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Gayeté
(Montaigne, D es livres)
Ex Libris
José M i n d l i n
mm
DO MESMO AÜCTOR :
4
MINHA
FORMAÇÃO
POR,
JOAQUIM NABUCO
DA ACADEMIA BRASILEIRA
H. GARNIER, LIVREIRO-EDITOR
71-73, RUA MOREIRA CEZAR, 71-73 I 6, RUE DES SAINTS-PÈRES
RIO DE JANEIRO I PARIZ
1900
Foram tirados d'esta edição 5o exemplares numerados
em papel de Hollanda, os quaes levam a rubrica do
auctor.
N° 11
A
MEUS FILHOS
PREFACIO
do que isso u n i f o r m a l - a s e q u e r e r e l i m i n a r o q u e
não corresponde i n t e i r a m e n t e ás modificações
que solTri desde que ellas p r i m e i r o f o r a m e s c r i -
ptas.
A g o r a que ellas estão deante de m i m em
fôrma de l i v r o , e que as releio, p e r g u n t o a m i m
m e s m o q u a l será a impressão d'ellas... Está a h i
m u i t o da m i n h a vida... Será u m a impressão de
v o l u b i l i d a d e , de fluctuação, de d i l e t t a n t i s m o , se-
g u i d a de desalento, que ellas communicarão? O u
antes de consagração, p o r u m v o t o perpetuo, a
u m a tarefa capaz de saciar a sede de t r a b a l h o , de
esforço e de dedicação da m o c i d a d e , e s o m e n t e
realisada a tarefa d a v i d a , saciada a q u e l l a sede,
— ainda mais, t r a n s f o r m a d a p o r u m terremoto
a face da epocha, creado u m n o v o m e i o social,
e m que se t o r n a m necessárias o u t r a s qualidades
de acção, o u t r a s faculdades de calculo p a r a l u c t a s
de d i v e r s o caracter, — a r e n u n c i a á política,
depois de dez annos de r e t r a h i m e n t o forçado, e
deante de u m a seducção i n t e l l e c t u a l m a i s f o r t e ,
de u m a p e r s p e c t i v a final do m u n d o m a i s b e l l a e
m a i s r a d i a n t e ?... Sed magis gratiarum actio...
N o t o d o a impressão, eu receio, será m i s t u r a d a ;
as deficiências da n a t u r e z a apparecerão, cober-
tas pela clemência d a sorte-, vêr-se-ha o e p h e m e r o
e o fundamental... E m t o d o o caso não precisarei
de pleitear m i n h a própria causa, p o r q u e ella será
PREFACIO IX
« E s t a m a n h ã , casaes de b o r b o l e t a s brancas,
douradas, azues, passam innumeras contra o
f u n d o de b a m b u s e s a m a m b a i a s da m o n t a n h a .
E u m prazer p a r a m i m vêl-as v o a r , não o seria,
porém, apanhal-as, pregal-as e m um quadro...
E u não q u i z e r a g u a r d a r d'ellas sinão a i m p r e s -
são v i v a , o frêmito de alegria d a n a t u r e z a , q u a n -
do ellas c r u z a m o ar, a g i t a n d o as flores. E m uma
collecção, é certo, eu as t e r i a s e m p r e deante da
v i s t a , m o r t a s , porém, c o m o uma poeira con-
servada j u n t a pelas cores sem vida... O modo
único para m i m de g u a r d a r essas b o r b o l e t a s eter-
n a m e n t e as mesmas, seria fixar o seu vôo i n s t a n -
tâneo pela m i n h a n o t a i n t i m a equivalente... C o m o
com as b o r b o l e t a s , a s s i m c o m todos os o u t r o s
d e s l u m b r a m e n t o s d a vida... De n a d a nos serve
r e c o l h e r o despojo; o q u e i m p o r t a , é só o r a i o
i n t e r i o r que nos f e r i u , o nosso contacto c o m elles...
e este c o m o que elles t a m b é m o l e v a m e m b o r a
comsigo. »
Este traço indecifrável, c o m que, em Petro-
p o l i s , t e n t e i h a annos m a r c a r u m a impressão de
que me f u g i a o c o n t o r n o a n i m a d o , explicará as
lacunas d'este l i v r o e m u i t a s de suas paginas...
J. N .
COLLEGIO E ACADEMIA
BAGEHOT
pequeno l i v r o se t o r n o u o u t r o s t a n t o s logares
c o m m u n s , m a s que elle f o i o p r i m e i r o a revelar,
a fixar.
E elle q u e m destróe os dois m o d o s clássicos
de e x p l i c a r a Constituição ingleza : o p r i m e i r o ,
que o systema inglez consiste na separação dos
tres poderes; o segundo, que consiste n o e q u i -
líbrio delles. Sua idéa é que os dois poderes, o
executivo e o legislativo, se u n e m p o r u m laço
que é o Gabinete e que, de facto, assim só ha u m
poder, que é a C â m a r a dos C o m m u n s , de que o
gabinete é a principal commissão. « O systema
inglez, d i z elle, não consiste na absorpção do
poder e x e c u t i v o pelo l e g i s l a t i v o ; consiste n a
fusão delles. » O r i v a l desse systema é o que elle
c h a m o u systema presidencial. Essas designações
são hoje usadas p o r todos, mas são todas delle.
« A qualidade d i s t i n c t i v a d o g o v e r n o p r e s i d e n c i a l
é a independência m u t u a do legislativo e do exe-
c u t i v o , ao passo que a fusão e a combinação
desses poderes serve de p r i n c i p i o ao g o v e r n o de
gabinete. »
Cada u m a das suas palavras, c o m p a r a n d o os
dois systemas de g o v e r n o , merece ser pesada.
R e s u m i n d o essas paginas, eu c o n t r i b u o de certo
m e l h o r p a r a a educação dos jovens políticos,
c h a m o a sua attenção p a r a p r o b l e m a s m a i s de-
licados, do que se lhes désse idéas' m i n h a s .
« C o m p a r e m o s p r i m e i r o , d i z elle, esses dois go-
vernos e m t e m p o s calmos. E m u m a epocha c i v i -
16 MINHA F O R M A Ç Ã O
N a I n g l a t e r r a , o systema é dilíerente. E m um
m o m e n t o grave, o gabinete p o d e r e c o r r e r á dis-
solução: n a A m e r i c a , é p r e c i s o esperar c o m pa-
ciência, p a r a se resolver q u a l q u e r c o n f l i c r o de
opinião entre o e x e c u t i v o e o l e g i s l a t i v o , que
expire o p r a z o de u m delles. Até lá elles guer-
reiam-se i m p l a c a v e l m e n t e , c o m o dois p a r t i d o s
rivaes.
Supponha-se que não h a m o t i v o possível de
c o n f l i c t o : « O s governos de gabinete são os edu-
cadores dos povos, os governos presidenciaes
não o são: pelo c o n t r a r i o , p o d e m corrompel-os.
Diz-se que a I n g l a t e r r a i n v e n t o u esta f o r m u l a :
a opposição de Sua Magestade : que, p r i m e i r o ,
dentre todos os Estados, ella reconheceu que o
d i r e i t o de c r i t i c a r a administração é u m d i r e i t o
>
18 MINHA F O R M A Ç Ã O
excellencia o g o v e r n o p r e s i d e n c i a l , o b s e r v a r a m
que a nação não t e m gosto p r o n u n c i a d o pela p o -
l i t i c a e que não se e n c o n t r a u m a opinião t r a b a -
l h a d a c o m t o d o o acabado e t o d a a perfeição que
se nota na I n g l a t e r r a . . . Sob u m g o v e r n o p r e s i -
dencial, o p o v o não t e m sinão no m o m e n t o das
eleições a sua parte de influencia... N a d a excita
t a l povo a f o r m a r para si u m a opinião o u u m a
educação, c o m o o faria sob u m g o v e r n o de g a -
binete. Sem d u v i d a a sua l e g i s l a t u r a é u m thea-
t r o p a r a os debates, mas esses debates são c o m o
que prólogos não seguidos de peças ; não t r a z e m
n e n h u m desfecho, p o r q u e não se pode m u d a r a
administração ; não estando o p o d e r á disposição
da l e g i s l a t u r a , ninguém presta attenção aos de-
bates legislativos. O executivo, esse g r a n d e c e n t r o
do p o d e r e dos empregos, fica inabalável. N ã o se
pôde m u d a l - o . O m o d o de ensino que, pela edu-
cação do nosso e s p i r i t o p u b l i c o , p r e p a r a as nos-
sas resoluções e esclarece os nossos juízos, não
existe sob este systema. U m paiz presidencial
não t e m necessidade de f o r m a r cada d i a opiniões
estudadas e não t e m m e i o a l g u m de as f o r m a r . »
O m e s m o se dá c o m a acção da i m p r e n s a , que
t a m b é m não pôde deslocar a administração. N a
I n g l a t e r r a , o Times t e m feito m u i t o s ministérios:
nada de semelhante se p o d i a d a r n a A m e r i c a
N i n g u é m se p r e o c c u p a dos debates do C o n -
gresso, elles não dão r e s u l t a d o a l g u m , e n i n -
guém lê os longos artigos de f u n d o , porque
MINHA F O R M A Ç Ã O 19
V
MINHA F O R M A Ç Ã O 21
c e r r a m . N u n c a n o estado de b a r b a r i a ou de m e i a
civilização u m p o v o p o s s u i u essa q u a l i d a d e . A
massa da gente sem instrucção na I n g l a t e r r a não
p o d e r i a o u v i r hoje t r a n q u i l l a m e n t e estas s i m p l e s
palavras : Ide escolher o vosso governo; seme-
l h a n t e idéa lhes p e r t u r b a r i a a razão e lhes f a r i a
receiar u m p e r i g o c h i m e r i c o . A vantagem incal-
culável (o itálico é m e u ) das instituições impo-
nentes em um paiz livre é que cilas impedem essa
catastrophe. Si a nomeação dos governantes se
faz sem abalo, é graças á existência apparente
de um governo não sujeito d eleição. A s classes
pobres e i g n o r a n t e s i m a g i n a m ser g o v e r n a d a s
p o r u m a r a i n h a hereditária e que g o v e r n a pela
graça de Deus, q u a n d o n a r e a l i d a d e são gover-
nadas p o r u m gabinete e u m p a r l a m e n t o com-
posto de h o m e n s escolhidos p o r ellas m e s m a s e
que sáem das suas i i l e i r a s . »
A p o m p a , a magestade, o a p p a r a t o t o d o da
realeza e n t r a v a a s s i m para m i m nos artifícios
necessários p a r a g o v e r n a r e satisfazer a i m a g i -
nação das massas, q u a l q u e r que seja a c u l t u r a
da sociedade; a realeza passava n a t u r a l m e n t e
p a r a a classe das instituições a q u e H e r b e r t Spen-
cer c h a m o u ecrimoniaes, c o m o os trophéos, os
presentes, as visitas, as prosternações, os títu-
los, etc. « N a d a m a i s p u e r i l na a p p a r e n c i a do
que o e n t h u s i a s m o dos Inglezes pelo c a s a m e n t o
do príncipe de Galles. M a s n e n h u m s e n t i m e n t o
está m a i s e m h a r m o n i a c o m a n a t u r e z a h u -
MINHA FORMAÇÃO 23
1871-1873. A Reforma.
l i t t e r a r i a , é ás m e d i d a s da m i n h a phrase dos v i n t e
e u m annos q u e h e i de t o r n a r . Esse a r t i g o é quasi
republicano. As m i n h a s novas idéas inglezas
não e s t a v a m a i n d a senhoras da casa, não t i n h a m
força p a r a eclipsar as projecções, e m p a r t e p h a n -
tasticas, que nesse t e m p o , c o m a sua l a n t e r n a
mágica, L a b o u l a y e acabava de fazer do m u n d o
americano. P o r isso eu aconselhava ao I m p e -
r a d o r que, em vez de i r á velha E u r o p a , fosse á
joven A m e r i c a :
« S o b r e t u d o elle c o m p r e h e n d e r i a u m a coisa.
A o v e r os E s t a d o s - U n i d o s á frente do progresso
i n d u s t r i a l e m o r a l , c o m p r e h e n d e r i a q u e os reis
p o d e m b e m ser u m a hypothese, u m l u x o , u m a
superfetação. A o v e r u m a sociedade a m p l a m e n t e
l i b e r a l e l i v r e , governando-se sem r e i , elle c o m -
p r e h e n d e r i a que, e m certas epochas, os povos po-
d e m dispensar q u a l q u e r t u t e l a . A o v e r a família
h o n r a d a e respeitada », — eu referia-me á p u r e z a
do l a r e ao respeito dos A m e r i c a n o s pela m u l h e r ,
— « t o r n a d a u m a religião; ao vêr a religião feita
o laço m o r a l das a l m a s e a trituração dos c u l t o s
chegando q u a s i ao n u m e r o dos indivíduos sem
p r o d u z i r o u t r o effeito sinão o de u m a m a i o r
tolerância e m a i o r f r a t e r n i d a d e , ao vêr a c i v i l i -
sação crescendo ». — e m t e r r a v i r g e m , — « c o m o
u m a a r v o r e de enormes raízes e de grande som-
bra • ao vêr a v a n g u a r d a do progresso occupada
p o r u m a r e p u b l i c a », — não m e r e c i a eu u m p r i -
meiro premio-Laboulaye? — « o Imperador
28 MINHA F O R M A Ç Ã O
p r o f u n d e z a e o alcance, — do senador N a b u c o ,
e m 1860, no Senado : « H a duas necessidades, a
m e u vêr, m u i t o i m p o r t a n t e s na situação m o r a l
do nosso paiz : — a primeira è a diffusão do
p r i n c i p i o r e l i g i o s o n o interesse da família e da
sociedade... » ? Posso dizer, fallando a nova
g i r i a s c i e n t i f i c a , que eu não t i n h a então nada
de estático, era t o d o dynamico.
Um ministério c o n s e r v a d o r que se encarrega
de realisar as r e f o r m a s liberaes, p r o d u z , forçosa-
m e n t e , no c a m p o l i b e r a l , u m a grande confusão.
P a r a c u e m começava, c o m o eu, a v i d a p o l i t i c a
automática na i m p r e n s a e no c l u b do p a r t i d o , a
p o l i t i c a do ministério pouco i m p o r t a v a , o alvo
c o n t i n u a v a o m e s m o : não obstante, i n s t i n t i v a -
mente, pela voz do sangue, a d i s c u t i r c o m o g o v e r n o
conservador que fazia as r e f o r m a s liberaes, eu
preferia d i s c u t i r c o m a fracção que se separara do
nosso p a r t i d o ^ ) a r a f o r m a r o p a r t i d o r e p u b l i c a n o .
Já nesse t e m p o a questão da f o r m a de g o v e r n o
começa a d o m i n a r e m m i m todas as o u t r a s ; eu
só e x c e p t u a r i a a dos escravos, mas a lei de 28 de
setembro estava v o t a d a e a ella se t i n h a seguido
u m a espécie de trégua dada á escravidão. T r a v o ,
então, na Reforma, u m c o m b a t e c o m a Repu-
blica, do p o n t o de vista m o n a r c h i c o . Si, e m 1871,
eu p o d i a pretender, c o m o disse, o prêmio ame-
r i c a n o L a b o u l a y e , e m 1873, no m e u anno de
fixação m o n a r c h i c a , eu e n t r a r i a e m concurso
p a r a o prêmio inglez Bagehot, c o m esses artigos
32 MINHA FORMAÇÃO
#
IV
ATTRACÇÃO DO 31UXDO
do m e u p a i z ; a peça é p a r a m i m a civilisação, e
se está r e p r e s e n t a n d o e m todos os t h e a t r o s d a
h u m a n i d a d e , ligados h o j e pelo telegrapho. U m a
affeição m a i o r , u m interesse m a i s próximo, u m a
ligação m a i s i n t i m a , faz c o m que ascena, q u a n d o
se passa no B r a s i l , t e n h a p a r a m i m importância
especial, mas isto não se c o n f u n d e c o m a p u r a
emoção i n t e l l e c t u a l ; é u m prazer o u uma dôr.
p o r assim d i z e r domestica, que interessa o c o r a -
ção; não é u m g r a n d e espectaculo, que p r e n d e e
d o m i n a a i n t e l l i g e n c i a . A abolição n o B r a s i l m e
interessou m a i s do que todos os o u t r o s factos o u
séries de factos de que f u i contemporâneo; a
expulsão do I m p e r a d o r m e a b a l o u m a i s p r o f u n -
d a m e n t e do que todas as quedas de t h r o n o s o u
catastrophes nacionaes que a c o m p a n h e i de longe :
p o r u l t i m o , não e x p e r i m e n t e i n e n h u m a sensação
tão cheia, tão p r o l o n g a d a , tão v i v a , d u r a n t e
mezes i n i n t e r r o m p i d o s , c o m o d u r a n t e a u l t i m a
r e v o l t a , q u a n d o se o u v i a o canhão da g u e r r a
c i v i l no m a r e o silencio a i n d a p e i o r d o t e r r o r e m
terra. E m t u d o i s t o , porém, h a m u i t o pouca
p o l i t i c a 5 nesses tres q u a d r o s , p o r e x e m p l o , a
p o l i t i c a suspende-se ; o q u e h a é o d r a m a h u m a n o
u n i v e r s a l de que f a l l e i , t r a n s p o r t a d o p a r a nossa
t e r r a . N ã o se p o d e r i a d i z e r isto da l u c t a dos p a r -
t i d o s , n e m do que, e x c l u s i v a m e n t e , é c o n s i d e r a d o
politica pelos profissionaes. E s t a é u m a absor-
pção c o m o a de q u a l q u e r h a b i t o , c i r c u m s c r e v e a
curiosidade a u m campo visual restricto : é u m a
MINHA F O R M A Ç Ã O 35
»
MINHA F O R M A Ç Ã O 41
p r o f u n d a m e n t e no m e u cérebro. A s s i m se r e -
conhecerá que a p o l i t i c a não f o i sinão u m a refrac-
ção daquelle íilete l u m i n o s o que t o d o s t e m o s n o
espirito.
A i n s t a b i l i d a d e a que m e estou r e f e r i n d o , está
g r a n d e m e n t e m o d i f i c a d a : a d u a l i d a d e desappare-
ceu em parte, não tão perfeitamente como
em m e u a m i g o Taunay... Este, apezar do seu
sangue de C r u z a d o , apezar de t e r escripto o seu
l i v r o clássico e m francez, e apezar da sua b r i l h a n t e
propaganda c o n t r a o n a t i v i s m o , é o m a i s genuíno
nativista que eu conheço, p o r q u e não c o m p r e -
hende siquer a v i d a e m o u t r a t e r r a , e m o u t r a
natureza. B r a s i l e i r o de u m a só peça é aquelle
que não pôde v i v e r sinão n o B r a s i l . N a m o c i -
dade f u i u m errático, c o m o o próprio I m p e r a -
d o r acabou na velhice... Q u a n d o , porém, entre
a pátria, que é o s e n t i m e n t o , e o m u n d o , que é o
pensamento, v i que a imaginação p o d i a q u e b r a r
a estreita fôrma e m que e s t a v a m a cozer ao sol
t r o p i c a l os m e u s pequenos d e b u x o s d'almas, Us-
tedes me eniicnden, deixei i r a E u r o p a , a h i s t o r i a ,
a arte, g u a r d a n d o do que é u n i v e r s a l só a religião
e as lettras.
V
De diversos m o d o s a m i n h a p r i m e i r a i d a á
E u r o p a i n f l u i u p a r a enfraquecer as tendências
republicanas que eu p o r v e n t u r a tivesse, e f o r t i -
ficar as m o n a r c h i c a s . A n t e s de t u d o , o r e p u b l i c a -
n i s m o francez, que era e é o nosso, t e m u m fer-
m e n t o de odio, u m a predisposição e g u a l i t a r i a que
logicamente leva á demagogia, — a sua m a i o r
f i g u r a é D a n t o n , o h o m e m da Setembrisada, — ao
passo que o liberalismo', m e s m o r a d i c a l , não só
é compatível c o m a m o n a r c h i a , mas até parece
alliar-se c o m o t e m p e r a m e n t o aristocrático. S i
fosse preciso personificar o l i b e r a l i s m o , poder-se-
ia chamar-lhe L a f a y e t t i s m o , p o r ter sido Lafayette
o p r i n c i p a l representante dos gentilhommes libé-
raux de 1789. Esse estreito r e p u b l i c a n i s m o , que
confina nos dias de crise c o m a demagogia, e,
exasperado pelo perigo o u excitado pela posse
repentina, i m p r e v i s t a , do poder, chega á e p i -
d e m i a sanguinária do T e r r o r , é u m f a c t o , póde-se
3.
46 MINHA F O R M A Ç Ã O
phantasia r e p u b l i c a n a e restabelecido a s i n c e r i -
dade e a l u c i d e z dos meus sentidos políticos. G o m o
q u e r que fosse, a v i a g e m de 1873 d e s t r u i u n o
g e r m e n t o d a e q u a l q u e r inclinação r e p u b l i c a n a ,
t o d o i n d i c i o de f a n a t i s m o que eu pudesse ter n o
segredo d a m i n h a natureza.
N ã o d u r o u m u i t o t e m p o essa v i a g e m • f o i apenas
de u m anno. A situação de espirito que ella creou
já t i n h a antecedentes nas m i n h a s relações c o m a
pequena r o d a e m que v i v i a então o corpo d i p l o -
mático e m P e t r o p o l i s e n a Corte, n a convivên-
cia c o m m i n i s t r o s e secretários estrangeiros,
alguns destes hoje m i n i s t r o s , e até embaixadores.
A situação de espirito cosmopolita ou, antes, mun-
dana, caracterisa-se pela comprehensão das solu-
ções oppostas dos m e s m o s p r o b l e m a s sociaes,
pela tolerância de todas as opiniões, pela egual
f a m i l i a r i d a d e c o m correligionários e adversários,
pela idéa, p a r a dizer t u d o , de que a c i m a de
quaesquer p a r t i d o s está a boa sociedade. Esse
m o d o de ser, e m p o l i t i c a , não é necessariamente
eclectico, nem, ainda menos, sceptico; é somente
incompatível c o m o f a n a t i s m o , isto é, c o m a
intolerância, qualquer que ella seja. F o i a v i a g e m
á E u r o p a a grande deslocação que c o n s o l i d o u a
tendência anti-systematica e m que eu já estava,
a m o r t e c e n d o e m m i m o predomínio da força
p o l i t i c a até 1879, q u a n d o pela p r i m e i r a vez e n t r o
para o Parlamento-, m e s m o no P a r l a m e n t o ,
porém, depois do anno de estréa, e m que as e m . 0
48 MIXIIA FORMAÇÃO
ções da t r i b u n a me f i z e r a m t o m a r calor e i n t e -
resse pela l u c t a dos p a r t i d o s , desde 1880 até 1889,
q u a n d o se fechou d e f i n i t i v a m e n t e p a r a m i m
aquella carreira, posso dizer que c o n t i n u o u o
eífeito da m i n h a deslocação, de 1873, da p o l i t i c a
partidária, p o r q u e t o d o o t e m p o que estive n a
C â m a r a m e a c o l h i sob u m a b a n d e i r a m a i s larga
e me colloquei e m u m t e r r e n o p o l i t i c a m e n t e neu-
t r o , c o m o era o da emancipação dos escravos.
Essa v i a g e m que assim i m p r i m e á m i n h a evo-
lução p o l i t i c a o seu caracter d e f i n i t i v o , d u r o u ,
c o m o eu disse, pouco tempo. P a r t i n d o e m agosto
de 1873, v o l t o ao R i o de J a n e i r o e m setembro
de 1874. E m e n o s de u m anno de E u r o p a que
tenho da p r i m e i r a v e z ; desses onze mezes, m a i s
ou menos, passo cinco e m P a r i z , tres na Itália,
u m mez no lago de Genebra, u m m e z e m L o n -
dres, u m mez e m F o n t a i n e b l e a u . A razão desse
mez de O u c h y e desse mez de F o n t a i n e b l e a u é
que, em v i a g e m , sempre que u m l o g a r m e f a l i a ,
eu m e deixo p r e n d e r p o r elle e m e esqueço de
v i a j a r . É assim que, m a i s t a r d e , p r e t e n d e n d o d a r
ao N i a g a r a a h o r a indispensável p a r a vêr as
quedas, me deixo f i c a r v i n t e e tantos dias, sem
p o d e r arrancar-me daquelle espectaculo até o t e r
i n t e i r a m e n t e absorvido.
O mez de O u c h y q u e r dizer, sem f a l l a r de
Lausanne, que os p r i m e i r o s passeios a pé, á b e i r a
do lago, de u m lado n a direcçâo de Coppet, d o
o u t r o , na direcção de Clarens, as v i s i t a s a Gene-
MINHA 1 O R M A Ç Ã O 4J
b r a c o m a r o m a n a o b r i g a d a a F e r n e y , me collo-
c a v a m n o t h e a t r o l i t t e r a r i o , talvez o m a i s interes-
sante da E u r o p a m o d e r n a , depois de W e i m a r ,
p o r q u e Clarens é o scenario da Nova Heloísa, e
está cheio da eloqüência de Pvousseau; F e r n e y , o
dos últimos annos de V o l t a i r e ; Coppet, o da
realeza de C o r i n n a c o m a sua corte v i n d a de
P a r i z , da A l l e m a n h a , da Itália, não esquecendo
L o r d B y r o n . M a i s do que t u d o , porém, nessa faixa
de t e r r a que l i g a i n t e l l e c t u a l m e n t e o século x v m
ao século x i x , o que me teria p r e n d i d o eterna-
m e n t e a O u c h y , si eu dispuzesse de a l g u m a s eter-
nidades nesta v i d a , é o lago, o seu corte, a sua
moldura.
O mez de F o n t a i n e b l e a u t e m o u t r a explicação :
não é o castello e a floresta só p o r si o que me
p r e n d e ; é que v o l t o da I n g l a t e r r a , tendo pela
p r i m e i r a vez fallado inglez c o m t o d o o m u n d o ,
fascinado p o r L o n d r e s , tocado de u m começo de
a n g l o m a n i a , que f o i a doença da sociedade e m
França, e, p o r t a n t o , até isso, accusa a construcção
jranceza do m e u espirito, e F o n t a i n e b l e a u , c o m
o repouso dos seus j a r d i n s symetricos, a frescura
das suas águas e das suas sombras, a t r a n q u i l l i -
dade do seu silencio, era o m a i s admirável r e t i r o
que eu p o d i a querer nesse mez da m i n h a v i d a ,
que posso c h a m a r o mez de T h a c k e r a y . F o i esse
o c l a u s t r o ideal e m que, fechado c o m VanityFair,
Pendennis, The Newcomes, não sei o que mais,
sem diccionarios, a d i v i n h a n d o o que não podia
50 MINHA F O R M A Ç Ã O
A F R A N Ç A DE 1878-74
de papel sobre a q u a l se p r o j e c t a v a o r e f l e c t o r
de u m a lâmpada sustentada p o r t r a z delle p o r
u m i m p o n e n t e v u l t o de huissier, c o m a s o l e m n i -
dade de q u e m depois de u m e x i l i o de v i n t e e c i n c o
annos representava o u t r a vez perante a França,
leu os tres Oui, à lunanimite', que s i b i l a r a m p e l a
sala toda c o m o as balas de u m pelotão!
T a m b é m m e h e i de l e m b r a r sempre d a ses-
são da Assembléa N a c i o n a l e m que se v o t o u o
septennato de M a c - M a h o n c o m o m e d i d a p r o v i -
sória, d i l a t o r i a , entre a restauração, t e m p o r a r i a -
m e n t e i m p o s s i b i l i t a d a p o r causa da b a n d e i r a
branca, e a r e p u b l i c a , que não q u e r i a m p r o c l a -
mar. S i nesses sete annos morresse o conde de
C h a m b o r d , regnante ainda o d u q u e de M a g e n t a ,
q u e m sabe si o conde de P a r i z não r e u n i r i a os
votos«*dos Chevaulégers e da alta finança d o
C e n t r o E s q u e r d o ! Afianço a q u e m me lê que,
depois de u m d i s c u r s o p r o n u n c i a d o pelo d u q u e
de B r o g l i e , c o m o seu accento nasal, a sua per-
feição acadêmica, sua m a n e i r a e suas ma-
neiras ancien regime, vêr s u b i r á t r i b u n a o v e l h o
D u f a u r e e de i m p r o v i s o , sem phrases cadenciadas,
sem períodos e m b u t i d o s uns nos o u t r o s c o m o
um mosaico l i t t e r a r i o , t o m a r entre as m ã o s o
discurso do neto de Mme. de Staèl, amassal-o,
dar-lhe as formas que q u e r i a , até ninguém
mais o poder reconhecer; assistir a u m d u e l l o
desses, da elegância c o m a eloqüência, é u m
prazer que não se esquece mais. E não o u v i
MINHA F O R M A Ç Ã O 57
ERNEST RENAN
70 MINHA F O R M A Ç Ã O
m e s m o l i t t e r a r i a m e n t e f a l l a n d o , os lados fracos da
maneira r e n a n i a n a ; n a q u e l l e t e m p o eu era o m a i s
i n t e i r a m e n t e suggestionado dos nossos renanis-
tas O m e u emissário f o i A r t h u r de C a r v a l h o
M o r e i r a , de q u e m já f a l l e i , e a c a r t a que elle
me escreveu d a n d o conta da sua missão, p o d i a ter
a assignatura de C h a m f o r t . L Homme-Femme,
segundo Renan, não era sinão un méchant para-
doxe, que não v a l i a a pena r e f u t a r : une plaisan-
ierie] que não se d e v i a t o m a r ao sério. Q u a n d o
no anno seguinte f u i a P a r i z , u m a das m i n h a s
p r i m e i r a s visitas f o i a Renan. E l l e lembrava-se
do m e u n o m e e não se d e m o r o u e m responder ao
pedido que l h e f i z de alguns m o m e n t o s para
apresentar-lhe as m i n h a s homenagens. A i n d a
conservo esses c u r t o s pequenos a u t o g r a p h o s :
« C e s t m o i q u i serai enchanté de causer avec
vous. T o u s les j o u r s vers 10 heures 1/2 o u onze
heures, vous êtes sur de m e t r o u v e r . V o t r e três
affectueux et dévouç — E. Renan. R u e V a n n e a u ,
29. » T r e s dias depois, eu subia os q u a t r o anda-
res do n. 29 da r u a V a n n e a u e penetrava n o mes-
m i s s i m o modesto « a p a r t a m e n t o » que C a r v a l h o
M o r e i r a me h a v i a p h o t o g r a p h a d o e m sua carta.
Dentro de m i n u t o s m e apparecia Renan. Na
m i n h a v i d a t e n h o conversado c o m m u i t o h o m e m
de espirito e m u i t o h o m e m i l l u s t r e ; ainda não
se r e p e t i u , entretanto, para m i m , a impressão
dessa p r i m e i r a conversa de Renan. F o i u m a
impressão de e n c a n t a m e n t o : imagine-se u m es-
72 MINHA FORMAÇÃO
A CRISE POÉTICA
que M a t t h e w A r n o l d t r a d u z i u p o r inaccessibili-
dade ds idéas, e que esse n o v o P h i l i s t i n i s m o re-
duzirá a arte dos nossos banquetes l i t t e r a r i o s a
u m só gênero de i g u a r i a s , o gênero nature. O
p u b l i c o , o p r o t e c t o r m o d e r n o das lettras, cuja ge-
nerosidade t e m sido tão decantada, não passa de
u m Mecenas de m e i a - c u l t u r a , m e s m o e m França
e na I n g l a t e r r a . A c o n s e l h a r a jovens brasileiros
que se d e d i q u e m a estudos históricos desinteres-
sados, é aconselhar-lhes a' miséria ; mas as leis
da i n t e l l i g e n c i a são inflexíveis e a producção d o
espirito que não se a l i m e n t a sinão de sua própria
imaginação, t e m que ser cada d i a mais f r i v o l a e
sem v a l o r .
N ã o me aproveitei do conselho de Renan sinão
t a r d e de m a i s na v i d a , q u a n d o comecei a prepa-
r a r a b i o g r a p h i a de m e u pae, que é u m a perspe-
c t i v a da epocha toda de D. P e d r o I I . O aviso, po-
rém, a h i fica p a r a os que q u i z e r e m desenvolver e
aperfeiçoar o talento l i t t e r a r i o que possuem, e m
vez de dispersal-o e nada a p u r a r delle. O con-
selho não d e i x o u , entretanto, de i n f l u i r no m e u
e s p i r i t o , si não para me d i s c i p l i n a r a m i m mesmo,
ao menos para me fazer a q u i l a t a r o v a l o r do t r a -
b a l h o e da indagação e sentir a i n u t i l i d a d e , a v a -
cuidade do que é p u r a m e n t e pessoal e espontâ-
neo, desde que não seja característico.
Das m i n h a s conversas c o m Scherer, o que m e
contagiou f o i a sua admiração pelo romance i n -
glez, que parecia ser a l i t t e r a t u r a da casa. —Adam
84 MINHA F O R M A Ç Ã O
ADDIDO DE LEGAÇAO
eu t i n h a v o l t a d o á E u r o p a e v i v i d o u m anno nos
Estados-Unidos. E n t r a m neste período as influen-
cias da I n g l a t e r r a e da sociedade ingleza, da Ame-
r i c a do N o r t e e da c a r r e i r a diplomática, além do
d e s e n v o l v i m e n t o da influencia l i t t e r a r i a , sob a
qual v o l t e i de P a r i z e m 1874.
Esta u l t i m a f o i tão forte que, nos dois annos
que passei n o v a m e n t e no R i o de Janeiro, não me
occupei de p o l i t i c a ; f i z , a pedido do I m p e r a d o r ,
a l g u m a s conferências na Escola da G l o r i a sobre
o que t i n h a visto de M i g u e l - A n g e l o , de Raphael
e dos grandes pintores v e n e z i a n o s ; f u i collabo-
r a d o r l i t t e r a r i o do Globo e t r a v e i c o m José de
A l e n c a r u m a polemica, em que receio ter tratado
c o m a presumpção e a injustiça da m o c i d a d e o
grande escriptor, — (digo receio, porque não t o r -
nei a lêr aquelles folhetins e não me recordo até
onde foi a m i n h a c r i t i c a , s i ella oíFendeu o que
ha p r o f u n d o , nacional, e m A l e n c a r : o seu brasi-
leirismo)-, escrevi n u m a revista que appareceu e
logo m o r r e u n o gênero da Vie Parisienne, a Epo-
cha, e, desde os fins de 1878, entreguei-me á com-
posição de u m d r a m a , e m verso francez, cuja
íactura me absorveu d u r a n t e mais de dois
annos.
A idéa do m e u d r a m a era o p r o b l e m a da A l -
sacia-Lorena. Isso revelava b e m o f u n d o político
da m i n h a imaginação. A p o l i t i c a , felizmente para
a intelligencia que nasceu c o m essa diathese, t e m
lados ainda indefinidos que c o n f i n a m c o m a arte,
88 MINHA F O R M A Ç Ã O
a religião e a p h i l o s o p h i a , istoé, p a r a f a l l a r a l i n -
g u a g e m hegeliana, c o m as tres espheras e m que
se m a n i f e s t a o espirito d o m u n d o . O m e u d r a m a
c o m ser írancez, de procedência, de m o t i v o sen-
t i m e n t a l , elevava-se, c o m o composição l i t t e r a r i a ,
a c i m a do espirito de nacionalidade, v i s a v a á u n i -
dade da justiça, do d i r e i t o , d o ideal entre as na-
ções, e baseava-se n o seu entrecho sobre as a f r i -
nidades e s y m p a t h i a s que l i g a r a m a França i n -
tellectual m o d e r n a á A l l e m a n h a de K l o p s t o c k ,
W i e l a n d , L e s s i n g , S c h i l l e r , Goethe e H e i n e , de
H e r d e r , W i n c k e l m a n n , Jean P a u l R i c h t e r , J o -
hannes M u l l e r , de N o v a l i s e dos Schlegel, de
K a n t , F i c h t e , H e g e l , S c h e l l i n g , de B a c h , G l u c k ,
H a y d n , M o z a r t , S c h u b e r t , S c h u m a n n e Beetho-
ven, em uma palavra, á alma parens d o sé-
culo X I X .
P o r u m a apparente a n o m a l i a , ao passo que eu
era p o l i t i c a m e n t e , c o m o disse, t h i e r i s t a o u r e p u -
b l i c a n o em França, o m e u d r a m a sahia t o d o legi-
t i m i s t a e c a t h o l i c o 5 os personagens e r a m t i r a d o s
p a r a m i m , não p o r m i m (a producção i n t e l l e -
c t u a l é involuntária), da velha rocha e m q u e se
e s t r a t i f i c a r a m as grandes tradições francezas. Isso
quer dizer que o inconsciente, que é e m q u a l q u e r
de nós o nosso único t a l e n t o , o nosso único p o -
der creador, era e m m i m , q u a l q u e r q u e fosse a
causa, fosse ella o i n s t i n c t o , fosse a c u l t u r a , d i s -
tinctamente monarchico.
Uma composição l i t t e r a r i a assim caracterisada
MIXIIA FORMAÇÃO 89
b l i c a p r e c i s a ser a l l u m i a d a , c o m o a a r c h i t e c t u r a
de R u s k i n , e n t r e o u t r a s p e l a s l â m p a d a s d o sa-
crifício, d a v e r d a d e , d a imaginação, d a b e l l e z a , e
d a obediência. O t a l e n t o , a fôrma, a eloqüência,
o que tinha b r i l h o exterior, tinha para m i m maior
v a l o r d o q u e o e s p i r i t o i n t e r i o r de fé, c o n t i n u i d a d e
e submissão, q u e , único, i n s p i r a e f o r m a os ver-
d a d e i r o s padrões h u m a n o s .
C o m o q u e r q u e seja, t e n h o d a q u e l l e c a r g o de
a d d i d o de legação, único q u e e x e r c i , a m a i s r e -
c o n h e c i d a e a f f e c t u o s a lembrança. N u n c a mais
t e r i a eu p o d i d o a c c e i t a r o u t r o ; c o m e f f e i t o , p o u c o
d e p o i s e n t r a v a p a r a a C â m a r a , e dava-se a m i n h a
i n c o m p a t i b i l i d a d e de a b o l i c i o n i s t a m i l i t a n t e c o m
o s y s t e m a político d a escravidão, e, a c a b a d a esta,
logo e m seguida, s u r g i a p a r a m i m outra ab-
stenção forçada : a d a defesa d a m o n a r c h i a c o n -
t r a os p a r l i d o s . O signatário d a q u e l l e d e c r e t o f o i
o barão de C o t e g i p e . A nomeação não e r a de
c e r t o escandalosa : e m q u a l q u e r ministério de Es-
t r a n g e i r o s o n d e não existisse p a t r o n a t o , eu t i r a -
ria o meu l o g a r de a d d i d o em c o n c u r s o : não
t e n h o , p o r é m , e m m i m essa m e d i d a d a gratidão
c o m que outros a p u r a m p o r m i l l i m e t r o s o favor
o u o serviço q u e r e c e b e m ; não conheço a a r t e
de a n a l y s a r , de d e c o m p o r , pelas intenções secre-
t a s e c i r c u m s t a n c i a s f o r t u i t a s , o obséquio, a d i s -
tineção, o benefício q u e n o s é f e i t o , de m o d o a
ser o a c c e i t a n t e ás vezes q u e m g e n e r o s a m e n t e ca-
p t i v a e o b r i g a o d o a d o r . S i o barão de C o t e g i p e m e
92 MIXIIA FORMAÇÃO
tivesse n o m e a d o de vez m i n i s t r o p l e n i p o t e n c i a -
r i o , o seu credito contra m i m não teria sido m a i o r
do que f o i c o m essa designação p a r a o p r i m e i r o
degráu da c a r r e i r a diplomática.
X
LONDRES
94 MINHA. FORMAÇÃO
porém, da janeila do w a g o n , p o r u m a t a r d e de
verão, o tapete de r e l v a que cobre o chão l i m p o e
as collinas macias de K e n t , e no d i a seguinte,
p a r t i n d o do pequeno apparHment que me t i n h a m
guardado perto de G r o s v e n o r Gardens, f u i descor-
tinando u m a a u m a as fileiras de palácios do
W e s t E n d , atravessando os grandes parques,
encontrando em St. James's Street, P a l l M a l l ,
P i c c a d i l l y , a m a r é cheia da season, essa multidão
aristocrática que a pé, a cavallo, e m c a r r u a g e m
descoberta, se d i r i g e duas vezes p o r d i a p a r a o
rendez-vous de H y d e P a r k , e, dias seguidos, pene-
t r e i e m outras regiões da cidade sem f i m , conhe-
cendo a população, a p h y s i o n o m i a i n g l e z a toda,
raça, caracter, costumes, maneiras, — posso
dizer que senti m i n h a imaginação excedida e
vencida. A curiosidade de p e r e g r i n a r estava satis-
feita, t r o c a d a e m desejo de p a r a r a l l i p a r a sempre.
A s vezes me d i s t r a i o a pensar que p o v o eu sal-
v a r i a , podendo, si a h u m a n i d a d e se devesse r e -
duzir a um só. M i n h a hesitação seria entre a
França e a I n g l a t e r r a , — aliás, sei b e m que no
começo do século q u e m eliminasse a A l l e m a n h a
do m o v i m e n t o das idéas, da poesia, d a arte, e l i -
m i n a r i a o que elle teve de m e l h o r . E n t r e a França
e a I n g l a t e r r a , porém, fico sempre i n c e r t o . O
m e u dever seria, talvez, soccorrer a França. « S i
M . Récamier e eu estivéssemos a nos afobar,
me
b u h r , C h a t e a u b r i a n d , A m p è r e , a pequena W e i -
m a r d o f i m do século x v n i ao h o m e m de letras,
ou P a r i z , ainda neste século, até R e n a n e T a i n e ,
ao h o m e m de c u l t u r a ; f i n a l i d a d e m a t e r i a l , si
m e posso expressar assim, de grandeza esmaga-
d o r a e império i l l i m i t a d o .
D o n d e procede essa impressão universal de
L o n d r e s , seguida dessa sensação de f i n a l i d a d e ,
que talvez seja toda subjectiva ? (Não m e parece
entretanto.)
O que dá á « Metrópole » esse ascendente
imperial, quero crer, é a sua massa gigan-
tesca, as suas perspectivas i n f i n d a s , a solidez
eterna, egypciaca, das construcções, as i m m e n s a s
praças, e os parques que se a b r e m de repente n a
e m b o c c a d u r a das ruas, c o m o planícies onde pode-
r i a m e r r a r grandes rebanhos, á s o m b r a de velhas
arvores, á beira de lagos que m e r e c e m pertencer
ao relevo n a t u r a l da T e r r a . Este u l t i m o é, para
m i m , o traço d o m i n a n t e de L o n d r e s :"o estran-
geiro s u p p o r i a ter entrado n o campo, nos subúr-
bios, q u a n d o está no coração da cidade; é a
mesma impressão, porém, incalculavelmente m a i s
vasta, que dava a Casa de O u r o : « O o u r o e
as pedras preciosas não causavam tanta m a r a -
v i l h a , p o r serem já m u i t o vulgares, e u m a osten-
tação ordinária do l u x o , c o m o os campos e os
lagos, e p o r u m a parte as artiíiciaes solidões e
desertos, f o r m a d o s p o r bosques espessos, e p o r
o u t r a , as largas planícies e longas perspectivas,
G
98 MINHA F O R M A Ç Ã O
que d e n t r o d o seu í m m e n s o c i r c u l o se v i a m . »
N e m pára a h i o assombro. E a larga faixa do
Tâmisa, c o m as pontes colossaes que o atraves-
sam e os m o n u m e n t o s assentados á sua m a r g e m
desde Ghelsea até á P o n t e de L o n d r e s , p r i n c i -
p a l m e n t e o massiço dos edifícios de W e s t m i n s t e r ,
a extensa l i n h a das Casas do P a r l a m e n t o , a m a i s
grandiosa s o m b r a que construcção c i v i l p r o j e c t a
sobre a t e r r a . E, p o r o u t r o lado, a C i t y , e m r o d a
do B a n c o de I n g l a t e r r a , c o m o R o y a l E x c h a n g e
ao lado, e L o m b a r d Street defronte, o m e r c a d o
monetário, o v e r d a d e i r o comptoir do m u n d o .
A q u i , nas ruas calçadas a m a d e i r a , p a r a a i n d a
m a i s a m o r t e c e r o ruído, causa u m a impressão
s i n g u l a r a multidão que não perde u m m i n u t o ,
indifferente a si mesma, á q u a l nada d i s t r a h i r i a o
o l h a r n e m a r r a n c a r i a u m a s y l l a b a , e que trans-
p o r t a debaixo do braço, e m suas carteiras, massas
de c a p i t a l que s e r i a m precisos w a g o n s p a r a car-
regar e m d i n h e i r o , os cheques que vão p a r a a
C l e a r i n g - H o u s e , os bilhões esterlinos, que p o r
ella passam, t r a n s f e r i d o s de banco a banco, i m -
p o r t a d o s , reexportados, pelo t e l e g r a p h o p a r a os
confins do m u n d o d o n d e v i e r a m . O t r a n s e u n t e
pára no m e i o de t o d o esse fluxo e r e f l u x o d o
o u r o , s e n t i n d o não o u v i r o t i n i d o das l i b r a s ; as
oscillações c o n t i n u a s , subterrâneas, dessas cor-
rentes c o n t r a r i a s de m e t a l elle só as conhecerá
1
TÁCITO, Trad.-Freire de Carvalho.
MIXIIA FORMAÇÃO 09
m e u coração os f r a g m e n t o s quebrados da c r u z e
c e m eíia r e c o m p o r os s e n t i m e n t o s esquecidos
da infância.
XI
F a l l e i de L o n d r e s c o m o si fosse para m i m a
cidade única, p o r q u e L o n d r e s r e u n i u e m u m a só
impressão as sensações differentes q u e m e c a u -
saram, o u v i e r a m a causar, P a r i z , R o m a , Pisa,
Veneza, N o v a - Y o r k , B o s t o n , W a s h i n g t o n . É
preciso, p a r a cada u m desses nomes, fazer um
transporte, de raça, c l i m a , arte, passado, para se
ter a impressão ingleza e q u i v a l e n t e ; m a s eu pre-
tendo t e r t i d o e m L o n d r e s a sensação : de v i d a
s u p r e m a q u e se t e m e m P a r i z , de e n c a n t a m e n t o
que se t e m em R o m a o u Florença, de m o r t e
radiante que se t e m e m Pisa, de p o d e r marítimo
e solidez aristocrática que se t e m e m Veneza, de
opulencia, mocidade, e belleza h u m a n a q u e se
t e m e m Nova-York, de silencio, distincção i n t e l -
lectual que se t e m e m B o s t o n , de instituições
civis i n d e s t r u c t i v e i s e gigantescas q u e se t e m ' e m
Washington deante d o Capitólio. T u d o isso
t r a n s p o r t a d o , eu já disse, fazendo-se, p o r exem-
MINHA F O R M A Ç Ã O 107
A INFLUENCIA INGLEZA
•
MINHA FORMAÇÃO 123
O ESPIRITO INGLEZ
r u a g e m , — poderá haver u m d i a m a i s c o m p l e t o de
r o m a n c e ? — de S t r a f o r d - o n - A v o n , atravessando
W a r w i c k , a K e n i h v o r t h . Passei dias á m a r g e m
do Tâmisa, entre W i n d s o r e H e n l e y , e creio que
tive reminiscencias do paraíso terrestre. E r e a l -
mente a v i n h e t a m a i s perfeita que se p o d i a
i m p r i m i r á m a r g e m d o c a p i t u l o I I , v. 10 d o
Gênesis : « Deste l o g a r de delicias sahia u m r i o
que regava o paraíso. » E m toda parte a impres-
são que tive da I n g l a t e r r a f o i a m e s m a : ruínas
cobertas de hera, antigas g r a v u r a s expostas e m
P a l l M a l l , m o n t e s de t r i g o nos c a m p o s ceifados,
castellos recortados n o m e i o de parques flores-
taes, velhas estalagens á beira da estrada, botes
encostados ao a r v o r e d o de C l i v e d e n , grandes
transatlânticos nas docas de S o u t h a m p t o n , sem-
pre a m e s m a impressão, o c u n h o inglez estam-
pado e m t u d o . A sensação f o i a m e s m a para
m i m da I n g l a t e r r a , v i s t a de d e n t r o , na segurança
de seus recursos, e v i s t a de f o r a , inatacável nos
seus altos cliffs brancos, a cujos pés o m a r se
abre c o m o u m a t r i n c h e i r a .
E, porém, na sua feição p o l i t i c a somente q u e
considero neste m o m e n t o o e s p i r i t o inglez, e,
ainda m a i s r e s t r i c t a m e n t e , o m o d o p o r que elle
se manifesta nos m o v i m e n t o s r e f o r m i s t a s , a
i n f l u e n c i a que t e m sobre os espíritos i n n o v a -
dores. P o l i t i c a m e e t e , o e s p i r i t o inglez pode
decompôr-se e m espirito de tradição, e m espi-
r i t o de realidade, e m e s p i r i t o de g a n h o , e m e s p i -
MINHA F O R M A Ç Ã O 1*27
pôde existir p o r b a i x o d o s e n t i m e n t o m o n a r -
chico, até p a r a dar-lhe v i d a e calor. E l l e f i g u r a
u m i n g l e z convencido de que a m o n a r c h i a ,
m e s m o m e r a m e n t e decorativa, tende a engen-
d r a r hábitos sociaes degradantes. O dever desse
r e p u b l i c a n o será deixar a m o n a r c h i a de lado
e abster-se de todos os actos, e m p u b l i c o
e e m p a r t i c u l a r , que possam, m e s m o r e m o t a -
mente, a l i m e n t a r o espirito de s e r v i l i s m o . « T a l
p o l i t i c a não interfere, diz-nos M r . M o r l e y , c o m
as vantagens que se d i z t e r a m o n a r c h i a , e t e m
o effeito de t o r n a r as suas suppostas desvanta-
gens tão pouco prejudiciaes quanto possível... »
Desse espirito inglez eu disse que tive apenas
u m toque. N a questão da abolição, entretanto,
não me desviei delle. A abolição era u m a r e -
f o r m a que o espirito inglez anteporia a todas as
outras p o r toda o r d e m de sentimento. S i a abo-
lição se fez entre nós sem indemnisação, a res-
ponsabilidade não cabe aos abolicionistas, mas
ao p a r t i d o da resistência. O m e u projecto p r i -
m i t i v o , e m 1880, era a abolição para 1890 c o m
indemnisação. Si e m qualquer tempo u m m i n i s -
t r o da corôa chegasse ás Câmaras e dissesse :
« A escravidão não pôde m a i s ser tolerada n o
B r a s i l , o nosso gráu de civilisação repelle-a, e
eu venho pedir que decreteis a liberdade imme-
diata dos escravos existentes, v o t a n d o os precisos
recursos para a respectiva desapropriação »,
poderia haver a b o l i c i o n i s t a que quizesse p r o -
132 MINHA FORMAÇÃO
l o n g a r a escravidão? N e n h u m de nós a s s u m i r i a
a odiosa responsabilidade. Esse h o m e m , porém,
não s u r g i u d'entre os estadistas do Império;
todos pensavam, o u que a abolição a r r u i n a r i a a
l a v o u r a e o credito do paiz, o u que o B r a s i l não
era r i c o bastante para pagar a libertação m o r a l
do seu território. P o d i a haver abolicionistas con-
trários á indemnisação; de facto, os h o u v e ; m a s
p o d i a m elles, acaso, v o t a r n u n c a c o n t r a u m a l e i
de abolição i m m c d i a t a ? A r e s p o n s a b i l i d a d e f o i
assim dos p a r t i d o s , que se c o m p r o m e t t e r a m pe-
rante a l a v o u r a a resistir ao m o v i m e n t o , e que
t e r i a m , d o seu p o n t o de v i s t a , feito m e l h o r sa-
cando sobre o f u t u r o e d e s a p r o p r i a n d o os escra-
vos, q u a n d o o p r i n c i p i o da não-indemnisação
ainda não t i n h a t r i u m p h a d o n o p r o j e c t o D a n t a s e
na segunda lei de 28 de setembro. Essa intuição
só a teve o m e u q u e r i d o a m i g o José Caetano de
A n d r a d e P i n t o no Conselho de Estado ; não lhe
d e r a m , porém, v a l o r . C o m relação á lei de i 3 de
m a i o devo dizer que e m 1888 era tarde p a r a se
pleitear a equidade da desapropriação deante de
u m m o v i m e n t o t r i u m p h a n t e , q u a n d o já a m a i o r
parte dos escravos tinham sido liberalmente
alforriados pelos senhores e o resto da escrava-
t u r a estava e m fuga, depois, s o b r e t u d o , de estar
por lei consagrado o p r i n c i p i o de que a escravidão
era u m a p r o p r i e d a d e anômala, a que o legislador
m a r c a v a sem ônus p a r a o E s t a d o o p r a z o de d u -
ração que queria.
MINHA FORMAÇÃO 133
Em relação á m o n a r c h i a do B r a z i l aquelle
toque d o espirito inglez bastou p a r a traçar-me
u m a l i n h a de que eu não poderia afastar-me,
m e s m o querendo. E r a u m p o n t o de h o n r a intel-
lectual, u m caso de consciência patriótico d e f i n i -
t i v a m e n t e r e s o l v i d o e m m e u e s p i r i t o , aos v i n t e
e tres annos. S u p p r i m i r a m o n a r c h i a que t i n h a -
mos, f i c o u c l a r o para m i m desde então, era u m a
p o l i t i c a a que eu não p o d e r i a n u n c a associar-me;
eu poderia t a n t o b a n i r , d e p o r t a r o I m p e r a d o r ,
c o m o a t i r a r ao m a r u m a creança o u deitar fogo
á Santa Casa. Q u e b r a r o laço, talvez p r o v i d e n -
cial, que ligava a h i s t o r i a do B r a s i l á m o n a r c h i a ,
cra-me m o r a l m e n t e tão impossível, c o m o m e seria
no caso de Calabar entregar P e r n a m b u c o p o r m i -
nhas próprias m ã o s ao estrangeiro. F a l t a r - m e -
i a m forças para u m a intervenção dessas no des-
t i n o do m e u paiz. Seria a t t r a h i r sobre m i m u m
golpe de paralysia, ferir-me eu m e s m o de m o r t e
m o r a l . M i n h a coragem recuava deante da l i n h a
m y s t e r i o s a do Inconsciente N a c i o n a l . O B r a s i l
t i n h a t o m a d o a f o r m a m o n a r c h i c a , eu não a
alteraria.
O que v i dos Estados-Unidos não fez sinão
calcar mais p r o f u n d a m e n t e a impressão monar-
chica que eu levava da I n g l a t e r r a . F o i u m a se-
g u n d a chave, de segurança, que fechou e m m e u
pensamento a p o r t a que n u n c a mais se devia
a b r i r . O espirito político americano, c o m certas
modalidades que não quero amesquinhar, mas
8
134 MINHA FORMAÇÃO
NOVA-YORK (1876-77)
T a l v e z o m e l h o r m o d o de m o s t r a r o que devo
aos Estados-Unidos seja r e p r o d u z i r paginas do
meu diário de 1876-77. Cheguei pouco t e m p o
depois da visita do I m p e r a d o r ; pude assim r e -
colher o echo da impressão deixada p o r elle. O
anno que passei na grande R e p u b l i c a f o i u m dos
seus m o m e n t o s políticos mais interessantes, por-
que f o i o da eleição de T i l d e n . C o m o se sabe, os
democratas g a n h a r a m as eleições de 1876, m a s
as Juntas A p u r a d o r a s Republicanas de alguns
Estados do S u l m a n i p u l a r a m as actas de f o r m a
a dar m a i o r i a aos eleitores do seu p a r t i d o . A m b o s
os lados r e c l a m a v a m a v i c t o r i a , e, c o m o a C â -
m a r a dos Representantes era D e m o c r a t a e o
Senado Republicano, a perspectiva era que o
Congresso não chegaria a accordo até março, e
que os Estados-Unidos t e r i a m dois Presidentes
c o m todas as p r o b a b i l i d a d e s de u m a guerra
c i v i l . O espirito p r a t i c o , o espirito de transacção
130 MINHA F O R M A Ç Ã O
I
1 /§O MINHA F O R M A Ç Ã O
4
XV
s e n t i m e n t a l i s m o resfria a q u i d i a r i a m e n t e . A I n -
glaterra é u m f o r n o e m comparação. »
« J u n h o , 26. A França parece-me a casa de
Ulysses cheia de pretendentes a c o n s u m i r e m
entre si a f o r t u n a de T e l e m a c o , á espera que
Penelope se decida p o r u m delles. Cada u m está
certo de ser o p r e f e r i d o e, e m q u a n t o ella pede a
M i n e r v a que acabe c o m os seus i n s u p p o r t a v e i s
perseguidores, elles c o n t i n u a m a d e v o r a r os bois
e os carneiros, r e p e t i n d o : « A ão ha duvida que
7
collocar L u i z F e l i p p e n o t h r o n o , o p e n s a m e n t o
era que u m a m o n a r c h i a r e p u b l i c a n a dispensava
a r e p u b l i c a . A fraqueza d a m o n a r c h i a de i 8 3 o
foi que o p r i n c i p i o da hereditariedade a m i n o u
desde o começo. L u i z F e l i p p e d e s t r u i u o d i r e i t o
d i v i n o para s u b i r e, depois, q u i z servir-se delle
para d u r a r , t r a n s f o r m a n d o - o e m b o m senso, p r i n -
c i p i o de auctoridade, etc. O que faz a u n i d a d e d a
carreira de T h i e r s , é que elle f o i sempre pelo go-
v e r n o p a r l e m e n t a r , pelo d i r e i t o p o p u l a r r e p r e -
sentado nas assembléas legislativas. P o r esse
p r i n c i p i o r e n u n c i o u a presidência da R e p u b l i c a
e m m ã o s suspeitas. O segredo da sua f o r t u n a
p o l i t i c a consistiu e m g u a r d a r fidelidade á França.
« M u i t a s vezes u m paiz p e r c o r r e um longo
c a m i n h o p a r a v o l t a r , cançado e f e r i d o , ao p o n t o
donde p a r t i u . E possível que a França v o l t e
ainda á m o n a r c h i a l e g i t i m a , e si T h i e r s tivesse
v i v i d o mais t e m p o e a R e p u b l i c a trouxesse novas
desgraças para a França, c o m o a C o m m u n a ,
talvez fosse o m e s m o T h i e r s q u e m entregasse a
F r a n c a ao h e r d e i r o dos seus reis. M e s m o assim,
q u a n d o a França c o m p a r a r os dois t y p o s de
estadistas : B e r r y e r , que não m u d o u n u n c a , fosse
p o r u m a convicção m o n a r c h i c a sempre renovada,
fosse p o r u m c a v a i h e i r i s m o d i g n o d o seu caracter,
e ficou sempre n o m e s m o logar á espera de que
a França voltasse a h i , e T h i e r s , que a acompa-
n h o u nas suas vicissitudes, eu a c r e d i t o que ella
se reconhecerá a si m e s m a n o h o m e m que en-
MIXIIA F O R M A Ç Ã O 10'
TRAÇOS AMERICANOS
N o v a - Y o r k e W a s h i n g t o n v i u t u d o que ha que
vêr nos Estados-Unidos, exceptuando somente as
poucas cidades a que se p o d e m c h a m a r cidades
históricas, que têm o c u n h o das suas tradições
próprias. Q u e m v i u B u i f a l o , St. L o u i s , S. F r a n -
cisco, Chicago, não v i u porém N o v a Y o r k ,
c o m o q u e m v i u Saratoga não v i u N e w p o r t , ao
passo que B o s t o n , Nova-Orleans, não têm seme-
lhantes.
P a r a o engenheiro, p a r a o i n v e n t o r , para o
architecto, p a r a t o d o economisador de t e m p o e
t r a b a l h o , para q u e m a d m i r a a c i m a de todos o
gênio i n d u s t r i a l deste século, os m e l h o r a m e n t o s
que elle t e m i n t r o d u z i d o na f e r r a m e n t a h u m a n a ,
os E s t a d o s - U n i d o s são de u m a e x t r e m i d a d e a
o u t r a u m paiz para se v i s i t a r e conhecer. E elle,
talvez, o paiz onde m e l h o r se pode estudar a
civilisação m a t e r i a l , onde o poder d y n a m i c o ao
serviço do h o m e m parece m a i o r e ao alcance de
cada um. E m certo sentido, póde-se dizer delle
que é uma t o r r e de B a b e l b e m succedida. N a
o r d e m intellectual e m o r a l , porém, c o m p r e h e n -
dendo a arte, os Estados-Unidos não têm o que
m o s t r a r , e certa o r d e m de c u l t u r a , toda c u l t u r a
superior quasi, não precisa p a r a ser perfeita e
c o m p l e t a de a d q u i r i r n e n h u m c o n t i n g e n t e ame-
ricano.
D a p o l i t i c a , a impressão geral que tive e con-
servo é a de u m a l u c t a sem o desinteresse, a ele-
vação de p a t r i o t i s m o , a delicadeza de maneiras
160 MINHA FORMAÇÃO
m e n t e m a n t i d a s , não p r o d u z e m c o m as l i m i -
tações de classe u m a d i g n i d a d e pessoal m o r a l -
mente s u p e r i o r a essa altivez da egualdade. E
preciso não esquecer, tratando-se do N o r t e - A m e -
ricano, que a egualdade h u m a n a para elle íica
d e n t r o dos l i m i t e s da raça-, já não f a l l a n d o do
C h i m ou do negro, — que seria classificado, s i
vencesse o i n s t i n c t o a m e r i c a n o , e m u m a o r d e m
differente da do h o m e m , — n u n c a ninguém con-
venceria o l i v r e cidadão dos E s t a d o s - U n i d o s ,
c o m o elle se chama, de que o seu v i z i n h o do
México o u de C u b a , o u os e m i g r a n t e s analpha-
betos e indigentes que elle repelle dos seus portos,
são seus eguaes. P a r a c o m estes o seu s e n t i m e n t o
de altivez converte-se no m a i s f u n d o desdém q u e
ente h u m a n o possa sentir p o r o u t r o .
N ã o quizera eu negar a inspiração s u p e r i o r que
ha no s e n t i m e n t o da egualdade na A m e r i c a , c o m o
no antigo Israel e na a n t i g a Grécia, onde elle f o i
u m sopro de liberdade, de heroísmo, de i n d e -
pendência, de que p r o c e d e r a m os m a i s perfeitos
typos na arte e na religião. É evidente que nesse
c a m i n h o é a I n g l a t e r r a que avança na direcção
dos Estados-Unidos e não os Estados-Unidos que
retrocedem a encontrar a Inglaterra. Ninguém
que conheça o t y p o americano, desde o ncws-bov t
t u d o se fôrma a l l i : aristocracia de n a s c i m e n t o ,
aristocracia de f o r t u n a , aristocracia de i n t e l l i -
gencia, aristocracia de belleza. O que d i s t i n g u e
essa aristocracia sem títulos n e m p e r g a m i n h o s de
nobreza, t o d a de convenção, mas, apezar disso,
u m a aristocracia, o que a d i s t i n g u e das o u t r a s
aristocracias do m u n d o é não ser p o l i t i c a ^ ser
m e s m o o resultado da abstenção p o l i t i c a . E e m
segundo logar, — e este é o p o n t o m a i s delicado
da « sociedade » americana, — a idéa que se
i n s i n u o u entre as m u l h e r e s desse c i r c u l o estreitís-
s i m o , de que o gentleman inglez é u m typo supe-
r i o r ao dos seus patrícios de m a i o r c u l t u r a e d i s -
tineção. E certo que as A m e r i c a n a s que p r e f e r e m
casar c o m estrangeiro p a r a p e r t e n c e r e m ás rodas
mais exclusivas da aristocracia européa são poucas
e m relação ás que casam c o m c o m p a t r i o t a s seus,
mas a aristocracia é, e m si m e s m a , u m a m i n o r i a ,
e são as suas m i n o r i a s que m e l h o r lhes represen-
t a m o espirito. Essa preferencia pelo estrangeiro,
por parte da m u l h e r americana, q u e r me parecer
u m desastre sensível p a r a o s e n t i m e n t o da egual-
dade dos A m e r i c a n o s . S i o resultado desse senti-
m e n t o , e é claro que o effeito não é de o u t r a
causa, é crear u m a aristocracia e m que o h o m e m
é considerado abaixo do n i v e l da m u l h e r , e m e n o s
próprio para i n s p i r a r - l h e a m o r e desposal-a do
que o lord o u o honorable inglez, póde-se d i z e r
que, na m a i s alta esphera da sociedade, aquelle
s e n t i m e n t o f a l l i u desastrosamente.
MINHA FORMAÇÃO 169
I n g l a t e r r a e o l i m i t a ; na A m e r i c a , não ha v i s t a
retrospectiva. De t u d o isto resulta para o A m e -
r i c a n o u m s e n t i m e n t o de independência, que o
f a r i a , c o m o fazia o Grego, sentir-se metade es-
cravo, si l h e dessem u m r e i , m e s m o q u a n d o o
effeito da realeza fosse a u g m e n t a r a sua parte ef-
f e c t i v a d e direitos e de influencia na c o m m u n h ã o .
E nisto que consiste a m a i o r c l i b e r d a d e » ame-
r i c a n a : no s e n t i m e n t o da egualdade h i e r a r c h i c a
entre governantes e governados.
N ã o h a v i a p e r i g o de q u e eu adquirisse essa
idiosyncrasia a m e r i c a n a : era evidente para m i m
que ella era o resultado das condições e m que o
paiz crescera e que, si a independência tivesse
sido feita c o m u m príncipe inglez, c o m o a nossa
f o i feita c o m o h e r d e i r o do t h r o n o , os Estados-
U n i d o s , e m u m século de progresso e de adean-
t a m e n t o , t e r i a m desenvolvido p a r a c o m a sua
casa r e i n a n t e o m e s m o s e n t i m e n t o de loyalty
dos Inglezes. S i a realeza, na I n g l a t e r r a , passou,
no nosso t e m p o , pela m e t a m o r p h o s e que se ob-
serva d o reinado de Jorge I V para o reinado de
V i c t o r i a , teria passado na A m e r i c a do N o r t e p o r
u m a transformação ainda m a i o r . M r . K i n g o u
M r s . Queen seria u m a pessoa m u i t o mais p o -
p u l a r do que M r . President, e d i a r i a m e n t e rece-
beria m a i s esmagadores shake-hands o u mais f a -
m i l i a r e s cartões-postaes. N o B r a s i l a m o n a r c h i a
foi o que v i m o s , u m a p u r a m a g i s t r a t u r a p o p u l a r ;
c o m o não seria nos Estados-Unidos, onde o
178 MIXIIA FORMAÇÃO
n h a n d o a v i d a e m desenfreada competição. N ã o
ha, porém, n o m u n d o u m a escola egual a essa
para se aprender o que, d'ora e m deante pelo me-
nos, é o m a i s i m p o r t a n t e dos preparatórios da
v i d a , — a arte de c o n t a r c o m s i g o só. O m e n i n o
americano, e q u a n d o se d i z o m e n i n o nos Esta-
dos-Unidos entende-se a m e n i n a t a m b é m , é
m e t t i d o desde quasi a p r i m e i r a infância e m u m
b a n h o c h i m i c o q u e lhe dá a cada f i b r a da von-
tade a rijeza e a elasticidade d o aço. Q u a l q u e r
que seja o v a l o r da c u l t u r a , n e n h u m pae preferirá
deixar ao filho mais u m sentido intellectual a
deixar-lhe o poderoso pick-me-up americano, o
c o r d i a l que impede a enervação nos grandes
transes moraes. E que o jogo da v i d a nos t e m p o s
modernos, — m u i t o m a i s nos séculos que vão
v i r , e m que a concurrencia será ainda m a i s nu-
merosa e implacável, — não se parece c o m
figuras de m i n u e t e o u c o m d i v e r t i m e n t o s c a m -
pestres do século passado, c o m o os vemos e m u m
Boucher o u e m u m G o y a ; parece-se c o m as cha-
madas montanhas russas : é u m incessante des-
penhar a toda a velocidade, m o n t a n h a abaixo, de
trens q u e c o m o i m p u l s o da descida transpõem
as escarpas fronteiras para se p r e c i p i t a r e m de
n o v o e de n o v o reapparecerem m a i s longe, e para
essa c o n t i n u a sensação de v e r t i g e m é p r i n c i p a l -
mente o coração que precisa ser robustecido.
Segundo toda p r o b a b i l i d a d e , os E s t a d o s - U n i d o s
hão de u m dia parar, e então terão t e m p o para
11
182 MIXIIA FORMAÇÃO
.MEU PAI
l a r » parecia u m a e n o r m i d a d e aos i d o l a t r a s do
preconceito l i b e r a l : elle, porém, s u s t e n t o u - o
c o m razões de u m a coerção m o r a l e social
absoluta. « E m i 8 5 p , vós o sabeis, disse elle
á C a m a a, o grande m e r c a d o dos escravos era
nas costas; é a h i que h a v i a grandes a r m a -
zéns de deposito onde todos i a m c o m p r a r :
m e d i a n t e essa lei de 4 de S e t e m b r o de i 8 5 o »,
— a lei de Eusebio de Queiroz, — « essas c i r -
cumstancias se t o r n a r a m outras, os traficantes
m u d a r a m de p l a n o . A p e n a s desembarcados os
A f r i c a n o s são para logo, p o r c a m i n h o s i m p e r v i o s
e p o r atalhos desconhecidos, levados ao i n t e r i o r
do paiz. A face d'estas novas c i r c u m s t a n c i a s q u e
pode o g o v e r n o fazer c o m a l e i de 4 de S e t e m b r o
de i 8 5 o , cuja acção é somente restricta ao l i t -
t o r a l ? Si desejamos sinceramente a repressão,
si não q u e r e m o s sophismal-a, devemos seguir os
africanistas e m seus novos planos... N ã o é p a r a
abusar que o g o v e r n o q u e r estas disposições,
p o r q u e para abusar e r a m bastantes e poderosos
os meios que estão hoje á sua disposição... U m
governo, a menos que desconheça a sua missão,
não pode p o r a m o r de u m interesse c o m p r o -
m e t t e r os o u t r o s interesses da sociedade : é na
combinação de todos elles que consiste o g r a n d e
p r o b l e m a da administração publica... E u vos
disse que o g o v e r n o t i n h a o desejo sincero de
r e p r i m i r o trafico e não q u e r i a s o p h i s m a r a re-
pressão : não será s o p h i s m a r a repressão o en-
MIXIIA FORMAÇÃO 180
D i s t r i b u i n d o no d i a da v i c t o r i a os l o u r o s do
t r i u m p h o , F r a n c i s c o Octaviano render-lhe-á este
t r i b u t o : « A o seu nobre collega o sr. N a b u c o de
Araújo t a m b é m é indisputável a g l o r i a pelo zelo
c o m que no Conselho de Estado, na correspon-
dência c o m os fazendeiros e na t r i b u n a p o r m e i o
de eloqüentes discursos, fez a m a d u r e c e r a idéa
e t o m a r proporções de vontade nacional. »
Essa f o i a r e f o r m a a que elle se d e d i c o u c o m
m a i o r interesse e amor... T a m b é m desde 1866 o
m e u sonho, m i n h a ambição para elle era que o
seu n o m e ficasse associado ao p r i m e i r o A c t o de
emancipação do reinado... Q u a n t a s cartas m i -
nhas escriptas da A c a d e m i a , e conservadas, c o m o
elle fazia c o m todos os papeis que recebia, encon-
trei depois e x p r i m i n d o aquella esperança i n t i m a
de que elle viesse a ser o L i n c o l n b r a s i l e i r o ! E
de certo de sua c a r r e i r a n e n h u m traço m e é m a i s
precioso do que esse que r e c o n s t r u i c o m fideli-
dade e m sua Vida e que faz d'elle, a s s i m como
Rio-Branco foi o R o b e r t Peel, o C o b d e n d'aquelle
p r i m e i r o m o v i m e n t o a b o l i c i o n i s t a . A s s i m , si ao
entrar eu p a r a a C â m a r a e m 1879 vivesse
e l l e
P a r a o f i m faliava r a r a m e n t e e u m a tristeza i n -
vencível misturava-se ás suas adivinhações pa-
trióticas. H o j e d i r - s e - i a , lendo-o, que a u m a
distancia de doze o u q u i n z e annos o f i m das ins-
tituições liberaes projectava na frente a sua som-
bra e que elle a v i a avançar sobre a t r i b u n a do
Senado.
F o i m u i t o s annos depois da sua m o r t e , e s t u -
dando-lhe a v i d a , m e d i t a n d o sobre o que elle
d e i x o u do seu pensamento, c o m p u l s a n d o o vasto
a r c h i v o p o r elle accumulado, a sua correspon-
dência p o l i t i c a , os testemunhos, as controvérsias,
suscitadas pela sua acção i n d i v i d u a l e as conse-
qüências a ella a t t r i b u i d a s p o r amigos e adver-
sários, que a b r a n g i a personalidade p o l i t i c a de
m e u pae. N a mocidade ser-me-ia impossível t e r
d'elle a comprehensão que depois f o r m e i ; eu não
teria as faculdades para isso, a calma necessária
para a d m i r a r o que só falia á razão, o espirito de
systema, o gênio c o n s t r u c t o r . M a s si o estadista
só podia ser m e d i d o e a v a l i a d o p o r m i m e m
o u t r a phase do m e u desenvolvimento, nãosoffri,
toda a v i d a , influencia directa e positiva c o m o
a admiração que tive pelo h o m e m . Sua grande
sciencia eu sabia bem, eu v i a , estar n'elle e não
nos l i v r o s , que l i t t e r a l m e n t e não e r a m sinão
auctoridades de que elle se servia para o pu-
blico, juizes, collegas... Mais, porém, do que sua
sciencia, o que me d o m i n a v a n'elle era a h a r m o -
nia visível da sua estructura m e n t a l e m o r a l , ma-
196 MINHA F O R M A Ç Ã O
ELEIÇÃO DE DEPUTADO
A t e 1878 f o i p r o p r i a m e n t e o período da m i n h a
formação p o l i t i c a ; o que se segue, de 1879 a 1S89,
é o do papel que me t o c o u r e p r e s e n t a r ; o f i n a l ,
— já agora devo esperar t o d o elle assim, — será
o do a m o r t e c i m e n t o do interesse político e de
sua substituição p o r o u t r o s , talvez a i n d a m a i s
irreaes e c h i m e r i c o s , porém, que de a l g u m m o d o
q u a d r a m m e l h o r c o m o crepúsculo da v i d a ,
q u a n d o o espirito começa a o u v i r ao longe o
toque de recolher. D u r a n t e aquelles dez annos
a que me tenho referido, não f u i sinão u m cu-
r i o s o , a t t r a h i d o pelas viagens, pelo caracter dos
diíferentes paizes, pelos l i v r o s novos, pelo thea-
t r o , pela sociedade. Uma v i d a invejável p a r a
m i m teria sido então o assistir dos bastidores aos
grandes factos contemporâneos, c o n v i v e r c o m
os personagens, e, c o m o distracção do presente,
ter d i r e i t o de e n t r a d a nas excavações de A t h e n a s
ou de Roma. N o fim desta phase de lazzaro-
MINHA FORMAÇÃO 203
<
206 MIMIA FORMAÇÃO
r a l i s m o inglez. G l a d s t o n i a n o . M a c a u l a y i a n o , per-
durará sempre, será a v a s a l l a g e m irresgatavel do
m e u t e m p e r a m e n t o o u sensibilidade p o l i t i c a ; no
e m t a n t o , depois do p r i m e i r o ensaio, a feição po-
l i t i c a tornar-se-á secundaria, subalterna, será
substituída pela identificação h u m a n a c o m os
escravos e esta é que ficará sendo a caracterís-
tica pessoal, t u d o se fundirá n'ella e p o r ella.
N'esse sentido é a emancipação a v e r d a d e i r a
acção f o r m a d o r a para m i m , a que t o m a os ele-
m e n t o s isolados o u divergentes da imaginação,
os e x t r e m o s da curiosidade o u da s y m p a t h i a i n -
tellectual, os contrastes, os antagonismos, as va-
riações de faculdades sensíveis á verdade, á bel-
leza, que os systemas mais oppostos refiectem
uns c o n t r a os outros, e constróe o m o l d e em que
a aspiração p o l i t i c a é vasada, e não ella somente.
a intelligencia, a imaginação, os próprios sonhos
e chimeras do h o m e m .
C o m o eu disse, porém, ha pouco, eu trazia da
infância o interesse pelo escravo Esse episó-
dio não será talvez descabido n'estas recordações.
12.
XX
MASSANGANA 1
formaçãoinstinctiva, o u moral,definitiva...Passei
esse p e r i o d o i n i c i a l , tão r e m o t o e tão presente, e m
u m engenho de P e r n a m b u c o , m i n h a província na-
t a l . A t e r r a era u m a das m a i s vastas e pittorescas
da zona do Cabo... N u n c a se me r e t i r a da vista
esse p a n n o de f u n d o da m i n h a p r i m e i r a existên-
cia... A população do pequeno domínio, inteira-
m e n t e fechado a q u a l q u e r ingerência de fora,
c o m o todos os outros feudos da escravidão, com-
punha-se de escravos, distribuídos pelos c o m -
p a r t i m e n t o s da senzala, o grande p o m b a l negro
ao l a d o da casa de m o r a d a , e de rendeiros, liga-
dos ao proprietário pelo beneficio da casa de b a r r o
que os agasalhava o u da pequena c u l t u r a que
elle lhes consentia e m suas terras. N o centro do
pequeno cantão de escravos levantava-se a resi-
dência do senhor, o l h a n d o para os edifícios da
m o a g e m , e tendo por traz, e m u m a ondulação do
terreno, a capella sob a invocação de S. M a -
theus. P e l o declive do pasto arvores isoladas
a b r i g a v a m sob sua u m b e l l a impenetrável g r u p o s
de gado somnolento. N a planície extendiam-se
os cannaviaes cortados pela alameda tortuosa de
antigos ingás carregados de musgos e cipós, que
s o m b r e a v a m de lado a lado o pequeno r i o I p o -
juca. E r a p o r essa agua quasi d o r m e n t e sobre os
seus largos bancos de areia que se embarcava o
assucar para o Recife ; ella a l i m e n t a v a perto da
casa u m grande v i v e i r o , r o n d a d o pelos jacarés, a
que os negros d a v a m caça, e nomeado pelas suas
212 MINHA. F O R M A Ç Ã O
13.
XXI
A ABOLIÇÃO
Q u a n d o a c a m p a n h a da abolição f o i i n i c i a d a ,
r e s t a v a m ainda q u a s i dois milhões de escravos,
e m q u a n t o que os seus filhos de menos de o i t o
annos e todos os que viessem a nascer, apezar
de ingênuos, e s t a v a m sujeitos até aos v i n t e e
u m annos a u m r e g i m e n p r a t i c a m e n t e egual ao
c a p t i v e i r o . F o i esse i m m e n s o b l o c o que atacá-
mos e m 1879, a c r e d i t a n d o gastar a nossa v i d a
sem chegar a entalhal-o. N o f i m de dez annos
não restava delle sinão o pó. T a l r e s u l t a d o f o i
d e v i d o a m u i t a s causas... E m p r i m e i r o logar, á
epocha e m que f o i lançada a idéa. A h u m a n i d a d e
estava p o r demais adeantada p a r a que se pudesse
ainda defender e m p r i n c i p i o a escravidão, c o m o
o h a v i a m feito nos Estados-Unidos. A raça l a -
t i n a não t e m dessas coragens. O s e n t i m e n t o de
ser a u l t i m a nação de escravos h u m i l h a v a a nossa
altivez e emulação de p a i z novo. Depois, á f r a -
queza e á doçura do caracter n a c i o n a l , ao q u a l o
MINHA F O R M A Ç Ã O 227
mm
MIXIIA F O R M A Ç Ã O 229
c o m os próprios d o c u m e n t o s , m e s m o c o m aquel-
les e m que se pretenda o c o n t r a r i o , u m a vez que
sejam authenticos... A questão de i n i c i a t i v a aliás
t e m u m interesse t o d o secundário, s o b r e t u d o
q u a n d o a idéa está-no ar e o e s p i r i t o do t e m p o
a agita p o r toda a parte. N ã o ha nada m a i s d i f -
ficil do que avaliar a importância r e l a t i v a dos
diversos factores de u m m o v i m e n t o que se t o r n a
nacional. O u l t i m o dos apóstolos pode v i r a ser
o p r i m e i r o de todos, c o m o S. P a u l o , e m serviços
e e m p r o s e l y t i s m o . T u d o n a abolição prende-se,
não se pode escrever-lhe a h i s t o r i a s u p p r i m i n d o
q u a l q u e r dos seus élos... E u m facto a reter :
a compensação vae sempre além, m u i t o além,
dos prejuízos que ella sofTre, e, d'esse m o d o ,
até elles a favorecem A s s i m m o r r e F e r r e i r a de
Menezes, mas Patrocínio t o m a a Gazeta da
Tarde; a m i n o r i a a b o l i c i o n i s t a de 1879 não é
reeleita, surge a Confederação A b o l i c i o n i s t a ;
q u a n d o o Ceará conclue a sua obra, o A m a z o n a s
começa a d'elle ; d e m i t t i d o u m presidente de p r o -
víncia ( T h e o d u r e t o Souto), é n o m e a d o u m Pre-
sidente do Conselho ( D a n t a s ) ; o r g a n i z a d a a acção
da p o l i c i a , apparece a agitação no exercito ; ás
sevicias da P a r a h y b a do S u l e de C a n t a g a l l o
succede o c o m b a t e do Cubatão ; m o r t o José Bo-
nifácio, t o m a o seu l o g a r e m S. P a u l o Antônio
P r a d o ; r e p e l l i d o pela C â m a r a José M a r i a n n o , o
Recife d e r r o t a o m i n i s t r o do Império ; v a c i l l a n d o
o p a r t i d o l i b e r a l , move-se o p a r t i d o conservador;
MINHA FORMAÇÃO 233
gôas... U m r e p u b l i c a n o , a q u e m v e i u a tocar na
hora da a m a r g u r a o papel de discípulo amado
do velho I m p e r a d o r banido... F o i u m i n d u s t r i a l ,
u m engenheiro ousado e t r i u m p h a n t e , que aca-
bou p r a t i c a n d o o tolstoismo... F o i u m gênio
23G MINHA F O R M A Ç Ã O
a n n i v e r s a r i o da Libertação d a Raça A f r i c a n a n o B r a z i l
sem que André Rebouças dê n o v o t e s t e m u n h o de filia!
gratidão ao M a r t y r s u b l i m e da Abolição.
f S i n t o - m e feliz p o r t e r sido e s c o l h i d o pelo B o m Deus
p a r a r e p r e s e n t a r a devotação da Raça A f r i c a n a a V. M.
I m p e r i a l e á P r i n c e z a R e d e m p t o r a , e alegro-me r e p e t i n -
do-o incessantemente.
« É h o j e g r a t o r e l e m b r a r a synthese da nossa v i d a , c o m o
m e u B o m Mestre disse n o Alagoas q u a n d o c o m m e m o r á -
mos seu 64 a n n i v e r s a r i o .
o
«Principiou e m P e t r o p o l i s , e m i85o, h a q u a r e n t a e u m
annos, examinando-me e m a r i t h m e t i c a , a i n d a m e n i n o de
c o l l e g i o , e c o n t i n u o u , quasi q u o t i d i a n a m e n t e , nas lições
e nos exames das Escolas M i l i t a r , C e n t r a l e de A p p l i c a -
ção n a fortaleza d a P r a i a V e r m e l h a até d e z e m b r o
de 1860.
Os annos de 18G1 e 1862 f o r a m de estudos práticos de
c a m i n h o de f e r r o e de p o r t o s de m a r n a E u r o p a . A p r i -
m e i r a Memória, escripta c o m o Antônio, datada de Mar-
MIXIIA FORMAÇÃO 2'37
C A M I N H O DE FERRO SUBTERRÂNEO
do
ALTO S. FRAKCISCO AO CEARA LIVRE
i n f e l i z m e n t e perdido, p o r q u e suas u l t i m a s p a g i -
nas, v o l t a d o para o S u l , elle as escrevia, t o -
m a n d o p o r lettras as estreitas e as
Sua lenda, porém, estcí feita, não ha p e r i g o p a r a
elle de esquecimento : a lenda d o seu desterro
e de sua amizade a D. P e d r o I I .
cessões ao m o v i m e n t o . A o c o n t r a r i o de R e b o u -
ças, Serra era u m e s p i r i t o político, mas a c i m a
do seu p a r t i d o , do q u a l fora d u r a n t e a opposição
o m a i s serviçal dos auxiliares, collocava a nossa
causa c o m m u m c o m u m a sinceridade i n t i m a que
nunca f o i suspeitada... « Passamento do grande
J o a q u i m Serra, escreve Rebouças no seu Diário
em 29 de o u t u b r o de 1888, c o m p a n h e i r o de Aca-
d e m i a em 1854 e de lucta a b o l i c i o n i s t a de 1880-
1888, o p u b l i c i s t a que mais escreveu c o n t r a os
escravocratas. » « N i n g u é m fez mais do que elle,
escrevia G u s m ã o L o b o p o r sua morte... e q u e m
fez tanto...} »
D u r a n t e a c a m p a n h a abolicionista,em u m a das
eleições e m que f u i candidato, u m escravo, que
parecia feliz, suicidou-se e m u m a fazenda de Can-
tagallo. Contou-me u m a senhora da família, an-
nos depois, que p e r g u n t a d o no m o m e n t o da m o r t e
por que attentára c o n t r a s i , si t i n h a a l g u m a
queixa, elle respondera ao senhor que não, que
pensou e m matar-se somente p o r q u e eu não t i n h a
sido eleito deputado...Tenho convicção de que a
raça negra p o r u m plebiscito sincero e verdadeiro
teria desistido de sua liberdade para p o u p a r o me-
n o r desgosto aos que se interessavam p o r ella, e
que no f u n d o , q u a n d o ella pensa na m a d r u g a d a de
i 5 de n o v e m b r o , l a m e n t a ainda u m pouco o seu
i 3 de m a i o . N ã o se poderia estar e m contacto
c o m t a n t a generosidade e dedicação sem lhe t e r
u m pouco a d q u i r i d o a marca. Desde a d y n a s t i a ,
que t i n h a u m t h r o n o a ofTerecer, ninguém que
tenha t o m a d o parte e m sua libertação, o lastimará
nunca. N ã o se l a s t i m a a emancipação de u m a
raça, a transformação i m m e d i a t a do destino de
u m milhão e m e i o de vidas h u m a n a s c o m todas
as perspectivas que a liberdade abre deante das
f u t u r a s gerações. N ã o ha raças ingratas. « Senhor
Rebouças, dizia a Princeza I m p e r i a l a b o r d o do
Alagoas, que os levava j u n t o s para o exilio, si
houvesse ainda escravos no B r a s i l , nós v o l t a r i a -
mos para libertal-os. »
A h ! de certo o t h r o n o c a h i u e m u i t a coisa se-
guiu-se que me podia fazer pensar hoje c o m a l -
248 MINHA FORMAÇÃO
NO VATICANO
« N e n h u m p e n s a m e n t o político intervém n a s u p p l i c a
que d i r i j o ao Chefe do m u n d o c a t h o l i c o e m f a v o r d o s
mais infelizes dos seus filhos. N ã o q u e r o sinão pôr o seu
coração de pae e m communicação d i r e c t a c o m o d'elles.
D'esse c o n t a c t o da c a r i d a d e c o m o m a r t y r i o não pôde
j o r r a r sinão a o n d a de misericórdia que eu espero. P o r
cila o j u b i l e u de Leão X I I I será assignalado c o m o u m a
MINHA FORMAÇÃO 265
« O Papa e a Escravidão.
m u n d o e x e m p l o de h u m a n i d a d e de u m a grande
classe egual á desistência feita pelos senhores
brasileiros dos seus títulos de propriedade es-
crava. Disse que essa era a p r o v a real de que a
escravidão no B r a s i l t i n h a sido sempre u m a i n -
stituição estrangeira, alheia ao espirito nacio-
nal, o que é ainda c o n f i r m a d o , (isto não disse ao
Papa), pelo facto de que os estrangeiros no Bra-
sil f o r a m , e são ainda hoje, de toda a c o m m u -
nhào, os que menos s y m p a t h i a m o s t r a r a m ao
m o v i m e n t o l i b e r t a d o r . Q u a n t o á Família Impe-
r i a l , repeti ao S u m m o Pontífice que o que h a
feito e m nossa lei a f a v o r dos escravos, é devido
á i n i c i a t i v a e imposição do I m p e r a d o r , ainda
que seja pouco. « — U m a dynastia, accrescen-
tei, tem interesses materiaes que dependem do
apoio de todas as classes e não pode affrontar a
m á vontade de n e n h u m a , m u i t o menos d a mais
poderosa de todas. O Papado, «porém, não de-
pende de n e n h u m a classe, p o r isso colloca-se no
p o n t o de v i s t a da m o r a l absoluta, que n e n h u m a
dvnastia pode t o m a r s e m destruir-se ». F a l l a n d o
do actual Presidente do Conselho, disse a Sua
Santidade que elle era u m h o m e m a q u e m a
Egreja no B r a s i l devia m u i t o p o r ter sido elle o
p r i n c i p a l auetor da a m n i s t i a , que poz t e r m o ao
confiicto de 1873, mas que, nessa questão, não
tínhamos m o t i v o para suppôr que elle quizesse i r
além d a lei actual, o que era p o s i t i v a m e n t e con-
t r a r i o ao desejo u n a n i m e da nação. — « E u , po-
272 MINHA F O R M A Ç Ã O
e O cardeal C z a c k i m e t i n h a f a l l a d o egual-
mente n o dever de d a r educação m o r a l aos l i -
bertos, e n'esse sentido parece que na A m e r i c a
do N o r t e e nas A n t i l h a s o c a t h o l i c i s m o vae ten-
t a r u m g r a n d e esforço. S y m p a t h i s a n d o c o m o
p r i n c i p i o da nossa p r o p a g a n d a abolicionista e
p o n d o e m relevo a responsabilidade que nós,
abolicionistas, havíamos c o n t r a h i d o , o cardeal
C z a c k i p o z o dedo n o que é a ferida da raça ne-
gra, a i n d a m a i s degradada talvez do que o p p r i -
m i d a , e, do p o n t o de vista catholico, m e disse
que não h a v i a o u t r o m e i o para fazer d'esses es-
cravos de h o n t e m h o m e n s moralisados, sinao
espalhar l a r g a m e n t e entre elles a educação r e l i -
giosa que não t i v e r a m nunca. C o m o respondi
ao cardeal, assim respondi ao Papa. « — A n t e s
de começar o m o v i m e n t o abolicionista e m 1879,
disse eu ao S u m m o Pontífice, o p a r t i d o l i b e r a l
a que pertenço, e m conseqüência da lucta c o m os
bispos e m 1873, l u c t a sobre a qual os conserva-
dores h a v i a m p r o n u n c i a d o a a m n i s t i a , achava-
se p r i n c i p a l m e n t e v o l t a d o para medidas de secu-
larisação dos actos da v i d a civil,quasi todos ainda
confiados entre nós á Egreja. C o m essas m e d i -
das desenvolveu-se m e s m o u m estado de guerra
entre o l i b e r a l i s m o e a Egreja. Desde que come-
çou o m o v i m e n t o abolicionista, entretanto, mor-
r e r a m todas as outras questões, e l i t t e r a l m e n t e
ha nove annos não se t e m tratado de o u t r a coisa
no paiz. Estabeleceu-se então u m a verdadeira
274 MINHA FORMAÇÃO
g u i u d e m o r a r a Encydica... A c u r t a d e m o r a foi
bastante para ella só apparecer depois de abolida
a escravidão n o Brasil... E n t r e a queda de Cote-
gipe e a abolição o espaço f o i tão pequeno que a
b>ella o b r a de Leão X I I I só v e i u a ser p u b l i c a d a
q u a n d o não h a v i a m a i s escravos no B r a s i l . A
benção, porém, d o Santo P a d r e á nossa causa,
a p a l a v r a que elle i a p r o f e r i r , essas desde os fins
de F e v e r e i r o , a i n d a sob o gabinete Cotegipe, o
paiz as conheceu pelas m i n h a s revelações... A
surpreza da emancipação t o t a l foi tão agradável
a Leão X I I I que, c o m o p o s t - s c r i p i u m á sua carta
l a p i d a r i a sobre a escravidão, elle m a n d o u á P r i n -
ceza I m p e r i a l a Rosa de O u r o .
M e u papel f o i , c o m o se v i u , m u i t o h u m i l d e .
S i m p l e s p o r t a d o r p a r a o cardeal R a m p o l l a e
m o n s e n h o r M o c e n n i das cartas de apresentação
do cardeal M a n n i n g , eu nãofiz,apresentando a
Leão X I I I as pastoraes dos nossos bispos sobre
o seu j u b i l e u , sinão offerecer-lhe u m assumpto
a todos os respeitos d i g n o d'elle... A i m a g i -
nação do Papa abrangeu logo toda a grandeza
do serviço que elle podia prestar á h u m a n i d a d e ,
o t h e m a i n c o m p a r a v e l p r o p o r c i o n a d o ás suas
lettras... S i de a l g u m a coisa me posso lísonjear
é de t e r ligado como u m a aspiração c o m m u m á
causa dos escravos no B r a s i l a causa da África...
Poucos mezes depois do p r o n u n c i a m e n t o que
suppliquei ao Santo Padre, chegará a R o m a o
cardeal L a v i g e r i e e o Papa o investirá n a
16
278 MINHA F O R M A Ç Ã O
o BAR7VO D E TAUTPHCEUS
phos, L o g a r i t h m o s , A m a z o n a s , A r c h i t e c t u r a G o -
t h i c a , L i b e r d a d e de T e s t a r , Raizes Gregas, Papel-
Moeda, C u l t u r a s T r o p i c a e s , A l b e r t o Dürer, Divina
Comedia, ao acaso. E r a somente f e r i r a tecla,
pôr a p e r g u n t a n o apparelho, e esperar o desen-
r o l a r da resposta, c o m o a que daria o L e x i c o n
de Meyer, o u a H i s t o r i a Universal de César
C a n t u . E l l e fallava de u m m o d o u n i f o r m e , sem
emphase, sem c o l o r i d o , sem expressão m e s m o ,
mas era u m j o r r a r sem f i m de sciencia, de eru-
dição, c o m o si n'aquelle m e s m o d i a tivesse es-
tado a estudar o assumpto. Nada mais dif-
ferente da ostentação f r i v o l a de sciencia com
que t a n t a gente se apraz e m d e s l u m b r a r o ou-
v i n t e que lhe ofTerece i n a d v e r t i d a m e n t e u m as-
s u m p t o ao seu alcance, do que essas dissertações
scientificas, up to date, a que T a u t p h c e u s se
entregava perante os seus discípulos, que todos
o f i c a v a m sendo, para sempre, j o r n a l i s t a s , pro-
fessores, ministros de Estado que fossem...
c o n v e r t i d a s e m t r a b a l h o alheio. Q u e lhe i m p o r -
t a v a isto? Elle era destituído de ambição. Esse
respeitador p o r systema da o r d e m h i e r a r c f i i c a e
da pragmática social, que n u n c a levou a m a l que
os poderes de u m d i a se considerassem seus su-
periores, que os afidalgados da véspera olhassem
c o m desdém p a r a o seu t i t u l o hereditário, ven-
do-o mestre de meninos, era u m sábio da Gré-
cia, p r a t i c a n d o c o m o espirito e a inteireza paga
a p h i l o s o p h i a do Ecclesiaste: Vanitas vanita-
tum... Desde m u i t o cedo elle a d q u i r i u a esse res-
peito a perfeita i m m u n i d a d e . T e n d o que g a n h a r
a v i d a e m paiz estrangeiro p o r m e i o de lições, en-
t e r r o u t u d o que pudesse restar-lhe dos velhos
preconceitos aristocráticos de seu paiz, das aspi-
rações á elegância, á v i d a de prazer, ostentação,
e successos m u n d a n o s da sua mocidade e m P a -
r i z , e n t r o u no papel que lhe f o r a distribuído c o m
a m e s m a s i m p l i c i d a d e c o m o si o recebesse p o r
herança... e m u m a palavra, sem resentimento,
sem queixa, s e m murmúrio. B e b e u a agua da
Carioca c o m o m e s m o espirito de c o n f o r m a -
ção c o m que t e r i a bebido a agua do Lethes...
Esqueceu-se de si m e s m o para e n t r a r e m seu
n o v o destino... M a s t a m b é m desde logo como
elle penetrou os m a i s íntimos refolhos e singu-
laridades d o paiz que devia ser sua segunda pá-
t r i a , e que elle a m o u c o m o t a l ! Sua posição era
i n v o l u n t a r i a m e n t e considerada subalterna ainda
pelos mais capazes de comprehender, — o que não
288 MIXIIA FORMAÇÃO
apossado de m i m e d e v i a seguidamente d u r a n t e
seis annos occupar-me até absorver-me...
C o m o escrevi a l g u m a s paginas atraz, o m e u
espirito a d q u i r i r a e m t u d o a aspiração da fôrma e
do repouso d e f i n i t i v o . A nossa d y n a s t i a tivera
e m i 5 de N o v e m b r o o que c h a m e i u m a assum-
pção : v i v e r a e acabára c o m o u m a encarnação
nacional. O condão deixado pela fada no berço
da nossa n a c i o n a l i d a d e f o i q u e b r a d o e lançado
f o r a ; q u e m nos d i z que o desfecho não estava pre-
v i s t o p o r ella ? A Independência, a U n i d a d e na-
c i o n a l , a Abolição : n e n h u m a d y n a s t i a j a m a i s
i n s c u l p i u na sua p y r a m i d e u m tão perfeito car-
touche... Q u a n d o eu pensava no papel represen-
t a d o pela casa r e i n a n t e brasileira, D o m P e d r o I ,
D o m P e d r o I I , D o n a Isabel, e nas condições de
u n a n i m i d a d e , espontaneidade, e finalidade na-
c i o n a l necessárias para ella o poder de n o v o de-
s e m p e n h a r de accordo c o m a sua lenda, o pro-
b l e m a excedia a m i n h a imaginação, e parecia-me
u m attentado c o n t r a a h i s t o r i a querer-se accres-
centar, a não ser p o r m ã o de mestre, de u m a se-
gurança, de u m a delicadeza, de u m a felicidade a
t o d a p r o v a , u m n o v o painel áquelle t r i p t y c o . . .
P o r o u t r o lado, d u r a n t e os annos que t r a b a l h e i
na Vida de m e u pae a m i n h a a t t i t u d e foi insensi-
v e l m e n t e sendo affectada pelo espirito das antigas
gerações que crearam e f u n d a r a m o r e g i m e n l i -
b e r a l que a nossa d e i x o u destruir... O que eu
respirava n'aquella vasta documentação, não era
302 MINHA FORMAÇÃO
u m e s p i r i t o m o n a r c h i c o inconciliável, bastando
c o m o u m a religião, c o m o u m a bemaventurança,
aos que p o r ella se destacavam do mundo... A
m o n a r c h i a para aquellas epochas de a r c h i t e c t o s ,
pedreiros e esculptores políticos i n c o m p a r a v e i s ,
era u m a bella e p u r a f o r m a , mas que não p o d i a
e x i s t i r p o r si só; o interesse, o a m o r , o zelo, o
f e r v o r patriótico delles d i r i g i a - s e á substancia
nacional, o paiz ; sua vassallagen ao p r i n c i p i o
m o n a r c h i c o era apenas u m p r e i t o r e n d i d o á p r i -
m e i r a das conveniências sociaes... P a r a taes ho-
mens, v e r d a d e i r a m e n t e fundadores, u m t e r r e -
moto p o d e r i a s u b v e r t e r as instituções, mas o
B r a s i l e x i s t i r i a sempre, e á sua v o z seria forçoso
acudir, q u a l q u e r que fosse o v e n d a v a l e m t o r n o ,
e q u a n t o m a i s f e r i d o , m a i s m u t i l a d o , m a i s ex-
hausto, m a i o r o dever de o não abandonar...
Elles não estabeleceriam n u n c a o d i l e m m a e n t r e
a m o n a r c h i a e a pátria, p o r q u e a pátria não p o d i a
ter r i v a l .
A impressão d'esses sentimentos varonis,
d'essa a n t i g a lealdade, f o i g r a n d e e m mim e á
m e d i d a que eu a i a r e s p i r a n d o , o desejo a u -
g m e n t a v a de não d e i x a r pelo m e n o s o m e u túmulo
m u r a d o do lado d o f u t u r o . . . C o m p r e h e n d o a
carta de B e r r y e r m o r i b u n d o a H e n r i q u e V, c o m o
c o m p r e h e n d o a carta d o conde de C h a m b o r d
sobre a bandeira b r a n c a ; a m o n a r c h i a franceza
gerára u m a c a v a l l a r i a , u m p o n t o de h o n r a
aristocrático, u m e s p i r i t o de classe á p a r t e , e
MINHA F O R M A Ç Ã O 303
de atracção, n e n h u m o u t r o teria o m e s m o p o d e r
contra ellas... A i n d a assim talvez tenha apenas
h a v i d o entre ellas e a p o l i t i c a u m a verdadeira
fusão... A h i s t o r i a é c o m effeito o único c a m p o
e m que me seria dado a i n d a c u l t i v a r a p o l i t i c a ,
p o r q u e nelle não terei perigo de f a l t a r á i n d u l -
gência, que é a caridade d o espirito, n e m á tole-
rância, que é a f o r m a de justiça a que eu posso
attingir... São essas duas das faces, a que h a p o u c o
a l l u d i , sob que m e u espirito c r y s t a l l i s o u .
D i z e n d o as lettras, quero apenas dizer o que
ellas p o d e m ser p a r a m i m : o l a d o b e l l o , sensível,
h u m a n o das coisas que está ao m e u alcance, a
resonancia, a admiração, o estado d'alma que
ellas m e deixam... F o i a necessidade de c u l t i v a r
i n t e r i o r m e n t e a benevolência o que, t a l v e z , m e
dispoz a t r o c a r d e f i n i t i v a m e n t e a p o l i t i c a pelas
lettras, a d a r a m i n h a v i d a activa p o r encerrada,
reservando, c o m o vocação i n t e l l e c t u a l , — a p o l i -
t i c a não fôra o u t r a coisa para m i m , — o saldo de
dias que me restasse p a r a p o l i r imagens, senti-
mentos, lembranças que eu quizera levar na
alma O l h e i a v i d a nas diversas epochas a t r a -
vés de v i d r o s difterentes : p r i m e i r o , no ardor
da mocidade, o prazer, a e m b r i a g u e z de v i v e r , a
curiosidade d o m u n d o : depois, a ambição, a p o p u -
laridade, a emoção da scena, o esforço e a r e -
c o m p e n s a d a l u c t a p a r a fazer h o m e n s l i v r e s ,
(todos esses e r a m v i d r o s de augmento)...; m a i s t a r -
de, c o m o contrastes, a n o s t a l g i a d o nosso passado
MINHA FORMAÇÃO 307
FIM.
ÍNDICE
Prefacio . vir
Collegio e Academia , i
II
Bagehot 9
III
1871-1873. Na Reforma 52
IV
Attracção do M u n d o 33
VI
A França de 1873-74 54
VII
Ernest Renan 65
VIII
A crise poética 75
310 ÍNDICE
IX
Addido de Legação 85
X
Londres 9 2
IX
32, Grosvenor Gardens ioõ
XII
Influencia ingleza no
XIII
O espirito inglez 125
XIV
Nova-York (1876-77) i35
XV
O meu diário de 1877 147
XVI *
Traços Americanos i5g
XVII
Influencia dos Estados-Unidos 170
XVIII
Meu Pae 184
XIX
Eleição de deputado 202
XX
Masssangana 211
ÍNDICE 311
XXI
A abolição 2 2 6
XXII
Caracter do movimento. — A parte da dynastia.. 245
XXIII
Passagem pela politica
XXIV
No Vaticano
XXV
O barão de Tautphceus 284
XXVI
Os últimos dez annos 3oo