de


medo de que eles venham agarrá-lo?

Jarrett não conteve o sorriso.

— Você é sempre assim?

— Assim como?

— Impulsiva. Costuma interromper o trabalho das pessoas para obrigá-


las a fazer coisas como cuidar da decoração de Natal?
Ariel desfez o sorriso.

— Não sei, mas espero que sim. Detestaria ser de outra forma. Além
disso, quem não é impulsivo é desinteressante.

— Está me chamando de desinteressante?

— Você vai ou não ajudar na decoração?

— Vou.

— Então não é desinteressante. Pelo menos por enquanto.

— Puxa, obrigado.

— De nada.

Jarrett a seguiu. Uma pista deixada por pequenos galhos de pinheiro os


levou até a sala de estar.

— Lembre-me de nunca fazer nenhum negócio com você — disse Jarrett.


— Gosta de estabelecer muitas condições.

— Tudo na vida depende de condições — respondeu Ariel, sacudindo a


cabeça. Os raios de sol que batiam nos cabelos dela os deixavam ainda mais
dourados. — Não o amor, é claro, mas tudo o mais. — Entrando na sala de
estar ela parou e fez um gesto na direção dele, olhando para os presentes. —
Aqui está ele. Eu não disse que o traria?

Anna Jane correu para abraçá-lo pela cintura.

— Estamos decorando a árvore de Natal e eu estou dando as instruções,


tio Jarrett. Ela não é linda? É tão grande. — A menina apontou para um canto
onde vários galhos pequenos estavam empilhados. — Frank teve que cortar
umas partes para que a árvore coubesse aqui. O cheiro não é o do Natal?

Jarrett acariciou a face da sobrinha. Sorrindo daquele jeito ela ficava


ainda mais parecida com a mãe. Tracy adorava o Natal ou qualquer outra
ocasião festiva em que pudesse receber presentes.

Sem esperar pela resposta dele, Anna Jane correu de volta à árvore para
ajudar Frank, que prendia nos galhos o fio com as luzes coloridas.

Jarrett pensou na conversa que tivera com Ariel, momentos antes. Ela
havia falado em amor incondicional, mas ele jamais havia experimentado tal
emoção. Tracy sim. O amor da irmã dele pelo marido parecia excluir o resto
do mundo. Infelizmente, isso também havia deixado do lado de fora a única
filha que o apaixonado casal tivera. Ele gostava da irmã, mas não era cego
para os erros que ela havia cometido. Mesmo depois da morte do marido,
Tracy não soubera atender às necessidades de Anna Jane.
Ao ouvir o riso da sobrinha, Jarrett moveu os lábios num sorriso.

— Está se divertindo com o nosso trabalho? — perguntou Ariel, parando


ao lado dele quando ia pegar mais galhos de pinheiro.

Ela já havia posto vários daqueles galhos na lareira, o verde-escuro


contrastando com o mármore branco do local onde se acendia o fogo.

— Gosto de ouvir o riso de Anna Jane. Acho que antes ela não ria muito.

— Isso é compreensível, levando-se em conta o que ela teve que


suportar. É sorte sua a menina estar se adaptando tão bem.

Jarrett pensou em perguntar como ela podia saber se Anna Jane estava
ou não se adaptando, mas aquela não era hora de investigar a suposta perda
de memória de Ariel.

— Não sei o que fazer em relação a ela.

— É fácil. — Ariel entregou a ele vários galhos. — Basta amá-la e estar


sempre ao alcance dela. O resto vai acontecendo sozinho.

— Você está simplificando demais. A tarefa de educar é muito


complicada.

— Há quem diga a mesma coisa sobre dirigir um grande negócio.

Jarrett balançou a cabeça.

— Destruir a vida de uma criança não é a mesma coisa que ir à falência


nos negócios. É muito pior.

— Você se sairá bem, Jarrett. Se está mesmo preocupado, não vai errar a
ponto de destruir a vida de Anna Jane. — Dobrando-se para a frente ela pegou
mais uma braçada de galhos. — Ainda não me acostumei com isso. É
dezembro, nós estamos cuidando da decoração de Natal e eu estou aqui de
short. Que fantástico.

— Não há nem sinal de neve.

Ariel franziu a testa, séria.

— Não sei se é neve o que espero ver. Não tenho certeza. — Então ela
sacudiu a cabeça. — Vou lhe dar um conselho: nunca perca a memória, ou
acabará louco.

Para falar a verdade ela já o estava deixando louco. Será que não
percebia isso? Ou era parte do plano dela?

— Se não espera ver neve, o que quer, então?


— Alguma coisa maravilhosa.

Por alguns instantes eles ficaram se olhando nos olhos. Jarrett lembrou-se
de quando ela o observara correndo na esteira, da emoção que vira naqueles
olhos verdes. Teria sido aquilo desejo ou apenas uma projeção do que ele
queria ver? Era uma situação absurda. Afinal de contas, ele se sentia atraído
por uma mulher em quem não confiava. Bem, isso era próprio de quem só
tivera relacionamentos desastrosos.

Ariel chegou bem perto dele e abaixou o tom de voz.

— Comprou algum presente para Anna Jane?

— Mandei que comprassem algumas coisas.

— Que coisas?

Jarrett tentou se lembrar, mas só conseguia ver Ariel. Era fácil imaginá-la
nua, deitada por baixo dele, gemendo de prazer enquanto eles...

— Bem... Não me lembro — ele disse, depois de pigarrear. — Você


sugere alguma coisa?

— Livros, programas educativos de computador, talvez uns jogos. Não


recomendo bonecas, porque ela já está bem crescida para isso. Seria uma boa
ideia também algumas mascotes. Sabe como é: coisas pelas quais a garota se
afeiçoe. Esta é a ideia central. Mas não exagere. Não vá estragar a menina.

Jarrett olhou bem para ela.

— Você sugere que eu compre uma porção de coisas e depois diz que
não devo estragar minha sobrinha? Não está sendo incoerente?

Ariel riu.

— É, talvez eu tenha me excedido. Mas você conseguiu boas sugestões.

— Ah, está certo — disse Jarrett, rindo alto.

Instantaneamente Ariel ficou tensa. Espantado, ele olhou em volta e viu


que era o foco de todos os olhares.

— O que foi? — perguntou.

— Nada — respondeu Leona, abaixando outra vez os olhos para a


arrumação que fazia.

— Você estava rindo, tio Jarrett — explicou Anna Jane. — Eu nunca tinha
ouvido o som do seu riso. Ele é bom de ouvir.
6

Jarrett fechou o livro e o pôs sobre a mesa-de-cabeceira de Anna Jane. A


menina suspirou.

— Foi uma linda história. Vamos começar uma outra amanhã?

— Vamos. Já escolheu alguma?

— Claro.

Ao ver o sorriso da sobrinha, Jarrett sentiu o coração cheio de vida.


Jamais havia pensado que se afeiçoaria por alguém, mas era muito fácil amar
aquela criança.

— Foi o que imaginei — disse, depois de beijar a testa da menina. —


Agora durma.

Anna Jane tocou no braço dele.

— Tio Jarrett, alguém procurou por Ariel?

Jarrett balançou a cabeça e pensou nas conversas diárias que tinha com o
gerente do hotel.

— Ainda não.

— Sei que ela está triste por causa disso — disse Anna Jane. — Pensa que
ninguém a quer.

— Ariel certamente tem família e amigos em algum lugar. Só que eles


não sabem que ela está desaparecida.

Jarrett tinha certeza do que dizia. Uma mulher como aquela não podia
ser sozinha.

— Mas, se ela não tiver família, poderá ficar conosco?

Jarrett coçou a cabeça.

— Ariel não é um cãozinho perdido, Anna Jane. Não podemos pedir a


ela que fique.
Anna Jane evidentemente não gostou do que ouviu.

— Ela gosta daqui, gosta de nós e nós gostamos dela. — A menina torceu
o canto da boca. — Bem, eu gosto dela, mas às vezes acho que você não gosta.

— Eu gosto dela, sim — disse Jarrett, perguntando-se se falava a


verdade.

Os sentimentos dele por Ariel eram vários e desencontrados, mas


nenhum deles podia ser definido como "gostar". Agora, se Anna Jane
houvesse perguntado sobre desejar... Bem, isso ele saberia responder.

— Você não gosta dela da forma como mamãe gostava de papai.

— Não. O que havia entre seus pais era um amor muito especial.

Um amor em que ele não queria acreditar. Mesmo que acreditasse, não se
arriscaria numa relação como aquela.

— Mamãe e papai amavam-se mais do que me amavam — disse Anna


Jane, como se falasse de uma banalidade.

Jarrett olhou para ela demoradamente. A menina parecia calma, sem


demonstrar nenhuma dor.

— Por que está dizendo isso?

— Porque é verdade. Nana B. me disse que era melhor daquele jeito.


Disse que mães e pais deviam se amar mais do que amavam os filhos. A
criança cresce, vai embora e os pais ficam juntos. Por isso devem se amar cada
vez mais.

A menina falava com gravidade, como se acreditasse no que dizia, mas


Jarrett pôde ler nas entrelinhas. Anna Jane não criticava o fato de que os pais
haviam se amado muito, mas queria que houvesse sobrado um pouquinho de
amor para ela.

— Ariel é boa gente — murmurou Anna Jane.

Jarrett achou melhor desfazer as ilusões que por acaso houvesse na


cabeça da menina.

— Ariel tem a vida dela, Anna Jane. Quando recuperar a memória... —


Ou quando ele a desmascarasse. — Quando se lembrar de onde veio, voltará
para casa.

Anna Jane assentiu vagarosamente.

— Mas agora ela está aqui, certo?

— Certo. — Outra vez Jarrett beijou a testa da sobrinha. — Agora durma.


Depois de apagar o abajur, ele saiu do quarto. Enquanto caminhava para
o escritório, pensou na pergunta de Anna Jane. E se ninguém aparecesse
procurando por Ariel? Bem, alguém acabaria aparecendo. Ou, se tudo não
passasse mesmo de encenação, quando percebesse que não conseguiria o que
queria ela própria tomaria a iniciativa de ir embora.

O estranho era ele querer que isso não fosse verdade. Parte dele queria
confiar em Ariel, talvez porque ela passava tanto tempo com Anna Jane. Não
queria que a sobrinha fosse influenciada por uma mentirosa... Embora no
íntimo soubesse que o mentiroso ali era ele. Queria que Ariel não estivesse
mentindo porque não conseguia deixar de desejá-la.

— Droga — resmungou Jarrett, descendo a escada e rumando para o


escritório.

Só o trabalho o fazia esquecer aquele problema.

Quando se aproximou da janela do escritório, Jarrett viu lá embaixo uma


silhueta conhecida. Ariel estava sentada na mureta que separava a área da
piscina da praia. Com o queixo apoiado nos joelhos, abraçava as pernas
dobradas. Tinha as costas viradas para ele e era impossível ver o rosto dela,
mas algo a perturbava.

Sem levar em conta que já estava com a cabeça cheia de problemas,


Jarrett caminhou para a sala, atravessou a casa e saiu pela porta dos fundos.
Preferiu ir pelo gramado para que Ariel não ouvisse os passos dele. Foi se
aproximando silenciosamente. As criaturas da noite chamavam umas as
outras, enquanto as ondas quebravam na praia.

— Está gostando da vista? — ele perguntou.

Ariel aprumou o corpo, abaixou os pés até a areia e passou rapidamente


a mão no rosto. Teria chorado?

— Está uma bonita noite — disse, com uma voz meio rouca.

Ela vestia a mesma roupa com que comparecera ao jantar, um top verde
de seda e uma saia colorida que ia quase até os tornozelos.

— Está esperando pelo aparecimento das estrelas?

— Não, eu... — Ariel estremeceu. — Desculpe, Jarrett, mas acho que esta
noite não sou boa companhia. Sei que, como sua hóspede, uma das minhas
responsabilidades é ser espirituosa para entretê-lo. Mas... será que podemos
deixar a conversa para outra hora?
Jarrett surpreendeu-se com aquilo. Ela estava tentando enxotá-lo. Não
era uma atitude que se esperasse de uma mulher que pretendesse fisgar um
homem.

Então ele respirou fundo e sentou-se na mureta ao lado dela.

— Não quero ser entretido, mas gostaria de falar por um minuto sobre a
minha sobrinha, se você não se incomoda.

— Anna Jane? Ela está bem?

— Está bem, sim. Ainda há pouco li uma história para ela e a pus na
cama. Talvez Anna Jane já seja um pouco crescida para isso, mas acho que não
é um mau hábito.

Ariel olhou para ele. Os cabelos loiros estavam presos na parte de trás da
cabeça, deixando sem moldura o rosto de traços delicados. A luz que vinha da
janela da cozinha iluminava a face direita dela, enquanto a esquerda
permanecia na sombra. Era incrivelmente linda.

— De fato, Anna Jane já passou da idade em que as crianças querem


ouvir histórias antes de dormir, mas acho que não é tanto por causa da
história. Ela simplesmente quer estar com você. É a ocasião especial em que
vocês dois ficam juntos e ela dá muito valor a isso.

— Eu não havia pensado nisso, mas fico preocupado. Anna Jane teve que
abandonar tudo, a escola, os amigos... Seria mais fácil se a antiga babá pudesse
acompanhá-la, mas isso não foi possível.

— Ela me falou no assunto — disse Ariel. — Parece que a mulher tem


algum problema médico na família.

— Exatamente. — Jarrett esticou as pernas e cruzou os tornozelos. —


Aquelas duas eram muito ligadas. Não acho que a situação estaria melhor se
Tracy não houvesse contratado uma babá. Afinal de contas, Anna Jane perdeu
também a mãe.

— Tracy é a sua irmã?

— Sim.

— Não sei bem o que dizer — murmurou Ariel, logo depois dando de
ombros. — Alguns dias atrás sua sobrinha me contou umas coisas. Como ela
não me pediu segredo, acho que não se importará se eu lhe contar. Mesmo
assim acho engraçado.

— Quer que eu a obrigue a falar.

Ariel sorriu.
— Não, mas agradeço por querer ouvir. Bem, só peço que você me deixe
fora de qualquer discussão que venha a ter com ela sobre isso. Não quero que
Anna Jane pense que a estou traindo pelas costas ou que não mereço
confiança.

Outra vez Jarrett se surpreendeu. Aquela evidente preocupação por


Anna Jane não se adequava à personalidade de uma caçadora de fortunas.

— Serei diplomático — ele prometeu.

Ariel assentiu.

— Espero que saiba como. Acho que saberá, já que dirige um negócio tão
grande e tão bem-sucedido. Bem, o fato é que Anna Jane está com um enorme
sentimento de culpa. Ela tem mais saudade da babá do que da mãe, e acha que
isso é errado.

— Pobrezinha — disse Jarrett. — O que foi que você disse a ela?

— Que era uma reação normal. Não há nada de errado em gostar mais
de uma pessoa do que de outra. Tentei explicar que ela havia partilhado com a
babá os momentos do dia-a-dia, alguns certamente ricos e que a fizeram sentir
falta da pessoa que estava perto na ocasião.

— Ela compreendeu?

— Espero que sim, mas não tenho certeza.

Jarrett passou a mão pelos cabelos.

— Sempre que começo a pensar que Tracy tomou a decisão certa ao


deixar a filha comigo, acontece alguma coisa que me deixa com medo de fazer
sem querer alguma coisa que acabe estragando tudo. Não tenho nenhum
preparo para educar uma criança.

— Ame-a, Jarrett. Talvez possa comentar o fato de ela achar que gostava
mais da babá do que da mãe. Anna Jane verá que não há problema nisso.

— É uma boa ideia. — Jarrett inspirou o ar marinho. Embora não tivesse


a obrigação de explicar, queria que Ariel entendesse que o relacionamento de
Tracy com o marido tinha sido bem peculiar. — Tracy e Donald não eram
como os casais comuns.

— Em que sentido?

— Eles se amavam de tal forma que excluíam o resto do mundo.


Enquanto viveram sozinhos isso não causou problemas, mas continuaram do
mesmo jeito depois que Anna Jane nasceu. Até que Donald morreu num
desastre de automóvel. Tracy nunca se recuperou. De uma certa forma, Anna
Jane já nasceu órfã.

— Pelo menos ela teve Nana B.

— Tem razão. Nana B. amava a menina como uma filha. Isso deu a Anna
Jane uma certa estabilidade.

Por alguns minutos eles ficaram em silêncio, até que Ariel olhou para ele,
apoiando o joelho direito na mureta e o pé no outro joelho.

— Já amou alguém assim, Jarrett?

— Nunca. E você?

Por alguns instantes ela apenas balançou a cabeça.

— Não. De todas as coisas que consigo me lembrar, por que isso tinha
que ser uma delas? — Então ela forçou um sorriso. — Seria muito melhor se
eu me lembrasse de um grande amor do que saber que nunca amei ninguém.
É uma parte triste da minha vida... Não concorda?

— Já que me pergunta, acho que é uma coisa mais sensata do que triste.

— Sensata? Então não acredita no amor?

— As pessoas valorizam demais o amor.

Jarrett pensou em Charlotte. Depois de ver o amor de Tracy e Donald,


havia se envolvido com Charlotte... que se encarregara de destruir crenças já
quase sedimentadas.

— Ainda acha que estou mentindo? — perguntou Ariel,


inesperadamente.

Jarrett examinou aquele rosto bonito e já sem hematomas.

— Está mentindo?

—Você me faz essa pergunta como se fosse mesmo acreditar na minha


resposta. — Ariel suspirou. — Não, não estou mentindo. Não tenho nenhum
motivo para mentir.

— E eu não tenho nenhum motivo para acreditar em você.

— Está certo, vou morder a isca. Mas por que não acredita em mim?

Jarrett olhou para o mar imenso, àquela hora escurecido.

— É uma longa, longa história.

Estou disposta a ouvir.


Jarrett concluiu que queria confiar nela. Só rezava para não ser outra vez
enganado.

— Meus pais morreram quando eu tinha dezoito anos — ele começou,


olhando para o mar mas vendo apenas o passado. — Não me lembro muito
bem daquele dia, apenas que chovia e fazia muito frio, embora fosse verão.
Tracy já estava na faculdade e eu começaria meu curso superior dentro de
poucas semanas. A família Wilkenson estava no negócio de hotéis desde que o
primeiro ancestral chegara da Inglaterra, no início do século XVIII. Eram
quase dois séculos de fortunas feitas e desfeitas. Isso foi há catorze anos e nós
vivíamos uma de nossas piores épocas.

Jarrett falava como se tudo aquilo houvesse acontecido havia muito


tempo. Em geral não tocava no assunto. Alguém poderia sentir insegurança
no presidente da empresa e isso prejudicaria os negócios.

— Pode-se ver que as coisas mudaram — disse Ariel. — Você tem se


saído muito bem.

Jarrett deu de ombros.

— Terminei a faculdade em três anos e estava pronto para trabalhar —


prosseguiu. — Durante algum tempo falou-se em Tracy ficar à frente da
empresa, mas por essa época ela conheceu Donald e não ia querer mesmo
trabalhar. Levei cinco anos para pôr a empresa de pé.

— Deixe-me adivinhar — disse Ariel, com brandura. — Você trabalhava


vinte e quatro horas por dia e não tinha tempo nem para respirar.

— Exatamente — Jarrett olhou para ela. — Não tinha tempo para nada.
Depois, quando as coisas começaram a se acertar, olhei para os lados e vi que
era o centro das atenções. Todos queriam se aproximar do gênio Wilkenson.
— Nesse ponto ele fez uma careta. — Foi um inferno.

— Também era assediado pelas mulheres? — atiçou-o Ariel.

— Digamos que sim. A essa altura os meus companheiros de faculdades


já estavam assentados na vida e eu não tive a quem recorrer. Então resolvi me
esconder.

— Foi quando veio para cá?

— Foi.

— Resolveu se desligar de tudo. Isso não o perturba?

— Prefiro pensar que tirei longas férias.


Ele estava mentindo. Na verdade a bela casa em Santa Alícia era uma
prisão.

— Você está aprisionado aqui, Jarrett — disse Ariel, surpreendendo-o ao


ler o pensamento dele. — Resolveu ficar porque não queria voltar para a
situação de antes ou porque não tinha alternativa?

— As duas coisas — admitiu Jarrett.

Ariel arrumou uma mecha de cabelo por trás da orelha.

— E Anna Jane? Não vai poder mantê-la aqui para sempre.

— Eu sei. Tenho pensado em mandá-la de volta para os Estados Unidos,


talvez para um bom internato.

— É disso que ela tem medo — informou-o Ariel. — Você por acaso já
ouviu falar num livro chamado A Pequena Princesa?

— Não.

— Anna Jane já o leu. É a história de uma menina que é mandada para


um colégio interno na Inglaterra enquanto o pai vai para a índia em busca de
fortuna. Ela tem roupas bonitas e é tratada como uma princesa. Depois o pai
morre e ela fica sem nenhum dinheiro, até que o guardião legal finalmente a
encontra. A preocupação de Anna Jane é ser mandada para um internato, você
morrer e ela ficar pobrezinha, tendo que viver num sótão.

— Isso não vai acontecer.

— A menina só tem nove anos e não podemos esperar que ela racionalize
tudo. Esse medo é baseado no fato de que ela perdeu todos de quem gostava.
O problema não é ser pobre, mas sim ser abandonada. Acho que vai demorar
um bom tempo antes que Anna Jane possa ter confiança no futuro.

Jarrett sentia ter muita coisa em comum com a sobrinha. Mas


naturalmente queria para ela muito mais do que a existência solitária que se
forçava a suportar.

— Anna Jane precisa de boa instrução — ele disse. — Há uma escola


razoável numa das ilhas vizinhas, mas ela teria que ir para lá e ficar a semana
toda. Talvez eu possa contratar alguém para tomar conta dela.

— Acho que você deve conversar com Anna Jane — opinou Ariel.

— Você entende um bocado de crianças — disse Jarrett.

— Acho que sim... Não é esquisito? Tenho pensado nisso. Talvez eu seja
terapeuta de crianças ou professora. Bem, preciso definir a minha vida e por
isso comecei a fazer uma lista para ver qual poderia ser minha profissão.
— E como está essa lista?

Ariel franziu a testa.

— Não me sinto segura para lhe falar sobre isso, Jarrett.

— Tem medo de que eu a ridicularize?

— Digamos que você não é o maior dos meus admiradores.

Ponto para ela.

— Não vou dizer nada desagradável.

— Ora, essa é uma promessa que faz bater mais depressa o coração de
qualquer moça. — Ariel aprumou-se. — O meu trabalho tem a ver com
crianças, mas crianças pequenas, não adolescentes. Com esses não tenho jeito
para lidar. — Nesse ponto ela sorriu. — Portanto, devo ser uma mulher
inteligente.

Jarrett riu.

— Deve ser mesmo.

Ariel voltou ao relatório.

— Gosto de ler. Quando estive na sua biblioteca, percebi que já havia


lido muitos dos livros que estão lá. Lembro-me dos enredos. Gosto de
romances de mistério, que a propósito são bem poucos na sua biblioteca.

— Reclamação anotada. Prossiga.

— É mais ou menos isso. Bem, tenho senso de humor e... — Ariel


mordeu o lábio inferior. — Acho que é tudo. Minha biografia não daria mais
que poucas linhas. Gostaria de saber mais para falar de mim mesma.

A disposição de ânimo dela havia mudado consideravelmente. Agora


estava retraída, com os ombros arriados. Jarrett não disse nada e Ariel
retomou a palavra.

— Parece que não existe uma única pessoa procurando por mim. Isso
provoca uma sensação esquisita, um vazio. Ninguém pode viver assim, não
acha? Tem que haver alguém, em algum lugar.

Estremecendo levemente ela olhou para o outro lado. Jarrett ergueu a


mão para tocá-la, mas mudou de ideia. Não tinha o direito de confortá-la...
Nem conforto para oferecer.

— Encontraremos sua família — disse, um tanto sem jeito, sabendo que


só palavras não bastavam.
— E se isso não for possível? E se não existir ninguém? —Agora ela
falava numa voz muito fraca. — Desculpe — disse, levantando-se. — Preciso
ficar sozinha.

Logo em seguida ela começou a caminhar para o lado da água. Sem


pensar no que fazia, Jarrett a seguiu.

— Espere, Ariel.

Ela apenas balançou a cabeça e continuou andando. Com três longos


passos Jarrett a alcançou.

— Ariel — ele disse, retendo-a pelo braço e obrigando-a a se voltar.

As lágrimas escorriam silenciosamente pelas faces dela. Sem saber que


outra coisa fazer, ele a abraçou.

— Por que está sendo tão bonzinho comigo? — perguntou Ariel, também
o abraçando e encostando a testa no pescoço dele. — Nem gosta de mim.

Lágrimas mornas molhavam a camisa dele.

— Não desgosto de você.

Ao ouvir aquilo ela riu, um riso que se misturou com soluços.

— Tome cuidado, Jarrett. Elogios assim podem me subir à cabeça.

— Não sei em que acreditar — ele disse, surpreendendo-se ao constatar


que aquilo era a pura verdade. — Você está sofrendo e eu quero melhorar as
coisas. Mas não sei se tenho muito jeito para isso.

Depois de soltar um soluço, ela olhou para ele.

— Está se saindo muito bem.

Jarrett manteve uma das mãos nas costas de Ariel e usou a outra para
afastar as lágrimas das faces dela.

— Obrigado.

Ariel não saberia dizer o que era pior: a confusão em que estava a vida
dela ou o fato de se sentir tão bem nos braços de Jarrett. Eles não tinham nada
em comum e o melhor que ele conseguia dizer era que não desgostava dela.
Mesmo assim, e pela primeira vez desde que havia perdido a memória, ela
não estava com medo.

Certamente o que sentia era apenas atração física, o que explicava aquela
vontade de misturar o corpo com o dele. Mas atração física não explicava
aquela sensação de estar fazendo a coisa certa. E se houvesse alguém
esperando por ela? E se já estivesse apaixonada por outro homem?
Mas não estava. Apostaria a própria alma nessa certeza. Por isso
permitiu que ele continuasse a acariciá-la no rosto.

Eles estavam parados na beira da praia e o luar batia em cheio no rosto


de Jarrett. Ele era inacreditavelmente lindo.

— Você é tão bonita — disse Jarrett, alisando a face dela com as costas
dos dedos.

Ariel riu.

— Era isso o que eu estava pensando de você. Detesto quando lê meu


pensamento.

— Eu faço isso?

Era ele quem a puxava para perto ou ela que se aproximava?

— Faz muito mais — murmurou Ariel. — Você...

O roçar dos lábios dele nos dela a silenciou. Eles estavam caminhando
para aquilo desde o instante em que ele a tomara nos braços, mas mesmo
assim Ariel ficou chocada com o toque daqueles lábios.

Jarrett não tomou nenhuma outra iniciativa. Apenas continuou a


acariciá-la como se ela fosse uma coisa muito preciosa e especial, alguém por
quem ele havia esperado a vida inteira. E a sensação que aquilo provocava era
muito boa. Ariel segurou-o pelos ombros, com medo de que ele desaparecesse
de um instante para outro.

Era um momento perfeito, do tipo que acontecia apenas poucas vezes na


vida de uma pessoa. Ela não saberia dizer por quanto tempo eles ficaram
parados ali. Depois ele moveu os lábios para o canto dos dela, provocando-a.

Ariel sentiu o mundo em chamas. O calor do desejo era tão forte que ela
quase caiu de joelhos. Precisou se apoiar nele para que isso não acontecesse.
Oh, Deus... E aquilo tudo estava apenas começando. Como ela sobreviveria?

Logo depois a língua de Jarrett tocou nos lábios dela. Prontamente, Ariel
abriu a boca para permitir a entrada. A mão que antes a acariciava na face
agora segurava o queixo dela. A outra mão a tocava nas costas, em
movimentos incessantes, até parar na altura das nádegas. Quando ele a
apertou ali, Ariel moveu para a frente a parte baixa do corpo e sentiu no
ventre a rigidez que indicava o desejo dele.

Agora eles travavam um duelo de línguas, que se enroscavam numa


busca incessante. A única realidade era o desejo. O corpo dela se lembrava
muito bem do que a memória havia esquecido. Ela queria aquele homem
como jamais havia querido nenhum outro.
Até que Jarrett recuou a cabeça, tocou com a ponta do dedo no queixo
dela e beijou-a na testa.

— Sinto desejo por você — disse. — Não sei se é uma coisa muito
prudente, mas é um fato.

— Eu sei.

Ariel engoliu em seco, perguntando-se se ele também a culparia pelo que


acabava de acontecer. Ou pensaria que ela era uma mulher fácil de ser levada
para a cama? Na verdade era exatamente onde ela queria estar com ele. Mas...
não era a hora. Ainda não.

E não foi o que Jarrett fez. Em vez disso, levou-a de volta à mureta.
Depois que ela se sentou, fez o mesmo e passou o braço por cima dos ombros
dela.

— Não se preocupe — disse. — Se não houver aparecido ninguém


procurando por você até o Natal, encontrarei a sua família. — Nesse ponto ele
sorriu, mostrando nos olhos que ainda não havia sufocado o desejo. —
Prometo.

— Eu acredito — disse Ariel.

Era verdade.

— Então ela ainda está aqui disse John.

Jarrett apenas deu de ombros, sem dizer nada.

— A moça não voltaria para o hotel na manhã seguinte ao dia em que a


encontramos? — perguntou o médico. — Você não estava tão ansioso para se
livrar dela que queria mandá-la embora naquela noite mesmo?

— Está se vangloriando por ver que mudei de ideia?

— Não estou me vangloriando, mas é engraçado vê-lo embaraçado.


— Você age como se tivesse me apanhado fazendo alguma coisa errada,
John. A verdade é que Ariel não está aqui por minha causa. Foi Anna Jane
quem não quis deixá-la partir.

— Ariel?

Jarrett fez girar a cadeira e ficou de frente para a grande janela.

— Ariel, nossa misteriosa hóspede. Minha sobrinha, outra vez, é a


responsável. Foi ela quem escolheu o nome, tirado de um filme de Disney
sobre uma sereia.

A manhã era perfeita, luminosa e ensolarada. Ariel e Anna Jane estavam


sentadas à beira da piscina, as duas de costas para ele e vestindo roupa de
banho. Jarrett demorou os olhos na curva das ancas de Ariel e no suave
desenho do pescoço, já que ela estava com os cabelos presos.

— Ninguém comunicou o desaparecimento dela? — perguntou John,


aproximando-se para ficar ao lado dele.

— Não, nem aqui nem nas outras ilhas.

— Que estranho. Se eu tivesse uma mulher como aquela na minha vida,


não a deixaria desaparecer.

— Não concordo. Você ficaria com ela por algumas semanas, depois a
deixaria ir embora.

John riu.

— Você não é o melhor interlocutor numa conversa. Pelo menos eu tenho


relacionamentos com mulheres, enquanto você vive como um monge.

Jarrett já ouvira aquilo antes.

— Vamos voltar a esse assunto?

— Essa sua vida não é saudável. E estou falando como médico. A


companhia feminina é fundamental. Se não for por outro motivo, serve para
ver se o equipamento está funcionando direitinho.

— Está funcionando — disse Jarrett, com secura.

O que John não sabia, e Jarrett não estava disposto a contar, era que
houvera mulheres. Às vezes, quando viajava a negócios, ele levava uma
acompanhante. Tomava o cuidado de escolher alguém que entendesse a regra
de não haver envolvimento emocional. Por alguns dias se permitia
experimentar os prazeres da intimidade física. Mas isso sempre por curtos
períodos e nunca na ilha.
Até a noite anterior. Até que uma desconhecida o tocasse tanto
fisicamente quanto no aspecto emocional.

Jarrett lembrou-se de quando beijara Ariel. Ela se mostrara maleável nos


braços dele, igualmente cheia de paixão. Ele não sabia onde havia encontrado
forças para recuar. Na hora só havia pensado em deitar Ariel na areia para
fazer amor com ela. Mas não fizera isso. Não queria correr o risco de se
envolver. Enquanto não tivesse certeza de que controlaria as emoções, estava
determinado a manter distância física. Ariel o atraía muito e aquilo o
assustava.

A vida seria mais fácil se ele soubesse a verdade sobre ela.

Se ao menos fosse possível provar a culpa ou inocência da mulher. Jarrett


queria acreditar na história dela, mas mantinha-se com o pé atrás.

— Fomos descobertos — disse John.

Jarrett seguiu o olhar do amigo e viu que Anna Jane acenava para eles.
Logo depois a menina correu para a porta dos fundos da casa. Segundos mais
tarde entrou no escritório.

— Dr. John, dr. John, veio ver Ariel? — perguntou Anna Jane, correndo
para o visitante com os braços abertos.

John agachou-se para retribuir ao abraço.

— Não. Não sabia que ela ainda estava aqui. Mas é bom ver que está em
boa forma.

Anna Jane sorriu.

— Ela está muito melhor, só que ainda não recuperou a memória. Mas eu
estou gostando disso, porque assim ela vai passar o Natal conosco.

John afastou com os dedos as mechas de cabelo que caíam na testa da


menina.

— Você tem sorte.

Anna Jane assentiu com ênfase.

— Esta tarde vamos cavalgar. Não quer nos acompanhar?

— Não há nada que eu queira mais, mas infelizmente tenho que


trabalhar. É o dia em que atendo na clínica os empregados do hotel.

— Está bem, mas na próxima vez quero que vá conosco.

John assentiu com a cabeça, num gesto solene.


— Prometo.

Jarrett ficou observando o amigo e a menina. Até mesmo John


encontrava facilidade para se comunicar com Anna Jane, o que ele só ia
aprendendo muito vagarosamente.

Anna Jane voltou-se para ele.

— Ainda vai viajar a trabalho, tio Jarrett?

— Sim. Sinto muito.

— Mas andar a cavalo é muito mais divertido do que trabalhar.

— Tem toda razão — disse John, piscando o olho. — Mas não sei se o seu
tio Jarrett concorda com seu ponto de vista. Ele adora trabalhar e acho que
apenas tolera os cavalos.

Anna Jane arregalou os olhos.

— Não gosta de cavalos, tio Jarrett?

Antes de responder, Jarrett fez cara feia para o amigo.

— Gosto deles, sim. Se já não tivesse um compromisso, ficaria muito


contente em ir com vocês. Mesmo tendo sido a sua segunda opção.

Por alguns instantes a menina pareceu não entender, mas logo depois o
semblante dela se iluminou.

— Está dizendo isso porque chamei primeiro o dr. John?

O médico abriu um sorriso largo.

— Não posso fazer nada se as mulheres sempre me preferem.

Anna Jane caminhou até bem perto de Jarrett e pousou as mãozinhas nos
joelhos dele.

— O dr. John é um homem muito divertido — disse, num tom sério. —


Mas você é o meu tio Jarrett, de quem gosto muito.

No primeiro instante Jarrett não teve reação. Depois inclinou-se para a


frente e segurou nas faces da sobrinha. Queria declarar que também gostava
muito dela, mas eram palavras que nunca dissera na vida. Não sabia como.

— Obrigado — foi o que disse. — Isso faz com que eu me sinta uma
pessoa especial. Agora vá se divertir. Amanhã nós nos veremos.

Anna Jane beijou-o na face e correu para fora do escritório.


— Vou dizer a Ariel que você mandou um até logo para ela também —
disse, já perto da porta.

Jarrett ficou pensando em como a vida dele havia mudado desde a


chegada da sobrinha, e mudando ainda mais com o aparecimento da
misteriosa hóspede. Era até difícil saber se as coisas voltariam a ser como
antes.

Olhando outra vez pela janela ele viu quando Anna Jane voltou à piscina
e começou a conversar animadamente com Ariel, as duas rindo.

Só Deus sabia o quanto ele queria confiar naquela mulher, mas... Sempre
havia um "mas". Era preciso ter certeza.

John disse alguma coisa mas Jarrett não estava escutando. Um plano
havia surgido na mente dele, uma ideia brilhante que o ajudaria a descobrir se
Ariel era mesmo o que parecia ser ou simplesmente uma fabulosa atriz em
busca de fortuna.

Ariel vestiu uma calça jeans, que ficou um pouco folgada mas serviria
para uma tarde de cavalgada. A ideia de Anna Jane era duplamente
interessante. Ela não só exploraria a ilha, o que talvez a fizesse se lembrar de
alguma coisa, como também verificaria se sabia montar. Quando dissera isso a
Anna Jane, a menina prontamente havia prometido que arranjaria para ela um
cavalo dócil. Ariel só esperava que a promessa fosse cumprida.

Nesse instante alguém bateu na porta.

— Entre — ela disse.

Não foi Anna Jane ou Leona quem apareceu à porta do quarto, mas sim
Jarrett. Ariel conteve a respiração.

Ele estava mesmo de tirar o fôlego.

Em vez da camiseta pólo e do tipo de calça que costumava usar, às vezes


jeans, vestia um elegantíssimo terno cinza de risca-de-giz, camisa branca e
gravata de seda. Havia se barbeado recentemente e parecia saído das páginas
de uma revista de moda masculina.

Ah, ela desejava aquele homem. Constatara isso ao ser beijada por ele na
noite anterior. E agora, ao vê-lo recostado na porta com aquele sorriso
preguiçoso, não tinha mais dúvida.

— Está muito comprometida nesse passeio a cavalo? — ele perguntou.


Ao ouvir aquela voz grave ela ficou arrepiada. A mente não entendeu
muito bem por que ele fazia a pergunta, mas o corpo não se importava muito
com isso.

— Bem, Anna Jane me convidou e... eu quero ir.

— Que pena. Vou ter que passar a noite em St. Thomas. Pensei que você
poderia querer ir comigo. Vou estar ocupado durante a tarde, mas à noite
poderíamos jantar juntos.

Sozinhos. Ele não disse a palavra, mas Ariel ouviu muito bem. Uma noite
a sós com Jarrett. Então ela engoliu em seco, vendo nos olhos dele alguma
coisa além da paixão, algo que não conseguia identificar.

Passar uma noite a sós com Jarrett num paraíso tropical. Só eles dois e a
noite. Cada célula do corpo dela ansiava por realizar isso. Como recusar o
convite? Mas como se arriscar a dizer que sim? Qualquer coisa poderia
acontecer se eles ficassem sozinhos. Coisas com as quais ela não estava
preparada para lidar. Além disso, havia feito uma promessa a Anna Jane.

— Não posso — disse Ariel. — Gostaria muito, mas acho que não vai dar
certo.

Jarrett ergueu uma das sobrancelhas.

— Não está nem um pouco tentada a ir comigo?

— Muito mais do que você imagina — ela declarou.

— Então qual é o problema? Se não for por outro motivo, você terá a
tarde livre para explorar a cidade. Talvez se lembre de alguma coisa.

Era verdade, mas Ariel achou que não compensaria o risco.

— Eu gostaria muito, mas acho que não. Já prometi a Anna Jane que iria
cavalgar com ela e não quero desapontá-la.

Jarrett não mudou de posição, mas Ariel juraria que ele ficou com os
músculos tensos ao ouvir aquilo.

— Ora, ela não vai dar importância.

Ariel balançou a cabeça.

— Vai, sim, Jarrett. Eu dei minha palavra. Além disso, não quero deixá-la
sozinha.

— Leona e Frank estarão aqui.

Havia alguma coisa acontecendo, algo que Ariel não conseguia


identificar. Mesmo assim ela já havia tomado a decisão.
— No momento, Anna Jane precisa conviver com pessoas que saibam
manter a palavra empenhada. Já se sentiu abandonada demais. Não vou fazer
nada que possa machucá-la.

Jarrett ficou olhando para ela durante um bom tempo. Depois


aproximou-se e beijou-a na face.

— Obrigado — disse, antes de se afastar.

Ariel ficou mais confusa do que nunca. O que significava aquilo? Por que
ele havia agradecido? Bem, era melhor procurar esquecer o episódio. Pelo
menos até ele voltar da viagem.

Jarrett ajustou o cinto de segurança e fez um gesto de positivo para o


piloto. Os motores roncaram e logo o jatinho estava no ar. O voo não
demoraria mais que vinte minutos, menos que o tempo necessário para se ler
uma revista, mas ele não queria ler nada. Em vez disso, voltou os olhos para o
lado da casa, perguntando-se se Ariel já havia saído para cavalgar com Anna
Jane.

Agora podia confiar nela. Havia oferecido a oportunidade perfeita para


ser seduzido, mas ela simplesmente se recusara a acompanhá-lo. Mesmo
reconhecendo que se sentia tentada, havia argumentado que era mais
importante cumprir a palavra empenhada com a sobrinha dele. Jarrett devia
estar exultante com isso. E estava.

A não ser pelo fato de que queria passar a noite com Ariel, acariciá-la,
beijá-la, fazer amor com ela. Mas haveria tempo para isso.

Por enquanto ele não forçaria nada. Ela ficaria pelo tempo que quisesse.
Tudo levava a crer que passaria o Natal com Anna Jane e ele. Bem, seria parte
da família. Pelo menos não se sentiria sozinha.

Anna Jane correu os olhos pela sala de jantar.

— Estou com saudade de tio Jarrett.

— Eu também — concordou Ariel, sentindo que dizia a verdade.

Ela estava com saudade de Jarrett. Embora ele falasse muito pouco à
mesa, era uma presença que sempre dominava o ambiente. Uma prova disso
era que, naquela noite, embora todas as luzes estivessem acesas, parecia faltar
alguma coisa na sala.
Ah, ela estava enrascada. Que Deus a ajudasse, mas estava se
apaixonando pelo homem. Seria tarde demais para voltar atrás? Era difícil
responder.

— Será que ele volta amanhã mesmo? — perguntou Anna Jane.

— Foi o que prometeu, não foi? Ele lhe explicou o motivo dessa viagem?

Anna Jane assentiu.

— Tio Jarrett disse que só ficaria fora uma noite, mas eu queria ter
certeza disso. Às vezes os adultos vão embora e nunca mais voltam.

Ariel estendeu a mão por cima da mesa e acariciou os dedos da menina.

— Seu tio Jarrett não é como as pessoas em geral. — declarou, com


convicção. — Se lhe disse que vai voltar, pode ter certeza disso. Ele gosta
muito de você.

Talvez fosse difícil convencer Anna Jane daquilo. Depois de ser obrigada
a se afastar da babá, a menina simplesmente se vira privada da presença da
mãe.

Mas parecia aceitar a explicação. Depois de terminar de comer o arroz,


Anna Jane empurrou o prato vazio.

Preciso comprar um presente para dar a tio Jarrett no Natal. Leona me


disse que escolhesse alguma coisa num desses catálogos que recebemos pelo
correio, mas acho que não há mais tempo para fazer a encomenda.

— Nesta época o correio trabalha vinte e quatro horas por dia e tudo é
possível. Já pensou em alguma coisa?

Anna Jane coçou o nariz.

— Queria dar uma caneta bonita. A que ele usa no escritório está com a
ponta rombuda. Além disso, posso pedir que gravem o nome dele na caneta
nova.

— É uma excelente ideia.

Anna Jane falou também no que pretendia dar de presente a Leona e


Frank. Enquanto escutava, Ariel percebeu que havia se acostumado com a
companhia da menina, de quem sentiria saudade quando tivesse que partir.
De alguma forma, em poucos dias havia estabelecido uma vida para si em
Santa Alícia. Mas não era o mundo real. A vida de verdade, onde e qual fosse,
esperava por ela. Começar a se lembrar de tudo o que a memória se recusava a
mostrar era só uma questão de tempo.
O que descobriria quando isso acontecesse? Aquela experiência a teria
mudado em algum sentido? Ela gostaria daquela outra pessoa, a verdadeira
mulher que vivia naquele mesmo corpo? Quando recuperasse a própria
identidade, continuaria sentindo a mesma coisa por Jarrett, ou as emoções
seriam influenciadas por experiências de vida diferentes?

O que aconteceria se ela não recuperasse a memória? Para onde iria?


Como encontraria forças para se afastar de Jarrett... mesmo não sabendo para
onde ir?

Oh, Deus, como responder a tantas perguntas?

Sentada no chão, Anna Jane encostou-se no tronco da árvore e olhou


para o céu. Se apertasse bem os olhos, talvez confirmasse que aquele pontinho
era o avião onde ia o tio dela. Segundos mais tarde, porém, constatou que se
tratava apenas de uma ave. Depois riu, perguntando-se qual seria a reação de
tio Jarrett se ela contasse que o havia confundido com um pássaro. Ele podia
até rir. Desde a chegada de Ariel, o tio dela vinha sorrindo e rindo mais. Isso a
deixava contente.

Anna Jane juntou as mãos, muito excitada. Sempre que pensava na


hóspede e no tio, sentia uma enorme alegria. Eles se olhavam de uma forma
diferente de como olhavam para as outras pessoas.

— Oh, bom Deus, faça com que Ariel e meu tio se apaixonem — ela
rezou, como fazia diversas vezes por dia.

Seria bom ter Ariel sempre por perto. Ela sabia fazer tio Jarrett rir. Sabia
fazer Anna Jane não sentir tanto a falta de Nana B. Ariel juntava as melhores
partes da mãe dela e de Nana B. Ela se sentiria feliz na ilha com tio Jarrett e
Ariel. Todos seriam felizes.

Anna Jane ouviu um ronco distante e olhou para o céu. Agora era o
avião. Então ela se pôs a acenar. A aeronave aproximou-se, voando baixo, e ela
intensificou os acenos. Finalmente viu o tio à janela do aparelho, também
acenando.
Rindo de alegria, Anna Jane saiu correndo para o campo de pouso.

Inquieta, Ariel ficou andando de um lado para outro na biblioteca. A


calma da casa chegava a ser opressiva. Embora ela gostasse muito daquele
lugar lindo, a ausência de Jarrett criava um enorme vazio.

E ele havia partido havia menos de vinte e quatro horas. Se agora ela
lamentava tanto o fato, como seria quando tivesse que ir embora?

Ariel correu os olhos pelas lombadas dos livros, tentando encontrar


alguma coisa para ler. Mas estava com a mente em outra coisa. Pensava na
possibilidade de ficar morando na ilha. Poderia ser feliz ali... com Jarrett. Pelo
menos era o que tinha dito o corpo dela na noite anterior, quando não
conseguira dormir.

Ariel tropeçou em alguma coisa e quase perdeu o equilíbrio. Olhando


para o chão, viu uma caixa que estava com a metade para fora de uma
prateleira baixa. Então agachou-se para ver do que se tratava. A caixa estava
cheia de revistas.

A eclética coleção não fazia o menor sentido. A maioria era de revistas de


negócios, mas não números em sequência de uma mesma publicação. Ariel
sentou-se no chão e pegou a primeira revista, que começou a folhear,
perguntando-se por que Jarrett havia guardado aquilo. Quando virou uma das
páginas encontrou a resposta. Havia uma reportagem sobre ele.

Examinando as outras revistas, viu que era isso o que elas tinham em
comum. Todas continham matérias falando de Jarrett ou da empresa dele.
Voltando à primeira revista ela começou a ler a reportagem.

Como ele já fizera um rápido perfil do próprio passado, não foi surpresa
para Ariel ler o que o jornalista havia escrito sobre o brilhantismo com que
Jarrett livrara da falência os negócios da família. Ela já sabia que ele havia
completado o curso superior em três anos, mas não imaginara que essa proeza
tinha sido realizada em Harvard. Na verdade, só agora ficara sabendo que
Jarrett possuía não apenas o hotel na Ilha de Santa Alícia, mas também uma
cadeia de hotéis espalhados pelo mundo. O homem era muito rico e poderoso.
Como ela não havia percebido isso?

Ariel mordeu o lábio. Deus... Ela estava vivendo na casa de um


multimilionário recluso e só agora ficava sabendo disso. Ele não era apenas o
sujeito bonzinho que havia oferecido a ela um lugar para ficar. Era um
poderoso empresário que fazia negócios de bilhões de dólares, conduzia um
império. Não era de admirar não ter confiado nela.
As outras matérias falavam do mesmo assunto. Duas delas tratavam da
inauguração da mais nova jóia da cadeia Wilkenson... o hotel na Ilha de Santa
Alícia. Na mesma matéria havia um boxe e ela leu o título: Mistério Romântico
no Passado do Magnata.

Ariel ficou tensa, mas obrigou-se a relaxar para ler o texto. Não havia
muitas informações, apenas um breve comentário sobre boatos em torno da
vida amorosa de Jarrett. Falava-se também que um explosivo amor havia
terminado tragicamente. Uma mulher morrera misteriosamente num incêndio
ocorrido na casa de Jarrett Wilkenson. Na ocasião ele não estava lá, assim
como não deu nenhuma declaração sobre a mulher ou sobre o incêndio, que
reduzira a casa a cinzas. Pouco depois era inaugurado o hotel em Santa Alícia
e ele se mudara para a ilha. Desde então vivia recluso.

Ariel fechou a revista e encostou-a ao peito. Quem era a tal mulher e por
que não havia conseguido escapar do fogo? Qual era o segredo do passado de
Jarrett? Era desalentador saber que ele havia se envolvido com alguém. A
outra mulher o tocara no coração e na alma.

Bem, de nada adiantaria lamentar. Aquelas matérias só confirmavam o


que ela já havia sentido. Não podia sonhar em ser amada por um magnata.
Podia não se lembrar de quem era, mas sabia com certeza que não pertencia ao
mundo de Jarrett Wilkenson.

Anna Jane jogou os dados. Quando eles pararam, a menina bateu


palmas.

— Mais uma ferrovia! Quero comprar.

Ariel ergueu uma das sobrancelhas.

— Mais um gênio dos negócio. Na certa isso é herança genética.

Jarrett apontou para as fichas acumuladas na frente dela, na maioria


verdes, que representavam casas, e vermelhas, os hotéis.

— Você também não está fazendo feio. Estou até pensando em livrá-la de
algumas dessas propriedades.

Ariel balançou a cabeça, sacudindo as madeixas loiras.

— Sem chance.

Jarrett riu. Havia mais de uma hora que eles estavam jogando. Muitos
faxes e E-mails esperavam no escritório, mas ele não conseguia sair da sala de
estar para cuidar do trabalho. Talvez pela primeira vez na vida, achava outra
coisa mais importante.
Então olhou em volta. Embora ainda estivesse claro e fizesse calor, o fogo
queimava na lareira. Anna Jane havia argumentado que aquilo servia para
criar uma atmosfera de Natal. A luzes piscavam na enorme árvore colocada a
um canto da sala. Havia enfeites natalinos nas paredes, na mesa e até por cima
da porta. Ele nem se lembrava da última vez em que vira a casa onde morava
enfeitada daquele jeito. Sentia-se grato a Ariel por ela ter dado a sugestão. A
coisa era boa não só para Anna Jane, que merecia viver num lar aconchegante,
mas também para ele. Alegrar-se um pouco era bom para qualquer pessoa.

Ariel jogou os dados e, fazendo um gesto de triunfo, adquiriu mais um


prédio.

— Preciso reforçar meu patrimônio. Não é fácil lidar com vocês,


magnatas.

Anna Jane riu e Jarrett emocionou-se ao ouvir o som daquele riso


infantil. Talvez Tracy não houvesse se enganado ao nomeá-lo guardião da
filha dela. Ele estava se afeiçoando à menina mais do que havia imaginado ser
possível.

Uma voz na mente de Jarrett parecia caçoar dele, perguntando se estava


pensando em estabelecer família depois de velho. Essa agora era muito boa!
Ele estava com apenas trinta e dois anos. Não era um velho. Uma família era
uma possibilidade real, a não ser por uma coisa: ele sabia o perigo que havia
em se envolver emocionalmente. Não precisava aprender a mesma lição duas
vezes. Tomar conta de Anna Jane não representava perigo porque ela era uma
criança. Ele seria como um segundo pai... Algo com que saberia lidar. Amar
uma mulher era algo bem diferente. Amar e confiar eram verbos que não
estavam no dicionário dele.

Mesmo assim... era delicioso ver a naturalidade com que Ariel passava a
mão nos cabelos. O short e a camiseta que ela usava não tinham nenhuma
sofisticação, mas nenhuma mulher seria mais sedutora, nem se estivesse
envergando o mais caro vestido de noite. E aqueles seios firmes por baixo da
camiseta, a cintura delgada, as coxas rosadas. Ele queria abraçá-la, beijá-la e...

— É a sua vez, tio Jarrett — disse Anna Jane, com os dados na palma da
mão estendida. — Não está prestando atenção.

—Desculpe.

Jarrett jogou os dados, um dos quais parou sobre um dos hotéis de Ariel.
Quando ela anunciou o preço, ele se encolheu.

— Tudo isso?
— Posso lhe fazer um desconto — ela disse. — Afinal de contas, tem sido
um anfitrião muito bondoso.

Jarrett olhou bem naqueles olhos verdes.

— Talvez possamos fazer uma sociedade.

Por alguns segundos, Ariel pareceu não entender o sentido das palavras
dele, mas logo depois entreabriu os lábios e enrubesceu fortemente.

— Vai ter que pagar, tio Jarrett — disse Anna Jane. — Não pode fazer
trapaças.

Jarrett fingiu-se ofendido.

— Está me chamando de trapaceiro.

A menina sorriu.

— Não, mas é assim que está agindo.

Estendendo as duas mãos, ele agarrou a sobrinha e começou a fazer


cócegas nela.

— Solte-me! Solte-me! — gritou Anna Jane, rindo e esperneando.

Depois que Jarrett parou com a brincadeira, a menina controlou-se e


encostou a cabeça no ombro dele.

— Sentimos saudade de você enquanto esteve fora.

Jarrett passou a mão nos finos cabelos da sobrinha.

— Também senti saudade.

Anna Jane recuou um passo e olhou para ele.

— De nós duas?

Jarrett olhou rapidamente para Ariel, que o observava atentamente.

— Sim, das duas.

Ele falava com a menina, mas se referia à mulher. Havia sentido saudade
dela. Mais do que devia... Mais do que queria. Em geral era completamente
absorvido pelo trabalho, mas não na tarde anterior nem naquela manhã. A
toda hora se surpreendia tentando adivinhar o que Anna Jane e Ariel podiam
estar fazendo na ilha. Só pensava em estar com elas, rir com elas.

Uma batida na porta aberta fez com que todos eles se voltassem. Leona
estava com as mãos na cintura.
— Não quero interromper o jogo, mas você, mocinha, disse que fazia
questão de me ajudar a preparar os docinhos. Vou começar agora. Ou você me
ajuda ou continua jogando. Decida-se.

Anna Jane pôs-se de pé.

— Vou ajudar com os docinhos — disse, correndo para a porta. Antes de


chegar lá, parou e olhou para trás. — Não vai ficar aborrecido, não é, tio
Jarrett? Podemos terminar o jogo mais tarde?

— Sem problemas.

— Obrigada.

A menina deu a mão a Leona e as duas saíram na direção da cozinha.

Depois de pôr o tabuleiro do jogo em cima da mesa de café, Ariel


recostou-se no sofá e esticou as longas pernas.

— Ela tem muita energia. Às vezes fico cansada só de olhar.

— Anna Jane é fantástica.

Ariel olhou para ele.

— Você está me parecendo mais à vontade com ela.

Jarrett deu de ombros.

— É, estou. Como você disse, não é tão difícil assim. Tenho procurado
prestar atenção nas necessidades dela, ficar por perto. Ela é uma grande
criança.

— E você é um grande tio. Anna Jane o adora, sabia?

Jarrett franziu a testa.

— Isso agora. Espere só até ela se tornar uma adolescente e me pedir o


carro emprestado, ouvindo um sonoro não. Então vai me odiar.

— Ah, vai — concordou Ariel, rindo. — Eu gostaria muito de ver o que


você faria para afugentar os rapazes antes de permitir que ela saia para um
encontro.

Encontro? Jarrett ainda não havia pensado tão longe.

— Não sei se vou saber lidar com isso. Anna Jane não terá permissão
para encontros.

— Então há uma solução muito simples, Jarrett. Basta trancá-la numa


torre. Não é uma ideia brilhante?
Jarrett estendeu a mão e tocou na ponta do nariz dela com o dedo.

— Você tem uma veia sarcástica, não é mesmo?

— Não. Por que diz isso?

O sorriso matreiro dela desmentia as palavras. Logo depois aquele


sorriso desapareceu e Ariel ficou olhando para ele como se tentasse descobrir
alguma coisa.

— O que foi? — perguntou Jarrett.

— Eu... — fazendo uma pausa, ela abaixou a cabeça. — Tenho uma


confissão a fazer.

Jarrett não gostou de ouvir aquilo. Não queria ouvir confissões. Não
naquele momento. Não quando havia começado a acreditar nela. Não devia
ter confiado tão facilmente. Bem, era melhor estar preparado para o que iria
ouvir.

— Fale.

— Eu... Bem, hoje estive na sua biblioteca.

— Isso não chega a ser um crime — disse Jarrett, desejando que aquela
sensação ruim fosse embora.

— Sim, mas vi uma coisa que talvez não devesse ter visto. — Ariel puxou
para baixo a barra do short e estremeceu levemente. — Estava procurando um
livro para ler e acabei tropeçando numa caixa. — Então ela ergueu a cabeça e
fixou nele os olhos de esmeralda. — Havia várias revistas na caixa e eu li as
reportagens sobre você.

Jarrett ficou esperando, mas aparentemente ela não tinha mais o que
falar.

— Só isso? — ele perguntou, sem querer acreditar que o problema se


resumia àquilo. — Queria confessar que leu as matérias contidas nas revistas?

— Sim.

— Se eu quisesse esconder aquelas revistas, elas estariam guardadas


dentro de um cofre.

— Tem certeza?

— São todas publicações de circulação nacional, Ariel, podem ser


encontradas em qualquer biblioteca de bairro.

Ariel sorriu timidamente.


— Só não quero que pense que eu estava espionando. Apenas vi uma
porção de revistas diferentes juntas e quis saber o que tinham em comum.

Jarrett sentiu um enorme alívio, como se pudesse beber água depois de


atravessar um deserto. Ouvir confissões como aquela não era tão ruim assim.

— E o que achou? — ele perguntou.

Ariel encostou o queixo nos joelhos e abraçou as pernas.

— Descobri que você é alguém muito importante, o que mais ou menos


já havia adivinhado.

— Não tão importante assim.

— Num período relativamente curto, recuperou os negócios da família,


tornando-se dono de um império. Isso é impressionante.

Jarrett estava satisfeito. Queria que ela ficasse impressionada. Mas a


satisfação desapareceu quando ele se lembrou de que algumas das
reportagens falavam da parte sombria do passado dele. Sem dúvida, Ariel
também lera aquilo. E faria perguntas.

Então, ele coçou o nariz. Um dia encontraria um jeito de deixar o passado


para trás.

— Agora eu entendo — disse Ariel, com uma voz branda. — Você não
podia mesmo confiar em mim. Um homem na sua posição tem que pensar na
própria segurança quando lida com desconhecidos. Desculpe-me se lhe causei
tantos problemas.

— Você não foi nenhum problema. Foi uma hóspede um tanto


inesperada, mas isso não chega a ser um problema.

— Acho que não. Mas você foi fantástico — declarou Ariel, com
veemência. — Fico-lhe muito grata. Num momento difícil da minha vida, deu-
me um lugar para ficar enquanto tento ajeitar as coisas. Só queria poder
recuperar minha memória.

Pela primeira vez desde que Ariel havia chegado, Jarrett não estava
ansioso para que aquilo acontecesse. Não queria que ela recuperasse a
memória porque não queria vê-la indo embora. Pelo menos não por enquanto.

— Eu disse que a ajudaria e é o que vou fazer — ele asseverou. — Mas


vamos deixar que as festas de fim de ano passem. Depois você poderá se
preocupar em recuperar a memória. É possível que até lá ela já tenha voltado.

— Ah, isso seria tão bom. Ou pode ser que apareça alguém procurando
por mim.
Só então Jarrett reparou que ela não dizia nada sobre a mulher morta no
incêndio. Devia ter lido a respeito nas revistas. Talvez estivesse esperando que
ele tomasse a iniciativa de abordar o assunto. Jarrett faria isso, mas na hora
certa.

Nesse instante, Leona apareceu à porta.

— Telefone, Jarrett. É o gerente do hotel.

— Vou atender no escritório — ele disse, levantando-se e olhando para


Ariel. — Não demorarei.

— Ficarei esperando — ela respondeu, sorrindo.

Jarrett atravessou a sala, entrou no escritório e tirou o fone do gancho.

— Sr. Wilkenson, acho que vai ficar muito contente — disse o gerente do
hotel. — O mistério está resolvido. Há dois casais bem na minha frente
procurando pela sua hóspede.

A princípio Jarrett não entendeu. Depois foi percebendo o sentido do que


acabara de ouvir. Então deixou-se cair na cadeira e fechou os olhos. Não
conseguia pensar nem respirar, apenas ouvia.

— As duas senhoras disseram que são irmãs dela. A reserva era para
cinco pessoas e a moça chegou com alguns dias de antecedência. Por isso não
sabíamos de nenhuma hóspede sozinha.

Jarrett apertou o fone contra o ouvido.

— Qual é o nome dela?

— Fabiana Bedford. É professora primária em San Francisco.

— Tem certeza de que essas pessoas são mesmo a família dela?

O gerente riu no outro lado da linha.

— Sim, senhor. Não há dúvida de que são as irmãs dela. Espere um


minuto.

Por alguns instantes, Jarrett ouviu apenas o som de uma conversa


distante. Depois, uma voz feminina soou ao ouvido dele.

— Sr. Wilkenson, meu nome é Elissa Stephenson. É verdade que minha


irmã está com o senhor?

A voz era muito parecida com a de Ariel. Então era verdade. Ela havia
sido encontrada pelos familiares.

— É verdade. Ela está aqui.


— O seu gerente nos contou sobre o acidente.

— Ela está em perfeitas condições de saúde, sra. Stephenson. Convoquei


meu médico particular para cuidar da sua irmã. O único problema parece ser
com a memória dela.

Mais conversas abafadas. Sem dúvida, o gerente do hotel explicara


melhor a situação.

— Não posso acreditar nisso — voltou a falar Elissa. — Nós temos que
vê-la.

— Naturalmente. Diga ao gerente do hotel que os traga até aqui


imediatamente. A viagem não dura mais que vinte minutos.

— Estamos indo. — A mulher fez uma pausa. — O senhor vai contar a


ela, não é? Não quero que o reencontro seja um choque.

— É claro que contarei. Ficarei esperando por vocês.

Jarrett desligou e ficou olhando para um ponto no espaço, sem ver nada.
O inevitável havia ocorrido. Ele sabia o tempo todo que isso aconteceria... Até
havia querido que acontecesse. Até acontecer.

Havia se esquecido de perguntar se ela era casada. Bem, o gerente do


hotel falara apenas em dois casais. Será que ele podia ter esperanças?

Jarrett entrou na sala de estar e viu que Anna Jane já havia retornado.
Quando olhou para ele a menina se levantou e juntou as mãos. Empalideceu
visivelmente e parecia trêmula.

— O que foi, tio Jarrett?

O tom da voz dela chamou a atenção de Ariel... ou melhor, de Fabiana. A


antes misteriosa hóspede olhou para ele e também pareceu se assustar.

— O que aconteceu? Más notícias?

— De forma nenhuma — ele respondeu, tentando mostrar uma


expressão relaxada. — Na verdade tenho uma boa notícia.

Anna Jane suspirou.

— Ainda bem, porque fiquei assustada.

— Eu sei, e peço desculpas. Não quis assustá-las.

Ariel... Droga! Ele precisava se acostumar. Fabiana levantou-se.

— O que aconteceu, Jarrett?


— Há poucas horas pessoas da sua família chegaram à ilha. Parece que
você tem duas irmãs casadas. A reserva era para vocês cinco, por isso não
conseguimos descobrir quem era a hóspede solitária.

Jarrett observou-a atentamente, querendo ver se ela se lembrava de


alguma coisa. Fabiana franziu a testa, depois balançou a cabeça.

— A notícia não provoca nenhuma lembrança na minha cabeça. Irmãs?


Duas?

— Falei com uma que se chama Elissa.

— Elissa... Eles disseram qual é o meu nome?

Pequeninas mãos seguraram a de Jarrett. Quando olhou para a sobrinha,


ele viu que ela estava com os olhos cheios de lágrimas. Aquelas lágrimas não
escorreriam agora, mas sim à noite, quando Anna Jane estivesse sozinha.

— Você é Fabiana Bedford, uma professora primária de San Francisco.

— É estranho — disse Fabiana, vagarosamente. — Não consigo assimilar


isso e não sei se acredito. Na verdade não sei o que pensar. Eles vêm para cá
ou você quer que eu vá até lá?

— Já estão vindo. Chegarão a qualquer minuto.

A confusão era evidente nos olhos dela.

— Uma família... Não posso acreditar. Sou de algum lugar. — Nesse


ponto ela tentou sorrir. — Só queria me lembrar de onde.

Alguém bateu na porta da frente e Jarrett deu um passo na direção da


sala de visitas. Anna Jane soltou a mão dele, buscando a segurança do sofá.
Certamente sofria muito. Mais tarde eles teriam que conversar sobre o
assunto.

Quando abriu a porta ele levou um susto. Esperava ver duas mulheres
ligeiramente parecidas com Fabiana, mas estavam ali duas réplicas idênticas
dela. Uma vestia short e camiseta, enquanto a outra envergava um vestido de
verão longo e esvoaçante. Mas esta era a única diferença. As duas mulheres
eram loiras, tinham o corpo tão escultural quanto a irmã por quem
procuravam e mostravam a mesma expressão preocupada.

A de vestido falou primeiro.

— Eu sou Elissa, sr. Wilkenson. Nós nos falamos ainda há pouco pelo
telefone. Minha irmã está aqui?

— Está, sim. Entrem, por favor.


Jarrett ouviu passos e voltou-se. Fabiana se aproximava. Quando viu as
irmãs ela parou e cambaleou, como se estivesse perdendo o equilíbrio. Num
instante Jarrett estava ao lado dela, envolvendo-a com um dos braços. Por
duas vezes ela abriu e fechou os olhos. De um instante para outro havia
recuperado a memória.

Todos falavam ao mesmo tempo. Fabiana sorria enquanto as irmãs dela e


os respectivos maridos tentavam explicar como haviam ficado apavorados ao
não encontrá-la no hotel.

— Foi como se você houvesse desaparecido da face da Terra — disse


Kayla.

— De uma certa forma acho que foi mais ou menos isso — respondeu
Fabiana.

A memória dela havia retornado. Por um momento tudo havia


escurecido para logo depois voltar à luz. Mas agora ela via tudo com muita
clareza. Via, por exemplo, que Anna Jane estava no sofá, muito quieta. Então
caminhou até lá e sentou-se.

— Como estão as coisas?

— Está tudo bem. É bom ver que você recuperou sua memória e
reencontrou sua família.

Eram palavras bem-educadas, mas Fabiana viu a verdade na dor que


havia nos olhos da menina. Então abraçou-a.

— Sei que agora as coisas estão diferentes, mas eu ter me lembrado do


meu passado não quer dizer que me esqueci de você. Saiba que ainda é uma
pessoa muito especial para mim, Anna Jane.

— Verdade? — O lábio inferior da menina tremia. — Achei que você se


esqueceria de mim.

— Jamais me esqueceria de você.


— Ainda bem — disse Anna Jane, aconchegando-se no abraço dela. —
Você é minha melhor amiga. — Nesse ponto a menina riu. — Vai ser estranho
chamá-la de Fabiana.

— Vou lhe contar um segredinho. — Fabiana abaixou a cabeça para falar


ao ouvido da garota. — Tanto minhas irmãs quanto eu detestamos os nomes
que temos. Eles são esquisitos. Sempre quisemos ter nomes normais e bonitos,
como o seu.

— Anna Jane não é um nome bonito.

— Tem razão — concordou Fabiana, enfática. — Ele é mais do que isso: é


lindo.

Anna Jane sorriu de satisfação e olhou para as irmãs da amiga.

— Vocês são trigêmeas mesmo?

Elissa antecipou-se para responder.

— Claro que somos — disse, agachando-se na frente da menina. —


Somos idênticas de nascença. Mas é claro que só nos parecemos por fora. Por
dentro somos muito diferentes.

— Eu gostaria de ouvir sobre isso — declarou Jarrett, entrando na sala


com uma bandeja de drinques.

Leona chegou logo atrás dele, trazendo pratos de docinhos e


salgadinhos.

Cole acomodou-se no braço do sofá, ao lado da esposa. Kayla e Patrick


estavam sentados no sofá do lado oposto. Jarrett ocupou-se em servir drinques
a todos.

Como sempre, Kayla havia prendido o cabelo num rabo-de-cavalo.


Embora não usasse nenhuma maquiagem, estava radiante.

— Como está se sentindo? — perguntou Fabiana, lembrando-se de que a


irmã estava com três meses de gravidez.

— Estou ótima, mas não quero falar sobre isso agora. O que aconteceu?
Como foi que você perdeu a memória?

— Não me lembro — brincou Fabiana.

Kayla revirou os olhos.

— Estou vendo que você continua difícil como sempre.

— Ah, eu não sou difícil.


— Às vezes é, sim — pronunciou-se Elissa. — Mas não desta vez. Conte-
nos do que se lembra.

— Encontrei um bilhete dentro de uma garrafa — começou Fabiana.

— Fui eu que escrevi — declarou Anna Jane, sorrindo. Logo depois,


porém, o sorriso desapareceu. — Mas não queria que você se machucasse.

— Eu sei, querida. Tudo acabou dando certo. — Fabiana acariciou a mão


da garota. — Anna Jane procurava uma amiga. No verso do bilhete havia um
mapa da ilha. Falei com um barman do hotel e ele me explicou como chegar à
casa de Jarrett. Pelo que me disse, eu só precisava vir caminhando pela praia.
Na ocasião achei boa ideia.

Jarrett entregou a ela um copo de soda.

— Conversamos com todo o pessoal do hotel. Ninguém disse que havia


falado com você.

— Eu sei. Joshua, o barman, partiria naquela noite para passar férias na


terra dele. Não estava aqui quando vocês começaram a interrogar o pessoal.

— Eu devia ter pensado nisso — disse Jarrett, pondo a bandeja vazia


sobre a mesa e sentando-se numa cadeira de braços perto da árvore.

— Na próxima vez não se esquecerá — atiçou-o Fabiana.

Jarrett olhou para ela com as sobrancelhas erguidas.

Por um instante eles trocaram um olhar que dizia muito mais que uma
demorada conversa. Naquela fração de segundo ela soube o que ele pensava,
uma constatação que a fez conter a respiração. Uma dúvida estava esclarecida.
Ter recuperado a memória não mudava em nada o que ela sentia por Jarrett. A
única diferença era que agora havia a certeza de que não existia nenhum outro
homem na vida dela.

— Você caiu e bateu com a cabeça? — perguntou Elissa.

— Não, adormeci na praia de uma enseada depois de lanchar.


Infelizmente a maré estava baixa e eu não sabia. Quando despertei estava
boiando. Tentei sair da água nadando, mas as ondas me jogaram contra uns
rochedos. É a última coisa de que me lembro.

— Eu a encontrei — disse Anna Jane. — A correnteza a trouxe até nossa


praia. Depois tio Jarrett chamou o médico e a carregou para dentro. Quando
ela despertou, não se lembrava de quem era.

— Você ficou muito ferida? — perguntou Kayla, apertando a mão de


Patrik.
— Sofri apenas alguns arranhões — respondeu Fabiana, tocando no
rosto. — E eles logo desapareceram. Sem contar a amnésia, em poucos dias
estava recuperada. Foi muita bondade de Jarrett me deixar ficar aqui.

Jarrett sorriu para ela e prosseguiu com a história.

— Mandei que se fizesse uma investigação no hotel, mas não apareceu


ninguém perguntando por ela. Quando verificamos as reservas, não
encontramos nenhuma mulher que houvesse se hospedado sozinha.

Depois ele relatou os fatos mais recentes.

Fabiana levantou-se e caminhou até a janela. Chegando lá, voltou-se e


correu os olhos pela sala de estar. Era bom ver aquela cena familiar. Além de
ter a companhia das irmãs, ela estava com Jarrett e Anna Jane. Era como se
finalmente houvesse encontrado o lugar ao qual pertencia.

Então reprimiu um sorriso. Naturalmente estava exagerando os ganhos


que tirava da situação. Tinha sido uma hóspede forçada de Jarrett. Ele acabara
por aceitá-la, mas isso não significava que gostava dela. Mas a beijara e
abraçara. Teria isso significado para ele a mesma coisa que para ela?

Fabiana passou as mãos no short que usava. Sentiu a maciez do tecido e


abaixou os olhos. O short simples e a camiseta não combinavam com as
roupas mais sérias que costumava usar. Quando passou os dedos pelos
cabelos soltos, percebeu que aquilo também era diferente. Mas era tudo muito
confortável. Teria Ariel mudado Fabiana? A perda de memória faria com que
ela desenvolvesse um lado diferente da própria personalidade?

— Por que você veio sem as suas irmãs? — perguntou Anna Jane,
levando Fabiana de volta à conversa.

— Por causa das circunstâncias — ela respondeu, dando de ombros. — O


ano escolar terminou um pouco mais cedo e eu achei que seria boa ideia
passar algum tempo sozinha no paraíso. Estava enganada. Em menos de vinte
e quatro horas me cansei da solidão. Por isso fiquei tão excitada quando
encontrei a garrafa com seu bilhete. Pareceu um mistério e me deu
oportunidade de fazer alguma coisa.

— Pelo menos agora sei por que você não telefonou — declarou Kayla.
— Queria que nos dissesse se o hotel valia a pena mesmo. — Nesse ponto ela
cobriu a boca com a mão e riu nervosamente. — Não que ele não seja
fantástico, Jarrett.

— Obrigado — ele disse. — Bem, agora é a minha vez de fazer algumas


perguntas, se vocês não se incomodam.

— Claro que não — disseram Kayla e Elissa ao mesmo tempo.


Fabiana ficou em silêncio. Não tinha a mesma certeza das irmãs.

— Obviamente estou diante de trigêmeas idênticas, mas uma de vocês


mencionou o fato de serem diferentes por dentro. — Depois de olhar para as
três irmãs, ele parou em Kayla. — Você disse que Fabiana era difícil. Em que
sentido?

Kayla riu.

— Ih, irmãzinha. Posso revelar os seus segredos?

— Não — respondeu Fabiana. — Mas não sei por que pediu minha
permissão. Você nunca faz o que eu peço.

— Isso é verdade — concordou Kayla, sem se abalar. — Bem, aqui vamos


nós. Só porque nasceu alguns minutos antes de mim e de Elissa, Fabiana é
sempre mandona. Quando éramos meninas, vivia nos dizendo o que
devíamos fazer.

Fabiana apoiou os cotovelos no parapeito da janela, olhou para cima e


revirou os olhos.

— Não é nada disso. Eu só queria ser responsável enquanto vocês agiam


como loucas.

— Está bem, está bem — disse Kayla, abanando a mão para o lado da
irmã e olhando novamente para Jarrett. — Ela é muito conservadora, certinha
em tudo. Sabe como é: a imagem perfeita da professora primária. Sempre faz o
que é certo. Tem lista para tudo, uma vida muito bem organizada. E espera a
mesma coisa dos outros. É isso que a torna difícil.

— Pelo que você diz, parece até que sou uma bruxa — protestou Fabiana.

Kayla ergueu as duas mãos, como se precisasse se defender.

— Não precisa ficar zangada, porque já estou chegando na melhor parte.


— Dito isso, ela olhou para Jarrett. — Fabiana é também muito bondosa e faria
qualquer coisa para nos proteger. Nós a adoramos e não queremos que nada
de mal aconteça com ela. Por isso lhe somos gratas por tê-la salvo.

— Fico contente por ter podido ajudar — respondeu Jarrett.

— Havia gêmeas na minha escola — disse Anna Jane. — Elas


costumavam vestir roupas iguais.

— Nós também — revelou Elissa. — Eu gostava.

Kayla emitiu um som de enjoo.

— Era horroroso.
— Eu também não gostava — pronunciou-se Fabiana. — Vocês se
lembram daqueles vestidos horríveis que mamãe nos obrigava a vestir nas
gravações? — Nesse ponto ela torceu a boca. — Eram de tecido axadrezado,
cor-de-rosa e branco, com gola branca e mangas fofas. Eu me sentia como se
estivesse vestindo roupa de boneca.

— Ah, eles eram bonitinhos — protestou Elissa.

— Ora, por favor — disse Kayla, que evidentemente apoiava o ponto de


vista de Fabiana.

— Que gravações? — quis saber Jarrett.

As três irmãs trocaram olhares silenciosos.

— E eram roupas folgadas demais — voltou a falar Fabiana, logo depois


dispondo-se a responder à pergunta. — Está bem. Não adianta nada esconder
o meu passado sórdido. — Antes de prosseguir ela caminhou até o sofá e
sentou-se ao lado de Anna Jane, suspirando dramaticamente. — Quando
éramos meninas, minhas irmãs e eu aparecíamos na televisão.

Anna Jane arregalou os olhos.

— Verdade?

— Verdade — confirmou Fabiana. — Havia um programa chamado As


Aventuras de Sally McGuire. Nós três fazíamos o papel de Sally, que era uma
órfã.

— Vocês três representavam a mesma pessoa?

— Sim. Havia leis impedindo crianças de trabalhar por muitas horas


num estúdio de filmagens. Como éramos gêmeas idênticas, a gravação do
programa podia ser feita sem interrupções.

A menina juntou as mãos.

— Quero ver um desses programas.

Elissa olhou para Fabiana.

— Aqui na ilha existe TV a cabo?

— Existe, sim, mas só pega uns poucos canais. Acho que estamos salvas.

Anna Jane inclinou-se para o lado dela.

— Ah, Ariel... isto é, Fabiana. Seria divertido.

— Tenho que concordar — declarou Jarrett. — Seria divertido ver o


programa.
Kayla fechou os olhos e balançou a cabeça.

— Não seria, não. Podem acreditar. Não éramos atrizes muito boas e
algumas das cenas ficaram pavorosas.

— Pois eu acho que vocês estão sempre maravilhosas — disse Patrik, o


marido de Kayla, passando o braço por cima dos ombros dela. — Adoro ver
aqueles shows antigos.

— Eu também — declarou Cole, sorrindo para a esposa. — Sempre me


divirto ao vê-los.

— Por sorte estamos numa ilha pequena — observou Elissa. — Não deve
haver nenhuma locadora de vídeo num raio de muitos quilômetros.

Fabiana adivinhou que a mente de Jarrett estava em ação.

— Não esteja tão certa disso — disse à irmã. — Meu anfitrião tem a
habilidade de fazer com que as coisas aconteçam. Se o desafiarem nisso, logo
se verão cercadas por montanhas de fitas de vídeo.

— Tarde demais para fazer a advertência — disse Jarrett.

— Ai, meu Deus.

Jarrett levantou-se.

— Certamente vocês querem conversar sozinhas e eu vou deixá-las em


paz por algum tempo. Mas espero que nos deem a honra de fazer companhia a
mim e a minha sobrinha no jantar.

Fabiana assentiu quando as irmãs olharam para ela. Elissa falou por
todos.

— Será um prazer. Obrigada pelo convite e por ter cuidado da nossa


irmã.

— O prazer é meu. Agora, se me dão licença, vou dizer a Leona que


vocês jantarão conosco.

Ele se vestia com simplicidade, usando calça jeans e camiseta pólo


vermelha, mas tinha muita presença. Orgulhosa com isso, Fabiana quis
acompanhá-lo. Como se houvesse alguma ligação entre eles.

— Tenho uma coisa para falar com Jarrett, mas logo estarei de volta —
disse, correndo para a porta e alcançando-o na sala de visitas. — Jarrett?

Ao ouvir o chamado ele se voltou.

— Mudaram de ideia?
Como de costume, estava com os cabelos penteados para trás, mas
algumas mechas caíam sobre a testa. Bem que ela gostaria de pô-las no lugar.

— Não, eu só queria lhe agradecer por convidar minhas irmãs e meus


cunhados. É muito bom tê-los de volta na minha vida e eu detestaria não
jantar com eles no dia em que vieram para... — Percebendo o que ia dizendo,
ela interrompeu a frase na metade. — Oh, meu Deus. Acho que falei sem
pensar.

Agora que as irmãs dela estavam ali, não havia mais motivo para
permanecer ali. Na excitação dos últimos fatos, ela não havia se dado conta de
que reencontrar a família significava... deixar Jarrett e Anna Jane. Ah, como
sentiria saudade deles.

Só então Fabiana percebeu que Jarrett continuava em silêncio, esperando


que ela prosseguisse.

— Seja como for, foi muito simpático da sua parte convidá-los para
jantar.

— Ora, que bobagem — ele disse. — Como está se sentindo? Não deve
ser fácil uma pessoa passar pelo que você passou.

— Tem razão. Ainda não estou acreditando.

— Sente alguma diferença?

— Sim, minhas roupas. — Fabiana esticou a barra da camiseta. — Não


costumava me vestir com tanta informalidade.

— Essas roupas ficam bem em você.

O elogio a fez enrubescer.

— Obrigada.

— Parece que você guardou na lembrança os fatos do seu tempo de


"Ariel".

— Guardei, sim. Lembro-me de tudo o que aconteceu aqui. É estranho


me lembrar de quando não me lembrava. Estou um pouco atordoada, como se
visse tudo fora de foco, mas acho que com o tempo as coisas se ajeitarão.

— Quer que eu chame o médico?

— Não é nada tão sério assim.

— Se piorar, fale comigo.

— Falarei, sim.
— Existe um marido e uma ninhada de filhos esperando por você em
algum lugar?

A pergunta foi feita com naturalidade, mas Fabiana sentiu que era
importante para ele ouvir a resposta. Ou talvez aquilo fosse apenas vontade
dela.

— Não sou casada. No momento não existe ninguém na minha vida.

Na verdade houvera alguns namorados no passado, mas nenhum deles


muito importante.

— Bem, vou dizer a Leona que seremos sete durante o jantar.

Fabiana ficou olhando enquanto ele caminhava para a cozinha. Havia


reencontrado a família, mas ninguém de quem gostasse em especial. Era
engraçado só agora pensar naquilo, mas estava começando a achar que ser
uma mulher auto-suficiente não seria tão interessante como fora no passado.

Depois do jantar eles continuaram à mesa, conversando. Jarrett ouviu


mais do que falou e as irmãs se puseram a par do que havia acontecido
enquanto estavam separadas.

Era espantosa a facilidade com que elas se comunicavam, uma


entendendo tudo antes mesmo que a outra concluísse a frase e levando o
assunto adiante. Jarrett observava a conversa, fascinado.

— Elas são assim o tempo todo — disse Cole, dirigindo-se ao anfitrião. —


Quando se juntam, ninguém mais consegue falar.

Patrik riu.

— É verdade. Já desisti de participar das conversas delas.

— Mas o que achou das nossas mulheres, Jarrett? — perguntou Cole.

— Ah, elas são muito especiais. Fabiana estava preocupada com a


possibilidade de passar o resto da vida sozinha. É bom ver que há pessoas que
obviamente gostam muito dela.

Patrik assentiu. Era um homem alto, de cabelos loiros e olhos azuis.


Fabiana tinha dito a Jarrett que o marido de Kayla era veterinário em San
Diego.

— É bom saber que você estava aqui para cuidar dela. Não queremos
que nada de mal aconteça com essas meninas. — Patrik fez uma careta
engraçada.
— Vai deixar que nós paguemos pelo trabalho que teve, não vai?

— Não foi trabalho nenhum. Gostamos muito do período que Fabiana


passou aqui.

Cole ergueu as sobrancelhas mas não disse nada. Sem dúvida, tentava
adivinhar qual tinha sido o relacionamento de Jarrett com a cunhada dele.
Seria impossível explicar, já que o próprio Jarrett não conseguia entender.

Fabiana não era a única que estava confusa, porque ele também não
sabia como lidar com aquela mudança de rumo nos fatos. Poucas horas antes
Fabiana era Ariel, uma mulher sem passado e com futuro incerto. Quem era
ela agora? Jarrett já estava conhecendo Ariel, mas não sabia nada sobre
Fabiana Bedford. Seriam as duas realmente a mesma mulher?

Ironicamente, ele havia decidido confiar em Ariel e continuar


partilhando a vida com ela. Fizera planos para que ela tivesse um Natal feliz e
estava disposto a oferecer um lar permanente. Mas ela já tinha um lar, uma
família que a amava. Não precisava dele.

Anna Jane levantou-se, aproximou-se do tio e tocou no braço dele.

— Vou me deitar.

Jarrett acariciou a face da menina, que havia passado o jantar inteiro


muito quieta.

— Quer que eu fique um pouco com você?

— Quero, sim.

Levantando-se ele segurou na mão da sobrinha.

— Vou pôr Anna Jane na cama — disse aos outros. — Que tal vocês irem
para a sala de estar? Lá é mais aconchegante.

— Boa noite, Anna Jane — disse Fabiana, quando eles já iam se


afastando.

A menina apertou um pouco mais a mão de Jarrett, mas continuou


andando para a porta, sem responder.

Jarrett olhou para trás e viu que Fabiana fazia um ar de surpresa. Então,
ele deu de ombros, querendo dizer que também não sabia qual era o
problema.

— Anna Jane, sei que você está aborrecida por causa do aparecimento da
família de Fabiana — disse, no meio da escada. — Foi um choque muito
grande, mas acho que você não devia ignorá-la assim. Não é uma coisa
simpática.
Agora eles já estavam no andar de cima. Anna Jane seguia um passo na
frente e parou.

— Eu s-sei — disse, com a voz trêmula.

Jarrett viu lágrimas escorrendo pelo rosto da sobrinha e ficou com o


coração apertado. Era doloroso ver o sofrimento da menina. Sem saber o que
mais fazer, ele se agachou e abraçou-a.

— Não chore, doçura. Está tudo bem.

— Não, nada está bem — discordou a garota, soluçando e escondendo o


rosto no ombro dele. — Ela vai embora. Tem as irmãs e não precisa mais de
nós. Pensei que ia passar o Natal aqui, mas isso não vai acontecer e... e eu
sentirei falta dela.

A menina estava inconsolável. Jarrett disse um palavrão em silêncio. Era


mais uma perda na jovem vida da sobrinha dele.

Depois de levar Anna Jane para o quarto ele a sentou na cama. Então,
abraçou-a demoradamente. Entendia aquele sofrimento, porque também
sentiria a falta de Fabiana quando ela os deixasse.

— Anna Jane, eu estou aqui. Nós vamos ficar bem, prometo.

— Eu quero que ela passe o Natal aqui — gritou a menina.

— Eu também.

Era verdade. Ele queria aquilo mais do que tinha coragem de admitir.
Por outro lado, mesmo indo embora Fabiana deixava um precioso presente.
Havia ensinado a ele como gostar da sobrinha. Pela primeira vez desde a
morte de Tracy, Jarrett estava realmente alegre por ser o guardião de Anna
Jane.

10

Fabiana procurava prestar atenção na conversa, mas estava com o


pensamento em Anna Jane. Jarrett subira com a sobrinha havia quase uma
hora. A menina obviamente estava perturbada ao sair da mesa. Nem
respondera ao boa noite dela. O melhor seria não ver aquilo como uma coisa
pessoal, mas não era fácil. Finalmente ela pediu licença e foi saindo.

— Está tudo bem? — perguntou Elissa.

Fabiana parou.

— Espero que sim. Anna Jane estava muito esquisita durante o jantar.
Não é assim tão quieta.

— Vocês se tornaram amigas, não foi? — adivinhou Cole. — A garota


não quer que a situação mude.

— E agora você tem um nome, não é uma imagem criada pela


imaginação dela — acrescentou Kayla. — Provavelmente ela está se
perguntando se sua afeição também não mudará.

— Deve ser exatamente isso — concordou Fabiana. — Bem, eu voltarei,


pessoal.

Kayla tomou um gole de água e suspirou.

— Não se apresse. Não sou do tipo de mulher que exige luxos, mas esta
casa é simplesmente fabulosa. Mal posso acreditar que você viveu aqui
durante algum tempo.

Fabiana correu os olhos pelos caros móveis espalhados pela sala de estar.

— Eu também custo a acreditar — disse, sorrindo enquanto saía.

Quando ia começar a subir a escada ela parou. Pensou na menina que era
capaz de mandar uma mensagem numa garrafa e achava que criaturas
sobrenaturais podiam beliscá-la quando subisse a escada. Enquanto era Ariel,
querendo desesperadamente recuperar a memória, não havia pensado no que
aquilo significaria. Não pensara em como seria quando fosse obrigada a partir.
Ter uma família era maravilhoso, mas bem que ela gostaria de ter as duas
coisas: contar com o afeto da família e continuar ali. Pelo menos por mais
algum tempo.

—Você me parece séria.

Fabiana levou um susto e olhou para cima. Jarrett vinha descendo a


escada.

— Estava pensando em Anna Jane. Ela está bem?

— Agora está dormindo.

— Isso não responde à minha pergunta. — Fabiana cruzou os braços. —


Ela está aborrecida porque eu tenho uma família e uma vida, não é?
Jarrett desceu os últimos degraus e encostou a ponta do dedo no queixo
dela.

— Anna Jane está sofrendo porque você vai embora.

Fabiana engoliu em seco.

— Fui egoísta ao pensar só em mim. Quando perdi a memória, queria


saber que havia pessoas preocupadas comigo.

— Agora sabe que elas existem.

— Sei, mas achei que ficaria mais contente — disse Fabiana, tentando
ignorar as eróticas sensações que o toque dos dedos dele provocava.
Certamente Jarrett não estava com intenções eróticas, mas o corpo dela reagia
por conta própria. — Não estou dizendo que não me alegra saber que minha
família está aqui. Adoro minhas irmãs e é muito bom tê-las reencontrado. É só
que... — Nesse ponto ela deu de ombros. — Ah, não sei.

Jarrett sentou-se no primeiro degrau da escada e fez um gesto para que


ela ocupasse o espaço ao lado dele. Fabiana sentou-se, abraçando as pernas
dobradas.

— Por que vocês escolheram a Ilha de Santa Alícia? — ele perguntou.

Fabiana sorriu.

— A escolha foi minha. Meus alunos da quinta série estavam estudando


a história do Caribe e eu recolhi uma porção de informações, incluindo
prospectos de agências de viagens. Uma delas me forneceu um folheto falando
do seu hotel aqui. Senti atração imediata. — Por alguns instantes ela ficou em
silêncio, com o queixo apoiado nos joelhos. — Minhas irmãs e eu sempre
viajamos juntas, sabe? Quando estávamos na faculdade, costumávamos
acampar nos fins de semana prolongados. Procurávamos gastar pouco, claro,
já que não tínhamos dinheiro de sobra. Estas seriam nossas primeiras férias
cinco estrelas.

— Vocês economizaram para vir a Santa Alícia.

— Não exatamente. Nós... Bem... Recebemos um dinheiro que estava


investido.

— Foi mesmo?

— Foi, sim. Tudo o que ganhávamos com As Aventuras de Sally McGuire


era depositado num fundo de investimentos e deveria ficar lá até que
completássemos vinte e cinco anos. Isso aconteceu no verão passado.
Comparado à sua fortuna é dinheiro trocado, mas para nós representou muito.
Destinei parte do que me coube a um abrigo para crianças órfãs, usei outra
parte nesta viagem e o resto investi para o futuro.

Jarrett ajeitou os cabelos por trás da orelha.

— Então você não estava mesmo atrás do meu dinheiro.

— Não. Sinto muito.

— Eu não sinto tanto.

Jarrett olhou fixamente para ela.

— Quero lhe perguntar uma coisa.

Fabiana achou que desviar os olhos dos deles seria o mesmo que ficar
sem ar para respirar.

— Pergunte.

— Será que você e seus parentes considerariam a possibilidade de passar


as férias aqui, e não no hotel? Há espaço de sobra e tanto Anna Jane quanto eu
ficaríamos muito contentes com a companhia de vocês.

Para Fabiana, aquele convite foi tão inesperado quanto excitante.

— Não sei o que dizer.

— Temos a praia e a piscina. A sauna tem estado desligada, mas Frank


poderá fazer com que funcione rapidamente. Leona é uma grande cozinheira,
como você já sabe. Se nada disso for argumento convincente, sou até capaz de
usar minha sobrinha para conseguir o que estou propondo — ele ameaçou. —
Isso significaria muito para ela.

— Eu sei. Também estou pensando nela. — Fabiana pensou na


possibilidade. Passar o Natal ali seria incrível. Ela estaria não só com as irmãs,
mas também com Jarrett e Anna Jane. — Adorei a ideia, Jarrett, mas antes
preciso falar com os outros.

— Claro — ele concordou. — Estarei no meu escritório. Procure-me lá


para me comunicar a decisão. E, por favor, não fique constrangida se os outros
preferirem voltar para o hotel. Nós entenderemos.

Ele entenderia, mas não Anna Jane... nem ela. Fabiana queria que a estada
dela naquela casa continuasse. O período não pertencia à vida real e mais
tarde ela teria que desistir da fantasia, voltando para casa, mas ainda não
estava pronta para isso.

Logo depois eles dois se levantaram.

— Estarei lá daqui a poucos minutos — ela prometeu.


Entrando na sala de estar, Fabiana parou e ficou escutando a conversa
que se desenrolava ali.

— Quando já estávamos saindo para o aeroporto, eu tive que correr para


os arbustos — narrava Kayla.

Cole fez uma expressão de engulho.

— Não precisa contar.

Kayla olhou para o cunhado e fez um ar de desprezo.

— Vou lhe avisar de uma coisa, Cole. Elissa e eu somos idênticas em


muitos aspectos. Isso significa que, quando eu tiver cólicas matinais, é muito
provável que ela também tenha.

Cole empalideceu ao ouvir aquilo.

— Não se preocupe, querido — disse Elissa, rindo. — Eu sobreviverei.

— Mas eu não — respondeu o marido dela.

— Posso suportar as cólicas matinais de Kayla — disse Patrik, beijando a


mão da esposa. — Só não entendo como ela pode ficar tão brincalhona logo
depois.

Fabiana encostou a mão na barriga, perguntando-se como seria carregar


lá dentro um ser vivo. Certamente era uma coisa mágica.

Elissa ergueu a cabeça quando a viu.

— Está tudo bem?

— Anna Jane está dormindo e eu não pude falar com ela — respondeu
Fabiana. — Conversaremos amanhã. — Nesse ponto ela enfiou as mãos nos
bolsos traseiros do short. — A propósito, quero falar com vocês sobre um
assunto.

Kayla e Elissa se entreolharam e Fabiana perguntou-se o que aqueles


quatro teriam falado na ausência dela.

— Jarrett nos convidou para passar as férias aqui, na casa dele. — Então
ela ergueu a mão direita. — Antes de dizerem qualquer coisa, quero que
saibam que há quartos de sobra, uma piscina, sauna e uma praia particular lá
fora. — Fabiana fez uma pausa, pensando em como expor todos os
argumentos que tinha. — Anna Jane e eu nos tornamos amigas. Ela é uma
doçura de criança e nos últimos meses perdeu tanto a mãe quanto a babá que
a acompanhava desde muito pequena. Veio para a ilha há menos de um mês e
se sente um pouco perdida. Sei que significaria muito para ela ter companhia
nas festas natalinas. Não quero que vocês se sintam pressionados, mas...
— Ah, sim, claro — disse Cole, com fingida ironia.

— Uma criança solitária e uma fabulosa mansão de frente para a praia. É


uma decisão difícil.

— Ah, que vida dura — cantarolou Kayla.

— Parem de brincadeira vocês dois — ordenou Elissa, voltando-se


depois para Fabiana. — Não acha que seremos um estorvo? O número de
pessoas na casa mais do que dobrará. Será preciso cozinhar para muita gente,
sem falar nos gastos com provisões. Teríamos que oferecer alguma
compensação a Jarrett.

— Não adianta oferecer dinheiro — opinou Patrik. — Ele não aceitará.

— Parece que o nosso anfitrião já tem tudo o que quer — disse Kayla.

Fabiana pensou em dizer à irmã que ela estava redondamente enganada,


mas mudou de ideia e olhou para Elissa.

— Há uma empregada de tempo integral trabalhando na casa, mas


concordo com você quanto ao trabalho extra na cozinha. Talvez possamos
ajudar Leona... ou vocês acham que isso prejudicaria as férias?

Elissa olhou para o marido e o cunhado, finalmente parando os olhos em


Kayla.

— Não vamos virar as costas para Anna Jane — declarou. — Não depois
do que Jarrett fez por Fabiana. Além disso, a garotinha parece mesmo uma
doçura e merece ter um Natal especial. Acho que devemos cuidar para que
isso aconteça. Todas nós sabemos o que é perder o pai ou a mãe.

Fabiana entristeceu-se ao se lembrar do primeiro Natal depois da morte


do pai delas. A mãe parecia muito à vontade com o novo marido, mas as
trigêmeas haviam sofrido muito com a perda.

— Nós não precisamos ser convencidos — declarou Patrik. —


Adoraríamos ficar e ajudaremos no que for preciso. Francamente, acho muito
melhor passar o Natal na casa de alguém do que num hotel. É mais
aconchegante.

Kayla e Elissa assentiram.

— Então está decidido — disse Cole. — Diga ao nosso anfitrião que


ficamos encantados com o convite e resolvemos aceitar.

— Obrigada — murmurou Fabiana, retirando-se.


Ela havia se preocupado à toa. Já devia saber que, quando explicasse a
situação, não encontraria resistência. Tinha sorte por fazer parte de uma
família tão maravilhosa.

Anna Jane teria um Natal feliz, as gêmeas e seus maridos estariam juntos
e ela poderia passar um pouco mais de tempo com Jarrett. Como se dizia no
mundo dos negócios, todos saíam ganhando.

Mas a satisfação de ficar na casa não explicava a agitação que a


dominava nem o coração acelerado. Alguém saíra ganhando mais do que
todos. Ela não tinha do que se queixar.

Fabiana parou à porta do escritório de Jarrett, que trabalhava no


computador. A enorme janela estava aberta. O sol acabava de se esconder e só
havia uma coisa mais bonita que a visão do clarão vermelho que se espalhava
pelo mar: o homem emoldurado por aquela cena. Que capricho do destino a
levara ao mundo dele? Em circunstâncias normais, os caminhos deles jamais
teriam se cruzado. Ela sabia que, depois das festas de fim de ano, deixaria
aquele lugar para nunca mais voltar. O que Jarrett pensaria dela? Por acaso se
lembraria daquelas semanas, quando um bilhete encontrado dentro de uma
garrafa fizera uma desconhecida entrar na vida dele? Fabiana sabia que nunca
o esqueceria, não importava o que mais acontecesse com ela.

— Jarrett?

No mesmo instante ele ergueu a cabeça.

— Qual é o veredicto?

— Nós adoraríamos ficar. Obrigada pelo convite.

— O prazer é todo meu.

Aquilo não devia ser verdade, mas era bom ouvi-lo dizer.

— Quando contar a Leona, não deixe que ela entre em pânico. Estamos
dispostas a ajudar. Minha irmãs e eu somos cozinheiras razoáveis. Não
fazemos nada sofisticado, mas até que nos saímos bem nos pratos triviais.

Jarrett balançou a cabeça e levantou-se.

— Isso não será necessário. Leona já atendeu, sem dificuldade, grupos


quatro vezes maiores. Aliás, essa é uma das queixas dela por trabalhar para
mim. Aqui não há muito o que fazer. Aposto que a mulherzinha vai ficar
fascinada com a oportunidade de mostrar as habilidades que tem.

—Nós é que estamos fascinados — disse Fabiana, tentando não mostrar


que estava ofegante enquanto ele caminhava para perto dela. — A casa é
linda, sem falar na praia, na sauna e na piscina. Todos se divertirão muito. E
Anna Jane terá companhia. Será perfeito. — Fazendo uma pausa ela umedeceu
nervosamente os lábios quando ele chegou bem perto. — Vou lembrar a todos
que não devem fazer barulho quando você estiver trabalhando.

— Não se preocupe com isso.

Jarrett parou e apoiou a mão no batente da porta, por cima do ombro


dela. Fabiana viu-se presa por três lados. Seria fácil escapar, mas não era o que
ela queria. Gostava da proximidade de Jarrett, do cheiro que vinha dele. A
fragrância masculina era tentadora, mas o principal era alguma coisa
misteriosa que aquele homem possuía.

Vagarosamente ele passeou os olhos pelo rosto de Fabiana, que se sentiu


como se estivesse sendo tocada.

— Quero lhe agradecer — ela disse.

— Você já agradeceu.

Como ela podia se concentrar vendo aquele rosto de traços bonitos, olhos
negros e boca bem desenhada?

— Agradeço não só pelo convite, mas também pela forma como ele foi
feito — explicou Fabiana. — Você me fez perguntas para descobrir quais eram
os meus planos. Obviamente não queria interferir se já houvéssemos resolvido
fazer outra coisa.

Jarrett deu de ombros.

— Eu tinha medo de que você se sentisse obrigada a aceitar por causa do


seu relacionamento com Anna Jane. Bem, agora é a minha vez de agradecer.
Obrigado por se interessar pela minha sobrinha.

— Sou uma professora — disse Fabiana. — É esse o meu trabalho.

— Você agiu antes de saber que era professora. Acho que a coisa se
deveu mais à sua disposição de espírito do que ao seu treinamento
profissional.

Fabiana teve a sensação de que eles estavam falando de outra coisa. Não
sabia se era isso mesmo ou se apenas reagia à proximidade dele. Jarrett estava
tão perto que, se quisesse, ela poderia abraçá-lo sem sair do lugar.

Deus, como queria fazer isso. Também queria ser abraçada por ele,
beijada e...

— Vou avisar ao hotel para que mandem para cá a bagagem de vocês.

Fabiana quase levou um susto. Ah, sim, a bagagem... Obviamente ele não
estava sentindo o mesmo desejo que ela.
— Sim, claro. Não, acho melhor eu ir até lá, porque tirei tudo das malas.
Sem dúvida, Elissa e Kayla também vão querer ir. Existe um carro aqui?

Jarrett assentiu.

— Sim, uma van. Frank levará vocês.

No entanto, ele não tomou nenhuma iniciativa para chamar Frank. Em


vez disso, adiantou-se alguns centímetros. Agora eles estavam quase se
tocando.

— Fabiana, eu...

Sem terminar a frase ele inclinou a cabeça e roçou os lábios nos dela. Foi
um beijo macio e doce. Fabiana sentiu uma deliciosa onda de prazer, mesmo
sabendo que a família dela estava no cômodo ao lado e nada poderia
acontecer entre eles naquela noite. Mas sempre haveria tempo.

Jarrett recuou vagarosamente e ficou olhando para ela. Depois tocou-a na


face com a ponta dos dedos.

— Vou chamar Frank — disse, voltando-se.

Ainda bem que Fabiana não precisava dizer nada.

Estava sem fala.

Jarrett esperou pacientemente enquanto a mulher no outro lado da linha


fazia a necessária pesquisa. Depois a música foi desligada e a voz dela voltou a
soar.

— Sim, senhor, nós temos esses vídeos em estoque. Onde quer que eles
sejam entregues?

Jarrett deu um endereço em St. Thomas, já que os filmes chegariam mais


depressa lá do que se fossem mandados para a ilha. Depois de dar o número
do cartão de crédito, ele desligou o telefone e riscou um dos itens da lista.

As remessas de avião de St. Thomas até Santa Alícia eram bem caras,
mas não havia alternativa. Além disso, ele ganhara muitos milhões de dólares
nos últimos anos e podia se permitir algumas extravagâncias. Se não gastasse
o dinheiro com Anna Jane, Fabiana e a família dela, com o que mais gastaria?

A porta da frente se abriu e ele ouviu vozes, risos e passos. Todos


haviam resolvido acompanhar Frank até o hotel. Agora uma alegre discussão
se travava, opondo homens a mulheres. Os dois grupos, evidentemente com
opiniões contrárias, discutiam sobre a quantidade de bagagem necessária para
umas férias daquele tipo.
— Eu posso carregar minhas próprias malas — protestou Fabiana, já no
interior da sala.

— Não — opôs-se Frank. — O sr. Wilkenson me orientou para cuidar da


senhora. É o que estou fazendo.

— Mas que droga, Kayla — ralhou Patrik. — Você está grávida. Ponha
essa valise no chão.

— Mas ela não pesa nada.

— Ponha a valise no chão, agora.

— Não exagere, Patrik. Estou grávida, mas não incapacitada.

— Não vou nem chegar perto da bagagem — declarou Elissa, rindo. —


Portanto, não precisa olhar para mim desse jeito.

Não houve resposta de Cole, mas Jarrett podia imaginar a expressão


séria do homem.

A porta do escritório estava aberta e logo depois ele viu o semblante


alegre de Fabiana. Então, sorriu. O que ela diria se soubesse que, sem o menor
escrúpulo, ele havia usado a sobrinha para convencê-la a ficar? O maior
interessado na permanência dela não era Anna Jane, mas ele próprio.

11

Fabiana mostrou a língua quando viu a própria imagem.

— Você não está ajudando nada — disse ao espelho. Quando ouviu um


riso, olhou para o lado e viu Anna Jane parada à porta do quarto.

— Você está falando sozinha — disse a menina.

Então, ela torceu o canto da boca.

— É, e o pior é que ainda estou esperando a resposta.

Naquela manhã Anna Jane estava com o semblante iluminado. Entrando


no quarto, a menina abraçou-a pela cintura.

— Desculpe meu mau humor de ontem. Estou alegre por você ter ficado.
Fabiana pôs a escova sobre a penteadeira e acariciou a cabeça da garota.

— Eu também. Teremos um Natal maravilhoso.

Anna Jane ergueu os olhos para ela.

— Por que estava falando sozinha?

— Não sei como devo arrumar o cabelo. — Fabiana olhou novamente


para o espelho. — Há o jeito de Ariel e o de Fabiana.

— Elas são diferentes?

— Fabiana é muito mais aborrecida — ela respondeu, com sinceridade.


— Bem-arrumada, metódica e sensata. Ariel usava os cabelos presos, soltos
ou... Ah, não sei o que fazer.

— Mas você também é Ariel. Ela não é uma pessoa diferente, mas apenas
você sem a memória.

Fabiana achou que Ariel havia se divertido mais em poucos dias do que
ela durante toda a vida.

— Tem razão — concordou, começando a prender os cabelos no alto da


cabeça.

Qual era o problema se não costumava usar aquele tipo de penteado?


Ficaria bonito. Além disso, estava de férias. Podia se divertir um pouco.

— O que pretende fazer agora de manhã, Anna Jane?

— Vou mostrar a Elissa e a Kayla o lugar da praia onde a encontrei. Não


quer ir conosco?

— Gostaria muito, mas preciso desfazer a bagagem.

A mala, a valise e a mochila ainda estavam fechadas ao lado do armário.

— E as roupas que tio Jarrett lhe deu?

— Ainda estão comigo. — Na verdade naquele exato momento ela usava


uma camiseta e uma bermuda vindos da butique do tio da menina. — Preciso
arrumar minhas coisas para reassumir a pessoa que de fato sou. Agora me
lembro de tudo, mas passei um bom tempo sem ser eu mesma.

Anna Jane assentiu solenemente.

— Entendo.

— Nós nos veremos no almoço — disse Fabiana. — Divirta-se.

— Está certo.
Depois de fazer um rápido aceno a menina saiu correndo do quarto.

Fabiana abriu a mala e tirou dois vestidos de verão. As cores neutras,


bege e azul-acinzentado, a surpreenderam. Ela se lembrava de quando havia
comprado aqueles vestidos e de quando os usara, no verão anterior, mas agora
era como se eles pertencessem a outra pessoa. Pendurando-os no armário,
reparou que não tinham nada a ver com as coloridas roupas que já estavam lá.

Então, passou a mão pela saia do conjunto pendurado no cabide ao lado,


uma das roupas que recebera de Jarrett. O tecido sedoso era verde-escuro, a
mesma cor dos olhos dela. A blusa não tinha mangas e dava sensualidade ao
corpo. O conjunto certamente havia sido confeccionado com a intenção de
realçar as formas femininas. Quanto aos vestidos retirados da mala, eram...
bem-comportados, clássicos, formais.

Depois de guardar no armário as roupas tiradas da mala, todas muito


discretas, Fabiana abriu a valise, onde havia bermudas e camisas esporte de
tecido, além de roupas de baixo de algodão branco. Então, pensou no sutiã
rendado e na calcinha cavada que estava usando naquele momento. Que
estranho...

Depois de pôr aquelas roupas em duas gavetas ela se sentou na cama e


começou a tirar coisas de uma sacola deixada no chão. Havia livros, um
nécessaire com cosméticos, o secador de cabelo. A certa altura, tocou em
alguma coisa dura e retirou um volume com capa de couro. Era o diário.

Fabiana sentou-se no meio da cama. Naquelas páginas estavam os


sonhos dela. Nunca fazia longos registros, mas havia adquirido o hábito de
anotar ali o que acontecia ou o que esperava do futuro. Passando as páginas
do fim para o começo, parou os olhos numa anotação datada do fim do verão
anterior, logo depois que ela e as irmãs haviam retirado o dinheiro investido
no fundo.

25 de agosto. Tenho que tomar uma decisão sobre o meu futuro. Quero viajar,
mas preciso ter um plano para quando retornar. O que devo fazer? Voltar a
universidade para fazer pós-graduação? Ou será melhor continuar dando aulas no
primário? Tenho pensado até em abrir meu próprio negócio. Quando voltar das férias,
talvez já tenha tomado a decisão. O mundo é cheio de possibilidades e não quero correr
o risco de esquecer nenhuma delas.

Fabiana leu o texto uma segunda vez. Esperanças e planos para o futuro.
Em vez de ficar excitada, sentiu que estava triste. Talvez por agora saber de
algo que não sabia ao fazer aquelas anotações. Todos os planos tinham apenas
um pressuposto: de que ela continuaria sozinha. O diário não falava em
nenhum homem, não mencionava a possibilidade de ela se apaixonar ou se
isso influiria no planejamento futuro. Quando voltasse das férias, não teria
ninguém esperando.

— Que cara séria é essa?

Fabiana virou o rosto e viu Jarrett parado à porta. Então sorriu.

— Encontrei meu diário e estou me redescobrindo.

— Alguma surpresa?

— Sim, algumas.

— Agradáveis, espero.

Ela apenas deu de ombros, sem responder.

Jarrett entrou. Em geral ele andava pela casa de calça jeans e camiseta
pólo, mas naquele dia estava de short e camiseta. As pernas eram longas,
musculosas e morenas. Fabiana teve medo de se mostrar fascinada por aquelas
coxas poderosas.

Puxando o banquinho da penteadeira, ele se sentou.

— E então? Quem é Fabiana Bedford?

— Alguém muito diferente de Ariel.

— Acho que não acredito nisso.

— Mas é verdade. — Fabiana apontou para o armário aberto. — Está


vendo aqueles vestidos que pendurei ali? Agora olhe para o conjunto ao lado.
São roupas que não têm nada em comum. Tudo o que escolhi do que você
mandou vir da butique é inteiramente diferente do que costumava usar. —
Soltando o diário sobre a cama ela tocou na cabeça. — Esta manhã, não sabia
como devia arrumar meus cabelos. O que está acontecendo comigo é muito
estranho.

Jarrett assentiu.

— Você está tendo problemas para se adequar à sua antiga


personalidade.

— Exatamente.

— Levará alguns dias para se ajustar, mas isso acabará acontecendo.


Quer que eu peça ao médico para vir aqui?

Fisicamente estou bem.


Jarrett correu os olhos pelo corpo dela. Instantaneamente a temperatura
do quarto subiu vários graus.

— Se eu disser que concordo inteiramente com a última declaração você


me dará um tapa na cara? — ele perguntou, com voz provocante.

Fabiana sentiu-se corar.

— Não.

Jarrett sorriu.

— Ótimo. Só estava querendo ser agradável. Bem, talvez a perda da


memória tenha servido para mostrar um outro lado da sua personalidade.

— Sem dúvida, mas ainda acho estranho pensar que há partes de mim de
cuja existência eu não sabia.

— Todos nós temos facetas escondidas.

— Mas o que fazer para revelá-las?

—É o que você quer? — perguntou Jarrett.

Fabiana pensou antes de responder.

— Na verdade, não. Acho que gostava um bocado de Ariel. O problema


é fazê-la se adequar à antiga Fabiana.

— E a nova Fabiana será uma combinação das duas?

— Espero que sim. — Fabiana passou a mão na camiseta que estava


usando. — Embora talvez tenha que me livrar de algumas das roupas formais
que a antiga Fabiana usava. Ah, eu quase ia me esquecendo. Com quem devo
falar para pagar pelas roupas que vieram da butique? Agora tenho cartões de
crédito e dinheiro.

Jarrett balançou a cabeça.

— Não vai pagar nada.

— Jarrett, eu quero pagar. Alguma coisa me diz que você não vai deixar
que o reembolsemos pelas despesas que terá conosco nestas férias. Tem que
deixar que eu lhe dê alguma coisa.

Em vez de responder, ele se levantou e estendeu a mão. Fabiana pousou


ali os dedos e deixou que ele a pusesse de pé. Juntos eles caminharam até a
janela.

Dali era possível ver parte da piscina e toda a praia, mais ao longe. Um
som de risos e gritos agudos sobrepôs-se ao barulho das ondas. Logo depois
eles viram Anna Jane. Elissa e Kayla estavam com ela, cada uma segurando
uma mão da menina. Embora não fosse possível ouvir o que diziam, era
evidente que aquelas três estavam se divertindo.

— Eu não poderia ter dado isso a ela — disse Jarrett. — Você me mostrou
o que Anna Jane precisava e acho que agora já sei me comunicar com ela.
Devo-lhe isso, Fabiana. Não posso permitir que pague pelas roupas ou pela
estada dos seus familiares aqui. Na verdade, jamais conseguirei retribuir pelo
que recebi de você.

— Fico contente por ter podido ajudar, mas você está supervalorizando a
coisa.

Os olhos de Jarrett brilharam muito.

— Não, não estou.

Ele ainda segurava a mão dela. Fabiana tentou se convencer de que era
por puro esquecimento, mas ela não havia se esquecido. Nem por um
segundo. Naquele momento mesmo sentia a amplitude e a firmeza da mão
dele.

— Anna Jane está muito contente por você ter ficado — ele disse.

—Eu sei. Também estou contente.

E ele? Também estaria? Jarrett não falou sobre aquilo e Fabiana não
perguntou. O medo a reteve. Certamente Ariel teria sido mais corajosa.

Jarrett continuava com a atenção concentrada na praia. Fabiana também


olhou para lá e viu as duas irmãs caminhando, de braços dados, enquanto
Anna Jane atacava as ondas para logo em seguida fugir.

— Vocês três parecem muito chegadas — ele observou.

— Sempre fomos.

— Eu invejo isso.

— Não era assim entre você e sua irmã?

Jarrett deu de ombros.

— Na verdade não. Tracy era mais velha. Crescemos numa casa muito
grande, grande demais. Estávamos sempre em alas separadas e não
passávamos muito tempo juntos. Olhando para trás eu gostaria que tivesse
sido diferente. Não tivemos muitas coisas em comum. Talvez devêssemos ter
participado mais um da vida do outro.

— Você teria gostado disso?


Jarrett não parava de olhar para as irmãs dela.

— Um mês atrás eu teria dito que não. Agora não tenho certeza. Estou
começando a perceber o que perdi.

Sem pensar, Fabiana acariciou os dedos dele, uma ação extremamente


perigosa. Afinal de contas, aquilo o lembraria de que eles ainda estavam de
mãos dadas. Mas Jarrett apenas aumentou um pouco o aperto da mão e
puxou-a mais para perto.

Os ombros deles se tocaram. Fabiana sentiu o calor que vinha do corpo


dele, mas desta vez não era nada ligado a sexo. Embora o desejasse, queria
aquela proximidade para oferecer mais conforto do que paixão.

— Ela deve ter sido uma grande mulher — murmurou Fabiana. — Basta
ver a criança incrível que é Anna Jane.

— Não sei se Anna Jane aprendeu mais com Tracy ou com Nana B. —
disse Jarrett. — Minha irmã tinha qualidades, mas nunca foi uma mãe muito
presente. O relacionamento com o marido a consumia. Era como se eles
fossem as únicas pessoas no mundo.

— E isso é ruim? — quis saber Fabiana, perguntando-se como seria ser


amada tanto.

Ela tivera alguns namorados, mas nunca um verdadeiro amor.

— Acho que sim. Por causa do amor mútuo, eles excluíam a criança.
Prefiro pensar que o melhor tipo de amor é aquele que abre espaço para outras
pessoas. — Jarrett fez uma careta. — Mas na verdade não sou um entendido
no assunto.

Fabiana refletiu sobre o que ele dissera.

— Tem razão. Minhas irmãs são assim. Elas adoram o marido, mas têm
espaço no coração para outras pessoas. As duas serão grandes mães.

Jarrett soltou a mão de Fabiana. Antes que ela pudesse protestar ou


sentir solidão, ele a tocou na face.

— Você também será. E já tem as melhores qualidades: afeição,


paciência... Além de saber o momento certo para tudo. Surgiu no meu mundo
no instante em que eu mais precisava. Não quero nem pensar em como Anna
Jane iria passar o Natal se você não houvesse aparecido.

O toque de Jarrett era terno, doce. Ela queria que ele a considerasse
especial.

— Vocês teriam saltado por cima disso.


— No momento, ela precisa mais do que saltar por cima das coisas —
disse Jarrett, abaixando a mão e olhando pela janela. — Você já esteve
apaixonada? Não como minha irmã e o marido dela. Apenas apaixonada?

— Não. E você?

Uma expressão estranha surgiu no rosto de Jarrett, logo desaparecendo.


Fabiana lembrou-se de ter visto nas revistas menções a um misterioso
romance.

— Não se sinta obrigado a responder — ela disse. — Não quero parecer


curiosa.

Jarrett olhou para ele.

— Em geral não falo sobre o passado, mas preciso lhe explicar certas
coisas. Por exemplo: por que agi daquela forma quando a encontramos na
praia. Já lhe pedi desculpas por aquilo?

Sem dizer nada, ela apenas balançou a cabeça.

— Desculpe-me, Fabiana. Eu devia ter acreditado em você.

— Não, não devia. Por causa da posição que ocupa, há muita gente
querendo tirar um pedaço de você. Não tinha como saber que eu não era uma
dessas pessoas. Entendo perfeitamente.

Jarrett fez um gesto na direção da cama.

— Tenho uma longa história para lhe contar. Talvez queira se sentar.

Fabiana aceitou a sugestão e se sentou na beirada da cama. Em vez de se


acomodar ao lado dela ou no banquinho, ele continuou de pé, recostado na
janela.

— Acho que já lhe contei que meus pais morreram quando eu tinha
dezoito anos.

— Já, sim.

— Minha irmã não tinha interesse em dirigir os negócios. Por essa época
já havia conhecido Donald e não se interessava por mais nada. Então tudo caiu
sobre os meus ombros.

— Parece muito para um rapaz de tão pouca idade — comentou Fabiana.

— Eu queria que os negócios da família dessem certo. Achei que a


melhor forma de conseguir isso seria ir para a faculdade e aprender o máximo
possível. Estudei com afinco e concluí o curso em três anos. Depois passei a
dirigir a cadeia de hotéis.
Ele parecia perdido naquelas lembranças.

— Trabalhava vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana — disse.
— Embora inexperiente, era jovem demais para ter medo e por isso mergulhei
de cabeça. Às vezes cometia erros, noutras alcançava retumbantes êxitos. Ao
fim de alguns anos, havia cometido erros e acertos, mas tínhamos saído do
vermelho. Cinco anos depois de assumir o comando, estava à frente de um
império.

— Fico tentando imaginar como deve ter sido isso, mas não consigo —
disse Fabiana. — Ao mesmo tempo que admiro o que você realizou, me
pergunto o que deve lhe ter custado. Tinha tempo para se divertir?

Jarrett ergueu vagarosamente uma das sobrancelhas.

— Está falando de divertimentos ou de mulheres?

— Das duas coisas — ela respondeu, sorrindo.

— Acabei descobrindo que era um solteiro cobiçado. Era fácil conseguir


mulheres, mas difícil de me livrar delas.

— Sofreu alguma desilusão amorosa? — perguntou Fabiana.

— Algumas. Pensava que as mulheres gostavam de mim, mas elas só


estavam interessadas no meu dinheiro. Bem, tinha uns vinte e seis ou vinte e
sete anos. Não queria cometer um erro, mas queria que existisse uma mulher
na minha vida. Então comecei um caso com Charlotte, minha secretária.

Fabiana surpreendeu-se ao sentir uma súbita tensão. Não demorou


muito para perceber que o motivo daquilo era o ciúme.

— Ela era um pouco mais velha, estava divorciada e parecia tão


interessada num envolvimento emocional quanto eu — prosseguiu Jarrett. —
E facilitou as coisas. Eu podia comparecer aos lugares onde minha presença
era solicitada e ser o centro das atenções, sem nenhuma reclamação da parte
dela. O caso durou quase dois anos.

— Ela continuou a trabalhar para você?

Jarrett assentiu.

— Era uma profissional competentíssima. Eu não queria nem pensar em


substituí-la. Até que um dia resolvi que queria um relacionamento de
verdade. Queria sair com alguém com quem pudesse ter um futuro em
perspectiva. — Nesse ponto ele fez uma pausa e olhou para o teto. — Eu
gostava de Charlotte, mas não a amava. Às vezes gostar não é suficiente.

— Mas ela amava você, não amava? — inquiriu Fabiana.


— Não sei o que ela sentia. Se era amor, não queria ser amado por ela.
Quando tentei romper o relacionamento, ela tornou as coisas complicadas no
trabalho. Fui obrigado a despedi-la. Tentei oferecer dinheiro, mas ela só queria
ficar comigo. Começou a me seguir furtivamente a todos os lugares. — Jarrett
fez outra pausa e respirou fundo. — Tive que conseguir uma ordem judicial
impedindo a aproximação dela, mas isso não bastou. Mudei-me duas vezes,
mas nas duas ela me descobriu. Até tentou sabotar alguns dos hotéis. Quando
finalmente percebeu que o nosso caso não seria reativado, invadiu minha casa
e provocou um incêndio. Acabou ficando presa entre as chamas e morreu.

Fabiana ficou olhando para ele.

— Que coisa horrível — murmurou.

— De fato. Durante um bom tempo fiquei com sentimento de culpa. No


entanto, embora pudesse não ter começado o caso, não sei o que mais poderia
ter feito. Perdi muitos objetos pessoais naquele incêndio: fotos dos meus pais,
obras de arte e outras coisas que significavam muito para mim, mas nada
disso importava. No fim estava odiando Charlotte, mas não queria nenhum
mal a ela. Teria feito qualquer coisa para trazê-la de volta.

— Foi quando resolveu se mudar para cá, não foi? — ela perguntou. — A
ilha é o seu refúgio, um lugar onde não será ameaçado por ninguém.

— Exatamente. Havíamos acabado de construir o hotel e eu ocupei os


operários na construção da casa. Eram muitos e em poucos meses ela ficou
pronta. Tenho morado aqui desde então.

— Nunca voltou aos Estados Unidos?

—Vou umas poucas vezes por ano, a negócios. Mas não quero voltar a
morar lá.

— É compreensível, já que tem tantas lembranças tristes. Mas... havia


poucas informações nos artigos que li. Você manteve deliberadamente a
história fora do alcance da imprensa?

— Sim. Charlotte tinha família e eles também tentaram impedi-la de


fazer o que estava fazendo. Eu não queria tornar as coisas ainda mais difíceis
para aquela gente. Minha casa ficava num bairro afastado e não era como se a
imprensa fosse cobrir um incêndio ocorrido na Quinta Avenida. Só precisei
dar dinheiro a alguns repórteres e isso resolveu o assunto.

A mulher havia perseguido Jarrett, tornado a vida dele um inferno, mas


depois da tragédia ele cuidara para que a família dela não fosse importunada
pela imprensa.

— É fácil entender por que ela o amava — murmurou Fabiana.


— O quê?

— Nada — ela respondeu. — Só estava pensando no fato de que você foi


bondoso com a família dela.

— Eles não fizeram nada de errado. Por que tinham que sofrer? — Jarrett
abriu os braços. — Estou lhe contando isso não para ter a sua simpatia, mas
sim para explicar por que fui tão paranóico logo que você apareceu.

Fabiana olhou bem para ele. Os traços daquele rosto bonito haviam sido
desenhados tanto pela firmeza de princípios quanto pela dor.

— Faz sentido, Jarrett. E é bom saber que você confia em mim a ponto de
me contar tudo isso. Tem minha palavra de que não falarei do assunto com
mais ninguém, nem com minhas irmãs. Fico contente por termos esclarecido
tudo, sermos amigos.

— Nós somos amigos?

A pergunta a surpreendeu.

— Espero que sim.

— Eu também. Imagine só a minha vergonha ao saber que, além de não


ser uma caçadora de fortunas, você acabava de pôr a mão numa porção de
dinheiro.

Fabiana sorriu.

— Comparado com a sua fortuna, o que eu tenho é uma ninharia. Mas é


o suficiente para mim.

— O que pretende fazer quando for embora daqui, depois do Natal?

Fabiana ainda não havia pensado no assunto. Se pudesse, nem iria


embora. Mas isso não estava na lista de opções.

— Talvez me afastar um ano do trabalho e passar esse tempo viajando.


Quando finalmente voltar para casa, quero ter definidos meus planos para o
futuro. Não sei ainda se vou voltar a dar aulas, se devo fazer pós-graduação,
se abro meu próprio negócio...

— Sei que suas irmãs vão voltar para os Estados Unidos logo depois do
Natal. Será que você pensaria na hipótese de ficar por aqui por mais algum
tempo? Ainda não estou muito seguro sobre como devo lidar como Anna
Jane... Além do fato de que você é uma hóspede muito bem-vinda, claro.

Fabiana sentiu as mãos úmidas ao ouvir aquele convite feito com tanta
naturalidade. Será que ele queria mesmo que ela ficasse por mais tempo?
Apertando os joelhos ela se impediu de saltar para gritar "Sim!"
— Não tenho nenhum plano definido — disse. — Ficaria muito feliz em
permanecer aqui por mais algum tempo.

Ou para sempre.

Fabiana procurou afastar aquele pensamento. O que sabia sobre "para


sempre"? Na verdade, Jarrett não fazia parte da vida dela. Só porque ele era
simpático, charmoso, bondoso, além de ser atraente como o pecado, nada
disso significava que ela devia perder a cabeça.

— Ótimo — ele disse, simplesmente.

— Mas acho bom tomar cuidado, Jarrett — ela respondeu, esperando não
mostrar a satisfação que sentia. — É muito possível que eu não queira mais ir
embora.

— Pensando bem, não seria má ideia você ficar por aqui.

Antes que Fabiana pudesse pensar numa resposta, Jarrett piscou o olho
para ela e saiu.

Jarrett desceu a escada e caminhou para o escritório. Havia pensado que


ficaria embaraçado quando Fabiana tomasse conhecimento da pior parte dele,
mas em vez disso estava aliviado. Estranhamente, havia confiado que ela
saberia entender. Talvez por se tratar basicamente de uma pessoa de bom
coração. Bastava ver a forma como ela se relacionava com Anna Jane.

Seria por isso que ele a convidara para passar ali as festas de fim de ano?
Tinha feito o convite num impulso, embora não estivesse arrependido. No
mínimo, era agradável tê-la por perto. Mas não devia querer que ela fosse
embora? Não devia se preocupar com o fato de se sentir tão enfeitiçado pela
mulher? Afinal de contas, sabia o que custava se envolver emocionalmente.

Sabia que o amor significava sofrimento. Era melhor ficar sozinho. Era
melhor não sentir nada.

Mas não sentir nada não era mais a opção de vida dele. Embora a culpa
disso coubesse a Fabiana, não era nela que ele pensava naquele momento. Por
coincidência, quando ouviu passos na sala Jarrett se voltou e pôs os olhos na
sorridente sobrinha.

A menina correu para ele.

— Estive caminhando na praia com Kayla e Elissa, tio Jarrett. Nós


conversamos e eu me diverti muito.
A garota pendurou-se no pescoço dele e Jarrett girou com ela várias
vezes, os dois rindo.

— Está feliz? — ele perguntou.

— Ah, sim — confirmou Anna Jane. — Muito. O Natal vai ser


maravilhoso. Sabe de uma coisa? Eu estava com medo de que você se
esquecesse.

Jarrett engoliu em seco. Se não fosse Fabiana, ele teria mesmo se


esquecido de providenciar as comemorações de Natal, ou pelo menos não
daria atenção. Ela havia aparecido na vida dele no momento certo.

Anna Jane repousou a cabeça no ombro dele.

— As criaturas más foram embora.

Jarrett sentou-se num degrau baixo da escada, ainda com a sobrinha no


colo.

— Que criaturas más?

— As que viviam aqui. Sempre que subia a escada sozinha eu sentia que
era observada por elas. Ficava assustada. Tinha medo de que viessem me
pegar e por isso sempre subia correndo. Fabiana disse que não tem
importância acreditar que essas criaturas existem, mas garantiu que elas não
podem me pegar.

Por alguns instantes, Jarrett ficou olhando para a menina.

— Por que nunca me contou isso?

— Eu queria contar, mas você estava sempre muito ocupado na direção


do seu império.

— Tem que me prometer que, quando ficar assustada com alguma coisa,
irá logo me contar. O meu império que vá para o inferno.

Anna Jane juntou as sobrancelhas numa expressão de censura, mas sem


dúvida se divertia com a reação dele.

— Tio Jarrett! Que jeito feio de falar!

— Tem razão. Desculpe. Mas quero sua promessa.

— Prometo. É bom saber que elas foram embora e que você está aqui.

Dizendo isso, ela se aconchegou mais ao peito dele.


Outra vez Jarrett lembrou-se de que era Fabiana a responsável pela
mudança na relação dele com a sobrinha. Quando ela partisse, talvez fosse ele
a pessoa a ser perseguida por criaturas más.

12

Fabiana sentou-se na espreguiçadeira ao lado da piscina. Deitando um


pouco mais o encosto, esticou as pernas e fechou os olhos. Depois de passar a
manhã desfazendo as malas e tentando assimilar o breve tempo que havia
passado como "Ariel", precisava mesmo de um descanso.

— Nem pense que vai cochilar — disse uma voz.

Fabiana abriu os olhos e viu as duas irmãs, uma em cada lado da


espreguiçadeira.

— Conheço essa cara de vocês — ela disse. — Estão querendo me


interrogar, não é?

— Adivinhou — confirmou Kayla, inclinando-se para pegar na mão dela.


— Portanto, não resista. Vamos dar uma caminhada na praia.

Fabiana levantou-se e as três saíram andando na direção da praia.

— Anna Jane é mesmo uma menina fantástica — comentou Kayla. —


Falou sobre a perda da mãe e da babá. Depois de tudo por que passou, é
incrível ela ser uma criança tão bem ajustada.

— O tio dela tem alguma coisa a ver com isso — disse Fabiana.

— E você — acrescentou Kayla, com convicção. — Toda frase dela


começa com "Fabiana acha isso" ou "Fabiana acha aquilo".

— Também gosto muito dela — declarou Fabiana, com sinceridade. —


Mesmo quando estava com amnésia, sentia afeição por Anna Jane. — Ela é
uma criança especial e fico feliz por ter tido a chance de conhecê-la.

Quando terminou a parte calçada elas começaram a caminhar na areia,


com o mar à esquerda. Soprava uma brisa tropical impregnada pelos aromas
da ilha. Fabiana ergueu o rosto para o sol.
— Vocês não acham este lugar maravilhoso? — perguntou. — Eu não
podia querer passar o Natal em nenhum outro lugar. Não é tão tradicional
quanto um chalé na montanha, mas mesmo assim é mágico.

Não houve resposta. Fabiana olhou para os lados e viu que era
observada atentamente pelas irmãs. A expressão das duas era a de quem faria
qualquer coisa para obrigá-la a falar.

Então ela aprumou o corpo.

— O que vocês querem saber?

Kayla jogou a cabeça para trás.

— Comece pelo começo — disse. — Você abriu os olhos e viu que um


sujeito incrivelmente lindo a olhava. Foi atração instantânea?

— Não esqueça nada — acrescentou Elissa. — Queremos os detalhes.

Fabiana sorriu.

— Falando sério, não há nada para contar. Jarrett é...

Como ela poderia descrevê-lo? Que palavras deveria usar para definir a
complexidade do relacionamento deles?

— Não é o que vocês estão pensando — disse, finalmente. — Ele apenas


tem sido gentil.

— Eu tenho visto a forma como ele olha para você — disse Elissa. —
Aquilo é mais do que gentileza. Portanto, o que está acontecendo?

Querendo ganhar tempo, Fabiana parou e tirou as sandálias, no que foi


imitada pelas irmãs. Depois, as três passaram a caminhar na beira da água,
molhando os pés.

— Sei que vocês esperam ouvir alguma história excitante e romântica,


mas não se trata disso. Logo que eu fui encontrada ele ficou um pouco
desconfiado em relação a mim. Como é um homem rico e muito bem-
sucedido, há mulheres que tentam conquistá-lo usando recursos pouco éticos.

Kayla arregalou os olhos.

— Jarrett achou que você estava fingindo a amnésia.

— A ideia passou pela cabeça dele.

— Mas é claro que rapidamente descobriu a verdade — acrescentou


Elissa.
Fabiana pensou naqueles primeiros dias. Não teria usado a palavra
rapidamente, mas não queria entrar cm detalhes.

— Resolveu confiar em mim — disse, para ficar mais perto da verdade.


— Nós somos amigos e eu gosto dele. Isso é tudo.

— Sua tratante — disse Kayla. — Eu estava esperando alguns detalhes


picantes como beijos apaixonados ao luar.

— Sinto muito por desapontá-la.

Fabiana não ousava olhar para nenhuma das irmãs. Elissa e Kayla
adivinhariam o que ela estava pensando, ou, pior, o que tentava esconder.
Embora não houvesse montes de "beijos apaixonados ao luar", houvera aquela
noite. Ela ficava arrepiada só de se lembrar. E as irmãs perceberiam essa
reação.

Elissa afastou-se um pouco da beira da água e sen- lou-se na areia.

— Não é verdade que você apenas gosta dele. Eu vejo isso, mesmo que
você não veja.

Fabiana sentou-se ao lado dela.

— Não tenho certeza do que sinto. As últimas vinte e quatro horas foram
um tanto esquisitas. Ontem, a esta hora, não me lembrava de quem era. Agora
a minha vida está restaurada. Estou tentando fazer com que tudo entre em
conexão.

Kayla entrou mais no mar, até ficar com a água pelos joelhos.

— Como é quando a pessoa perde a memória?

Fabiana franziu a testa.

— É como estar num túnel mental. Eu sabia o que havia à minha volta,
mas só podia olhar para a frente. Não existiam os lados, nenhum ponto de
referência. Enquanto vocês não apareceram, tive medo de não ter família,
ninguém no mundo.

Elissa estremeceu.

— Nunca quero passar por isso — disse, alisando o braço de Fabiana. —


Você nos tem e sempre nos terá.

— É verdade — apoiou Kayla. — Não se livrará de nós nem mesmo se


quiser. Pode fugir, mas nós iremos atrás.

— Vocês nem imaginam como isso provoca uma sensação boa.

Elissa ficou olhando para ela por alguns instantes.


— Sente que mudou alguma coisa depois dessa experiência?

— Um pouco. Quando estava com amnésia, não era apenas Fabiana sem
a memória. Eu mudei.

Kayla mostrou-se curiosa.

— Como?

— As minhas roupas. — Fabiana indicou a camiseta florida e o short que


estava usando. — Vejam o que estou vestindo. Não é uma roupa
conservadora, tradicional. Quando abri a mala, fiquei espantada com o que
encontrei. Reconheci tudo, mas nada me pareceu... certo. Embora me
lembrando de quando usava aquelas roupas, agora não sinto vontade de vesti-
las. Tenho deixado o cabelo solto e venho usando outro tipo de maquiagem.

— Talvez seja apenas um lado diferente da sua personalidade que veio à


tona — sugeriu Elissa. — Você sempre foi do tipo responsável. Talvez se
vestisse de uma forma tão conservadora tentando parecer mais responsável.
Não sei se é porque nasceu um pouco antes de mim e de Kayla, ou por isso ser
um traço da sua personalidade, mas de alguma forma você é a líder de nós
três. Passou muito tempo se preocupando conosco, o que não lhe deixou
muito tempo para si própria.

— Alguém tinha que cuidar das coisas — resmungou Fabiana, mesmo


sabendo que Elissa estava certa.

— Ela não está sendo crítica — pronunciou-se Kayla, aproximando-se


para se ajoelhar na frente das duas.

— É verdade. Você é mesmo um tanto mandona, mas nós precisamos


disso. Depois que nossos pais se separaram, papai morreu e mamãe começou
a procurar outro marido, não havia ninguém para tomar conta de nós. Você
preencheu o espaço.

Fabiana sabia que era a líder, mas nunca havia parado para pensar no
motivo daquilo.

— Parece que as coisas não mudaram muito — disse. — Na minha


cabeça sei que tudo está diferente, mas no coração ainda estou com medo
porque papai morreu e mamãe não me dá mais atenção.

— Essa foi a pior parte — disse Kayla, a tristeza substituindo o bom


humor que quase sempre se via nos olhos dela. — Mamãe era tão distante. Era
como se nós não existíssemos.
— Eu achava que nada podia ser pior do que o divórcio, mas depois
papai morreu — relembrou Elissa. — Hoje me pergunto se eles se amavam
mesmo.

— Que importância tem isso? — perguntou Fabiana. — O amor faz


coisas loucas com as pessoas. Vejo isso o tempo todo na escola. Os pais se
separam e as crianças sofrem as consequências. O amor machuca.

— Não posso acreditar nisso — discordou Elissa, falando com brandura.


— O amor às vezes pode machucar, mas não sempre.

Fabiana olhou para a irmã.

— Sei que hoje você e Cole são felizes, mas houve época em que ele a fez
sofrer.

Elissa enrubesceu.

— Eu também o fiz sofrer. Nós éramos muito jovens. Mas agora estamos
mais conscientes e mudados, temos um relacionamento maravilhoso. Não
quero que você desista do amor, Fabiana. Deve se permitir experimentá-lo.
Prometo que não vai se arrepender.

Fabiana não ficou muito certa de que podia acreditar naquela promessa.

— Mamãe e papai tinham motivos para se separar — opinou Kayla. — O


problema é que éramos muito pequenas e não percebíamos isso. Mas de uma
coisa eu tenho certeza: ninguém deve renunciar ao amor só por causa do
passado. Elissa tem razão, Fabiana. Você é uma mulher incrível. Merece ter em
sua vida um homem igualmente incrível.

Fabiana ficou pensativa

— Eu amaria alguém, mas que garantias teria? — murmurou. — Uma


coisa que aprendi quando trabalhava na televisão foi que é muito simples
fazer com que a ilusão pareça real.

— Existe uma garantia — disse Elissa.

Fabiana olhou para a irmã.

— Qual?

— A garantia de que, se não amar ninguém, você sempre será sozinha.

Fabiana não pôde discordar. Pelo menos para si própria, devia


reconhecer que não queria ficar sozinha. A perda da memória a convencera
disso, quando pensara que talvez não tivesse ninguém. Mas quais eram as
alternativas? Correr riscos?
Ela queria dizer que o amor romântico só existia na imaginação das
pessoas, mas sabia que ele existia de fato. Já o vira na vida das irmãs. Vira o
quanto o amor podia transformar duas pessoas. Também queria isso para si
própria... desde que sem o risco.

— O trabalho é grande, mas vale a pena — opinou Kayla. — Amar Patrik


é a melhor parte da minha vida.

— O que você acha de Jarrett? — perguntou Elissa a Fabiana.

— Não sei, e estou sendo sincera. Não tenho certeza de nada. — Então
ela balançou a cabeça. — Isso era muito mais fácil quando eu era Ariel, uma
mulher nem passado. Apenas sentia, sem ter que pensar.

— Ainda pode agir assim — disse Kayla. — Não deixe que o medo a
vença. Eu quase perdi Patrik porque era uma idiota. Detestaria ver a mesma
coisa acontecendo com você. Aceite um conselho meu, irmãzinha: não
renuncie a uma coisa boa se não estiver muito certa de que não a quer.

Fabiana olhou para Elissa e Kayla, que a observavam atentamente.


Aquelas duas tinham estado muito perto do desastre e por isso falavam com
conhecimento de causa.

— Aceito o conselho — ela declarou, perguntando-se com o que estava


concordando.

Seria melhor prometer que pensaria duas vezes antes de se arriscar no


amor, mas suspeitava de que já era tarde para isso.

Fabiana desceu a escada na ponta dos pés. Era tarde e cia já devia estar
dormindo, mas por algum motivo sentia-se inquieta. Depois de todas as
atividades daquele dia, devia estar deliciosamente exausta. Mas não estava. A
mente não se acalmava o suficiente para que ela conciliasse o sono. Talvez
uma rápida caminhada na praia resolvesse o problema.

Quando pisou na sala ela automaticamente olhou para o escritório de


Jarrett. A porta estava fechada mas a luz coava-se por baixo. Fabiana franziu a
testa. O que ele podia estar fazendo tão tarde?

Sem saber se estava ou não sendo intrusa, aproximou-se e bateu na


porta. Segundos mais tarde Jarrett abriu e olhou para ela.

— Você está acordada — disse, numa voz baixa e tensa. — Graças a


Deus. Pensei em chamá-la mas achei que já estava dormindo.

Fabiana ficou apreensiva.


—Algum problema com Anna Jane?

Jarrett segurou no pulso dela e puxou-a para o interior do escritório.

— Não, ela está bem. — Então ele sacudiu a cabeça. — Droga! Nunca
pensei que seria tão difícil.

Agora Fabiana estava quase alarmada.

— Qual é o problema?

— Qual é o problema? Preciso de ajuda é naquilo.

Fabiana olhou na direção que ele apontava e viu pilhas de caixas sobre a
mesa. No chão havia rolos de papéis de presente. Coloridos laços de fita
espalhavam-se por todos os lados. Então ela suspirou.

— O que está fazendo?

— Tentando embrulhar os presentes. Acho que é a coisa mais difícil que


já tive que fazer na vida. Como é que vocês conseguem? Que fita combina com
que papel? E o que, em nome de Deus, se deve escrever nestes estúpidos
cartõezinhos? — Dizendo isso ele jogou para o ar um maço de etiquetas para
presentes. — Há espaço demais apenas para nomes, mas não o suficiente para
que se escreva uma mensagem decente. Além disso, depois do terceiro ou
quarto presente, é impossível ser criativo.

Fabiana sentiu uma enorme vontade de rir, mas controlou-se. O alívio


era doce, assim como era engraçado ver a confusão de Jarrett.

— Está me dizendo que é capaz de salvar um império mas não sabe


embrulhar alguns presentes?

Jarrett olhou fixamente para ela.

— Não estou de bom humor, Fabiana. Não é hora para se divertir às


minhas custas.

Ao ouvir aquilo ela franziu o nariz.

— Pois eu acho a hora certa. Se não me aproveitar de um momento de


fraqueza seu, talvez jamais tenha essa oportunidade. — Correndo os olhos
mais uma vez pela confusão do escritório, Fabiana viu um único embrulho do
presente sobre uma cadeira perto da janela. — Há quanto tempo está
trabalhando nisso? — perguntou.

— Há duas horas.

A vontade de rir retornou, e desta vez foi impossível controlá-la. Jarrett


olhou sério para ela.
— Quero lembrá-la de que é hóspede na minha casa. Portanto, deve-me
cortesia.

— Jarrett, você é um homem distinto e eu estou sendo cortês. Mas


embrulhar presentes é fácil demais. Não posso acreditar que você seja incapaz
disso. Quer minha ajuda?

Antes de responder ele suspirou.

— Sim. Por favor.

— Então mãos à obra. Sei fazer embrulhos de presente lindíssimos, pelo


menos na minha opinião. — Outra vez ela olhou em volta. — Para começar
precisamos de organização.

Juntos eles recolheram as coisas espalhadas e separaram as caixas por


tamanho. Havia uma caixa grande, obviamente um computador para Anna
Jane. Na verdade ele havia comprado para a menina tudo o que ela, Fabiana,
recomendara. Havia algumas coisas para Leona e Frank, além de presentes
para os familiares dela.

Fabiana correu os dedos na bonita capa de couro do álbum de fotografias


que ele havia comprado para Elissa e Cole.

— Não precisava fazer isso, Jarrett — ela disse, aliviada por já ter
encomendado vários presentes para ele. — Como me lembrou ainda há pouco,
nós somos os seus hóspedes aqui. Ter nos convidado para ficar já foi um
presente e tanto.

Jarrett deu de ombros.

— Eu queria dar alguma coisa a eles. Anna Jane está muito contente por
vocês terem ficado, e eu também.

Fabiana experimentou uma sensação agradável ao ouvir aquela


confissão. Para esconder a súbita timidez que a dominou, apontou para um
rolo grande de papel.

— Veja se aquele ali é largo o suficiente para embrulhar a caixa do


computador — disse. — Se não for, teremos que juntar alguns pedaços.

Enquanto ele seguia a instrução, Fabiana ocupou-se com várias


embalagens de CD-ROMs.

— Parece que Anna Jane tem se divertido — ela comentou. — Riu um


bocado nos últimos dias.

— De fato. — Jarrett foi desenrolando o papel no chão, depois de fixar as


pontas com fita adesiva. — Você é professora, não é?
— Da quinta série.

— O que acha que devo fazer com ela? Tenho pensado em algumas
opções... Nenhuma das quais me agrada. Ela precisa voltar a estudar mas não
existe nenhuma escola na ilha.

— Também não há crianças, Jarrett. Ficar aqui por enquanto é bom, mas
Anna Jane vai precisar da companhia de amiguinhos da mesma idade.

— É. Tenho pensado nisso também. Você é especialista no assunto. O


que me sugere?

— O que você quer fazer?

O papel tinha a largura exata para embrulhar a caixa. Depois de


centralizar a embalagem, ele cuidadosamente a envolveu com o papel
colorido.

— Eu poderia contratar um professor ou uma professora particular.


Enquanto estivesse estudando, ela não sentiria falta de crianças da mesma
idade. Há algumas boas escolas nas ilhas vizinhas. Ela poderia ir para uma
dessas durante a semana, voltando para cá nos fins de semana. Ou poderia ir
para algum internato nos Estados Unidos, vindo para a ilha só nas férias.

Fabiana enfeitou com laços de fitas os embrulhos com os CD-ROMs.

— O que acha dessas opções?

— Como já disse, não me agradam. Não posso acreditar que estou


dizendo isto, mas vou ficar com saudade quando ela não estiver aqui. Se for
possível, quero que fiquemos juntos.

— Mas...

— É, mas ela precisa de mais coisas na vida do que a minha companhia.


Tenho que tomar a decisão pensando no que é melhor para ela, não no que é
mais conveniente para mim.

Fabiana sentiu-se tocada pela disposição dele para o sacrifício. Havia


percebido desde o início que Jarrett era um homem especial.

— Não vejo com muito bons olhos a ideia do internato — ele continuou.
— Lembro-me de quando ela falou na perda da mãe e de Nana B. Não quero
que se sinta abandonada outra vez.

— Você pode dizer quais são as opções e deixar que a menina escolha —
sugeriu Fabiana.

— Não havia pensado nisso. — Jarrett terminou de embrulhar o


computador e abriu um sorriso de triunfo. — O que acha?
Na verdade um dos lados da caixa não estava inteiramente coberto pelo
papel, mas Fabiana sabia que Anna Jane não se importaria com aquilo.

— Está lindo. Não quer pôr um laço de fita?

Jarrett aceitou a sugestão. Escolheu um laço que não combinava de jeito


nenhum com o embrulho, mas outra vez Fabiana não disse nada. O que
importava mesmo era a intenção.

Todos os CD-ROMs já estavam embrulhados e ela pegou a caixa com


uma bonita blusa para Leona.

— Há uma outra opção — disse, perguntando-se se ele ficaria zangado


por ela falar no assunto.

— Qual?

Fabiana respirou fundo.

— Você poderia voltar para os Estados Unidos. Com isso seria possível
Anna Jane frequentar uma boa escola durante o dia e voltar para a sua
companhia todas as noites.

As palavras dela ecoaram no escritório silencioso. Os olhos de Jarrett


mostravam um conflito de emoções, nenhuma das quais Fabiana conseguia
identificar.

— Sei a gravidade do que estou falando — ela disse, com voz branda. —
Você passou lá por coisas terríveis. Não sei com certeza a vastidão do seu
sofrimento, mas posso imaginar. No entanto não se trata de você, mas da sua
sobrinha. Não estou dizendo que a opção é a única que dará certo, mas acho
que deve ser considerada.

Fabiana preparou-se para presenciar uma explosão. Jarrett inclinou-se e


pegou a caixa com o computador, levando-a para fora do escritório. Fabiana
recomeçou a fazer embrulhos, pensando até que ele não voltasse.

Um minuto mais tarde Jarrett retornou.

— Voltar para lá é uma opção — disse, finalmente. — Você tem razão. É


uma coisa que tem que ser considerada. Não posso ficar aqui para sempre,
assim como não devo manter Anna Jane isolada. — Jarrett olhou em volta. —
No ano passado, por esta época, eu estava trabalhando duro. Acho que nem
reparei quando chegou o dia de Natal. Dei a Frank e Leona um polpudo
cheque, além de uma semana de folga. O pessoal do hotel me mandava
comida todos os dias. — Fazendo uma pausa ele enfiou as mãos nos bolsos da
calça. — Depois as coisas mudaram. Um dia recebi um telefonema me
informando do que havia acontecido com minha irmã. Três dias mais tarde,
depois do enterro, Anna Jane estava aqui. Eu não sabia o que fazer com ela.
Acho que, se tivesse encontrado uma forma de mandá-la embora, teria feito
isso. Agora não consigo imaginar a vida sem ela. Sentiria muita saudade.

— É que você gosta muito da sua sobrinha.

— Sim, gosto — concordou Jarrett.

Fabiana teve certeza de que estava diante do melhor tipo de homem:


honrado, atencioso. Não era de admirar ela sentir o coração em perigo toda
vez que eles se encontravam.

Voltou à lembrança dela o que as irmãs tinham dito sobre uma pessoa se
arriscar num amor romântico. Com Elissa e Kayla tinha dado certo, mas...
seria a mesma coisa com ela? Poderia pensar em ter um futuro com Jarrett?

Ao ter esse pensamento ela se sentiu fisicamente afetada pela presença


dele, pela calma da noite, pelo fato de que eles estavam sozinhos.

Como se atendesse ao desejo mudo de Fabiana, Jarrett aproximou-se e


segurou nos braços dela.

— Então você é uma mulher organizada — disse, quebrando o encanto.

Mesmo assim ela sorriu.

— Exatamente. Por uma questão de minutos, sou a mais velha das três e
a mais mandona.

— E também está acostumada a ver as coisas serem feitas do seu jeito?

— Também.

— É surpreendente estarmos nos dando bem, porque somos dois


mandões.

Fabiana pegou um laço.

— Formamos uma boa equipe porque sabemos respeitar as habilidades


um do outro. Jarrett tirou alguns pacotes da cadeira giratória e sentou-se.

— Não concordo.

— Não respeita as minhas habilidades.

— É claro que respeito, mas não é esse o ponto. Você pode ser mandona
à vontade, Fabiana. Nós dois sabemos que eu posso vencê-la.

Fabiana franziu a testa.

— Acha que está em vantagem simplesmente porque é fisicamente mais


forte?
O sorriso dele tornou-se malicioso.

— Acertou.

— Isso é loucura.

— Talvez, mas é verdade.

Fabiana pôs as mãos na cintura.

— Diante dessa atitude, não sei se devo ajudá-lo.

Jarrett olhou para as poucas caixas que ainda não tinham sido
embrulhadas.

— Não precisa mesmo. Posso terminar sozinho. — Ainda com uma


expressão divertida, ele se levantou e caminhou até bem perto dela. —
Obrigado.

— De nada.

Durante vários segundos ele apenas ficou olhando para ela.

— Há muito tempo que não sentia desejo por uma mulher — disse,
finalmente, com a voz baixa e rouca. Quase me esqueci de como isso é bom.

Antes que ela pudesse responder ele a beijou na boca. O contato


provocou em Fabiana um arrepio que foi da raiz dos cabelos à ponta dos pés.
Depois, de uma forma igualmente inesperada, Jarrett recuou.

— Não vou levá-la até seu quarto — declarou, calmamente, como se


apenas discutisse as condições do tempo. — Seria cumprir uma norma de
cortesia, mas não poderia deixá-la à porta do quarto. Obrigado também por
isso, Fabiana.

— Eu... Bem...

Fabiana não sabia o que dizer. Jarrett não acabava de declarar


exatamente o que ela queria ouvir? Que a desejava? Uma alegria muito grande
a dominou. Ela queria dizer que estava tudo bem, que também o desejava.
Aliás, se eles se desejavam tanto, talvez devessem fazer alguma coisa a
respeito. Por outro lado, enquanto era fácil ser corajosa ao falar sobre Anna
Jane, era complicado demonstrar bravura em causa própria. Assim sendo, em
vez de convidá-lo a acompanhá-la ao quarto, ou ao menos retribuir ao beijo,
ela caminhou atabalhoadamente para a porta depois de murmurar um boa
noite.
13

— Você não viu renas voando — disse Anna Jane, com firmeza. Cole, o
marido de Elissa, mostrou-se ofendido.

— É claro que vi. O nosso apartamento em Nova York é muito alto. Na


noite de Natal, pode-se ver de lá quando Papai Noel passa voando em seu
trenó. Anna Jane revirou os olhos.

— Eu tenho nove anos. Não acredito mais em Papai Noel.

— Puxa, não gosto de ouvir crianças dizendo isso — declarou Patrik. —


Sou muito mais velho do que você e ainda acredito em Papai Noel.

— Não acredita.

Patrik beijou os indicadores cruzados.

— Acredito. Todo ano escrevo uma carta com uma lista de presentes e
mando para o Pólo Norte.

Kayla riu.

— Ele manda a carta registrada e exige recibo do correio.

— Mas você já é grande, Patrik.

— Só por fora — voltou a falar Kayla, rindo ainda mais quando o marido
olhou sério para ela.

Patrik voltou ostensivamente as costas para a esposa e olhou para Anna


Jane.

— Às vezes é preciso acreditar em certas coisas, mesmo não havendo


prova.

Jarrett reparou que a sobrinha dele refletia sobre o que acabara de ouvir.
Sabia que ela se considerava madura para a idade, e acreditar em Papai Noel
ia contra o que devia entender por madura. Mas evidentemente gostava muito
de Patrik e Cole.
— É como o amor — exemplificou Elissa. — Nós não podemos vê-lo,
mas sabemos que ele existe.

— Talvez — disse Anna Jane. Depois olhou para Fabiana. — Você


acredita em Papai Noel?

— Acredito em milagres, o que é mais ou menos a mesma coisa.

Enquanto falava ela estendeu os braços. Aceitando convite, a menina foi


se sentar no colo da amiga.

Jarrett sentia um agradável contentamento. Havia passado muito tempo


sozinho, em parte por decisão própria, em parte por necessidade. Esquecera-se
de como era estar entre pessoas boas, participar de ocasiões agradáveis.
Acostumara-se à solidão e ao silêncio. Desde que se casara com Donald, Tracy
o convidara todos os anos para passar o Natal com a família dela, mas sempre
havia recusado. Agora, correndo os olhos pela sala de estar, vendo a bonita
árvore, os presentes amontoados embaixo, ouvindo a conversa animada,
percebia que havia se enganado ao evitar se aproximar da irmã. Era tarde
demais para mudar o passado, mas o futuro poderia ser diferente.

— Há uma porção de presentes — observou Anna Jane, com forçada


naturalidade, voltando-se no colo de Fabiana e dirigindo ao tio um olhar
inocente. — Tantos presentes. Amanhã levaremos horas para abri-los.

Jarrett conteve um sorriso.

— Dará muito trabalho — concordou, em tom solene.

Fabiana acariciou a perna da menina.

— Sei o que você está tentando conseguir, mas não vai dar certo.

Anna Jane abriu e fechou os olhos várias vezes.

— Não estou fazendo nada.

— Está, sim. Quer que os presentes sejam abertos esta noite.

— Eu não disse isso, mas é mesmo uma boa ideia, não acha?

Fabiana riu.

Jarrett não conseguia parar de olhar para aquelas duas. Era como se elas
fossem de uma mesma família, e não uma mulher e uma menina que
houvessem se conhecido havia poucos dias. Sem dúvida parte daquilo vinha
das necessidades mútuas. Anna Jane havia perdido recentemente todas as
pessoas importantes do mundo dela. Enquanto era Ariel, Fabiana perdera a
própria identidade. Essas perdas as haviam levado a estabelecer laços muito
mais fortes do que os de simples pessoas conhecidas.
— Jarrett, a decisão cabe a você — disse Fabiana, interrompendo os
pensamentos dele. — Anna Jane quer abrir só um dos presentes.

— Qual é a tradição na família de vocês? — ele perguntou.

As trigêmeas se entreolharam.

— Não havia uma tradição — disse Kayla. — Em alguns anos abríamos


os presentes na véspera do Natal, em outros esperávamos o dia seguinte.

Jarrett abriu os braços.

— Está certo. Um presente. Mas eu escolherei qual.

Fabiana olhou para ele, desconfiada.

— Por que quer escolher?

— Tenho meus motivos.

Anna Jane pulou ao chão e bateu palmas.

— Viva! Acho que vou gostar da surpresa.

Elissa olhou para Fabiana.

— Está pensando a mesma coisa que eu?

— Infelizmente, sim. Jarrett, você não fez isso, não é?

— Não fez o quê? — quis saber Anna Jane.

Kayla levou as mãos à cabeça.

— Ai, meu Deus, não vou suportar isso. Espero sinceramente que
estejamos enganadas.

Jarrett caminhou até a árvore e mexeu nos embrulhos até encontrar o que
queria. Finalmente pegou um pacote retangular de mais ou menos vinte
centímetros do comprimento.

— Não é — exclamou Kayla. — O tamanho é outro.

— A menos que seja a coleção toda — disse Fabiana, em tom sombrio.

— Esperem até que eu abra — sugeriu Anna Jane.

De pé ao lado da sobrinha Jarrett sorriu, ansioso para ver o resultado. As


trigêmeas haviam acertado o ele mal podia esperar para ver a reação de
Fabiana.
Anna Jane rasgou o papel vermelho e seis embalagens com fitas de vídeo
caíram no chão. Abaixando-se e pegando uma delas, a menina leu o título, a
princípio nem entender.

— As Aventuras de Sally McGuire. Mas... — Logo depois a expressão dela


se iluminou. — Oh, Tio Jarrett, é o filme que Fabiana fazia com as irmãs!

Fabiana havia se levantado, mas desabou no sofá e cobriu o rosto com as


mãos.

— Não posso acreditar que você encontrou os filmes.

— Pior que isso — lamentou-se Elissa. — Pense só onde estamos. Ele não
só encontrou os filmes como mandou buscá-los de avião.

— Pois eu estou achando ótimo — pronunciou-se Cole. — Acho esses


filmes ótimos.

— É porque você não aparece neles — resmungou Fabiana, mexendo-se


no sofá. — Não precisa passar pela humilhação de ser embrulhado e entregue
para presente.

— Concordo com Cole, porque os vídeos são ótimos — declarou Patrik,


olhando para Jarrett. — Onde fica o televisor aqui?

— Na sala de jogos — respondeu Jarrett, logo depois piscando o olho


para Fabiana. — Ah, estou adorando isso.

— Tratante — ela resmungou.

Patrik levantou-se e estendeu a mão para a esposa. Kayla emitiu um som


de aborrecimento.

— Você não vai querer ver isso, não é? Não tem graça nenhuma.

— É claro que quero. Será divertido.

Kayla balançou a cabeça, mas deixou que Patrik a pusesse de pé. Àquela
altura, Cole já empurrava Elissa na direção da escada.

Jarrett olhou para Fabiana.

— Não deve ser tão ruim assim.

Pondo-se de pé, ela jogou os cabelos para trás.

— Está redondamente enganado. Os filmes são horríveis. Eu adoro


minhas irmãs, mas isso não elimina o fato de que éramos péssimas atrizes.
Apesar do empenho da nossa mãe, não nascemos para a carreira artística.

Mesmo amuada ela se dispôs a subir.


Na frente da TV havia três sofás forrados de couro. Anna Jane voltou-se
para os adultos, que iam se acomodando.

— Já pus o filme no aparelho — anunciou a menina.

Jarrett piscou o olho.

— Ainda bem que você não está impaciente.

— Não, não estou — ela rebateu. — Vocês é que estão demorando muito.

— Comece logo o sacrifício — disse Fabiana, sentando-se pesadamente


num dos sofás.

Jarrett olhou para ela.

— Prometo não rir.

Anna Jane pressionando um botão do controle remoto e a tela se encheu


de brilho. Logo depois apareceu a mensagem advertindo que não se podia
fazer cópias piratas daquele filme.

— Li o texto atrás da capa — disse a menina, acomodando-se no sofá


entre Jarrett e Fabiana. — É uma história natalina sobre um bebê que é
deixado à porta de uma casa.

Elissa riu.

— É o meu episódio preferido.

Do outro lado da sala, Kayla mostrou a língua para a irmã.

— É compreensível.

Fabiana olhou para Jarrett.

— Naquela semana Elissa estava doente — explicou. — Acho que, na


história inteira, ela não aparece em nenhuma cena. Só trabalhamos Kayla e
eu... atuando pessimamente.

Depois dos letreiros, o filme começou. Um bebê se mexe dentro de uma


cesta deixada diante da entrada de uma casa. Flocos de neve espalham-se pelo
pavimento da rua.

Uma garotinha loira e de cabelos ondulados aparece num dos lados da


casa e vê o bebê. A surpresa a faz arregalar os olhos verdes.

— Oh, Deus! — exclama. — Alguém deixou um bebê diante da porta!


Kayla e Elissa quase tiveram uma crise de riso. Fabiana cobriu o rosto
com as mãos.

— Não quero ver isso.

Depois de observar a menina que aparecia na tela, Jarrett voltou os olhos


para ela.

— É você?

Ela abriu os dedos e olhou rapidamente para a tela.

— Sim. Não está vendo o talento natural da atriz?

— Eu estou gostando — declarou Anna Jane.

— Obrigada, doçura. Pelo menos a história é interessante.

O filme mostrava as peripécias de Sally para manter o bebê escondido,


com medo de que o tomassem dela. Mais tarde, eles são descobertos e a
criança é adotada.

A última cena mostrava todas as crianças do orfanato cantando diante da


árvore de Natal, enquanto um sorridente e jovem casal exibe o bebê recém-
adotado.

Anna Jane aprumou-se no sofá e suspirou.

— Acho que não gostaria de viver num orfanato.

Fabiana passou o braço por cima dos ombros dela.

— Querida, o que você viu foi apenas uma história inventada. Nenhuma
daquelas crianças realmente vivia num orfanato. Estavam atuando, como
minha irmã e eu.

— Mas algumas crianças vivem em orfanatos.

— Algumas, mas não muitas. Você não.

— Ah, não se preocupe — disse Jarrett, acariciando a mão da sobrinha.


— Estou aqui para tomar conta de você.

Anna Jane abriu muito os olhos castanhos.

— Promete que nunca me mandará para um orfanato, mesmo que eu seja


uma menina muito má, muito má mesmo?

— Prometo. Eu não poderia fazer isso, Anna Jane. Morreria de saudade


de você.
A garota pareceu pesar aquelas palavras. Depois assentiu, como se
estivesse tomando uma decisão.

— Também sentiria saudade de você — disse, logo em seguida saltando


do sofá. — Quero ver outro filme.

— Sei o que você está pensando — disse Fabiana a Jarrett, num tom
brando. — Não se preocupe. Está fazendo um grande trabalho com ela.

— Gostaria de poder ter a mesma certeza.

— Sou a especialista no assunto, lembra-se? O tempo todo observo o


relacionamento entre pais e filhos. Confie em mim. Vocês dois vão se dar
muito bem... Pelo menos até que ela tenha idade para tirar carteira de
motorista.

— Não me lembre disso.

Jarrett olhou para a sobrinha, que naquele momento trocava o filme. Não
havia desejado a responsabilidade de educar uma criança, mas agora que
Anna Jane estava ali não conseguia imaginar a vida sem ela. E como ficariam
as coisas? A menina precisava de escola, de amigos da mesma idade. Mas ele
não queria deixar a ilha. Duvidava que ela aceitasse a ideia de ir para um
internato, uma opção que ele também não via com bons olhos. Que
alternativas restavam? Como lembrara Fabiana, ele sempre podia voltar para
os Estados Unidos.

Jarrett ficou tenso, tentando expulsar as lembranças de antigos


sofrimentos. Mas sabia que não tinha escolha. Teria que fazer o melhor para a
menina, esforçando-se para esquecer o passado.

Elissa olhou para a lareira, onde agora só havia cinzas.

— Está ficando tarde.

Fabiana voltou os olhos para o antigo e bonito relógio encostado na


parede.

— Quase meia-noite.

Elissa sorriu e alisou o braço da irmã.

— Feliz Natal, Fabiana. Estamos felizes por tê-la de volta.

— E eu estou feliz por ter voltado. — Fazendo uma pausa ela tomou um
gole de uísque. — Meses atrás, quando fazíamos planos para passar um Natal
tropical, quem diria que acabaríamos aqui?
— Tem razão. — Elissa acomodou-se melhor no sofá. — Onde foi isso?
Na casa de Kayla, não foi?

— Foi, sim. Estávamos comemorando o nosso vigésimo quinto


aniversário. Ainda não se passaram seis meses. De lá para cá, veja só quanta
coisa mudou. Você voltou com Cole, Kayla casou-se com Patrik e já existe um
bebê a caminho.

No outro lado da sala Cole e Jarrett conversavam sobre negócios. Kayla e


Patrik já tinham ido dormir, assim como Anna Jane.

— Estou pondo minha vida em ordem — ela disse. — Tenho certeza de


que em mais alguns dias já estará tudo organizado.

— Esse tudo inclui Jarrett?

Fabiana pensou na pergunta.

— Eu tinha sentimentos por ele quando era Ariel, mas não sabia se já
estava envolvida com alguém, se era casada ou não.

— Agora sabe que é solteira.

— É verdade.

— Os sentimentos mudaram.

— Não, de forma nenhuma. Gosto dele. — Fabiana olhou para a bela


figura do homem em questão. — Ele é bonito, bondoso, inteligente,
engraçado... Como eu podia não gostar?

— Então qual é o problema?

Fabiana demorou para responder.

— Só quero ter certeza — disse, finalmente.

Elissa pôs o drinque sobre a mesa de centro.

— Às vezes é preciso correr um certo risco. Na vida nem tudo é seguro.

— Concordo, mas por enquanto vou esperar para ver o que acontece.

Elissa fechou os olhos.

— Kayla perguntou se vamos ligar para mamãe amanhã.

O bom humor de Fabiana se retraiu levemente.

— Claro. Nós desejaremos feliz Natal, ela passará quinze minutos nos
contando as novidades sobre os gêmeos e depois desligará.

— É como se nós não existíssemos mais para ela.


Fabiana torceu o canto da boca.

— Não estamos mais na TV. Era o sonho dela mas nós escolhemos outros
caminhos. Fico contente por os gêmeos estarem no cinema, se é isso o que a
faz feliz. Já resolvi o problema na minha cabeça e acho que a solução é não ver
a coisa como uma afronta pessoal.

— É difícil quando se trata da própria mãe.

— Pelo menos nós três sempre nos entendemos muito bem.

Cole e Jarrett levantaram-se.

— Vocês duas estão muito sérias — disse Cole, em tom de repreensão. —


É véspera de Natal e nenhuma tristeza é permitida.

— Sim, senhor — assentiu Elissa, sorrindo enquanto se levantava. Logo


depois, o marido passou o braço por cima dos ombros dela. — Boa noite para
vocês — ela se despediu.

— Boa noite — responderam Fabiana e Jarrett. Fabiana tomou o último


gole de uísque que havia no copo.

— Acho que também vou subir — disse, embora sem fazer menção de se
levantar.

Jarrett caminhou até o sofá e sentou-se ao lado dela.

— Em que está pensando?

Fabiana moveu a cabeça para olhá-lo. Ah, como queria correr os dedos
por aquele rosto de traços másculos

— Estou pensando que este Natal está sendo maravilhoso — disse. —


Embora um pouco estranho.

— O que há de estranho?

Fabiana sorriu.

— As janelas estão abertas e eu ouço as ondas quebrando. Até pouco


tempo atrás havia fogo na lareira, mas só para fazer a vontade de Anna Jane.
Não é estranho?

— Sente falta da neve?

— Não. Não neva em Los Angeles. Talvez uma vez a cada dez anos, mas
nunca no Natal.

— Pelo menos não precisamos ligar o ar-condicionado. Às vezes isso é


necessário.
— Quantos natais você já passou aqui?

— Uns cinco ou seis.

— Sozinho?

— Sim.

Fabiana pensou na própria família. Embora ela e as irmãs não tivessem a


proximidade da mãe e o pai estivesse morto havia muito tempo, pelo menos
tinham umas as outras.

— Isso nunca o aborreceu? — perguntou.

— Antes não. Agora, quando já experimentei estar com outras pessoas


nas festas, não sei se vou querer ficar sozinho no Natal. Hoje estava pensando
em todos os convites que Tracy me fez para passar o fim de ano com a família
dela. Talvez não devesse tê-los recusado.

— Agora tem Anna Jane — lembrou-o Fabiana. — Ela é maravilhosa e


fará com que você tenha sempre um Natal especial.

— E seus pais? — ele perguntou.

— Elissa e eu estávamos falando sobre isso. Eu gostaria que... — A voz


de Fabiana falseou. — É esquisito. Quando éramos pequenas e nossos pais
ainda estavam juntos, eu pensava que sempre seria daquele jeito. Eles
brigavam muito, mas na minha cabeça os pais de todas as crianças também
brigavam. Depois eles se separaram e alguns anos depois papai morreu. Nada
voltou a ser como antes.

— Sua mãe se casou novamente?

— Logo depois do divórcio. Ficou muito decepcionada quando minhas


irmãs e eu nos recusamos a continuar na televisão. — Fabiana não conseguiu
esconder a amargura enquanto dizia aquilo. — Agora tem gêmeos que
trabalham duro para subir no mundo do cinema. É o que ela sempre quis.

— Mas vocês não são íntimas dela — adivinhou Jarrett.

— Não. — Fabiana entristeceu-se ao se lembrar do passado. — É quase


como se os meus pais encarnassem o mito da televisão, o mito da família
perfeita com filhos perfeitos. Como isso não era realidade, eles não quiseram
continuar a farsa. Foi por isso que resolvi ser professora. As crianças são
inteiramente genuínas.

— Acho surpreendente você não ter uma dúzia de filhos.

— Eu gostaria.
Ela teria. No entanto, filhos significavam família, o que implicava um
marido, o pai das crianças. Até aquele momento não havia aparecido nenhum
homem que ela considerasse adequado para ocupar o lugar. A não ser Jarrett.
Outra vez Fabiana se surpreendeu ao se lembrar de quando lera o diário. Os
planos para o futuro não incluíam casamento.

— Como você sobrevive sozinho? — ela perguntou. — Até recentemente,


eu não havia percebido que era isso o que também planejava para mim. Mas
não é o que quero, embora ainda não saiba direito como mudar as coisas.

Jarrett dirigiu a ela um olhar cheio de tristeza.

— Eu não desejaria isso nem ao meu pior inimigo — declarou. — Não é


viver, é apenas existir. Você merece muito mais, Fabiana. Não desista.

— Não é o que eu quero, mas só que...

Como ela explicaria que ainda não havia aparecido ninguém que a
fizesse mudar de ideia.

— Você tem as suas irmãs — ele a lembrou.

— Não estou pensando exatamente nesse tipo de relacionamento.

Fabiana não havia percebido nenhum movimento, mas subitamente eles


pareciam muito próximos. Ela até sentia o cheiro que vinha do corpo de
Jarrett, algo que a deixou arrepiada.

— O que é que você quer? — ele perguntou, com brandura.

Fabiana não sabia o que responder. Não tinha certeza do que ele havia
perguntado. Mesmo assim uma palavra saiu dos lábios dela como se tivesse
vontade própria.

— Mais.

Num gesto fluido e natural ele a abraçou. Fabiana não resistiu, passando
um dos braços por cima dos ombros dele e usando os dedos para acariciá-lo
na nuca. Quando a cabeça de Jarrett foi se aproximando ela entreabriu os
lábios, pronta para o beijo.

Jarrett resistiu ao forte impulso de beijá-la. Por mais que a desejasse,


sabia que seria melhor manter-se controlado para saborear o beijo. Por isso,
conteve-se no último momento e apenas roçou a língua pelo lábio inferior de
Fabiana. Ela estremeceu e murmurou o nome dele. Os dedos que o
acariciavam na nuca apertaram aquela região. As pernas dela moviam-se,
inquietas, como se também estivessem dominadas pelo desejo.
Jarrett segurou nas faces dela com as duas mãos. Depois de acariciar a
pele macia com a ponta dos dedos, traçou com a ponta da língua o contorno
dos lábios que se abriam para ele. Então o beijo foi inevitável, um beijo
profundo, ansioso, acompanhado por movimentos cheios de sensualidade.

Abaixando a mão esquerda ele desceu até um dos seios dela, que cobriu
por inteiro. Depois de apertar levemente o macio monte, usou o polegar para
acariciar o endurecido mamilo. Fabiana moveu a cabeça para trás em busca de
ar. Quando ergueu as pálpebras, os olhos verdes refletiam o fogo do desejo.
Os lábios estavam molhados por causa do beijo.

— Jarrett, eu...

— Sim — ele disse, soltando o seio dela e trazendo-a contra o peito. — Eu


também.

Então, beijou-a na face, na testa, no nariz e finalmente na boca. Fabiana


apartou os lábios e ele penetrou vagarosamente, sensualmente, querendo
sentir por inteiro o gosto e a textura dela.

Jarrett suspeitou que, se passasse os dedos entre as macias coxas de


Fabiana, encontraria a região já umedecida. Obviamente o desejo dela era
comparável ao dele, o que tornava uma loucura a decisão já tomada de não
fazer amor naquela noite.

Se ela perguntasse o motivo ele não saberia explicar. Mas alguma coisa
dizia que ainda não era a hora. Fazer amor com Fabiana tinha que ser algo
completamente diferente de fazer amor com qualquer outra mulher. Ela já
invadira a vida dele, mas Jarrett ainda não estava pronto para ter também a
alma invadida.

Olhando para Fabiana ele sorriu.

— Já é tarde. Devíamos estar na cama.

Fabiana abriu muito os olhos.

— Em camas separadas — explicou Jarrett.

Havia perguntas no semblante dela, perguntas às quais ele não saberia


responder. Não sabia muito bem por que recuava. Talvez fosse um erro, mas
não era o que ele pensava.

O grande relógio deu as horas e o som melodioso interrompeu aqueles


pensamentos. No mesmo instante os dois voltaram o rosto para o mostrador
do relógio. Meia-noite.

— Feliz Natal — disse Jarrett.


Fabiana levantou-se. Depois dobrou-se para a frente e depositou um
beijo terno nos lábios dele.

— Feliz Natal, Jarrett. E obrigada.

14

— Você tem que sorrir, titio.

Jarrett olhou para a sobrinha e, obedientemente, sorriu. A menina pôs na


frente do rosto a câmera novinha em folha e apertou o disparador. Tirada a
foto ela riu.

—É divertido.

Ele teve que concordar. Parecia que um redemoinho havia passado pela
sala de estar. Por todos os lados viam-se caixas jogadas, papel rasgado, fitas e
laços de diferentes tamanhos. Risonhas, as pessoas comentavam os presentes
recebidos.

Sentado no chão, Jarrett sorriu sozinho. Como tudo estava diferente. E


nada daquilo estaria acontecendo se uma garotinha de nove anos e uma
mulher fantástica não houvessem aparecido na vida dele.

— Você parece contente por algum motivo — disse Fabiana.

Aproximando-se ela sentou-se no chão ao lado dele e cruzou as pernas.


Embora fosse Natal, fazia calor e todos usavam short. Fabiana estava com os
cabelos soltos, que parecia ser o jeito que mais a agradava. A pouca
maquiagem acentuava os olhos grandes e a boca tentadora.

— Finalmente entendo a moral da história Uma Canção de Natal, de


Dickens — ele disse. — Sei exatamente o que o vilão sentia na manhã seguinte.

— Não me diga que andou vendo fantasmas — atiçou-o Fabiana.

— Não exatamente, mas tirei minhas conclusões.

— Isso é bom.

—Você é parcialmente responsável.


Um leve rubor apareceu nas faces dela.

— Que nada, Jarrett. Você conseguiu tudo isso sozinho. Eu apenas


apressei as coisas. Se não houvesse aparecido, você acabaria descobrindo o
que fazer.

— Não a tempo de fazer com que Anna Jane tivesse um Natal agradável.

— Está se subestimando.

Bem que ele queria que ela estivesse certa, mas sabia que não. Desde a
chegada de Anna Jane até o aparecimento de Ariel, havia se enterrado no
trabalho porque sabia que isso era mais fácil do que aprender a lidar com uma
criança. Estremecia ao pensar na possibilidade de que a menina ficasse
desapontada com ele. Graças a Deus Fabiana o ajudara a inverter a situação.

Kayla disse alguma coisa que chamou a atenção de Fabiana. Jarrett olhou
para os felizes casais presentes e sentiu inveja. O amor entre um homem e uma
mulher ainda o aterrorizava. Sabia o que custava amar uma pessoa excluindo
as demais. Seria mais seguro ficar sozinho. Mesmo assim...

Jarrett suspirou. Estar perto de Fabiana fazia com que ele quisesse mais.
E justamente por querer mais não fizera amor com ela na noite anterior.

Então, sorriu sozinho ao pensar na contradição daquele pensamento. Se


não desejasse tanto Fabiana, certamente a teria levado para a cama. O
pensamento teve um desdobramento. Se ele não quisesse mais do que o
simples prazer físico, nada o impediria de buscar conforto no lindo corpo
daquela mulher. Aqueles sentimentos confusos complicavam a situação.

Anna Jane parou na frente dele.

— Foi um Natal maravilhoso, tio Jarrett. Obrigada.

Jarrett moveu a cabeça para o lado.

— Há dois outros presentes.

A menina arregalou os olhos e vagarosamente foi abrindo um sorriso.

— Verdade?

— Verdade. Um para você e outro para Fabiana. Fico surpreso por vocês
não terem encontrado.

Anna Jane afastou-se para olhar embaixo da árvore.

— Não há nada aqui.

— Olhe nos galhos mais baixos. Foi onde eu os pus.


Anna Jane olhou para cima.

— Ah, lá estão!

Depois de entregar a câmera a Cole, ergueu os braços para pegar os


embrulhos. Um deles era de uma caixa quadrada de uns oito centímetros,
enquanto o outro devia ter uns quinze por vinte centímetros. Anna Jane leu as
etiquetas e entregou a Fabiana o presente maior.

— Os dois são de tio Jarrett — disse.

Fabiana apontou para os presentes amontoados a um canto da sala.


Havia livros, uma camiseta com o logotipo do hotel, alguns frascos de
perfume e uma caixa grande de bombons importados.

— Você já me deu presentes demais, Jarrett.

Ele deu de ombros.

— Mas esse é diferente — disse, logo em seguida se dirigindo à sobrinha.


— Tem que abrir o seu primeiro, Anna Jane.

A menina rasgou o papel e levantou a tampa da caixa. Soltou um suspiro


de puro contentamento quando ergueu uma delicada corrente de ouro com
um pingente.

— Ele é lindo — disse, fascinada. — Tio Jarrett, é a coisa mais linda que
eu já vi.

Depois estendeu a mão para ele, mostrando a jóia. O joalheiro havia


operado um milagre, e em tempo recorde. Como ele havia encomendado, o
pingente era uma linda sereia de cabelos ondulados e sorriso encantador.
Usava uma tiara de pequenas pérolas. Tinha os braços estendidos, como se
oferecesse um presente. Os minúsculos dedos seguravam um diamante.

Fabiana sentiu-se numa situação mais perigosa do que nunca.

— É muito bonito — disse.

As irmãs dela imediatamente se aproximaram.

— Sim, é lindo — concordou Elissa. — Mas por que uma sereia?

— Eu não me lembrava do meu nome e Anna Jane me chamou de Ariel,


por causa da sereia de um filme de Walt Disney. É que fui trazida pelas águas.

— Ah, que lindo — murmurou Kayla. — Por causa do clima de Natal e


dos meus hormônios, acho que vou chorar.

Anna Jane entregou a jóia a Jarrett e virou-se de costas.


— Ponha em mim, tio Jarrett. Quero usá-lo já.

Depois que a corrente foi ajustada, a menina se voltou e, num gesto


rápido, saltou no pescoço dele.

— Eu te adoro e adorei o presente.

— Sua pestinha — ele disse, sorrindo e apertando-a contra o peito. —


Fico feliz com isso.

Ainda nos braços do tio, Anna Jane olhou para Fabiana.

— Abra o seu.

Fabiana não ousava olhar para Jarrett ou para a menina. Rasgou o papel
do presente e soltou-o no chão. A caixa era aveludada e de um cinza bem
claro. Quando ela ergueu a tampa, conteve a respiração. Em vez de um
pingente estava ali um colar de pérolas legítimas, absolutamente iguais e
reluzente como a luz da manhã.

— Oh, meu Deus — ela murmurou, achando que jamais vira nada tão
lindo. Elissa e Kayla a cercaram.

—Ah, isso é que é presente! — exclamou Kayla.

— E não vai demorar muito para que eu lhe peça emprestado.

Fabiana sorriu com os lábios trêmulos.

— Jarrett... este colar deve ter custado muito dinheiro. Não posso aceitar.

As irmãs dela arregalaram os olhos.

— Ficou louca? — perguntou Elissa.

— Ele está oferecendo a você — argumentou Kayla.

— Não está, Jarrett?

— Claro. Se não fosse assim não teria encomendado o colar.

Fabiana arriscou um rápido olhar para Jarrett, que mostrava um largo


sorriso.

— Não se preocupe — ele disse, com naturalidade. — Não representará


um rombo muito grande nas minhas finanças.

Anna Jane aproximou-se por trás de Fabiana e pôs as mãos nos ombros
dela.

— Ah, é lindo, tio Jarrett, mas pensei que haveria uma sereia.
— Mas há — ele disse, apontando para um pequeno pacote no centro da
caixa.

Com dedos trêmulos Fabiana pegou o embrulho, que era bem pesado.
Depois de soltar a caixa vazia no chão ela rasgou o papel e pôs os olhos numa
sereia de ouro bem maior que a que Anna Jane havia ganho. Mas o formato
era o mesmo. As únicas diferenças eram que a sereia não tinha tiara de pérolas
e segurava um diamante bem maior.

— É para que você se lembre dela — explicou Jarrett.

— De Ariel ou de Anna Jane?

— Das duas.

— Eu não... não sei o que dizer — gaguejou Fabiana, atarantada.


Sentindo umidade no rosto, ela ergueu a mão e constatou que estava
chorando.

Anna Jane, esta muito sorridente, chegou bem perto dela.

— Diga "obrigada".

— Eu realmente não devia aceitar.

— Fabiana! — exclamaram Kayla e Elissa, ao mesmo tempo.

— Eu... — Depois de morder o lábio ela olhou para Jarrett com a cabeça
abaixada. — Obrigada.

Ainda segurando a sereia, ajoelhou-se e abraçou-o. Olhando por cima do


ombro de Jarrett viu Kayla fazendo sinal de positivo com o polegar erguido,
ao mesmo tempo que sorria para ela.

Controlando as lágrimas, Fabiana riu de alegria, perguntando-se se já


passara por um momento tão perfeito em toda a vida.

— Isso é loucura — disse Fabiana. — Eu me recuso a chorar. Nós vamos


nos ver de novo dentro de poucas semanas.

Elissa abraçou-a demoradamente.

— Mesmo assim é muito tempo. Ah, estas férias foram maravilhosas.

Depois a irmã de Fabiana abaixou-se para abraçar Anna Jane. A menina


não tentava reter as lágrimas.

— Vou sentir saudade de você, doçura — disse Elissa.

— Eu também. Queria que vocês não fossem embora.


Jarrett pôs a mão no ombro da sobrinha.

— Eles voltarão.

Kayla riu.

— Pode contar com isso — disse, esticando a camiseta por cima da


barriga que começava a aumentar. — E na próxima vez estarei magrinha e
bonita outra vez.

— Você já é bonita — declarou Jarrett. — A gravidez só realça a sua


beleza.

— Ei, essa é a minha fala — interferiu Patrik, para logo depois abrir um
largo sorriso.

Kayla aproximou-se da irmã e abaixou a voz.

— Segure esse sujeito, Fabiana. Não há muitos como ele por aí.

Fabiana tinha que concordar. Não saberia explicar como, mas estava
tendo sorte com Jarrett. Por providência dele, ela e a família tinham passado o
melhor Natal da vida.

A irmãs se abraçaram enquanto os homens se apertavam as mãos. Um


por vez, todos beijaram Anna Jane na face. Bravamente, ela acenou quando
eles entraram no jatinho que os levaria a Miami.

— Adeus — disse, quando a porta do avião se fechou.

Jarrett pegou a sobrinha no colo e passou o braço em volta de Fabiana.

—Amanhã é véspera de ano novo — ele disse, dirigindo-se às duas. — É


por isso que vocês estão tão tristes?

Anna Jane fungou.

— Vamos ter uma festa?

— Claro. Iremos ao hotel, onde haverá uma grande festa.

Um sorriso apareceu no rosto molhado da menina.

— Posso ficar lá até meia-noite?

— Se aguentar ficar acordada, pode.

Fabiana riu com eles. Assim como Anna Jane, estava triste por ver as
irmãs partirem, mas a perspectiva de dançar nos braços de Jarrett no dia
seguinte era compensadora. Ela havia comprado um vestido bem sexy na
butique. A ocasião seria perfeita para estreá-lo. Queria impressionar Jarrett. E
talvez deixá-lo um pouco desequilibrado. Seria justo. Ele fazia a mesma coisa
toda vez que olhava para ela.

O salão de baile do hotel estava decorado por uma profusão de balões


coloridos e serpentinas. Luas e estrelas pretas, douradas e prateadas cobriam
as mesas e penduravam-se nas estreitas fitas de papel. Uma orquestra fora
trazida de avião dos Estados Unidos e a seleção de jazz contemporâneo que
estava sendo tocada fazia com que a pista de dança ficasse permanentemente
cheia. Anna Jane fazia um enorme sucesso com os garotos hospedados no
hotel.

— Ela está se divertindo um bocado — disse Fabiana, enquanto dançava


com Jarrett.

Ela seguia os passos dele, mas sem perder de vista a menina.

— A bela do baile — resmungou Jarrett.

— Sorte dela se há aqui mais meninos do que meninas. Mas acho que o
sucesso de Anna Jane não diminuiría se essa proporção fosse inversa.

Ela estava falando sem pensar. Jarrett apostaria a própria fortuna


naquilo. Fabiana sempre dizia o que lhe vinha à cabeça, sem se preocupar com
o que os outros podiam pensar. E a afeição que demonstrava sentir pela
sobrinha dele a tornava ainda mais fascinante. Ele a desejava, gostava dela, a
respeitava. Era uma combinação mortal.

A música terminou e eles se afastaram. Jarrett segurou no braço dela e


conduziu-a de volta à mesa. Sabia que muitos dos homens presentes os
observavam, certamente perguntando-se qual seria o tipo de relacionamento
que ele tinha com a estonteante criatura que o acompanhava. O pensamento o
fez sorrir. Os outros que olhassem, mas naquela noite nenhum deles tocaria
em nenhuma parte dela.

— Por que está sorrindo? — perguntou Fabiana.

— Estava pensando em como você está bonita.

— Obrigada — ela murmurou, levemente enrubescida. — É o vestido.

O vestido de fato ajudava um pouco. Começando no decote generoso,


que deixava exposta boa parte da região entre os seis, descia pela cintura,
envolvia as ancas tentadoras e parava cerca de oito centímetros acima dos
joelhos. O tecido brilhante tinha a mesma cor dos olhos dela. Os sapatos de
salto alto faziam com que as pernas parecessem ainda mais longas. Com os
cabelos presos, o que realçava os traços perfeitos do rosto, ela era mais uma
top model do que uma mulher comum. Talvez alguém pudesse apontar
naquele salão uma outra mulher mais bela ou mais sofisticada. Jarrett não se
importaria com isso. Fabiana era tudo o que ele via... Tudo o que queria ver.

Anna Jane estava esperando por eles à mesa. Terminando de beber um


copo de água ela se abanou.

— Vocês me viram dançando? Eu odiava aquelas lições de dança que


Nana B. me obrigava a tomar, mas agora estou gostando. Sei acompanhar
todos os ritmos. — Então a menina franziu o nariz. — Não vou ter que beijar
nenhum daqueles meninos, não é?

Jarrett levou um susto.

— Você não só não tem, como está proibida de fazer isso. Tem apenas
nove anos, Anna Jane. Que diabo...!

Fabiana pousou a mão no braço dele.

— Não exagere, tio Jarrett.

A voz calma obteve o efeito desejado. Anna Jane parecia apreensiva.


Inclinando-se ele a beijou na face.

— Sou o único menino que você beijará esta noite.

A garota riu.

— Você não é um menino, mas sim um homem feito. — Nesse ponto ela
abaixou a voz. — Mas é bom saber disso. Bobby disse que à meia-noite todos
se beijam. Não sei se vou gostar.

O garçom se aproximou com mais champanhe para os adultos e soda


para Anna Jane. A orquestra recomeçou a tocar e logo apareceu um outro
garoto para levar Anna Jane para o meio do salão.

— É uma loucura — disse Jarrett, observando enquanto a sobrinha dele


se afastava com o menino. — Como vou lidar com isso? Talvez deva mandá-
la para uma escola só para meninas.

Fabiana sorriu.

— Não vai adiantar. Ela descobrirá os garotos quando estiver pronta


para isso.

— Mas eu também não devo estar pronto? Ela não deve esperar até que
isso aconteça?

— Você nunca estará pronto. Mas podia ser pior.

— Como?
— Você podia ser pai de trigêmeas.

— Ah, isso eu não aguentaria. — Jarrett pegou na mão dela e puxou-a


para a pista de dança. — Por falar no tal beijo da meia-noite...

— O quê?

— Você também não está gostando da ideia?

Jarrett sentiu um arrepio só de pensar naquilo. Qual seria a reação dela?

— A expressão gostar da ideia não serve — ela declarou. — Estou


ansiosa para que chegue logo a hora.

Infelizmente não foi o que acabou acontecendo. Anna Jane adormeceu


antes das onze da noite e eles tiveram que voltar para casa. Jarrett carregou-a
para a cama. Fabiana acompanhou-o e tirou o bonito vestido de baile da
menina, vestindo-a com a camisola. Com todo cuidado, Jarrett cobriu a
sobrinha.

— Você podia ter ficado na festa — disse Jarrett a Fabiana, enquanto


Anna Jane se virava para o lado.

Fabiana balançou a cabeça.

— Não ficaria lá sem vocês. Mas foi muito divertido assim mesmo.

— Obrigado.

Jarrett perguntou-se se alguma outra mulher mostraria tão boa


disposição numa situação semelhante. Provavelmente tantas quantas as que
sentiriam prazer em pôr Anna Jane na cama.Depois de apagar a luz eles
saíram do quarto. Pela primeira vez em muito tempo, Jarrett não sabia o que
fazer. Não queria se afastar de Fabiana, mas não tinha certeza de que ela
queria por mais tempo a companhia dele. Talvez estivesse cansada. Ou farta
de estar com ele.

— Tenho champanhe lá embaixo — disse. — Se estiver com sono, porém,


pode ir dormir.

Fabiana caminhou alguns passos e parou diante da porta do quarto dela.

— Estou muito longe de ficar com sono.

Jarrett procurou não se deixar influenciar pelo fogo que via nos olhos
dela. Aquilo provavelmente acontecia sem o consentimento de Fabiana. Devia
ser resultado do clima da noite, da dança, do champanhe.

Mas podia ser algo inteiramente diferente. Talvez ela estivesse reagindo
com ele da mesma forma como ele reagia com ela. Podia ter certas
necessidades. Talvez o desejo da carne a dominasse, mantendo-a acordada até
aquela hora.

— Droga — ele resmungou, passando a mão nos cabelos.

— Qual é o problema?

— Estou tentando decidir se devo ou não ser um cavalheiro.

— Se me explicar a diferença, talvez eu possa ajudá-lo a decidir.

A voz melodiosa que pronunciou aquelas palavras o deixou ainda mais


tenso. Olhando para o que o generoso decote do vestido de Fabiana mostrava,
Jarrett imaginou o que sentiria se a despisse. O que ela estaria usando por
baixo?

— Se eu agisse como um cavalheiro, apenas a convidaria para tomar um


champanhe comigo lá embaixo.

Por alguns instantes Fabiana ficou olhando para ele, com os lábios
entreabertos.

— E como seria se não agisse como um cavalheiro?

— Entraria com você no seu quarto... e nós dois nos deitaríamos na sua
cama.

Por alguns instantes Fabiana o fitou. Jarrett estava nervoso. Sabia que
não morreria se fosse rejeitado, mas isso não seria nada bom.

Sem responder, ela ergueu a mão às costas e girou o trinco. A porta se


abriu, parecendo convidá-los a entrar.

— E então, Fabiana?

— Sempre se deu importância demais ao cavalheirismo — ela


murmurou.

15

Fabiana não quis acreditar que tinha tido tanta ousadia. Jarrett também
não devia estar acreditando, pela expressão que mostrava. Mas parecia feliz.
Fabiana ficou arrepiada quando Jarrett a beijou ternamente. Acariciou-o
na face enquanto ele traçava o contorno dos lábios dela com a língua. Já se
sentia quente, pronta para a entrega.

Depois, ele passou a beijar a sensível área por baixo da orelha direita
dela. Fabiana sentiu os seios levemente doloridos. As pernas tremiam e ela até
duvidou de que conseguiria continuar em pé. Apoiou-se nele com medo de
desabar no chão.

Quando Jarrett começou a lambê-la na garganta, o desejo dela aumentou


ainda mais.

— Jarrett — ela murmurou, apenas porque o som do nome a agradava.

— Diga que me quer — ele ordenou, beijando-a na região acima do peito


para logo depois percorrer com os lábios o vale entre os seios.

— Eu te quero — disse Fabiana, sem nenhuma dificuldade, como se já


houvesse pronunciado aquelas palavras milhares de vezes.

Jarrett acariciou-a nos ombros nus, continuando a beijá-la entre os seios.


Fabiana sentiu uma espécie de choque. Ficou com a pele instintivamente
arrepiada e arqueou o corpo para que ele tivesse mais acesso. Sentia os
mamilos endurecidos e queria ser tocada ali, como fora algumas noites antes.
Só que agora não queria que houvesse a barreira das roupas limitando a ação
dos dedos e dos lábios dele.

Jarrett percorreu com as mãos as costas dela e encontrou o zíper, que


imediatamente foi abaixado. Fabiana sentiu o vestido começando a escorregar
para o chão.

O primeiro impulso foi apanhá-lo para se cobrir. Depois lembrou-se de


que era Jarrett quem estava ali. Ela não só o deseja como também confiava
nele. Deixou que o vestido caísse livremente.

Jarrett afastou a cabeça para vê-la e murmurou uma palavra


incompreensível. Fabiana ficou ainda mais excitada quando viu o brilho de
admiração que havia nos olhos dele. Vagarosamente ele examinou o sutiã sem
alças que ela usava, a calcinha rendada.

Fabiana olhou para os ombros dele, meio orgulhosa, meio nervosa.


Queria que ele a desejasse. Queria vê-lo tremer em função da vontade de fazer
com ela as coisas mais loucas. O único problema era não saber o que fazer
quando chegasse a hora. Que Deus fizesse com que Jarrett mantivesse a
iniciativa.
Foi o que aconteceu. Depois de sorrir para ela, como se estivesse
prometendo o paraíso, ele se inclinou e tomou-a nos braços, erguendo-a do
chão. Instintivamente Fabiana passou os braços por trás do pescoço dele.

— Meu quarto é aqui — disse.

— Eu sei, mas tenho sonhado em tê-la na minha cama.

A sensualidade da voz e a confissão de que ele pensava no momento em


que eles estariam na cama só aumentaram o nervosismo de Fabiana. Talvez
ela devesse contar a ele a verdade.

— Jarrett, eu...

Jarrett a calou com um beijo, do qual ela participou com ansiedade,


enroscando a língua na dele. Não conseguia pensar em outro lugar para estar.
Era como se houvesse nascido nos braços dele.

Depois que eles entraram no quarto de Jarrett, ele fechou a porta com o
pé. Sem parar de beijá-la, pressionou um interruptor na parede e uma
lâmpada se acendeu num canto do quarto. A fraca luminosidade mostrou a
cama no centro do cômodo. Jarrett caminhou até lá e cuidadosamente a
deitou. Só então parou de beijá-la.

— Mudou de ideia? — perguntou. — Pararei no instante em que você


mandar.

Parar? Por quê?

— Não mudei de ideia — conseguiu dizer Fabiana, alcançando-o pela


gravata e puxando-o para perto.

Jarrett sorriu e tirou o paletó.

— Ótimo. Eu obedeceria, mas ficaria irritado como um urso ferido.

Outra vez ele a beijou, levando-a mais para o meio da cama. Fabiana
relaxou, buscando abrigo naquele peito poderoso.

Havia mais a explorar, muito a aprender. Então, ela o acariciou nos


ombros e nas costas. A cada toque, os músculos de Jarrett se retesavam e
relaxavam. O contraste da camisa fria com a pele quente a excitava.

Uma das pernas dele cobriu possessivamente as dela. Fabiana foi


deslizando a mão para baixo e sentiu quando passou pelo cós da calça de
Jarrett. Logo depois acariciava uma das nádegas dele. Esperando que o beijo
fosse suficiente para distraí-lo, correu o dedo pelo espaço que encontrou.
Instantaneamente ele moveu a pélvis para a frente e ela sentiu a pressão
de algo duro. Percebeu que era a essência da masculinidade de Jarrett... A
prova do quanto ele a desejava.

— Só queria que você soubesse o que fez comigo — ele disse, passando
uma mão por baixo dela para soltar a presilha do sutiã.

Finalmente conseguiu o que queria e soltou a peça íntima ao lado da


cama. Antes de tocá-la, olhou-a demoradamente.

— Você é linda — disse, fazendo com que Fabiana se sentisse realmente


bela.

Por enquanto. Para ele.

Jarrett apertou levemente a lateral da cintura dela antes de subir para


percorrer com os dedos os seios nus. Fabiana cerrou os punhos, quase
enfiando as unhas na palma das mãos. O calor entre as coxas aumentou e ela
sentiu uma forte necessidade de pressionar o corpo contra o dele.

Os dedos de Jarrett moviam-se em círculos num dos seios dela,


aproximando-se cada vez mais do mamilo. Fabiana concentrou-se no prazer
que aquilo proporcionava.

Finalmente ele a tocou no mamilo endurecido, usando o polegar. Para


não soltar um grito de puro prazer ela mordeu o lábio inferior. Depois fechou
os olhos. Jarrett mudou de posição, mas ela nem reparou nisso.

Depois ele cobriu com a boca metade do outro seio dela. A morna
umidade provocava um prazer entontecedor, que só aumentava por causa do
passeio da língua dele. Enquanto isso os dedos de Jarrett continuavam a
trabalhar no outro seio. Era como uma dança sensual, ponto e contraponto,
aumentando cada vez mais o desejo dela. Fabiana não conseguia falar e mal
respirava. Existiam apenas o homem e a mágica que ele criava.

Jarrett ergueu a cabeça, certamente para recuperar a respiração.

Não pare. Era o que ela queria dizer. Não pare de me tocar desse jeito. Não
pare de me fazer sentir essas coisas.

Jarrett leu aquele pensamento. Retornou a atenção para os seios de


Fabiana, ao mesmo tempo que descia com uma das mãos para enfiar os dedos
por baixo do elástico da calcinha dela. Desta vez ela ergueu os quadris, como
se quisesse ajudá-lo a alcançar um objetivo até aquele momento proibido.

Jarrett rasgou a frágil calcinha mas ela não protestou. Quando ele desceu
do seio até a região das costelas, o murmúrio dela mal pôde ser ouvido. Agora
Fabiana experimentava novos prazeres.
Jarrett mudou novamente de posição e ajoelhou-se entre as pernas dela.
Beijou-a na barriga, depois nas laterais das ancas. Usando as mãos, subia e
descia nas coxas dela. Sempre que alcançava a parte mais alta, o polegares
dele chegavam perigosamente perto do centro umedecido. Fabiana sentiu os
músculos fracos. Queria... Precisava...

— Jarrett — ela murmurou.

— Logo — ele prometeu.

Logo. Seria verdade? Iria ela finalmente passar pela experiência sobre a
qual tanto lera e ouvira falar? Veria o mundo se movendo e se sentiria às
portas do paraíso? Isso realmente aconteceria?

Antes que Fabiana pudesse pensar num jeito de fazer aquelas perguntas
sem parecer uma idiota, Jarrett abaixou a cabeça e pressionou a língua contra a
parte mais íntima dela. A sensação foi tão fantástica, tão maravilhosa que ela
nem pensou em protestar. Em vez disso, num gesto sem o menor pudor,
ergueu os joelhos e plantou os pés na cama.

— Faça mais — suplicou.

— Eu sabia que você gostaria — disse Jarrett, numa voz risonha.

Gostar não era exatamente a palavra que ela teria usado. Estava
adorando. As sensações que os movimentos da língua dele provocavam, a
mente turva, os gemidos involuntários que saíam da garganta dela... Tudo
aquilo era uma coisa de sonho. Racionalmente ela não acreditaria ser possível.

Jarrett a explorava e provocava, até encontrar um ritmo que a fez


embarcar numa viagem da qual não havia volta. Operava uma mágica entre as
coxas dela, aumentando a pressão e fazendo com que ela o chamasse pelo
nome. Finalmente usou um dos dedos para massagear o local que antes havia
percorrido com a língua.

Fabiana achou que não sobreviveria ao prazer. Sentia-se nas estrelas.


Serpenteava o corpo enquanto Jarrett a acariciava com o dedo ágil. Agora ela
entendia o que significava amar e ser amada.

Quando finalmente abriu os olhos, viu que Jarrett continuava ajoelhado


entre as pernas dela, agora a observando. Mostrava um sorriso de pura
satisfação masculina.

— Estou adorando — ele disse.

— Eu também.

Fabiana estendeu os braços abertos. Estava na hora.


— Venha para mim — ela o chamou.

Jarrett desabotoou a camisa e rapidamente se despiu. Depois estendeu a


mão para pegar uma embalagem de camisinha na gaveta do criado-mudo.
Enquanto punha o preservativo, Fabiana o acariciava no peito.

— Você é tão lindo — ela disse.

O elogio o deixou meio sem jeito.

— Homens não são bonitos.

— São, sim. — Os olhos verdes de Fabiana brilhavam. — Eu te quero,


Jarrett. Quero senti-lo dentro de mim. Quero que você seja o escolhido.

Jarrett quase perguntou o que ela estava querendo dizer. Quando ia fazer
isso, Fabiana abriu mais as pernas e movimentou os quadris para cima. Foi o
incentivo de que ele precisava. Ajeitou-se na entrada dela e vagarosamente foi
penetrando.

A leve resistência que encontrou não chamou a atenção dele na hora.


Estava ocupado demais em recuperar a respiração enquanto percorria com as
mãos o corpo suado de Fabiana. O músculo enrijecido penetrou-a mais fundo.
Os braços dela o envolviam pelo torso e os gemidos que emitia só o
encorajavam. Quando sentiu que a barreira se esticava ele parou.

A surpresa quase superou o desejo. Jarrett olhou-a nos olhos, sem saber
se havia entendido corretamente o que estava acontecendo.

— Fabiana?

— Não pare, Jarrett. Eu quero isso. Quero você.

Quero que você seja o escolhido. Agora ele entendia. Ela era virgem. Ou
tinha sido. Graças a ele, não era mais.

Como a barreira da virgindade dela, a consciência de Jarrett se partiu em


duas. Mesmo ele achando que devia parar, recuar, o instinto o mandava
prosseguir. Precisava estar dentro dela, com ela. Precisava fundir-se com
Fabiana num só corpo.

E agora era tarde para recuar. O corpo dela se oferecia, tentador demais.
Consumada a penetração, ele não saberia dizer quanto tempo ficou nos
movimentos de vaivém. Até que chegou ao orgasmo, despejando dentro de
Fabiana sucessivas descargas de sêmen e perdendo-se no prazer que aquilo
proporcionava.
Depois do último estremecimento, Jarrett saiu da posição em que estava
e sentou-se na beira da cama. A enormidade do que acabava de acontecer o
espantava. Que diabo havia passado pela cabeça daquela mulher?

— Jarrett? — Fabiana demonstrava alguma surpresa na voz. — Você está


bem?

— Eu deveria lhe fazer essa pergunta — ele disse. Por que uma coisa tão
maravilhosa o fazia sentir tanta amargura?

— Eu... eu não compreendo — declarou Fabiana. — Estou bem. Por que


não estaria?

Jarrett voltou-se para encará-la.

— Você era virgem.

Um leve sorriso moveu os lábios dela.

— Eu sei.

— Por que não me contou?

O sorriso desapareceu enquanto um ar de confusão aparecia nos olhos de


Fabiana.

— Acha isso um problema? Concordo que devia ter contado, mas nem
pensei nisso. Tudo o que queria era que fizéssemos amor. — Nesse ponto a
confusão dela se transformou em vergonha. — É porque não foi muito bom,
não é? Isto é... Porque você não soube o que fazer. Desculpe-me. Eu devia ter
pensado nisso.

O evidente sofrimento dela fez com que Jarrett se sentisse mesquinho.

— Não é isso — ele resmungou, querendo ter sabido a tempo.

Teria parado. Jamais havia levado uma virgem para a cama tendo
conhecimento disso. Não queria ter na lembrança aquela responsabilidade.
Queria ser livre para se afastar dela.

— Tem certeza? — perguntou Fabiana.

Sim, ele tinha certeza. Estar com ela era tudo o que havia querido. E
mais: pela primeira vez em muitos anos, fizera amor em vez de apenas fazer
sexo. Arriscara-se a se apaixonar, e acabava saindo como perdedor. Diabo de
mulher.

Jarrett contraiu os músculos do rosto.

— É um velho truque, Fabiana, e em geral dá resultados. Mas não


funcionará comigo. Desculpe, mas perdeu o seu tempo.
Ele ouviu o barulho que ela fez puxando o lençol para se cobrir,
certamente atingida por aquelas palavras duras. Enquanto era acariciada e
beijada por ele, não demonstrara preocupação com a nudez. Agora procurava
ansiosamente alguma coisa para se proteger. Jarrett sentiu pena e entregou a
ela a camisa que havia soltado ao lado da cama.

— Que história é essa? — perguntou Fabiana, vestindo rapidamente a


camisa e juntando as partes da frente. — De que truque está falando?

— Você está tentando me pegar numa armadilha.

Fabiana encolheu-se, como se acabasse de levar uma bofetada.

— Como pode dizer isso? Não foi uma armadilha. Eu gosto de você.
Pensei que também gostasse de mim. Pensei que... — Nesse ponto ela fechou
os olhos. — Pensei que me desejasse.

Ele a desejava, e era isso que piorava as coisas.

Fabiana abriu os olhos e olhou fixamente para ele.

— O que saiu errado, Jarrett? O que aconteceu de tão horrível para você
me punir desse jeito? Eu te amo.

Ela nunca havia mentido e agora certamente falava a verdade. Aquelas


palavras foram como o fio de uma lâmina na carne de Jarrett. Ele queria dizer
que não falara sério. Queria abraçá-la e murmurar palavras doces.

Mas não fez nada disso. Havia conhecido o risco de gostar, de tentar
fazer com que um relacionamento desse certo. Conhecia o preço do engano.

Fabiana jogou os cabelos para trás.

— Eu nunca passei por isso — disse. — Nunca havia compreendido o


que era amar alguém. Pensava que não era capaz, que o medo não me
deixaria... Mas isso não é verdade. Eu te amo, Jarrett. Pela primeira vez na
vida sinto o verdadeiro amor. E não estou com medo.

— Gostaria que você saísse.

Fabiana procurou se convencer de que Jarrett pedia que ela saísse do


quarto, mas sabia que ele a expulsava da ilha... e da vida dele. O homem não
queria ser amado. Por algum motivo, o precioso presente que ela acabava de
oferecer havia destruído tudo entre eles. Dizer que o amava só piorara as
coisas. Talvez ela conseguisse entender se soubesse o motivo, mas nada fazia
sentido.
Quando o dia amanheceu Fabiana estava sentada na cadeira, olhando
pela janela do quarto o céu se encher de claridade. Um avião partiria naquela
manhã e ela iria embora. A bagagem já estava pronta, esperando em cima da
cama. Bem que ela gostaria de não ter que levar as lembranças. Quase riu
quando pensou que daria tudo para voltar a ter amnésia.

Então fechou os olhos, perguntando-se pela milésima vez o que fizera de


errado. Como tudo se destruíra de um instante para outro? No primeiro
minuto Jarrett a brindava com as carícias mais íntimas, mostrando a mágica
que podia existir entre um homem e uma mulher, para no minuto seguinte
acusá-la que querer pegá-lo numa armadilha. Parecia até subitamente ter- e
transformado em outro homem.

Bem, havia uma coisa que precisava ser feita antes da partida. Fabiana
respirou fundo, levantou-se e caminhou para a porta. Viu em cima da
penteadeira a garrafa em que havia recebido a mensagem de Anna Jane.
Preferira não levá-la. Seria uma lembrança dolorosa demais.

Depois de descer a escada ela viu que a porta do escritório de Jarrett


estava parcialmente aberta. Quando se aproximou, sentiu a presença dele e
parou, procurando reunir coragem. Respirou fundo outra vez e entrou.

Jarrett estava sentado diante do computador, de costas para a porta.


Fabiana não se anunciou; não seria necessário, já que ele sabia que ela estava
ali. O tenso movimento dos ombros mostrou isso com clareza.

— Não me arrependo de ontem à noite — declarou Fabiana, orgulhosa


por falar com voz firme. — Não estava tentando pegá-lo em nenhuma
armadilha. Pensou que, por ter tirado a minha virgindade, eu esperava que se
casasse comigo?

Jarrett não respondeu nem se voltou.

— Eu não esperava nada — ela prosseguiu. — A não ser talvez que você
admitisse gostar de mim.

Fabiana engoliu em seco, procurando suportar o sofrimento que sentia.


Dizer aquelas palavras estava sendo mais difícil do que havia imaginado, mas
ela precisava dizer tudo antes que perdesse o controle.

— Sei o quanto é difícil confiar no amor, entregar-se por inteiro — disse.


— Sei porque também tinha muito medo disso. Vendo o que acontecia com
minha família, com meus pais, prometi a mim mesma que não deixaria que
nada me machucasse daquele jeito. Minha situação não se compara ao que
você sofreu, claro, mas sei muito bem o que está sentindo.

Silêncio total.
— Espero que um dia você ainda possa superar o passado, Jarrett. Espero
que ainda possa amar alguém o suficiente para confiar e entregar o coração.
Merece isso. Quanto a mim, acho que nunca deixarei de te amar. Minhas irmãs
sempre amaram apenas um homem cada uma e eu sou exatamente como elas.

Fabiana sentiu um nó na garganta.

— O que mais lamento é nós dois não podermos ter um relacionamento


igual ao que Elissa e Kayla têm com os respectivos maridos. Eu as invejo por
isso. Se ao menos...

Nesse ponto ela soltou o que podia ser um riso ou uma sucessão de
soluços.

— Se ao menos! Conhece alguma expressão mais estúpida? "Se ao


menos" não muda nada. Mas pensei que podíamos ser como eles. Obviamente
estava enganada.

Fabiana respirou fundo e apertou as mãos.

— Jarrett, quero sua permissão para levar Anna Jane comigo. Sou
professora e conheço as necessidades da menina. Gostaria muito de cuidar
dela como se fosse minha própria filha. Assim você não teria mais com que se
preocupar.

Jarrett pressionou vários botões no computador. Depois, vagarosamente,


voltou-se para olhá-la. O desconhecido de expressão indecifrável que ela havia
conhecido ao chegar ali estava de volta. Os olhos não mostravam nada.

— Não — ele disse, com rispidez. — Anna Jane ficará comigo.

— O que vai fazer com ela? Não pode deixá-la aprisionada nesta ilha, e
não é boa ideia mandá-la para um internato. A menina se sentiria
abandonada.

— Tem razão — ele concordou. — Vou me mudar para os Estados


Unidos. Assim ela poderá continuar comigo e frequentar uma escola, como
qualquer criança.

Fabiana sentiu-se esbofeteada. Jarrett não queria acreditar que ela havia
se oferecido por gostar dele, mas mostrava-se disposto a deixar a ilha em
atenção a Anna Jane. Seria melhor ela nunca ter sabido disso. Pelo menos não
se sentiria idiota por ter pensado que ele não era capaz de amar ninguém.
Agora sabia que ele amava a sobrinha e que simplesmente não a amava.

Fabiana procurou palavras para se despedir com dignidade, mas não


encontrou nenhuma. Em vez de falar, recuou até a porta, girou nos
calcanhares e subiu correndo a escada. No quarto teria privacidade para curar
as próprias feridas.

O barulho dos motores do jatinho tornava difícil falar, assim como as


lágrimas e o nó que Fabiana sentia na garganta.

— Terei saudade de você — disse, abraçando a menina com força.

— Eu também — respondeu Anna Jane, para logo depois soluçar. —


Todos os dias. Não quero que você vá embora, Fabiana.

— Eu sei. — Os cascalhos voavam, atingindo os joelhos dela, mas


Fabiana não se moveu. Tudo o que importava era aquela doce criança. —
Também não quero ir embora, mas isso é necessário. É a coisa certa a fazer.

— Por quê?

O grito da menina parecia vir do coração e Fabiana encolheu-se.

— É difícil explicar.

— Não gosta de mim nem de tio Jarrett?

— De todo o coração, mas às vezes gostar só não é o bastante.

— Tio Jarrett também gosta de você. Isso não basta?

Bastaria se fosse verdade. Mas não era e ela não podia obrigá-lo a isso.

— Escreverei para você — prometeu Fabiana. — Quando estiver


morando no continente, mande-me o seu endereço para que fiquemos em
contato. Talvez eu possa visitá-la.

Anna Jane abraçou-a.

— Prometa. Prometa que irá me visitar, que não se esquecerá de mim.

As lágrimas escorreram pelo rosto de Fabiana. Não podia haver no


mundo dor maior do que a que ela estava sentindo.

— Prometo — murmurou.
16

Anna Jane apertou a sereia de ouro, mas aquilo de nada adiantou.


Engoliu em seco, mas não conseguiu desfazer o nó da garganta. O dia estava
quente e ensolarado, mas sentia frio por dentro. Frio e um grande vazio.
Fabiana partira havia uma semana e nada mais era o mesmo.

Encolhendo-se na espreguiçadeira ao lado da piscina ela olhou para o


escritório do tio. Desde a partida de Fabiana, ele ficava lá quase o tempo todo.
Dias antes ela perguntara o motivo daquilo. Ouvira como resposta alguma
coisa sobre pôr as coisas em ordem, mas não acreditava mais nele. Tio Jarrett
podia não querer reconhecer, mas sentia tanta saudade de Fabiana quanto ela.

De onde estava, Anna Jane podia ver os ombros arqueados do tio.


Aparentemente ele não conseguia mais ficar com o corpo aprumado. Em geral
não queria jantar e, mesmo depois que todos se recolhiam, ficava
perambulando sozinho pela casa. A mãe de Anna Jane ficara assim depois da
morte do pai dela. Pelo menos tio Jarrett ainda falava com ela, embora não
muito frequentemente. Mas à noite ainda lia histórias para ela e era simpático.

Anna Jane esfregou o polegar na sereia de ouro. — Diga-me o que fazer


— murmurou. — Diga-me como melhorar as coisas.

Qual seria a resposta? Conversar com tio Jarrett? Mandar outra


mensagem dentro de uma garrafa?

Não. O que ela queria não era uma nova amiga, mas sim que Fabiana
voltasse. Uma mensagem não ajudaria. Também não adiantaria ligar
diretamente para Fabiana pedindo que retornasse. Intimamente Anna Jane
sabia que tinha alguma responsabilidade na partida da amiga. Alguma coisa
havia acontecido entre Fabiana e tio Jarrett, mas o quê? Fabiana não voltaria
enquanto a questão não se resolvesse.

E cabia a ela, Anna Jane, descobrir qual era o problema para tentar
resolvê-lo. Assim resolvida, ela se levantou e caminhou para a casa. Quando
se aproximou do escritório do tio, ergueu a cabeça e aprumou o corpo. Exigiria
ser ouvida. Faria com que ele entendesse que tudo tinha sido melhor quando
Fabiana estivera ali.
Quando entrou no escritório, porém, Anna Jane viu que o tio nem
mesmo fingia trabalhar. Olhava para um ponto fixo no espaço. Subitamente,
ele contraiu os músculos do rosto, como se fosse começar a chorar. A
possibilidade de ver o tio chorando a assustava e ela saiu rapidamente do
escritório, tomando o caminho da escada. Quando começou a subir, sentiu um
frio na espinha. As criaturas más haviam voltado.

As Ilhas Cayman eram tão belas quanto o folheto da agência de viagens


havia prometido. Sentada no banco do ônibus de turismo, Fabiana tentava
fingir algum entusiasmo. A idosa mulher sentada ao lado a toda hora
perguntava se ela estava bem. Fabiana assentia, dizendo-se apenas um pouco
cansada. Pelo menos isso era verdade, já que desde que partira da Ilha de
Santa Alícia ela não dormia bem.

Depois de passar três dias em Miami, havia conseguido a última cabine


disponível num navio de partida para um cruzeiro de duas semanas no
Caribe. Telefonou para as irmãs para avisá-las da viagem, mas desligou antes
que elas pudessem fazer muitas perguntas. Obviamente Kayla e Elissa
estavam curiosas para saber por que ela havia partido da casa de Jarrett tão
subitamente. Mais tarde as explicações seriam dadas. Mas não já. Não quando
a dor e a humilhação eram tão recentes.

O importante agora era sair daquela situação, que não podia se


perpetuar. Era preciso juntar os pedaços e seguir em frente.

Fabiana já havia escrito para Anna Jane duas vezes. Com um pouco de
sorte, logo receberia resposta da menina. Certamente não seria a mesma coisa
que estar lá, em contato direto, mas ajudaria um pouco. Seria mais do que ela
tivera com Jarrett.

A excursão de ônibus continuou e eles fizeram uma parada em Hell, um


pequeno posto do correio à beira da cratera de um vulcão. Os turistas
compraram cartões-postais, que despacharam dali mesmo. Fabiana
perambulou pelo lugar, ignorando os souvenirs e os outros passageiros. Apesar
de estar cercada por muita gente, jamais se sentira tão sozinha. Sentia falta dos
abraços de Anna Jane, do bom humor e da doçura da menina. Sentia falta do
riso de Jarrett, do toque dele, de tudo a respeito dele. Queria tê-lo para o resto
da vida, mas ele não a queria.

Sentando-se num banco de pedra e perguntando-se por quanto tempo


aquele abatimento duraria, consolou-se com o fato de que pelo menos havia
tentado. Uma vez na vida se entregara de coração, por inteiro. Não importava
o que havia acontecido, ela sempre saberia que tivera a coragem de pôr em
prática as próprias convicções. Amara sem restrições. Mais tarde seria capaz
de levar a vida sem pensar nele. Havia um mundo de coisas esperando por
ela. Certamente sobreviveria vivendo sozinha. Aliás, já tinha um bom
treinamento nisso.

Até que o mundo dele voltou a ser preto e branco, Jarrett não havia
percebido que havia se acostumado às cores. A casa era uma prisão e, embora
ele tivesse planos para ir embora dali, estava com a sensação de que aquela
atmosfera cinzenta e nebulosa o seguiria a qualquer lugar.

Depois de pressionar algumas teclas do computador ele se recostou na


cadeira, desistindo de fingir que trabalhava. Nada mais importava. As coisas
não estavam indo bem no hotel em Hong Kong mas ele não conseguia se
concentrar na busca de uma solução.

Havia deixado que ela partisse. Não existia outra forma de descrever a
coisa. Fabiana fora de bom grado à cama dele, oferecendo o mais precioso dos
presentes, e ele a descartara. Por puro medo. Porque, não importava o quanto
a desejasse, tinha pavor de que o passado se repetisse. Não queria ser
responsável por algo terrível que pudesse acontecer com ela.

A morte de Charlotte tinha sido uma tragédia sem sentido, mas ele
jamais havia amado a mulher. Culpando-se, havia se afastado do mundo. Até
o momento tudo correra bem. Ele se ajustara à vida solitária... Um ajustamento
até fácil, porque sempre vivera longe do que a maioria das pessoas
considerava normal. Até o aparecimento de uma misteriosa desconhecida. Até
que o riso franco de uma alma bondosa encontrasse espaço na vida dele. Até
que ele aprendesse o que era desejar e amar alguém.

Passos macios chamaram a atenção de Jarrett, que virou a cabeça e viu a


aproximação de Anna Jane. Uma dor parecida com a dele era vista nos olhos
da menina, que mostrava sem dificuldade o que ele havia se especializado em
esconder. O pior era não saber como melhorar as coisas para nenhum dos
dois.

Jarrett abriu os braços para a sobrinha. Anna Jane abraçou-o e sentou-se


no colo dele.

— Tenho uma coisa para lhe mostrar — disse a menina, erguendo um


envelope de tamanho médio.

Jarrett apertou os lábios. Sabia que naquela manhã ela havia apanhado
no hotel as cópias das fotos feitas na festa de Natal. Fotos de Fabiana e da
família dela.

— Quer ver? — perguntou Anna Jane.


Jarrett assentiu, apenas porque era o que ela queria. Fabiana era amiga
da menina, alguém de quem ela sentia falta. Falar sobre a amiga tornava as
coisas mais fáceis para Anna Jane. Ele faria o possível para não trazer mais
sofrimentos para a vida da sobrinha.

Anna Jane retirou as fotos do envelope. A primeira mostrava Kayla e


Elissa rindo. Havia instantâneos das irmãs com os respectivos maridos, de
Fabiana com as irmãs, de Anna Jane com cada uma das mulheres. Todos
estavam sorridentes. A contragosto, Jarrett se lembrou da ocasião. Tinha sido
o melhor Natal da vida dele.

Anna Jane foi passando vagarosamente as fotos, mostrando todas,


comentando as que gostava e as que não gostava. Jarrett via as imagens
sentindo aumentar o vazio dentro dele. Certa época havia pensado que estava
fazendo um favor a Fabiana ao "permitir" que ela passasse algum tempo com
ele e Anna Jane. No fim das contas, o favor havia partido dela. Conseguira
fazê-lo abrir o coração para a sobrinha.

Ao ver uma das fotos Jarrett sentiu os músculos tensos. Ele e Fabiana
apareciam juntos, no sofá. Ele falava com alguém que não aparecia na
imagem, mas ela o olhava fixamente. O amor que se via no semblante de
Fabiana era genuíno e poderoso, até ele reconhecia isso.

— Mamãe costumava olhar assim para papai — disse Anna Jane, com
meiguice.

— Eu sei — ele respondeu, com a garganta apertada.

— Fabiana ama você, tio Jarrett. Foi por isso que ficou zangado?

— Não.

Longe disso. O amor dela o honrava.

Então por que diabo a mandou embora? Não era a primeira vez que aquela
voz gritava na mente dele. Era preciso responder.

— Quando falei com Fabiana sobre amar Nana B. mais do que mamãe,
ela disse que não era errado amar uma pessoa mais do que outra. Garantiu
que nunca é errado amar. Disse também que não há nenhum problema em
sentir saudade da pessoa de quem se gosta. — Anna Jane pôs as fotos em cima
da mesa e olhou para ele. — Estou assustada, tio Jarrett. Estou triste porque
Fabiana foi embora. Não quero que você também vá embora.

— Não vou a lugar nenhum, querida — prometeu Jarrett. — Leona está


empacotando tudo porque você e eu vamos morar em Nova York. Você irá
para a escola durante o dia e voltará para casa à noite. Estarei sempre lá.
Prometo. — A menina não parava de olhar para ele. Não parecia convencida.
— Eu gosto muito de você, Anna Jane. Você é uma menina maravilhosa. É
sorte minha tê-la na minha vida.

— Mas o que acontecerá se não gostar mais de mim? Achava Fabiana


maravilhosa, mas deixou que ela fosse embora.

— Fui um idiota.

Ele falou sem pensar, logo vendo que dissera a pura verdade.

Anna Jane fez uma cara de surpresa.

— Não estou entendendo.

— Eu estava com medo. Tinha medo de amar Fabiana do jeito como sua
mãe amava seu pai, ou como Charlotte me amava.

— Quem é Charlotte?

— Ninguém que você conheça. Não posso explicar mais sobre isso, a não
ser que, quando você for crescida, poderá achar fácil não amar ninguém.

— Mas nesse caso não serei amada por ninguém.

Era a verdade simples de uma criança.

— Eu sei.

— Você ama Fabiana e ela o ama. Por que deixou que ela fosse embora?

Outra vez a mesma pergunta. E a resposta era que ele ficara com medo.

Havia acusado Fabiana porque só conhecia pessoas que queriam obter


algum benefício. Mas ela não era assim. Pelo contrário, oferecia sem esperar
nada em troca. Tudo o que queria era que ele aceitasse o amor oferecido e que
também a amasse. Estaria ele tão fechado que não podia concordar com isso?

— O que foi que eu fiz? — disse Jarrett, como se falasse consigo próprio.

— Você agiu de forma muito errada — respondeu Anna Jane. — Agora


vai ter que reconquistá-la. Não deve ser muito difícil. Os príncipes têm sempre
que reconquistar suas princesas. Você terá que dizer a Fabiana que a ama e
depois perguntar se ela quer ser sua esposa. — A menina abaixou a voz para
falar em tom de cumplicidade. — As mulheres gostam muito da parte do
casamento.

Jarrett apertou-a contra o peito.

— Onde você arranjou toda essa esperteza?


— Eu sempre fui esperta — disse Anna Jane, brincando com a sereia
pendurada no cordão de ouro. — Quer levar minha sereia quando for falar
com Fabiana? Ela lhe dará sorte.

Jarrett beijou-a na face.

— Que tal você ir comigo? Assim me dará sorte pessoalmente.

— Fala sério?

— Claro.

— Tio Jarrett, você é a pessoa de quem eu mais gosto no mundo.

Era a última noite do cruzeiro. Fabiana sorria enquanto participava da


polida conversa à mesa de jantar. Tinha certeza de que os outros passageiros
estavam fartos da cara de depressão dela e ficariam felizes em vê-la animada.
Fingiu estar feliz, mas nunca tinha sido muito boa com mentiras.

Sem sentir, ergueu a mão e tocou na sereia de ouro presa ao colar de


pérolas. A senhora sentada ao lado inclinou-se para o lado dela.

— Estou admirando o seu colar desde que chegamos aqui. Ele é lindo.

— Obrigada. Foi um presente de Natal.

A mulher sorriu.

— Obviamente de um admirador.

Fabiana obrigou-se a continuar simpática.

— Sim. Ele foi muito cortês.

— Até obrigá-la a ir embora com o coração em pedaços.

Fabiana tentou desenvolver uma certa indignação, mas tudo o que


conseguiu foi perguntar-se onde ele estaria naquele momento. O que estaria
fazendo? Pensava nela? Como estava Anna Jane?

O garçom caminhou na direção dela. Fabiana pegou o cardápio e tentou


prestar atenção nas palavras. Não estava com fome e teve medo de se
engasgar quando tentasse comer. Talvez devesse simplesmente voltar para a
cabine, parando com aquele fingimento. Talvez fosse melhor agir à moda
antiga, trancando-se para uma boa noite de lágrimas. Isso apressaria a cura.

Então fechou o cardápio.

— Não estou com muita fome.


— Ótimo, porque não estou preparado para anotar seu pedido. Tenho
um presente.

O rapaz fez um gesto para o lado esquerdo e um dos outros garçons se


aproximou com uma grande garrafa de vidro.

Fabiana não quis acreditar. O elegante recipiente era largo na base e se


tornava mais estreito à medida que subia, até alcançar o gargalo, que tinha
largura uniforme. De pronto ela reconheceu a garrafa.

Com medo de desviar os olhos para depois perceber que estava


enganada, pegou a garrafa e retirou a rolha. Havia um bilhete lá dentro.

Os outros passageiros à mesa a observavam, certamente curiosos.

— O que é isso? — perguntou a mulher ao lado.

— Ainda não sei.

Os dedos de Fabiana tremiam tanto que foi difícil desdobrar o papel.


Finalmente ela pôde começar a ler o que estava escrito.

Meu nome é Jarrett Wilkenson e tenho trinta e dois anos. Moro numa casa
muito grande numa ilha. Se você encontrar esta mensagem, espero que me perdoe por
ter sido tão idiota. Eu te amo e preciso tê-la na minha vida. Por favor, seja minha
amiga, minha amante, minha esposa. Por favor me diga que ainda não é tarde demais.

Fabiana ergueu a cabeça e viu Jarrett a poucos metros de distância. Ele


estava elegantíssimo, vestindo smoking preto, camisa branca engomada e
gravata- borboleta. Anna Jane estava ao lado dele. O vestido verde-esmeralda
realçava os cabelos pretos e os olhos castanhos da menina. A garota acenou
mostrando um sorriso largo, mas foi a expressão ansiosa de Jarrett que mais
chamou a atenção dela.

Chegando perto ele dobrou um dos joelhos, que encostou no chão.

— Perdão — disse, erguendo as duas mãos para segurar numa das dela.
— Eu tinha medo de amar porque achava que o amor significava sofrimento.
Mas o meu maior sofrimento é estar longe de você, que é a melhor coisa que já
me aconteceu. Você trouxe cores para a minha vida. Não consigo imaginar um
mundo sem você. — Nos olhos dele brilhavam as chamas do amor. — Não
tenho nada para oferecer. Você já tem uma família e dinheiro.

Fabiana sorriu.

— Acho que a sua fortuna é um pouco maior.


— Mas não o suficiente — ele rebateu. — Por favor, diga que me perdoa.
Farei qualquer coisa, basta me ordenar. Case-se comigo.

Fabiana saiu da cadeira e abraçou-se a ele.

— Eu te amo, Jarrett. Compreendo essa coisa de ter medo e preferir a


solidão. Não me preocupo com o resto.

— Então se casará comigo?

Fabiana assentiu.

— Sim. Quero estar com você para sempre. Quero criar Anna Jane como
se fosse nossa filha e talvez ter mais alguns para fazer companhia a ela.

Jarrett acariciou as costas dela.

— Obrigado. Juro que não vai se arrepender.

Em seguida, ele a beijou. Com o canto do olho Fabiana viu que Anna
Jane havia se aproximado para bater uma foto deles. Também ouviu o barulho
das filmadoras dos turistas sendo postas em ação. Logo eles estariam sendo
mostrados nas telas de TV de várias casas.

— O beijo vai nos deixar famosos — ela murmurou.

— Não gosto de nada pela metade.

Outra vez ele a beijou e Fabiana teve certeza de que tudo estava bem.
Quando Jarrett resolvia alguma coisa, nada o impedia de realizá-la. Ela teria
uma vida inteira de amor com aquele homem. Eles liquidariam os demônios
do passado e encontrariam a perfeita felicidade... juntos.

Epílogo

Sete anos mais tarde.

O diretor era um homem alto e magro que não parava de falar em captar
a "essência" do texto que seria encenado.
— Já faz vinte anos — disse Kayla, da cadeira onde estava sentada. — A
essência deve estar muito velha.

Elissa riu. Tentando não rir também, Fabiana olhou para as irmãs.

— Vocês estão impossíveis.

A sra. Beecham, uma mulher grisalha, baixa e franzina, aproximou-se


das três.

— Estou impressionada com vocês. Tornaram-se adultas fantásticas. As


famílias que construíram são maravilhosas.

— E devemos isso à senhora — declarou Kayla à idosa mulher. Elas


estavam sentadas em meio-círculo diante de várias câmeras de televisão, num
estúdio de Los Angeles. — Ainda me lembro de quando a senhora nos disse
que o amor era como um furacão, mas acrescentando que não devíamos ter
medo quando ele aparecesse.

A sra. Beecham franziu a testa.

— De que está falando, menina?

— Era o que a senhora sempre dizia — pronunciou-se Elissa. — Para ter


certeza de que gostamos de um homem, teríamos que ficar arrebatadas. Como
se estivéssemos no meio de um furacão.

A sra. Beecham riu.

— Bobagem. Vocês deram atenção a isso?

— Moças! — bradou o diretor. — Agora será para valer. Atenção, por


favor.

— Silêncio! — gritou uma voz.

Fabiana ficou esperando até que o marcador a instruísse a começar.


Então, sorriu e olhou diretamente para a câmera.

— Boa noite e bem-vindo ao vigésimo aniversário de As Aventuras de


Sally McGuire. Não tente acertar a sintonia. O que você está vendo são
mesmo... — Por um segundo ela olhou para as irmãs. — ...trigêmeas. Nós três
fizemos uma personagem maravilhosa da qual nos lembramos muito bem.

Elissa tomou a palavra e explicou quem elas eram e por que haviam
participado as três do programa de televisão. Kayla falou em seguida,
relatando o que ela e as irmãs tinham feito depois de deixar a vida artística.

— Fabiana e eu temos meninos gêmeos — prosseguiu Kayla. — Elissa


teve trigêmeas.
Fabiana olhou para a esquerda. Nos bastidores as famílias esperavam.
Cada pai segurava o seu bebê no colo, enquanto Anna Jane tomava conta das
crianças maiores. Os gêmeos dela, de cinco anos, eram os que davam mais
trabalho. Mesmo assim, juntamente com Jarrett e Anna Jane, eram a maior
fonte de alegria da vida dela. Certamente Elissa e Kayla sentiam a mesma
coisa em relação aos próprios filhos.

Talvez a sra. Beecham não houvesse percebido o que dizia ao afirmar


que o amor era como um furacão, mas o conselho fora seguido. Prova disso
era o casamento de cada uma das trigêmeas.

FIM

SUSAN MALLERY vive no ensolarado sul da Califórnia, onde as


excentricidades de uma escritora são consideradas perfeitamente normais.
Seus livros, que invariavelmente cativam os leitores, frequentam a lista de
mais vendidos do Waldenbooks e da USA Today.

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