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Direitos Fundamentais e Justiça

Constitucional B/C

Inês Friães dos Santos


Ricardo Costa Amaro

Docentes: Prof. Doutor Jorge Pereira da Silva


Mestre Francisco Salavisa
Ano Letivo 2020/2021
Inês Friães dos Santos/Ricardo Costa Amaro

2020/2021 DFJC B/C 2


Inês Friães dos Santos/Ricardo Costa Amaro

Índice
0. Introdução da Justiça Constitucional .................................................................................................................................7
0.1. Poder Jurisdicional – o mais separado dos três poderes .............................................................................................7
0.2. Origem histórica da fiscalização da constitucionalidade .............................................................................................7
0.3. Paradoxo do Constitucionalismo e “judicial self restraint” .........................................................................................8
0.4. Sistema Português de Fiscalização da Constitucionalidade ........................................................................................9
0.4.1. Fiscalização por Omissão....................................................................................................................................10
0.4.2. Fiscalização por Ação ..........................................................................................................................................10
0.4.2.1. Fiscalização Preventiva .......................................................................................................................................10
0.4.2.2. Fiscalização Sucessiva .........................................................................................................................................11
0.4.2.2.1. Fiscalização Sucessiva Concreta ...............................................................................................................11
0.4.2.2.2. Fiscalização Sucessiva Abstrata ................................................................................................................13
0.5. Recurso de Amparo .....................................................................................................................................................14
0.6. Conclusões ...................................................................................................................................................................14
1. Perspetivas de uma mesma realidade: do “estado natureza” às Constituições ...........................................................16
1.1. Perspetiva filosófica ................................................................................................................................................17
1.2. Perspetiva constitucional ........................................................................................................................................17
1.3. Perspetiva internacionalista ...................................................................................................................................17
1.4. Corolários: atipicidade, cláusula aberta e interpretação conforme .....................................................................18
1.4.1. Cláusula aberta (nº1) ..........................................................................................................................................18
1.4.2. Interpretação conforme (nº2) ...........................................................................................................................20
1.5. Dignidade da pessoa humana ................................................................................................................................21
1.5.1. Origens históricas ...............................................................................................................................................21
1.5.2. Origens éticas......................................................................................................................................................22
1.5.3. A dignidade da pessoa humana enquanto princípio jurídico ...........................................................................22
1.5.4. Conclusão ............................................................................................................................................................25
2. Desenvolvimento geracional dos direitos fundamentais ................................................................................................26
2.1. Direitos Civis ............................................................................................................................................................26
2.2. Direitos Políticos ......................................................................................................................................................27
2.3. Direitos Sociais ........................................................................................................................................................27
2.4. Direitos de 4ª geração ............................................................................................................................................28
2.5. Direitos novos e declinações novas dos direitos velhos .......................................................................................28
2.6. Natureza reativa dos direitos .................................................................................................................................29
3. Desenvolvimento funcional dos direitos fundamentais .................................................................................................30
3.1. Direitos de (autonomia) e defesa ...........................................................................................................................30
3.2. Direitos a prestações ..............................................................................................................................................30
3.3. Direitos eficazes nas relações intersubjetivas privadas ........................................................................................30
3.4. Direitos de proteção estadual ................................................................................................................................31
3.4.1. Relações jus fundamentais multioculares .........................................................................................................32
3.4.2. Relações triangulares assimétricas ....................................................................................................................33
3.4.3. Direito à greve (em especial) .............................................................................................................................33
3.5. Determinantes organizativas e direitos procedimentais e processuais ...............................................................34
3.5.1. Dimensão de organização ..................................................................................................................................34
3.5.2. Dimensão de Procedimento e Processo ............................................................................................................35
3.6. Funções objetivas: institucionais, irradiantes e valorativas ..................................................................................35
3.6.1. Dimensão institucional .......................................................................................................................................35
3.6.2. Dimensão irradiante ...........................................................................................................................................35
3.6.3. Dimensão valorativa ...........................................................................................................................................36
3.7. Dimensão intergeracional e direitos das gerações futuras...................................................................................36
3.8. Luth-Urteil e a ideia de “Estado de direitos fundamentais” .................................................................................36
4. Unidade ou dualidade: direitos de liberdade e direitos sociais ......................................................................................37
4.1. Divididos à nascença por um “muro de Berlim”....................................................................................................37
4.2. Indivisibilidade da dignidade da pessoa humana ..................................................................................................37
4.3. Teoria do custo dos direitos ...................................................................................................................................38
4.4. Carácter negativo vs. carácter positivo ..................................................................................................................39
4.5. Determinabilidade vs. indeterminabilidade ..........................................................................................................39

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4.6. Núcleo subjetivo vs. reserva do possível ...............................................................................................................40


4.7. Direitos de natureza análoga ..................................................................................................................................41
4.8. Sistematização .........................................................................................................................................................43
ANEXO: Caso Prático 4.3 ...........................................................................................................................................................46
5. Titularidade (e exercício) dos direitos fundamentais .........................................................................................................48
5.1. Princípio da universalidade ................................................................................................................................................48
5.2. Princípio da igualdade ........................................................................................................................................................50
5.2.1. Evolução e metodologia .....................................................................................................................................50
5.2.1.1. Pós-revoluções liberais ..................................................................................................................................50
5.2.1.2. Proibição do arbítrio ......................................................................................................................................50
5.2.1.3. Princípio dinâmico..........................................................................................................................................52
5.2.2. Patologias e superação .......................................................................................................................................53
5.2.3. Proteção legal contra discriminações ................................................................................................................55
5.3. Princípio da pessoalidade ............................................................................................................................................56
5.3.1. Pressupostos .......................................................................................................................................................56
5.3.2. Princípio de diferenciação ..................................................................................................................................57
5.3.3. Proteção diplomática .........................................................................................................................................58
5.4. Princípio da equiparação (territorialidade) ................................................................................................................60
5.4.1. Regime geral .......................................................................................................................................................60
5.4.2. Exceções ..............................................................................................................................................................61
5.4.3. Exceções às exceções .........................................................................................................................................63
ANEXO ........................................................................................................................................................................................64
6. Força jurídica das normas jusfundamentais: “direitos como um todo” ........................................................................65
6.1. Bens jusfundamentalmente protegidos: uma realidade estratiforme.................................................................65
6.2. Armadura jurídica....................................................................................................................................................65
6.2.1. Noção de bem jurídico .......................................................................................................................................66
6.3. Aplicabilidade direta ...............................................................................................................................................68
6.4. Vinculação das entidades públicas .........................................................................................................................69
7. Vinculação das entidades privadas ..................................................................................................................................71
7.1. A redescoberta desta temática ..............................................................................................................................71
7.2. Conceções doutrinárias ..........................................................................................................................................72
7.3. Zonas de certeza e incerteza ..................................................................................................................................74
ANEXO: vinculação dos privados a direitos dos privados ........................................................................................................75
8. Deveres estaduais de proteção ........................................................................................................................................79
8.1. A redescoberta desta temática ..............................................................................................................................79
8.2. Perigos e riscos ........................................................................................................................................................80
8.3. Agressor ...................................................................................................................................................................80
8.4. Lesado ......................................................................................................................................................................81
8.4.1. Resiliência dos bens jusfundamentais e fragilidade dos seus titulares ...........................................................82
8.5. Estado ......................................................................................................................................................................82
8.5.1. Releitura do artigo 18.º CRP ..............................................................................................................................83
8.5.2. Reconfigurações do triângulo ............................................................................................................................83
8.6. Medidas de proteção estaduais .............................................................................................................................84
9. Restrições a direitos fundamentais ..................................................................................................................................86
9.1. Parâmetros de validade ..........................................................................................................................................87
9.2. Articulação com os deveres estaduais de proteção ..............................................................................................90
10. Estado de exceção constitucional ...............................................................................................................................90
10.1. Processo de decisão ................................................................................................................................................91
10.2. Fundamentos...........................................................................................................................................................92
10.3. Conteúdo do decreto do Presidente da República ...............................................................................................92
10.4. Natureza jurídica .....................................................................................................................................................93
10.5. Nova pirâmide normativa do estado de exceção ..................................................................................................93
10.6. Princípios jurídicos ..................................................................................................................................................94
10.7. Direitos suspensos pelo PR na pandemia ..............................................................................................................94
10.8. Situações de anormalidade civil .............................................................................................................................95
11. Disponibilidade dos direitos fundamentais ................................................................................................................96
12. Autotutela, proteção jurisdicional e administrativa ............................................................................................... 104

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12.1. Heterotutela jurisdicional .................................................................................................................................... 104


12.2. Heterotutela não jurisdicional ............................................................................................................................. 106
12.3. Fiscalização administrativa da constitucionalidade ........................................................................................... 107
13. Direitos sociais .......................................................................................................................................................... 108

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0. Introdução da Justiça Constitucional

0.1. Poder Jurisdicional – o mais separado dos três poderes


O estudo da Justiça Constitucional principia com uma análise do poder jurisdicional, o poder mais separado
dos três poderes existentes. A sua separação é obtida a partir do art. 16º DDHC - uma sociedade em que não
esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.

Daqui retiramos que uma Constituição é fundamentalmente composta pelos dois elementos referidos.
Agarrando na separação de poderes, o poder jurisdicional é o mais separado visto que os outros dois poderes
(executivo e legislativo) estão sempre muito próximos – no caso português, o Governo emana da Assembleia
da República, é politicamente responsável perante esta e dispõem ambos de competência legislativa.

Isto não significa que os poderes estejam todos no mesmo plano. Para Montesquieu o poder legislativo era o
mais importante, enquanto os outros eram o menos importantes pois serviam as decisões do legislador – a
respeito do poder jurisdicional, “o juiz era a boca que pronunciava as palavras da lei”, uma visão que nunca
permitiria a fiscalização da constitucionalidade pois seria admitir que o poder jurisdicional poderia questionar
a constitucionalidade de uma lei e, no limite, recusar a sua aplicação ou removê-la do ordenamento jurídico.

0.2. Origem histórica da fiscalização da constitucionalidade


A fiscalização de constitucionalidade surge inicialmente nos EUA, a partir de uma decisão proferida pelo
Tribunal Federal no caso Murbury v Madison. Esta decisão supõe que os três poderes são três poderes
constituídos, que têm acima deles o poder constituinte. No sistema norte-americano, de fiscalização
jurisdicional difusa, a revisão de toda a legislação é uma competência de todos os tribunais, sem prejuízo do
papel liderante do supremo tribunal federal e dos respetivos precedentes.

A fiscalização de constitucionalidade surge na Europa bastante mais tarde, em 1920. Sobre a proposta de Hans
Kelsen, a Constituição da Áustria cria um Tribunal Constitucional, um “super tribunal” que tinha como
competência exclusiva a fiscalização da constitucionalidade das leis. Os demais tribunais apenas deverão
aplicar fielmente a lei vigente, e é criado um tribunal com uma composição sui generis, legitimado
democraticamente, com competência exclusiva de atuar como legislador negativo. Numa palavra, temos um
sistema de fiscalização jurisdicional concentrada, na qual um TC poderá revogar todas as leis que sejam
desconformes com a Constituição.

Em França a tendência foi inicialmente distinta. Num primeiro momento o Estado francês sempre rejeitou a
fiscalização da constitucionalidade, mas mais tarde constituiu o denominado Conselho Jurisdicional, um órgão
semipolítico e semijurisdicional com a função de fiscalizar preventivamente a constitucionalidade das leis,
desde que assim requerido pelo Presidente da República. Assim, o sistema de fiscalização preventiva permite
apreciar a conformidade com a Constituição das leis antes da sua entrada em vigor; e, uma vez vigorando,
tornam-se inquestionáveis para os tribunais desse Estado.

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0.3. Paradoxo do Constitucionalismo e “judicial self restraint”


A partir do momento em que se admite que os tribunais podem fazer fiscalização de constitucionalidade surge
o denominado problema paradoxo do constitucionalismo. Foi “descoberto” por Charles Evans Hughes, e
apresenta-se nos seguintes termos: cabendo aos juízes a palavra final quanto à conformidade das leis com a
Constituição, não temos nenhuma garantia de que a sua interpretação desta é realmente conforme à vontade
do poder constituinte. Sendo a Constituição expressão do poder constituinte originário, um poder soberano
detido por todos os cidadãos, sendo os juízes aqueles que terão semelhante tarefa tal levar-nos-ia a concluir
que, na verdade, apenas os juízes serão os soberanos.

Há diversas teorias para poder ultrapassar este paradoxo:

➢ Judicial Self Restraint ou Separação de Poderes funcionalmente adequada: assenta numa ideia de
autocontenção, cuja diferenciação de nomes resulta do facto de a primeira vertente ser originária dos EUA
e a segunda vertente ser originária do Tribunal Federal Alemão. Cada um dos órgãos faz aquilo que
consoante a sua vocação, informação e aptidão do ponto de vista funcional dentro de cada sistema de
Governo.

Assim quando uma lei é remetida para fiscalização é necessário separar das questões jurídicas:

1. Questões políticas: O Tribunal não se pronunciará acerca de questões de índole política;


2. Questões de mérito legislativo ou política legislativa: Não cabe ao Tribunal pronunciar sobre a
qualidade ou oportunidade das leis, bem como da polícia legislativa em curso (ex. aligeiramento de
penas), mas apenas questões jurídico-constitucionais.
3. Questões jurídico-constitucionais: mesmo no que diz respeito a estas questões, há que ter em conta:
1. Crédito de confiança e ónus da prova: é necessário dar ao legislador um crédito de confiança,
quer seja porque o legislador parlamentar, dispõe de um grupo de competências ou
informações, que muitas vezes não é acessível aos juízes constitucionais da mesma medida.
a. Nessa medida, cabe aos juízes constitucionais o ónus da prova que as leis são
inconstitucionais. Ou seja, há um desfasamento manifesto entre as leis e a constituição.
2. Controlo limitado das prognoses legislativas: As prognoses legislativas não são muitas vezes
controladas pelos Tribunais Constitucionais, isto é, se o legislador vai efetivamente conseguir
os objetivos que pretende através de uma lei, isso na maior parte dos casos não é possível aferir
no momento presente, portanto os juízes até podem entender que a lei não vai atingir objetivo
x, mas não têm a certeza. Assim, como não sabem não podem pronunciar-se pela
constitucionalidade.
3. Respeito pela jurisprudência (regra do respeito pelo precedente): mesmo que em Portugal não
haja a regra do precedente, respeitar a jurisprudência anterior é uma forma de limitar o poder
do tribunal.
4. Diferentes graus de intensidade do controlo jurisdicional: há um entendimento geral dos EUA e
a Europa que há diversos graus de intensidade do controlo jurisdicional, em função das matérias
e consequentemente há diferentes graus de respeito devido à liberdade de decisão ou
conformação do legislador democrático.

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Há dois casos célebres que assim o demonstram:

▪ US v Carolene Products 1938: Numa nota de rodapé distinguiu casos de escrutínio estrito das lei, com
aqueles que não são alvo de tanto escrutínio, ou seja, quando é que o tribunal pode e deve fazê-lo:
o Violação clara de proibições constitucionais; discriminação de minorias; proteção de direitos
básicos; violação de regras essenciais ao processo democrático.
o Nestes casos o Tribunal deve ser “implacável”; em outros, deve dar ao legislador um crédito de
confiança.
▪ Mitbestimmung (1979): Foi uma decisão de congestão em que se distinguem três níveis de controlo:
o Intensificado: quando se fala de direitos fundamentais como a vida, a liberdade, questões
controversas como aborto, eutanásia);
o Evidência: quando está num posto oposto, ou seja, em matérias relativas (liberdade económica,
economia, liberdade de imprensa;
o Sustentável: ou seja, é um conjunto de matérias intermédias em que está em causa saber se a
constitucionalidade da lei é sustentável, isto é, ver se a lei tem pontos de apoio que permitam
entender que a lei não é inconstitucional.

➢ Ideia de Sociedade aberta de intérpretes da Constituição: É uma ideia avançada por um constitucionalista
alemão, baseada na teoria de Karl Popper, na sociedade aberta e os seus inimigos. Todos os membros da
sociedade são intérpretes da Constituição, sendo necessário um espaço de crítica das decisões dos
tribunais de modo a sensibilizá-los para o seu entendimento da Lei Fundamental.

➢ Revisão Constitucional: Em última análise, se o Parlamento entender que o Tribunal interpreta mal a
constituição, pode revê-la. O TC aqui não pode fazer nada. Esta prática é bastante comum visto que muitos
Estados decidiram fazer Revisões precisamente devido a erradas interpretações da Constituição.

0.4. Sistema Português de Fiscalização da Constitucionalidade

As decisões poderão adotar a natureza seguinte:

→ Julgamento na fiscalização concreta; → Declaração na fiscalização abstrata;

→ Pronúncia na fiscalização preventiva; → Verificação na fiscalização por omissão.

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0.4.1. Fiscalização por Omissão


Na fiscalização por omissão pretendemos saber se por vezes a omissão por parte dos órgãos legislativos no
âmbito da produção de normas poderá ser inconstitucional. Por omissão entende-se a falta de medidas
legislativas necessárias, que poderá ser total ou parcial.

A fiscalização de constitucionalidade por omissão encontra-se regulada nos art. 283º CRP. Ainda assim,
Jorge Pereira da Silva sustenta que não é só ao abrigo do art. 283º CRP que se fiscalizam as omissões
legislativas, mas também ao abrigo do art. 204º CRP. Tem legitimidade para suscitá-la o Provedor de Justiça,
o Presidente da República (quaisquer leis) e o Presidente da Assembleia Legislativa das regiões autónomas
(em matéria da violação de direitos das regiões autónomas).

A sua inconstitucionalidade reside apenas se estiverem em causa normas legais e se, na sua ausência, estas
eram necessárias para densificar e fazer cumprir as normas constitucionais. Esta modalidade segue um
pressuposto no qual são necessárias determinadas leis tornarem exequíveis certas normas constitucionais, ou
até para dar ir de encontro ao previsto em normas programáticas, de modo que a Constituição se aplique na
plenitude.

A consequência da verificação da inconstitucionalidade por omissão consiste no envio da sentença


para o órgão competente por parte do Tribunal Constitucional, sem que o órgão em causa seja punido caso
venha posteriormente a incumprir tal sentença (artigo 283º nº2 CRP).

Traduz-se, assim, numa sentença puramente declarativa. Apesar de não alterar a ordem jurídica, circunscreve-
se a impulso legiferante e, assim, suscetível de levar os órgãos legislativos a transformar o seu comportamento
de negativo em positivo. Assim, estamos perante um equilíbrio entre o princípio da garantia da Constituição
(encarnado no Tribunal Constitucional) e o princípio democrático (encarnado nos órgãos legislativos) - uma
decorrência do já estudado Estado de Direito Democrático.

0.4.2. Fiscalização por Ação


A fiscalização por ação analisa ações dos órgãos legislativos na criação de normas. Pretende-se assim verificar
se uma norma criada está ferida de inconstitucionalidade, podendo ser efetuada preventivamente ou
sucessivamente (artigo 277º CRP).

0.4.2.1. Fiscalização Preventiva


Herdada do sistema francês de fiscalização de constitucionalidade, esta é necessariamente uma fiscalização
abstrata por não ser associada a nenhum caso concreto e concentrada pois só o TC pode fiscalizar (influência
do sistema austríaco).

A primeira etapa que o Presidente da República deverá percorrer após receber os diplomas na Presidência da
República consiste na averiguação da conformidade com a Constituição dos diplomas. São fiscalizadas
preventivamente normas constantes de tratados e acordos internacionais e de atos legislativos previstos no
artigo 112º nº1 CRP – leis, decretos-lei e decretos legislativos regionais.

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O art. 278º CRP trata da possibilidade de o Presidente da República enviar para o Tribunal Constitucional
decretos da Assembleia da República para serem aprovados como leis, decretos do Governo para serem
aprovados como decretos-lei e tratados internacionais. O Presidente da República, para decidir se procede a
este envio, possui oito dias a contar da data da receção do diploma, independentemente do tipo de decreto
(art. 278º nº3 CRP), possuindo o TC 25 dias para pronunciar-se (art. 278º nº8 CRP).

Contrariamente à análise feita na promulgação ou veto, que incide sobre a globalidade do diploma, a análise
do Tribunal Constitucional irá incidir sobre preceitos específicos - as normas que forem indicadas pelo
Presidente da República para fiscalização. Vigora, assim, o denominado Princípio do Pedido (artigo 51º LOTC),
em que o Tribunal Constitucional, enquanto especialista na interpretação de preceitos constitucionais, apenas
se vincula ao pedido feito e não à sua fundamentação.

Os efeitos da pronúncia pela inconstitucionalidade das normas constam do art. 279º CRP.

0.4.2.2. Fiscalização Sucessiva


Esta modalidade de fiscalização de normas exercida pelo Tribunal Constitucional verifica-se, contrariamente à
fiscalização preventiva de constitucionalidade, após a entrada em vigor das normas. Subdivide-se em dois
grandes grupos: concreta e abstrata.

0.4.2.2.1. Fiscalização Sucessiva Concreta


A fiscalização sucessiva concreta ocorre na presença de um litígio, em que quer os tribunais a quo quer o
Tribunal Constitucional julgam uma dada norma como inconstitucional, cuja apreciação é feita tendo como
ponto de partida um julgamento, intervindo na resolução de um dado litígio. Estamos assim perante influência
do sistema norte-americano, em que caso uma norma seja julgada inconstitucional a decisão valerá somente
para o caso concreto.

A inconstitucionalidade é uma questão de conhecimento oficioso, isto é, mesmo que as partes não
suscitem a questão de inconstitucionalidade o juiz pode e deve apreciar a sua constitucionalidade antes de
decidir. Assim, não só o juiz não está vinculado aos argumentos, como não está vinculado à omissão de um
pedido de verificação de constitucionalidade.

A fiscalização concreta está regulada pelo arts. 204º CRP, pois nenhum tribunal poderá aplicar uma
norma desconforme com a Constituição. A inconstitucionalidade da norma resulta quando a norma apresenta
um vício independentemente da sua aplicação, que será oficiosamente apreciado pelos Tribunais. Assim, O
preceito fundamental em sé de fiscalização concreta de constitucionalidade é o art. 204º CRP, conferindo
poder a todos os tribunais para recusar a aplicação de normas com fundamento na sua inconstitucionalidade.

Das decisões dos tribunais a quo cabe recurso para o Tribunal Constitucional, regulado pelo art. 280º CRP e na
Lei Orgânica do Tribunal Constitucional. São três tipos de decisões que são passíveis de recurso em sé de
fiscalização concreta:

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• Recusa da aplicação de norma com fundamento em inconstitucionalidade e ilegalidade (artigo 280º nº1
a) e nº2 a) CRP);
o Existe recurso direto, imediato e obrigatório para o MP (art. 280º nº3 CRP);

• Aplicação de norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade haja sido suscitada durante o processo e em
que a norma aplicada seja um dos fundamentos normativos da decisão (artigo 280º nº1 b) e nº2 d) CRP);
o Tipicamente o recurso será para uma instância superior, pela parte que haja suscitado a questão
da inconstitucionalidade ou da ilegalidade (artigo 280º nº4 CRP), uma vez que a discordância não
reside na própria lei, mas sim na aplicação da mesma;
o Os particulares, perante uma decisão desfavorável na primeira instância, poderão recorrer de
imediato para o Tribunal Constitucional (arts. 70º nº2 e nº4 LOTC). Esta decisão terá, no entanto,
duas consequências:
▪ Apenas poderá invocar o argumento relativo à inconstitucionalidade da norma;
▪ Sendo o Tribunal Constitucional o órgão destinado a apreciar o derradeiro recurso, caso
confirme a decisão da instância anterior o processo dar-se-á por terminado.
• Nesse sentido, será uma estratégia mais adequada o recurso ser efetuado para a
instância superior, preservando-se ambos os argumentos invocados.
• Decisões que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal
pelo próprio TC (art. 280º nº5 CRP) ou em desconformidade com o anteriormente
decidido pelo TC (art. 70º nº1 i) 2ª parte LOTC).
o O recurso só é admitido mediante o preenchimento de certos requisitos, indiciados pelo art. 280º
nº4 e previstos no art. 70º LOTC:
▪ O recorrente tem de identificar uma norma jurídica cuja inconstitucionalidade tenha sido
suscitada durante o processo.
• Pode não ser apenas um enunciado linguístico, mas sim uma norma extraída por
interpretação. Apela-se assim ao carácter funcional da norma.
▪ A norma tem de ter sido efetivamente aplicada pelo juiz na decisão formulada (como ratio
decidendi);
▪ A inconstitucionalidade tem de ter sido suscitada durante o processo, em tempo de ser
conhecida pelo tribunal.
• Não é admitido, assim, a invocação da inconstitucionalidade fruto de incidentes
pós-decisórios.
▪ O recurso terá de ser interposto pela parte que suscitou a questão de
inconstitucionalidade;
▪ A decisão não pode já admitir recurso ordinário;
▪ Prazo máximo de 10 dias.
• Aplicação de uma norma que já foi anteriormente julgada inconstitucional (nº5);
o Recurso obrigatório para o MP.

A decisão do recurso faz caso julgado no processo quanto à questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade
suscitada (art. 80º nº1 LOTC), vinculando tanto o tribunal recorrido como o TC. Uma vez dado provimento ao

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recurso, os autos baixarão ao tribunal a quo para que este reforme a decisão em conformidade com o
julgamento mencionado (art. 80º nº2 LOTC).

Perante uma norma apreciada como inconstitucional, no âmbito da fiscalização sucessiva concreta,
está não será removida imediatamente do ordenamento jurídico, continuando a vigorar. O Tribunal
Constitucional, ao julgar a norma inconstitucional, não o faz inicialmente pela totalidade dos juízes;
consequentemente, a norma é inicialmente julgada inconstitucional apenas por alguns membros do Tribunal
em causa, integrantes de uma das secções, não fazendo sentido retirá-la do ordenamento jurídico enquanto
tal não seja decidido pela coletividade dos juízes em Plenário – os outros juízes não viram o tema ser-lhes
colocado.

Dito isto, se a primeira instância aplicar a norma em causa, caberá ao Ministério Público recorrer para este
tribunal em virtude da aplicação de norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio (artigo
280º nº5 CRP). Por outro lado, caso a primeira instância não aplique a norma em virtude de ter sido
anteriormente julgada inconstitucional, o Ministério Público estará igualmente obrigado a recorrer para o
mesmo tribunal (artigo 280º nº3 CRP). Então, o recurso para o Tribunal Constitucional por parte do Ministério
Público será inevitável, em virtude da natureza da norma em causa.

A partir do momento em que o Tribunal Constitucional julga uma dada norma inconstitucional em três
ocasiões distintas, deverá observar-se o art. 281º nº3 CRP: o TC aprecia e declara, com força obrigatória geral,
a inconstitucionalidade ou ilegalidade de qualquer norma. Requer a necessidade da adoção de uma iniciativa,
por parte de qualquer um dos juízes ou ao Ministério Público (artigo 82º LOTC), para a instauração de um
processo de fiscalização sucessiva abstrata, fazendo-se a ponte entre as referidas modalidades de fiscalização.

Note-se, no entanto, que não há nenhuma obrigatoriedade – é uma faculdade que pode ou não ser exercida.

0.4.2.2.2. Fiscalização Sucessiva Abstrata


A fiscalização sucessiva abstrata consiste no poder do Tribunal Constitucional de, perante diplomas emanados
no âmbito da função legislativa ou de outras, apreciar normas nelas constantes e confrontá-las com a
Constituição em abstrato a fim de averiguar a sua inconstitucionalidade.

Vem regulada nos artigos 281º e 282º CRP. Apenas um núcleo restrito de sujeitos pode requerê-la (art. 281º
nº2 CRP), especificando expressamente quais as normas cuja apreciação se pretende e de especificação das
normas constitucionais/legais violadas (artigo 51º nº1 LOTC) – princípio do pedido.

Uma vez declarada a inconstitucionalidade de uma norma, a decisão, nesta modalidade de fiscalização
sucessiva, tem força obrigatória geral, tendo por consequência a extinção da norma do ordenamento jurídico.
Os efeitos desta declaração podem ser encontrados no artigo 282º CRP, denominados efeitos ex tunc:

• Retroatividade da declaração de inconstitucionalidade/ilegalidade com força obrigatória geral;


• Impedimento da sua vigência futura;
• Repristinação das normas que hajam sido revogadas pela entrada em vigor da norma inconstitucional;

Os efeitos produzidos por esta declaração comportam exceções, previstas no art. 282º nº3 CRP; e poderão
inclusivamente ser limitados nos termos do art. 282º nº4 CRP.

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0.5. Recurso de Amparo


A nossa Constituição apenas não prevê, contrariamente a outros países, o denominado recurso de amparo.
Este consiste na possibilidade de os cidadãos recorrerem diretamente para o Tribunal Constitucional sem ser
a propósito de um caso concreto. Será, assim, uma espécie de fiscalização abstrata, mas em que são os
cidadãos que possuem legitimidade para a suscitar.

O recurso de amparo tem motivado alguma divisão na doutrina constitucionalista portuguesa, cujas fações
são encabeçadas pelo Prof. Jorge Reis Novais e pelo Prof. Blanco de Morais.

• O primeiro, apoiante desta modalidade de fiscalização, considera que em alguns casos seria vantajoso
para os cidadãos terem ao seu dispor esta ferramenta, mesmo de decisões que lhe são aplicáveis sem
que exista um caso concreto. Oferece, assim, aos cidadãos um leque maior de direitos;
• O segundo entende que a experiência dos países onde esta modalidade de recurso existe mostra-nos
que a esmagadora maioria dos recursos são rejeitados por falta de fundamentação. Nesse sentido, o
Tribunal Constitucional poderia perder demasiado tempo desnecessariamente com recursos sem
razão de ser, deixando em espera aqueles efetivamente fundamentados e passíveis da sua atenção.

0.6. Conclusões
Diferença do Sistema Português com o Sistema de Incidente de Responsabilidade: o que acontece no sistema
de incidente de responsabilidade é que nos tribunais comuns, quando se deparam com uma questão de
inconstitucionalidade, suspendem o processo e perguntam ao TC se a norma é ou não inconstitucional,
esperam, e com a resposta decidem o caso. Ou seja, a diferença com o nosso sistema é que não há suspensão,
mas sim recurso para o Tribunal Constitucional.

O TC português rejeita muitos dos processos que lhe são submetidos fundamentalmente com dois
argumentos: ou o problema está na decisão, e o TC apenas analisa normas; ou a norma existe, mas não foi
aplicada para decidir o caso. Noutros países, o critério de decisão tipicamente incide sobre a relevância
constitucional do processo.

O sistema português é um sistema de fiscalização concreta de normas jurídicas. A análise da


inconstitucionalidade não incide sobre a sentença, mas sobre a norma aplicada na decisão judicial. JPS
argumenta que o nosso sistema de fiscalização é radicalmente concreto, incidindo não em meras
interpretações abstratas, mas apenas à interpretação levada a cabo pelo tribunal, isto é, ao modo como a
norma foi aplicada ao caso concreto.

Este sistema não cobre todas as situações da vida prática, sendo incapaz de fiscalizar adequadamente as
decisões per si (ex. caso do juiz Neto de Moura). Assim, há autores que defendem que o nosso sistema está
um pouco enviesado, e que deveria incluir figuras como o recurso de amparo ou a queixa constitucional, cujas
decisões de qualquer poder público podem ser impugnadas junto do TC. Estas figuras encontram assento em
países como Espanha e Alemanha.

Ainda assim, JPS assinala que não será exequível o TC decidir todas as queixas feitas - tem de haver um filtro
para estas. Além do referido, a experiência na Espanha e na Alemanha mostra que 98% das queixas são

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Inês Friães dos Santos/Ricardo Costa Amaro

rejeitadas, levando a que os TC tenham competência para selecionar quais das queixas formuladas tem razão
de ser.

Do ponto de vista prático, JPS considera que, com poucas exceções, o nosso sistema funciona bem.
Há uma jurisprudência formada que define os critérios de acesso ao TC; e substituindo este sistema por outro,
que iria provocar igualmente problemas em matéria de direitos fundamentais, não acrescentaria muito mais
em termos práticos.

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1. Perspetivas de uma mesma realidade: do “estado natureza” às


Constituições
Quando falamos de direitos fundamentais, falamos de um catálogo específico de direitos, com características
que os distinguem dos demais. Podemos procurar a fundamentalidade destes direitos por várias vias:

➢ Critério material: a primeira via seria atentar ao conteúdo do direito, enquanto direitos fundamentais em
sentido material. São direitos dotados de uma materialidade empírica, protegendo juridicamente valores
e bens muito relevantes para a nossa liberdade. Analisaremos, mais tarde, que os direitos possuem todos
uma raiz comum: a dignidade da pessoa humana.

Nota para não confundirmos os direitos com o objeto de proteção dos direitos – o direito é uma armadura
jurídica do bem. Contudo, em alguns casos, a distinção pode ser ténue pelo próprio direito decorrer de
construções jurídicas (ex. direito de propriedade).

➢ Critério histórico: Os direitos fundamentais nascem com as revoluções liberais, com a formulação das
declarações de direitos e das Constituições liberais. Só neste período nasce um pressuposto basilar de
todos os direitos fundamentais: a igualdade entre todos os homens. Não há direitos fundamentais sem o
reconhecimento da igualdade a todos os homens, tendo tal sido feito por força dos pensamentos de
Hobbes e Locke. Esta perspetiva encontra ainda hoje a sua razão de ser, pelas constantes mutações que o
leque de direitos fundamentais tem sofrido na atualidade, com a entrada de novos direitos.

Antes deste período não se falava de direitos fundamentais, dado que as sociedades eram profundamente
estratificadas e, fundamentalmente, o que existia seriam sobretudo privilégios de classe em função da sua
pertença a essas classes. Um exemplo disso é a Magna Carta – tida como um passo importante para a obtenção
de direitos dos cidadãos, na verdade consiste num mero contrato celebrado entre o Rei e determinados grupos
de indivíduos no qual estes obteriam certo tipo de privilégios.

➢ Critério formal: A terceira perspetiva refere que os direitos fundamentais são os que estão consagrados
nas Constituições ou, em termos genéricos, situam-se no topo da hierarquia da ordem jurídica. Veremos
que prevalecerá o critério material, pois existem direitos fundamentais que não estão consagrados
formalmente na ordem jurídica.

➢ Critério estrutural: a quarta perspetiva é uma visão estrutural, atendendo às funções que os direitos
fundamentais representam – defesa contra o Estado, proteção nas relações entre particulares, etc.

A evolução histórica dos direitos fundamentais sofreu mutações ao longo do tempo. O Prof. Vieira de Andrade
apresenta uma tripartição esclarecedora sobre a evolução dos direitos fundamentais ao longo dos tempos:
perspetiva filosófica, perspetiva internacionalista e perspetiva constitucional.

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1.1. Perspetiva filosófica


Remonta sobretudo a Hobbes e Locke, levando à necessidade de identificar um conjunto de direitos inatos,
originários do ser humano, sendo inalienáveis quando transitamos do estado de natureza para o estado de
sociedade. Os seres humanos têm de preservar estes direitos, não podendo transmiti-los ao Estado. Tal está
expressamente consagrado, por exemplo, no preâmbulo da Constituição Norte Americana.

Ora, mas tal não implica que a dignidade da pessoa humana apenas tenha ganho relevo com o pensamento
destes autores. Tal já estava presente na distinção entre Direito Natural e Direito Positivo dos Romanos, no
pensamento estoico dos gregos, ou ainda no Cristianismo. Contudo, a conceção dos direitos fundamentais
enquanto realidades jurídicas apenas ganhou importância com os pensamentos de Hobbes e Locke.

Esta perspetiva filosófica tem raízes muito antigas, e veio a consagrar-se em Constituições.

1.2. Perspetiva constitucional


Consagra uma visão derivada do pensamento dos autores iluministas que marcaram a perspetiva filosófica.

Com as Revoluções Liberais, os direitos fundamentais foram consagrados em declarações de direitos e, em


alguns casos, em Constituições. É o caso dos 10 primeiros aditamentos da Constituição Norte-Americana ou
ainda em França, cuja DUDH (1789) consagrava direitos fundamentais fora da Constituição em sentido
instrumental.

1.3. Perspetiva internacionalista


Tem como momento mais importante a DUDH (1948) pós II Guerra Mundial. Está em causa o reconhecimento
de que o Homem é sujeito de DIP – o direito deixa de ser somente um direito entre Estados, mas também
considerando indivíduos como participantes da ordem jurídica internacional.

Para esta perspetiva contribuíram a conceção de dois pactos - o Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais – que compõe o sistema universal
de proteção de Direitos Humanos, subdividido em sistemas regionais (europeu, americano, africano).
Na Europa, temos a CEDH do Conselho da Europa, a Carta Social Europeia e a Carta de Direitos Fundamentais
da União Europeia.

Numa palavra, o Prof. Vieira de Andrade analisa a perspetiva filosófica enquanto uma visão de todos
os tempos e lugares, enformadora de um núcleo restrito de direitos imutáveis e intemporais do ser humano;
a perspetiva internacionalista enquanto uma visão no nosso tempo, em todos os lugares, que acolhe um
conjunto de direitos universalmente aceites; e uma perspetiva constitucional, atendendo aos direitos
consagrados para cada um dos cidadãos de cada Estado em função do texto constitucional.

Quanto mais restritas as perspetivas, maior a expansão do catálogo de direitos fundamentais: se a primeira
perspetiva pressupõe um acordo intemporal, o que reduz ao mínimo os direitos consensualmente
reconhecidos; a perspetiva internacionalista pretende impor um mínimo denominador comum a todos os

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povos do planeta, alargando-se o catálogo; e na perspetiva constitucional o poder constituinte tem a faculdade
de escolher um catálogo mais ou menos generoso de direitos fundamentais.

1.4. Corolários: atipicidade, cláusula aberta e interpretação conforme


As três perspetivas interagem entre si, influenciando-se mutuamente, com importantes consequências
práticas. Por exemplo, o art. 19º nº6 CRP e o art. 18º nº3 preveem um leque restrito de direitos que não
podem ser restritos ou suspensos; e o art. 15º CRP, que estabelece o princípio da equiparação entre os direitos
reconhecidos aos cidadãos portugueses e aos estrangeiros.

A manifestação mais importante desta ideia decorre do art. 16º CRP, cujo primeiro número estabelece uma
cláusula aberta e o segundo número afirma o princípio da interpretação conforme ao direito superior.

O artigo 17º CRP manda aplicar o regime dos direitos liberdades e garantias a todos os direitos fundamentais
que tenham natureza análoga de direitos liberdades e garantias. O critério aqui já não será o da
fundamentalidade, mas sim um critério de analogia, fazendo com que outros direitos fundamentais que sejam
estruturalmente análogos aos direitos liberdades e garantias devem beneficiar do regime destes (artigo 12º,
13º, 18º etc.).

1.4.1. Cláusula aberta (nº1)

O primeiro número consagra a cláusula aberta, já presente na Constituição Norte-Americana. Pretende-se


afirmar que apesar de a constituição consagrar um leque de direitos fundamentais tal não quer dizer que não
possam existir outros. Não há, assim, um princípio de tipicidade dos direitos fundamentais.

A cláusula aberta, mais do que complementar ou aprofundar o catálogo constitucional dos direitos
fundamentais, visa reconhecer que os direitos fundamentais formalmente consagrados podem não se
coadunar com a realização individual do ser humano num determinado momento histórico, isto é, com a sua
liberdade pessoal, exigindo-se uma porta de entrada para novos direitos para lá da Constituição formal.

Prima facie poderíamos achar que a preservação da liberdade pessoal não seria compatível com a intervenção
estadual inerente aos direitos sociais, pelo que estes ficariam excluídos do seu âmbito. Estes direitos, no
entanto, vão crescendo e integrando-se no quotidiano jurídico; e, sendo estes instrumentais face aos direitos,
liberdades e garantias, desde que não se perca de vista o ponto firme assegurado por estes os DESC permitirão
dar mais condições aos sujeitos para o exercício da sua liberdade, entendimento esse compatível com uma
Constituição material que visa a “democracia económica, social e cultural”1.

Por último, mas não menos importante, a efetivação dos direitos sociais não exige necessariamente uma maior
intervenção estadual, mas reclama igualmente uma maior participação das pessoas e grupos setoriais da
sociedade civil.

1
Ibidem, p. 216.

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Só poderão ser considerados direitos fundamentais em sentido material todos aqueles que possam
ser enxergados da Constituição material2. Logo, à luz da nossa Constituição, apenas podem ser incorporados
os direitos provenientes de fontes internas e internacionais que apareçam exigidos pelo respeito da dignidade
da pessoa humana e pelos princípios e objetivos do EDD.

Estes direitos “externos à Constituição devem, moderadamente, beneficiar do regime da Constituição formal.
Embora, num primeiro momento, se pudesse considerar que um direito fundamental criado por lei ordinária
poderia ser igualmente extinto desse modo, os direitos fundamentais retirados da Constituição material
devem beneficiar de proteção dos princípios constitucionais sobre direitos fundamentais e, caso tenham essa
estrutura, do regime dos DLG (art. 17º CRP). Admitir-se-á, então, a sua supressão mediante motivações
“particularmente sólidas, não podendo […] ser medidas arbitrárias e desproporcionadas”3.

Poderão ainda existir regras sobre direitos fundamentais que constem de lei ordinária, desde que estas
não contrariem as normas constitucionais (ex. regras do estatuto do Prov. Justiça e da responsabilidade
criminal dos titulares de cargos políticos por ofensa de DLG). Esta cláusula aberta significa também, significa
que pode haver direitos fundamentais provenientes de regras costumeiras, ou até mesmo decisões judiciais
(ex: direito ao esquecimento, decisão do TJUE). Deste modo, é seguro entender que a clausula aberta não
atende à natureza jurídica do direito, quer seja direitos liberdades e garantias ou direitos económicos sociais
e culturais.

Teremos, assim, de analisar a cláusula aberta à luz de um esquema tripartido:

➢ Direitos no catálogo: estes direitos são, em certa medida, típicos e nominados, com contornos
relativamente definidos. Ainda assim, podem daqui nascer várias categorias de direitos:
o Direitos implícitos: será o caso, por exemplo, do sigilo bancário, decorrente do direito à reserva
da intimidade da vida privada; ou do direito a um duplo grau jurisdicional, no sentido de
possibilitar sempre um recurso das decisões efetuadas pelos tribunais, implícito no direito à tutela
jurisdicional.
o Direitos transformados: a evolução da realidade conduz a que os direitos tenham de se modificar
para comportar as mutações da sociedade. É o caso, por exemplo, do sigilo da correspondência,
que atualmente comporta também toda a correspondência eletrónica (emails, SMS, etc.); ou o
direito das pessoas a conhecer a sua origem, antes provada por prova testemunhal, hoje
transformado com a tecnologia do ADN.
o Liberdade inominados: será o caso do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, isto é, a
liberdade de cada sujeito viver a sua vida como pretende, sem interferir com os demais. Deste
modo, não há um catálogo pré-definido, dependendo de cada indivíduo.

➢ Direitos fora do catálogo: todos os direitos que estão à margem dos previstos na Constituição,
o Fora da Parte I: será o caso, por exemplo, o direito de iniciativa legislativa popular (art. 167º CRP)
ou os direitos dos administrados (art. 267º CRP);

2
Ibidem, p. 217.
3
Acórdãos TC n.º 51/87 e 109/85.

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o Convenções Internacionais: direitos consagrados por convenções internacionais, como o direito a


uma decisão judicial num prazo razoável - embora já esteja previsto no art. 20º CRP, este entrou
primeiramente na ordem jurídica nacional por via da CEDH;
o Lei ordinária: direitos fundamentais nascidos na lei ordinária, como os direitos de personalidade,
o direito à fundamentação dos atos administrativos ou o direito ao reagrupamento familiar.
➢ Direitos criados ex novo: as evoluções da realidade conduzem ao nascimento de direitos novos,
inconcebíveis em tempos passados.
o Direito à identidade genética: nascido com a clonagem da ovelha Doli, tendo em vista proteger a
unicidade do ser humano, tendo sido positivado por convenções internacionais e posteriormente
pelas Constituições;
o Direito ao esquecimento: reconhecido jurisprudencialmente, encontra-se ameaçado pelos
motores de busca.

1.4.2. Interpretação conforme (nº2)

Analisando o segundo número, este abre logo a porta para que nem todos os direitos fundamentais estejam
consagrados na Constituição, levando a que sejam direitos fundamentais em sentido material. Assim, o
legislador constituinte reconhece que o conteúdo da Constituição é uma emanação do conteúdo da DUDH,
tendo em vista desenvolver o leque de direitos fundamentais já reconhecidos.

O artigo 16º nº2 CRP desempenha um papel triplo: “clarificar e alargar o catálogo de direitos, reforçar a sua
tutela e abrir os horizontes para o universalismo”4. Este preceito visa então, por via interpretação do texto
constitucional em conformidade à DUDH, impender um sentido normativo imediato transversal ao
ordenamento jurídico: situar os direitos fundamentais num contexto mais vasto e sólido do que a Constituição
em sentido instrumental e modelá-los segundo os princípios que constam da Declaração.

Em caso de contradição entre a DUDH e a Constituição, teremos de distinguir se a norma


constitucional tem natureza originária ou derivada (proveniente de revisão constitucional) e se os princípios
da DUDH tem a natureza de jus cogens ou não5. Caso a norma fosse originária na Constituição, nunca haveria
inconstitucionalidade: desde logo, porque não é esse o vício resultante da contrariedade com uma fonte
supraconstitucional; e, ainda que o princípio não seja de jus cogens, a norma constitucional estaria a restringir
o âmbito de aplicação do princípio da Declaração a todas as matérias não cobertas pela norma. Caso a norma
fosse de natureza derivada esta seria inconstitucional, uma vez que o poder de revisão constitucional é um
poder constituído, subordinado aos princípios fundamentais da Constituição, cujos incluem (por via do nº2)
os princípios que constam da DUDH, atuando como limites materiais de revisão.

Para Jorge Miranda, a integração de preceitos constitucionais e legais pela DUDH significa que se pode e deve
completar direitos ou limitar direitos constantes de Constituição com recurso a quaisquer direitos e faculdades
que constem da Declaração6, por força até da necessidade de interpretação conforme.

4
MIRANDA, MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, V. I, 2017, UCE, 2ª edição, p. 219.
5
Idem, ibidem, p. 220.
6
Idem, ibidem.

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1.5. Dignidade da pessoa humana


Na sua aceção material, a dignidade da pessoa humana assenta no artigo 1º da DUDH, em que todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.

O Professor Jorge Pereira da Silva entende que esta norma é uma norma feita, visto que embora todos os
seres humanos nascerem livres e serem iguais, não quer dizer que estes sejam para sempre livres visto que
podem ser alvo de sentenças de prisão nem que são sempre iguais visto que uns se destacarão mais do que
outros. No entanto, serão sempre iguais e livres em dignidade, e esta ideia é a ideia de igualdade radicalizada.

1.5.1. Origens históricas

Este artigo 1º, apesar da sua importância houve precedentes que inspiraram a sua feitura:

• América do Norte: Declaração de Direitos da Virgínia (1776) → Todos os homens são por natureza
igualmente livres e independentes e têm certos direitos inatos de que (…) não podem privar a sua
posteridade (…).
o São direitos inatos, visto que nascem com eles e não podem privar a sua posterioridade – esta
frase têm uma grande influência de Locke, visto que os há uma lógica contratualista abdicando
da possibilidade de fazerem justiça pelas suas próprias mãos, para que seja instituída um
poder político. Apesar disto, há limites a esta lógica contratualista, sendo estes identificados
como o direito à vida, liberdade, propriedade e busca da felicidade. O Professor JPS acha que
é o melhor catálogo de direitos fundamentais.
• França: Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) → Os homens nascem e são livres e
iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum. – A segunda parte
do artigo é importante pois no fundo, sublinha que os homens nascem iguais, mas a sociedade pode
distingui-los em função do trabalho ou esforço logo não têm de se manter iguais.

Depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos surgiu:

• Constituição de Bona: artigo 1.º → A dignidade humana é inviolável. É dever de todos os poderes
estatais respeitá-la e protegê-la.
o Foi a constituição que surgiu a seguir à segunda guerra mundial;
o Há que chamar a atenção para a dualidade neste artigo de respeitar e proteger:
▪ Respeitar no sentido de não agredir;
▪ Proteger no sentido de não atuar – assim tanto há um dever positivo e negativo.
o O artigo 1º da Constituição de Bona e artigo 1º da DUDH, é praticamente igual – apenas uma
diferença → protegida por poderes estatais vs. protegida por todos – isto significa que o DUDH
abrange os privados, sendo os direitos fundamentais que daqui decorrem não são apenas um
limite e um imperativo para os poderes públicos como também são para os privados.

- Constituição Portuguesa: artigo 1.º → Portugal é uma república soberana, baseada na dignidade da
pessoa humana e na vontade popular.

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• A dignidade da pessoa humana, na visão do Professor JPS, segue aqui um princípio de organização do
Estado do que propriamente um direito ou uma referência valorativa para os direitos fundamentais.

- Carta dos Direitos Fundamentais da UE: artigo 1.º → A dignidade do ser humano é inviolável. Deve
ser respeitada e protegida.

1.5.2. Origens éticas

Conhecemos as primeiras referências históricas da Grécia Antiga, dos Romanos, no Pensamento Cristão, em
São Paulo, na teoria cristã de todos sermos filhos de Deus.

No entanto, a primeira grande afirmação sobre a dignidade da pessoa humana (para o professor JPS),
foi de Giovanni Pico della Mirandola. Este filósofo coloca o ser humano como soberano artífice de si mesmo,
colocando o homem como uma criação de Deus. Entende que a inespecificidade do homem é a sua maior
característica, pelo simples facto de querer mudar quem é. Por outras palavras, enquanto uma árvore será
sempre uma árvore, o homem pode escolher o que quer ser. Esta é a visão é muito antiga e não laica que hoje
em dia não é a dominante.

A visão dominante é a de Kant, que entente: “Trata a humanidade, na tua pessoa como na pessoa de
qualquer outro, sempre simultaneamente como um fim e nunca apenas como um meio”. A palavra
“simultaneamente” é importante pois muitas vezes usamos nas nossas vidas, a colaboração de outras pessoas.
Assim, de certa forma, usamos essas pessoas para prosseguir os nossos interesses. Inerentemente não há
nada de mal com esta prática, desde que tratemos destas pessoas como fins e não meios.

A fórmula Kantiana é trazida para o direito através de uma anotação do artigo 1º da Constituição alemã
feita por Gunter Durig. Este comentário vem dizer que no fundo, juridicamente a dignidade da pessoa humana,
enquanto princípio significa que as pessoas não podem ser tratadas como objetos (fórmula do objeto) - Não
podem, portanto, ser instrumentalizadas nem privadas da sua humanidade.

1.5.3. A dignidade da pessoa humana enquanto princípio jurídico

Por um lado, existe a dignidade da pessoa humana no plano ético e filosófico, noutro plano existe a dignidade
da pessoa humana na sua consequência jurídica. No plano jurídico há dois sentidos:

→ Sentido Negativo: Proibição de tratamentos degradantes e instrumentalização

→ Sentido Positivo: Garantia das condições materiais necessárias ao acesso a uma vida condigna.

Quanto ao sentido negativo, introduzimos os dois grandes destinatários deste princípio da dignidade da pessoa
humana:

• Poderes públicos (Estados, organizações supranacionais e internacionais)


o Dever de respeito e um dever de proteção: Os poderes públicos não podem submeter os
cidadãos a qualquer forma de humilhação, exclusão social, tratamentos discriminatórios,
tratamentos arbitrários ex: experimentação científica em seres humanos, formas de
programação mental, envio de soldados em missões suicidas, direito a constituir família etc.

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• Sujeitos privados (indivíduos, empresas e outras organizações)


o Dever de respeito (voluntário ou imposto pelos poderes públicos): Situações como exploração
de pessoas em cenários de dependência financeira, bebés criados com o propósito de curar
pessoas, escravatura, etc.

Quanto ao sentido positivo, está em causa a garantia das condições materiais necessárias ao acesso a uma
vida condigna. No fundo obrigar-se-á o Estado, em colaboração com a sociedade, a não deixar cair nenhum
cidadão a um ponto em que não conseguirá suportar uma vida condigna. Há necessário que exista
solidariedade, quer seja pública estatal ou em colaboração com associações.

Há dois graus neste aspeto que foi estabelecido pela nossa jurisprudência constitucional:

• Não privar as pessoas das condições essenciais materiais de uma vida condigna: Não privar no aspeto
em que por exemplo: A tem uma dívida e está quase sem comer – este grau permite que o Estado não
permita que os credores saciem a dívida com o resto do pouco dinheiro que lhe resta.
• Fornecer a essas pessoas as condições essenciais materiais de uma vida condigna: Esta é essência do
Rendimento Social de Inserção – previsto no artigo 63º nº3. É uma obrigação do Estado que deve ser
graduada em função do princípio financeiramente possível. O acesso a estas condições, quando
garantidas pelo Estado, também não pode estar associado a um tratamento humilhante.

Embora começando como um princípio ético, a dignidade da pessoa humana é sobretudo um princípio
jurídico, com importantes corolários:

1) Dignidade enquanto a medida da radical igualdade de todos os homens: todos nós somos
intrinsecamente iguais, sem prejuízo das nossas diferenças que nos tornam únicos;
2) Fator de unidade do conjunto heterogéneo dos direitos fundamentais: os direitos fundamentais têm
história e conteúdo diferentes, mas unem-se a partir da dignidade da pessoa humana;
3) Centralidade da dignidade da pessoa humana nos direitos fundamentais consagrados nas
Constituições e Declarações de Direitos;
4) Fonte de novos direitos, nominados e inominados

I – Dignidade: medida da nossa radical igualdade

Mais do que diferentes, os seres humanos são únicos; o que, em certa medida, não põe em causa a nossa
dignidade. Nas diferenças que temos entre nós, há diferenças identitárias e não identitárias, consoante não
possamos alterá-las (ex. raça, sexo, debilidades físicas) ou possamos (qualidades psicológicas, instrução,
capacidade económica, etc.). Nesse sentido, serão muito mais gravosas as discriminações feitas com base em
diferenças identitárias do que em diferenças não identitárias.

Durante muitos anos, estas diferenças entre as pessoas eram tidas por irrelevantes: as pessoas deveriam ser
tratadas não considerando as suas características. Atualmente, por força da longa história de discriminação
com base em fatores identitários, a igualdade tem de ser atribuída com base também nestas características
identitárias.

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Naturalmente, ainda que existam muitas diferenças entre nós, existem também maiorias e minorias. Há que
considerar, em primeiro lugar, se são maiorias e minorais estatísticas ou maiorias e minorias com reflexo na
balança do poder, no equilíbrio social. Do ponto de vista democrático, a maioria política poderá fazer valer a
sua vontade perante as minorias; mas entrando em maiorias e minorias separadas por diferenças identitárias
não há nenhuma mais-valia em pertencer à maioria.

Nesse sentido, é errado pensarmos que basta a tolerância de uma minoria para o cumprimento das ideias de
igualdade, pois tal pressupõe já uma posição de supremacia. A igualdade está assim no reconhecimento no
outro como um ser igual, com o mesmo núcleo e âmbito de direitos e liberdades.

II – Fator de unidade do conjunto heterogéneo dos direitos fundamentais

A dignidade da pessoa humana é transversal a todos os direitos. A DUDH (1948), que esteve na origem do art.
1º CRP, contém direitos de natureza heterogénea (direitos civis e políticos + direitos sociais). Logo a seguir ao
fim da II Guerra Mundial, “abateu-se sobre a Europa uma Cortina de Ferro”, com a construção do Muro de
Berlim e a divisão da cidade em dois blocos: o bloco ocidental e o bloco soviético.

Por consequência desta divisão, os dois grandes blocos consagraram os direitos fundamentais em dois grandes
blocos: os direitos civis e políticos sobretudo no bloco ocidental e, no bloco soviético, sobretudo os direitos
económicos, sociais e culturais.

Em 1966 a DUDH foi concretizada em dois pactos (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos + Pacto
Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, ambos em 1966) e em duas convenções de direitos
(Convenção Europeia dos Direitos Humanos – 1950 + Carta Social Europeia – 1961/1996).

Esta dicotomia radical foi posta em causa com a queda do Muro de Berlim (1989). Aqui, a dignidade da pessoa
humana foi um fator fundamental para desconstruir os dois blocos de direitos fundamentais, intervindo como
elemento unificador. Tal está simbolizado na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, reunificando
os dois blocos de direitos fundamentais no mesmo texto.

Esta tendência é seguida pela doutrina e jurisprudência que, embora reconhecendo as diferenças entre estas
categorias de direitos, procuram estabelecer pontos de contacto entre ambos. Entre eles, lá está, encontra-
se a dignidade da pessoa humana.

III – Centralidade da dignidade da pessoa humana

No estudo da centralidade, discute-se se a dignidade da pessoa humana emerge do núcleo ou da raiz de cada
direito fundamental. Sem prejuízo disso, há que perceber que os direitos fundamentais são complexos, com
faculdades mais e menos importantes, com o centro e a sua periferia; mas em todos encontra-se presente a
dignidade da pessoa humana.

Podemos, então, dizer, que sem esta referência não pode haver qualificação enquanto direitos fundamentais.

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IV – Novas declinações, reconfiguração ou expansão de direitos antigos

A dignidade da pessoa humana, como analisado à luz da cláusula aberta, gera abertura do catálogo de direitos
fundamentais. Os direitos fundamentais estão sempre a evoluir, podendo esta ocorrer num triplo sentido:

➢ Os direitos antigos declinam-se:


o Direito à fundamentação dos atos administrativos (art. 268º nº3 CRP): consiste numa declinação
do direito de defesa, no qual ninguém pode ser alvo de uma determinada decisão sem conhecer
os fundamentos por detrás dessa, de modo a poder defender-se.
o Deste modo, o direito à fundamentação será instrumental do direito de defesa, sejam estas
decisões judiciais ou decisões administrativas
➢ Os direitos antigos expandem-se ou reconfiguram-se:
o Direito de sigilo da correspondência (art. 34º CRP): com o seu nascimento motivado pela
necessidade de proteção da correspondência postal (impedir que as cartas fossem abertas), tem
vindo a ser reconfigurado de modo a acomodar os novos meios de comunicação, sobretudo
digitais (ex. telefone, email, redes sociais);
➢ Os direitos novos acrescentam-se aos direitos antigos:
o Direito à identidade genética: antes da ovelha Doli não tinha havido necessidade de tutelar a
infungibilidade do ser humano.
o Este direito de personalidade apenas passou a existir com a recente possibilidade de clonar seres
vivos.

Por último, a dignidade da pessoa humana está na base do princípio de que são as restrições aos direitos e
liberdades que tem de se justificar, e não o próprio direito ou liberdade. Este princípio decorre do art. 26º CRP
(direito ao livre desenvolvimento da personalidade), mas a razão que preside mantém-se: se não existir uma
razão forte para restringir a liberdade, a liberdade impõem-se; caso contrário, os seres humanos são
soberanos de si mesmos, com capacidade as decisões fundamentais para a sua vida.

Da jurisprudência alemã chega-nos o direito de cavalgar fora dos trilhos, o direito a alimentar pombos e,
recentemente, o direito das pessoas a estenderem-se ao sol.

1.5.4. Conclusão

Quanto vale a dignidade da pessoa humana? Em boa verdade, esta com frequência pode ser invocada em
ambos os lados de uma discussão, e conduzir à sua banalização enquanto princípio. Nesse sentido, apenas
deveremos invocar a dignidade da pessoa humana como um argumento forte nos casos em que realmente
esta está em causa, e não abusar da invocação deste princípio. Podemos, assim, elencar quatro casos possíveis:
direito das pessoas vivas a decidirem o destino dos seus órgãos post mortem; crime de lenocínio e prostituição;
eutanásia; maternidade de substituição.

Quanto a este último caso, o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre esta matéria, referindo que uma lei
sobre esta matéria seria inconstitucional a não ser que consagrasse à grávida um direito de opção até ao fim
da gravidez de ser gestante ou de ser mãe, prevenindo-se a sua instrumentalização (e a violação da dignidade
da pessoa humana).

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2. Desenvolvimento geracional dos direitos fundamentais


Atenderemos a uma divisão em quatro gerações de direitos fundamentais: direitos civis, direitos políticos,
direitos sociais e direitos de quarta geração.

É necessário chamar à atenção para certas transições de direitos que seriam originariamente negativos e
passaram a ser positivos. Há um background histórico que é necessário estudar no que toca à diferente visão
dos direitos fundamentais, que assentam por um lado nas teorias de Hobbes e Locke.

• Hobbes: A grande preocupação de Hobbes era a defesa dos direitos face aos cocidadãos – transmite
aquela ideia de “O Homem é o lobo do Homem” no Estado de Natureza (ideia de todos contra todos)
faz com que o pensador queira um poder que mantenha a ordem, proteja a vida, a propriedade, a
integridade física na relação com outras pessoas etc. Assim, a defesa que Hobbes queria era de
carácter horizontal.

• Locke: Tem uma perspetiva completamente oposta à de Hobbes na medida em que na passagem do
Estado de Natureza para o Estado de Sociedade seria necessário defender as pessoas do poder público
que, entretanto, vai ser criado com o Contrato Social → Perspetiva Negativa

Com esta dualidade de visões, aquela que claramente marcou as primeiras constituições, foi a de Locke
(Declaração de Independência dos EUA, As primeiras 10 Emendas da Constituição dos EUA, Declaração de
1789). Ou seja, a primeira consagração de direitos fundamentais, foi tomada como meios de defesa contra o
poder do Estado. Só mais tarde se irá pegar na visão de Hobbes, em que se começa a perceber que será
necessário proteger os direitos fundamentais nas relações entre sujeitos privados.

2.1. Direitos Civis


Desenvolvidos desde o século XVIII, são direitos muito marcados pela propriedade e pela liberdade de iniciativa
económica privada, com um forte pendor economicista. Por outro lado, não aceitavam a liberdade de
associação por força do dogma individualista e do receio das associações sindicais – empregador e trabalhador
celebram o contrato em pé de igualdade, nos termos da lei civil.

Ora, estes direitos foram atingidos com as Revoluções Liberais, e estas foram feitas pela Burguesia que queria
aceder ao poder político que até aí era apenas acessível à Nobreza e ao Clero. Deste modo, aquilo que
verdadeiramente interessava à Burguesia, era aceder a direito económicos, tais como, o direito de
propriedade, liberdade contratual ou o direito de iniciativa económica privada.

Tradicionalmente são encarados de um ponto de vista negativo, enquanto direitos de não interferência do
Estado na esfera individual. É o caso do direito à vida, o direito à integridade física, o direito de propriedade e
os direitos de personalidade.

Estes direitos passaram para o plano constitucional dado que já eram tutelados pela lei ordinária nas relações
entre privados, na lei civil e na lei penal. Deu-se assim uma verticalização dos direitos em direção à
Constituição, transformando estes direitos vigentes nas relações entre privados em direitos fundamentais na
relação com o Estado.

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Esta verticalização deu-se quanto aos direitos, mas também a respeito das liberdades (ex. liberdade religiosa)
e das garantias em direito e processo penal (ex. habeas corpus).

2.2. Direitos Políticos


Com o seu desenvolvimento iniciado no século XIX/XX, aqui são estudados como uma geração autónoma, mas
muitas vezes diz-se que os direitos políticos se inserem na primeira geração.

Estes direitos só são negativos na perspetiva de que o Estado não deve interferir no exercício destes direitos
(ex. é expectável que o Estado não interfira com o exercício do direito de voto). Mas inevitavelmente os
direitos políticos tem uma dimensão positiva, de modo a permitir o seu adequado exercício (ex. organização
das eleições).

Historicamente, os direitos políticos surgem nas Constituições e Revoluções pós-liberais. Contudo, só


estaremos perante direitos fundamentais quando exista o reconhecimento da igualdade entre os homens. No
período pós-Revoluções Liberais o direito de voto era um privilégio de classes mais favorecidas; sendo o
sufrágio censitário, só votava quem tinha determinado rendimento, ou bens. Logo, o contributo económico
que cada um dava à sociedade era importante para entender se as pessoas teriam ou não direito de voto.

Ora, operariado e os camponeses estavam excluídos deste espaço político liberal. Apenas com o alargamento
progressivo do direito de voto é que os direitos políticos se tornam em direitos fundamentais em sentido
próprio.

2.3. Direitos Sociais


Nascidos no século XX, com os direitos sociais temos uma transformação das gerações anteriores. Há uma
desvalorização do direito de propriedade – antes era visto como um direito absoluto, sem limites às faculdades
do respetivo proprietário a partir de determinado momento - passa a ser socializado.

Os direitos sociais são heterogéneos tanto no timing (do seu surgimento), quer entre si, isto é,
começando com os direitos dos trabalhadores e, portanto, sem carácter universal. O catálogo destes direitos
foi alargando e, com o pós II Guerra Mundial, deu-se a universalização dos direitos dos trabalhadores,
passando a ser considerados como direitos de cidadania. Tipicamente, são direitos positivos, contudo
podemos ter casos de direitos negativos (ex. direito à greve).

Estes são na sua maior parte direitos positivos. Expoente máximo desta ideia são os direitos dos
trabalhadores, nascidos durante o período entre guerras mundiais: saúde, educação, proteção social,
liberdade sindical, entre outros. Foi apenas no século XX que se percebeu a desigualdade existente entre
empregador e trabalhador, levando a que os direitos dos trabalhadores visassem rebater a primazia do
empregador.

Hoje em dia, no âmbito estrutural há uma grande diferença entre o direito à educação, saúde, na medida em
que estes até são reconhecidos com base no princípio da gratuitidade - mas nem todos, por exemplo, o direito
à segurança social não é gratuito, mas é contributiva. Assim, a mesma heterogeneidade que encontramos nos
direitos civis, encontramos nos direitos sociais.

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Do ponto de vista histórico, as primeiras constituições a enquadrarem direitos sociais foram a


Constituição Mexicana de 1917, e a Constituição Alemã de 1919, mas só a seguir à segunda guerra é que
alguns outros direitos foram incluídos e declarados universais (no entanto, apesar dos direitos serem
universais, não significa que as prestações do Estado têm de ser universais, pois naturalmente alguém que
vive numa mansão não precise de prestações do Estado no domínio do acesso à habitação).

Estes direitos encontraram muitas resistências, havendo até algumas constituições que não os consagraram
(apesar de os reconhecerem na lei ordinária). Num plano internacional, os direitos sociais foram
originariamente consagrados em Convenções específicas que não tiveram o mesmo nível de “subscrições” do
que Convenções que tratam de direitos civis e políticos.

2.4. Direitos de 4ª geração


A quarta geração iniciou-se na década de 1970, com o surgimento do direito ao ambiente, tendo-se
desenvolvimento como resposta às novas tecnologias e às alterações climáticas. O problema começou a
colocar-se com as chuvas ácidas que tiveram lugar no lado ocidental da Alemanha provocadas pela poluição
industrial do lado oriental, poluição que não conhece fronteiras.

Na sequência das reflexões que se sucederam, Hans Jonas publicou o Princípio da Responsabilidade – a procura
de uma ética para a civilização tecnológica, obra que aponta a necessidade de relacionar as pessoas com a
natureza de forma diferente. Até então, a natureza estava fora de todas as discussões éticas (e do Direito,
enquanto extensão ética), voltadas para dimensões da vida humana; e, na sua obra, Hans Jonas procura trazer
a ética para dentro das relações entre o Homem e a natureza.

O direito ao ambiente é, então, um corpo estranho dentro do catálogo dos direitos fundamentais:

• Os direitos fundamentais estavam pensados para serem concretizados e exercidos dentro das
comunidades estaduais, o que não acontece no direito ao ambiente, de cariz supraestadual;
• O direito ao ambiente envolve não só relações entre o Estado e os particulares, mas entre particulares;
• A capacidade de garantia efetiva deste direito por um Estado é inviável (ex. o aquecimento global não
pode ser travado apenas por Portugal).

2.5. Direitos novos e declinações novas dos direitos velhos


Posteriormente, desenvolveram-se novos direitos contra as ameaças tecnológicas, que embora tenham cariz
supraestadual, podem ser mais bem protegidos dentro das comunidades. Enumeremos alguns exemplos:

• Direito à privacidade: ameaçado pelos drones, mas permitindo igualmente uma expansão do
conteúdo dos direitos;
• Direito a conhecer a origem: teve a sua expansão provocada pelos testes de ADN
o Durante muitos anos foi provado através de testemunhas e parecenças físicas. Ora, este
direito era de encarado com muitas reservas por todo o possível “caos” que trazia para a vida
do possível pai bem como a nível patrimonial e hereditário (visto que haveria outro herdeiro).
o Com o desenvolvimento desta tecnologia, este direito ganhou um outro peso, mais viável.

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• Liberdade de expressão: No caso Twitter vs. Trump a liberdade de expressão já não é perspetiva
apenas como a proibição da censura ou a perseguição por ideias, incluindo diferentes e mais cenários.
o A partir do momento em que o espaço comunicacional se alargou deixando de ter os limites
como o jornal, rádio e TV e apareceram as redes sociais começou-se a colocar a questão de
sabermos se a liberdade de expressão permite um direito de ter uma plataforma e se o Twitter
pode determinar quais são os critérios de conduta que se deve seguir.
• Direito a desconectar-se: surge da capacidade de os superiores hierárquicos contactarem com os
trabalhadores é muito maior, por meios que acompanham as pessoas para todo o lado.
o Assenta, ainda assim, num paradoxo: muitas pessoas têm medo de desligar-se por poderem
perder algo importante, mas, por outro lado, aspiram a sossego e a paz a partir de certo
momento.
o Sem prejuízo do referido, a verdade é que não é uma questão inteiramente nova, pois está
associada com o direito ao repouso e ao direito a um horário de trabalho.

2.6. Natureza reativa dos direitos


A cada ameaça que surge no quotidiano nasce um direito fundamental para acautelá-lo:

→ Vida: Execuções sem julgamento → Emprego: Despedimentos Arbitrários

→ Integridade física: Tortura → Privacidade: “right to be left alone”

→ Habeas corpus: detenção ilegal → Direitos de autor: plágio;

→ Inviolabilidade do domicílio: buscas → Ambiente: chuvas ácidas


domiciliárias ilegais (sem ordem judicial)
→ Inviolabilidade das comunicações: escutas
→ Inviolabilidade da correspondência: interseção ilegais
das cartas
→ Identidade genética: clonagem, manipulações
→ Liberdade de expressão: censura genéticas do feto?

→ Propriedade: expropriação sem justa → Correção e apagamento: base de dados


indeminização
→ Esquecimento: Google Spain v Gonzales

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3. Desenvolvimento funcional dos direitos fundamentais


Sobreposto ao alargamento do catálogo, trataremos aqui da função dos direitos fundamentais, isto é, a
compreensão dos direitos fundamentais e as tarefas que eles desenvolvem nas relações entre sujeitos. Esta
tem sofrido mutações ao longo da história, desde as Revoluções Liberais até à atualidade. Assim, por
multifuncionalidade falamos de um sucessivo alargamento das funções de cada um dos direitos fundamentais.

3.1. Direitos de (autonomia) e defesa


Está é uma perspetiva liberal, inspirada em Locke, em os direitos fundamentais são direitos de autonomia e,
depois, de defesa contra o Estado.

Antes demais, são espaços físicos onde cada uma das pessoas exercem a sua autonomia, isto é, a sua
liberdade. Esta ideia vigora na atualidade norte-americana na denominada Castle Doctrine – cada individuo
tem legitimidade para defender a sua propriedade de estranhos como um Castelo, podendo inclusivamente
recorrer ao uso da força para a defesa contra as ameaças externas.

As ameaças à liberdade individual explicam assim esta doutrina. No entanto, esta poderá ser afastada por duas
vias: o consentimento, na medida em que cada indivíduo consente na restrição à sua liberdade, permitindo a
entrada no Castelo; e, como corolário, o consentimento expresso através da lei do Parlamento, votada
favoravelmente pelos representantes de cada indivíduo.

Juntamente com a autonomia vem a ideia de defesa. Estes direitos de 1ª geração olham para o Estado
como um inimigo dos direitos dos cidadãos; levando a que estes direitos sejam vistos como armaduras
jurídicas contra o Estado, impedindo-o de privá-las dos bens que valorizam (ex. expropriação -> propriedade).

Por serem instrumentos de defesa, são geralmente direitos de conteúdo negativo: quanto menos Estado mais
liberdade, logo é necessário um instrumento jurídico de defesa caso o estado decida ingerir na liberdade dos
cidadãos.

3.2. Direitos a prestações


No século XX os direitos fundamentais começam a ser vistos paradigmaticamente como direitos prestacionais,
de conteúdo positivo, em que os cidadãos são credores do Estado quanto aos direitos que possuem em áreas
como a saúde, a educação ou a habitação. Espera-se assim que o Estado atue na promoção destes direitos.

3.3. Direitos eficazes nas relações intersubjetivas privadas


Na década de 70 discute-se se os direitos fundamentais também valem entre entes privados.

Até aqui, tínhamos visto que os direitos fundamentais foram criados para tutelarem relações verticais
entre os sujeitos; mas a jurisprudência alemã começou a alargar esta discussão, percebendo-se (por exemplo)
que a relação entre trabalhadores e empregadores não era completamente horizontal (os segundos tem
supremacia face aos primeiros), veio a constatar-se que os particulares precisam igualmente de os respeitar.

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Esta perspetiva não é inteiramente nova: discute-se se é verdadeiramente nova ou se resulta de uma
perspetiva mais antiga que a perspetiva de Locke. Entra aqui a teoria de Thomas Hobbes, visto que se no
estado de natureza era a guerra de todos contra todos, e o Homem era o dono do Homem, os próprios
membros da sociedade ameaçavam os direitos uns dos outros. Logo, discutia-se se este era um debate típico
de Direito Civil e Direito Penal, ou se ganhou uma dimensão constitucional.

Embora o debate ainda não esteja encerrado, a verdade é que mesmo alguns direitos de 1ª geração
foram sempre perspetivados como direitos de relações horizontais, tendo sido posteriormente verticalizados
(ex. direito à honra e ao bom nome). Logo, à medida que o Estado cada vez respeita mais os direitos
fundamentais, torna-se mais importante controlar as ameaças decorrentes da sociedade civil.

JPS sustenta que esta discussão não é nova dado que assenta nas ideias de Hobbes e que, por esse motivo,
estes direitos valem também nas relações entre privados. Como exemplo recorre aos institutos da
responsabilidade civil e da responsabilidade criminal, que com frequência atuam caso os sujeitos coloquem
em causa bens protegidos por direitos fundamentais.

3.4. Direitos de proteção estadual


Por último, os direitos fundamentais são perspetivados como instrumentos em que o Estado encontra-se
numa posição de equilíbrio de posições de sujeitos privados, numa lógica de proteção.

Esta visão formula uma síntese das anteriores: assumindo a vinculação recíproca ao respeito pelos direitos
fundamentais de outrem, esse respeito raramente acontece de forma espontânea, devendo ser garantido
pelo Estado. Logo o Estado tem o dever de proteção dos direitos dos sujeitos, o que obriga com frequência à
restrição da liberdade de outrem.

JPS considera que o art. 18º CRP está desenhado numa lógica triangular, em que o Estado identifica
nas relações sociais um potencial agressor e um conjunto de potenciais lesados. Deste modo, para evitar a
lesão e ou proteger os potenciais lesados, o Estado protege a esfera jurídica do lesado, assumindo desde início
que os direitos fundamentais valem nessa relação (dai o dever de proteção dos potenciais lesados por via da
restrição dos direitos).

Neste sentido, o art. 18º nº2 CRP tem como palavra-chave “salvaguardar”: o Estado restringe por força do
dever de proteção, mas na medida do necessário para proteger outros direitos fundamentais. Ilustremos esta
situação com exemplos da aplicação do triângulo jus fundamental.

Interrupção voluntária da gravidez


A primeira vez que se ilustrou a necessidade de o Estado proteger direitos fundamentais surgiu no TC alemão
acerca da interrupção voluntária da gravidez. A Constituição consagra o direito à vida e o legislador tem de
proteger a vida, mesmo que esta seja intrauterina. A questão que se colocava era se o legislador podia escolher
os meios de proteção da vida: uns diziam que não, pois esta devia ser protegida por via penal; outros referiam
que o legislador podia introduzir meios diversos.

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Com a retirada da incriminação, o legislador não deixou de zelar pela proteção da vida. Existe uma restrição
da liberdade da mulher grávida para salvaguardar a vida intrauterina (protege-se o bem jurídico objetivamente
considerado e não do direito à vida – discussão ligada com o começo da personalidade jurídica).

Direito ao ambiente
Mais tarde, retoma-se esta lógica quanto ao direito ao ambiente. Uma empresa, ao abrigo da sua liberdade
de iniciativa económica, pode acabar a realizar atividades poluentes, que impactam com a qualidade de vida
dos cidadãos. Neste sentido, por força do direito ao ambiente, restringe-se a liberdade de empresa para
salvaguardar direitos fundamentais dos cidadãos, através da necessidade de obtenção de licenças, do respeito
pelos limites de emissões poluentes ou da proibição de descargas nos recursos hídricos.

3.4.1. Relações jus fundamentais multioculares

Nem sempre o triângulo é assim tão simples. Há um conjunto de direitos que já aparentam estar concebidos
nesta lógica triangular: direitos do consumidor, direito ao ambiente, direitos de autor, proteção de dados
pessoais, mas cuja evidência prática demonstra uma maior complexidade que o habitual. Nesse sentido, falam-
se de relações jus fundamentais multioculares.

Proteção de Dados
Veja-se a proteção de dados: o Estado tem de proteger os nossos dados dos responsáveis pelo tratamento
dos dados pessoais. Contudo, tipicamente estas entidades confiam a proteção de dados a terceiros
(subcontratados), que podem não estar sujeitos à legislação nacional ou comunitária (ex. RGPD). Por outro
lado, o próprio Estado também é responsável por tratar os nossos dados pessoais (ex. matéria fiscal ou de
saúde).

Dado este duplo papel do Estado, este desdobra-se: por um lado, o Estado soberano aprova legislação em
matéria de proteção de dados; e, por outro lado, o Estado de administração independente (CNPD) tem de
garantir o respeito pelos dados pessoais contra todos os entes públicos e privados.

Tabagismo
Fumar é prejudicial à saúde e o Estado tem o dever de proteção da saúde. Contudo, há várias categorias de
fumadores, entre os quais os fumadores passivos. Assim, o Estado protege os fumadores ativos determinando
a venda do tabaco com imagens dissuasoras, e os fumadores passivos proibindo o fumo em espaços fechados,
exceto nos devidamente sinalizados para fumadores.

As tabaqueiras, na qualidade de agressoras (ao lado dos fumadores ativos), vem a sua atividade restringida
proibindo-os de fazer publicidade dos seus produtos (em OCS, em patrocínios), bem como a venda dos seus
produtos com imagens pouco apelativas; os comerciantes, de igual modo, apenas podem vender a maiores
de 18, limitando-se a liberdade de iniciativa económica.

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O tabagismo levanta ainda questões relevantes, relacionadas com a inevitabilidade dos trabalhadores de
certos estabelecimentos serem obrigados a ser fumadores passivos para poderem trabalhar. Neste sentido, a
estratégia de proteção envolve mais sujeitos para além do Estado.

3.4.2. Relações triangulares assimétricas

Mas nem todas as relações triangulares são simétricas, há algumas assimétricas. E, portanto, será que há
relações triangulares, ou se há uma dissociação de cada uma das pessoas em duas. São os casos de:

• O lesado não é uma pessoa jurídica (ex: nascituros, embriões, gerações futuras) – têm alguma
necessidade de proteção, mas não são ainda sujeitos jurídicos;
• O agressor e o lesado são a mesma pessoa (ex. quando fumamos, quando tomamos substâncias que
não fazem bem à nossa saúde, quando bebemos em demasia, etc.);
• Testamento vital,
• Recusa receber certos tipos de tratamento, o suicídio.

3.4.3. Direito à greve (em especial)

Materialmente, o direito à greve é primeiramente uma relação entre privados, com a vertente de não
cumprimento das funções e obrigações descritas no contrato de trabalho. No entanto, em termos habituais
se um trabalhador não cumprir as suas funções será despedido, mas com a proteção do direito à greve, há um
obstáculo que faz com que o empregador não o possa fazer. Deste modo, o direito à greve é um direito
horizontal.

No entanto, quando o direito à greve surgiu, este tinha uma vertente vertical que se traduzia na
proibição do Estado reprimir pela força os movimentos dos trabalhadores grevistas. Esta vertente vertical
continua a existir. Assim, o Estado não deve tomar partido nas relações laborais privadas. Ou seja, este direito
é horizontal, como vertical.

Mas isto não é suficiente. Porquê? Pois num contexto em que há desemprego, quando os
trabalhadores fazem greve (e não recebem o salário nesses dias), o que impede os empregadores de substituir
os grevistas com os desempregados? Ora, o Estado legislador tem de garantir que isto não pode acontecer
caso contrário a greve não tinha efeitos, levando à proibição dos empregadores de contratarem trabalhadores
“de substituição”. Deste modo, o Estado tanto tem de garantir o direito à greve aos trabalhadores como
proibir o empregador de contratar novos trabalhadores para anular o efeito da greve.

• Uma das razões que moderam o recurso sistemático à greve é o facto de não receberem o salário dos
dias de greve. Mas muitas vezes os sindicatos (quem convoca as greves), constituem fundos para
poderem dar aos grevistas para os sustentarem durante a greve. Esta prática tem um problema
complexo.
• E pode-se fazer greve por qualquer razão? Por exemplo, quanto à política do Governo? Ou uma greve
de solidariedade? Ou uma greve política? A greve nestes casos extravasa a defesa dos direitos dos
trabalhadores e começa a ser motivada por política.

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• O Artigo na Constituição que menciona o direito à greve também inclui a possibilidade dos
trabalhadores de manifestarem a sua opinião, defendendo os seus direitos em termos mais gerais. A
CRP é bastante ampla neste aspeto. Para além disto a CRP também proíbe o lock out e a lei ordinária
até a vem categorizar como crime.
• Pode haver greve surpresa? Ora, a greve tem muitos efeitos negativos quanto à funcionalidade dos
serviços – por exemplo, greve dos transportes públicos – que podem mesmo privar os nossos direitos
fundamentais, por exemplo direito à livre circulação. Ora isto faz com que seja necessário moldar o
direito à greve quanto aos consumidores e utentes para que os seus direitos não sejam restringidos
pela luta dos direitos de outros. Assim, o legislador proíbe as greves surpresa para que não aconteça
estas situações.

Em conclusão, a evolução das funções dos direitos fundamentais seguiu a seguinte ordem – direitos de defesa,
direitos a prestações, vinculação intersubjetiva privada e consciência da complexificação das relações,
envolvendo o Estado e privados. Nem sempre as relações entre privados são horizontais, podendo haver
relações de supremacia. E, dentro das relações complexas, o Estado acaba por ter um papel de restringir
direitos para salvaguardar outros.

3.5. Determinantes organizativas e direitos procedimentais e processuais


Estas funções do Estado, de defesa, de prestação, de vinculação entre privados, de proteção, não esgotam o
leque de funções dos direitos fundamentais.

3.5.1. Dimensão de organização

Por vezes a garantia de certos direitos fundamentais necessitam da criação de uma autoridade administrativa
independente, por exemplo, a CNPD. A Comissão Nacional de Proteção de Dados garante que os direitos
envolvidos na proteção dos dados pessoais são garantidos por esta comissão administrativa (é administrativa
pois não tem poderes políticos nem legislativos).

Para além disto, as Universidades também têm um papel muito importante nomeadamente na parte de
investigação científica e criação cultural.

Isto vale também para os órgãos de comunicação social, ou seja, não podem ser organizados e dirigidos como
qualquer empresa. A liberdade de empresa tem uma dimensão institucional na medida em que é protegida
quanto aos órgãos de comunicação social como também uma dimensão individual, tendo de ser protegida
quando titulada pelos próprios jornalistas. Estas instituições têm de se organizar internamente de forma que
respeitam o exercício das liberdades que aí trabalham.

O mesmo vale para os partidos políticos. Estes têm de ter um funcionamento democrático, um conselho de
jurisdição que “fiscaliza” os direitos dos militantes. Esta dimensão de organização é, portanto, uma realidade
necessária para a proteção dos direitos fundamentais.

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3.5.2. Dimensão de Procedimento e Processo

Nesta dimensão podemos verificar que há alguns direitos fundamentais que se acedem mediante
procedimento. Por exemplo, no processo de naturalização, precisamos de apresentar um requerimento.
Assim, o acesso à cidadania portuguesa é um direito que se realiza com um processo administrativo.

No entanto também há a situação inversa, ou seja, a restrição de um direito fundamental só pode ocorrer
como resultado de um determinado procedimento – ex: expropriação. Deste modo, é de sublinhar que o
procedimento é um instrumento de tutela de direitos fundamentais – quer seja para proteção, para ganhar,
ou restringir o mesmo. Ora, mas a tutela dos direitos não cessa com a decisão administrativa, abrindo-se uma
norma fase de processo judicial (eventualmente).

Concluindo, não há direito sem um meio jurisdicional para o defender (ex direitos do artigo 20º, 268º CRP),
sendo necessário um procedimento ou um processo para que este exista.

Procedimento: No seio da AP ≠ Processo: No seio dos Tribunais

Nota: Estas dimensões são muitas vezes caracterizadas como dimensões objetivas de direitos – o Professor
Jorge Pereira da Silva entende pouco rigoroso – traduz a ideia de que os direitos fundamentais não são só
dimensões subjetivas, havendo também dimensões objetivas (por exemplo institucionais).

3.6. Funções objetivas: institucionais, irradiantes e valorativas

3.6.1. Dimensão institucional

Significa que os direitos fundamentais podem tomar aqui a forma de garantias institucionais.

Por exemplo, o artigo 36º da CRP consagra o direito de constituir família. Ora, para eu exercer o meu direito
de casar, este direito terá de pressupor a existência da instituição do casamento, bem como todas as
obrigações conjugais que daqui decorrem.

A dimensão institucional encontra-se nesta situação pois o CC quando regula o casamento, a sucessão por
morte, o direito de propriedade regula institutos que são fundamentais para o exercício dessas liberdades.

3.6.2. Dimensão irradiante

Está em causa a afirmação de que os direitos fundamentais não se impõem apenas nas relações estes sujeitos,
mas também se impõe como instrumentos de interpretação do direito positivo todo. Está em causa a
interpretação com base nos direitos fundamentais.

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3.6.3. Dimensão valorativa

Há certos direitos que estão associados a valores. Por vezes esses valores até emergem em alguns preceitos
constitucionais, como por exemplo, o artigo 68º nº2 CRP diz que a maternidade e paternidade constituem
valores sociais eminentes.

Este artigo espelha que alguns direitos fundamentais são expressão de valor, devendo ter esses mesmos
valores em conta quando decidimos questões jurídicas concretas – por exemplo o direito de conhecimento da
paternidade. Isto tem repercussões por vezes noutros campos jurídicos ou políticas públicas no que toca por
exemplo, equilíbrio familiar e laboral – aqui é necessário ter em conta estes valores constitucionais à
maternidade e paternidade no que toca em não meter a família para segundo plano.

3.7. Dimensão intergeracional e direitos das gerações futuras


Hoje em dia somos titulares de diversos direitos, no entanto, coloca-se a questão de se esses direitos um dia
poderão ser gozados pelas gerações futuras. É necessário preservar as gerações bem como as condições
desses direitos para que as gerações futuras os possam gozar.

Este tema tanto pode ser encarado numa perspetiva ética e filosófica com as teorias de John Rawls e Hans
Jonas, como também podemos colocar este problema numa perspetiva política com a teoria de Keynes, que
afirma que “no longo prazo estamos todos mortos” ou outra fase crítica é “Na política não há gerações futuras,
apenas há as eleições seguintes” – o direito do ambiente e a questão ambiental por exemplo não podem ser
vistos assim.

Falamos do ambiente como podíamos falar da segurança social ou das finanças públicas. Numa perspetiva
constitucional, a CRP tem uma vertente de limitar o poder das maiorias que estão no presente em prol das
maiorias que haverá no futuro – daqui advém o princípio da sustentabilidade.

3.8. Luth-Urteil e a ideia de “Estado de direitos fundamentais”


A respeito dos esquemas das relações triangulares, importa analisar o esquema subjacente às
restrições provocadas pela pandemia da Covid-19. O Estado, por várias vias, está a procurar salvaguardar
variadíssimos direitos fundamentais, entre os quais o direito à saúde e, in limine, o direito à vida, restringindo
outros. A particularidade neste caso é que todas as pessoas podem ser, simultaneamente, agressoras e
lesadas, por vezes sem terem consciência disso, levando o Estado a impor um sem número de restrições.

Já a inoculação das vacinas seria, em si, uma restrição ao direito à integridade física, de cariz voluntário dado
que a vacina não é obrigatória. Nem precisa de o ser, segundo JPS: objetivo da vacina é alcançado sem que
toda a população necessite de ser vacinada (a imunidade de grupo será alcançada com cerca de 70% da
população vacinada).

Na lei da eutanásia vem discriminado todo um procedimento complexo para que esta tenha lugar:
inicia-se com um requerimento do doente; convoca-se um médico assistente, que indicará um médico
especialista na doença; poderá ter de ser convocado um psiquiatra até que seja consumado o ato final. Este

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está construído de modo que se possa salvaguardar a vida humana e garantir que as pessoas tomam uma
decisão sem vícios na sua vontade, e com todas as oportunidades de optarem por outro caminho.

Destaca-se, além do procedimento, a existência de uma Comissão de Ética que analisa e aprova os vários
pedidos.

A decisão Lüth-Urteil BVerfGE 1958 do TC alemão revolucionou a maneira como se enquadram os


direitos fundamentais. Os direitos fundamentais, à luz desta decisão, deveriam ser perspetivados de um ponto
de vista objetivo, transversal a todas as relações na sociedade, indo mais além do que as relações entre
particulares e Estado. Nesse sentido, fala-se de uma eficácia mediata dos direitos fundamentais nas relações
entre privados.

4. Unidade ou dualidade: direitos de liberdade e direitos sociais

4.1. Divididos à nascença por um “muro de Berlim”


Os direitos fundamentais nasceram com as Revoluções liberais e, após a II Guerra Mundial e a divisão do
mundo em dois blocos, estes dividiram-se igualmente em dois blocos.

Tal ideia é patente com a celebração de dois tratados internacionais vinculativos que concretizaram a DUDH:
o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e
Culturais (todos de 1966). No contexto europeu essa dicotomia mantém-se, dando lugar à Convenção
Europeia dos Direitos do Homem (1950) e à Carta Social Europeia (1961, revista em 1996).

A CRP, feita em 1976, reflete esta dicotomia e este período histórico, consagrando um título II com Direitos,
Liberdades e Garantias e o Título III com os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (cuja ordem na CRP foi
discutida na Assembleia Constituinte).

4.2. Indivisibilidade da dignidade da pessoa humana


Questão diversa é a de determinarmos se tal categorização faz sentido atualmente. Olharemos para o
problema segundo duas perspetivas: a dignidade da pessoa humana e a teoria do custo dos direitos:

Olhando para a dignidade da pessoa humana, sabemos que esta é indivisível, transversal a ambas as categorias
de direitos. Veja-se alguns exemplos:

• Caso de Malala: lutou afincadamente pelo direito à educação das mulheres no seu país, direito essencial
para que o Homem possa “criar-se e recriar-se” (G.P. Mirandolla), apenas possível caso estes detenham
um conjunto de conhecimentos e competências.
o De facto, o analfabetismo deixa as pessoas mais permeáveis a regimes e ideais totalitários e
antidemocráticos.
• Miséria económica: nas suas versões mais extremas, não está muito longe da tortura. Roosevelt propôs a
elaboração de um segundo Bill of Rights de modo a libertar as pessoas do medo e da necessidade

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(igualmente uma forma de servidão). Nesse sentido, ambas as categorias deverão conjugar-se para
proteger a dignidade da pessoa humana.
• Liberdade de escolha/exercício de profissão: as pessoas precisam da proteção da saúde para trabalharem,
sobretudo em atividades de elevado esforço físico;
• Proibição de intromissão no domicílio: apenas se justifica com o direito à habitação.

4.3. Teoria do custo dos direitos


Um dos argumentos mais usados a favor da continuidade desta divisão assenta na natureza dos direitos: os
primeiros são essencialmente negativos e os segundos essencialmente positivos. Esta visão teria uma
consequência evidente: os DESC precisariam de recursos financeiros para serem concretizados e os DLG não.

• Stephen Holmes, em “The Cost of Rights – Why Liberty Depends on Taxes”, demonstra que ainda que os
DESC tenham mais custos que os DLG, todos os direitos têm custos – os DLG requerem um elevado nível
de organização social para a sua efetiva salvaguarda.
o Por exemplo, a propriedade tem custos sociais: sem forças de segurança e tribunais para condenar
os infratores, não existiria verdadeira propriedade privada.
• Neste sentido, a diferença é na quantidade e não na qualidade: alguns DESC implicam prestações
pecuniárias diretas aos cidadãos, enquanto os DLG tipicamente não (embora pontualmente possam
implicar, como o apoio judiciário).
o Olhando para as despesas do Estado, os setores com maior despesa são aqueles associados aos
DESC: Segurança Social, Saúde e Educação.

Na verdade, todos os direitos fundamentais são positivos e negativos. Ilustremos com três exemplos:

➢ Direito à vida: não traduz apenas o direito a não ser executado pelo Estado, mas também o direito a ter
condições de sobrevivência condignas (não podem ser privadas das condições que conseguem para si
próprias; mas se forem deverão ser apoiadas pelo Estado);
➢ Direito à saúde: na generalidade dos casos um direito positivo, mas pode ter uma dimensão negativa,
atuando como uma proibição de intromissão do Estado na esfera individual (por exemplo, uma pessoa
recusar-se a receber tratamento médico ou uma vacina);
➢ Direito à habitação: normalmente encarado numa perspetiva positiva (todos tem o direito a ter habitação
própria), pode também ser visto como um direito a não ser privado arbitrariamente da sua habitação (ex.
nos casos de execução patrimonial).

Como distinguir, então, os DLG dos DESC? Vários os critérios: positivo vs. negativo, determinabilidade vs.
indeterminabilidade constitucional e radical subjetivo vs. reserva do possível.

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4.4. Carácter negativo vs. carácter positivo


O que distingue os DLG dos DESC é a localização das dimensões positivas e negativas do direito:

• DLG: a dimensão negativa integra o núcleo e as dimensões positivas estão na periferia do direito, sendo-
lhe meramente instrumentais;
• DESC: ocorre o inverso – positivo no núcleo e negativo na periferia

4.5. Determinabilidade vs. indeterminabilidade


• DLG: teoricamente, estes direitos são rigorosos e precisos, cuja uma interpretação das normas
constitucionais permitira precisar o conteúdo do direito;
• DESC: a Constituição possui uma mera visão panorâmica, cujas normas constitucionais estão formuladas
imprecisamente, carecendo de intervenção póstuma do legislador ordinário para precisar os seus
contornos.

Esta ideia aparece associada a uma classificação de normas constitucionais apresentada por JM, em função da
relação entre as normas constitucionais e o legislador ordinário:

➢ Normas exequíveis por si mesmas: normas autossuficientes, passíveis de serem invocadas suportando
uma pretensão sobre determinado direito;
➢ Normas não exequíveis por sim mesmas: normas constitucionais exigem somente uma determinação
concretizadora do legislador ordinário. Uma vez efetuada a intervenção, os cidadãos podem reclamar o
direito em tribunal;
➢ Normas programáticas: padecem de uma dependência congénita dependente a um conjunto de fatores
diverso, traduzindo sobretudo diretrizes que o poder político vai concretizando na medida das suas
possibilidades -> normatividade mais frágil, precisa de ser consolidada quer pelo legislador quer pela AP.

Neste sentido, o legislador ordinário terá um dever de maior ou menor abertura tendo em vista a
concretização das normas não exequíveis ou das programáticas.

Esta distinção, segundo JPS, não pode ser levada até às últimas consequências: podemos ter DLG em normas
não exequíveis e até programáticas, bem como DESC presentes em normas exequíveis por si mesmas:

• Direito de acesso aos tribunais (art. 20º CRP): uma ação não pode ser intentada com base neste
preceito, carece-se de leis processuais, toda a máquina da Justiça, eventualmente assistência
judiciária, etc. Logo, o art. 20º nº1 CRP ao determinar o acesso universal aos tribunais traduz um DLG
de cariz meramente programático;
• Objeção de consciência (art. 41º nº6 CRP): aparentemente, a lei tem de definir os seus termos.
o Se a lei da eutanásia não a referisse, não seria razoável punirmos o médico que a invocasse,
logo ela em parte é exequível por si mesma.
o Nesse sentido, o núcleo do direito pode dar-lhe uma dimensão de exequibilidade, embora na
periferia este necessite da intervenção do legislador.

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• Direitos dos trabalhadores (art. 59º CRP): ao impor-se uma fixação de uma jornada habitual de
trabalho, a norma é precisa no seu conteúdo - tem de haver um limite máximo para o trabalho;
• Direito à saúde (art. 64º CRP): determina claramente que é realizado por via de um SNS.

Por outro lado, a determinação do conteúdo do direito pode ter fonte na jurisprudência. O art. 18º nº1 CRP,
na sua formulação, pensa na relação entre as normas constitucionais e os tribunais: independentemente do
tipo de norma em causa, o tribunal deve retirar o máximo proveito possível das normas constitucionais na
proteção dos direitos dos cidadãos. Nesse sentido, a “aplicabilidade direta” obriga os Tribunais a ultrapassar
esta condição-base em causa (o tipo de norma constitucional).

De modo a precisar a questão da determinabilidade, ilustremos com o direito à segurança social (art.
63º CRP), na dimensão em que garante às pessoas uma pensão de reforma. O preceito em si apenas nos
permite concluir que o sistema protege as pessoas na velhice. O legislador terá de definir:

• Idade mínima da reforma: atualmente aumenta em função da profissão e da esperança média de vida;
• Sistemas de financiamento: essencialmente financiado pela TSU e pelas contribuições das entidades
trabalhadoras;
• Carreira contributiva: tipicamente conjugada com a idade de reforma;
• Sistemas de cálculo do montante da reforma;

4.6. Núcleo subjetivo vs. reserva do possível


• Os DLG têm um núcleo subjetivo;
• Os DESC são direitos sob condição, assente na reserva do possível: os DESC só existem mediante a
disponibilidade prévia de recursos materiais e financeiros.

Deste modo, é legítimo a introdução de critérios de seletividade a respeito dos DESC. Neste sentido, os DESC
seriam direitos de acesso procedimentalmente justo – os recursos são limitados e os cidadãos, tendo o direito
a receber a prestação, devem concorrer em termos justos segundo um determinado procedimento
previamente definido. Assim, traduz-se direitos de participar equitativamente nos benefícios providenciados
pelo Estado ao conjunto dos cidadãos.

Podemos atentar ao referido em dois exemplos:

• Caso numerus clausus: a decisão numerus clausus do TC alemão trata da questão do acesso aos
cursos de medicina - um aluno que não entrou em medicina invocou a liberdade de escolha de
profissão e o sistema de numerus clausus impedia-o de exercê-la ao não permitir o ingresso no curso.
o O TC alemão pronunciou-se pela não inconstitucionalidade da norma pois o que importa é a
não discriminação face aos demais no acesso ao curso: os recursos são escassos e os
benefícios que concretizam os DESC não podem ser universais.
• Medicamentos dispendiosos: coloca-se a questão de saber-se se o Estado deve garantir esses custos,
sobretudo quando as garantias de eficácia do medicamento são escassas.

Ainda assim, é possível encarar-se os direitos sociais enquanto direitos subjetivos: podem não traduzir direitos
a prestações, mas sim um direito a concorrer com os demais cidadãos para o acesso a um recurso limitado.

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4.7. Direitos de natureza análoga


O artigo 17º CRP diz-nos que o regime dos DLG se aplica aos direitos do título II como também a outros direitos
fora do título II que tenham natureza análoga. Não há uma separação radical dos direitos fundamentais em
duas categorias (DLG e DESC). Deparamo-nos, assim, com direitos previstos no título III da Parte I e noutros
títulos e partes que, pela sua natureza, são reconduzíveis a direitos, liberdades e garantias.

Assim, o artigo 17º prevê uma separação mais mitigada, consagrando uma solução que “reconhece o carácter
jurídico efetivo dos direitos fundamentais sociais ou das suas dimensões que estruturalmente o permitam”7 e
permitindo a aplicação do regime constitucionalmente previsto para os DLG aos direitos enunciados no título
II, aos direitos dos trabalhadores, às demais liberdades e ainda a direitos de natureza análoga
constitucionalmente ou legalmente consagrados.

Dissemos a propósito do artigo 16º CRP que o princípio da clausula aberta admite a existência de
outros direitos fundamentais para além dos tipificados na Constituição. Assim, para nós trazermos esses
direitos que estão fora para dentro do âmbito da CRP teremos de usar um critério de fundamentalidade: que
é o critério da dignidade da pessoa humana.

No entanto aquilo que temos agora são duas categorias de direitos cuja fronteira é ténue, mas ainda assim,
ambas existem e o artigo 17º servirá como ponte. Ora, as margens simbolizariam os DLG e os DESC e o artigo
17º permite ir-se a uma das margens, em procura de um conjunto de direitos que têm natureza análoga de
DLG para lhes aplicar o regime mais forte de proteção de DLG. Aqui será necessário fazer uma localização
sistemática incompatível com o próprio núcleo do direito ou inconciliável com o conteúdo dos direitos. Assim,
este artigo 17º CRP permite corrigir essa colocação sistemática enviesada dos direitos.

Enquanto norma flexibilizadora da rigidez da contraposição entre as duas categorias de direitos, a


cláusula do artigo 17º CRP dirige-se aos direitos fundamentais analiticamente considerados, devendo para isso
atender-se a um critério estrutural para a aplicação do preceito e, consequentemente, compreender-se a
distinção entre as categorias de direitos. Este critério decorre, por um lado, da “determinabilidade
constitucional do conteúdo dos preceitos consagradores de direitos fundamentais quer na natureza dos
condicionamentos que afetam a realização dos direitos fundamentais pelos poderes públicos”8.

Assim, “estaremos perante um direito de natureza análoga aos DLG quando […] o seu conteúdo está
essencialmente determinado ao nível das opções constitucionais, sem depender da sua concretização em lei
ordinária; bem como a sua efetivação, por ser fáctica e juridicamente, realizável, depende apenas da vontade
política do Estado e não de fatores que escapam maioritariamente ao domínio estadual”9.

7
V. DE MELLO ALEXANDRINO, A estruturação dos direitos, liberdades e garantias, II, p. 263, em MIRANDA, MEDEIROS,
Constituição Portuguesa Anotada, I, 2017, UCE, 2ª edição, p. 223.
8
MIRANDA, MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, I, 2017, UCE, 2ª edição, p. 224.
9
Idem, ibidem.

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Ora, podemos encontrar fora do Título II direitos com natureza análoga a DLG pessoais, políticos e dos
trabalhadores. Em termos práticos, se formos procurar na Constituição fora do Título II direitos de natureza
análoga podemos encontrar, como exemplos, os seguintes: verificamos que a Liberdade de Iniciativa
Económica Privada e o Direito de Propriedade são dois deles. Estes são direitos de primeira geração e que
foram colocados nos DESC por razões ideológicas com o objetivo de os desvalorizados. No entanto, o artigo
17º atribui a importância devida a estes dois direitos análogos, que foi retirada apenas por razões políticas.

Direitos análogos:

• Direito à retribuição no trabalho (Art. 59º.º, n.º 1, al. a), e 3 CRP);


• Direito de participação na segurança social (Art. 63.º, n.º 2, CRP);
• Propriedade e liberdade de iniciativa económica: direitos de primeira geração e que foram colocados nos
DESC por razões ideológicas com o objetivo de os desvalorizados. No entanto, o artigo 17º atribui a
importância devida a estes dois direitos análogos, que foi retirada apenas por razões políticas.
• Direito de Iniciativa Legislativa Popular e a Iniciativa Popular de Referendo – são mecanismos de
democracia participativa
• Direito à fundamentação dos Atos Administrativos – neste momento é um artigo que atravessa a margem
através do artigo 17º, mas que originalmente foi um direito consagrado em lei ordinária – portanto
antigamente seria feita a remissão para o artigo 16º. Ora, nesta nota, não há razão para dizer que se o
direito à fundamentação dos atos administrativos é um direito fundamental e não dizer o mesmo para as
decisões judiciais (205º CRP)
• Direitos do artigo 20º + Direitos do artigo 268º– vem estabelecer uma concretização no domínio da justiça
administrativa dos direitos que estão no artigo 20º da CRP.
• Direito de não cumprir uma ordem que implique na prática de um crime – há uma analogia com o direito
de resistência;
• Direito de defesa da pátria: Apesar de não termos um serviço militar obrigatório é mais complicado que
este direito seja exercício.

Atualmente, a artigo 17.º tem o seu campo de aplicação primordial tendo em vista submeter os DESC aos
princípios recortados no art. 18º, nº 1, CRP, assim com os princípios da tutela da confiança, da
proporcionalidade, da tutela jurisdicional e até da responsabilidade civil do Estado10.

Quando dizemos que o artigo 17º permite aplicar aos direitos de natureza análoga os DLG, isto em termos
práticos significaria:

• A aplicação do regime do artigo 18º CRP


• Regime da aplicabilidade imediata do nº1 do artigo 18º CRP
• Aplicabilidade do regime orgânico dos DLG (artigo 165º nº1 b) CRP - reserva relativa da AR): para legislar
sobre estes direitos será necessário a AR a fazê-lo, ou o Governo mediante autorização legislativa.

10
Idem, ibidem, p. 226.

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Além de um regime material, os direitos, liberdades e garantias gozam ainda de um regime orgânico-formal,
conferido pela reserva relativa de lei da AR (art. 165º, nº 1, al. b), CRP). Perante isto, discute-se se da aplicação
do regime do art. 17.º CRP o preceito reporta ao regime material ou abrange igualmente o regime orgânico-
formal.

A jurisprudência constitucional tem-se alinhado no segundo sentido11, embora Jorge Miranda12 recorra ao
elemento sistemático – a sua inserção junto de regimes e princípios constitucionais substantivos e o facto de
várias alíneas do artigo 165.º, n.º 1, CRP que prevejam competência específica quanto a certos direitos
potencialmente abrangidos pelo artigo 17.º CRP) – para entender que o artigo reporta somente ao regime
material. Este autor aponta ainda problemas de índole prática – não seria viável uma lei formal para regular
todos os direitos – e ainda restringir aos direitos fundamentais criados por lei a sua criação por lei parlamentar,
quando o artigo 112º CRP prevê outras modalidades de atos legislativos.

4.8. Sistematização
Não é razoável afirmar-se que temos duas categorias totalmente distintas de direitos, nem que estes são
totalmente iguais. A resposta à unidade ou dualidade dos direitos fundamentais tem de ser moderada,
problematizada: para JPS, não há uma dicotomia radical, mas existem diferenças relevantes.

JPS ressalva, no entanto, que não é rigoroso problematizar a discussão encarando os dois blocos de direitos
fundamentais como blocos, em si, uniformes, sem diferenças internas.

A diversidade dos direitos começa dentro de cada uma das categorias: desde logo, na diferença entre
direitos civis e direitos políticos (estes, como direitos positivos, estão mais próximos dos DESC) e a expressão
DLG dá conta de uma heterogeneidade grande – uma coisa são direitos, outra liberdades e outra garantias
(instrumentos de proteção dos demais institutos).

E mesmo nos direitos sociais existe uma grande heterogeneidade: há direitos sociais universais e
particulares, gratuitos e contributivos.

11
Acórdãos TC nº 329/99 e 367/99, que procedem a uma desconstrução dos direitos em causa para concluírem que a
reserva parlamentar incide somente em determinadas dimensões/faculdades (quando tenham, lá está, natureza
análoga).
No acórdão TC nº 329/99 o tribunal, perante uma queixa de empreendedores imobiliários cujas autorizações e licenças
de construção caducaram pela aprovação de um DL, sustentou que o ius idificandi - uma faculdade associada ao direito
de propriedade que permite aos proprietários de prédios rústicos construir no seu terreno - não estava no núcleo do
direito de propriedade que beneficiava do regime de DLG. Ora, numa visão clássica do direito de propriedade o ius
idificandi faz parte do mesmo, mas, a partir do momento em que o ordenamento do território passou a ser algo ter em
conta, nomeadamente com o planeamento urbanístico, o direito a edificar é algo acidental – pois há zonas que não se
podem construir. Assim, esta é uma faculdade regulada pelo Estado, resultante do planeamento urbanístico, não tanto
de uma faculdade originaria que pertença a todos os titulares do direito de propriedade. E, portanto, o TC, votou pela
não inconstitucionalidade.
12
MIRANDA, MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, I, 2017, UCE, 2ª edição, p. 227 - 228

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→ Os direitos fundamentais dividem-se em duas grandes categorias: Direitos liberdades e garantias e os


Direitos Económicos Sociais e Culturais. Esta divisão decorre do direito internacional como até do direito
europeu que influenciou a CRP de 1976.

Algumas notas sobre os DLG e os DESC – traços que distinguem os dois:

1. Embora todos os direitos sejam simultaneamente positivos e negativos, o direito à vida, saúde,
habitação por exemplo, não obstante, os DLG de um modo geral têm uma vertente negativa no núcleo
com vertentes positivas na periferia (auxiliares do núcleo). Quanto aos DESC é ao contrário – o núcleo
é positivo que advém do carácter prestativo dos direitos, mas marginalmente esses direitos podem
também ser vistos como direitos negativos
2. Determinabilidade: A generalidade dos DLG (há exceções), têm o seu conteúdo determinado
nas normas constitucionais – podendo extrair por via interpretativa para que os cidadãos possam os
defender em tribunal. O mesmo não acontece com a maior parte dos DESC, ou aqueles em que se
desdobram havendo necessidade de concretização dos preceitos.
3. Subjetividade vs. Objetividade: Há a ideia de que os DLG têm um núcleo objetivo funcionando
como direitos que podem ser exercidos em tribunal a partir das próprias normas constitucionais
enquanto os DESC são sempre sujeitos a uma condição de possibilidade física, material ou financeira.
Uma decisão história que afirma esta ideia (Reserva do Financeiramente Possível) é a decisão do
Tribunal Constitucional Alemão sobre numerus clausus.

Direitos Económicos, Sociais e Culturais – também há diferentes preceitos fundamentais dentro deste
conceito:

→ Uma coisa é o direito à segurança social outra é o direito ao ambiente (há tanto uma vertente negativa
associada à não possibilidade de por exemplo me privarem de ar puro, e uma vertente positiva de garantias
que o Estado tem de fazer para assegurar o meu direito)

→ Há também uma diferença enorme entre os direitos que têm uma base contributivo e os direitos que não
têm uma base contributiva – por exemplo, a saúde é tendencionalmente gratuita; mas a segurança social não
havendo uma obrigação de prestar durante a vida.

Assim, não há apenas diferenças entre DLG e DESC, mas também dentro de cada uma das duas categorias.

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Há outro aspeto na nossa constituição que também será importante rever:

→ Há determinados direitos, que quando consumidos como um todo, acabamos por encontrar na nossa lei
fundamental, por exemplo, há alguns direitos dos trabalhadores que são direitos liberdades e garantias ex:
Direito à Greve, Direito a não ser despedido arbitrariamente – são direitos liberdades e garantias.

Dentro dos DLG há três categorias:

1. Direitos liberdades e garantias pessoais


2. Direitos liberdades e garantias política
3. Direitos liberdades e garantias dos trabalhadores

→ Esta última categoria contrapõe-se aos DESC com vertente laboral que têm como exemplo o direito a uma
remuneração condigna, direito ao subsídio de desemprego, direito a férias etc.

Outro exemplo é a Educação. Temos a liberdade de aprender e ensinar (que hoje em dia está sem-suspenso),
o direito a criar escolas privadas ou cooperativas bem com o direito à educação enquanto direito a prestações
– encontra-se no artigo 73º e 74º CRP. Estes são casos em que o mesmo direito perspetivado como um todo
pode ser desdobrado em diversos direitos fundamentais.

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ANEXO: Caso Prático 4.3


→ Trata-se de um caso em que o Governo revogou a existência do Rendimento Mínimo Garantido passando
a usar o termo Rendimento Social de Inserção. Ora, na lei havia uma diferenciação do RMG que era acessível
a partir dos 18 anos, enquanto o RSI era acessível a partir dos 25.

→ O problema essencial era a não beneficiação de RSI de uma faixa etária dos 18 aos 25, havendo assim uma
lacuna de proteção social.

→ Ao tribunal compete saber se se pode fazer esta diferenciação, se a redução do RSI a pessoas a partir dos
25 anos recaia na Reserva do Financeiramente Possível, se não há aqui uma violação do princípio da igualdade
e por fim se não há uma violação do princípio da dignidade da pessoa humana.

→ O tribunal veio a verificar se de facto o caso da reserva financeiramente possível e concluiu que só seria
possível verificar isto se houvesse mais alternativos de proteção da faixa etária em falta, ora, o tribunal veio
entender que as proteções existentes não eram suficientes para cobrir as necessidades da faixa etária. E
seguindo o entendimento da nossa jurisprudência constitucional de que se não há meios financeiros possíveis
ao atendimento das necessidades de uma população que pelo menos haja outras medidas que cobrem as
mesmas que não exijam um esforço financeiro tão grande, assim ao não haver as precisas medidas não há
proteção da faixa etária em falta.

→ Mas porque é que é preciso dares proteção esta faixa etária? Precisamente pelo entendimento do artigo
63º nº 3 que vai servir como apoio constitucional ao rendimento mínimo garantido. Este rendimento mínimo
garantido não é uma criação a partir do zero do legislador ordinário não é algo que o legislador ordinário criou
porque de certa forma queria o que era politicamente conveniente é algo que ainda se compreende no dever
de concretização desta parte final do artigo 63º nº3.

→ Assim a simples revogação do rendimento mínimo garantido sem substituição por outro regime
completamente coberto resultaria de uma situação de inconstitucionalidade por omissão.

→ Se não tivéssemos o artigo 63º também podíamos fundamentar na Constituição este direito em receber o
rendimento mínimo garantido, com base no artigo 24º do direito à vida e nomeadamente do direito à
sobrevivência. fazia-se a referência do direito à vida não necessariamente na sua dimensão negativa, mas na
sua dimensão positiva havendo por exemplo, um direito a uma vida condigna, um direito a não morrer à fome,
um direito a não morrer de frio etc.

→ Aquilo que o tribunal constitucional fez foi em bom rigor não basear a sua decisão numa concretização
insuficiente ou parcial do artigo 63º nº 3 também não baseou a sua decisão no artigo 24º, mas foi buscar o
princípio da dignidade da pessoa humano definindo no fundo que o estado tem um dever de proteção da
dignidade da pessoa humana em qualquer circunstância que o impede de não evidenciar um mínimo de
condições de sobrevivência condigna. no fundo o estado relativamente à dignidade da pessoa humana não
tem apenas obrigação de proibir tratamentos desumanos em que a pessoa é privada de condições de
sobrevivência, mas obriga ou positivamente o legislador a providenciar essas condições de sobrevivência
quando as pessoas não o consigam fazer pelos seus próprios meios.

→ O tribunal constitucional votou pela inconstitucionalidade da passagem do RMG para o RSI nestes moldes,
visto que violava o princípio da igualdade bem como o princípio da dignidade da pessoa humana.

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Aplicação do radical subjetivo aos DESC: dada a inexistência de uma separação radical entre DLG e
DESC, os DESC podem ser vistos numa perspetiva negativa, que inclui uma dimensão subjetiva inquestionável
e onde não se fala de reserva do possível (ex. no direito à saúde, não podemos falar de uma reserva do possível
no direito à rejeição de tratamentos de saúde).

Os DESC, no texto constitucional, estão sujeitos a reserva do possível; mas, quando concretizados na lei,
adquirem uma dimensão subjetiva quase absoluta (ex. preenchimento dos requisitos para o acesso a
habitação pública). Assim, no texto constitucional, os direitos sociais só têm dimensão subjetiva, na maior
parte dos casos, enquanto direitos negativos.

Acórdão da eutanásia

A letra do art. 24º CRP não é decisiva para resolver a questão, pois a Constituição consagra outros preceitos
que consideram o direito em causa inviolável (ex. liberdade religiosa, integridade física); além de que extravasa
o pedido do PR, pois o que deveria ser analisado era aquele regime legal da eutanásia.

O PR questionava dois conceitos indeterminados previstos na lei, de um total de três:

• Sofrimento intolerável: o TC considerou que seria possível determinar-se este conceito, seguindo o
procedimento descrito pela lei;
o Pedro Machete votou vencido sustentando que a lei não estabelece qual a opinião
determinante para decidir se o sofrimento é intolerável ou não;
• Lesão fatal;
• Lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico: o TC considerou que havia
uma inconstitucionalidade por violação do pp. da determinabilidade da lei.
o O pp. da determinabilidade da lei resulta da conjugação entre o pp. do Estado de Direito
Democrático com o pp. da reserva de lei da AR em sé de direitos, liberdades e garantias.
▪ Logo, as decisões fundamentais em sé de DLG tem de ser tomadas apenas pelo
legislador e não serem remetidas para outras entidades;
▪ Estas decisões devem ser tomadas com suficiente densidade de modo que os
destinatários da norma saibam com o que podem contar.

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5. Titularidade (e exercício) dos direitos fundamentais

5.1. Princípio da universalidade


O pp. da universalidade (art. 12º CRP) surge com frequência confundido com o pp. da igualdade, para a qual
JPS não tem uma resposta convincente que separe com eficácia estes pps. Este princípio faz uma primeira
delimitação dos titulares dos direitos, relevando fundamentalmente determinar-se se as pessoas têm ou não
o direito.

O prof. JM diz que o pp. da igualdade trata do conteúdo do direito, mas JPS discorda: é certo que o pp. da
igualdade não trata somente do acesso ao direito como do conteúdo do direito; mas na correntemente o pp.
da igualdade acaba por sobrepor-se à universalidade.

Quando discutimos, então, a existência do pp. da universalidade? Em três cenários:

➢ Direitos fundamentais particulares: consagrados na Constituição como associados a um conjunto


particular de pessoas (ex. cônjuges, jornalistas, arguidos, trabalhadores, administrados, contribuintes,
etc.).
o Estes direitos, delimitados em função de grupos de pessoas, não deixam de na maior parte dos
casos de ser universais pois o acesso aos mesmos não é limitado, condicionado por nenhuma
característica excludente (ex. havendo liberdade de casamento qualquer pessoa poderá casar e
beneficiar destes direitos).
o Não se trata, assim, de uma violação do pp. da universalidade, mas sim uma delimitação genérica
dos titulares dos direitos

➢ Direitos sociais: A Constituição, no início de cada um artigos que os regulam destes, refere que “todos tem
direito ao mesmo”; identificando nos números seguintes o papel do Estado para satisfazê-los (direitos
definidos em termos universais).
o Tal não significa que não possa existir seletividade para o acesso ao direito (de um ponto de vista
positivo) -> se as pessoas já têm uma habitação, apenas beneficiam do sentido negativo deste
direito (não ser privado da sua habitação), mas se não tiverem gozam de prestações do Estado
tendo em vista obterem uma habitação;
o Noutros casos, num contexto de escassez de recursos, podemos ter casos de um acesso
procedimentalmente justo (ex. numerus clausus);
o O catálogo termina com um conjunto de direitos sociais particulares, circunscritos a pessoas de
especial fragilidade;

➢ Pessoas coletivas: discute-se se são titulares de direitos fundamentais. JPS refere que a discussão não tem
nexo, pois;
o As PC têm direitos próprios específicos enquanto PC;
o Existem ainda direitos fundamentais comuns a particulares e PC, mas nestas com uma dimensão
especial.

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▪ Na liberdade religiosa, os particulares têm a liberdade de professar a sua religião, mas


também comporta uma dimensão institucional - as confissões religiosas;
▪ Os cidadãos e os partidos políticos são titulares de direitos políticos, mas só os segundos
podem concorrer a eleições legislativas.

Para decidirmos se as PC são titulares de direitos fundamentais, há que utilizar um teste de dupla
compatibilidade, onde iremos aferir dois aspetos em função do caso concreto:

• O direito fundamental tem de ser compatível com a personalidade jurídica coletiva;


o Casamento, vida, voto: não podem casar nem votar nas eleições, mas não podem igualmente
ser extintas arbitrariamente pelo Estado
o Direitos pessoais (honra, bom nome e reputação, reserva da intimidade, inviolabilidade do
domicílio): as pessoas coletivas gozam destes direitos para desenvolverem a sua atividade.
▪ Direito ao nome + bom nome e reputação: a tutela deste direito é menor nas PC do
que nas pessoas singulares;
▪ Inviolabilidade do domicílio: proibição de buscas arbitrárias
▪ Direito à reserva da intimidade: não incide sobre a esfera privada, mas sim sobre
documentos/informação sensível;
o Direito de resposta (na comunicação social): gozam deste direito;
o Garantias em processo penal: já existem casos de responsabilidade penal em PC, sendo
tipicamente alvo de sanções pecuniárias.

• O direito fundamental tem de ser compatível com o tipo de pessoa coletiva;


o Liberdade de iniciativa económica:
▪ Os partidos políticos, ou confissões religiosas, não gozam desta liberdade;
▪ As sociedades comerciais ou as fundações (instrumental à sua atividade) gozam;
o Liberdade de criação cultural:
▪ Tipicamente, sociedades não gozam deste direito, embora por vezes sejam
proprietários de obras de arte;
o Apoio judiciário:
▪ Discutiu-se se as sociedades comerciais poderiam beneficiar deste apoio pois, tendo
vocação para o lucro, teoricamente não deveriam de precisar de apoio do Estado ->
o TC pronunciou-se favoravelmente ao apoio13;

13
Acórdão TC 242/2018

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5.2. Princípio da igualdade

5.2.1. Evolução e metodologia

O enunciado clássico do princípio da igualdade surgiu em França com a DDHC em que “todos os homens […]
são iguais perante a lei”. A partir daqui a evolução histórico do pp. da igualdade (art. 12º CRP) comporta três
visões iniciais, correspondentes a três momentos históricos da evolução deste princípio:

5.2.1.1. Pós-revoluções liberais

O pp. da igualdade confundia-se com o princípio da prevalência da lei ou, noutra perspetiva, a igualdade
resolvia-se com a generalidade e a abstração da lei.

• Dada a premissa da absoluta igualdade de todos os homens, a lei tinha de forçosamente tratá-los todos
por igual. era apenas necessário não haver distinção das pessoas consoante a classe para cumprir o
princípio;
• A nível legislativo, o pp. da igualdade estaria cumprido sempre que a lei fosse geral, sem mencionar
destinatários. Sendo que a função legislativa era a função primária, as demais funções (executiva e
jurisdicional) deviam aplicá-la fielmente (lógica de Rosseau);

A primeira visão é, então, uma visão formalista do princípio da igualdade, limitando-se a uma igualdade
perante a lei que devia ser aplicada de forma “mecânica, estrita, genérica, uniforme e imparcial”14. Como seria
de esperar, entrou rapidamente em crise: desde logo, por conviver pacificamente com desigualdades gritantes
na sociedade15; e, por outro lado, pela perda de infungibilidade da lei e da essencialidade da generalidade
enquanto característica da lei.

5.2.1.2. Proibição do arbítrio

O princípio da igualdade evoluiu enquanto “instrumento contra o arbítrio dos poderes públicos”16, isto é, como
limite negativo ao poder político ao proibir discriminações infundadas, com especial relevo das categorias
suspeitas previstas no art. 13º nº2 CRP (cujo elenco é não taxativo);

• Nem todas elas são sempre discriminatórias, dependendo das circunstâncias: a instrução sê-lo-á na
atribuição do direito ao voto, mas não para o acesso aos cursos superiores;
• A proibição do arbítrio recorre a uma passagem da Política de Aristóteles: “tratar o igual pelo igual e o
diferente pelo diferente, na exata medida da diferença”;

14
V. NEVES, Castanheira, O instituto dos assentos, p. 120, em PEREIRA DA SILVA, Jorge, Direitos Fundamentais – Teoria
Geral, 2018, UCE, 1ª edição, p. 74.
15
Anatole France afirmou celebremente que “a lei tanto proíbe o rico como o pobre de viver debaixo da ponte, de pedir
nas ruas ou de roubar”.
16
PEREIRA DA SILVA, Jorge, Direitos Fundamentais – Teoria Geral, 2018, UCE, 1ª edição, p. 73.

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Esta é a base do princípio, mas não basta para a compreensão total do problema, como o próprio Aristóteles
reconhece17. A proibição do arbítrio, enquanto formulação deste princípio, não passa de uma fórmula vazia,
pois não permite identificar nem quais os objetos iguais e os objetos diferentes, mas também não oferece
critérios para determinar o conteúdo do tratamento diferenciado a dar aos objetos qualificados enquanto
diferentes.

Daí que, sem preenchimento valorativo adequado, a fórmula seja vazia e permita o tratamento diferenciado
de pessoas/situações com base em critérios de comparação absurdos. Precisamos, assim, de preenchê-la
valorativamente, com base em dois planos diferentes18:

• O plano em que determinados se os objetos são iguais ou diferentes;


• O plano do tratamento jurídico concedido ou a conceder a esses objetos, relevante quando
determinamos que os objetos são diferentes.

A igualdade será simultaneamente um critério relativo e um critério comparativo, com o seguinte


procedimento na determinação da igualdade ou desigualdade dos objetos:

1) Determinação com rigor dos objetos de comparação;


2) Estabelecimento do fim visado para comparação dos objetos;
3) Definição valorativa, em função do fim, o(s) termo(s) ou critério(s) de comparação adequado(s) para
confrontar os objetos em causa.
a. Quando escolhemos esses termos de comparação sabemos que a princípio não podemos
recorrer a nenhuma das categorias suspeitas que estão no artigo 13º nº2 CRP categorias
suspeitas);
b. Estas características suspeitas não são taxativas, havendo outras importantes como a idade
(art. 59.º CRP) ou até mesmo da sua condição médica fazendo com que a ideia de a existência
de um passaporte vacinação.

Em suma, o princípio da igualdade enquanto forma de proibição do arbítrio do legislador estipula que a sua
violação existirá sempre que, em função do fim visado o critério escolhido para comparar as situações em
confronto seja arbitrário ou desrazoável, mas também injustificado, insuficiente ou tão-somente
inadequado19.

Tem-se por assente que a admissibilidade de um tratamento desigual carece de fundamentação nesse sentido,
ao passo que para o tratamento igual basta que não existam razões justificativas de diferenciação. Por outro
lado, dada a presença constante de margens de autonomia do legislador, uma razão plausível a favor da
desigualdade de tratamento pode não bastar para a imposição ou exigência de tratamento desigual.

Este juízo deve coadunar-se com o princípio da proporcionalidade e, em concreto, com o subprincípio da
proporcionalidade em sentido estrito. Assim, as situações diferentes devem receber um tratamento
diferenciado na exata medida das diferenças detetadas nos objetos em comparação20.

17
“As pessoas identificam um ponto de igualdade ou de diferença e dai tem tendência para concluir que tudo é igual
ou diferente”.
18
PEREIRA DA SILVA, Jorge, Direitos Fundamentais – Teoria Geral, 2018, UCE, 1ª edição, p. 75.
19
Idem, ibidem, p. 76.
20
Idem, ibidem, p. 77-78.

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5.2.1.3. Princípio dinâmico

O princípio visa agora ter em conta a “intencionalidade material da igualdade na própria ideia de justiça
(sobretudo enquanto justiça social)21”, que implica correção ativa das desigualdades reais que a simples
igualdade jurídica (“perante a lei”) não elimina. Consegue-se com a instituição de um conjunto de
discriminações positivas para ser criada uma igualdade material, fáctica, entre as pessoas.

O terceiro momento da evolução contribuiu para o aperfeiçoamento do princípio da igualdade, impondo uma
exigência axiológica à própria lei22. Assim, o princípio da igualdade será usado como “instrumento ativo de
igualização, num quadro de promoção da justiça social e da igualdade efetiva de oportunidades”23, impondo
discriminações positivas em prol dos mais desprotegidos/desfavorecidos.

Se, na proibição do arbítrio, a igualdade intervinha de um ponto de vista negativo, nesta fase será perspetivada
positivamente, impondo ao legislador um esforço permanente nos vários domínios de intervenção tendo em
vista garantir uma igualdade de resultado.

Aqui intervém o conhecido paradoxo da igualdade, perante o confronto entre a análise da


conformidade com a igualdade das atuações estaduais em si (igualdade jurídica) ou as consequências dessas
(igualdade de facto): “quem deseje criar uma igualdade de facto tem de aceitar uma desigualdade de iure e
vice-versa”.

A Constituição não permite o sacrifício da igualdade de facto “no altar da segurança e da certeza
proporcionadas pela igualdade jurídica”. De facto, o texto constitucional concretizou ambas as dimensões de
igualdade analisadas:

• Igualdade de facto: promoção da igualdade entre homens e mulheres (art. 9.º h) CRP) ou o assegurar
da igualdade de oportunidades e a correção das desigualdades na distribuição da riqueza do
rendimento (art. 81.º, al. b), CRP);
o Conteúdo essencialmente programático;
• Igualdade jurídica: sufrágio universal (art. 10.º, n.º 1, CRP) ou igualdade entre os cônjuges (art. 36.º,
n.º 3, CRP);
o Conteúdo essencialmente precetivo.

Desta concretização efetuada pelo legislador constituinte impende sobre o legislador ordinário deveres
específicos de atuação legislativa, cujo incumprimento determina a inconstitucionalidade por omissão24.

21
Idem, ibidem.
22
Cfr. FERREIRA PINTO, Maria da Glória, Princípio da igualdade, p. 54; V. PEREIRA DA SILVA, Jorge, Direitos Fundamentais
– Teoria Geral, 2018, UCE, 1ª edição, p. 78.
23
PEREIRA DA SILVA, Jorge, Direitos Fundamentais – Teoria Geral, 2018, UCE, 1ª edição, p. 78.
24
Idem, ibidem, p. 80.

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Pode haver uma violação do princípio da igualdade por uma omissão de medidas de discriminação positivas?
Pode, desde que a Constituição estabeleça uma ordem de correção dessas desigualdades.

A Constituição estabelece o princípio geral da igualdade no artigo 13º; estabelece depois alguns princípios
especiais de igualdade por exemplo a igualdade entre os trabalhadores (artigo 59º) e de seguida estabelece
algumas proibições específicas de discriminação (por exemplo a proibição da discriminação dos filhos nascidos
fora do casamento - artigo 36º).

Contudo, também estabelece em alguns casos objetivos de correção de desigualdades, ou de uma maneira
mais permissiva ou de uma maneira mais assertiva - de um modo geral o legislador constitucional é mais
permissivo (por exemplo no artigo 109º). Se não houver nenhuma lei a fazer exequível este artigo haverá uma
inconstitucionalidade por omissão.

A dificuldade aqui reflete-se no facto de o legislador ter possibilidade (ou não) de escolher os instrumentos de
correção: não podemos dizer se não existisse um sistema de quotas para mulheres haveria uma
inconstitucionalidade por omissão porque o legislador é livre dever qual é o meio pelo qual vai atingir a
igualdade do artigo 13º; mas há outros casos em que tal não acontece (acesso ao ensino, artigo 74º nº2 CRP).

5.2.2. Patologias e superação


O princípio da igualdade, enquanto mandato de otimização, detém um mandato definitivo de prima facie,
“devendo a sua densificação legislativa ter em conta as possibilidades jurídicas […] bem como as possibilidades
fácticas”25.

Sem prejuízo disso, em determinadas circunstâncias o princípio da igualdade pode impor não apenas a
intervenção do legislador, mas também indicar com uma densidade mínima as soluções que o legislador está
compelido a adotar, adotando então uma natureza própria de regras jurídicas26.

Num primeiro momento, importa esclarecer que o princípio geral de igualdade, enquanto imperativo
legislativo, atua no campo da reposição da igualdade violada, após a decisão legislativa. Decorrente disto, há
que distinguir sobretudo três patologias na aplicação do instituto27:

1. Discriminação injustificada: o igual é tratado de forma desigual;


2. Indiferenciação: o desigual é tratado de forma igual;
a. Se a diferença ente A e B não for substancial – como a “igualdade tem prioridade sobre a
desigualdade” – pode chegar-se à conclusão de que, “apesar de o tratamento diferenciado ser
adequado, um tratamento idêntico não é necessariamente arbitrário” (R. Alexy);
b. Ou seja, o princípio da igualdade é um princípio um pouco assimétrico: faz-se pressão para se
atingir a igualdade; mas, quando as diferenças não são muito substanciais, nem valorativamente
decisivas, não viola o princípio da igualdade por tratamento idêntico.
3. Diferenciação desproporcionada: o desigual é tratado de forma desproporcionadamente desigual

25
PEREIRA DA SILVA, Jorge, Direitos Fundamentais – Teoria Geral, 2018, UCE, 1ª edição, p. 81.
26
Idem, ibidem, p. 81-82.
27
Idem, ibidem.

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É nos casos de diferenciação injustificada que o princípio da igualdade faz recair sobre o legislador um
dever específico de atuação legislativa no sentido de repor a igualdade violada; nos demais casos, ainda que
exista a inconstitucionalidade, este princípio não fornece por si só os elementos necessários para a repor o
respeito pela máxima da igualdade.

Ter em conta ainda que, na economia do princípio, a igualdade tem prioridade sobre a desigualdade, não
bastando tipicamente uma razão plausível para a admissibilidade de um tratamento desigual não é o mesmo
que uma razão bastante para a imposição desse tratamento28. Concluindo, “o imperativo de reposição da
igualdade surge, portanto, da conjugação de dois pressupostos: a força propulsora do princípio geral da
igualdade [e] a atuação do legislador em contravenção com aquele princípio”29.

Este dever, de certo modo paralelo com a figura da ingerência (fonte de responsabilidade civil e penal), tem o
seu conteúdo associado a diferentes técnicas legislativas, resultando dai diferentes configurações do princípio
da igualdade30. A respeito da titularidade de direitos, podem discernir-se três tipos de configurações:

• Exclusão implícita ou silêncio excludente: «A» tem direito a «x»;


• Exclusão expressa: «A» tem direito a «x», mas «B» não tem;
• Duplo tratamento: «A» tem direito a «x» e «B» tem (apenas) direito a «y».

Nos dois primeiros casos, os indivíduos que se consideram excluídos podem formular uma pretensão no
sentido da sua inclusão; no terceiro, os indivíduos pretenderão intensificar o tratamento que lhes é dado.

Paralelamente, a técnica legislativa pode indiciar a natureza das normas em causa:

• Exclusão implícita ou silêncio excludente: a posição de «A» tanto pode ser geral como excecional;
• Exclusão expressa: a posição de «A» será a regra e a posição de «B» a exceção;
• Duplo tratamento: as posições de «A» e de «B?» estarão numa posição de especialidade.

A qualificação do tipo de inconstitucionalidade envolvido nas referidas situações divide a doutrina


constitucionalista, concretamente em saber-se se qualificaremos os cenários como inconstitucionalidades por
ação ou inconstitucionalidades por omissão.

JPS relembra que esta questão apenas se coloca quanto aos cenários de diferenciação injustificada, já que aos
demais cenários aplicar-se-á o regime da inconstitucionalidade por ação (art. 277º CRP). JPS considera que
todos os cenários previstos devem ser submetidos ao regime da inconstitucionalidade por omissão (art. 283º
CRP), dadas as semelhanças substancialmente idênticas entre as hipóteses e, por outro lado, à não decorrência
da Constituição da prioridade da inconstitucionalidade por ação face à inconstitucionalidade por omissão31.

28
Cfr. ALEXY, Robert, Teoria de los derechos…, p. 398 em PEREIRA DA SILVA, Jorge, Direitos Fundamentais – Teoria Geral,
2018, UCE, 1ª edição, p. 83.
29
Cfr. SEIWERTH, Jakob, Zur Zuassigkeit der Verfassungbeschwerde…, p. 70 e ss.; em PEREIRA DA SILVA, Jorge, Direitos
Fundamentais – Teoria Geral, 2018, UCE, 1ª edição, p. 84.
30
PEREIRA DA SILVA, Jorge, Direitos Fundamentais – Teoria Geral, 2018, UCE, 1ª edição, p. 88.
31
Idem, ibidem, p. 90.

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Igualdade Proporcional:

É um dos temas mais polémicos em matéria de princípio da igualdade, na medida em que a igualdade com
proibição do arbítrio constitui ainda uma forma de controlo externo da atividade do poder público e, em
particular, do legislador. À luz deste instituto, permite-se (aos tribunais) uma análise a fundo das medidas
legislativas, cuja trata-se também de uma questão de separação de poderes pois, ao se adotar esta visão da
igualdade proporcional, está-se a dar ao tribunal um enorme poder de controle sobre os conteúdos definidos
pelo legislador.

É um problema pois questiona-se se o balanceamento de poderes que vai dar mais margem de liberdade ao
legislador democrático e mais autocontenção da fiscalização da constitucionalidade ou se pelo contrário vai
haver menos confiança não legislador demográfico e mais intensidade de controlo jurisdicional. Há quem
defenda que o tribunal não deva ir tão longe tendo de dar ao legislador democrático algum tipo de respeito e
um crédito de confiança.

5.2.3. Proteção legal contra discriminações


O princípio da igualdade não tem mais uma natureza puramente negativa, assumindo também uma dimensão
positiva que se traduz na imposição de certas soluções legislativas. Esta questão é relevante a propósito do
artigo 26º nº1 CRP.

O artigo 26º nº1 CRP reconhece a “todos” o direito “à proteção legal contra quaisquer formas de
discriminação”, direito esse que se alia ao princípio da igualdade tendo em vista “formar um todo [para] o
legislador ordinário [ficar] vinculado a adotar providências que asseguram a proteção legal contra todas as
formas de discriminação”32.

Esta norma, de importância inegável, tem importantes consequências33:

• É a única disposição, em toda a lei fundamental, em que a igualdade é consagra enquanto direito
subjetivo autónomo – um DLG pessoal, sujeito ao correspondente regime constitucional;
• O direito abrange tanto discriminações de entes públicos como de entes privados, sejam estas direitas
e indiretas. Incumbe, assim, ao legislador transpô-lo para as relações intersubjetivas privadas.
• Consagra um “direito geral de igualdade”;
• A norma, qualificando a igualdade como um bem jusfundamental, determina que cabe ao Estado não
pô-la em causa através de intervenções arbitrárias e, num segundo momento, oferecer uma “proteção
legal” tão ampla quanto possível.

32
Idem, ibidem, p. 91.
33
Idem, ibidem, p. 91-92.

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5.3. Princípio da pessoalidade


Regulado pelo artigo 14º CRP, este princípio alia-se aos constantes dos artigos 12.º, 13.º e 15.º na tarefa de
delimitação do universo subjetivo dos direitos e dos deveres a que a Constituição reconhece ou atribui
natureza fundamental.

Este princípio, contrariando de certo modo o princípio geral da territorialidade das leis, e caso estejamos
perante direitos e deveres com fonte na lei, ficará reservado para todos aqueles que detenham “um mínimo
de conexão com o respetivo estatuto constitucional”34. Noutro prisma, para evitar problemas decorrentes da
sobreposição destes princípios, caberá ao legislador estadual diligenciar para sanar os inconvenientes dai
resultantes35.

5.3.1. Pressupostos
Importa aqui analisar os pressupostos de aplicação do preceito constitucional em análise:

1) Cidadania portuguesa

Pode ser originária ou derivada, e é irrelevante se os sujeitos residam ou não em território nacional, sem
prejuízo de potenciais diferenciações (permitidas pelo DIP) caso esses portugueses se achem no Estado de que
também são nacionais ou num outro Estado.

O disposto no artigo não impede que o cidadão português, que também seja nacional de um outro Estado (e,
em especial, do Estado onde fixou residência) possa ser total ou parcialmente isento do cumprimento de
alguns dos seus deveres fundamentais36. Quanto à possibilidade de diferenciar a titularidade dos direitos
fundamentais caso os portugueses tenham outra nacionalidade, deveremos fazer uma análise substantiva que
avalie a efetividade da cidadania portuguesa e que atenda à natureza dos direitos em causa37.

2) Ausência do território português

Os cidadãos portugueses devem estar ausentes de território nacional, seja esta de curta ou longa duração,
sejam estes cidadãos emigrantes ou não, e independentemente da regularidade da ausência. Incluem-se,
ainda que sob regimes especiais de DIP38, os portugueses ao serviço do Estado português.

Colhidos os pressupostos, o preceito constitucional atribui aos cidadãos portugueses que se encontram ou
residem no estrangeiro, cujos segmentos tem um alcance distinto:

a) São titulares de todos os direitos que não sejam incompatíveis com a sua ausência do país;
b) Estão sujeitos a todos os deveres que não sejam incompatíveis com a sua ausência do país;
c) Gozam de proteção do Estado para o exercício dos respetivos direitos fundamentais.

34
MIRANDA, MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, V. I, 2017, UCE, 2ª edição, p. 180.
35
Idem, ibidem, p. 181.
36
Idem, ibidem.
37
Idem, ibidem, p. 182.
38
Idem, ibidem, p. 183.

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Assim, além de estabelecer o critério para a determinação do acervo de direitos e vinculações de que os
cidadãos são titulares ou estão adstritos, o artigo impõe ao Estado que lance mão dos instrumentos que tem
à sua disposição – proteção diplomática/consular – para garantir a efetividade dos direitos destes cidadãos39.

O dever de proteção refere-se apenas aos direitos fundamentais. Quanto aos deveres, o Estado goza
de um ius avocandi que lhe permite chamar os seus cidadãos no estrangeiro para cumprirem funções públicas
ou determinadas obrigações. Já os direitos fundamentais mencionados no primeiro e no terceiro segmento
são distintos – os primeiros são privativos da relação jusfundamental constitucional entre Estado português e
cidadão; no segundo caso, dado envolver um terceiro Estado, são aqueles que lhes podem ser

Este não apresenta como limite a ausência de territorialidade pois pressupõe justamente que os cidadãos
estejam no estrangeiro para beneficiarem de proteção. Logo, se nos dois primeiros segmentos temos uma
relação bilateral entre Estado português e cidadãos, no terceiro segmento temos uma relação triangular, que
envolve o Estado estrangeiro onde se situa o cidadão, impendendo sobre o estado português quer um dever
de apoio ou colaboração como um dever de proteção.

5.3.2. Princípio de diferenciação


A incompatibilidade com a ausência do país tem de ser aferida em cada direito e em cada dever 40. Podemos,
contudo, identificar casos de incompatibilidade formal e incompatibilidade material:

• Incompatibilidade formal: a Constituição exclui expressamente os portugueses no estrangeiro da


titularidade de certos direitos
o Referendo político nacional (arts. 115.º, n.º 12, e 121.º, n.º 2, CRP): participam os portugueses no
estrangeiro com ligação efetiva à comunidade nacional e caso seja matéria que lhes diga
diretamente respeito;
o Participação na eleição para PR (art. 121.º, n.º 1, 2ª parte, e n.º 2, CRP): participam os portugueses
no estrangeiro com ligação efetiva à comunidade nacional.

• Incompatibilidade material: a natureza jurídica de determinados direitos impõe que sejam restringidos em
função de interesses constitucionalmente relevantes.
o Participação nas eleições legislativas: o seu voto tem um menor peso face ao dos cidadãos em
território nacional (art. 149.º, n.º 2, CRP);
o Ausência de direito de voto nas eleições autárquicas e nos correspondentes referendos locais
(arts. 239.º, n.º 2, e 240.º, n.º 1, CRP).

Enuncia-se, assim, um “princípio de diferenciação entre residentes e não residentes no que respeita à
capacidade eleitoral ativa e passiva”41.

39
MIRANDA, MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, V. I, 2017, UCE, 2ª edição, p. 184.
40
Idem, ibidem, p. 185.
41
Idem, ibidem, p. 186.

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Noutro prisma, podemos ter casos de impossibilidade relativa, em que embora os portugueses no estrangeiro
sejam titulares de determinados direitos fundamentais, razões de ordem prática inviabilizam que os cidadãos
possam exercê-los contra o Estado ou que este tenha graves dificuldades em assegurar, além-fronteiras, o
exercício desses direitos ou o cumprimento de certas vinculações (ex. garantias em processo penal).

5.3.3. Proteção diplomática


O terceiro segmento normativo tem sido interpretado como o título habilitante da proteção diplomática, o
principal mecanismo de reação dos Estados em relação à violação (ou ameaça de violação) dos direitos dos
seus cidadãos no estrangeiro.

Podemos, então, configurar aqui um verdadeiro direito fundamental dos cidadãos a requererem e
obter proteção estadual – direito fundamental de segundo grau, destinado à tutela jurídica de outros direitos
fundamentais, mas não análogo aos DLG porque o seu conteúdo é claramente positivo, estando largamente
dependente de concretização legislativa42.

Não havendo disposições legislativas concretizadoras, este direito subsiste, então, na sua dimensão mais
irredutível: enquanto o direito a que a proteção diplomática não seja recusada arbitrariamente43, devendo tal
recusa estar cabalmente fundamentada44. Não constituirá fundamento legitimo, em sintonia com o artigo 7.º,
n.º 1, CRP, a recusa tendo em vista a manutenção de boas relações diplomáticas com os outros Estados.

Embora não seja fácil definir-se um leque estável, o direito de proteção diplomática abrange:

• Ameaças contra direitos de portugueses levadas a cabo por indivíduos, grupos ou entidades
particulares sob a sua jurisdição, bem como ameaças que resultam de causas naturais ou de fontes
relativamente difusas (condicionado à imputação da responsabilidade dos atos ao Estado
estrangeiro);

• Violações já consumadas de direitos no exterior, bem como as situações de perigo e risco


jusfundamental;

O direito à proteção diplomática não começa apenas no momento em que o cidadão português esgotou os
recursos disponíveis no país de acolhimento, nem cessa pelo facto de o nacional português dispõe de acesso
direto a vias jurisdicionais internacionais contra o Estado infrator.

Podendo a proteção diplomática ser perspetivada de forma mais ampla ou restrita, JPS considera que o artigo
14.º CRP aponta para o primeiro cenário, configurando uma proteção diplomática que integra “a totalidade
das formas de assistência concedida pelo Estado, através da diplomacia, aos seus nacionais que se encontram

42
MIRANDA, MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, V. I, 2017, UCE, 2ª edição, p. 186-187.
43
Idem, ibidem, p. 191.
44
Conforme aos princípio geral de fundamentação (arts. 136.º, n. º 1, 205.º, n.º 1, 268.º, n.º 3, CRP).

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no estrangeiro ou nele tenham interesses a preservar”45. Incluem-se, além da proteção diplomática ss.,
proteção ou apoio consular, simples diligências e formas de atuação diplomáticas, a pressão económica, etc.

Embora tenham sido dados passos importantes no sentido da proteção internacional dos direitos
humanos, o quadro internacional é de inexistência de vias processuais acessíveis e capazes de garantir, no
plano prático, uma proteção efetiva dos direitos humanos. Dado este enquadramento, a proteção diplomática
continua a ter uma importância fulcral para garantir a defesa dos direitos dos cidadãos dos Estados.

Como corolário da atribuição deste direito fundamental, as decisões de atribuição ou rejeição de participação
diplomática são suscetíveis de serem controladas pelos tribunais, devendo verificar se as decisões der recusa
expressa ou tácita em prestar proteção violam ou não a proibição do arbítrio decorrente do princípio do Estado
de Direito democrático46.

45
Idem, ibidem.
46
Idem, ibidem, p. 192.

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5.4. Princípio da equiparação (territorialidade)


O princípio geral da equiparação entre os direitos e os deveres dos estrangeiros e apátridas que se encontram
ou residam em território português, por um lado, e os direitos e deveres dos cidadãos portugueses, por outro,
encontra-se previsto no artigo 15.º, n.º 1, CRP. Dois aspetos a referir: a opção do legislador nacional pelo
princípio do tratamento nacional dos estrangeiros e uma segunda equiparação entre os estrangeiros
residentes em território nacional e aqueles que se encontrem no mesmo47.

O artigo 15.º, n.º 2, CRP prevê quatro conjuntos de exceções ao referido princípio:

1) Direitos políticos;
2) Exercício de funções sem natureza predominantemente técnica;
3) Outros direitos reservados pela Constituição aos cidadãos portugueses;
4) Os direitos reservados por lei aos cidadãos portugueses.

Se a equiparação se refere a todos os direitos – incluindo os provenientes de lei ordinária48 – e deveres, as


exceções parecem referir-se apenas a direitos.

Os números seguintes (3,4,5) consagram exceções às exceções do artigo 15.º, n.º 2, CRP, alargando ainda mais
o princípio da equiparação relativamente a algumas categoriais de estrangeiros residentes em Portugal:
poderá atribuir-se, por lei e em condições de reciprocidade, alguns dos direitos que, em princípio, seriam
reservados aos portugueses.

5.4.1. Regime geral


A proximidade sistemática deste artigo com os demais já analisados (arts. 12.º-14.º CRP) permite tirar as
seguintes ilações49:

1) O artigo 15.º CRP alargou o campo de aplicação dos princípios da universalidade e da igualdade a
todos os indivíduos sujeitos á jurisdição nacional.
2) O princípio vale igualmente para as pessoas coletivas estrangeiras ou internacionais, beneficiando dos
mesmos direitos e estando adstritas aos mesmos deveres das pessoas coletivas da mesma natureza;
3) A equiparação assume-se como um corolário do princípio da igualdade, devendo a sua fiscalização
atender ao respeito pelo referido princípio;
4) Por coerência com o artigo 14.º CRP, o facto de os estrangeiros em Portugal beneficiarem, por regra,
dos mesmos direitos e deveres dos portugueses não os impede de serem também titulares de direitos
e estarem adstritos a deveres em face dos respetivos países de origem.

O sistema de regras e exceções previsto pelo artigo 15.º CRP faz dele norma especial face ao princípio
da universalidade, mas não (necessariamente) em relação ao princípio da igualdade (na medida em que este

47
PEREIRA DA SILVA, Jorge, Direitos Fundamentais – Teoria Geral, 2018, UCE, 1ª edição, p. 98.
48
Acórdãos TC 423/2001 e 72/2002.
49
PEREIRA DA SILVA, Jorge, Direitos Fundamentais – Teoria Geral, 2018, UCE, 1ª edição, p. 99-100.

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Inês Friães dos Santos/Ricardo Costa Amaro

rege o conteúdo dos direitos)50. As qualidades de cidadão e de estrangeiro ou de apátrida não devem relevar,
à partida, para a conformação legislativa dos respetivos direitos, daqui retirando-se que, se o vínculo de
cidadania tem implicações a nível da titularidade/adstrição a direitos/vinculações, tal não deve relevar para o
conteúdo dos direitos em si51.

Questão mais controversa52 é precisar se a aplicação do princípio da equiparação pressupõe a


presença ou residência em território nacional conforme com a lei portuguesa. JPS admite que a resposta a
esta questão deve ser positiva, dada a grande relutância dos Estados em reconhecer, por via legislativa ou
convencional, a titularidade de direitos fundamentais a indivíduos em situação ilegal.

Contudo, a dignidade da pessoa humana e a vinculação do Estado português a convenções internacionais de


direitos humanos impõe que os imigrantes ilegais beneficiem a priori de um conjunto de direitos fundamentais
– os elencados no artigo 19.º n.º 6 CRP e os integrantes do international human rights standart – podendo
outros serem incluídos em função do caso concreto.

O principal problema, contudo, ocorre no plano do exercício efetivo e da proteção jurídica dos indivíduos em
situação ilegal, em posição muito mais fragilizada face aos demais. De modo a salvaguardar a dignidade da
pessoa humana destes indivíduos, tipicamente sujeitos a tratamentos degradantes, incumbe sobre os Estados
um dever de proteção da dignidade dos imigrantes ilegais, definindo mecanismos que permitam aos indivíduos
gozar, exercer, ou obter proteção para os seus direitos mais elementares53.

5.4.2. Exceções
As quatro exceções ao princípio da equiparação são as enunciadas acima54. As três primeiras são
verdadeiramente imperativas; a última, por sua vez, traduz uma simples autorização para o legislador restringir
o dito princípio.

1) Direitos políticos

Dentro destes direitos encontram-se sobretudo os DLG de participação política elencados no capítulo II, do
título II, da parte I da Constituição, aliados aos previstos no artigo 167.º, n.º 1, CRP e no artigo 240.º, n.º 2,
CRP (ex. direito de sufrágio ou direito de iniciativa legislativa).

JPS ressalva que é muito duvidoso a inclusão integral do direito de petição e do direito de ação popular (art.
52.º CRP) entre os direitos políticos, pois estes podem ser usados apenas como instrumentos de tutela dos
direitos dos indivíduos lesados por atuações ou omissões dos poderes públicos55.

50
Idem, ibidem.
51
Idem, ibidem, p. 101.
52
Idem, ibidem, p. 102 – 103.
53
Idem, ibidem, p. 104.
54
Direitos políticos, o exercício de funções públicas sem natureza predominantemente técnica, outros direitos
reservados pela Constituição aos portugueses e os direitos reservados por lei aos cidadãos portugueses
55
PEREIRA DA SILVA, Jorge, Direitos Fundamentais – Teoria Geral, 2018, UCE, 1ª edição, p. 106.

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2) Exercício de funções com carácter predominantemente técnico

O conceito indeterminado previsto por esta exceção deve ser interpretado como referente a funções em que
predomina o exercício de prerrogativas de autoridade pública56. Não está, assim, em causa o desempenho de
determinadas funções mais qualificadas – nada impede um médico estrangeiro de trabalhar em Portugal.

Estará, deste modo, em causa alargar a reserva existente em favor dos portugueses quanto ao direito de
acesso a cargos públicos (art. 50.º CRP) sempre que estas:

• Assumam uma componente política relevante;


• Impliquem uma participação ativa no exercício de funções soberanas;
• Exijam uma ligação de fidelidade ao Estado;
• Permitam o exercício autónomo de prerrogativas públicas.

Falamos, por exemplo, de funções exercidas por magistrados, forças de segurança e militarizadas, diplomacia
e ainda alguns altos cargos administrativos. Em consequência, serão inconstitucionais todas as disposições
legais que exijam a cidadania portuguesa como requisito para o preenchimento e desempenho de funções
públicas sempre que não revistam nenhuma das quatro características apontadas.

3) Direitos reservados pela Constituição aos cidadãos portugueses

Incluem-se nesta categoria os seguintes direitos:

• Direito à proteção diplomática e consular (artigo 14.º CRP);


• Direito a nunca ser expulso do território português (artigo 33.º, n.º 1, CRP);
• Direito a não serem extraditados do território nacional (art. 33.º, n.º 3, CRP);
• Direito de defesa da Pátria (artigo 276.º, n.º 1, CRP).

JPS afirma ainda que, interpretando conjugadamente os artigos 15.º e 44º CRP, podemos concluir que dos
direitos indicados no último preceito, a Constituição atribui diretamente, sem mais, aos cidadãos o direito de
entrar e permanecer em território português; sendo que os demais, por força do princípio da equiparação,
são atribuídos a estrangeiros.

4) Direitos reservados por lei aos cidadãos portugueses

Esta exceção – ancorada no artigo 165.º, n.º 1, b), CRP – permite ao legislador ordinário o alargamento da lista
de direitos reservados aos cidadãos portugueses.

Esta permissão tem um alcance reduzido, assente em vários limites:

• O elenco de DLG insuscetíveis de suspensão em estado de sítio;


• Respeito pelos princípios da igualdade e proporcionalidade;

56
Idem, ibidem, p. 106.

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• O respeito pelas condições de legitimidade do artigo 18.º CRP (dado que leis deste teor são tidas como
leis restritivas);
• Devem estar em causa direitos que tenham fortes implicações de carácter social57.

Problemas tem sido suscitados quanto a disposições que estabeleçam certas condições – de reciprocidade ou
de residência – para que os estrangeiros possam ser titulares desses mesmos direitos. É o caso do artigo 14.º
do Código Civil, cujo número 2 provoca profunda discussão dada a aparente restrição ilegítima ao princípio da
equiparação58. Noutro prisma, como afirmou já o Tribunal Constitucional, não se pode condicionar a
titularidade de certos direitos ao estatuto/período permanente de residência59.

5.4.3. Exceções às exceções


Os números 3,4,5 lançam as bases para o reconhecimento de alguns direitos de cidadania a certas categorias
de estrangeiros. Estes números apresentam pontos de contacto e diferenças entre si.

• Pontos de contacto:
o Exigência de condições de reciprocidade, que não tem de ser estabelecidas por convenção
internacional;
o Exigência de residência em território português;
o A definição por lei ou convenção internacional do regime de atribuição a estrangeiros dos direitos
em causa;
o Apenas se referem a direitos, pelo que os estrangeiros seus titulares não estão, em princípio,
sujeitos aos correspondentes deveres de participação política.
• Diferenças:
o Nº3: tem acesso apenas os estrangeiros dos Estados de língua oficial portuguesa no que toca a
todos os direitos de cidadania;
o Nº4: todos e quaisquer estrangeiros, no que se refere aos direitos de elegerem e serem eleitos
para os órgãos das autarquias locais;
o Nº5: tem acesso apenas cidadãos europeus, no tocante aos direitos de elegerem e serem eleitos
deputados ao Parlamento Europeu.

O confronto entre preceitos permite individualizar as cidadanias de segundo grau (como a cidadania lusófona
– nº3) e a cidadania de sobreposição (cidadania europeia – nº5)

57
Cfr. DE ANDRADE, Vieira, Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, Coimbra, 2001, p. 132 em
PEREIRA DA SILVA, Jorge, Direitos Fundamentais – Teoria Geral, 2018, UCE, 1ª edição, p. 116
58
V. PEREIRA DA SILVA, Jorge, Direitos Fundamentais – Teoria Geral, 2018, UCE, 1ª edição, p. 117.
59
Idem, ibidem, p. 118 – 119.

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ANEXO
Nota: Direito à Família - referência constitucional (Dia do Pai)

A família tem ampla referência constitucional, nomeadamente no artigo 36º que diz que todos têm direito a
constituir família e de contrair casamento o que evidentemente dissocia uma coisa da outra fazendo que
construir família não está associado necessariamente a existência de um casamento havendo outras formas
de constituir família por exemplo a filiação. No mesmo artigo também é referido que os pais têm o direito e o
dever de educação e criação dos filhos sendo um direito e um dever, como muitos consagrados na Constituição
(nomeadamente o direito à saúde, ambiente etc.), e também é referido no mesmo artigo que os pais e os
filhos não podem ser separados salve quando estes não cumpram os seus deveres parentais e mediante
decisão judicial.

→ Entre os direitos económicos sociais e culturais estão as dimensões positivas e que impendem deveres de
prestação por parte do estado - artigo 68º nº2 - introduz neste domínio uma dimensão valorativa. Há outras
disposições que constituem diferenciações positivas a favor das Mulheres durante a gravidez e após o parto
nomeadamente o princípio da igualdade. Há também diferenças positivas feitas quanto aos jovens e crianças
que carecem de especial proteção.

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6. Força jurídica das normas jusfundamentais: “direitos como um


todo”

6.1. Bens jusfundamentalmente protegidos: uma realidade estratiforme


A ideia de “direito fundamental como tudo” é introduzida pelo autor alemão Robert Alexy, alertando para a
natureza altamente complexa dos direitos fundamentais.

O autor ficou conhecido por introduzir a ideia de que, mais do que regras/normas, cada direito
fundamental deve ser encarado como um “princípio”, que se relaciona com os demais direitos numa lógica de
otimização: cada direto fundamental deve ser entendido com um sentido tão amplo quanto possível, numa
relação de coordenação e delimitação recíproca entre direitos fundamentais.

O art. 18º CRP é visto pela maioria da doutrina como uma norma referente às restrições sobre direitos
fundamentais. Contudo, a epígrafe do artigo é “força jurídica”; e se é verdade que os números 2 e 3 tratam
das restrições aos direitos fundamentais, o mesmo não se passa com o número 1. Neste sentido, o objetivo
do preceito é proteger os direitos fundamentais, garantindo-lhes o máximo alcance possível.

6.2. Armadura jurídica


Os direitos fundamentais são estruturas normativas complexas de proteção de um determinado bem (ex. o
direito à vida é uma estrutura que visa proteger o bem jurídico vida). O objeto de proteção do direito pode ter
alguma base empírica ou ter base estritamente jurídica (ex. propriedade - a propriedade não tem um suporte
material, sendo a possibilidade jurídica de os sujeitos aproveitarem as potencialidades de uma dada coisa/bem
imaterial).

Podemos perspetivar esta relação perspetivando os direitos como “armaduras jurídicas” dos bens jurídicos.
Nesta ideia de estrutura normativa é possível identificarmos um conjunto de institutos e subdistinções
relevantes:

• Núcleo: conjunto de faculdades identitárias do direito;


• Periferia: instrumentos de defesa ou até faculdades acessórias (acidentais);

Os direitos não são realidades estáticas: as suas faculdades podem interagir entre si, levando a que uma
mesma conduta seja protegida por uma coligação de direitos (ex. a produção de um cartoon é protegido quer
pela liberdade de expressão quer pela liberdade de criação cultural). Notar que, embora se possam aproximar
entre si, os direitos fundamentais não estão hierarquizados entre si em função da sua importância.

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6.2.1. Noção de bem jurídico

O bem jurídico concede valor positivo em virtude do seu contributo para autorrealização do homem enquanto
individualidade social e, portanto, tutela através de normas de conduta - permissivas ou proibitivas - ou
também eventualmente através de normas sancionatórios.

Ora é preciso ter atenção de que nem todos os bens vídeos revelam tão claramente como o exemplo da vida
humana não tendo sempre uma relação tão óbvia e direta com o respetivo bem jurídico protegido - que no
caso do exemplo é a vida.

Bem jurídico não tem de ser uma realidade material e tangível apreensível pelos sentidos, mas tem de ser uma
realidade sentido social, ou seja, cuja ameaça e cuja lesão sejam também jurídica e socialmente percetíveis.

Há direitos fundamentais que, em especial quando considerados como todo, tutelam diferentes bens jurídicos
e também existem bens jurídicos cuja proteção se encontra repartida por mais do que um direito (ou até
mesmo disseminada por categorias de direitos fundamentais – ex: direitos políticos, direitos culturais, direitos
de defesa em processo penal

Uma característica muito importante dos bens jurídicos é que são realidades estratiformes → a ideia é de que
o bem jurídico tem vários estratos – o bem jurídico é uma construção que o bem jurídico tem uma dimensão
empírica e uma dimensão jurídica.

Ao contrário do que se por vezes diz o conceito de bem jurídico não se trata apenas de captar e processar
informação do mundo exterior através dos quadros próprios do mundo do direito, nem menos ainda de
simplesmente traduzir esse mesmo mundo em linguagem jurídica.

Há uma ideia que traduz que os bens jurídicos são um constructos, que resulta simultaneamente da ciência
jurídica e do direito positivo, numa relação dialética social - ou seja é importante para se perceber no que se
traduz verdadeiramente a lesão a simples ameaça de lesão de um bem jusfundamental.

Há uma conceção mais extrema quanto ao conceito de bem jurídico que desmaterializa - basicamente veio
dizer que o bem jurídico não tem existência fora da norma de conduta ou até da norma sancionatória - isto
vai contra a teoria penalista

A. Direitos Fundamentais ≠ Bens Jurídicos Protegidos:

É importante preservar a diferença entre direitos fundamentais e os correspondentes bens jurídicos


protegidos. De facto, têm alguns pontos em comum nomeadamente:

• Ambos funcionam como meios simbólicos de proteção e de criação de espaços de realização individual
e social dos cidadãos
• Da mesma forma os interesses de ambos constituem em o substrato empírico tanto de direitos
subjetivos como de bens jurídicos

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Apesar destas semelhanças têm uma clara distinção que é que para se ser titular de um bem jurídico significa
ter um interesse não exclusivo na preservação de algo tido comummente como valioso - o bem jurídico tem
uma dimensão mais objetiva (institucional) e passiva. Enquanto ter um direito significa ter a de fazer algo e ao
tempo a pretensão de que terceiros (incluindo o Estado) não interfiram nesse espaço de liberdade da ação.

Os direitos não são realidades estáticas: As suas faculdades podem interagir entre si, levando a que uma
mesma conduta seja protegida por uma coligação de direitos (ex a produção de um cartoon é protegido quer
pela liberdade de expressão quer pela liberdade de criação cultural).

No que se traduz a violação do bem jurídico? → Ocorre pela quebra da relação de afetação e disponibilidade
que se estabelece entre o objeto da proteção e o titular do direito correspondente.

B. Bens Jurídicos vs. Bens Penais:

Esta distinção entre direitos fundamentais e bens jurídicos fundamentais mostra-se muito no direito penal
pois o direito penal é em larga medida um instrumento de proteção de bens jurídicos diz que também são
protegidos por normas direitos fundamentais. Outro aspeto destes 2 bens é o facto de consoante a
importância do bem jurídico violado mais pesada é a pena penal - uma das críticas que se faz ao nosso código
penal é que as penas para os crimes patrimoniais (que protegem a propriedade em sentido amplo) - são
igualmente pesadas às normas que protegem bens jurídicos pessoais.

C. Bem Jusfundamental e Multifuncionalidade:

Com isto, é possível entender que o conceito de bem jurídico tem ficado omisso quanto ao conceito
de direitos fundamentais – no entanto, tem assumido alguma importância dogmática constitucional, embora
já no Acórdão 85/85 sobre o abordo, os juízes do TC tivessem referido “que a vida intrauterina compartilha da
proteção que a CRP confere à vida humana enquanto bem constitucionalmente protegido (isto é, valor
constitucionalmente objetivo), mas não pode gozar da proteção constitucional do direito à vida propriamente
dito – que só cabe a pessoas.”

Apesar desta omissão, a doutrina criminalista é a única que tem feito um esforço acrescido de forma
a encontrar um conceito de bem jurídico de forma que consiga legitimar a ação do legislador penal à luz do
princípio da proporcionalidade quando se trata de estipular incriminações e penas.

Desde modo foi pensada uma conceção pessoal do bem jurídico → tem-se entendido que integram este
conceito as realidades ou fins que são necessários para uma vida social livre e segura, que garantam os direitos
humanos e fundamentais do indivíduo, assim como para o funcionamento do sistema estatal erigido para a
consecução de tal objetivo”.

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• Esta doutrina, no entanto, não é pacífica, mas é um elemento que demonstra a multifuncionalidade
do conceito de bem jurídico.
• Como? → Pois o conceito de multifuncionalidade do bem jurídico vem dizer que só o bem
jusfundamental pode constituir o cimento agregador de cada direito fundamental, em torno do qual
se entrelaçam as suas diferentes faculdades e todas as suas dimensões se desenvolvem.

Como vimos, os direitos são compostos por faculdades, mais ou menos periféricas. Estas podem ser
faculdades subjetivas – acionáveis junto dos tribunais; e faculdades objetivas – dimensões valorativas, não se
traduzindo em faculdades acionáveis em tribunal;

Por último, temos ainda uma conformação do direito entre a Constituição e a lei. São poucos os direitos
que dispensem de concretização legislativa – caso da liberdade de consciência; mas em geral, a lei inclui
instrumentos que diversifiquem a armadura (ex. direito à vida: a vida é o bem jurídico; e a armadura de
proteção inclui a norma do Código Penal que proíbe o homicídio).

6.3. Aplicabilidade direta


O artigo 18º nº1 CRP trata da aplicabilidade direta das normas constitucionais referentes a DLG: estes direitos
podem ser invocáveis na ausência e contra a lei.

Historicamente, traduz uma reação histórica contra a Constituição de Weimar, em que se defendia
uma teoria das liberdades segundo a lei: a Constituição não bastava para incluir direitos na esfera dos cidadãos,
logo era uma liberdade em conformidade com a lei. A norma do art. 18º CRP, inspirada na Constituição de
Bona, visa marcar posição contrária à remissão para o legislador igualmente presente na Constituição de 1933.

A aplicabilidade direta é uma vocação das normas constitucionais que consagram DLG, direitos
análogos aos DLG e direitos sociais na sua dimensão negativa – são, sempre que possível, diretamente
aplicáveis. Neste sentido, encontramos uma manifestação do pensamento de Alexy, traduzindo uma diretriz
dirigida aos tribunais, mas tem de ter em conta os limites metodológicos ao desenvolvimento jurisprudencial,
impostos pela separação de poderes – o juiz não pode transformar-se em legislador, que deve tem de ter uma
significativa margem de conformação.

As normas serem diretamente aplicáveis não significam serem exequíveis por si mesmas: esta
classificação respeita às relações entre as normas constitucionais e o legislador; a aplicabilidade direta trata
da relação entre as normas constitucionais de DLG e os tribunais.

Partindo aqui, a determinabilidade das normas vai aumentando consoante a sua crescente aplicação
jurisprudencial. Logo, ainda que as normas não sejam exequíveis em si mesmas, não deixam de ser
diretamente aplicáveis (ex. objeção de consciência (art. 41º CRP) – se não houver diploma legal a prever
expressamente a possibilidade de invocação de uma objeção de consciência, não restam dúvidas que tal não
é impeditivo de este instituto ser invocado);

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6.4. Vinculação das entidades públicas


Além de aplicabilidade direta, o art. 18º nº1 CRP fala da vinculação de todas as entidades públicas.

A referência aqui efetuada tem de ter um significado mais amplo do que a que consta do art. 3º nº3 CRP – “a
validade de todos os atos jurídico-públicos dependem da sua conformidade com a Constituição”. No referido
artigo, a vinculação dos poderes públicos é delimitada pela negativa, em que estes não podem desrespeitar a
Constituição.

Ora, o art. 18º nº1 não pode ser redundante: as normas sobre DLG produzem uma vinculação mais forte do
que as demais normas constitucionais, conduzindo a uma vinculação pela positiva – as entidades públicas
devem promover o exercício dos direitos fundamentais num ambiente propício para tal, livre de
constrangimentos.

Todas as funções do Estado estão vinculadas, mas com especificidades concretas em cada uma:

➢ Função política: no plano internacional, na celebração de acordos internacionais, o Estado português deve
respeitar os direitos fundamentais consagrados quer na CRP quer noutras Convenções de que o Estado
português faz parte. Logo o Estado:
o Não deve participar em OI que não respeitem os direitos fundamentais.

➢ Função legislativa: o legislador democrático possui um conjunto de deveres que começam por ser
negativos, mas são sobretudo positivos:
o Proteção dos direitos fundamentais, segundo a lógica triangular;
o Conformação de institutos jurídicos fundamentais para o exercício de direitos (ex. sem regime
para o casamento não se pode exercer a liberdade de casar);
o Concretização de normas não exequíveis por si mesmas;
o Emanação de normas de organização, procedimento e processo:
▪ Organização: (ex. existência da ERC para ordenar o exercício da liberdade de imprensa);
▪ Procedimento: (ex. normas que regulam o acesso ao ensino superior público);
▪ Processo: normas para a tutela jurisdicional dos direitos
o Avaliação e correção das leis vigentes: o legislador tem um dever de seguimento das suas leis, de
modo a acompanhar as vicissitudes da sociedade/ordenamento jurídico (ex. inconstitucionalidade
superveniente da lei);

➢ Função administrativa: a administração pública está igualmente vinculada:


o Regulamentação: algumas leis sobre direitos fundamentais carecem de ser explanadas em
regulamentos;
o Atos administrativos/operações materiais: as operações materiais são muito importantes para
atividade da Polícia (art. 272º CC) – rusgas, investigação criminal, etc.;
o Atividade planificadora: elaboração de planos urbanísticos;
o Fiscalização administrativa da constitucionalidade: tema muito controverso

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▪ A fiscalização pelos Tribunais está consagrada no art. 204º CRP, que detém um poder
funcional de recusa de aplicação de lei com fundamento da inconstitucionalidade;
▪ O art. 266º CRP subordina a atividade da AP à Constituição e à lei, mas não fala explicitamente
desta possibilidade de recusa:
▪ JPS sustenta que a AP, em termos genéricos, não possui este poder; mas os termos desta
discussão sofrem alterações a respeito do art. 18/1 CRP por incidirem sobre DLG:
▪ Dá-se como argumento tipicamente a impreparação jurídica dos funcionários
públicos, a descentralização a AP e a impraticabilidade decorrente da atribuição do
poder a 500.000 funcionários públicos;
▪ Contudo, JPS sustenta que em casos de evidente violação de DLG não faz sentido a
AP fazer pender sobre os particulares o ónus de recorrerem aos Tribunais;
• Os contribuintes impugnam em regra os atos de liquidação de determinados
impostos. Ora, sendo-lhes dado razão, não faz sentido a AP continuar a
aplicar um regime previamente julgado inconstitucional, ainda que os
particulares que venham ser alvo deste não tenham impugnado a decisão.
o Logo, não faz sentido a AP aplicar uma lei esterlizadamente face aos
antecedentes judiciais.
o Fuga para o Direito Privado: tendência da AP para agir em conformidade com o Direito
Privado, procurando subtrair-se ao cumprimento de regras impostas pelo Direito
Administrativo e pelo Direito Financeiro -> não pode haver fuga em matéria de DLG.

➢ Função judicial: a vinculação dos tribunais aos DLG resulta dos artigos 202º CRP e 20º nº5 CRP, bem como de
dois momentos fundamentais:
o Fiscalização concreta da constitucionalidade (art. 204º CRP): poder-dever de oficiosamente recusar a
aplicação das leis lesivas de DLG;
o Dever de interpretação conforme quer à Constituição quer à DUDH (art. 16º CRP);

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7. Vinculação das entidades privadas


A vinculação das entidades privadas consta do artigo 18.º, n.º 1, CRP. Esta norma é original no direito
constitucional comparado, mas atualmente é evidente que os entes privados devem respeitar os direitos
fundamentais sob pena de atingirmos um paradoxo ético.

Recordando as estruturas básicas das relações jurídicas de direitos fundamentais, temos:

1. Modelo original: os direitos fundamentais são direitos de defesa contra o Estado;


2. Modelo da reta descendente: típico dos direitos sociais – cidadãos como credores de prestações
sociais;
3. Modelo da vinculação intersubjetiva privada: esta discussão iniciou na década de 1970 no âmbito das
relações laborais na área do direito do trabalho, em que um tribunal alemão afirmou que as entidades
privadas tem de respeitar os direitos dos trabalhadores.

Atualmente, a maioria dos problemas convocam-se em questões de discriminação dos sujeitos ou, de outro
modo, na vinculação dos privados ao princípio da igualdade.

A igualdade surge na Constituição enquanto um princípio de atribuição de direitos, que preside à sua
atribuição; mas sem prejuízo deste enunciado objetivo, a igualdade possui outras concretizações no texto
constitucional, em que a não discriminação se configura como um direito. É o caso do art. 26º nº1 CRP: a
igualdade surge como um direito subjetivo dos indivíduos de serem protegidos contra quaisquer formas de
discriminação, estaduais e entre privados.

7.1. A redescoberta desta temática


Em termos dogmáticos, a vinculação entre privados não é uma questão propriamente nova. Ainda que ele
tenha sido recolocado a respeito das relações laborais, a questão dos sujeitos privados como ameaças aos
direitos dos seus pares remonta ao debate entre Hobbes e Locke e, assim, ao período antes do próprio
constitucionalismo.

Recorde-se que Hobbes afirmava que o homem era o maior inimigo dele próprio; todavia, o constitucionalismo
foi construído em torno das ideias de Locke: este queria garantir que o poder instituído no estado de sociedade
não se volta contra os cidadãos. O problema estaria não nos cidadãos em si, mas na “criatura nova” que era o
Estado.

A questão ganhou relevância mais recentemente com o crescente respeito dos poderes públicos dos
direitos fundamentais - ganhou-se maior noção de que os entes privados eram ameaças muito fortes aos
direitos fundamentais dos cidadãos. As relações laborais foram o teaser da discussão sobre este problema pois
estas não são verdadeiramente horizontais, embora envolvam sujeitos privados – o empregador tem sempre
uma posição de supremacia face ao trabalhador (aquele tem poder de direção, supervisão e disciplinar). A
partir daqui, começou-se a descobrir outras áreas em que as relações entre privados não são relações entre
iguais.

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Inês Friães dos Santos/Ricardo Costa Amaro

Esta discussão levanta muito polémica entre os “privatistas”, pois este tema tem importantes
consequências para valores estruturantes do Direito Civil como a autonomia privada. Esta discussão não é, no
entanto, maioritariamente de direito privado, mas sobretudo de direito público – o Direito Penal, nas
incriminações previstas no Código Penal, visam proteger bens jusfundamentais (as normas do Código Penal
são uma consequência do princípio segundo o qual não se pode lesar os direitos de outrem)

Não é igualmente um problema de eficácia horizontal. De facto, as relações entre privados nunca são
100% horizontais, porque uma das partes terá sempre, pelo menos, uma ligeira supremacia face à outra. Deste
modo, a horizontalidade da relação apenas visa esclarecer que nenhuma das partes goza de ius imperii, pois
em termos factuais e jurídicos existem desequilíbrios entre as partes.

Não podemos confundir a vinculação ao princípio da igualdade com a vinculação aos direitos
fundamentais. Grande parte dos casos que surgem são questões de vinculação ao pp. da igualdade, que
pressupõe normalmente a transformação deste princípio num direito com uma carga subjetiva significativa.

A questão também é muito colocada nesta dicotomia entre eficácia mediata e eficácia imediata:
embora JPS afirme que a dicotomia é redutora, alguns autores dizem que os direitos fundamentais valem
enquanto tal também nas relações entre privados; outros autores afirmam que os direitos fundamentais valem
nas relações entre privados por força de institutos de direito privado, atuando como um filtro transformador
da linguagem dos direitos fundamentais, tendo em vista conciliar a autonomia privada com os imperativos
direitos fundamentais.

7.2. Conceções doutrinárias


Sendo estas conceções redutoras, JPS identificou dez conceções sobre a matéria, relevantes para expor os
contornos de cada tese, mas demonstram que os direitos fundamentais são transversais a todas as relações
jurídicas que se estabelecem.

1. Formulação constitucional expressa: a vinculação dos privados ocorre quando a Constituição a configura
nesses termos: a Constituição, ao estabelecer os direitos pessoais, estes estão pensados para as relações
entre quaisquer sujeitos; mas as garantias em processo penal são garantias contra o poder político do
Estado.
a. JPS considera que dificilmente a letra da Constituição consegue resolver todos os problemas
possíveis nesta matéria.

2. Eficácia irradiante: os direitos fundamentais valem nas relações entre privados porque a sua eficácia é
projetada sobre toda a ordem jurídica.
a. JPS sustenta que não está em causa saber-se se as normas são referenciais axiológicos para as
relações entre privados, mas sim se as normas constitucionais são aplicáveis para a resolução de
litígios entre particulares.

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Inês Friães dos Santos/Ricardo Costa Amaro

3. Eficácia mediata em sentido estrito: defendida por Canaris, os direitos fundamentais valem nas relações
entre privados pois são transformados pelo direito privado:
a. Direitos de personalidade;
b. Conceitos indeterminados: alguns civilistas sustentam ainda que os conceitos indeterminados
deverão ser interpretados à luz da ordem jurídica constitucional e, assim, dos direitos
fundamentais.
c. Deveres de segurança no tráfego – desenvolvidos recentemente por via jurisprudencial (ex.
deveres de informação).
d. Tese com bastante impacto, mas que pressupõe uma separação entre direito público.

4. Eficácia em relação a terceiros: os direitos fundamentais, embora vinculem apenas nas relações entre
Estado e particulares, produzem eficácia contra terceiros (particulares) nas suas relações, mesmo que
estes não estejam vinculados.
a. A tese não responde à questão essencial: saber se os privados estão vinculados ou não;
b. Sem prejuízo disso, não é uma tese descabida: o direito de voto é um direito (de crédito) contra
o Estado, mas este produz eficácia contra terceiros (ex. entidades patronais devem permitir que
os seus trabalhadores que exerçam as suas funções no dia do sufrágio possam votar).

5. Vinculação do legislador de direito privado: a vinculação aos direitos fundamentais não ocorre a nível dos
sujeitos, mas sim no legislador de direito privado – quando este fixa os regimes jurídicos deve fazê-lo à luz
dos direitos fundamentais, transpondo para a ordem jurídica privada os valores dos direitos fundamentais.
a. Não difere muito da tese da eficácia mediata ss., sendo esta uma tese de iure condito e aquela de
iure condendo – acresce aos direitos de personalidade, conceitos indeterminados e deveres de
segurança no tráfego a necessidade de existirem regimes legais de proteção dos direitos
fundamentais (ex. Código do Trabalho, RGPD);
b. Ora, não existe um legislador de direito público e o legislador de direito privado; e, por outro lado,
a discussão centra-se em torno da vinculação dos sujeitos e não do legislador.

6. Deveres estaduais de proteção: Esta tese diz que se processa a vinculação dos sujeitos privados aos DLG,
cabendo apenas aos tribunais o suprimento de eventuais défices normativos.
a) Esta teoria para além de não fazer jus à necessidade de articular o princípio da aplicabilidade direita
com o princípio da vinculação das entidades privadas, está a constituir antes uma derivação da teoria
da eficácia mediata.

7. Vinculação supletiva ou excecional dos tribunais: derivação da tese da eficácia mediata ss. apresentada
por Canaris: se o direito positivo privado for insuficiente, cabe aos tribunais (sujeitos públicos vinculados
aos direitos fundamentais) intervirem para corrigir o défice de proteção de direitos nas relações entre
privados;
a. Não são os tribunais que criam a vinculação; esta já existe, cabe aos tribunais concretizá-lo.

8. Vinculação dos poderes privados: os sujeitos privados só estão vinculados quando tenham uma relação
de supremacia que de certo modo se assemelhe à relação estabelecida entre Estado e particulares. Logo,
se houver uma verdadeira igualdade de posições vale a autonomia privada; se houver supremacia de uma
das partes cabe à aplicação dos direitos fundamentais qua tale.

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9. Vinculação ao conteúdo essencial/dignidade da pessoa humana: a vinculação apenas ocorre quando


esteja em causa o núcleo essencial dos direitos fundamentais ou a dignidade da pessoa humana – não
pode haver autonomia privada quando a dignidade da pessoa humana seja lesada.
a. Conclui, à semelhança da tese anterior, que os direitos fundamentais aplicam-se igualmente nas
relações entre privados, dada a unicidade de ordem jurídica.

10. Vinculação intersubjetiva plena (eficácia imediata): Para esta teoria os DLG valem qua tale no seio das
relações jurídicas entre privados, sem necessidade de um instrumento específico que proceda à sua
transformação ou incorporação, abrindo a porta do direito (privado) que rege essas relações ao influxo
dos preceitos constitucionais.

7.3. Zonas de certeza e incerteza


Não existe uma resposta uniforme para todos os problemas de vinculação dos privados aos direitos
fundamentais. Não podemos, segundo JPS, identificar estas zonas com base apenas na letra da Constituição,
pois esta não oferece grande ajuda.

• Zona de certeza positiva: alguns direitos fundamentais que valem plenamente nas relações entre privados,
englobando aqueles direitos que sempre foram protegidos pelo Direito Civil e pelo Direito Penal, não
restando dúvidas sobre a tutela destes bens em relações entre privados.
o Vida, integridade física, propriedade;
o Direito ao bom nome e reputação: JPS afirma até que o texto constitucional baseou-se no texto
do direito ordinário
• Zona de incerteza: Outros geram mais dúvidas quanto à sua aplicação;
• Zona de certeza negativa: aqueles direitos fundamentais que não são de todo aplicáveis:
o Garantias em processo penal (ex. habeas corpus) – são direitos de defesa contra o Estado;
o Contudo, o art. 32.º, n.º 10, CRP permite o exercício do direito de defesa contra o Estado e
também particulares.

Nesta matéria, JPS afirma que tudo se trata de determinarmos o tipo de sociedade que pretendemos: uma
sociedade idealmente igualitária (como idealizou Platão) ou uma sociedade aberta e plural (como preconizou
Aristóteles). A tendência atualmente é para uma vinculação mais intensa dos privados aos direitos
fundamentais, proibindo discriminações mais intensas e, em alguns casos, procurar conciliar uma igualdade
de oportunidades a uma igualdade de resultado.

Este caminho tem como limite a própria liberdade individual, pois poderemos de certa maneira confundir
limites intrínsecos da condição humana com atentados à sua dignidade. Este balanceamento é muito difícil,
mas deverá ser feito. Mas, de facto, atingir-se uma igualdade de resultados implicará uma grande carga
autoritária do Estado.

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ANEXO: vinculação dos privados a direitos dos privados


Liberdade de Expressão:

→ Twitter vs. Trump: No final do mandato de Donald Trump o Twitter expulsou um ex-presidente da rede -
havendo uma grande questão em saber se as redes sociais estão vinculadas a respeitar a liberdade de
expressão dos seus utilizadores - traz também uma questão saber se os utilizadores têm uma liberdade de
expressão ilimitada tendo direito de utilizar as redes para qualquer fim.

Relação entre direitos fundamentais e tecnologia: Os direitos fundamentais estão permanentemente a tentar
“apanhar” as novas tecnologias. No que diz respeito à liberdade de expressão, esta tem tido diferentes
plataformas – pode ter uma dimensão muito simples, nas relações interpessoais quando há uma conversa
com a família, amigos, etc. Ora, hoje em dia, esta dimensão já não é a única. A liberdade de expressão ganha
relevância quando alguém usa determinadas plataformas para chegar a um nº elevado de pessoas.

• Espírito das Leis – Montesquieu – foi publicado em Genebra sem referência ao nome para tentar fugir
à censura, mas passado 2 anos já estava no índex – assim, quando hoje em dia se associa a liberdade
de expressão à proibição da censura é precisamente por estes casos, pois historicamente o principal
obstáculo à liberdade de expressão (cuja plataforma era a imprensa escrita) era a censura. Esta
censura era pública, sendo feita tanto pela Igreja como pelo Estado.
• Finais do século 19 e sobretudo ao longo do século 20 o grande meio de liberdade de expressão era a
imprensa escrita - com a invenção daquilo que se chamam as rotativas (impressão de jornais a uma
velocidade enorme) - durante o Estado Novo em Portugal existia um departamento administrativo
que fazia censura no momento em que os jornais estavam a ser compostos.
• A toda forma seguinte que se veio acrescentar foi a rádio - desenvolveu-se muito no início do século
20 e depois a partir de meados do século veio a televisão → as televisões essencialmente eram
públicas, havendo uma oferta muito menor daquela que temos hoje.
• No século 21 surgiu a internet - que tem permitido várias plataformas uma que esteve em voga
durante um conjunto de ano que foram os blocos, mas que, entretanto, têm vindo a decair e foram
substituídos na medida pelas redes sociais

É neste ponto que vamos focar o nosso estudo → nomeadamente o modelo de negócio das redes sociais:

• As redes sociais são empresas privadas sendo sociedades comerciais que têm estas características de
operarem em múltiplas jurisdições - têm utilizadores que residem em múltiplas jurisdições e face isto as
tais empresas privadas têm o seu próprio ordenamento jurídico ou seja fizeram as suas próprias regras
que normalmente se designam como terms and conditions.
• Os Terms and Conditions são o contrato de adesão que cada utilizador celebra quando entra na rede. Este
contrato vai variar de rede para rede havendo alguns aspetos que são comuns, mas outros que variam -
por exemplo a tolerabilidade da nudez vai variar do Twitter para o Instagram.
• O acesso dos utilizadores em livre e gratuito - isto faz com que tenha de haver um sustento da plataforma
por publicidade.

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• As plataformas no momento em que os utilizadores aderem e depois quando os utilizadores usam a


plataforma no dia a dia - há uma recolha dos dados pessoais dos utilizadores → neste momento o
tratamento de dados pessoais é uma prática que vale milhões visto que estes mesmos dados permitem
fazer uma publicidade direcionada em função do perfil de cada utilizador. Também aqui há uma grande
diferença entre as plataformas e os meios de comunicação tradicionais pois quando a rádio está a
transmitir o Público é abstrato enquanto o Público das redes sociais é exato visto que cada perfil vai
corresponder a um utilizador.
• Outro aspeto importante é o facto e conteúdo das redes sociais é criado pelos próprios utilizadores de
rede - isto é uma clara distinção de por exemplo um jornal em que o conteúdo é criado pelo jornalista.
Este facto foi possível pois quer nos Estados Unidos quer na União Europeia o direito positivo
desresponsabilizava as plataformas pelos conteúdos dos utilizadores - no caso dos Estados Unidos havia a
secção 530 do CDA e na União Europeia há uma Diretiva sobre E-Services.

Mas esta lógica de desresponsabilização não é bem assim:

→ Hard Control: controlar o que pode ser publicado

→ Soft Control: prioridade na publicação

• A rede faz uma recomendação de conteúdos (muitos são patrocinados), de seguida faz a priorização
de conteúdos (conhecendo os interesses do utilizador, a performance dos posts (visto que um post
que tem tido uma boa performance é priorizado), a performance do criador do post, e a novidade
(quanto mais recente é o post mais probabilidade este tem de ser priorizado)).
• Esta função de priorização de conteúdos é uma função relativamente parecida com aquela que os
editores dos jornais fazem quando escolhem o que põe na capa, na contracapa e nas páginas a seguir.
O número de leitores que se têm na capa na contracapa e nas páginas a seguir é completamente
diferente - assim priorização dos conteúdos já aproxima estas duas realidades.
• Todas as redes fazem a moderação dos conteúdos - decidindo o que pode ou não ser publicado - e
nesta moderação de conteúdos há dois extratos:
o Conteúdos criminosos ou ilegais: a partir de determinado momento tornou-se evidente que
as redes tinham que fazer este controle não podendo ter vídeos a incitar ao terrorismo. As
redes sociais têm de ser responsabilizadas se não eliminarem um post criminoso ou ilegal.
o Conteúdos que não se enquadram no perfil de rede: em muitas ordens jurídicas não existe
nada ilícito - o caso mais típico é o da nudez - na generalidade das ordens jurídicas a liberdade
de expressão e liberdade de criação por cultural Não permitem a proscrição de conteúdos
que contêm nudez (há a clara distinção entre nudez e o erotismo - mas isso não é conversa
para aqui). Para além disto, o nível de controlo da nudez é diferente de plataforma para
plataforma.
• Porque se faz este filtro? – Para fidelizar utilizadores
• As plataformas fazem também:
o Moderação de Utilizadores: Ou seja, expulsa as pessoas que não cumprem as regras – é a
própria rede que expulsa não acedendo a um tribunal por exemplo. Basicamente bloqueia a
conta (definitivo, ou temporário).

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Inês Friães dos Santos/Ricardo Costa Amaro

• O que é que isto nos diz quanto à ideia de desresponsabilização? – Parece evidente que ainda que os
conteúdos não são das plataformas, estas não podem dizer que são apenas um mensageiro. O
Facebook fez uma alteração no algoritmo quanto à priorização de conteúdos pessoas face a conteúdos
institucionais – tornou-se difícil basicamente, ler as notícias através do FB – isto significa basicamente
que as redes controlam aquilo que vemos – e se controlam o que vemos são editores.
• Assim, a regra normal da desresponsabilização não pode ter o mesmo alcance que tem agora.

Mas então como se faz a moderação de conteúdos? Dois caminhos:

• Inteligência Artificial: Criam um algoritmo a identificar palavras, expressões, sinais de violência etc. →
Estes podem ser falíveis podendo até ser um “atentado” à liberdade de expressão.
• Mão de Obra Humana: Ter um exército de pessoas, num cal center a ver os conteúdos um a um – ou pelo
menos a rever as decisões dos algoritmos – isto tem problemas:
o É necessário pagar a estes trabalhadores – pode dar recurso a mão de obra barata
o A função é devastadora a nível psicológico
o Falar diversas línguas – os posts vêm de diversas partes do mundo
o Expressões idiomáticas que aparentam violência por exemplo – matas dois coelhos de uma
cajadada – lá porque tem a palavra “matar” não incita à violência

Caso Twitter vs. Trump:

→ CEO do Twitter expulsou o Trump da rede no final do seu mandato. Na fase final aliás, o TT já andava a
limitar a ação do Trump – ao meter avisos de que a informação era verdade, ou até com o bloqueio da opção
de RT. A última gota de água foi o incitamento à violência de Trump quanto ao Assalto ao Capitólio –

É nesta base que assenta a expulsão do Twitter, visto que há uma violação dos Terms e Conditions. → Muitos
vieram entender que se tratava de censura – ora, muitos dos tweets de Trump apesar de algumas vezes serem
mentiras, estão protegidos pela Liberdade de Expressão (este direito dá a faculdade de dizer mentiras,
opiniões polémicas, coisas politicamente incorretas, e coisa que incomodam – este direito é importante
especialmente quando se diz coisas desagradáveis).

→ Assim, à luz do Twitter, esta expulsão basicamente está a impedir que Trump cometa um crime, aquilo que
em Portugal seria incitamento à violência, ou prática de crimes.

→ O JPS acha que é importante não saltar para o argumento da censura antes de se falar primeiramente no
conteúdo que está a ser bloqueado – e se este conteúdo está de facto protegido pela liberdade de expressão.
Ora, se não está protegido, não há censura, se estiver, há censura.

→ O Trump apesar de não ter acesso ao Twitter não significa que seja silenciado continuando a ter diversas
formas de comunicar com os seus apoiantes. Tem redes concorrentes como o Patreon que começou a usar e
a comunicar institucionalmente para o país e desmobilizar as pessoas que assaltaram o Capitólio.

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Concluindo, a tecnologia que estas plataformas utilizam conduze-nos à pergunta:

→ Será que a liberdades de expressão têm mais dimensões que a dimensão negativa da proibição da censura?
Nomeadamente o acesso às plataformas – dimensão positiva.

• A possibilidade de chegar a mais pessoas é esmagadoramente superior à dos meios de comunicação


– e, portanto, coloca-se a questão se a liberdade de expressão não inclui o direito a ter uma
plataforma.
• Será que a liberdade de expressão, consagrada na CRP, vincula as empresas privadas, numa dimensão
negativa quanto à proibição da censura, e numa dimensão positiva que obriga as redes a serem
abertas a todos e que todos se possam expressar.

O problema mais complicado é o problema das fake news → há tutela da liberdade de expressão, mas que
são difíceis de apanhar através de algoritmos. Não estamos a falar de conteúdos criminosos ou ilegais, mas
uma zona “cinzenta”. Ora, estas até podem ser muito danosas, por exemplo, quanto à fakes news da Covid 19
– esta tem sido muito lesiva para alguns países. Mas perceber se estamos perante fake news, propaganda
política, caricaturas – o algoritmo por vezes não consegue distinguir.

• Muitos entendem que dar às redes sociais o poder de fazer este controlo e filtro é dar-lhes muito
poder – é verdade – mas este argumento já foi usado para todos os meios de comunicação social, não
havendo outra alternativa. Não é possível o Estado ter um serviço ou os tribunais que façam o controlo
de conteúdos.

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8. Deveres estaduais de proteção


O tema dos deveres estaduais de proteção aparece como uma redescoberta de um tema antigo: a função do
Estado de preservação da paz pública e de garantir o mínimo de segurança aos cidadãos para puderem
desenvolver a sua vida com normalidade.

Estado O Estado está no topo da pirâmide, e na base estão os sujeitos privados,


umas vezes na posição de agressores dos direitos e outras vezes como
lesados efetivos ou possíveis lesados de condutas agressoras.

O artigo 18.º CRP fala da vinculação das entidades públicas e privadas no


n.º 1 – quando se fala das entidades públicas fala-se do Estado, e quando
se fala de entidades privadas fala-se na relação que está na base da
pirâmide – em que quer o lesado quer o agressor são titulares de direitos
fundamentais.

O artigo 18.º n.º 2 CRP vem dizer que a restrição dos direitos é possível
para salvaguardar outros direitos. É importante perceber que a restrição
Sujeitos Privados não se justifica por si mesma.

8.1. A redescoberta desta temática


Os deveres estaduais de proteção, enquanto figura dogmática, surgiu na Alemanha a propósito da interrupção
voluntária da gravidez: o lesado seria o feto, o agressor seria a mãe e a equipa médica e o Estado tem o dever
de proteção da vida, seja as já nascidas ou não. No entanto, as vidas já nascidas têm alguma capacidade de
autoproteção, isto significa que as generalidades das pessoas têm o discernimento de evitar situações de risco
para a vida; mas a vida intrauterina é absolutamente indefesa face à agressão que está em causa no aborto.

O Tribunal Constitucional Alemão entendeu que o Estado tem um dever de proteção da vida intrauterina e
interpretou a questão a interrupção voluntária da gravidez como uma questão de escolha dos meios de
proteção: a restrição e a proteção não tem necessariamente a via penal60, podendo ser feita por outras vias:
consultas de aconselhamento, períodos de reflexão ou a disponibilização de condições materiais e económicas
e sistemas de apoio às mães que, estando predispostas a fazer um aborto, também admitem a continuação
da gravidez. Assim, o importante não seria criminalizar, mas sim respeitar a decisão e tutelar a sua escolha e
eventualmente prosseguirem com o aborto.

Depois deste caso enigmático, os deveres de proteção evoluíram para o domínio do Direito do ambiente e
para as áreas do desenvolvimento tecnológico: aqui, os agressores são os poluentes (as empresas) e os lesados
são os cidadãos que vivem nesses espaços e áreas afetadas pela poluição. Assim, o Estado protege os lesados
restringindo a atividade das empresas poluentes.

60
A forma de proteção mais antiga é via penal, na qual se restringe-se a liberdade à autodeterminação e o livre
desenvolvimento da personalidade da gestante incriminando a prática do aborto.

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8.2. Perigos e riscos


Nesta matéria, temos de considerar três prismas:

A. Perigos da Natureza

Nos perigos da natureza o agressor de facto não é um sujeito privado concreto, mas sim uma força da
natureza: (ex. sismos). A fronteira entre perigos da natureza e perigos e humanos não é uma fronteira clara: a
respeito da Covid-19, embora o vírus seja um produto da natureza, ele só infecta através do contágio entre
seres humanos, portanto não existe propriamente uma fronteira, mas sim uma combinação.

B. Agressores Estrangeiros

Falamos de perigos e riscos originados por Estados estrangeiros ou em Estados estrangeiros (ex. hackers).

Este problema colocou-se pela primeira vez a respeito de um cidadão alemão tinha sido feito refém a num
país estrangeiro por um grupo terrorista, que exigiu evidentemente um resgate: questionou-se em que
medida o Estado Alemão tem um dever de proteção relativamente a este cidadão alemão quando o agressor
não está na sua jurisdição.

C. Perigos causados pelo próprio titular do direito

Referimo-nos às condutas adotadas pelo próprio titular do direito a ser protegido: coloca-se a questão de
saber se o Estado pode proteger as pessoas contra si próprias, restringindo a liberdade da pessoa quando ela
própria não quer se perturbada na sua vida.

8.3. Agressor
O primeiro elemento do triângulo jus fundamental é o agressor. Este agressor não tem de consumar a
agressão: pelo contrário, basta que haja um perigo ou um risco.

Discute-se muito a diferença entre perigo e risco, mas normalmente colocar em perigo ou em risco um bem
jus fundamental já é em si mesmo violar um direito. A diferença entre o perigo e o risco é que o perigo é uma
realidade mais conhecida em que nós conhecemos as cadeias causais; no risco nós não conhecemos as
cadeiras causais, havendo um grau de incerteza superior61.

Daqui partimos para a distinção entre dois princípios que são muito frequentes no direito do ambiente que
são os princípios da prevenção e da precaução:

• O princípio da precaução corresponde a situações de risco


• O Princípio da prevenção corresponde às situações de perigo

61
Ex: Há um perigo quanto a certos produtos que causam cancro.

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Para se saber se existe dever de proteção é necessário avaliar os perigos e os riscos, pois já sabemos que
quanto mais intensos são os perigos e riscos mais se justifica a existência de um dever de proteção.

Devemos, contudo, não confundir avaliação de riscos com perceção sobre os riscos: os nossos
cérebros são complexos e podemos avaliar os perigos como muito elevados enquanto não existe grande risco
e por vezes entendemos o contrário. Assim é necessário gerir estes aspetos com cuidado (vimos isto a
propósito da pandemia Covid-19). Contudo, há casos em que o Estado está diretamente envolvido nestes
perigos e riscos na produção destes direitos fundamentais, sendo até corresponsável pela produção desses
perigos e riscos (ex. energia atómica). Noutros casos, o Estado apenas emite licenças e autorizar as atividades
geradoras de perigo e risco.

Outra questão que se coloca é saber se há um dever de proteção quando o perigo é um perigo da
natureza: em princípio sim, pois a fronteira entre os perigos da natureza e os perigos humanos é uma fronteira
ténue (ex. o Sars-Cov-2 não é um perigo humano, mas a verdade é que ele não se transmite sem a colaboração
dos humanos). Assim, não há uma fronteira rígida entre perigos da natureza e perigos humanos, logo não se
justifica fazer a diferenciação no dever de proteção.

O mesmo vale pelos perigos originados por Estados estrangeiros ou em Estados estrangeiros: muitas vezes os
perigos são originados em locais remotos, mas o Estado que tem jurisdição sobre os lesados não tem jurisdição
sobre os agressores (ex. hackers).

8.4. Lesado
O segundo elemento do triângulo jus fundamental é o lesado, enquanto titular de um conjunto de bens
jurídicos que são suscetíveis de ser atingidos pela ação de outros sujeitos jurídicos privados.

Evidentemente, não há dever de proteção relativamente àqueles direitos que não sejam idóneos a
produzir efeitos nas relações entre privados (ex: dever de proteção relativamente ao habeas corpus). Assim,
os direitos suscetíveis de serem protegidos são naturalmente os direitos negativos62. Os casos mais típicos de
direitos suscetíveis a proteção são a vida, integridade física e saúde na dimensão negativa (enquanto
prolongamento da integridade física); mas há muitos outros suscetíveis de tal proteção, como por exemplo o
direito de propriedade63.

Nesta matéria, coloca-se uma questão relativamente aos direitos das gerações futuras: saber se o
exercício de determinados direitos hoje pode ser restringido em nome da proteção de lesados futuros. Os
direitos que estão aqui em causa estão basicamente é a liberdade de iniciativa económica e a liberdade de
investigação científica, sendo que o exercício irrestrito destes direitos que pode causar dano futuro. (ex:
poluição, extinção das espécies, a diminuição da biodiversidade e as alterações climáticas). Estes efeitos

62
Não podemos confundir os deveres de prestação que decorrem dos direitos sociais com estes direitos de proteção:
os direitos sociais são direitos positivos e implicam para o Estado um dever de prestação.
63
O Tribunal Constitucional já se pronunciou afirmando, no fundo, que o Estado tem uma obrigação de garantir a
segurança da propriedade das pessoas.

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resultam em larguíssima medida do exercício destes direitos, pelo que o seu exercício pode ser efetivamente
condicionado pela preservação de condições futuras para uma vida digna na Terra.

8.4.1. Resiliência dos bens jusfundamentais e fragilidade dos seus titulares

A definição dos deveres de proteção é muito influenciada pelas características dos bens jus fundamentais
ameaçados e pelos respetivos titulares:

• Quanto mais elevada for a posição de um bem jurídico ou de um direito na ordem de valores
constitucional, mais se justifica a sua proteção;
• Quanto mais acentuada for a irreversibilidade das lesões, mais justifica a proteção;
• Quanto maior for a fragilidade do titular do direito, mais se justifica a proteção.

Assim, por exemplo, se estivermos a falar de vítimas de violência, reclusos, doentes, idosos ou crianças -
portanto, sujeitos mais frágeis - eles reclamam um índice superior proteção por parte do Estado.

Foi com base nesta equação de ponderação entre a fragilidade do titular e da “força” de um determinado bem
jurídico que esta figura dogmática nasceu na jurisprudência a respeito da interrupção voluntária da gravidez:
se o bem jurídico vida está numa posição de proteção máxima, a verdade é que o feto está num máximo grau
de vulnerabilidade, numa posição de pura sujeição.

8.5. Estado
O Estado está na posição de ordenador dos direitos fundamentais dos sujeitos privados que se encontram na
base da pirâmide, uns na posição de agressores reais ou eventuais dos direitos dos outros que naturalmente
assumem a posição lesados eventuais e ou efetivos. Assim sendo, a função do Estado, enquanto entidade
pública vinculada aos direitos fundamentais, é proteger os titulares de direitos fundamentais que possam estar
sob ameaça e, se necessário, restringir os direitos fundamentais destes agressores reais ou potenciais.

No fundo, este triângulo e resume certa forma as funções e anteriores e dos direitos fundamentais.
Por um lado, porque assume a vinculação intersubjetiva privada; mas, por outro lado, porque encaram os
direitos fundamentais como direitos que tem, igualmente, uma dimensão positiva: a possibilidade de reclamar
a ação do estado no sentido de os proteger.

Os deveres de proteção implicam uma ação positiva da parte do estado à semelhança daquilo que também já
acontecia com os direitos sociais que também são direitos positivos. E também como direitos de defesa dos
indivíduos, mas também relativamente a outros sujeitos privados.

Nem toda a doutrina reconhece a existência destes deveres estaduais de proteção: alguns autores
concebem os cenários cobertos pelos deveres estaduais de proteção pela solução dos direitos de defesa,
segundo uma postura bicéfala:

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• Ou o Estado proíbe uma determinada conduta


• Ou o Estado autoriza-a implicitamente
o Portanto, se os privados aproveitarem essa autorização, o problema é um problema do Estado: o
Estado, ao permitir determinada atuação dos privados, acaba em última análise por ser ele próprio
o responsável pelas agressões que ocorrem ao abrigo dessa permissão.

Jorge Pereira da Silva considera que esta solução não é satisfatória, pois no fundo esquecem-se duas coisas:

➢ Esquece que os sujeitos privados são responsáveis pelas suas próprias condutas
➢ Esquece que, por outro lado, há um princípio básico da ordem jurídica denominado o princípio do
nemine lebre: não podemos causar danos aos direitos de outrem;
o É aqui que se fundamentam os institutos da responsabilidade e penal.

8.5.1. Releitura do artigo 18.º CRP

Este triângulo permite uma releitura do próprio artigo 18º CRP, uma releitura centrada já não nas restrições,
mas na força normativa que está na epígrafe. Esta releitura coloca a palavra “salvaguardar”, que está no centro
do artigo 18.º, n.º 2, CRP: com as restrições visam se salvaguardar outros direitos. Assim, as restrições não se
justificam por si mesmas e justificam se pela necessidade de salvaguardar outros direitos.

Esta mesma releitura vai afetar também o princípio da proporcionalidade (n.º 2); e a ideia do conteúdo
essencial (n.º 3). Nesta visão, a proporcionalidade não é apenas proibição do excesso, é também proibição de
défice e, portanto, não é apenas a proibição de medidas é demasiado pesadas e também a proibição de
medidas insuficientemente protetores e dos direitos que estão em risco. O conteúdo essencial não é apenas
um limite inultrapassável às medidas restritivas é também a garantia de um conteúdo mínimo de cada um dos
direitos nas diferentes relações jurídicas.

8.5.2. Reconfigurações do triângulo

O triângulo, por vezes, assume configurações diferentes do habitual:

Há determinados perigos e riscos gerados por sujeitos privados que apenas o são porque o Estado, de
alguma maneira, se envolveu com esses privados: não apenas nas situações em que há uma licença para
exercer determinada atividade perigosa, mas também se menciona as situações em que há, por exemplo, até
uma intensa regulação da atividade de parte do Estado ou um incentivo do Estado ao desenvolvimento dessa
atividade.

Nestas situações o triângulo fica um pouco estranho: o Estado aparece simultaneamente na posição de
protetor dos cidadãos, mas alguém que está também “de braço dado” com o agressor e incentiva a atividade
do agressor. A grande questão é saber qual é o nível de envolvimento do Estado:

➢ Se for muito grande, em bom rigor o problema não é um problema de deveres de proteção, mas de
direitos de defesa: o agressor acaba por ser do Estado, ainda que o privado tenha ajudado e esteja
numa relação de grande proximidade com o Estado (ex: Atividades Concessionárias);

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Inês Friães dos Santos/Ricardo Costa Amaro

Em suma, o Estado deve ter um dever de proteção de todos os direitos independentemente da origem da
ameaça: a denominada indivisibilidade da proteção. Evidentemente, falamos de um objetivo irrealizável, pois
o Estado nunca conseguiria proteger todas as pessoas de todos os perigos existentes: terá de fazer uma
seleção e dos perigos e dos riscos mais graves isto é a gestão do período risco - não sendo possível uma
proteção total estando dependente das possibilidades do Estado

8.6. Medidas de proteção estaduais


O Estado protege os direitos fundamentais através dos seguintes mecanismos:

• Medidas Sancionatórias: sanções penais, sanções privativas da liberdade ou as ações pecuniárias


o O Código Penal começa por ser precisamente um conjunto de normas sancionatórias de
condutas lesivas de bens jus fundamentais.
o As sanções é a forma mais óbvia de proteção de bens jurídicos fundamentais: o objetivo das
sanções é fundo aos agressores potenciais dizer de antemão se consumarem a agressão
espera-lhes uma sanção pecuniária ou uma sanção privativa de liberdade severa.

• Normas de Organização Procedimento e Processo:


o Muitas vezes o exercício de direitos fundamentais faz-se em quadros organizatórios que têm
que ter determinadas características:
▪ A proteção da liberdade de expressão pressupõe uma determinada organização dos
meios de comunicação social;
▪ A proteção da liberdade de criação científica pressupõe uma determinada
organização das universidades;
▪ A liberdade académica pressupõe uma determinada organização das universidades;
▪ A proteção de dados implica a existência de uma autoridade administrativa
independente.
o Quanto ao procedimento, há determinados direitos cuja proteção se faz através de um
procedimento específico.
▪ Os procedimentos ambientais são aqueles que pressupõe o cumprimento de
determinadas medidas por parte de quem exerce a atividade económica de quem
exerce a atividade poluente para poder atuar. Assim, uma determinada empresa só
tem licenciamento para atuar se cumprir de antemão determinados requisitos
determinados parâmetros para não danificar o ambiente.
▪ Portanto, o Estado muitas vezes estabelece procedimentos cansar percorrer para a
que o exercício de determinados direitos e não redunde na agressão e na lesão dos
direitos e de outros sujeitos.
• Normas sobre Informação: o Estado impõe à entidade que comercializa estes medicamentos um
conjunto de deveres de informação,
o Muitas vezes é o próprio Estado que emite essa informação (ex. campanhas sobre os efeitos
do tabaco).

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• Regras de segurança: existem em todas as atividades, mas não supõem o pormenor –


o Na circulação automóvel, os nossos automóveis são uma parafernália de sistemas de
segurança impostos pelo Estado. Contudo, os para-choques dos automóveis novos estão
pensados para causar menos danos nas pernas das pessoas que são atropeladas antigamente
os automóveis tinham para-choques de metal, agora os automóveis têm para-choques de
plástico tem espuma dentro.
• Normas que visam procurar a compensação de posições desigualitárias: Dentro desta categoria temos
normas imperativas, normas que invertem o ônus da prova, normas que declaram que determinado
direito é irrenunciável (por exemplo nas relações laborais).

Assim, quando o Estado não protege há uma omissão, que pode ser total ou parcial: a legislação que existe é
insuficiente, violando-se a proibição do défice. A proteção dos bens jurídicos tem que ser uma proteção
suficiente, que garanta a pelo menos o conteúdo essencial destes mesmos direitos: o conteúdo essencial não
é apenas um limite inultrapassável para as restrições, é também um conteúdo mínimo todas as normas de
proteção.

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9. Restrições a direitos fundamentais


Os artigos 18.º n. os 2 e 3, nas palavras de Jorge Miranda, postulam o princípio da natureza restritiva das
restrições: as restrições são admissíveis em estados de normalidade constitucional, devendo ser impostas por
lei; mas a Constituição é particularmente exigente com as leis de restritivas, estabelecendo um conjunto de
parâmetros de validade das leis restritivas.

A doutrina distingue as restrições aos direitos fundamentais de um conjunto de figuras afins:

1. Âmbito de proteção das normas constitucionais: não está em causa a eliminação de faculdades
compreendidas pelo direito; mas sim delimitar quais as matérias que estão protegidas por um direito
fundamental.
a. O âmbito de proteção dos direitos fundamentais pode ser analisado sob duas perspetivas:
i. Teoria ampla64: os direitos fundamentais devem ser encarados como princípios e, por isso,
tem uma tendência expansiva, podendo acolher tudo o que possa ter como referência o
campo semântico do próprio direito; e, mais tarde, delimita-se o seu âmbito no confronto
com os demais direitos;
ii. Teoria restrita: parte-se da premissa segundo a qual os direitos não estão sozinhos na
ordem jurídica, pelo que o âmbito de proteção deve ser limitado ab initio.
b. Por exemplo, a liberdade de criação cultural não admite a possibilidade de atearmos fogo a uma
casa com fundamento no valor artístico do fogo.

2. Limites ao exercício: estes traduzem requisitos definidos por lei que condicionam o exercício do direito,
mas não bloqueiam-no (ex. a liberdade de manifestação implica uma coordenação e pré-aviso com as
autoridades competentes);

3. Regulamentação: sem prejuízo de as restrições carecerem de ato legislativo, nada obsta a que exista
regulamentos na mesma matéria, que densifiquem os mesmos;

4. Concretização e conformação legislativa: o legislador, por lei ordinária, concretiza e esclarece o conteúdo
de determinados direitos e liberdades constitucionais, de modo a criar o quadro normativo para o
exercício do direito (ex. liberdade de casamento);

5. Deveres fundamentais: a alguns direitos estão associados, simultaneamente, deveres (ex. direito de voto).

Noutro prisma, a par das leis restritivas enquadramos outras intervenções restritivas individuais e
concretas, tomadas pelos tribunais e pela Administração: os tribunais, aqui, aplicam sobretudo leis restritivas
aos casos concretos; o mesmo pode suceder-se se a Administração, por exemplo, decidir expropriar um
particular. Assim, é inevitável aceitar alguma margem de latitude dos tribunais e da Administração para
tomarem decisões desta natureza. Veja-se, por exemplo, a atuação administrativa à luz do estado necessidade
(artigo 3.º, n.º 2, CPA), tendo em vista prevalecer o interesse público.

64
Defendida por Alexy.

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Por último, não podemos confundir as restrições a direitos fundamentais com agressões originadas
por sujeitos privados. As restrições em causa são aplicadas pela atuação dos poderes públicos e, em particular,
do legislador.

9.1. Parâmetros de validade


A Constituição define seis parâmetros de validade cumulativos das leis restritivas de direitos fundamentais:

1. Reserva de competência & reserva de lei (artigo 165.º, n.º 1, b) CRP)


2. Autorização constitucional expressa;
3. Respeito pelo princípio da proporcionalidade;
4. Generalidade e abstração
5. Proibição de retroatividade
6. Intangibilidade do conteúdo essencial

A. Reserva de competência & reserva de lei

A reserva de competência traduz a repartição da competência legislativa entre o Governo e a AR. Nesse
sentido, a lei restritiva deve revestir a forma de lei da AR ou de lei de autorização legislativa da AR.

Para além do referido, há esta ideia de reserva de lei, ou seja, a delimitação da atividade do legislador face aos
órgãos administrativos: a lei restritiva deverá ser densa e determinada, tomando as opções fundamentais que
delimitem os principais parâmetros da restrição a efetuar (e não delegando tais matérias para o poder
administrativo) e os destinatários da lei deverão ter capacidade para, a partir da letra da lei, destrinçarem os
meandros dessas restrições.

O legislador deverá definir marcos precisos na legislação emanada. Nesse sentido, a existir eventual
regulamentação, tal deverá revestir a forma de regulamentos de execução, pois a lei não pode permitir uma
decisão substancial sobre aquelas matérias, nem tão pouco admitir fenómenos de deslegalização (o legislador
revoga a lei e estipula que estas matérias passarão a constar de regulamento).

Em suma, ainda que não seja possível levar-se isto ao extremo, deveremos procurar reduzir ao máximo a
discricionariedade administrativa.

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B. Autorização constitucional expressa

Parâmetro mais problemático, visto que a Constituição em alguns parâmetros autoriza a restrição65 e noutros
não. Nesse sentido, levantam-se dúvidas sobre esta exigência de a autorização ser expressa66.

De modo a sanar-se estas dúvidas, consagraram-se vias alternativas de interpretação deste pressuposto:

• Autorrestrição: em certos casos, a Constituição, mais do que autorizar a restrição, ela própria restringe o
direito, identificando o direito e, de seguida, exceções (v. artigo 27.º CRP);
• Limites imanentes: os direitos não são absolutos, pelo que independentemente da letra da Constituição
os direitos deverão ser articulados com outros;
• Direitos fundamentais com princípios: via defendida por Alexy, como mostramos em cima.
• Reserva geral de ponderação: via adotada por Jorge Reis Novais, segundo a qual, no fundo, afirma a
necessidade de respeito pelo princípio da proporcionalidade
o JPS não acompanha esta visão, visto que o intérprete deverá fazer um esforço para extrair da
Constituição fundamentos para a restrição em causa.

C. Proporcionalidade

A obediência ao princípio da proporcionalidade implica a obediência a três testes:

• Adequação;
• Necessidade;
o É o único critério expressamente previsto na letra do artigo 18.º CRP.
• Proporcionalidade em ss.: critério que convoca tipicamente problemas na denominada justa medida.

A proporcionalidade, além de significar proibição do excesso, implica a proibição do défice. Nesse sentido,
quando analisamos a compatibilidade dos direitos em confronto com este princípio, devemos procurar
enquadrar estes direitos na denominada ordem de valores constitucional. Esta ordem, apesar de não ser rígida,
obriga a não relativizarmos em excesso os direitos em confronto67; e, além do referido, os direitos declinam-
se em faculdades, pelo que tipicamente são as faculdades que se confrontam e não os direitos como um todo.

65
Ex. artigo 57.º, n.º 3, CRP, a respeito dos serviços mínimos de direito à greve.
66
Em matéria de confinamentos obrigatórios dos doentes infetados, alguns constitucionalistas argumentaram que tal
seria inconstitucional por não constar do artigo 27.º CRP em matéria de autorrestrições. Outros, contudo, retiraram
uma autorrestrição do dever de proteção da saúde alheia (artigo 64.º CRP).
67
Ex. embora a vida não esteja necessariamente em primeiro lugar, ninguém questiona a sua prevalência face, por
exemplo, à liberdade de expressão.

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D. Generalidade e abstração

As leis restritivas deverão ser gerais e abstratas, por imposição do princípio da igualdade.

Existem, nesta linha, três casos em que a Constituição exige leis gerais e abstratas; fora destes, a Constituição
admite atos individuais e concretos:

• Leis penais;
• Leis fiscais criadoras de impostos;
• Leis restritivas de DLG.

E. Proibição de retroatividade

Além disso, por imposição do princípio da proteção da confiança, a lei restritiva não pode ser retroativa68.

F. Intangibilidade do conteúdo essencial dos direitos

As restrições em causa devem incidir sobre a periferia do direito, não podendo lesar o respetivo núcleo
essencial. Como já referido, os direitos são compostos por faculdades nucleares e periféricas: as últimas são
passíveis de restrições, mas as outras já não, sob pena de descaracterizarmos o mesmo69.

Nesta matéria de identificação das faculdades essenciais dos direitos, temos dois tipos de teorias:

• Teorias absolutas: em qualquer circunstância o conteúdo dos direitos deve estar salvaguardado;
o Visão de JPS;
• Teorias relativas: o conteúdo dos direitos resulta do confronto entre si, devendo ajustar-se a
considerações de proporcionalidade.
o JPS afirma que não podemos reduzir a análise da validade das leis restritivas apenas a juízos de
proporcionalidade, dado que temos de ter em conta outros princípios (igualdade e proteção da
confiança).
• Teorias objetivas: o conteúdo essencial tem de ser definido normativamente;
• Teorias subjetivas: o conteúdo essencial tem de ser preservado na esfera jurídica de cada sujeito;
o Visão de JPS.

68
Não estão abrangidas as leis retrospetivas: as leis que se aplicam para o futuro ainda que se refiram a situações
jurídicas do passado (ex. novo regime do casamento incide sobre casamentos passados).
69
A liberdade de circulação tem como cerne identitário a possibilidade de circularmos sem sermos questionados dos
motivos para qual o fazemos. Contudo, quando o Governo, fora do EE, implementou um dever geral de recolhimento
com muitas exceções, colocou em causa o núcleo essencial da liberdade de circulação. -

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9.2. Articulação com os deveres estaduais de proteção


Se tivermos em conta uma visão integrada do pp. da proporcionalidade, este tanto representa proibição do
excesso como proibição do défice. Nesse sentido, as restrições não podem afetar o conteúdo essencial dos
direitos; mas os deveres de proteção tem de garantir, positivamente, a intangibilidade do conteúdo essencial,
isto é, aquela margem de liberdade que cada um dos direitos tem de garantir em cada uma das circunstâncias.

10. Estado de exceção constitucional


O estado de exceção constitucional vem regulado no artigo 19.º CRP, prevendo duas modalidades distintas: o
estado de sítio e o estado de emergência.

Santo Agostinho afirmava que “a necessidade não tem lei”. Porém, num Estado de Direito, a
necessidade vem regulada na lei constitucional, em virtude da necessidade de regulação da intervenção dos
poderes públicos para combater as causas da excecionalidade constitucional, evitando-se comprometer em
demasia o respeito pelos imperativos constitucionais.

De facto, desde a DUDH que se afirma os princípios democráticos, a separação de poderes e a garantia dos
direitos fundamentais enquanto elementos alicerçantes de uma Constituição. O estado de exceção
constitucional irá ter repercussões nos dois últimos elementos.

Em matéria de separação de poderes, esclarece o artigo 19.º, n.º 7, CRP que os estados de exceção
não podem afetar a aplicação das regras constitucionais relativas à competência e ao funcionamento dos
órgãos de soberania. Numa palavra, nem a democracia, nem a separação de poderes serão “suspensas”.

Nesse sentido, mantém-se:

▪ Legislativo, executivo e jurisdicional

▪ Controlo pelos tribunais de todos os atos de poder público

▪ Fiscalização da constitucionalidade das leis

▪ Repartição das competências legislativas entre AR e Governo

▪ Hierarquia das fontes de Direito (leis, regulamentos...)

▪ Provedor de Justiça

Em matéria de direitos fundamentais, o artigo 19.º, n.º 1, CRP permite a suspensão do exercício de
alguns direitos, liberdades e garantias, deixando de ter proteção constitucional durante a vigência do estado
de exceção. Em contrapartida, o artigo 19.º, n.º 6, CRP declara que um núcleo restrito de direitos são
insuscetíveis de suspensão.

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Ao falarmos de suspensão de direitos fundamentais, necessitamos de fazer uma comparação com o postulado
em matéria de restrições aos direitos (artigo 18.º CRP). A grande diferença entre os preceitos, atendendo aos
parâmetros de validade prescritos pelo artigo 18.º CRP, prende-se na intangibilidade do conteúdo essencial:

• Âmbito:
o O artigo 18.º CRP permite que todos os direitos sejam restringidos;
o O artigo 19.º CRP permite apenas que alguns direitos sejam suspensos (n.º 6);
• Período de aplicação
o Artigo 18.º CRP: transitórias ou permanentes;
o Artigo 19.º CRP: transitória;
• Parâmetro de validade do artigo 18.º CRP
o Reserva de competência/reserva de lei
▪ No artigo 19.º CRP temos a declaração do estado de exceção;
o Autorização constitucional expressa
▪ Não é tema no artigo 19.º CRP, pois este fala por si.
o Proporcionalidade
▪ Comum a ambos
o Generalidade e abstração (pr. da igualdade)
▪ Princípio da igualdade
o Irretroatividade (proteção da confiança)
▪ Não é aplicável em estado de exceção constitucional: de facto, a proteção da confiança
não pode incidir sobre realidades imprevisíveis, que esfumam as expetativas criadas pelo
Direito – é inevitável uma quebra de expetativas.
o Intangibilidade do conteúdo essencial
▪ Em estado de exceção, com a suspensão de direitos vem um conjunto de restrições mais
intensas do que poderia suceder em estado de normalidade constitucional;
▪ As restrições incidem sobre o conteúdo essencial dos DLG70.

10.1. Processo de decisão


O processo de decisão vem regulado no artigo 19.º CRP e no artigo 11.º do Regime do Estado de Sítio e do
Estado de Emergência71.

A competência para a declaração do estado de exceção constitucional cabe ao Presidente da


República, que dirige à Assembleia da República uma proposta a pedir autorização para tal (artigos 134.º, al.
d) e 138.º CRP). Acrescenta-se ainda um parecer não vinculativo, mas necessário, do Governo (artigo 197.º,
al. f), CRP). Perante tudo isto, a Assembleia da República deverá emitir a correspondente autorização (artigo

70
Veja-se, por exemplo, o dever geral de recolhimento domiciliário, que afeta o conteúdo essencial da liberdade de
circulação.
71
Lei n.º 44/86, de 30 de setembro.

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161.º, al. l) e 179.º, n.º 2, al. f), CRP) e o Presidente da República emitirá a correspondente decisão, sob a
forma de decreto (artigo 11.º Regime ESEE).

Se, em matéria de DLG, a Assembleia da República poderia autorizar o Governo a legislar emitindo a
correspondente lei de autorização legislativa (artigo 165.º, n.º 1, al. b), CRP), o processo de suspensão dos DLG
envolve a colaboração de três órgãos de soberania

10.2. Fundamentos
Os fundamentos da declaração do estado de exceção constam do artigo 19.º CRP e dos artigos 8.º e 9.º Lei
ESEE, podendo reconduzir-se a três categorias:

• Agressão efetiva ou eminente por forças estrangeiras;


• Grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional;
• Calamidade pública.

A pandemia de Covid-19 motivou a declaração do estado de exceção com fundamento em calamidade pública.
O regime ESEE relaciona, no artigo 9.º, a situação de calamidade pública com a declaração do estado de
emergência.

O estado de sítio é uma modalidade mais gravosa (nos pressupostos e consequências) de excecionalidade
constitucional, pelo que só pode ser declarado se o estado de emergência, segundo juízos de
proporcionalidade não for suficiente (artigo 19.º, n.º 3, CRP).

O princípio da proporcionalidade é igualmente relevante no contraponto entre o estado de emergência e as


situações de anormalidade previstas na Lei de Bases da Proteção Civil – situação de alerta, situação de
contingência e situação de calamidade. Estas situações, que operam em casos de normalidade constitucional,
só poderão ser preteridas se não forem suficientes para acautelar as causas que motivam a anormalidade
vivida.

Às declarações de excecionalidade constitucional aplica-se o dever de fundamentação, consagrando todas as


razões que motivam a suspensão dos direitos, liberdades e garantias.

10.3. Conteúdo do decreto do Presidente da República


Regulado nos artigos 19.º CRP e artigos 2.º e 14.º Lei ESEE, o decreto deve conter o seguinte:

• Âmbito: territorial (total ou parcial):


• Duração: máximo de 15 dias, podendo ser renovado;
o O estado de exceção deve ser utilizado para permitir um regresso tão célere enquanto possível a
um estado de normalidade constitucional.
• Especificação dos direitos total ou parcialmente suspensos: imposto por questões de clareza e
transparência;

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o Não estão suspensos os seguintes direitos:


▪ Integridade pessoal (física e moral) (artigo 25º);
▪ Identidade pessoal, direito à capacidade civil e à cidadania (artigo 26º);
▪ Não retroatividade da lei penal (artigo 29º);
▪ Direito de defesa dos arguidos (artigo 32º);
▪ Liberdade de consciência e de religião (artigo 41º);
• Especificação dos poderes das autoridades públicas: dentro da função administrativa, estamos sobretudo
a aumentar os poderes das autoridades de segurança para com as autoridades civis.

10.4. Natureza jurídica


O poder de decretar o estado de exceção está envolto em controvérsias jurídicas:

Não havendo previsão constitucional,

• Poder verdadeiramente soberano: C. Schmitt, dada a impossibilidade de revisão constitucional em estado


de exceção, configura o poder em causa enquanto um poder verdadeiramente soberano;
o Se um dos órgãos é titular deste poder, podendo paralisar o poder constituinte, então será um
poder soberano em si;
• Poder paraconstituinte;
• Poder desconstituinte;

Havendo previsão constitucional, como no caso português, configuramos o poder em causa como um poder
constituído, exercido pelos órgãos de soberania numa intensa interdependência de poderes, mas com
supremacia do PR, em subordinação à Constituição e fiscalizados pelos órgãos competentes à luz do texto
fundamental.

10.5. Nova pirâmide normativa do estado de exceção


No estado de exceção constitucional, a pirâmide normativa muda a sua configuração:

1. Constituição;
2. Lei ESEE;
3. Decretos PR;
a. Estes decretos são tidos como não exequíveis em si mesmos, pois limitavam-se a suspender
direitos;
4. Decretos Governo/ Resoluções CM: dão execução aos decretos do PR, recortando as limitações dos
direitos suspensos pelo decreto do PR
a. O Governo reservou os decretos do Governo para os casos de EE e as resoluções do CM para os
estados de normalidade constitucional, mas com as situações da LBPP.
5. Outros diplomas de execução;

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Sem prejuízo do referido, a pirâmide clássica de fontes de Direito convive em paralelo com a pirâmide
supramencionada: toda a restante atividade estadual, que não tenha diretamente a ver com as causas da
declaração da excecionalidade constitucional, rege-se pelas condições típicas da normalidade constitucional.
A pirâmide acima mencionada terá, então, como papel enquadrar e executar juridicamente a modalidade de
excecionalidade constitucional escolhida.

Com base no referido, importa distinguirmos duas ordens constitucionais paralelas, mas sem fronteiras rígidas
entre si:

• Ordem constitucional/legal de exceção:


o Constituída por medidas de suspensão de direitos e medidas destinadas à sua execução;
o Relativamente autónoma;
o Composta essencialmente por normas excecionais e especiais (proibitivas, impositivas e
permissivas);

• Ordem constitucional/legal de normalidade:


o No âmbito da pandemia de Covid-19, incide sobretudo sobre medidas de apoio às pessoas, às
famílias, e às empresas e instituições de solidariedade social;

10.6. Princípios jurídicos


Com exceção do princípio da proteção da confiança, severamente afetado pela excecionalidade inerente à
declaração, os demais princípios jurídicos – equiparação, proporcionalidade, igualdade e responsabilidade –
mantém a sua plena aplicação.

10.7. Direitos suspensos pelo PR na pandemia


1. Direito de deslocação e fixação (artigo 44º);

2. Propriedade privada (artigo 62º);

3. Iniciativa económica privada (artigo 61º);

4. Direitos dos trabalhadores e suas associações (artigos 53º ss.);

5. Circulação internacional (artigo 44º);

6. Direito de reunião e manifestação (artigo 45º);

7. Liberdade coletiva de culto (artigo 41º);

8. Liberdade de aprender e de ensinar (artigo 43º);

9. Proteção de dados pessoais (artigo 35º);

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10. Direito de resistência (artigo 21º);

Discutiu-se, a respeito das quarentenas obrigatórias, se seria possível e/ou adequado suspender-se o direito à
liberdade (artigo 27.º CRP).

10.8. Situações de anormalidade civil


A Constituição apenas prevê dois cenários de anormalidade constitucional: o estado de sítio e o estado de
emergência. Os demais casos de anormalidade, regulados pela lei de bases da proteção civil, são cenários de
normalidade constitucional, pelo que eventuais limitações aos DLG terão de seguir os quadros típicos.

Nesse sentido, atendendo ao artigo 18.º CRP, a AR terá competência relativa para legislar em matéria
de DLG (incluindo-se, por maioria de razão, as leis restritivas). São admitidos regulamentos de execução das
leis restritivas (artigo 112.º, n.º 7, CRP), tendo em vista concretizar as restrições enunciadas legalmente. Os
regulamentos não podem introduzir disciplinas inovadoras – a lei restritiva deve definir as principais opções
em sé do conteúdo essencial das restrições.

Com o fim do primeiro bloco de estados de emergência (março - maio 2020), fruto de não ter sido
elaborada uma lei de emergência sanitária, o Governo irá emanar uma resolução do CM cujas medidas
decididas serão ancorada em diplomas legais desadequados ou insuficientes para o cenário pandémico.
Falamos da LBPC (artigos 8.º e 21.º), a Lei do Sistema de Vigilância em Saúde Pública (artigo 17.º) e o DL 10-
A/2020, de 13 de março (artigos 12.º e 13.º) e, eventualmente, a Lei de Bases da Saúde.

JPS considera que estas leis são inadequadas para o combate à Covid-19:

• Artigo 17.º LSVSP: o primeiro número do preceito não contempla, por exemplo, a possibilidade de
realização compulsiva de rastreios à Covid-19, bem restrições em matéria de proteção de dados e de
liberdades de circulação;
• Artigo 21.º LBPC: a situação pandémica não recai, aparentemente, no conceito de acidente
grave/catástrofe prevista. Além disso, toda a lei está pensada para restrições localizadas, pontuais e
reduzidas aos DLG das pessoas (ex. cortar o trânsito numa estrada em risco de derrocada).

Nesse sentido, apesar de muitos argumentos que foram dados, JPS considera que não existe lei habilitante
com suficiente densidade e determinabilidade, devendo ser pensada a possibilidade de adoção de uma lei de
emergência sanitária que permita restringir adequadamente os direitos necessários ao combate à pandemia.

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11. Disponibilidade dos direitos fundamentais


Triângulo jus fundamental: o Estado em cima e depois temos é em baixo um agressor e um lesado. Neste
tema da matéria vamos condutas um pouco “estranhas” do ponto de vista do triângulo jus fundamental →
pois o agressor é simultaneamente o lesado.

Como? Temos alguém que por variadíssimas razões e põe em risco os seus próprios bens jus fundamentais
podendo provocar mesmo uma lesão significativa às vezes irreversível.

Casos em que o Agressor é simultaneamente o Lesado:

Condutas ofensivas

1. Condutas Suicidas
2. Condutas de recusa tratamento médico: o tratamento que representa aqui sempre uma agressão à
sua integridade física sendo que a pessoa é livre de o fazer – o médico que operar alguém contra a
vontade do paciente comete um crime de ofensas corporal
3. Condutas de greve de fome: numa primeira fase de greve de fome não é particularmente lesiva e dos
bens jurídicos individuais, mas se levada a até é momentos extremos e pode conduzir à morte ou pelo
menos pode conduzir a lesões irreversíveis para a saúde
4. Condutas a Automutilação

Ofensas Perpetradas Contra a Saúde:

1. Consumo de estupefacientes
2. Consumo do tabaco
3. Consumo de substâncias dopantes
4. Consumo bebidas alcoólicas
5. Consumo sistemático de Fast Food

Desportos com consequências negativas que podem resultar em que o Lesado seja o Agressor:

1. Pugilismo
2. Futebolistas
3. Desportos motorizados: ainda que as pessoas usem e equipamentos de proteção bastantes
sofisticados é frequente morrerem ou ficarem com lesões bastante sérias
4. Desportos radicais

Questão: Uso do cinto de segurança, capacete de proteção nas motas e trotinetes e bicicletas públicas:

Esta questão foi colocada no passado, mas que está a voltar - o cinto de segurança é obrigatório, mas a questão
é saber porque é que é obrigatório uma vez que antes de mais está em causa a integridade física e a vida do
próprio.

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Outra questão relevante é a Prostituição e da Pornografia: Estamos a falar de situações em que as pessoas
com mais ou menos condicionantes sociais optam é por se dedicar a estas atividades que têm consequências
físicas e psicológicas graves e que estão sujeitas a situações de risco quer de abuso, violência entre outros

Outros comportamentos de risco com consequências na integridade física das pessoas:

1. A colocação de piercings
2. A exposição ao sol
3. Relações Sexuais não protegidas
4. Jogos de fortuna e azar
5. Cirurgias Estéticas
6. Casos de maternidade de substituição
7. Doação de órgãos em vida

Profissões que implicam risco e inclusivamente a obrigação de proteção, com o seu próprio corpo, de
terceiros:

1. Guarda-costas
2. Duplos
3. Polícias e os bombeiros
4. Participantes de Reality Shows: há claramente uma conduta de renúncia à reversa da atividade na vida
privada

Ainda que estas condutas sejam de certa forma condutas paradoxais em que a pessoa age contra si próprio e
age contra os seus bens de jus fundamentais elas estão profundamente disseminadas na prática na vida social.

Qual é o objetivo deste estudo? Perceber o que é que o Estado naquela posição cimeira do triângulo pode ou
deve fazer e se tem dever de proteção ou não, bem como entender onde é que esse dever termina.

Quatro distinções: Temos que distinguir:

a) Condutas de Auto colocação em perigo ≠ Condutas Auto lesivas ≠ Condutas Renunciantes


b) Condutas adotadas por quem tem capacidade (aka “maiores e vacinados”) ≠ Condutas Assumidas por
quem não possui a capacidade livre e vontade consciente
c) Condutas que comportam riscos para quem as pratica ≠ Condutas que sem prejuízo da sua
autoprejudicialidade colocam também em perigo outras pessoas
d) Proteção contra a vontade do próprio titular do direito ≠ Proteção contra Terceiros – sem excluir a
pessoa do Estado – relativamente aos quais o titular do direito consentiu na agressão desse mesmo
direito ou renunciou ao seu exercício

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Condutas de Auto colocação em perigo ≠ Condutas Auto lesivas ≠ Condutas Renunciantes

Conduta de Auto Colocação em Perigo e Conduta Auto Lesiva: Do ponto de vista da sua gravidade são
completamente diferentes - uma coisa é aceitar o risco outra coisa é ter uma conduta em si mesma auto lesiva
– no entanto, também não há fronteiras rígidas entre uma e outra, tanto que até têm a parecença de não
serem dependentes de participação ativa ou passiva de terceiros, nem mesmo como recetores de uma
mensagem ou espectadores de um evento. Num caso, o titular do direito limita-se a aumentos os perigos
normais da vida em sociedade, procedendo de forma arriscada ou expondo-se a um determinado risco
preexistente. No outro caso, o titular do direito vai mais longe, lesando-se a si próprio de uma forma que pode
ou não ser irreversível para os bens jusfundamentalmente protegidos. Ambas são, portanto, condutas auto
prejudiciais e eminentemente auto referentes.

Exemplo da parecença dos conceitos: Se alguém fizer greve de fome num dado momento a pessoa está a
colocar em risco a sua saúde e a sua vida, mas o prolongamento da greve de fome torna-se uma conduta Auto
lesiva.

Condutas renunciantes: Pressupõem necessariamente a intervenção ou a presença de um terceiro,


sem o qual seria impossível ao respetivo autor vincular-se juridicamente. Quer sejam antecedentes ou
posteriores à colocação em perigo ou à lesão, quer sejam bilaterais ou unilaterais, quer sejam expressas,
tácitas ou fictas, e independentemente de serem formais ou informais, as condutas em que um sujeitos
jusfundamental dispõe de um direito próprio carecem, como condição da sua relevância jurídica, da existência
de um terceiro que as percecione. O comportamento de uma renúncia a um direito fundamental é sempre
receptício, independentemente da participação mais ou menos ativa do recetor na efetiva lesão do bem
jusfundamental em causa.

Condutas adotadas por quem tem capacidade (“maiores e vacinados”)

≠ Condutas Assumidas por quem não possui a capacidade livre e vontade consciente

Quem tem capacidade para formar corretamente a sua vontade tem de reunir os seguintes pressupostos:

(a) Capacidade para

(b) formar corretamente a sua vontade livre e esclarecida e para

(c) se determinar em conformidade com essa mesma vontade consciente

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Exemplos de pessoas que não preenchem estes requisitos:

(a) Pessoa com perturbação psicológica

(b) Alcoolizada

(c) Sob o efeito estupefacientes

→ Estas pessoas renunciaram aos seus direitos? Não. A questão está em saber se a pessoa tiver em
alguma destas situações, a renuncia não é válida – ex: Qualquer pessoa pode entra numa loja de piercings,
mas se a pessoa estiver visivelmente alcoolizada, a sua renúncia do direito não é propriamente válida.

A pessoa tem que estar consciente daquilo que está a acontecer e tem que ter a capacidade para agir em
conformidade com essa sua deliberação prévia.

Mas quem é que não possui a capacidade livre e vontade consciente? – Exemplos:

a) menores

b) portadores de deficiência/doença mental

c) pessoas sob coação

d) incapacidade acidental

e) vítimas de violência sistemática

Assim, temos que distinguir de facto estes estes 2 grupos de pessoas e os “maiores e vacinados” e os outros
que podem precisar efetivamente de ser protegidos contra si próprios.

Não haverá, no entanto, 3 grupos de pessoas? Não, pois no segundo grupo das pessoas que precisam de
proteção pode haver diversas gradações – a questão fundamental é saber se pode o Estado proteger os
cidadãos contra si próprios e contra condutas que estes têm e que são lesivas dos seus bens jurídicos
fundamentais?

A grande fronteira que se tem de estabelecer é saber se a pessoa é capaz de tomar uma decisão de forma livre
e esclarecida. Assim não quer dizer que haja uma renúncia dos direitos, mas pode haver por exemplo uma
incapacidade momentânea da pessoa e, portanto, o Estado tem de proteger esses indivíduos.

Problema Teórico: Como é que se determina se certas condutas auto prejudiciais e renunciantes mais
extremas podem alguma vez corresponder a uma vontade livremente formada e esclarecida?

Exemplo: A questão do suicídio – será que o suicídio é uma conduta de manifestação de liberdade e
autodeterminação pessoal ou será um atentado contra a própria vida determinado por doenças graves de foro
psicológico?

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Numa perspetiva constitucional, nada pode dispensar um esforço de conhecimento das motivações e das
condições concretas de execução do suicídio, muito embora um princípio de primazia na preservação da vida
humana encontre, apesar de tudo, algum conforto no facto de a morte, ao contrário do salvamento, ser
absolutamente irreversível. Contudo, este argumento da irreversibilidade não serve de todo, ou pelo menos,
tem um peso inferior noutras situações quem, sem a radicalidade do suicídio, também colocam o prolema da
avaliação do modo como se formou a vontade do titular do direito, tal como sucede na automutilação ou na
renúncia a tratamento médico.

Condutas que comportam riscos para quem as pratica ≠ Condutas que sem prejuízo da sua
autoprejudicialidade colocam também em perigo outras pessoas

Intervenção do Estado – de forma a proteger terceiros e não os próprios:

Fumar → Não é a mesma coisa fumar sozinho ou fumar junto de outras pessoas - fumar sozinho só
comporta riscos para o próprio e fumar junto de outras pessoas comporta riscos para os outros sendo estes
os tais “fumadores passivos” podendo ter a sua saúde tão prejudicada quanto os fumadores ativos, portanto
muitas das vezes a intervenção do Estado justifica-se não por causa da saúde dos próprios, mas por causa da
saúde dos outros que são afetados também por essa mesma conduta

Cinto de Segurança → Esta com esta questão esta distinção é relevante nas condutas relativas à
circulação rodoviária é em particular é quando se colocou a questão da obrigatoriedade do cinto de segurança
e do capacete de proteção. Esta obrigatoriedade foi justificada não pela vida do próprio, mas por causa da das
outras pessoas que usam as vias públicas. – Ou seja, se eu for sem cinto eu posso ter um acidente e se o
acidente for culpa minha paciência, mas se o acidente for culpa do outro automobilista o outro automobilista
tem vantagem em que o vá com cinto, desde logo o outro automobilista vai responder esse pelas
consequências do acidente a que deu causa.

Assim, se eu for com cinto posso ficar com os arranhões, mas se eu for sem cinto posso morrer o que significa
que o outro vai ser responsável por homicídio negligente. Portanto obrigatoriedade do cinto é uma relação
positiva na relação com terceiros, pois esta obrigatoriedade recai numa tentativa de proteger o terceiro das
possíveis consequências extra de um acidente.

Há uns tempos atrás por exemplo é foi proposta é uma lei que proibia a colocação de piercing em particular
em sítios do corpo particularmente sensíveis → o argumento era que as pessoas são particularmente atreitas
em infeções e às vezes até a deformações decorrentes destas práticas. Ora, ao proibir estamos a proteger o
serviço nacional de saúde de ter que corrigir aqueles problemas. Dizia-se na altura que isto é um problema
de saúde pública (não é a opinião do Professor JPS – eu sendo mais um problema de saúde individual). Quando
muito pode ser um problema de afetação dos recursos públicos podendo simplesmente decidir que os
recursos públicos do serviço nacional de saúde.

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Apesar de o Estado ter um direito de proteger os indivíduos em alguns aspetos, temos que ter algum cuidado
pois os indivíduos têm um direito de serem deixadas em paz.

Esta questão é discutida por exemplo o propósito da publicidade da pornografia: Há publicidade a pornografia
que é evitável e a publicidade a pornografia que é surpreendente → de certa forma as pessoas têm o direito
a não serem confrontadas e com condutas que sintam como uma agressão à sua integridade moral, mas
também preciso ter aqui a alguma conta peso e medida pois de facto não existe um direito genérico a não
sermos incomodados com a conduta dos outros.

Proteção em relação às condutas do próprio titular do direito ≠ Proteção que é forçada

Uma coisa é ter condutas paternalistas relativamente a quem está disponível para aceitar esse paternalismo
outra pois é ter condutas e paternalistas contra quem rejeita veementemente essas posturas é para
paternalistas parte do estado.

Proteção contra a vontade do próprio titular do direito ≠ Proteção contra Terceiros – sem excluir a pessoa do
Estado – relativamente aos quais o titular do direito consentiu na agressão desse mesmo direito ou renunciou
ao seu exercício:

→ Os terceiros também são chamados muitas vezes a esta equação e, portanto, o estado para proteger
determinados direitos acaba sobretudo por restringir a posição de terceiros no fundo decretando que estes
terceiros não podem e recebi as validamente o consentimento por parte do titular do direito que está em
causa.

Isto tudo leva-nos no fundo a 3 grandes posições quanto à questão fundamental da disponibilidade ou
indisponibilidade dos direitos fundamentais (mais uma teoria alternativa – Harm Principle):

→ Primeira Posição: Os direitos fundamentais são posições jurídicas indisponíveis

Segunda Posição: São posições jurídicas inteiramente disponíveis e que encontram fundamento no livre
desenvolvimento da personalidade: relativamente a pessoas maiores e vacinadas nós podemos invocar o
direito à integridade moral, o direito à imagem, a liberdade religiosa, a liberdade de escolha de profissão, a
liberdade de investigação científica entre outros – Basicamente vamos dizer, que com a minha vida com a
minha atividade física com a minha saúde eu faço o que quer até com a minha reserva da intimidade da vida
privada, os meus dados pessoais

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Nota: Isto assumindo que a minha conduta não tem reflexos negativos para terceiros pois ninguém pode
renunciar aos direitos alheios. Portanto se houver consequências para terceiros o Estado pode e deve intervir
e proteger os bens jurídicos de terceiros.

→ Terceira Posição: Há várias posições intermédias, mas eu acho que muitas destas posições
intermédias não são verdadeiramente autónomas são uma forma de mitigar nalgumas situações mais
extremas é a posição geral da disponibilidade → Porquê? Podemos dispor dos nossos direitos, mas nunca de
todos os direitos ao mesmo tempo pois senão seria admissível o contrato escravatura – a pessoa deixava de
ser uma pessoa e tornava-se uma coisa.

Para além disto, a disposição do direito não respeita realmente ao direito como um todo é as relações jus
fundamentais muitas vezes a respeitam em segmentos do direito → portanto se houver dois pugilistas no
ringue a esmurrarem-se reciprocamente – eles de facto renunciaram à sua integridade física e se entrar uma
terceira pessoa no ringue e der um par de estalos em cada uma esta pessoa comete crime de ofensa à
integridade física.

Posição do JPS: Os direitos são fundamentalmente disponíveis é a ideia de indisponibilidade dos


direitos fundamentais é uma ideia que remonta ao contrato social e é uma ideia que no fundo diz respeito às
relações entre as pessoas e o Estado → as pessoas não podem renunciar aos seus direitos na relação com o
Estado, mas podem pôr em causa os seus próprios bens jurídicos na sua vida individual na sua vida privada ou
nas relações com outros sujeitos privados.

A ideia de indisponibilidade é a ideia de Locke que é quando uma pessoa passa do Estado natureza para o
Estado sociedade o Estado não pode ficar com os nossos direitos.

De um modo geral é o que está em causa é o exercício efetivo dos direitos e não é titularidade dos direitos →
a disponibilidade dos direitos decorre da Constituição e nalguns casos da lei.

O exercício do direito é muito díspar pode haver exercício ativo, pode haver exercício passivo ou pode haver
exercício renunciante.

Outro aspeto que é importante que é essas mudanças nunca são definitivas: estas condutas e nunca são
definitivas elas são sempre reversíveis seguindo também a lógica da possível responsabilidade civil e do direito
à indeminização.

Tese Alternativa – Dignidade da Pessoa Humana:

Há uma tese que entende que a disponibilidade só é aceitável na medida em que não ponha em causa a
dignidade da pessoa humana: é uma tese que de certa forma toda a gente concorda, mas ninguém sabe o que
é isto significa verdadeiramente.

• Harm Principle – Stuart Mill: É uma boa resposta a esta tese - não há nenhuma visão possível da
dignidade da pessoa humana em que o próprio dessa dignidade que não tenha uma palavra a dizer
ou seja, ao contrário daquilo que Rousseau pensava ninguém pode ser obrigado a viver uma vida livre,

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digna aos olhos dos outros → não é concebível que a manifestação digamos assim mais é pura mais
translúcida da liberdade individual possa ser entendida como digna apenas aos olhos dos outros
• Exemplo: Homem bomba: é um anão que trabalha para o circo em que o homem é disparado por um
canhão como se fosse uma bala. Há alguns que dizem que isso é uma total instrumentalização de uma
pessoa, sendo ridicularizada humilhada tratada como um objeto. No entanto, foi a pessoa que
escolheu fazer aquilo.
• Esta questão também se coloca relativamente à prostituição – há doutrina que entende que isto é
uma atividade indigna, portanto deve ser proibida, mas, as pessoas estão a fazer aquilo porque apesar
de tudo no seu balanço de vida acham que é o que faz mais sentido do que fazer outra coisa.
• A opinião que no final de contas prevalece é dos próprios.

Dever de Proteção da Saúde– artigo 64º

→ É um direito dever. Tem de se distinguir diferentes deveres de proteção da saúde:

1. Dever de contribuir ativa ou passivamente para a promoção da saúde pública: isto é, no fundo, o que
está em causa no contexto pandémico.
2. Dever de não atentar de forma direta ou indireta contra a saúde alheia: aqui por exemplo coloca-se o
dever de quando está infeta com covid19 não ir ter com outras pessoas de modo a não as infetar. Há
aqui um dever que liga é o titular simultaneamente do direito à saúde e sujeitos deste dever de
proteção a outras pessoas individualmente consideradas.
3. Dever de preservação da promoção da saúde própria perante a comunidade em geral e perante as
instituições estaduais: O Professor JPS acha que isto não existe. Não temos o direito o dever de ser
“bem-comportados”. Não se pode extrair do artigo 64º um dever de boa conduta dos cidadãos e no
que diz respeito à sua saúde para não causar despesas ao Estado para não onerar o SNS e a SS.
4. Dever de preservação ou por um ao promoção da saúde própria em face de terceiros determinado
sejam biológicos ou socialmente dependentes da pessoa de cuja saúde se trata: isto é um problema
que se coloca essencialmente na relação de pais para filhos - na relação das grávidas é o feto é (caso
de eventualmente as grávidas poderem consumir por exemplo drogas, mas a questão também se
coloca assim relativamente a pais e mães)
5. Dever de preservação a promoção da saúde própria diante de si mesmo: Isto não é uma coisa do foro
jurídico será eventualmente do foro ético for moral. A relação é que cada um de nós tem com a sua
própria com a sua própria saúde e não é algo que que seja equacionável no âmbito dos direitos
fundamentais.

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12. Autotutela, proteção jurisdicional e administrativa


Neste ponto trataremos dos mecanismos de proteção jurídica dos direitos fundamentais.

➢ Autotutela: a autotutela começa por ser jurisdicional, mas também pode ser em muitos casos
administrativa
o Ex: direito de resistência: paradoxalmente, durante o estado de emergência, houve uma
suspensão do direito de resistência, que se insere numa causa de justificação que podia ser
apresentada se houvesse acusações de crime de desobediência.

➢ Heterotutela: o princípio básico da heterotutela é existência de um sistema e judiciário a que os cidadãos


têm acesso garantido. Os preceitos básicos são
o Artigo 20.º CRP: é no fundo genérico para todas as jurisdições;
o Artigo 32.º CRP: no contexto do processo penal;
o Artigo 268.º CRP: no âmbito da jurisdição administrativa.

12.1. Heterotutela jurisdicional


O artigo 22º CRP estabelece que todos os poderes públicos, independentemente da função do Estado que
estiver em causa (seja legislativa, política, executiva ou jurisdicional), são civilmente responsáveis pelos danos
que causarem nos direitos das pessoas – princípio da responsabilidade dos poderes públicos.

Existem, para o efeito, regras especiais sobre a função jurisdicional:

• Artigo 27º nº 5 CRP: a privação da liberdade contra o disposto na Constituição constitui o Estado o
dever de indenizar nos termos em que a lei estabelecer.
• Artigo 29º nº6 CRP: casos de condenação injusta – pressupõe-se que a pessoa cumpriu pena, mas
esta, através de mecanismos de revisão de sentenças, vê a sua condenação injusta corrigida;
• Artigo 62º nº 2 CRP: requisição civil e expropriação, geralmente qualificada como responsabilidade
civil por atos lícitos.
o Não é pacífica esta qualificação, havendo quem sustente que não está em causa uma
verdadeira forma de responsabilidade civil, mas sim outro instituto diferente, podendo haver
dever de indenização sem esta responsabilidade propriamente dita72.
o A Professora Maria Lúcia Amaral (Provedora de Justiça) há muito tempo que defende que a
indenização deve ser contemporânea, isto é, no momento da requisição e da expropriação é
que deve ser paga a indeminização.
• Artigo 117º CRP: responsabilidade de titulares de órgãos em cargos políticos
• Artigo 157º nº1 CRP: irresponsabilidade dos deputados pelos seus votos:

72
É a questão nuclear da requisição civil ao Zmar Eco Resort.

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o Assenta no princípio segundo o qual quem toma determinadas decisões, se não agir com dolo
ou má-fé, não pode ser responsabilizado pessoalmente pelas consequências das suas
decisões.
• Artigo 261º CRP: responsabilidade dos funcionários públicos
o Na nossa Constituição os funcionários públicos podem isentar-se de responsabilidade
exercendo o direito de respeitosa representação – ex: se alguém recebe uma ordem e acha
que essa ordem pode gerar danos lesão de bens jusfundamentais.

Nesse sentido, a partir do artigo 20º CRP conseguimos extrair um conjunto de segmentos desta ideia de
proteção jurisdicional efetiva:

1. Direito de acesso aos tribunais: ninguém pode ser impedido de apresentar as suas pretensões a
tribunal
a. Este direito, em bom rigor, só existe se existir conformação prévia dos meios processuais: se
não existirem códigos de processo não há vias processuais que possam ser usadas.
2. Direito positivo ao apoio judiciário: direito social que permite aos sujeitos com falta de recursos serem
apoiados nas custas processuais.
a. É necessário fazer a diferença entre Custas dos processos ≠ Patrocínio judiciário
3. Direito a Patrocínio Judiciário e a fazer-se assistir por advogado;
4. Direito a um processo equitativo;
5. Direito à decisão ser proferida num prazo razoável;
6. Direito às vias processuais céleres:
a. O artigo 20º nº5 CRP dita a característica da celeridade;
b. O artigo 52º nº3 CRP prevê ações populares: meios processuais para defender aquilo que
chamam interesses difusos – ex: saúde pública, património etc.

A via mais relevante de tutela jurisdicional dos direitos fundamentais é conseguida, segundo Jorge Pereira da
Silva, consta do artigo 204.º CRP: num determinado litígio com que o tribunal a quo se confronta, a parte
interessada, durante o processo, poderá suscitar a arguição da inconstitucionalidade das normas
potencialmente aplicáveis ao caso concreto por violação de direitos fundamentais (sejam eles DLG ou DESC).

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12.2. Heterotutela não jurisdicional


A par da tutela jurisdicional, podemos ter outros meios de tutela dos direitos fundamentais:

• Direito de acesso dos cidadãos à proteção jurídica (artigo 20.º CRP);


• Direito de petição (artigo 52.º, n.º 1, CRP): todos os cidadãos, bem como algumas associações
representativas de direitos e/ou interesses, podem apresentar às entidades públicas as suas
pretensões e ter direito a uma resposta;
• Direito de participação procedimental (artigo 267.º, n.º 5, CRP): direito de os particulares serem
ouvidos antes da tomada da decisão final.
• Reclamação e recurso hierárquico: figuras aplicáveis caso a contestação seja dirigida contra o próprio
órgão decisório ou para o superior hierárquico do órgão decisório.
• Autoridades (administrativas) independentes:
o Competência genérica em matéria de direitos fundamentais
▪ Provedor de Justiça (artigo 23.º CRP): com base nas queixas recebidas pelos cidadãos,
formula recomendações dirigidas aos órgãos administrativos destinatários da queixa;
o Competência sectorial
▪ CNPD (artigo 35.º CRP): protege o direito fundamental à privacidade dos dados
pessoais;
▪ ERC: protege a liberdade de expressão (artigo 39.º CRP);
▪ CNE: protege o direito de sufrágio (artigos 48.º e ss. CRP);
▪ CES: papel importante na defesa dos direitos dos trabalhadores e dos direitos sociais
em geral (artigo 92.º CRP);
▪ Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos: defesa do direito à informação
dos administrados (artigo 268.º, n.º 2, CRP).
▪ MP (artigo 219.º e ss. CRP): não só o titular da investigação e ação penal (que implica
a proteção de bens jusfundamentais) mas também de tutela de direitos de pessoas
especialmente frágeis (representa menores, trabalhadores, etc.);
o Ordem dos Advogados: associação pública profissional que permite aos advogadores
acompanharem todos os seus clientes em tudo o que seja necessário para tutela dos seus
direitos (v. artigos 20.º, n.º 2, + 208.º CRP).

Com exceção do Provedor de Justiça e da Ordem dos Advogados, as entidades tem poderes sancionatórios.

Não podemos confundir estas autoridades independentes com outras entidades cuja atividade desempenha
um papel relevante na proteção dos direitos fundamentais, desde logo:

• Órgãos independentes, consultivos ou de fiscalização: em regra, não tem poderes de autoridade.


o Conselho Nacional de Educação;
o Comissão da Liberdade Religiosa;
o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informação da República;
o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida;

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• Administração dependente (artigo 266.º, nº 1, CRP): serviços cujas funções incluem a tutela de direitos
fundamentais:
o Forças e serviços de segurança: Polícia, SEF, etc. (artigo 272.º CRP);
o Serviços diplomáticos e consulares: proteção dos direitos dos portugueses no estrangeiro
(artigo 14.º CRP);
o Proteção civil;
o Alto Comissariado para a Imigração;
o Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género;
• Entidades Privadas/ ONG’s
o Amnistia Internacional;
o Conselho Português para os Refugiados;
o Associações de defesa do ambiente;
o Sindicatos;
o Partidos políticos.

12.3. Fiscalização administrativa da constitucionalidade


A Administração Pública está vinculada à Constituição (artigo 266.º CRP) e, em específico, as entidades públicas
estão vinculadas aos direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 1, CRP).

Não existindo propriamente um artigo 204.º CRP, que autorize a Administração a não aplicar leis
inconstitucionais por violação de DLG, discute-se se a interpretação conjunta dos preceitos pode resultar a
possibilidade de fiscalização administrativa da constitucionalidade: a AP recusar a aplicação de uma lei sempre
que considere a mesma lesiva de direitos fundamentais e, em particular, DLG.

A questão é controversa, pois admitir-se esta possibilidade poderia levar a um esgotamento do princípio da
legalidade em detrimento do princípio da constitucionalidade. Assim, para as posições mais extremadas, no
limite, poderia pôr-se em causa o princípio da separação de poderes e a subordinação da AP à lei.

Jorge Pereira da Silva adota uma postura intermédia: considera que, em certos casos, é possível admitir-se
este instituto:

• A decisão de recusa de aplicação teria de ser tomada pelo funcionário de topo da hierarquia
administrativa;
• Só poderia ter lugar perante razões fortes, que indiciassem uma inconstitucionalidade.
o Não fará sentido, por exemplo, a AP continuar a aplicar uma lei que um tribunal já tenha
considerado inconstitucional em momento anterior;

Nesse sentido, a AP não poderá estar subordinada de forma cega à lei, ignorando por completo os ditames
impostos pela Constituição e, em particular, o respeito pelos DLG: de facto, a vinculação imposta pelo artigo
18.º, n.º 1, CRP traduz, por maioria de razão, uma vinculação genérica à Constituição.

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13. Direitos sociais


O principal problema que os direitos sociais convocam prende-se com a sua dignidade constitucional. Esta
problemática, já abordada na discussão sobre a unidade/dualidade dos direitos fundamentais, provoca
divisões na doutrina:

• Para uns, os direitos sociais traduzem um wishful thinking, na medida em que, ao final do dia, o que
conta é a capacidade dos Estados para desenvolver políticas sociais, em maior ou menor medida;
• Atualmente, a tendência é para conceder-se aos direitos sociais dignidade constitucional.

Na atualidade, as questões passam agora para o plano do impacto desses direitos nos sujeitos e o seu grau de
justiciabilidade: a possibilidade de os cidadãos reclamarem, judicialmente, prestações devidas por força desses
direitos (que variam entre si).

O problema da justiciabilidade tem impacto, desde logo, nos direitos originários (tal como estão
previstos na Constituição): em matéria de direitos derivados, legalmente concretizados, as questões não se
colocam; agora, à falta de lei, a possibilidade de os cidadãos invocarem diretamente direitos consagrados no
texto da lei fundamental acaba por ser mais complicada. Estes direitos dizem sempre respeito a prestações,
que podem ser prestações materiais ou financeiras.

Excluindo a escolaridade obrigatória e o acesso aos cuidados de saúde primários, o conteúdo justiciável destes
direitos dificilmente ultrapassa a barreira do acesso procedimentalmente justo: o direito, em si mesmo, não é
reconhecido; mas os cidadãos podem ver a sua pretensão de acesso concorrer em paridade com as demais.

Alguns autores, perante esta questão da justiciabilidade dos direitos sociais, contornam as dificuldades
enunciadas defendendo que o único direito que, mesmo inexistindo lei concretizadora, os tribunais não
podem recusar conhecer: o direito a um mínimo de sobrevivência condigna. Nesse sentido, os tribunais
deveriam decidir pela atribuição da prestação inerente ao direito quando a sua recusa impedisse a garantia
de um mínimo de sobrevivência condigna (ex. RSI).

Atendendo às limitações financeiras do Estado, será muito difícil garantir este direito a todos os indivíduos de
modo universal. Nesse sentido, a distribuição dos recursos deverá ser feita de acordo com um princípio de
seletividade para aqueles cidadãos especialmente necessitados e frágeis.

Os direitos sociais podem comportar várias conceções, que devem ser moldadas em função do tipo de direito
e das diferentes necessidades (segundo Jorge Pereira da Silva). Podemos, aqui, ponderar três temas
relevantes:

➢ Custo dos direitos: dado que “não há almoços grátis”, todos os direitos tem custos, sejam eles DLG ou
DESC, sejam os custos mais ou menos onerosos para os cofres públicos.
o A reserva, em muitos casos, incide não só sobre o financeiramente possível, mas sobre o
materialmente possível: a elasticidade na prestação de serviços, em matéria de bens
disponíveis para garantir a satisfação dos DESC, é limitada.

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➢ Proibição do retrocesso: Jorge Pereira da Silva considera que esta conceção, de inspiração germânica,
foi concebida para uma Constituição e regime político e ideológico distinto.
o Em 1976, os ideias socialistas e marxistas da época perspetivaram a proibição do retrocesso
como uma conquista irreversível de determinadas pretensões, sobretudo nos direitos dos
trabalhadores e da classe operária;
o Existem vários níveis de proibição de retrocesso:
▪ Não se pode descumprir o que está imposto pela lei fundamental: posição assumida
em 1984 pelo Tribunal Constitucional, pela mão do conselheiro Vital Moreira;
▪ O conteúdo dos direitos sociais está em constante crescimento: uma vez fixado um
determinado patamar, não se pode baixar desse.

➢ Fiscalização das omissões legislativas: as omissões inconstitucionais do legislador podem ser


fiscalizadas segundo três mecanismos:
o Artigo 283.º CC: norma processual que cobre apenas algumas omissões legislativas;
o Artigo 204.º CC: para Jorge Pereira da Silva, esta é a principal norma que permite a fiscalização
das omissões do legislador – o TC, em várias ocasiões, já deu como verificada uma
inconstitucionalidade por omissão na medida em que uma determinada norma jurídica não
regula uma determinada situação que devia regular.
o As omissões podem ser totais ou parciais73.
o O Estado pode ainda ser demandado por omissões legislativas (artigo 22.º CRP).

73
Inicialmente, o subsídio de desemprego (artigo 59.º, n.º 1, al. e), CRP) estava inicialmente previsto apenas para os
trabalhadores do setor privado. Ao deixar de fora os trabalhadores da função pública, está em causa uma omissão
parcial.

2020/2021 DFJC B/C 109

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