Cartas Do Irmão José de Anchieta (1554-1565) : Do Índio Selvagem À Sociedade Ideal Indígena
Cartas Do Irmão José de Anchieta (1554-1565) : Do Índio Selvagem À Sociedade Ideal Indígena
Cartas Do Irmão José de Anchieta (1554-1565) : Do Índio Selvagem À Sociedade Ideal Indígena
ISSN: 1888-4067
nº 3, 2009, pp. 129-157
Resumo
A Companhia de Jesus nasceu e estendeu-se no século XVI a quatro
continentes sob o domínio da escrita. Pode-se falar duma Formula Escribendi,
reformada ao longo dos anos, que estabelecia os modos e os tempos durante
os quais se devia de manter a correspondência entre os membros da
Companhia. Foram os catequistas os primeiros a fazer literatura para o Brasil,
incorporando-se definitivamente às origens da civilização brasileira. No
presente trabalho, apresenta-se um estudo das cartas escritas pelo irmão
Anchieta, entre 1554 e 1565, para mostrar tanto a imagem do índio visto pelo
jesuíta, como a contribuição da Companhia de Jesus nos inícios da história do
Brasil.
Palavras-chave: História da Literatura Brasileira, cartas Jesuíticas do Brasil no
século XVI, crítica textual, obra de José de Anchieta.
Abstract
The Society of Jesus was founded and spread all over four continents, through
writing, in the 16 century. We can talk about a Formula Escribendi
th
reformulated throughout the years, which established the way and time during
which they could correspond among them. Catechists were the first to create a
literature to Brazil immersing themselves into the origins of Brazilian
civilization. In this work we study Brother José de Anchieta’s letters written
between 1554 and 1565 to present not only the Jesuit’s idea of the Brazilian
Indian but also the Jesuits’ contribution in the beginnings of Brazilian
civilization.
Keywords: Brazilian History of Literature, Jesuits’ letters from Brazil in the 16th
century, Textual criticism, José de Anchieta’s work
LUISA TRIAS FOLCH CARTAS DO IRMÃO JOSÉ DE ANCHIETA…
1
Poucos dias antes do Natal de 1511, frei Antonio de Montesinos pregrou um sermão
ante as autoridades de La Española que atacava duramente o sistema da “encomienda”
e punha em qüestão a legitimidade da soberania castelhana sobre aquelas terras. Sua
denúncia e a polêmica que desatou tiveram grande eco em Espanha. Desde o verão de
1512, reuniu-se em Burgos uma Junta de expertos para debatir e pronunciar-se sobre o
problema. A 27 de dezembro de 1512, promulgaram-se as “Reales Ordenanzas” para
melhorar o regimento dos índios, mais conhecidas como “Leyes de Burgos”.
2
A crítica perseverante de Bartolomé de Las Casas ao sistema da “encomienda”
favoreceu a reflexão sobre as questões indianas e serviu, em parte, de argumento à
monarquia para limitar as ambições e ações dos “encomenderos”. A promulgação das
“Leyes Nuevas” de 1542 supunha a abolição da escravidão e servidão pessoal dos
índios, assim como uma limitação da “encomienda”.
3. O índio de Anchieta
A literatura dos catequistas do século XVI revela um Brasil visto
de dentro. Coube à Companhia de Jesus realizar o transplante literário
da Europa para a América, dentro dos moldes de estética jesuítica. E
foram os catequistas os primeiros a fazer literatura para o Brasil,
incorporando-se definitivamente às origens da civilização brasileira. A
obra do padre José de Anchieta, onde a realidade brasileira daquela
época aparece transfigurada em termos literários, está vinculada a
uma experiência humana nova, vivida num mundo também novo.
Como é sabido, José de Anchieta, sob a direção do padre Luís
de Grã, com outros seis companheiros, viajou na armada do segundo
governador D. Duarte da Costa, chegando a cidade do Salvador no 13
de julho de 1553.
Pela sua formação humanística e o conhecimento das línguas
espanhola, portuguesa e latina, se converteu na pessoa mais indicada
para redigir a correspondência que a Companhia de Jesus, que
acabava de se estabelecer no Brasil, enviava a Europa periodicamente.
Desde que chegou ao Brasil, Anchieta foi o “auxiliar oficial” do padre
Manuel da Nóbrega no que diz respeito à correspondência. Sem
dúvida alguma, durante os quase 44 anos que viveu no Brasil,
escreveu muitas e variadas cartas. Conservam-se cartas de edificação,
negócios e notícias; trimestrais, quadrimestrais, semestrais e anuais;
dirigidas aos seus Superiores e irmãos em religião, aos seus filhos
espirituais e aos seus amigos. Escritas em latim, português e espanhol
segundo o destinatário, as cartas de Anchieta devem ser inseridas,
evidentemente, no contexto geral das cartas jesuíticas e cada uma
delas deve ser estudada de forma adequada e específica.
Além do problema textual propriamente dito, para o estudo das
cartas de Anchieta é de grande interesse, na tradição impressa, a obra
do historiador da Companhia de Jesus no Brasil, Serafim Leite, que nos
volumes II, III e IV da Monumenta Brasiliae, reproduz o texto mais
antigo de cada documento na sua língua original, seja latim, espanhol
3
Traduzidas para português em Cartas de Anchieta. Cartas Jesuíticas III, Rio de Janeiro,
1933.
4
“Pajé”, palavra tupi, que entrou no léxico português do Brasil e é ainda hoje muito
usada no Norte com o sentido de curandeiro.
5
As chamadas “Reduções jesuíticas” foram missões constituídas pela Companhia de
Jesus, que se estabeleceram como um sistema de aldeamento indígenas guaranis numa
extensa área entre Paraguai, Argentina e o Brasil, a partir de uma primeira experiência
iniciada em Juli (no Peru) em 1576, e que concluíram em 1767, com a expulsão dos
jesuítas dos territórios espanhóis por Carlos III. Os jesuítas espanhóis só foram
destinados ao Peru em 1567. Com o padre Diego de Torres, primeiro Provincial, desde
1607, da nova província jesuítica do Paraguai, fundou-se a primeira “Redução” em
1609, chamada S. Ignácio Guazú, ao leste de Assunção, do outro lado do rio Tebicuary.
6
Vid. Nuovi avisi dell´Indie di Portogallo, 3ª parte, Veneza, 1562, 150r-172r (tradução
italiana do texto de Roma).
7
Os tamoios ou tupinambás do Rio de Janeiro ocupavam o litoral, desde a Ilha de São
Sebastião até o Cabo de São Tomé, e se estendiam para o interior até o Vale do Paraíba.
Bibliografia
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Lusíada nº 19/20, São Paulo, pp. 383-398.