Violência, Criminalidade e Mais-Valia - Revista Inteligência
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Edição 81 (https://inteligencia.insightnet.com.br/category/edicao-81/)
Paulo para outros importantes centros urbanos e desses para grandes e médias
cidades, num período que começa aproximadamente em meados dos anos 70 e
continua até agora. Mais de um milhão de pessoas, principalmente jovens do sexo
masculino, foram assassinados no Brasil nos últimos vinte anos.1 A taxa de
homicídios, como se sabe, é um importante indicador do nível em que se encontra
a criminalidade em geral, e o crime violento em particular. Na década de 90, a
taxa média de homicídios no Brasil alcançava 23 para cada 100 mil habitantes,
enquanto no estado do Rio de Janeiro, no mesmo período, ela atingia 50/100 mil
e em São Paulo, 4/100 mil. Na década seguinte, a taxa brasileira de homicídios
alcança pela primeira vez a média de 27/100 mil. Esse aumento, contudo,
contrastava com o que começava a acontecer nas duas maiores metrópoles do país
(Gráfico 1).
Um processo reverso começou a ocorrer, primeiro em São Paulo, a partir dos
primeiros anos da primeira década do século XXI, e, em seguida, no Rio de
Janeiro. Em 2015, a taxa de homicídios em São Paulo já havia recuado para
12/100 mil, numa queda linear e vertiginosa desde 2002, e no Rio de Janeiro,
uma queda menos acentuada, no início, acelerou-se nos últimos anos, recuando
em 2015 para 30/100 mil. As taxas de homicídios de outras grandes cidades,
principalmente na região Nordeste do país, seguiram uma direção inversa,
fazendo com que a taxa brasileira passasse de 25 para 29 por 100 mil habitantes,
mesmo com a queda verificada nas taxas de São Paulo e Rio de Janeiro.
Uma análise comparativa desse processo e do seu significado quanto aos padrões
da criminalidade nas diferentes regiões do país é o objetivo geral deste artigo.
Uma análise mais atenta do que ocorre em São Paulo e Rio de Janeiro mostrará
que o que pode ter se passado, entretanto, não deve ser interpretado como se a
criminalidade em geral tivesse apenas diminuído ali e aumentado acolá. Os
deslocamentos entre diferentes padrões de crime são conhecidos, e a migração do
crime violento entre cidades e regiões parece também seguir algumas tendências
comuns. A intervenção do Estado no contexto atual da criminalidade é uma
importante variável explicativa, embora nem sempre suficiente ou baseada em um
significado homogêneo. Organizações criminais de diferentes tipos devem
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preços cada vez mais competitivos nas áreas de baixa renda ou na periferia urbana
das duas grandes cidades brasileiras.
O aumento dos registros criminais não foi absorvido pelo sistema de justiça
criminal, que já funcionava com dificuldades e com baixa integração entre o
subsistema policial e o subsistema judiciário. A baixa capacidade de
processamento de crimes graves e a lentidão do sistema como um todo passam a
ser representados socialmente como um fator significativo do aumento da
criminalidade, legitimando para uma parte da sociedade as ações ilegais de
“justiçamento” de ladrões e suspeitos de crimes por grupos parapoliciais. No Rio
de Janeiro o primeiro “esquadrão da morte” é formado ainda no final dos anos 50
e, em São Paulo, nos anos 60. Ladrões e pequenos traficantes e estelionatários
passam a ser encontrados mortos, assassinados, com uma tabuleta informando o
grupo que os executou. Jornais populares e programas de rádio passam a se
especializar em notícias criminais, estampando e banalizando imagens e relatos
macabros em suas páginas e emissões. Os grupos de extermínio se disseminam na
periferia das duas cidades, oferecendo proteção a comerciantes e pequenos
empresários. Por outro lado, atuam também na extorsão a suspeitos de crimes e
na cobrança de parte da renda a ladrões e sequestradores que caiam sob o seu
controle e ameaças. Em sua maior parte, esses grupos são formados por policiais,
ex-policiais e jovens cooptados para agirem como “justiceiros”. A capacidade do
sistema de justiça criminal para incriminá-los é, evidentemente, ainda mais baixa,
já que se reproduzem sob a proteção ou a indiferença de autoridades e de parte da
sociedade.
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Como tudo isso já ocorre há pelo menos 30 anos, há toda uma geração nascida e
socializada em favelas e conjuntos habitacionais para a qual o “movimento” (nome
que se dá ao varejo do tráfico)6 integra normalmente seu repertório cultural. Uma
parcela desses jovens se oferece regularmente para substituir os que foram presos
ou mortos, de modo a manter e “fortalecer o movimento” mesmo quando é
duradoura a repressão. Do mesmo modo, foi se constituindo – num ambiente
social desprovido, em geral, de outras identificações coletivas fortes – um
referencial simbólico de identidade local, mesmo para os jovens não envolvidos
diretamente com o tráfico, que os fazem se identificar com o Comando local,
algumas vezes com o mesmo grau de adesão que torcedores têm por seus clubes
de futebol.
A expectativa do Comando Vermelho era a de oligopolizar o mercado a varejo das
drogas em todo o estado do Rio de Janeiro, mas ainda em meados dos anos 80
surgiu outra organização, intitulada “Terceiro Comando” (TC),7 que passou a
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Há hoje cerca de 90 favelas sob controle das chamadas “milícias”. Em todas elas
há um grupo armado que controla a distribuição de gás em botijão, os serviços
clandestinos de internet e televisão a cabo e, em algumas áreas, o transporte
público ilegal por veículos de passageiros do tipo “vans”. Impedem também que o
tráfico de drogas se instale na localidade, embora haja casos em que milícias
“venderam” seu território para traficantes, quando não obtiveram os lucros
esperados. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi formada na Assembleia
Legislativa do Estado para apurar as ilegalidades e violências, e a Secretaria de
Segurança Pública tem reprimido duramente as milícias, inclusive prendendo e
denunciando à justiça os principais políticos ligados à chamada “Liga da Justiça”.
Apesar disso, e assim como acontecia com o tráfico, as milícias continuam a existir
em várias partes do Rio de Janeiro, mesmo que tenham perdido seu braço político
mais visível, e se tornado uma atividade obrigada à semiclandestinidade. O
assassinato da vereadora Marielle Franco, muito atuante na denúncia às milícias,
tem sido atribuído a milicianos ligados a políticos que atuam na Câmara de
Vereadores do Rio.
O modelo das milícias, como também ocorreu com o jogo do bicho e com o tráfico
de drogas, todos surgidos no Rio de Janeiro, vem sendo adotado em cidades de
outros estados brasileiros, nacionalizando formas de organizações criminosas que
têm no recurso à violência uma de suas principais características. Há hoje jogo do
bicho em todo o país, embora declinante; há também redes de quadrilhas de
tráfico de drogas em todos os estados e organizações de presidiários em pelo
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menos seis estados (Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Mato Grosso do
Sul, Bahia e Paraná). Grupos de extermínio e modalidades da chamada “polícia
mineira” são comuns em todo o Norte e Nordeste do país, além dos estados já
citados, onde há organizações de presidiários.
Mercadorias políticas
Todos os três tipos de organização criminosa tratados neste artigo são
empreendimentos que se definem, primeiramente, por se constituírem em
mercados ilegais. As mercadorias ilegais exploradas – jogo, drogas, armas e
proteção – possuem diferentes propriedades como capital. As drogas ilícitas e as
armas letais têm em comum o fato de sua sobrevalorização no mercado ser função
da maior ou menor oferta, o que depende da repressão que essas organizações
sofrem. O mesmo não se passa com o jogo e com a proteção. O preço dessas duas
mercadorias depende mais da demanda e, portanto, da maior ou menor
abrangência da clientela. No caso da proteção, quando não há clientela
espontânea, ela pode ser induzida por extorsão. De qualquer modo, todas essas
organizações dependem – para se reproduzir – de um segundo tipo de
mercadoria, aquela que pode proteger quem oferece proteção, proteger quem
controla territórios, proteger quem negocia armas, proteger quem anota apostas
nas ruas.
Trata-se, nesse caso, de uma mercadoria que depende de um cálculo efetivo de
poder e de correlação de forças para poder adquirir características econômicas,
tenho-a chamado, por isso, de “mercadorias políticas” (Misse, 1997, 1999, 2007,
2012). São mercadorias produzidas numa troca assimétrica, quase sempre
compulsória, embora interesse geralmente a ambas as partes realizá-la. Seu preço
depende simultaneamente de um cálculo político e de um cálculo econômico.
Pode ser produzida pela privatização de atribuições estatais por um funcionário
público (é o caso da variedade de trocas chamada “corrupção”), como pode ser
produzida simplesmente pela posse de informação, força, poder ou violência
suficiente para obrigar um sujeito ou grupo social a entrar numa relação de troca
(é o caso da chamada “extorsão”). Evidentemente, pode-se
fazer uma interpretação estritamente econômica dessas trocas, mas perde-se a
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Como isso foi possível? Como o tráfico – tão fortalecido nos anos anteriores –
cedeu os territórios às milícias, se não cediam à polícia? Em primeiro lugar é
preciso insistir que, há décadas, policiais preferiam extorquir os traficantes a
expulsá-los de seus territórios. A palavra “extorsão” nem sempre é adequada para
compreender o que se passa. Havia um rearranjo de poder que interessava a
ambas as partes, ainda que a troca se desenvolvesse sob forma compulsória e
assimétrica. Por um lado, guarda semelhança com a forma do tributo; por outro, é
uma troca em que os valores são negociados a cada conjuntura da repressão.
A repressão ao tráfico sempre funcionou como matriz de preços, tanto do preço da
droga quanto da fixação do valor da mercadoria política oferecida pelos policiais.
Diferentemente da época do jogo do bicho, quando os policiais encontravam-se
muitas vezes em posição subalterna na negociação com bicheiros, no caso do
tráfico havia um “arranjo”, compulsório, mas negociado, em que a posição
dominante cabe ao policial. Quanto menos negociada fosse a troca, mais se
aproximava da pura extorsão, o chamado “arrego”.
A oferta de proteção tem diferentes conteúdos: informações sobre operações
policiais, soltura de presos, facilitação na chegada de armas e drogas, “vista
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Conclusões
Antes da adoção da nova política das UPPs, a taxa de homicídios no Rio de
Janeiro vinha caindo lentamente. A aceleração da queda, a partir de 2011, é, sem
dúvida alguma, resultado da associação de duas políticas: a política de metas de
redução dos homicídios, estabelecida dois anos antes das UPPs (Misse, 2013), e a
extensão das UPPs a um grande número de favelas da capital, produzindo efeito
demonstração em outras áreas. Junto com a queda nos homicídios, observou-se
também uma queda nos demais indicadores de criminalidade violenta no mesmo
período, tanto no Rio quanto em São Paulo. Mais difícil de explicar foi a queda
linear, ano a ano, agora estabilizada, dos crimes violentos em todo o estado de São
Paulo. Os fatores principais, lembrados por Kahn (2010) e Lima (2009), incluem,
além do continuado aumento da renda média e do emprego nas áreas mais
pobres, o forte investimento do estado nas polícias nas últimas duas décadas,
especialmente na investigação de homicídios. Também é lembrada a política
adotada de encarceramento em massa, que triplicou a taxa de presos no estado
nos últimos dez anos. A queda relativa da proporção de jovens (as principais
vítimas) na estrutura demográfica do estado no mesmo período não parece ter
sido tão acentuada para explicar toda a queda assinalada, mas certamente terá
tido influência. O fator mais polêmico, lembrado por antropólogos que pesquisam
junto às populações da periferia, seria o controle social que o PCC estaria
exercendo junto aos agentes de atividades ilícitas em todo o estado, mesmo que
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Não há consenso sobre a relevância relativa desses fatores, mas uma ruptura, há
alguns anos, nas relações de bases policiais com jovens da periferia da cidade de
São Paulo, que causou dezenas de mortes entre civis e policiais, parece indicar
algum tipo de acordo tácito entre os policiais que atuam na periferia e membros
do PCC. De todo modo, a variável interveniente mais importante, aquela cuja
onipresença no cotidiano dos mercados ilegais e da criminalidade nas grandes e
médias cidades brasileiras é constante na duração de sua história social, aquela
cuja participação intermitente constrói, nas margens do Estado, a sujeição
criminal e a compra e venda de mercadorias políticas, e cuja ineficiência cria o
sentimento de impunidade que fortalece as soluções violentas e extralegais – esta
variável, mais que interveniente, é decisiva na explicação, seja do montante, seja
da queda dos índices de violência urbana no Brasil: é a polícia, as polícias, os
policiais que resolveram tomar a si o monopólio estatal da violência, ainda que de
forma ilegítima e ilegal. O medo, mas também o desprezo, pela polícia, no Brasil,
supera, reconhecida e amplamente, o respeito pela instituição e indica uma
separação histórica profunda entre Estado e sociedade no Brasil. As manifestações
populares que tiveram lugar, em 2013, em muitas cidades brasileiras, reclamavam
exatamente disso.
Tentando dar uma resposta a essas demandas, observa-se no Brasil uma dupla
inflexão. No Rio de Janeiro, decretou-se pela primeira vez no país uma
intervenção federal. Em escala mais abrangente, desde 2014 a Polícia Federal e o
Ministério Público Federal, com apoio em alguns juízes, decidiram estender a
sujeição criminal, nos últimos anos, a todo o espectro político e à maior parte de
grandes empresas brasileiras. Essa atitude, que ganhou amplo apoio da
população, quer provar que o sistema judicial brasileiro deve ser igualitário e que
o crime deve ser perseguido em todas as classes sociais. A noção de “organização
criminosa” passou a ser amplamente usada e aplicada a ex-presidentes,
governadores, parlamentares de todo tipo e grandes empresários, tratados
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literalmente como bandidos pela imprensa. Em uma larga medida, os seus crimes
envolvem mercadorias políticas produzidas para dar suporte ao sistema político-
eleitoral brasileiro. A trivialização da sujeição criminal é o mais novo fenômeno
judicial no Brasil. Até que ponto o conceito de sujeição criminal suportará uma
constitutiva dimensão igualitária? Para restaurar o sentido preciso do conceito, a
intervenção federal, decretada pelo presidente ilegítimo, não visou todo o estado
do Rio de Janeiro, mas apenas a área de segurança pública. E os interventores
escolhidos, como que a testar os limites do conceito, são generais e oficiais do
Exército nacional.
Como não havia qualquer estudo prévio, plano ou análise que justificasse uma
intervenção parcial dessa monta, seccionando a Secretaria de Segurança do resto
do governo estadual, entendeu-se logo que os militares estavam apenas
obedecendo a um decreto presidencial de conteúdo basicamente de marketing
político, para desviar as atenções da fragorosa derrota na tentativa do governo
federal de aprovar reformas impopulares, como a da Previdência. O que poderão
fazer os generais da intervenção com os quarenta anos de acumulação social da
violência no Rio de Janeiro? Serão capazes de reestruturar as polícias, controlar a
corrupção nessas corporações, incorporar a inteligência nas ações policiais,
combater as milícias? A primeira reação partiu das tradicionais áreas de sujeição
criminal, as favelas, amedrontadas com a possibilidade de ações militares de
monta e a instauração do estado de exceção em suas comunidades. No entanto, a
primeira resposta que os interventores receberam veio na forma de um
assassinato profissionalmente executado em suas barbas, que ao atingir a
vereadora Marielle Franco, da oposição à intervenção, e o seu motorista
Anderson, chamou de volta o povo às ruas em manifestações de luto e protesto de
grandes proporções. A reiteração midiática de que há bandidos por toda parte, o
apelo de um candidato presidencial por mais violência punitivista contra pobres e
ricos, enaltecendo um famoso torturador da época da ditadura militar, demonstra
o quanto de abrangência o conceito de sujeição criminal já pode ter alcançado.
Como no famoso samba de carnaval, será mesmo possível que todos os brasileiros,
agora postos preventivamente sob sujeição criminal, engolfando-se num abraço
desesperado, voltem estridentemente a cantar que “se gritar, pega ladrão!, não
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NOTAS DE RODAPÉ
4. Sobre o tráfico de drogas no Rio, as principais pesquisas são: Alba Zaluar (1995,
2004), Michel Misse (1997, 1999, 2008), Marcelo Lopes de Souza (1996), Marcos
Alvito (2001), Antonio Rafael (1997, 1998), Luke Dowdney (2003), Rosinaldo
Souza (2004), Machado da Silva, org. (2008) e Carolina Grillo (2013).
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15. Entre as exceções, veja-se Gabriel Feltran (2011) e Vera da Silva Telles e Daniel
Hirata (2007)
17. Sobre o tema da “sujeição criminal”, ver Misse (1999; 2006) e Teixeira (2013).
18. Cf. Marcelo Burgos (2002), Alba Zaluar e Isabel Conceição (2007) e Cano, I.
(2008).
20. Sobre as diferentes formas de troca política, ver Michel Misse (2012). Sobre a
diferença entre arreglo e arrego, ver Lênin Pires (2010).
21. Orestes Barbosa, poeta, jornalista e escritor, publicou crônicas sobre o
submundo criminal do Rio nas décadas de 20 e 30. Cf. Barbosa, O. (1930).
BIBLIOGRAFIA
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