Complexidade Tributária e Evasão Fiscal No Brasil
Complexidade Tributária e Evasão Fiscal No Brasil
Complexidade Tributária e Evasão Fiscal No Brasil
Resumo
O presente artigo teve por objetivo verificar se a complexidade tributária brasileira é um
determinante do nível de evasão do país, permitindo conhecer a intensidade e a direção da
relação entres esses elementos. O fundamento para pesquisa decorre do fato de que o Brasil é
considerado um país cuja complexidade influencia em seu nível de evasão e que existe o
fundamento teórico de que a complexidade tributária é um determinante da evasão fiscal, mas
estudos internacionais não identificaram significância nessa relação. Ante a necessidade de se
testar esse elemento para o caso brasileiro, o presente estudo utilizou uma abordagem
quantitativa, com a utilização de regressão linear múltipla a partir de dados de carga tributária,
complexidade tributária e corrupção do país, no período 2005 a 2015, com coleta de dados
disponibilizados por instituições internacionais, como Fundo Monetário Internacional e Banco
Mundial e Transparência Internacional. Os resultados encontrados demonstraram que apenas
a carga tributária apresentou significância estatística para explicar o comportamento da evasão
fiscal, o mesmo não ocorrendo para complexidade tributária e corrupção, confirmando
parcialmente os achados de estudos internacionais precedentes e revelando que o tratamento
da complexidade tributária brasileira talvez não tenha a dimensão que se é comumente
idealizada quando associam a sua participação no contexto de evasão fiscal. Desta forma, o
trabalho contribui para a ampliação dos estudos empíricos sobre complexidade tributária
brasileira e sua real influência no contexto arrecadatório, permitindo que dados do Brasil
possam ser melhor conhecidos e debatidos por acadêmicos, governos e empresas na melhoria
de instrumentos de arrecadação e de controle fiscal.
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1. Introdução
No contexto tributário brasileiro, dois pontos são recorrentemente tratados por governos
e contribuintes: a complexidade do sistema tributário (Jacob, 2018) e o tamanho da carga
tributária (Siqueira, 2011). A complexidade encontra-se associada ao conjunto de tributos e
leis existentes, diferenciação de regras tributárias e a forma de recolhimento (Kronbauer,
Souza, Ott & Collet, 2009), tendo o Brasil “um sistema tributário baseado na conformidade
voluntária, ou seja, espera-se que os contribuintes compreendam e cumpram as suas
obrigações tributárias. Entretanto, sob tal sistema, é inevitável que alguns contribuintes não o
façam” (Siqueira & Ramos, 2005, p. 575).
Assim, dada uma certa complexidade tributária, existe a possibilidade de existirem
diferenças entre os pagamentos efetivos e a obrigação legalmente prevista, que pode pautar-se
em medidas lícitas ou irregulares (Siqueira & Ramos, 2005). Nessa linha, “ponto importante
com relação a essa complexidade do Sistema Tributário, é que quanto maior ela for, maior
serão as possibilidades para se escapar das cobranças impostas por meio da sonegação fiscal”
(Franco, 2015, p. 25).
A indicação da complexidade tributária ser um determinante da evasão fiscal já havia
sido apontada por Jackson e Milliron (1986), ao consolidarem 14 determinantes-chave da
evasão incluiu a complexidade. Esse parâmetro serviu de base para o estudo conduzido por
Richardson (2006), que analisou alguns determinantes da evasão fiscal, concluindo que a
complexidade tributária é um dos principais elementos explicativos do comportamento
evasivo. Em linha semelhante, Saad (2014) identificou, analisando o comportamento de
contribuintes neozelandeses, que a complexidade tributária é vista como um fator para o
comportamento de não conformidade no pagamento de tributos.
Por outro lado, a pesquisa de Torgler (2005) identificou outros determinantes da evasão
fiscal nacional, como a carga tributária e a corrupção. Essa divergência de resultados já havia
sido apontado por Cuccia e Carnes (2001), ou seja, de que a evidência empírica a respeito de
uma relação entre complexidade e conformidade era mista em estudos multinacionais. Nota-
se, portanto, que o ambiente tributário brasileiro possui características que teoricamente estão
associadas à redução irregular dos tributos, como a complexidade e a carga tributária (Afonso
& Castro, 2016). Esse cenário reforça a necessidade do presente estudo no âmbito brasileiro.
Nessa linha, Jacob (2018) expõe a complexidade tributária como um elemento de estudo
cujo potencial ainda não foi totalmente desenvolvido, especialmente com dados de países em
desenvolvimento como o Brasil, carecendo de pesquisas empíricas que possam evidenciar
melhor as relações existentes na tributação. Diante dessa lacuna, o presente trabalho tem o
seguinte problema de pesquisa: a complexidade tributária é um determinante para o nível de
evasão fiscal brasileira?
Desta forma, o objetivo é verificar se a complexidade tributária brasileira é um
determinante do nível de evasão do país, permitindo conhecer a intensidade e a direção da
relação entres esses elementos. Para tanto, será utilizada metodologia semelhante ao do estudo
de Richardson (2006), com abordagem quantitativa, com a utilização de regressão linear
múltipla a partir de dados disponibilizados por instituições internacionais, como Fundo
Monetário Internacional e Banco Mundial. O estudo inclui também uma análise descritiva
com a evolução dos indicadores ao longo do período analisado e uma comparação entre o
Brasil e países do G20, uma vez que o Brasil, além de compor esse grupo, possui
características econômicas, territoriais e de gastos governamentais similares.
Com essa verificação é possível identificar se o comportamento do caso brasileiro segue
os estudos precedentes internacionais que relacionam a complexidade tributária com maiores
níveis de evasão fiscal, fornecendo subsídios para empresas e governos adequarem suas
interações tributárias. Em termos teóricos, a evidenciação de dados brasileiros e suas análises
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de complexidade corrobora com a necessidade atual de serem efetuados testes empíricos
sobre a realidade de países em desenvolvimento, de maneira a comparar os padrões com
aqueles de outros países semelhantes.
3. Metodologia
A coleta de dados ocorreu por meio de dados secundários coletados por meio de base de
dados disponíveis, a saber: variável evasão fiscal – relatório do FMI (Medina & Schneider,
2018); variável complexidade tributária – índice fornecido pelo Relatório de Competitividade
Global do Fórum Econômico Mundial (The Global Competitiveness Report); variável carga
tributária – Tax Revenue do Banco Mundial e variável corrupção – Índice de Percepção a
Corrupção da Transparência Internacional.
A variável dependente, evasão fiscal, terá como fonte de dados a chamada shadow
ecomony pelo modelo apresentado pelo FMI no estudo conduzido por Medina e Schneider
(2018), uma vez que, os pesquisadores costumam usar estimativas da economia paralela para
representar o valor da evasão fiscal. Essa variável foi utilizada como fator dependente pelo
estudo de Richardson (2006). A amostra utilizada refere-se a dados do Brasil no período 2005
a 2015, uma vez que a disponibilidade de dados de complexidade originou-se em 2005 e a
última informação disponível refere-se ao ano de 2015.
Os dados coletados foram tabulados e tratados nos softwares Excel e SPSS. Com isso,
foi estimado o seguinte modelo econométrico:
Em que:
EF – índice de evasão fiscal;
0 - intercepto do modelo de regressão;
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Compx – complexidade tributária;
CT – carga tributária;
Corr – corrupção;
i - termo de erro aleatório do modelo.
Com esse modelo, será possível verificar as relações existentes entre as variáveis, bem
como testar a hipótese teórica indicada nesse estudo.
O indicador de evasão fiscal fornecido pelo FMI varia entre 6 e 70, de forma que quanto
menor, melhor. O Brasil apresentou 35,12 de média no período, tendo uma redução de 8,45%,
evidenciando uma melhoria do indicador. Em uma análise comparativa, a média da evasão
dos países do G20 é de 17,95, o que coloca o Brasil bem acima da média do grupo, apesar da
redução verificada no período analisado. No tocante à complexidade tributária, o indicador
tem intervalo de 0 para o menos complexo e 30 para o mais complexo. O Brasil possui média
de 16,59 e no período 2005-2015 experimentou uma melhoria de 18,19% no indicador;
contudo, ainda se encontra acima da média dos países do G20, que é de 8,85.
A carga tributária é dada como percentual do produto interno bruto, em dólares. A carga
brasileira teve média de 14,37, acima, mas próximo da média dos países do G20; ao passo que
o indicador de corrupção brasileiro teve média de 41, com variação no índice em 4,88%,
enquanto a média do G20 é de 53,79.
Nota-se que o Brasil apresenta indicadores de evasão fiscal, complexidade tributária e
carga tributária acima da média dos países do G20, confirmando as indicações de Jacob
(2018) e Siqueira (2011).
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Tabela 2 - Matriz de Correlação das Variáveis Analisadas
EF Compx CT Corr
EF 1
Compx 0,19771 1
CT 0,76794 0,45196 1
Corr -0,22158 -0,57020 -0,36889 1
Fonte: Dados da pesquisa (2019).
Nota-se na Tabela 2 que não há alta correlação entre as variáveis explicativas, uma vez
que os coeficientes de correlação entre as regressoras não foram superiores a 0,8, pelo que se
assume a ausência de multicolinearidade entre elas (Gujarati, 2006).
Por outro lado, os sinais permitem identificar as direções das interações entre a variável
reposta e as variáveis explicativas, de maneira que complexidade tributária (Compx) e carga
tributária (CT) apresentam correlação positiva com o índice de evasão fiscal (EF), ao passo
que corrupção (Corr) tem correlação negativa. No caso, teoricamente, quanto maior a
complexidade e a carga tributária, maior seria a evasão, esperando-se uma relação positiva.
Para o indicador de corrupção, um ambiente mais corrupto levaria a maior evasão. A Tabela 3
resume as direções encontradas e as compara com aquelas esperadas.
Após a matriz de correlação, foram realizadas análises de regressão linear múltipla e das
variâncias do modelo, em que se adotou para a interpretação dos resultados o nível de
significância α de 5% (α = 0,05). Desse modo, “quando o p-value de um teste de hipótese for
menor que o valor escolhido de α, o procedimento de teste conduz à rejeição da hipótese
nula” (Hill, Griffiths & Judge, 2006, p.119). Desta forma, a regressão apresentou os valores
especificados na Tabela 4.
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Tabela 4 – Resultados da Regressão
Coeficientes Erro Padrão Stat t Valor-P
Interseção 17,57296703 16,59583012 1,058878459 0,32481997
Compx -0,135626025 0,204794172 -0,662255294 0,5290002
CT 1,443759432 0,450070148 3,207854238 0,014902394
Corr -0,023348156 0,31566883 -0,073964083 0,943108196
Fonte: Dados da pesquisa (2019).
5. Considerações Finais
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Para além da complexidade tributária, foram ainda incluídas no modelo a carga
tributária e a corrupção, vez que esses dois fatores, além de mencionados pela literatura
também como determinantes da evasão fiscal, são debatidos como possíveis causas do
contexto tributário brasileiro. Por essa razão, o conjunto dessas três variáveis permitiu uma
melhor análise para o objetivo do estudo.
A hipótese teórica de que a complexidade tributária brasileira é um determinante
significativo para o nível de evasão fiscal do país foi rejeitada, uma vez que os resultados
demonstraram que para as variáveis independentes, apenas o indicador carga tributária
apresentou significância estatística relacionado ao comportamento da variável de evasão
fiscal. Com isso, nem complexidade, nem corrupção se apresentaram como determinantes
significativos para explicar o comportamento do nível de evasão fiscal. Esses resultados
revelam um cenário diferente daquele comumente propagado no Brasil, porém, confirma
estudos anteriores internacionais que não viram forte correlação entre complexidade e evasão.
Esse resultado particular de que a complexidade tributária não é um determinante
significativo para explicar nível de evasão fiscal pode ser resultado da influência de outros
fatores, como a eficácia do sistema judiciário, a atuação de auditorias fiscais acerca da forma
e do montante recolhido dos tributos, enforcement estatal ou do regime religioso do país, o
que pode ser alvo de novos estudos que incluam esses elementos. Em todo caso, a
importância de compreender a relação complexidade e evasão tem aumentado nos últimos
anos, à medida que a complexidade é cada vez mais citada como uma das principais razões
para burlar o pagamento de tributos.
Os resultados deste estudo aumentam a literatura sobre o tema da complexidade
tributária brasileira, ainda pouco explorado empiricamente, especialmente quanto à sua
influência na evasão fiscal, fato que é amplamente verificado no âmbito internacional.
Ademais, o presente estudo utilizou três determinantes amplamente debatidos no país como
causadores de desvios tributários, proporcionando uma análise em conjunto, apesar da
limitação temporal de dados existentes. Assim, os achados acrescentam evidências de
pesquisa de país de economia emergente, que tende a ter estruturas de política fiscal mais
fracas e menos sistemas tributários transparentes do que as economias avançadas.
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