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16º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais

Tema: “40 anos da “Virada” do Serviço Social”


Brasília (DF, Brasil), 30 de outubro a 3 de novembro de 2019

Eixo: Serviço Social, Fundamentos, Formação e Trabalho Profissional.


Sub-Eixo: Ênfase em Fundamentos.

SERVIÇO SOCIAL E CONSERVADORISMO: REFLEXÕES URGENTES

Maria Aparecida Nunes dos Santos1


Marlene Santiago Vasconcelos2
Clara Emanuelly Santos Victor3
Joelma Vicente de Araújo4
Resumo: O presente trabalho tece uma análise da particularidade das expressões do
conservadorismo, na formação do curso de Serviço Social da Universidade Estadual da Paraíba
(UEPB), durante a ditadura militar, mediante à apreciação dos Trabalhos de Conclusão de Curso
(TCCs). Dos principais substratos, pode-se destacar: expressiva referência aos escritos
confessionais; moralização da questão social.
Palavras-chaves: Serviço Social. Conservadorismo. Formação.

Abstract: The present work analyzes the peculiarity of the expressions of conservatism in the
formation of the Social Service course of the State University of Paraíba (UEPB), during the military
dictatorship, through the appreciation of the Works of Conclusion of Course (TCCs). Of the main
substrates, we can highlight: expressive reference to the confessional writings; moralization of the
social issue.
Keywords: Social servisse. Conservatism. Formation.

1. INTRODUÇÃO

As reflexões contidas no presente trabalho resultam de pesquisas de iniciação


científica, sobre a particularidade do processo de formação do curso de Serviço Social da
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), no contexto da ditadura militar. Tem como
objetivo principal a análise dos fundamentos histórico-conceituais e das expressões do
conservadorismo no referido curso, durante a ditadura militar, mediante a apreciação dos
Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs), produzidos nas décadas de 1960 e 1970.
Trata-se de uma proposta de pesquisa de cunho bibliográfico e documental -
Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs). Do universo dos TCCs produzidos, durante as
décadas citadas, os critérios de seleção, para amostra da pesquisa, se assentam naqueles
trabalhos que se encontram em boas condições físicas (75) de manuseio e que discorram
sobre o exercício profissional.

1
Professor com formação em Serviço Social, Universidade Estadual da Paraíba, E-mail:
[email protected].
2
Estudante de Graduação, Universidade Estadual da Paraíba, E-mail: [email protected].
3
Estudante de Graduação, Universidade Estadual da Paraíba, E-mail: [email protected].
4
Estudante de Graduação, Universidade Estadual da Paraíba, E-mail: [email protected].
2

A perspectiva de análise do estudo centra-se no materialismo histórico-dialético, o


qual possibilita uma apreensão do movimento da realidade, fundamentado no recurso
heurístico da totalidade. Como explica Netto (2012, p.52-53), longe de constituir um conjunto
de regras formais que se “aplicam” ao objeto, ou conjunto de regras escolhidos pelo sujeito,
para “enquadrá-lo”, para Marx, o método implica “uma determinada posição (perspectiva) do
sujeito que pesquisa: aquela em que se põe o pesquisador para, na sua relação com objeto,
extrair dele as suas múltiplas determinações”. Levando-se em consideração os elementos
preliminarmente destacados, esse estudo justifica-se pela necessidade permanente de
“aproximações sucessivas” à problemática do conservadorismo e sua relação com o Serviço
Social, nos mais variados contextos históricos, sobretudo, em tempos de “razão decadente”,
possibilitando ao discente de Serviço Social um maior aprofundamento dos fundamentos
histórico-conceituais do conservadorismo e suas roupagens; dos fundamentos histórico-
teórico e metodológicos da profissão e das perspectivas ideopolíticas que, historicamente,
nortearam os projetos profissionais.

2. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES HISTÓRICO-CONCEITUAIS SOBRE O


CONSERVADORISMO (CLÁSSICO) E O SERVIÇO SOCIAL

Embora o pensamento conservador não conforme um todo homogêneo, como


adverte um dos seus próprios interlocutores, parece haver consenso entre esses de que o
conservadorismo constituiria uma espécie de “inclinação pura e natural da mente humana”
para “conservar algo” (CECIL APUD COUTINHO, 2016, p.23,).
Porém, se, como nos ensina a teoria marxista, o pensamento tem um chão histórico,
a defesa do conservadorismo, como um processo natural, constitui um “pressuposto”
insustentável. Num texto escrito entre 1845 e 1846, para ser inicialmente apreciado pela
“crítica roedora dos ratos”, Marx e Engels (2009, p.31) deixam claro que “a produção
material da vida social” constitui o ponto de partida mais seguro para apreensão da
complexidade de qualquer objeto do real, ao qual o pesquisador se aventure a conhecê-lo.
Portanto, as premissas desses autores, para apreender a história em sua totalidade [...],
são “premissas reais e, delas, só na imaginação se pode abstrair. São os indivíduos reais,
a sua ação e as suas condições materiais de vida, tanto as que encontraram quanto as
que produziram pela sua própria ação [...]” (idem, p.23).
Nesse sentido, levando-se em consideração a matriz teórica do materialismo
histórico-dialético, conforme sustenta Netto (2011), esse tipo de análise de “naturalização
do social” não imprime contribuição na busca de suas raízes, já que o pensamento
conservador não conforma “um estilo de pensamento intemporal, a-histórico, encontrável

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em qualquer tempo e em qualquer sociedade” (2011, p.40). Considerá-lo como uma


suposta “disposição” da natureza humana não apresenta nenhuma referência histórica
concreta, o que implica, ainda segundo nossa autora, em uma “negação da história”
(NETTO, 2011).
De acordo com as reflexões da nossa autora, esse pensamento tem um solo
histórico, um tempo e uma sociedade específicos, e “boa parte dos analistas do
conservadorismo concorda com a localização do seu processo, a partir da Revolução
Francesa” (NETTO, 2011, p. 37-38). Cabe sublinhar que, nesse primeiro momento, o
pensamento conservador se coloca em posição de recusa aos elementos nascentes
impressos pela Modernidade, portadora de “uma cultura cujos principais vetores
guardavam um enorme potencial de contradições com a ordem feudal”, vindo a ser basilar
para soldar a hegemonia da burguesia revolucionária, enquanto classe emergente e
protagonista no processo de transição do modo de produção feudal para o modo de
produção capitalista (NETTO, 2011, p.41). Esse processo se inicia no século XVI, na
Europa Ocidental, com os primeiros indícios da erosão da estrutura do modo de produção
feudal, e deságua no século XVIII, na queda da Bastilha, mais precisamente, em 1789,
com a Revolução Francesa. A cultura da Modernidade, ou a Ilustração, representa, nessa
transição, a sua dimensão sócio-cultural, a qual “a burguesia destrói o Estado feudal e
molda o seu Estado” (NETTO, 2011, p. 44)
Como obra fundante do pensamento conservador, neste primeiro momento, tem-se a
obra “Reflexões”, do parlamentar e irlandês Edmund Burke, em resposta à Revolução
Francesa. Tal obra, conforme Netto (2011), expressa uma forma de repúdio não ao modo
de produção capitalista em si, mas, à sua dimensão sócio-cultural, ao desmoronamento
das instituições legítimas da tradição no Antigo Regime. Nesse sentido, para Netto
(2011), a crítica dos conservadores, desse período, dá-se sob uma perspectiva
restauradora, o que significa, em linhas gerais, que eles não expressavam uma total
rejeição ao capitalismo ou à industrialização, sustentáculo da nova ordem, mas, antes,
conformava-se num desejo de retomada à tradição e às instituições que imperavam no
modo de produção feudal, as quais a cultura da Modernidade contribui para destruir. Ainda
de acordo com a referida autora, é importante destacar que, durante esse momento de
surgimento do conservadorismo, a burguesia caracteriza-se como a classe universal,
revolucionária. Mas, no contexto pós-1848, conforme estudos de Coutinho (2010), a classe
burguesa salta de uma posição universal para posição particular e passa a defender
diretamente os interesses de sua própria classe.
Segundo Netto (2011, p.47), “trata-se de uma refuncionalização do pensamento
conservador, que terá, por objetivo, eliminar ou neutralizar os conteúdos subversivos da

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cultura moderna, especialmente, aqueles vinculados à sua dimensão emancipadora”.


Como resume nossa autora, se, originalmente, o pensamento conservador é “restaurador e
antiburguês”, no pós-1848, “este caráter se transforma: o que tende a se desenvolver no
seu interior, mais que aqueles dois traços, é o seu eixo contrarrevolucionário” (NETTO,
2011, p.49). E a sociologia, nesse contexto, surge como “filha direta do conservadorismo
pós-48”.
Em síntese, o período clássico do pensamento conservador encontra-se situado no
intervalo histórico entre Revolução Francesa (1789) e o desencadeamento da Primeira
Guerra Mundial (1914). Na primeira parte dessa fase, o conservadorismo assume uma
postura de restaurador e reivindica as instituições que predominavam no Antigo Regime,
fazendo oposição à revolução e as mudanças desenvolvidas pela Ilustração
(modernidade). E na segunda, pós-48, é refuncionalizado para atender aos interesses da
ordem e mantê-la segura de uma ameaça revolucionária, baseado na ideia de
irreversibilidade das amarras do capital à sociedade. E, quanto ao Serviço Social, como
historicamente se processa sua relação com o pensamento conservador?
Se a “invasão” do conservadorismo expressa-se nos processos de gênese e
institucionalização da profissão, no contexto brasileiro, é somente durante o chamado
Processo de Renovação do Serviço Social que se tem a possibilidade de contestação e
ruptura com esse histórico conservador. Porém, não se trata de um processo homogêneo
e “blindado” às expressões do conservadorismo, seja no exercício profissional, seja na
formação. De acordo com as análises de Netto (2010), a Renovação do Serviço Social
brasileiro se processa no contexto da ditadura militar e as matrizes teórico-metodológicas,
que nortearão a profissão, centram-se no Positivismo, na Fenomenologia e no Marxismo.
As duas primeiras vertentes, denominadas de “Perspectiva Modernizadora” e
“Reatualização do Conservadorismo”, não imprimem um processo de ruptura com o lastro
conservador da profissão. As expressões desse “conservadorismo renovado” evidencia-se
nas sistematizações e elaborações teóricas do Serviço Social, bem como, nos seus
documentos curriculares.
É somente, a partir da aproximação com a tradição marxista, com a vertente da
“intenção de ruptura”, que a profissão imprime possibilidades de ruptura com o
conservadorismo. Contudo, cabe destacar, como adverte Netto (1996), que a ruptura com
o histórico conservadorismo, na década de 1980, deu-se no plano ideopolítico e não na
sua integralidade. Significa que posicionamentos críticos, e, portanto, contrários à ordem
burguesa, conquistaram legitimidade para se expressarem abertamente. Noutras palavras,
legitimou-se no interior da categoria “o direito à diferença ídeo-política” (NETTO, 1996,
p.111).

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2.1.A particularidade da formação em Serviço Social no município de Campina Grande em


“tempos de chumbo”

De acordo com pesquisas de Fonseca et.al (2014), o surgimento das primeiras


escolas de Serviço Social na Paraíba (João Pessoa e Campina Grande) dá-se no contexto
dos anos de 1950. A escola do município de Campina Grande é criada, em 1957, e
somente no ano de 1960, mediante aprovação e autorização do Ministério da Educação e
Cultura, inicia suas atividades acadêmicas. Trata-se, incialmente, de uma escola de
natureza privada e confessional, resultante de articulações travadas entre a Igreja Católica
campinense, especificamente, a Congregação de São Vicente de Paula, Província do
Norte; o Estado – diretoria e secretaria de educação e cultura do município – e o
empresariado local.
A criação e o funcionamento do curso, em Campina Grande, em finais dos anos de
1950 e início da década seguinte, assim como, nos demais espaços brasileiros, não se
encontra apartada das condições histórico-concretas, as quais vivenciavam o país e a
profissão. Como discorre Netto (2010), trata-se de um contexto marcado pela
intensificação das contradições entre capital e trabalho, pela alavancagem da
industrialização pesada e pela adoção do discurso febril e implementação da política
desenvolvimentista. Nesse “caldeirão” histórico, os assistentes sociais são vistos como
profissionais estratégicos. Serviço Social empenha-se para responder as demandas
impostas à profissão sob discurso de que esta “(...) ou sintoniza com as solicitações de
uma sociedade em mudança (...) ou se arrisca a ver seu exercício relegado ao segundo
plano” (CBCISS APUD NETTO, 2010, p.139).
Tal “sintonia” implicava, dentre outras necessidades, na elevação do padrão técnico,
científico e cultural da profissão e na reivindicação de funções de planejamento das
políticas sociais. Essas questões adicionadas aos vetores extraprofissionais, como
assinala Netto (2010), desencadeará no denominado processo de erosão do Serviço
Social “tradicional”, no qual a aproximação e a incorporação do Desenvolvimento de
Comunidade (DC) pela profissão não se dão sem divergências, que, guardadas as devidas
particularidades, expressavam-se entre aqueles que defendiam o DC de forma endógena,
isto é, apenas como um novo “método” para intervenção profissional, sem tecer críticas ao
modo de produção capitalista; outro grupo apreciava a relação entre a profissão e o DC
numa perspectiva macrossocietária, supondo mudanças estruturais, porém, dentro da
ordem do capital e, por último, aqueles que defendiam o DC como “instrumento de um
processo de transformação social substantiva, conectado à libertação social das classes e
camadas subalternas (NETTO, 2010, p.140).

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Com a instauração do “golpe de 1964”, como sustenta o referido autor, as duas


primeiras correntes encontram “(...) campo aberto para seu florescimento” (NETTO,2010,
p. 141), que, no âmbito do processo de renovação do Serviço Social, adensarão às
vertentes renovadoras “modernizadora” e da “reatualização do conservadorismo”. Já o
grupo que defende o DC, enquanto possibilidade de transformação social, somente no
contexto de crise da “autocracia burguesa”, encontrará bases sociopolíticas para sua
emersão.
Na particularidade do município de Campina Grande, pode-se afirmar que há um
solo ainda mais fértil para a consolidação das vertentes que tendem a manter-se fincadas
ao “Serviço Social tradicional”, porém, sob novas roupagens. Tal assertiva pode ser
observada, seja a partir do formato do próprio curso, no momento de sua fundação, seja a
partir de sua “laicização”, na segunda metade dos anos de 1960, mediante apreciação e
análise dos TCCs desse período.
Por meio de estudos documentais de Fonseca et.al (2014), a própria ata de criação
do curso, ao identificar as finalidades da faculdade de Serviço Social, em Campina Grande,
com base na Doutrina Social da Igreja, já sinaliza a histórica tendência conservadora da
formação. A administração do curso, bem como, a condução da maioria dos conteúdos
específicos da formação, encontrava-se sob a tutela de religiosas, formada em Serviço
Social, da Congregação das Irmãs de Caridade de São Vicente de Paula. A estrutura
curricular do curso contava com disciplinas, como Higiene e Medicina Social, Psicologia,
Sociologia, Noções de Direito e Legislação Social e Serviço Social de Casos.
Esse formato da dinâmica curricular, assim como, o perfil do corpo docente e a
direção do curso, expressa um traço histórico constitutivo da profissão, denominado por
Iamamoto (2008, p.21), de “arranjo teórico-doutrinário”, que consiste na manutenção do
“seu caráter técnico-instrumental voltado para uma ação educativa e organizativa entre
proletariado urbano, articulando o discurso humanista calcado na filosofia aristotélica-
tomista aos princípios da teoria da modernização presente nas ciências sociais”.
É somente no contexto da ditadura militar, especificamente, em 1966, que tem-se a
inserção do curso no espaço universitário, mediante a criação da Universidade Regional do
Nordeste (URNE), pela prefeitura municipal de Campina Grande. Esse processo de
“laicização”, ainda segundo pesquisas de Fonseca et.al (2014), se expressa em alterações
nas formas de vínculo empregatício (o corpo docente deixa de ser voluntariado e passa a
ser remunerado) e de estrutura curricular (maior aproximação com as ciências sociais).
Porém, tal inserção não rompe com o “manto” da Doutrina Social da Igreja Católica, uma
vez que o curso continua sob direção da Congregação, o ingresso de discentes dá-se
mediante a exigência de um “atestado de conduta e sanidade” e as disciplinas continuam

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com expressivo conteúdo religioso, a exemplo “(...) das virtudes morais; da fé católica; do
plano de salvação; da relação entre profissão e vocação, dos deveres do assistente social
católico(...), do testemunho cristão do assistente social; da orientação pré-matrimonial e
social, etc.”(FONSECA, ET.AL, 2014, p.289).
Essas observações podem ser evidenciadas nos TCC‟s pesquisados, sobretudo, nas
referências à concepção de família amparada pelos escritos confessionais, a exemplo de
escritos bíblicos (livro de gênesis-1,27-28), bem como, nas afirmações de que "(...) a
proteção de valores fundamentais e a garantia dos vínculos familiares (...) a defesa da
integridade familiar (...) deve ser estimulada pela Igreja e pelo Governo (1966, p.14).
Também na afirmação: “(...) era muito comum ouvir-se, antes de se tomar qualquer
decisão, referente aos problemas da comunidade, frases como: (...) a senhora tem razão,
mas a gente precisa conversar com o Frei (...) ele é o cabeça daqui" (1964, p.37), pode-se
observar a expressividade da dimensão religiosa na condução da vida social.
Ainda nessa direção, um outro TCC - ao descrever sobre o Serviço Social junto à
crianças e adolescentes ou “menores” que cometeram algum ato infracional – deixa ainda
mais evidente essa relação umbilical da formação com a Igreja Católica. Ao afirmar que,
cabe ao “Serviço Social contribuir para o desenvolvimento da personalidade do menor e
ingressá-lo nas atividades sócio econômicas, afastando-o das fileiras da marginalização"
(1976, p. 47). Nesse sentido, uma das principais ações do assistente social, para atingir tal
finalidade, seria a “motivação para o Cristianismo” (1976, p.98), uma vez que, os usuários
adolescentes de uma determinada instituição não possuíam alguns dos “passaportes
necessários” para o “reino de Deus”, como o sacramento do batismo e a celebração da
primeira eucaristia.
A ênfase na defesa da família, para além dos postulados religiosos, constitui um dos
principais traços do conservadorismo. Para o “pai dos conservadores”, as famílias
constituem a base moral da sociedade, uma vez que “(...) tomamos nossas leis
fundamentais no seio das nossas famílias” (BURKE APUD NETTO, 2011, p.66). Nesse
sentido, cabe destacar a seguinte citação impressa em dos TCCs dos anos de 1970:

(...) família - composta de pai, mãe e filho - é o meio natural da criança onde se
desenvolve mais harmoniosamente (...) delas as crianças receberão as boas e más
influências que moldarão os seus hábitos; (...) a ausência de crianças problemas, só
acontecerá se houver no lar compreensão entre os pais, num ambiente onde reine o
amor, carinho e justiça, e se a vida que levarem for sempre norteada para o caminho
reto (1973, p.45 – grifo nosso).

Além de atribuir à família um papel basilar na perspectiva moralizante, a valorização


da família, segundo Netto (2011, p.67), encontra-se intimamente relacionada a um traço
distintivo do pensamento conservador, qual seja: “a defesa da constituição de grupos

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intermediários, capazes de, junto com a família, mediar a relação entre indivíduos e
sociedade”, no caminho da “harmonia orgânica da sociedade”.
“Harmonia”, “coesão” e “integração” são expressões que desaguam na vala do
discurso febril do “ajustamento”, reveladores da matriz teórica do Positivismo na sua
versão estrutural-funcionalista. Nessa direção, tem-se a seguinte citação encontrada, nos
TCCs dos anos de 1970: “hoje, mais do que antes, notamos relevância quanto ao número
de crianças desajustadas, que perambulam pelas ruas, adquirindo vícios e hábitos
perniciosos. Está provado que tais atitudes têm como fator a desorganização familiar”
(1973, p.23). Também na afirmação, “a família é considerada a unidade fundamental, por
sua vez, responsável, em grande escala, pelo ajustamento e recuperação do cliente" (1976
p. 6), observa-se a centralidade da família no “ajustamento” da classe trabalhadora à
dinâmica capitalista.
No interior dessa concepção abstrata de família, que permeou o Serviço Social,
debita-se à mulher a “missão do cuidado” para manutenção de “lares estruturados”, traço
identificado no seguinte TCC, ao enfatizar que: “(...) quanto mais mulheres aperfeiçoadas e
conscientes de suas responsabilidades, mais lares sólidos e bem formados, mais famílias
felizes, mais comunidades desenvolvidas.” (1970, p.14)
Essa observação, a nível nacional, também é identificada nos primeiros TCCs das
primeiras escolas de Serviço Social em São Paulo e Rio de Janeiro, conforme estudos de
Iamamoto e Carvalho (2005, p. 172), expresso na afirmação de que “(...) a mulher é feita
para compreender e ajudar. Dotada de grande paciência, ocupa-se eficazmente de seres
fracos, das crianças, dos doentes. A sensibilidade torna amável e compassiva (...)”. Ainda
nessa direção, de uma concepção patriarcal da mulher (operária) na ordem do capital, um
determinado TCC reforça que “[...] o problema da mãe operária é, de certo modo, grave,
devido ao seu afastamento durante determinadas horas do dia, pois ficam prejudicadas a
casa, os filhos, e, principalmente, o esposo [...]” (1960, p. 05).

Nos TCCs analisados, a apreensão da “questão social” segue o caminho, a


programática do pensamento conservador, seja laico, seja confessional. Sobre isso, uma
das primeiras observações refere-se ao fato de que, em alguns TCCs, há uma relação das
manifestações imediatas da “questão social” (fome, desemprego, analfabetismo, etc.) aos
desencadeamentos do processo de industrialização, mas, ao mesmo tempo, a indicação
para o enfrentamento das referidas expressões centra-se na mudança de comportamento
daqueles(as) que vivenciam tais situações. Nesse sentido, cabe destacar a seguinte
citação, ao tecer uma descrição dos “problemas sociais” de um determinado espaço rural
de Campina Grande, “[...] O aspecto sanitário e higiênico apresenta-se como uma
decorrência dos aspectos econômico e educacional, consequência da problemática

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estrutural, [...] a comunidade apresenta altos índices de desnutrição e ausência completa


da higiene” (1967, p. 09). Porém, logo em seguida, sustenta-se que "[...] a melhoria das
condições de vida do homem rural brasileiro, o bem estar de sua família, terão que
decorrer necessariamente de sua própria vontade” (1967, p.14).
Outro dado identificado, na presente pesquisa, refere-se ao fato de que os TCCs
analisados, sobretudo, aqueles dos anos de 1970, têm como uma de suas principais
referências os documentos de Araxá e Teresópolis. Sem fazer nenhuma reflexão sobre o
significado dos referidos documentos para a profissão, os TCCs destacam, dentre outras
questões, a importância da definição da “função do Serviço Social” nas instituições; a
atuação do Serviço Social na perspectiva da macroatuação, bem como, a importância da
identificação das “variáveis dos problemas sociais” para “solução” desses problemas.
Como discorre Netto (2010), os referidos documentos são resultantes do primeiro
Seminário de Teorização do Serviço Social, que imprimem materialidade à denominada
perspectiva modernizadora, uma das vertentes do processo de renovação do Serviço
Social, hegemônica até os finais dos anos de 1970.
Sobre Araxá, cabe registrar que, já nas considerações iniciais do documento, as
quais sinalizam seu objetivo, podem-se encontrar algumas “pistas” do Estrutural
Funcionalismo. Segundo seus elaboradores, Araxá expressa um “esforço de teorização do
Serviço Social”, cujo objetivo centra-se na análise e na síntese dos “seus componentes
universais [...], seus elementos de especificidade e de sua adequação ao contexto
econômico e social da realidade brasileira” (CBCISS, 1986, p.19). Isso, porque o Serviço
Social encontra-se “desafiado pelas exigências do processo de desenvolvimento” (idem) e,
para atender as referidas exigências, a profissão busca “integrar-se nessa realidade em
mudança” (idem). Como possível caminho para tal “integração”, o Documento reivindica dos
assistentes sociais o investimento numa “abordagem técnico-operacional” (idem, p.21).
Dos referidos elementos introdutórios cabe tecer duas observações. A primeira
refere-se à problemática da “teoria” e da “especificidade”. A busca por uma teoria ou
metodologia própria, exclusiva do Serviço Social, é um traço constitutivo da profissão. No
Brasil, tal busca tem início nos anos de 1940, face ao contato com a literatura norte-
americana. A principal ideia que orienta essa “cruzada” no Serviço Social, como lembra
Netto (2005), deve-se ao fato de que a constituição, bem como, a legitimação de uma
determinada profissão, seria uma variável dependente do seu estatuto “científico”, o que
incluiria a existência de uma teoria e de um método próprio. Nos moldes positivista, a
construção desse status “científico” blindaria a profissão, por exemplo, do assistencialismo,
da adoção de pré-julgamentos, das ideologias (capitalista ou comunista), enfim, possibilitaria
a efetivação de uma suposta “neutralidade”.

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Como explica Netto (2010, p.174), é uma característica chave do pensamento


conservador sua dimensão despolitizante, vinculada, tanto à “naturalização e
pscicologização das relações sociais”, quanto ao tecnificismo. Essa “desqualificação do
político [...] vem associado ao administrativo, com o inteiro obscurecimento da natureza de
dominação do poder (que naturalmente aparece como „poder de decisão‟, passível de
subordinação técnica)”. Noutras palavras, para o positivismo, a hipertrofia da ciência, da
técnica, funciona como mecanismos de obscurecimento da dominação, do poder político
das instituições, da luta de classes.
Ainda sobre a busca da “especificidade” da prática profissional que o documento faz
referência, mais uma vez, percebe-se a influência de uma forma de pensar conservadora,
pois, quando se busca delimitar o que seria “exclusivo” da prática do assistente social,
remete-se a uma posição de “imutabilidade das atribuições, portanto, um caráter a-histórico”
do real e da profissão (idem, p.156). A busca da “especificidade” do Serviço Social,
historicamente, dá-se atrelada ao fato de que sua ausência implicaria em deslegitimação
profissional. Hoje, sabemos que, o que imprime legitimidade à profissão, é sua capacidade
de dar respostas às demandas sociais (NETTO, 2005). No capítulo referente à “revelação”
da natureza, dos objetivos e das funções do Serviço Social, o suporte teórico do Estrutural
Funcionalismo expressa-se de forma mais cristalina. Segundo os formuladores de Araxá,
“como prática institucionalizada, o Serviço Social se caracteriza pela atuação junto aos
indivíduos com desajustamentos familiares e sociais. Tais desajustamentos muitas vezes
decorrem de estruturas sociais inadequadas” (CBCISS, 1986, p.24).
Na citação supracitada, ao destacar que os “desajustamentos decorrem muitas
vezes de estruturas sociais inadequadas” (CBCISS, 1986, p.24), isso poderia levar nosso
leitor a concluir que a lógica de funcionamento do sistema capitalista “incide” diretamente
nas condições de miserabilidade da classe trabalhadora, independente de possíveis
“problemas psíquicos” que os indivíduos possam a vir desenvolver, ou não, ao longo da
sua vida. Porém, esse não é rumo do Documento, visto na sua totalidade. A menção às
“estruturas sociais inadequadas” refere-se à inexistência ou funcionamento incipiente de
um “subsistema”, qual seja aquele da “infraestrutura social”, isto é, à inexistência de
serviços sociais como saúde, educação, habitação, etc.
Se a menção à “realidade brasileira” aparece no documento de Araxá, segundo Netto
(2010, p.175), “à moda do garçom da santa ceia”, nos TCCs em questão, a única
referência ao regime militar aparece em forma de apologia ao mesmo. Essa colagem dos
assistentes sociais ao projeto de “modernização conservadora” da autocracia burguesa
encontra-se para além da “hipoteca do medo” face à ditadura, principalmente, por parte
daqueles profissionais que encontram-se inseridos nas instâncias do aparelho do Estado e,

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portanto, submetidos à permanente vigilância dos militares. O elemento-chave, que


imprime maior peso ou “gravitação especial” à referida colagem, deve-se, segundo Netto
(2010, p.167), ao próprio lastro conservador da profissão. Portanto, pode-se afirmar que o
projeto político-ideológico dos militares encontra solo fértil para germinar no interior da
categoria.

3. CONCLUSÃO

Do substrato dos resultados da pesquisa, ora em curso, pode-se destacar que o


positivismo, na sua versão estrutural funcionalista, conforma a principal matriz teórica que
imprime sustentação aos TCCs do curso de Serviço Social, em Campina Grande, durante as
décadas de 1960 e 1970. Tal perspectiva teórica oferece uma concepção de mundo e de
homem que mantém uma relação umbilical com o conservadorismo, historicamente
presente na profissão.
O estrutural-funcionalismo orientou a formação e o exercício profissional dos assistentes
sociais, sobretudo, durante as duas primeiras décadas do período autocrático brasileiro,
mediante a chamada perspectiva “modernizadora” do processo de renovação do Serviço
Social brasileiro. Materializa-se, especialmente, nos documentos de Araxá e Teresópolis,
os quais, enquanto resultantes dos denominados Seminários de Teorização do Serviço
Social, imprimem uma concepção de profissão politicamente sintonizada com projeto
autocrático burguês. Em outras palavras, sem questionar ou problematizar, dentre outras
questões, a exploração do trabalho, o sepultamento dos direitos civis e políticos, seus
impactos para as condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora, o Serviço Social
direciona seus esforços investigativos e formativos na hipervaloração da dimensão técnico-
operativa da profissão. Trata-se da construção de “manuais ou receituários metodológicos”
de como os assistentes sociais, naquele momento histórico, deveriam proceder para
contribuir com o propalado “desenvolvimento econômico e bem-estar social”.
A acentuação na dimensão tecnicista, nos procedimentos burocráticos-operacionais, tida
como a face “moderna” que o Serviço Social deveria agarrar, como “agente moderno de
mudança”, não anula seu histórico “tradicional”, sua referência ao neotomismo, persistindo,
assim, o ecletismo e o histórico “arranjo teórico doutrinário” da profissão. Seguindo os
passos do referido “arranjo” e do ecletismo teórico, os documentos de Araxá e Teresópolis
conformam algumas das principais referências para os primeiros assistentes sociais
campinenses. Sem fazer nenhuma reflexão sobre o significado dos referidos documentos
para a profissão, os TCCs destacam, dentre outras questões, a importância da definição
da “função do Serviço Social” nas instituições; a atuação do Serviço Social na perspectiva
da macroatuação, bem como, a importância da identificação das “variáveis dos problemas

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sociais” e uma concepção de família amparada na eclética junção de neotomismo e


estrutural funcionalismo.
Bem ao sabor do pensamento conservador, a família é visualizada como um dos
subsistemas que compõem a sociedade e, para tanto, exerce uma função primordial para o
funcionamento “harmonioso” do “organismo social”. Nesse sentido, os assistentes sociais
voltam seu raio de atuação para aquelas famílias consideradas uma “situação social
problema”, isto é, famílias “desajustadas”. Ainda nessa compreensão, tem-se uma
acentuada influência confessional, pois, em muitos momentos dos TCCs, aponta-se o
afastamento das atividades religiosas como um dos determinantes para o referido
“desajustamento” social. Nessa mesma direção, destaca-se a apreensão dos assistentes
sociais sobre as expressões concretas da questão social centrada numa ótica moralizante,
psicologizante e tecnicista, conforme a cartilha desenvolvimentista da autocracia burguesa.
Diante dos elementos, preliminarmente, problematizados, ao longo desse relatório, pode-
se concluir que a presença do pensamento conservador nos TCCs pesquisados
expressam a própria dinâmica particular de criação e de laicização do curso de Serviço
Social, em Campina Grande, e sua relação com a totalidade da profissão a nível nacional,
durante o regime militar.

REFERÊNCIAS

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