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Antes de procurar qual método convém ao estudo dos fatos sociais, importa saber quais fatos
chamamos assim.
A questão é ainda mais necessária porque se utiliza essa qualificação sem muita precisāo. Ela é
empregada correntemente para designar mais ou menos todos os fe-nômenos que se dão no
interior da sociedade,por menos que apresentem,com uma certa generalidade, algum inte-resse
social. Mas, dessa maneira,não há, por assim dizer, acontecimentos humanos que nao possam ser
chamados sociais. Todo individuo come, bebe, dorme, raciocina, e a sociedade tem todo o
interesse em que essas funçoes se exerçam regularmente.Portanto, se esses fatos fossem so-ciais,
a sociologia não teria objeto próprio, e seu domínio se confundiria com o da biologia e da
psicologia.
Esses tipos de conduta ou de pensamento não ape-nas são exteriores ao indivíduo,como também
são dota-dos de uma força imperativa e coercitiva em virtude da qual se impõem a ele, quer ele
queira, quer não. Certa-mente,quando me conformo voluntariamente a ela, essa coerção não se
faz ou pouco se faz sentir, sendo inútil. Nem por isso ela deixa de ser um caráter intrinseco des-
ses fatos, e a prova disso é que ela se afirma tào logo ten-to resistir. Se tento violar as regras do
direito, elas reagem contra mim para impedir meu ato, se estiver em tempo, ou para anulá-lo e
restabelecê-lo em sua forma normal,se tiver sido efetuado e for reparável, ou para fazer com que
eu o expie, se não puder ser reparadlo de outro modo.Em se tratandlo de máximas puramente
morais, a consciência pública reprime todo ato que as ofenda através da vigilân-cia que exerce
sobre a conduta dos cidladãos e das penas especiais de que dispòe. Em outros casos, a coerção é
menos violenta, mas não deixa de existir. Se não me sub-meto às convenções do mundo,se,ao
vestir-me, não levo em conta os costumes observados em meu país e em mi-nha classe, o riso
que provoco, o afastamento em relação a mim prodluzem, embora de maneira mais atenuada, oS
mesmos efeitos que uma pena propriamente dita. Ade-mais, a coerção, mesmo sendo apenas
indireta,continua sendo eficaz. Não sou obrigado a falar francês com meus compatriotas, nem a
empregar as moedas legais; mas é impossível agir de outro modo. Se eu quisesse escapar a essa
necessidade, minha tentativa fracassaria miseravel-mente. Industrial, nada me proibe de trabalhar
com pro-cedimentos e métodos do século passado; mas, se o fizer, é certo que me arruinarei.
Ainda que, de fato, eu possa li-bertar-me dessas regras e violá-las com sucesso, isso ja-mais
ocorre sem que eu seja obrigado a lutar contra elas. E ainda que elas sejam finalmente
vencidas,demonstram suficientemente sua força coercitiva pela resistência que opõem. Não há
inovador, mesmo afortunado, cujos em-preendimentos não venham a deparar com oposições
desse tipo.
20
Eis portanto uma ordem de fatos que apresentam ca-racterísticas muito especiais: consistem em
maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um podler
de coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele. Por conseguinte, eles não poderiam
se confundir com os fenômenos orgânicos,já que consistem em representações e em ações; nem
com os fenômenos psíquicos, os quais só têm existência na
21
consciência individual e através dela. Esses fatos consti-tuem portanto uma espécie nova, e é a
eles que deve ser dada e reservada a qualificação de sociais. Essa qualifica-ção lhes convém; pois
é claro que, não tendo o indivíduo por substrato, eles não podem ter outro senão a socieda-de,
seja a sociedade política em seu conjunto, seja um dos grupos parciais que ela encerra:
confissões religiosas, es-colas políticas, literárias, corporações profissionais,etc. Por outro lado, é
a eles só que ela convém; pois a palavra social só tem sentido definido com a condição de desig-
nar unicamente fenômenos que não se incluem em ne-nhuma das categorias de fatos já
constituídos e denomi-nados. Eles são portanto o domínio próprio da sociologia. É verdade que a
palavra coerção, pela qual os definimos, pode vir a assustar os zelosos defensores de um
individua-lismo absoluto. Como estes professam que o indivíduo é perfeitamente autônomo,
julgam que o diminuímos sem-pre quc mostramos que ele não depende apenas de si mesmo.
Sendo hoje incontestável, porém,que a maior parte de nossas idéias e de nossas lendências não é
ela-borada por nós, mas nos vem de fora,elas só podem pe-netrar em nós impondo-se; eis tudo o
que significa nossa definição. Sabe-se, aliás,que nem toda coerção social ex-clui necessariamente
a personalidade individuall.consciência individual e através dela. Esses fatos consti-tuem
portanto uma espécie nova, e é a eles que deve ser dada e reservada a qualificação de sociais.
Essa qualifica-ção lhes convém; pois é claro que, não tendo o indivíduo por substrato, eles não
podem ter outro senão a socieda-de, seja a sociedade política em seu conjunto, seja um dos
grupos parciais que ela encerra: confissões religiosas, es-colas políticas, literárias, corporações
profissionais,etc. Por outro lado, é a eles só que ela convém; pois a palavra social só tem sentido
definido com a condição de desig-nar unicamente fenômenos que não se incluem em ne-nhuma
das categorias de fatos já constituídos e denomi-nados. Eles são portanto o domínio próprio da
sociologia. É verdade que a palavra coerção, pela qual os definimos, pode vir a assustar os
zelosos defensores de um individua-lismo absoluto. Como estes professam que o indivíduo é
perfeitamente autônomo, julgam que o diminuímos sem-pre quc mostramos que ele não depende
apenas de si mesmo. Sendo hoje incontestável, porém,que a maior parte de nossas idéias e de
nossas lendências não é ela-borada por nós, mas nos vem de fora,elas só podem pe-netrar em nós
impondo-se; eis tudo o que significa nossa definição. Sabe-se, aliás,que nem toda coerção social
ex-clui necessariamente a personalidade individuall.
Entretanto, como os exemplos que acabamos de citar (regras jurídicas, morais, dogmas
religiosos, sistemas finan-ceiros, etc.) consistem todos em crenças e em práticas constituídas,
poder-se-ia supor, com base no que precede, que só há fato social onde há organização definida.
Mas existem outros fatos que, sem apresentar essas formas cris-talizadas, têm a mesma
objetividade e a mesma ascendên-cia sobre o indivíduo. É o que chamamos de correntes so-ciais.
Assim, numa assembléia, os grandes movimentos de entusiasmo ou de devoção que se produzem
não têm por
O QUE É UM FATO SOCIAL?
lugar de origem nenhuma consciência particular. Eles nos vêm, a cada um de nós, de fora e são
capazes de nos arre-batar contra a nossa vontade. Certamente pode ocorrer que, entregando-me a
eles sem reserva, eu nào sinta a pressão que exercem sobre mim. Mas ela se acusa tão lo-go
procuro lutar contra eles. Que um indivíduo tente se opor a uma dessas manifestações coletivas:
os sentimentos que ele nega se voltarão contra ele. Ora, se essa força de coerção externa se
afirma com tal nitidez nos casos de re-sistência, é porque ela existe,ainda que inconsciente,nos
casos contrários. Somos então vítimas de uma ilusão que nos faz crer que elaboramos, nós
mesmos, o que se impôs a nós de fora. Mas, se a complacência com que nos entre-gamos a essa
força encobre a pressão sofrida, ela não a suprime. Assim, também o ar não deixa de ser pesado,
embora não sintamos mais seu peso. Mesmo que, de nos-sa parte, tenhamos colaborado
espontaneamente para a emoção comum, a impressão que sentimos é muito dife-rente da que
teríamos sentido se estivéssemos sozinhos. Assim, a partir do momento em que a assembléia se
dis-solve, em que essas influências cessam de agir sobre nós e nos vemos de novo a sós, os
sentimentos vividos nos dão a impressão de algo estranho no qual não mais nos reco-nhecemos.
Então nos damos conta de que sofremos esses sentimentos bem mais do que os produzimos.
Pode acon-tecer até que nos causem horror, tanto eram contrários à nossa natureza. É assim que
indivíduos perfeitamente ino-fensivos na maior parte do tempo podem ser levados a atos de
atrocidade quando reunidos em multidão. Ora, o que dizemos dessas explosões passageiras
aplica-se identi-camente aos movimentos de opinião,mais duráveis, que se produzem a todo
instante a nosso redor, seja em toda a extensão da sociedade, seja em círculos mais restritos, so-
bre assuntos religiosos, políticos,literários,artísticos,etc.
6
Aliás,pode-se confirmar por uma experiência carac-teristica essa definição do fato social: basta
observar a ma-neira como são educadas as crianças.Quando se obser-vam os fatos tais como são
e tais como sempre foram,sal-ta aos olhos que toda educação consiste num esforço contínuo para
impor à criança maneiras de ver, de sentir e de agir às quais ela não teria chegado
espontaneamen-te. Desde os primeiros momentos de sua vida, forcamo-las a comer, a beber, a
dormir em horários regulares,for-çamo-las à limpeza, à calma, à obediência; mais tarde,
forçamo-las para que aprendam a levar em conta outrem, a respeitar os costumes, as
conveniências, forçamo-las ao trabalho, etc., etc. Se, com o tempo, essa coerção cessa de ser
sentida, é que pouco a pouco ela dá origem a hábitos, a tendências internas que a tornam inútil,
mas que só a substituem pelo fato de derivarem dela. É verdade que, segundo Spencer, uma
educação racional deveria repro-var tais procedimentos e deixar a criança proceder com toda a
liberdade; mas como essa teoria pedagógica jamais foi praticada por qualquer povo
conhecido,ela constitui apenas um desideratum pessoal, não um fato que se pos-sa opor aos fatos
que precedem. Ora, o que torna estes últimos particularmente instrutivos é que a educação tem
justamente por objeto produzir o ser social; pode-se por-tanto ver nela, como que
resumidamente, de que maneira esse ser constituiu-se na história. Essa pressão de todos os
instantes que sofre a criança é a pressão mesma do meio social que tende a modelá-la à sua
imagem e do qual oS pais e os mestres não são senão os representantes e os in-termediários.
22
Assim, não é sua generalidade que pode servir para caracterizar os fenômenos sociológicos. Um
pensamento que se encontra em todas as consciências particulares, um movimento que todos os
indivíduos repetem nem por isso
são fatossociais.Se se contentaram com esse caráter para defini-los,é que os confundiram,
erradamente, com o que se poderia chamar de suas encarnações individuais. O que os constitui
são as crenças, as tendências e as práticas do grupo tomado coletivamente; quanto às formas que
assu-mem os estados coletivos ao se refratarem nos individuos, são coisas de outra espécie.* O
que demonstra categorica-mente essa dualidade de natureza é que essas duas ordlens dle fatos
apresentam-se geralmente dissociadas.Com efei-to,algumas dessas maneiras de agir ou de pensar
adqui-rem, por causa da repetição, uma espécie de consistência que as precipita,por assim dizer,
e as isola dos aconteci-mentos particulares **que as refletem**. Elas assumem as-sim um corpo,
uma forma sensível que lhes é própria,e constituem uma realidade sui generis, muito distinta dos
fatos individuais que a manifestam. O hábito coletivo não existe apenas em estado de imanência
nos atos sucessivos que ele determina, mas se exprime de uma vez por todas, por um privilégio
cujo exemplo não encontramos no reino biológico, numa fórmula que se repete de boca em boca,
que se transmite pela educação, que se fixa através da es-crita. Tais são a origem e a natureza das
regras juridicas, morais,dos aforismos e dos ditos populares, dos artigos cle fé em que as seitas
religiosas ou políticas condensam suas crenças, dos códigos de gosto que as escolas literárias
estabelecem,etc. ***Nenhuma dessas maneiras de agir ou de pensar se acha por inteiro nas
aplicações que os parti-
22
·-Tanto não é a repetição que os constitui, que eles existem fora ds casos particulares nos quais
se realizam.Cada fato social consiste ou numa crença, ou numa tendência, ou numa prática, que è
a do grupo tomado coletivamente e que é muito distinta das formas em que cla se refrata nos
individuos." (Revue philosopbique, tomo XXXVII, Fmn./jun.1894,p.470.)
culares fazem delas, já que elas podlem inclusive existir sem serem atualmente aplicadas.***
Claro que essa dissociação nem sempre se apresenta com a mesma nitidez. Mas basta que ela
exista de uma ma-neira incontestável nos casos importantes e numerosos que acabamos de
mencionar, para provar que o fato social é distinto de suas repercussões individuais.
Aliás,mesmo que ela não seja imediatamente dada à observação, pode-se com freqüência realizá-
la com o auxílio de certos artificios de método*; é inclusive indispensável proceder a essa ope-
ração se quisermos separar o fato social de toda mistura para observá-lo no estado de pureza*.
Assim, há certas cor-rentes de opinião que nos impelem,com desigual intensi-dade,conforme os
tempos e os lugares, uma ao casamen-to, por exemplo,outra ao suicídio ou a uma natalidade mais
ou menos acentuada. etc. "Trata-se,evidentemente, de fatos sociais.* À primeira vista, eles
parecem insepará-veis das foras que assumem nos casos particulares. Mas a estatística nos
fornece o meio de isolá-los.Com efeito.eles são representados, não sem exatidão, pelas taxas de
natali-dade, de nupcialidade, de suicídios, ou seja, pelo número que se obtém ao dividir a média
anual total dos nascimen-tos,dos casamentos e das mortes voluntárias pelo total de homens em
idade de se casar, de procriar, de se suicidar2. Pois, como cada uma dessas cifras compreende
todos os casos particulares sem distinção, as circunstâncias indivi-duais que podem ter alguma
participação na produção do fenômeno neutralizam-se mutuamente e, portanto, não contribuem
para determiná-lo. *O que esse fato exprime é um certo estado da alma coletiva.
23
Eis o que são os fenômenos sociais,desembaracados de todo elemento estranho.* Quanto às suas
manifestacões
privadas, elas têm claramente algo de social, já que repro-dluzem em parte um modelo coletivo;
mas cada uma delas dlepende também, e em larga medida, da constituição or-gânico-psíquica do
indivíduo, das circunstâncias particu-lares nas quais ele está situado. Portanto elas não sao fe-
nômenos propriamente sociológicos. Pertencem simulta-neamente a dois reinos; poderíamos
chamá-las sociopsí-quicas. Essas manifestações interessam o sociólogo sem constituírem a
matéria imediata da sociologia. No interior do organismo encontram-se igualmente fenômenos
de na-tureza mista que ciências mistas, como a química biológica, estudam.
23
Mas, dirão, um fenômeno só pode ser coletivo se for comum a todos os membros da sociedade
ou, pelo me-nos, à maior parte deles, portanto, se for geral. Certamen-te, mas, se ele é geral, é
porque é coletivo (isto é, mais ou menos obrigatório), o que é bem diferente de ser coletivo por
ser geral. Esse fenômeno é um estado do grupo, que se repete nos indivíduos porque se impõe a
eles. Ele está em cada parte porque está no todo, o que é diferente de estar no todo por estar nas
partes.Isso é sobretudo evi-dente nas crenças e práticas que nos são transmitidas in-teiramente
prontas pelas gerações anteriores; recebemo-las e adotamo-las porque, sendo ao mesmo tempo
uma obra coletiva e uma obra secular, elas estão investidas de uma particular autoridade que a
educação nos ensinou a reconhecer e a respeitar. Ora, cumpre assinalar que a imensa maioria dos
fenômenos sociais nos chega dessa forma. Mas, ainda que se deva, em parte,à nossa colabo-ração
direta, o fato social é da mesma natureza. Um senti-mento coletivo que irrompe numa assembléia
não expri-me simplesmente o que havia de comum entre todos os sentimentos indlividuais. Ele é
algo completamente distin-to, conforme mostramos. É uma resultante da vida co-
10
mum, das ações e reações que se estabelecem entre as consciências individuais; e, se repercute
em cada uma de-las, é em virtude da energia social que ele deve precisa-mente à sua origem
coletiva. Se todos os coracões vibram em uníssono, não é por causa de uma concordância es-
pontânea e preestabelecida; é que uma mesma forca os move no mesmo sentido. Cada um é
arrastado por todos.
24
·"Pode-se defini-lo igualmente: uma maneira de pensar ou de agir que é geral na extensão do
grupo, mas que existe independente-mente de suas expressões individuais."(R.P.,p.472.)
11
outra forma da primeira; pois, se uma maneira de se con-duzir, que existe exteriormente às
consciências indivi-duais, se generaliza, ela só pode fazê-lo impondo-se3.
Entretanto,poder-se-ia perguntar se essa definição é completa. Com efeito, os fatos que nos
forneceram sua ba-se são, todos eles, maneiras de fazer; são de ordem fisio-lógica.Ora, há
também maneiras de ser coletivas, isto é, fatos sociais de ordem anatômica ou morfológica.A
socio-logia não pode desinteressar-se do que diz respeito ao substrato da vida coletiva. No
entanto, o número e a natu-reza das partes elementares dle que se compõe a socieda-dle, a
maneira como elas estão dispostas, o grau de coales-cência a que chegaram, a distribuição da
população pela superfície do território, o número e a natureza das vias de comunicação, a forma
das habitações, etc. não parecem capazes, num primeiro exame, de se reduzir a modos de agir,dle
sentir ou de pensar.
Mas, em primeiro lugar,esses diversos fenômenos apresentam a mesma característica que nos
ajudou a defi-nir os outros. Essas maneiras de ser se impõem ao indiví-duo tanto quanto as
maneiras de fazer de que falamos. De fato, quando se quer conhecer a forma como uma so-
ciedade se divide politicamente, como essas divisões se compõem, a fusão mais ou menos
completa que existe entre elas, não é por meio de uma inspeção material e por observações
geográficas que se pode chegar a isso; pois essas divisões são morais, ainda que tenham alguma
base na natureza fisica. É somente através do direito pú-blico que se pode estudar essa
organização,pois é esse dlireito que a determina, assim como determina nossas re-laições
domésticas e cívicas. Portanto, ela não é menes obrigatória. Se a população se amontoa nas
cidades em vez cle se dispersar nos campos, é que há uma corrente dle opinião, um movimento
coletivo que impòe aos indivi-
duos essa concentração. Não podemos escolher a forma de nossas casas,como tampouco a de
nossas roupas; pe-lo menos, uma é obrigatória na mesma medida que a ou-tra. As vias de
comunicação determinam de maneira im-periosa o sentido no qual se fazem as migraçoes
interio-res e as trocas, e mesmo a intensidade dessas trocas e dessas migrações,etc., etc. Em
conseqüência, seria, quan-do muito, o caso de acrescentar à lista dos fenômenos que
enumeramos como possuidores do sinal distintivo do fato social uma categoria a mais; e, como
essa enumera-ção não tinha nada de rigorosamente exaustivo, a adição nao seria indispensável.
Mas ela não seria sequer proveitosa; pois essas ma-neiras de ser não são senão maneiras de fazer
consolida-das. A estrutura política de uma sociedade nào é senão a maneira como os diferentes
segmentos que a compõem se habituaram a viver uns com os outros. Se suas relações são
tradicionalmente próximas, os segmentos tendem a se confundir; caso contrário, tendem a se
distinguir. O tipo de habitação que se impõe a nós não é senão a maneira como todos ao nosso
redor e, em parte, as gerações ante-riores se acostumaram a construir suas casas. As vias de
comunicação não são senão o leito escavado pela própria corrente regular das trocas e das
migrações, correndo sempre no mesmo sentido, etc. Certamente,se os fenô-menos de ordem
morfológica fossem os únicos a apresen-tar essa fixidez, poderíamos pensar que eles constituem
uma espécie à parte. Mas uma regra jurídica é um arranjo não menos permanente que um modelo
arquitetônico, e no entanto é um fato fisiológico. Uma simples máxima moral é, seguramente,
mais maleável; porém ela possui formas bem mais rígidas que um simples costume profis-sional
ou que uma moda. Há assim toda uma gama de nuances que, sem solução de continuidade, liga
os fatos
25
O QUE É UM FATO SOCIAL?
13
estruturais mais caracterizados às correntes livres da vida social ainda não submetidas a nenhum
molde definido. É que entre os primeiros e as segundas apenas há diferen-ças no grau de
consolidação que apresentam. Uns e ou-tras são apenas vida mais ou menos cristalizada. Claro
que pode haver interesse em reservar o nome de morfoló-gicos aos fatos sociais que concernem
ao substrato social, mas com a condição de não perder de vista que eles são da mesma natureza
que os outros. Nossa definição com-preenderá portanto todo o definido se dissermos: É fato
social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetivel de exercer sobre o individuo uma coerção
exterior; ou aindla, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma so-ciedade dada e, ao
mesmo tempo, possui uma existência propria,independente de suas manifestações individuaist.
24
CAPITULO II
26
No momento em que uma nova ordem de fenôme-nos torna-se objeto de ciência, eles já se
acham represen-faclos no espírito, não apenas por imagens sensiveis, mas por espécies de
conceitos grosseiramente formados. Antes clos primeiros rudimentos da física e da química, os
ho-mens já possuíam sobre os fenômenos físico-químicos no-cões que ultrapassavam a pura
percepção, como aquelas, por excmplo, que encontramos mescladas a todas as reli-giões. É que,
de fato, a reflexão é anterior à ciência, que apenas se serve dela com mais método. O homem não
pocle viver em meio às coisas sem formar a respeito delas icléias, de acordo com as quais regula
sua conduta.Acon-lece que, como essas noções estão mais próximas de nós
REGRAS RELATIVAS A OBSERVACAO DOS FATOS SOCIAIS
17
16
27
É claro que esse método não poderia dar resultados objetivos. Com efeito, essas noções, ou
conceitos,não im-porta o nome que se queira dar-lhes,não são os substitu-tos legítimos das
coisas. Produtos da experiência vulgar, eles têm por objeto, antes de tudo, colocar nossas ações
em harmonia com o mundo que nos cerca; são formados pela prática e para ela. Ora, uma
representação pode ser capaz de desempenhar utilmente esse papel mesmo sen-do teoricamente
falsa. *Copérnico*, há muitos séculos, dissipou as ilusões de nossos sentidos referentes aos mo-
vimentos dos astros; no entanto,é ainda com base nessas ilusões que regulamos correntemente a
distribuição de nosso tempo. Para que uma idéia suscite exatamente os movimentos que a
natureza de uma coisa reclama,não é necessário que ela exprima fielmente essa natureza; basta
que nos faça perceber o que a coisa tem de útil ou de desvantajoso, de que modo pode nos servir,
de que modo nos contrariar. Mas as noções assim formadas só apresen-
·"Galileu"(R.P.,p.476.)
REGRAS RELATIVAS A OBSERVAÇÃO DOS FATOS SOCIAIS
17
tam essa justeza prática de uma maneira aproximada e so-mente na generalidade dos casos.
Quantas vezes elas são tão perigosas como inadequadas! Não é portanto elabo-rando-as, pouco
importa de que maneira o facamos, que chegaremos a descobrir as leis da realidade. Tais noções,
ao contrário, são como um véu que se interpõe entre as coisas e nós, e que as encobre tanto mais
quanto mais transparente julgamos esse véu.
27
Tal ciência não é apenas truncada; falta-lhe também matéria de que se alimentar.Mal ela existe,
desaparece, por assim dizer, transformando-se em arte. De fato,supõe-se que essas noções
contenham tudo o que há de essenci-al no real, já que são confundidas com o próprio real. Com
isso,parecem ter tudo o que é preciso para que seja-mos capazes não só de compreender o que
é,mas de prescrever o que deve ser e os meios de executá-lo. Pois é bom o que está de acordo
com a natureza das coisas; o que é contrário a elas é mau, e os meios para alcançar um c evitar o
outro derivam dessa mesma natureza.Portanto, se a dominamos de saída, o estudo da realidade
presente no tem mais interesse prático, e, como esse interesse é a razão de ser de tal estudo, este
se vê desde então sem fi-nalidade. A reflexão é, assim, incitada a afastar-se do que é o objeto
mesmo da ciência, a saber, o presente e o passa-do.para lançar-se num único salto em direção ao
futuro. Em vez de buscar compreender os fatos adquiridos e reali-zilos, ela empreende
imediatamente realizar novos, mais conformes aos fins perseguidos pelos homens. Quando se crè
saber em que consiste a essência da matéria, parte-se logo em busca da pedra filosofal. Essa
intromissão da arte m ciência, que impede que esta se desenvolva, é aliás faci-· lit:ala pelas
circunstâncias mesmas que determinam o des-pertair da reflexão científica. Pois, como esta só
surge para satisfazer necessidades vitais, é natural que se oriente para
18
a prática. As necessidades que ela é chamada a socorrer são sempre prementes, portanto a
pressionam para obter resultados; elas reclamam, não explicações, mas remédios.
Essa maneira de proceder é tão conforme à tendência natural dle nosso espírito que a
encontramos inclusive na origem das ciências físicas. É ela que diferencia a alquimia da química,
bem como a astrologia da astronomia. É por ela que Bacon caracteriza o método que os sábios de
seu tempo seguiam e que ele combate. As noções que acaba-mos de mencionar são aquelas
notiones vulgares ou prae-notiones' que ele assinala na base de todas as ciências, nas quais elas
tomam o lugar dos fatos3. São os idola, fan-tasmas que nos desfiguram o verdadeiro aspecto das
coi-sas e que, no entanto, tomamos como as coisas mesmas. E é por esse meio imaginário não
oferecer ao espírito ne-nhuma resistência que este, não se sentindo contido por nada, entrega-se a
ambições sem limite e julga possível construir, ou melhor, reconstruir o mundo com suas forcas
apenas e ao sabor de seus desejos.
28
Se foi assim com as ciências naturais, com mais forte razão tinha de ser com a sociologia. Os
homens não espe-raram o advento da ciência social para formar idéias sobre o direito, a moral, a
família, o Estado, a própria socieda-de; pois não podliam privar-se delas para viver. Ora, é so-
bretudo em sociologia que essas prenoções, para retomar a expressão de Bacon, estão em
situação de dominar os espíritos e de tomar o lugar das coisas.Com efeito, as coi-sas sociais só se
realizam através dos homens; elas são um produto da atividade humana. Portanto,parecem não
ser outra coisa senão a realização de idéias, inatas ou não, que trazemos em nós, senão a
aplicação dessas idéias às diversas circunstâncias que acompanham as relações dos homens entre
si.A organização da família, do contrato, da repressão,do Estado, da sociedade é vista assim
como
19
um simples desenvolvimento das idéias que temos sobre a sociedade, o Estado, a justiça, etc. Em
conseqüência, es-ses fatos e outros análogos só parecem ter realidade nas e pelas icléias que são
seu germe e que se tornam,com is-so, a matéria própria dla sociologia.
O que reforça essa maneira de ver é que,como os cletalhes da vida social excedem por todos os
lados a consciência, esta não tem uma percepção suficientemente forte desses detalhes para sentir
sua realiclade. Não tendo em nós ligações bastante sólidas nem bastante próximas, tudo isso nos
dá facilmente a impressão de não se pren-der a nada e de flutuar no vazio. matéria em parte irreal
e indefinidamente plástica. Eis por que tantos pensadores não viram nos arranjos sociais senão
combinações artifi-ciais e mais ou menos arbitrárias. Mas, se os detalhes, se as formas concretas
e particulares nos escapam, pelo me-nos nos representamos os aspectos mais gerais da exis-
tência coletiva de maneira genérica e aproximada,e são precisamente essas representações
esquemáticas e sumá-rias que constituem as prenoções de que nos servimos para as práticas
correntes da vida. Não podemos portanto pensar em pôr em dúvida a existência delas, uma vez
que a percebemos ao mesmo tempo que a nossa. Elas não apenas estão em nós, como também,
sendo um produto de experiências repetidas, oobtêm da repetição - e do há-bito resultante - uma
espécie de ascendência e de autori-dade. Sentimos sua resistência quando buscamos libertar-nos
delas. Ora, não podemos deixar de considerar como real o que se opõe a nós. Tudo contribui,
portanto, para que vejamos nelas a verdadeira realidade social.
28
E, de fato,até o presente, a sociologia tratou mais ou menos exclusivamente não de coisas, mas
de conceitos. Comte, é verdade, proclamou que os fenômenos sociais
20
são fatos naturais, submissos a leis naturais. Deste modo, ele implicitamente reconheceu seu
caráter de coisas,pois na natureza só existem coisas. Mas, quando, saindo dessas generalidades
filosóficas, ele tenta aplicar seu princípio e extrair a ciência nele contida, são idéias que ele toma
por objeto de estudo. Com efeito, o que faz a matéria princi-pal de sua sociologia é o progresso
da humanidade no tempo. Ele parte da idéia de que há uma evolução contí-nua do gênero
humano que consiste numa realização sempre mais completa da natureza humana, e o problema
que eletrata é descobrir a ordem dessa evolução. Ora, su-pondo que essa evolução exista, sua
realidade só pode ser estabelecida uma vez feita a ciência; portanto, só se pode fazer dessa
evolução o objeto mesmo da pesquisa se ela for colocada como uma concepção do espírito,não
como uma coisa. E, de fato, é tāo claro que se trata de uma representação inteiramente subjetiva
que, na prática, esse progresso da humanidade não existe. O que existe, a única coisa dada à
observação, são sociedades particula-res que nascem, se desenvolvem e morrem independen-
temente umas das outras. Se pelo menos as mais recentes continuassem as que as
precederam,cada tipo superior poderia ser considerado como a simples repetição do tipo
imediatamente inferior,com alguma coisa a mais; poder-se-ia,pois,alinhá-las umas depois das
outras, por assim di-zer, confundindo as que se encontram no mesmo grau de desenvolvimento,e
a série assim formada poderia ser vis-ta como representativa da humanidade. Mas os fatos não se
apresentam com essa extrema simplicidade. Um povo que substitui outro não é simplesmente um
prolongamen-to deste último com algumas características novas; ele é outro, tem algumas
propriedades a mais, outras a menos; constitui uma individualidade nova, e todas essas indivi-
dualidades distintas, sendo heterogêneas, não podem se
29
21
fundir numa mesma série contínua, nem,sobretudo,nu-ma série única. Pois a seqüência das
sociedades não po-deria ser figurada por uma linha geométrica;ela asseme-lha-se antes a uma
árvore cujos ramos se orientam em sentidlos divergentes. Em suma, Comte tomou por desen-
volvimento histórico a noção que dele possuía e que não dlifere muito da que faz o vulgo. Vista
de longe, de fato, a história adquire bastante claramente esse aspecto serial e simples. Percebem-
se apenas individuos que se sucedem uns aos outros e marcham todos numa mesma direção,
porque têm uma mesma natureza. Aliás,como não se concebe que a evolução social possa ser
outra coisa que não o desenvolvimento de uma idéia humana, parece na-tural defini-la pela idéia
que dela fazem os homens. Ora, procedendo assim, não apenas se permanece na ideolo-gia, mas
se dlá como objeto à sociologia um conceito que nada tem de propriamente sociológico.
Esse conceito,Spencer o descarta,mas para substituí-lo por outro que nao é formado de outro
modo. Ele faz cas sociedades, e não da humanidladle,o objeto da ciência; só que ele dá em
seguida. das primeiras, uma definição que faz desaparecer a coisa de que fala para colocar no lu-
gir a prenoção que possui dela. Com efeito, ele estabelece como uma proposição evidente que
“uma sociedade só existe quando à justaposição acrescenta-se a cooperação", sendo somente
então que a união dos individuos se torna uma sociedade propriamente ditat. Depois,partindo do
princípio de que a cooperação é a essência da vida social, ele clistingue as sociedades em duas
classes, conforme a nitureza da cooperação que nelas predomina.“Há,diz ck,uma cooperação
espontânea que se efetua sem pre-meclitação durante a perseguição de fins de caráter priva-do:
há também uma cooperação conscientemente instituí-d que supõe fins de interesse público
claramente rec
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Mas essa definição inicial enuncia como coisa o que é tào-só uma noção do espírito. Com efeito,
ela se apre-senta como a expressão de um fato imediatamente visível e que basta à observação
constatar, já que é formulada desdle o início dla ciência como axioma. No entanto, é im-possível
saber por uma simples inspeção se realmente a cooperação é a essência da vida social. Tal
afirmação só é cientificamente legítima se primeiramente passarmos em revista as manifestações
da existência coletiva e se mostrarmos que todas são formas diversas da coopera-ção. Portanto, é
ainda certa maneira de conceber a reali-dade social que substitui essa realidade'. O que é assim
definido não é a sociedade, mas a idéia que dela faz o sr. Spencer. E, se ele não tem o menor
escrúpulo em proce-der deste modo, é que, também para clc, a sociedade não é e não pode ser
senão a realização de uma idéia,is-to é, dessa idéia mesma de cooperacao pela qual a defi-ne7.
Seria fácil mostrar que, em cada um dos problemas particulares que aborda, seu método
permanece o mes-mo. Assim, embora dê a impressão de proceder empiri-camente,como os fatos
acumulados em sua sociologia são empregados parailustrar análises de noções e não para
descrever e explicar coisas, eles parecem estar ali apenas para figurar como argumentos. Em
realidacle, tu-do o que há de essencial na doutrina de Spencer pode ser imediatamente deduzido
de sua definição da socieda-de e das diferentes formas de cooperação. Pois, se só pu-dermos
optar entre uma cooperação tiranicamente im-posta e uma cooperação livre e espontânea,
evidente-mente esta última é que será o ideal para o qual a huma-nidade tende e dleve tender.
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Nao é somente na base da ciência que se encontram essas noções vulgares; vemo-las a todo
instante na trama dos raciocínios. No estado atual de nossos conhecimen-tos, não sabemos com
certeza o que éo Estado,a sobera-nia, a liberdade política, a democracia, o socialismo,o co-
munismo, etc.; o método aconselharia,portanto, a que nos proibíssemos todo uso desses
conceitos,enquanto eles não estivessem cientificamente constituídos. Entretan-to, as palavras que
os exprimem retornam a todo momen-to nas discussões doos sociólogos. Elas são empregadas
correntemente e com seguranca como se correspondes-sem a coisas bem conhecidas e definidas,
quando apenas despertam em nós noções confusas, misturas indistintas de impressões vagas, de
preconceitos e de paixões. Zom-bamos hoje dos singulares raciocínios que os médicos da Idade
Média construíam com as noções de calor, de frio, dle úmido, de seco, etc., e não nos
apercebemos de que continuamos a aplicar esse mesmo método à ordem de fenômenos que o
comporta menos que qualquer outro, por causa de sua extrema complexidade.Nao é somente na
base da ciência que se encontram essas noções vulgares; vemo-las a todo instante na trama dos
raciocínios. No estado atual de nossos conhecimen-tos, não sabemos com certeza o que éo
Estado,a sobera-nia, a liberdade política, a democracia, o socialismo,o co-munismo, etc.; o
método aconselharia,portanto, a que nos proibíssemos todo uso desses conceitos,enquanto eles
não estivessem cientificamente constituídos. Entretan-to, as palavras que os exprimem retornam
a todo momen-to nas discussões doos sociólogos. Elas são empregadas correntemente e com
seguranca como se correspondes-sem a coisas bem conhecidas e definidas, quando apenas
despertam em nós noções confusas, misturas indistintas de impressões vagas, de preconceitos e
de paixões. Zom-bamos hoje dos singulares raciocínios que os médicos da Idade Média
construíam com as noções de calor, de frio, dle úmido, de seco, etc., e não nos apercebemos de
que continuamos a aplicar esse mesmo método à ordem de fenômenos que o comporta menos
que qualquer outro, por causa de sua extrema complexidade.
Nos ramos especiais da sociologia, esse caráter ideo-lógico é ainda mais pronunciado.
É o caso sobretudo da moral. De fato,pode-se dizer que nāo há um único sistema em que ela não
seja repre-sentada como o simples desenvolvimento de uma idéia inicial que a conteria por
inteiro em potência. Essa idéia, uns crêem que o homem a encontra inteiramente pronta dentro
dele desde seu nascimento; outros, ao contrário, que ela se forma mais ou menos lentamente ao
longo da história. Mas, tanto para uns como para outros, tanto para os empiristas como para os
racionalistas,ela é tudo o que há de verdadleiramente real em moral. No que concerne ao detalhe
das regras jurídicas e morais, elas não teriam, por assim dizer, existência por si mesmas, mas
seriam
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Nao é diferente com a economia política. Ela tem por objeto,diz Stuart Mill, os fatos sociais que
se produzem principalmente ou exclusivamente em vista da aquisição de riquezas*. Mas, para
que os fatos assim definidos pu-dessem ser designados, enquanto coisas, à observação do
cientista, seria preciso pelo menos que se pudesse indicar
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por qual sinal é possível reconhecer aqueles que satisfa-zem essa condição. Ora, no início da
ciência, não se tem sequer o direito de afirmar que existe algum, muito me-nos ainda se pode
saber quais são. Em toda ordem de pesquisas, com efeito, é somente quando a explicação dos
fatos está suficientemente avancada que é possível estabelecer que eles têm um objetivo e qual é
esse objeti-vo. Não há problema mais complexo nem menos susceti-vel de ser resolvido de saída.
Portanto, nada nos garante de antemão que haja uma esfera da atividade social em que o desejo
de riqueza desempenhe rcalmente esse pa-pel preponderante. Em conseqüência, a matéria da
eco-nomia política, assim compreendida,é feita não de reali-dades que podem ser indicadas, mas
de simples possí-veis,de puras concepções do espírito; a saber, fatos que o economista concebe
como relacionados ao fim conside-rado, e tais como ele os concebe. Digamos, por exemplo, que
ele queira estudar o que chama a produção. De saí-da,acredita poder enumerar os principais
agentes com o auxílio dos quais ela ocorre e passá-los em revista. Por-tanto, ele não reconheceu
a existência desses agentes ob-servando de quais condições dependia a coisa que ele es-tuda;
pois então teria começado por expor as experiências de que tirou essa conclusão. Se, desde o
início da pesqui-sa e em poucas palavras, ele procede a essa classificação, é que a obteve por
uma simples análise lógica.Parte da idéia da produção; decompondo-a, descobre que ela im-plica
logicamente as de forças naturais, de trabalho, de instrumento ou de capital, e trata a seguir da
mesma ma-neira essas idéias derivadas'.
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que se pode reconhecer a coisa chamadla com esse nome, depois classificar suas espécies, buscar
por induções me-tódicas as causas em função das quais elas variam, com-parar enfim os
cliversos resultados para obter uma fórmu-la geral. A teoria portanto só poderia surgir quando a
ciên-cia tivesse avançado bastante. Em vez disso, encontramo-la desde o início. É que, para fazê-
la, o economista con-tenta-se em recolher, em tomar consciência da idéia que ele tem do valor,
ou seja, dle um objeto suscetivel de ser trocado;descobre que ela implica a idéia do útil, dlo raro,
etc., e é com esses produtos de sua análise que constrói sua definição. Certamente ele a confirma
por alguns exemplos. Mas, quando se pensa nos inumeráveis fatos que semelhante teoria deve
explicar, como atribuir o me-nor valor demonstrativo aos fatos, necessariamente muito raros, que
são assim citados ao acaso da sugestao?que se pode reconhecer a coisa chamadla com esse nome,
depois classificar suas espécies, buscar por induções me-tódicas as causas em função das quais
elas variam, com-parar enfim os cliversos resultados para obter uma fórmu-la geral. A teoria
portanto só poderia surgir quando a ciên-cia tivesse avançado bastante. Em vez disso,
encontramo-la desde o início. É que, para fazê-la, o economista con-tenta-se em recolher, em
tomar consciência da idéia que ele tem do valor, ou seja, dle um objeto suscetivel de ser
trocado;descobre que ela implica a idéia do útil, dlo raro, etc., e é com esses produtos de sua
análise que constrói sua definição. Certamente ele a confirma por alguns exemplos. Mas, quando
se pensa nos inumeráveis fatos que semelhante teoria deve explicar, como atribuir o me-nor
valor demonstrativo aos fatos, necessariamente muito raros, que são assim citados ao acaso da
sugestao?
Por isso, tanto em economia política como em moral, a parte da investigação científica é muito
restrita; a da ar-te, preponderante. Em moral, a parte teórica se reduz a al-gumas discussões sobre
a idéia do dever, do bem e do di-reito.Mesmo essas especulações abstratas não constituem uma
ciência, para falar exatamente, já que têm por objeto cleterminar não o que é, de fato, a regra
suprema da mo-raliclade, mas o que ela deve ser. Do mesmo modo, o que mais preocupa os
economistas é a questão de saber,por exemplo, se a sociedade deve ser organizada segundo as
concepções dos individualistas ou segundo as dos socia-listas: se é melbor o Estado intervir nas
relações industri-ais e comerciais ou abandloná-las inteiramente à iniciativa privada; se o sistema
monetário deve ser o monometalis-mo ou o bimetalismo, etc., etc. As leis propriamente ditas são
pouco numerosas nessas pesquisas; mesmo as que nos habituamos a chamar assim geralmente
não merecem essa qualificação, não passando de máximas de ação,pre-
ceitos práticos disfarçados. Eis, por exemplo, a famosa lei da oferta e da procura.Ela jamais foi
estabelecida induti-vamente, como expressão da realidlade econômica.Jamais uma experiência,
uma comparacão metódica foi instituída para estabelecer,de fato, que é segundo essa lei que pro-
cedem as relações econômicas. Tudo o que se pôdle fazer e tudo o que se fez foi demonstrar
dialeticamente que os indlivícluos devem proceder assim, caso entendam bem seus interesses; é
que qualquer outra maneira de proce-der lhes seria prejudicial e implicaria, dda parte dos que se
entregassem a isso, uma verdadeira aberração lógica.É lógico que as inclústrias mais produtivas
sejam as mais procuradas; que os detentores dos produtos de maior de-manda e mais raros os
vendam ao mais alto preco. Mas essa necessidade inteiramente lógica em nada se asseme-lha
àquela que apresentam as verdadeiras leis da nature-za. Estas exprimem as relações segundo as
quais os fatos se encadeiam realmente, e não a maneira como é bom que eles se encadeiem.
O que dizemos dessa lei pode ser dito de todas as que a escola econômica ortodoxa qualifica de
naturais e que, por sinal, não são muito mais do que casos parti-culares da precedente. Elas são
naturais, se quiserem, no sentido de que enunciam os meios que é ou que pode parecer natural
empregar para atingir determinado fim su-posto; mas elas não devem ser chamadas por esse
nome, se, por lei natural, se entender toda maneira de ser da na-tureza,indutivamente constatada.
Elas não passam, em suma,dle conselhos de sabecloria prática, e, se foi possí-vel, mais ou menos
especiosamente, apresentá-las como a expressão mesma da realidade, é que, com ou sem razāo,
acredlitou-se poder supor que tais conselhos eram efetiva-mente seguidos pela generalidade dos
homens e na gene-ralidade dos casos.
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No entanto, os fenômenos sociais são coisas e devem ser tratados como coisas. Para demonstrar
essa proposi-ção, não é necessário filosofar sobre sua natureza,discutir as analogias que
apresentam com os fenômenos clos rei-nos inferiores. Basta constatar que eles são o único da-
tum oferecido ao sociólogo. É coisa, com efeito,tudo o que é dado, tudo o que se oferece ou,
melhor,se impõe à observação. Tratar fenômenos como coisas é tratá-los na qualidade de data
que constituem o ponto de partida da ciência. Os fenômenos sociais apresentam incontestavel-
mente esse caráter. O que nos é dado não é a idéia que os homens fazem do valor, pois ela é
inacessível; são os valores que se trocam realmente no curso de relações econômicas. Não é esta
ou aquela concepcao da idéia moral;é o conjunto das regras que determinam efetiva-mente a
conduta. Não é a idéia do útil ou da riqueza;é toda a particularidade da organização econômica. É
possí-vel que a vida social não seja senão o desenvolvimento de certas noções; mas, supondo que
seja assim, essas no-ções não são dadas imediatamente. Não se pode portanto atingi-las
diretamente, mas apenas através da realidade fe-nomênica que as exprime. Nao sabemos a priori
que idéias estão na origem das diversas correntes entre as quais se dividle a vida social, nem se
existe alguma; é somente de-pois de tê-las remontado até suas origens que saberemos de onde
elas provem.No entanto, os fenômenos sociais são coisas e devem ser tratados como coisas. Para
demonstrar essa proposi-ção, não é necessário filosofar sobre sua natureza,discutir as analogias
que apresentam com os fenômenos clos rei-nos inferiores. Basta constatar que eles são o único
da-tum oferecido ao sociólogo. É coisa, com efeito,tudo o que é dado, tudo o que se oferece ou,
melhor,se impõe à observação. Tratar fenômenos como coisas é tratá-los na qualidade de data
que constituem o ponto de partida da ciência. Os fenômenos sociais apresentam incontestavel-
mente esse caráter. O que nos é dado não é a idéia que os homens fazem do valor, pois ela é
inacessível; são os valores que se trocam realmente no curso de relações econômicas. Não é esta
ou aquela concepcao da idéia moral;é o conjunto das regras que determinam efetiva-mente a
conduta. Não é a idéia do útil ou da riqueza;é toda a particularidade da organização econômica. É
possí-vel que a vida social não seja senão o desenvolvimento de certas noções; mas, supondo que
seja assim, essas no-ções não são dadas imediatamente. Não se pode portanto atingi-las
diretamente, mas apenas através da realidade fe-nomênica que as exprime. Nao sabemos a priori
que idéias estão na origem das diversas correntes entre as quais se dividle a vida social, nem se
existe alguma; é somente de-pois de tê-las remontado até suas origens que saberemos de onde
elas provem.
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sem afinal todos os caracteres intrínsecos da coisa, deve-se primeiro tratá-los como se os
tivessem. Essa regra aplica-se portanto à realidade social inteira, sem que haja motivos para
qualquer exceção. Mesmo os fenômenos que mais parecem consistir em arranjos artificiais
devem ser consi-clerados desse ponto de vista. O caráter convencional de uma prática ou de uma
instituição jamais deve ser presu-mido. Aliás, se nos for permitido invocar nossa experiên-cia
pessoal, acreditamos poder assegurar que,procedendo clessa maneira, com freqüência se terá a
satisfação de ver os fatos aparentemente mais arbitrários apresentarem, após uma observação
mais atenta dos caracteres de cons-lância e de regulariclade, sintomas de sua objetividade.
De resto,e de uma maneira geral, o que foi dito an-Ieriormente sobre os caracteres distintivos do
fato social é suficiente para nos certificar sobre a natureza dessa objeti-vidade e para provar que
ela não é ilusória. Com efeito, reconhece-se principalmente uma coisa pelo sinal de que não pode
ser modificada por um simples decreto da von-lade. Nāo que ela seja refratária a qualquer
modificação. Maıs, para produzir uma mudança nela, não basta querer, é preciso além disso um
esforço mais ou menos laborio-so, devido à resistência que ela nos opõe e que nem sem-pre,aliás,
pode ser vencida. Ora, vimos que os fatos sociais lêm essa propriedade. Longe de serem um
produto de nossa vontade, eles a determinam de fora; são como mol-dles nos quais somos
obrigados a vazar nossas ações. Com Ireqüência até, essa necessidade é tal que não podemos
escapar a ela. Mas ainda que consigamos superá-la, a oposição que encontramos é suficiente para
nos advertir dle que estamos em presenca de algo que não depende de nós. Portanto,
considerando os fenômenos sociais co-mo coisas, apenas nos conformaremos à sua natureza.
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sem afinal todos os caracteres intrínsecos da coisa, deve-se primeiro tratá-los como se os
tivessem. Essa regra aplica-se portanto à realidade social inteira, sem que haja motivos para
qualquer exceção. Mesmo os fenômenos que mais parecem consistir em arranjos artificiais
devem ser consi-clerados desse ponto de vista. O caráter convencional de uma prática ou de uma
instituição jamais deve ser presu-mido. Aliás, se nos for permitido invocar nossa experiên-cia
pessoal, acreditamos poder assegurar que,procedendo clessa maneira, com freqüência se terá a
satisfação de ver os fatos aparentemente mais arbitrários apresentarem, após uma observação
mais atenta dos caracteres de cons-lância e de regulariclade, sintomas de sua objetividade.
De resto,e de uma maneira geral, o que foi dito an-Ieriormente sobre os caracteres distintivos do
fato social é suficiente para nos certificar sobre a natureza dessa objeti-vidade e para provar que
ela não é ilusória. Com efeito, reconhece-se principalmente uma coisa pelo sinal de que não pode
ser modificada por um simples decreto da von-lade. Nāo que ela seja refratária a qualquer
modificação. Maıs, para produzir uma mudança nela, não basta querer, é preciso além disso um
esforço mais ou menos laborio-so, devido à resistência que ela nos opõe e que nem sem-pre,aliás,
pode ser vencida. Ora, vimos que os fatos sociais lêm essa propriedade. Longe de serem um
produto de nossa vontade, eles a determinam de fora; são como mol-dles nos quais somos
obrigados a vazar nossas ações. Com Ireqüência até, essa necessidade é tal que não podemos
escapar a ela. Mas ainda que consigamos superá-la, a oposição que encontramos é suficiente para
nos advertir dle que estamos em presenca de algo que não depende de nós. Portanto,
considerando os fenômenos sociais co-mo coisas, apenas nos conformaremos à sua natureza.
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que se efetuou nesse tipo de estudos. Todos os procedi-mentos particulares, todos os métodos
novos que enri-queceram essa ciência, não são mais que meios diversos de realizar mais
completamente essa idéia fundlamental.É o mesmo progresso que resta fazer em sociologia. É
pre-ciso que ela passe do estágio subjetivo, raramente ultra-passado até agora, à fase objetiva.
Essa passagem, aliás, é menos difícil de efetuar do que em psicologia. Com efeito, os fatos
psíquicos são na-turalmente dados como estados do sujeito, do qual eles não parecem sequer
separáveis. Interiores por definição, parece que só se pode tratá-los como exteriores violen-tando
sua natureza. É preciso não apenas um esforço de abstração, mas todo um conjunto de
procedimentos e de artificios para chegar a considerá-los desse viés. Ao con-trário, os fatos
sociais têm mais naturalmente e mais ime-diatamente toclas as características da coisa. O direito
existe nos códigos, os movimentos da vida cotidiana se inscrevem nos dados estatísticos, nos
monumentos da his-tória, as modas nas roupas, os gostos nas obras de arte. Em virtude dle sua
natureza mesma eles tendem a se cons-tituir fora das consciências individuais, visto que as domi-
nam. Para vê-los sob seu aspecto de coisas,não é preciso, portanto, torturá-los com
engenhosidade. Desse ponto de vista, a sociologia tem sobre a psicologia uma séria vanta-gem
que não foi percebida até agora e que deve apressar seu desenvolvimento. Os fatos talvez sejam
mais dificeis de interpretar por serem mais complexos, mas são mais fáceis de atinar. A
psicologia, ao contrário, não apenas tem dificuldade de elaborá-los, como também de perce-bê-
los. Em conseqüência, é lícito imaginar que, no dia em que esse princípio do método sociológico
for unanime-mente reconhecido e praticado, veremos a sociologia pro-gredir com uma rapidez
que a lentidão atual de seu de-
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senvolvimento não faria supor,e inclusive reconquistar a dianteira que a psicologia dleve
unicamente à sua anterio-ridade históricalo.
II
Mas a experiência de nossos predecessores nos mos-trou que, para assegurar a realização prática
da verdade que acaba de ser estabelecida, não basta oferecer uma de-monstraçao teórica nem
mesmo compenetrar-se dela. O espírito tende tão naturalmente a desconhecê-la que re-cairemos
inevitavelmente nos antigos erros, se não nos submetermos a uma disciplina rigorosa, cujas
regras prin-cipais,corolários da precedente, iremos formular.
1) O primeiro desses corolários é que: É preciso descartar sistematicamente todas as
prenoções. Uma demons-tração especial dessa regra não é necessária; ela resulta de tudo
o que dissemos anteriormente. Aliás,ela é a base de todo método científico. A dúvida
metódica de Descartes, no fundo, nào é senão uma aplicação disso. Se, no mo-mento em
que vai fundar a ciência,Descartes impòe-se como lei pôr em dúvida todas as idéias que
recebeu ante-riormente, é que ele quer empregar apenas conceitos cien-tificamente
elaborados,isto é, construídos de acordo com o método que ele institui; todos os quue ele
obtém de uma outra origem devem ser, portanto,rejeitados, ao menos provisoriamente. Já
vimos que a teoria dos Ídolos,em Ba-con, não tem outro sentido. As duas grandes
doutrinas que freqüentemente foram opostas uma à outra, concor-dam nesse ponto
essencial. É preciso, portanto,que o so-ciólogo, tanto no momento em que determina o
objeto de suas pesquisas, como no curso de suas demonstrações, proíba-se resolutamente
o emprego daqueles conceitos
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33
que se formaram fora da ciência e por necessidades que nada têm de científico. É preciso que ele
se liberte dessas falsas evidências que dominam o espírito do vulgo, que se livre, de uma vez por
todas, do jugo dessas categorias empíricas que um longo costume acaba geralmente por tornar
tirânicas. Se a necessidlade o obriga às vezes a re-correr a elas, pelo menos que o faça tendo
consciência de seu pouco valor, a fim dle não as chamar a desempenhar na doutrina um papel de
que não são dignas.
O que torna essa libertação particularmente dificil em sociologia é que o sentimento com
freqüência se introme-te. Apaixonamo-nos, com efeito, por nossas crenças poli-ticas e religiosas,
por nossas práticas morais, muito mais dlo que pelas coisas do mundo físico; em conseqüência,
esse caráter passional transmite-se à maneira como conce-bemos e como nos explicamos as
primeiras.As idéias que fazemos a seu respeito nos são muito caras, assim como seus objetos, e
adquirem tamanha autoridade que não su-portam a contradição. Toda opinião que as perturba é
tra-tacla como inimiga.Por exemplo, uma proposição não es-tá de acordo com a idéia que se faz
do patriotismo,ou da dignidade individual? Então ela é negada, não importam as provas sobre as
quais repousa. Não se pode admitir que seja verdadeira; ela é rejeitada categoricamente, e a
paixão, para justificar-se, não tem dificuldade de sugerir razões que são consideradas facilmente
decisivas.Essas noções podem mesmo ter tal prestígio que não toleram sequer um exame
científico. O simples fato de submetê-l:is,assim como os fenômenos que elas exprimem, a uma
análise fria e seca,revolta certos espíritos. Quem decide estudar a moral a partir de fora e como
uma realidade ex-terior é visto por esses delicados como desprovido de senso moral, da mesma
forma que o vivissecionista pare-ce ao vulgo desprovido da sensibilidade comum.Em vez
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°de admitir que esses sentimentos são dlo domínio a*da ciência, é a eles que se julga dever
apelar para fazera ciên-cia das coisas às quais se referem. “Infeliz o sábio", escre-ve um
eloqüente historiador das religiões, “que aborda as coisas de Deus sem ter no fundo de sua
consciência, no fundo indestrutível de seu ser, lá ondle dorme a alma dos antepassados, um
santuário desconhecido do qual se ele-va por instantes um perfume de incenso, uma linha de
salmo, um grito doloroso ou triunfal que,criança,lancou ao céu junto com seus irmãos e que o
repõe em súbita comunhão com os proferas de outrora!!l"
Nunca nos ergueremos com demasiada forca contra essa doutrina mística que - como todo
misticismo, aliás -nāo é, no fundo, senão um empirismo disfarçado, nega-dor de toda ciência. Os
sentimentos que têm como obje-tos as coisas sociais não têm privilégio sobre os demais, pois nào
é outra sua origem. Também eles são formados historicamente; são um produto da experiência
humana, mas de uma experiência confusa e inorganizada. Eles não se devem a nào sei que
antecipação transcendental da rea-lidade, mas são a resultante de todo tipo de impressões e de
emoções acumuladas sem ordem, ao acaso das cir-cunstâncias, sem interpretação
metódica.Longe de nos proporcionarem luzes superiores às luzes racionais, eles são feitos
exclusivamente de estados fortes, é verdlade, mas confusos. Atribuir-lhes tal preponderância é
conceder às faculdades inferiores da inteligência a supremacia so-bre as mais elevadas, é
condenar-se a uma logomaquia mais ou menos oratória. Uma ciência feita assim só pode
satisfazer os espíritos que gostam de pensar com sua sen-sibilidade e não com seu entendimento,
que preferem as sínteses imediatas e confusas da sensação às análises pa-
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2)Mas a regra precedente é inteiramente negativa. Ela ensina o sociólogo a escapar ao domínio
das noções vulgares, para dirigir sua atenção aos fatos; mas não diz como deve se apoderar
desses últimos para empreender um estudo objetivo deles.
Toda investigação científica tem por objeto um grupo dieterminado de fenômenos que
correspondem a uma mesma definição. O primeiro procedimento do sociólogo deve ser,
portanto, clefinir as coisas de que ele trata,a fim dle que se saiba e de que ele saiba bem o que
está em questão. Essa é a primeira e a mais indispensável condi-ção de loda prova e de toda
verificação; uma teoria.com efeito,só podle ser controlada se se sabe reconhecer os latos que ela
deve explicar.*Além do mais, visto ser por cssa definição que é constituído* o objeto mesmo da
ciên-cia,este será uma coisa ou não, conforme a maneira pela qual essa definição for feita.
Para que ela seja objetiva,é preciso evidentemente que exprima os fenômenos, não em função dle
uma idéia dlo espírito, mas de propriedades que lhe são inerentes. É
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preciso que ela os caracterize por um elemento integrante da natureza deles, não pela
conformidade deles a uma noção mais ou menos ideal. Ora, no momento em que a pesquisa vai
apenas começar, quandlo os fatos não estão ainda submetidlos a nenhuma elaboração, os únicos
des-ses caracteres que podem ser atingidos são os que se mostram suficientemente exteriores
para serem imediata-mente visíveis. Os que estão situados mais profundamen-te são, por certo,
mais essenciais; seu valor explicativo é maior, mas nessa fase da ciência eles são desconhecidos
e só podem ser antecipados se substituirmos a realidade por alguma concepção do espírito.
Assim, é entre os pri-meiros que deve ser buscada a matéria dessa dlefinição fundamental. Por
outro lado,é claro que essa definição deverá compreender, sem exceção nem distinção, todos os
fenômenos que apresentam igualmente esses mesmos caracteres; pois não temos nenhuma razão
e nenhum meio de escolher entre eles. Essas propriecladles são,en-tao,tudo o que sabemos do
real; em conseqüência, elas devem determinar soberanamente a maneira como os fa-tos devem
ser agrupados. Não possuímos nenhum outro critério que possa, mesmo parcialmente, suspender
os efeitos do precedente. Donde a regra seguinte: Jamais to-mar por objeto de pesquisas senão
um grupo de fenomenos previamente definidos por certos caracteres exteriores que lbes são
comuns,e compreender na mesma pesquisa todos os que correspondem a essa definicão. Por
exemplo, cons-tatamos a existência de certo número de atos que apre-sentam, todos, o caráter
exterior de,uma vez efetuados, determinarem de parte da sociedade essa reacão particu-lar que é
chamada pena. Fazemos deles um grupo sui ge-neris, ao qual impomos uma rubrica comum;
chamamos crime todo ato punido e fazemos do crime assim definido o objeto de uma ciência
especial,a criminologia. Do mes-
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37
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Ao proceder dessa maneira, o sociólogo, desde seu primeiro passo, toma imediatamente contato
com a reali-dade. Com efeito, o modo como os fatos são assim classi-ficados não depende dele,
da propensão particular de seu espírito, mas da natureza das coisas. O sinal que possibili-ta
serem colocados nesta ou naquela categoria pode ser mostrado a todo o mundo, reconhecido por
todo o mun-do, e as afirmações de um observador podem ser contro-ladas pelos outros. É
verdade que a noção assim constituí-dla nem sempre se ajusta, ou, até mesmo, em geral não se
ajusta, à noção comum. Por exemplo,é evidente que,pa-ra o senso comum, os casos de livre
pensamento ou as faltas à etiqueta, tão regularmente e tão severamente pu-nidos numa série de
sociedades, não são vistos como crì-mes, inclusive em relação a essas sociedades. Assim tam-
bém, um clā não é uma família, no sentido usual da pala-vra. Mas não importa; pois não se trata
simplesmente de
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descobrir um meio que nos permita verificar com suficien-te certeza os fatos a que se aplicam as
palavras da lingua corrente e as idéias que estas traduzem. O que é preciso é constituair
inteiramente conceitos novos, apropriados às necessidades da ciência e expressos com o auxílio
de uma terminologia especial. Não, certamente,que o con-ceito vulgar seja inútil ao cientista; ele
serve dle indicador. Por ele, somos informados de que existe em alguma parte um conjunto de
fenômenos reunidos sob uma mesma de-nominação e que, portanto, devem provavelmente ter
ca-racteristicas comuns; inclusive, como o conceito vulgar ja-mais deixa de ter algum contato
com os fenômenos, ele nos indica às vezes, mas dle maneira geral, em que dire-ção estes devem
ser buscados. Mas, como ele é grosseira-mente formado, é natural que não coincida exatamente
com o conceito cientifico,instituido em seu lugarl2.
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Por mais eviclente e importante que seja essa regra, ela não é muito observada em sociologia.
Precisamente por esta tratar de coisas das quais estamos sempre falan-do, como a família, a
propriedade, o crime, etc.,na maio-ria das vezes parece inútil ao sociólogo dar-lhes uma defi-
nição preliminar e rigorosa. Estamos tào habituados a ser-vir-nos dessas palavras, que voltam a
todo instante no curso das conversações.que parece inútil precisar o senti-do no qual as
empregamos. As pessoas se referem sim-plesmente à noção comum. Ora, esta é muito freqüente-
mente ambígua. Essa ambigüidade faz que se reúnam sob um mesmo nome e numa mesma
explicação coisas,em realidade, muito diferentes. Daí provêm inextricáveis con-fusões. Assim,
existem duas espécies de uniões monogâ-micas: umas o são de fato, outras de direito. Nas
primei-ras, o marido só tem uma mulher, embora,juridicamente, possa ter várias; nas segundas
ele é legalmente proibido de ser polígamo. A monogamia de fato verifica-se em vá-
rias espécies animais e em certas sociedades inferiores, não de forma esporádica, mas com a
mesma generalidade como se fosse imposta por lei. Quando a população está clispersa numa
vasta superfície, a trama social é mais frou-xa, portanto os indivíduos vivem isolados uns dos
outros. Por isso, cada homem busca naturalmente obter uma mu-lher e uma só, porque, nesse
estado de isolamento,lhe é clificil ter várias. A monogamia obrigatória, ao contrário, só se
observa nas sociedades mais elevadas.Essas duas espécies de sociedades conjugais têm portanto
uma signi-fìcação muito diferente, no entanto a mesma palavra ser-ve para designá-las; pois é
comum dlizer de certos animais que eles são monógamos, embora nada exista entre eles que se
assemelhe a uma obrigação jurídica. Ora, o sr. Spencer, abordando o estudo do casamento,
emprega a palavra monogamia, sem defini-la, com seu sentido usual e equívoco. Disso resulta
que a evolução do casamento lhe parece apresentar uma incompreensível anomalia,já que ele crê
observar a forma superior da união sexual já nas primeiras fases do desenvolvimento histórico,ao
pas-so que ela parece desaparecer no período intermediário para retornar a seguir. Ele conclui dai
que não há relação regular entre o progresso social em geral e o avanço pro-gressivo em direção
a um tipo perfeito de vida familiar. Uma definição oportuna teria evitado esse crrol3.
Em outros casos, toma-se o cuidado de definir o ob-jeto sobre o qual incidirá a pesquisa;
mnas,em vez de abranger na definição e de agrupar sob a mesma rubrica todos os fenômenos que
têm as mesmas propriedades ex-teriores,faz-se uma triagem entre eles. Escolhem-se al-guns,
espécie de elite, que são vistos como os únicos com o direito a ter esses caracteres. Quanto aos
demais, são considerados como tendo usurpado esses sinais distinti-vos e não são levados em
conta. Mas é fácil prever que
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dessa maneira só se pode obter uma noção subjetiva e truncada. Essa eliminação, com efeito, só
pode ser feita com base numa idéia preconcebida, uma vez que,no co-meço da ciência, nenhuma
pesquisa pôde ainda estabele-cer a realidadle dessa usurpação, supondo-se que ela seja
possivel.Os fenômenos escolhidos só o podem ter sido porque estavam, mais do que os outros,
de acordo com a concepção ideal que se fazia desse tipo de realidade.Por exemplo,o sr.Garofalo,
no começo de sua Criminologie, demonstra muito bem que o ponto de partida dessa ciên-cia
deve ser “a noção sociológica do crime"1. Só que,pa-ra constituir essa noção, ele não compara
indistintament todos os atos que, nos diferentes tipos sociais, foram re primidos por penas
regulares, mas apenas alguns dentre eles, a saber, os que ofendem a parte média e imutável do
senso moral. Quanto aos sentimentos morais que de-sapareceram durante a evolução, eles não
lhe parecem fundados na natureza das coisas, por não terem consegui-do se manter; por
conseguinte, os atos que foram consi-derados criminosos porque os violavam, lhe parecem de-
ver essa denominação apenas a circunstâncias acidentais e mais ou menos patológicas. Mas é em
virtude de uma concepção inteiramente pessoal da moralidade que ele procecle a essa
eliminação. Ele parte da idéia de que a evolução moral, tomada em sua fonte mesma ou nos arre-
dores, arrasta todo tipo de escórias e de impurezas, que ela elimina a seguir progressivamente, e
de que somente hoje ela conseguiu desembaraçar-se de todos os elemen-tos adventícios que,
primitivamente, perturbavam-lhe o curso. Mas esse princípio não é nem um axioma evidente
nem uma verdade demonstrada;é apenas uma hipótese, que nada inclusive justifica. As partes
variáveis do senso moral não são menos fundadas na natureza das coisas do que as partes
imutáveis; as variações pelas quais as pri-
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meiras passaram testemunham apenas que as próprias coisas variaram. Em zoologia, as formas
especificas às es-pécies inferiores não são vistas como menos naturais do que as que se repetem
em todos os graus da escala ani-mal. Do mesmo modo, os atos tachados de crimes pelas
sociedades primitivas, e que perderam essa qualificação, são realmente criminosos para essas
sociedades,tanto quanto os que continuamos a reprimir hoje em dia. Os primeiros correspondem
às condições mutáveis da vida social,os segundos às condições constantes; mas uns não são mais
artificiais que os outros.
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E tem mais: ainda que esses atos tivessem adquirido indlevidamente o caráter criminológico,
nem por isso deve-riam ser separados radicalmente dos outros; pois a nature-za das formas
mórbidas de um fenômeno não é diferente dla natureza das formas normais e, por conseqüência,é
ne-cessário observar tanto as primeiras quanto as segundas para determinar essa natureza. A
docnça não se opòe à saúde; trata-se de duas variedades do mesmo gênero e que se esclarecem
mutuamente. Essa é uma regra há mui-to reconhecida e praticada, tanto em biologia como em
psicologia, e que o soxciólogo nào é menos obrigado a res-peitar. A menos que se admita que um
mesmo fenômeno possa ser devido ora a causa, ora a uma outra,isto é, a menos que se negue o
princípio de causaliclade, as causas que imprimem num ato, mas de maneira anormal, o sinal
dlistintivo do crime não poderiam diferir em espécie das que produzem normalmente o mesmo
efeito; elas distin-guem-se apenas em grau ou porque não agem no mesmo conjunto de
circunstâncias. O crime anormal ainda é,por-tnto, um crime e deve, por conseguinte, entrar na
defini cao do crime. Assim, o que ocorre? O sr. Garofalo toma por gênero o que não é senão a
espécie ou mesmo uma simples variedade. Os fatos aos quais se aplica sua fórmu-
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la da criminaliclade não representam senão uma ínfima mi-noria entre os que ela deveria
compreender; pois ela nāo convém nem aos crimes religiosos, nem aos crimes contra a etiqueta,
o cerimonial, a tradição, etc., que, se desapare-ceram de nossoscódigos modernos, preenchem, ao
contrá-rio, quase todo o direito penal das sociedades anteriores.
É a mesma falta de método que faz que certos obser-vadores recusem aos selvagens qualquer
espécie de mo-ralidade's. Eles partem da idéia de que nossa moral é a moral; ora, é evidente que
ela é desconhecida dos povos primitivos ou que só existe neles em estado rudimentar. Mas essa
definição é arbitrária. Apliquemos nossa regra e tudo se modifica. Para decidir se um preceito é
moral ou não, devemos examinar se ele apresenta ou não o sinal exterior da moralidade; esse
sinal consiste numa sanção repressiva difusa, ou seja, numa reprovação da opinião pública que
vinga toda violação do preceito. Sempre que estivermos em presença de um fato que apresenta
esse caráter, não temos o direito de negar-the a qualificação de moral; pois essa é a prova de que
ele é da mesma nature-za que os outros fatos morais. Ora, regras desse gênero não só se
verificam nas sociedades inferiores, como são mais nuimerosas aí do que entre os civilizados.
Uma quan-tidade de atos atualmente entregues à livre apreciação dos indivíduos são, então,
impostos obrigatoriamente. Percebe-se a que erros somos levados quando não defini-mos, ou
quando definimos mal.
Mas, dirão, definir os fenômenos por seus caracteres aparentes não será atribuir às propriedades
superficiais uma espécie de preponclerância sobre os atributos funda-mentais? Não será, por uma
vercladeira inversão da ordem lógica, fazer repousar as coisas sobre seus topos, e não sobre suas
bases? É assim que, quando se define o crime pela pena, corre-se quase inevitavelmente o risco
de ser
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acusado de querer derivar o crime da pena ou,conforme uma citação bem conhecida, de ver no
patíbulo a fonte da vergonha, não no ato expiado. Mas a objeção repousa sobre uma confusão.
Como a definição cuja regra acaba-mos de dlar está situada no começo da ciência, ela não
poderia ter por objeto exprimir a essência da realidade; ela deve apenas nos pôr em condições de
chegar a isso ulteriormente. Ela tem por única função fazer-nos entrar em contato com as coisas
e, como estas não podem ser atingidas pelo espírito a não ser de fora, é por seus exterio-res que
ela as exprime. Mas isso não quer dizer que as explique; ela apenas fornece o primeiro ponto de
apoio necessário às nossas explicações. Claro, não é a pena que faz o crime, mas é por ela que
ele se revela exteriormente a nós, e é dela portanto que devemos partir se quisermos chegar a
compreendê-lo.
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A objeção só seria fundada se esses caracteres exte-riores fossem ao mesmo tempo acidentais,
isto é, se não estivessem ligaclos às propriedades fundamentais. De fato, nessas condições, a
ciência, após tê-los assinalado,não teria meio algum de ir mais adiante;não poderia aprofun-dar-
se mais na realidade, já que não haveria nenhuma re-lação entre a superfície e o fundo. Mas, a
menos que o princípio de causalidade seja uma palavra và, quando ca-racteres determinados se
encontram identicamente e sem nenhuma exceção em todos os fenômenos de certa or-dem,
podle-se estar certo de que eles se ligam intimamen-te à natureza dlestes últimos e que são
solidários com eles. Se um grupo dado de atos apresenta igualmente a parti-cularidade de uma
sanção penal estar a eles associada,é que existe uma ligação intima entre a pena e os atributos
constitutivos desses atos. Em conseqüência, por mais su-perficiais que sejam, essas propriedades,
contanto que te-nham sido metodicamente observadas, mostram clara-
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acusado de querer derivar o crime da pena ou,conforme uma citação bem conhecida, de ver no
patíbulo a fonte da vergonha, não no ato expiado. Mas a objeção repousa sobre uma confusão.
Como a definição cuja regra acaba-mos de dlar está situada no começo da ciência, ela não
poderia ter por objeto exprimir a essência da realidade; ela deve apenas nos pôr em condições de
chegar a isso ulteriormente. Ela tem por única função fazer-nos entrar em contato com as coisas
e, como estas não podem ser atingidas pelo espírito a não ser de fora, é por seus exterio-res que
ela as exprime. Mas isso não quer dizer que as explique; ela apenas fornece o primeiro ponto de
apoio necessário às nossas explicações. Claro, não é a pena que faz o crime, mas é por ela que
ele se revela exteriormente a nós, e é dela portanto que devemos partir se quisermos chegar a
compreendê-lo.
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A objeção só seria fundada se esses caracteres exte-riores fossem ao mesmo tempo acidentais,
isto é, se não estivessem ligaclos às propriedades fundamentais. De fato, nessas condições, a
ciência, após tê-los assinalado,não teria meio algum de ir mais adiante;não poderia aprofun-dar-
se mais na realidade, já que não haveria nenhuma re-lação entre a superfície e o fundo. Mas, a
menos que o princípio de causalidade seja uma palavra và, quando ca-racteres determinados se
encontram identicamente e sem nenhuma exceção em todos os fenômenos de certa or-dem,
podle-se estar certo de que eles se ligam intimamen-te à natureza dlestes últimos e que são
solidários com eles. Se um grupo dado de atos apresenta igualmente a parti-cularidade de uma
sanção penal estar a eles associada,é que existe uma ligação intima entre a pena e os atributos
constitutivos desses atos. Em conseqüência, por mais su-perficiais que sejam, essas propriedades,
contanto que te-nham sido metodicamente observadas, mostram clara-
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meiras passaram testemunham apenas que as próprias coisas variaram. Em zoologia, as formas
especificas às es-pécies inferiores não são vistas como menos naturais do que as que se repetem
em todos os graus da escala ani-mal. Do mesmo modo, os atos tachados de crimes pelas
sociedades primitivas, e que perderam essa qualificação, são realmente criminosos para essas
sociedades,tanto quanto os que continuamos a reprimir hoje em dia. Os primeiros correspondem
às condições mutáveis da vida social,os segundos às condições constantes; mas uns não são mais
artificiais que os outros.
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E tem mais: ainda que esses atos tivessem adquirido indlevidamente o caráter criminológico,
nem por isso deve-riam ser separados radicalmente dos outros; pois a nature-za das formas
mórbidas de um fenômeno não é diferente dla natureza das formas normais e, por conseqüência,é
ne-cessário observar tanto as primeiras quanto as segundas para determinar essa natureza. A
docnça não se opòe à saúde; trata-se de duas variedades do mesmo gênero e que se esclarecem
mutuamente. Essa é uma regra há mui-to reconhecida e praticada, tanto em biologia como em
psicologia, e que o soxciólogo nào é menos obrigado a res-peitar. A menos que se admita que um
mesmo fenômeno possa ser devido ora a causa, ora a uma outra,isto é, a menos que se negue o
princípio de causaliclade, as causas que imprimem num ato, mas de maneira anormal, o sinal
dlistintivo do crime não poderiam diferir em espécie das que produzem normalmente o mesmo
efeito; elas distin-guem-se apenas em grau ou porque não agem no mesmo conjunto de
circunstâncias. O crime anormal ainda é,por-tnto, um crime e deve, por conseguinte, entrar na
defini cao do crime. Assim, o que ocorre? O sr. Garofalo toma por gênero o que não é senão a
espécie ou mesmo uma simples variedade. Os fatos aos quais se aplica sua fórmu-