Abuso Do Direito e Dano Processual

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ABUSO DE DIREITO E DANO PROCESSUAL

ABUSO DE DIREITO E DANO PROCESSUAL


Revista de Processo | vol. 32/1983 | p. 28 - 38 | Out - Dez / 1983
DTR\1983\47

Roberto Rosas

Área do Direito: Constitucional; Processual


Sumário:

1. É indubitável o acolhimento da teoria do abuso de direito pelo Código Civil (LGL\2002\400)


Brasileiro. Contestou-se a existência desse agasalho, porém, Clóvis Bevilácqua profligou a negação,
ao mostrar que o art. 160 já falava em exercício normal de direito, logo, ao revés, o exercício anormal
do direito era o ato abusivo de um direito. Se havia anormalidade causadora de dano, então, haveria
o ressarcimento do dano.

Para definir o exercício anormal do direito, alguns atendem à intenção do agente, o prejuízo
deliberado a terceiros (Demogue, Ruggiero, Henri Lalou). Jean Carbonnier assinalou que o critério
para a verificação do abuso de direito pode ser tirado do fim perseguido. Há abuso se o titular do
direito exerceu-o com o fim de causar dano a outros, sem interesse ( Droit Civil, vol. 4, 1969, p. 337).

O Código de Processo Civil (LGL\1973\5) abraçou a teoria do abuso do direito de demandar, ao


considerar a responsabilidade das partes por dano processual, quando o art. 16 impõe: responde por
perdas e danos aquele que pleitear de má fé como autor, réu ou interveniente, e cuidadosamente
limita o conceito de litigante de má fé, às hipóteses elencadas pela Lei 6.771, de 27.3.80, que deu
nova redação ao art. 17 do CPC (LGL\1973\5): "I - Deduzir pretensão ou defesa contra texto
expresso de lei ou fato incontroverso; II - Alterar a verdade dos fatos; III - Usar do processo para
conseguir objetivo ilegal; IV - Opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V -
Proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI - Provocar incidentes
manifestamente infundados".

2. Numa orientação mais moderna, o exercício anormal do direito pode se caracterizar sem a
intenção de prejudicar. Não havendo proveito próprio, ou intenção de prejudicar, não há
anormalidade (orientação de Saleilles e Josserand), ou como diz Santiago Dantas: o abuso é
qualificado pelo aspecto objetivo do ato. Se este patenteia a sua anti-socialidade existe abuso e cabe
repressão ( O Conflito de Vizinhança e sua Composição, 2.ª ed. p. 105).

Saleilles foi o criador da teoria do exercício anormal do direito, repelindo o critério psicológico do
Código alemão, no qual, o exercício de um direito é inadmissível se ele tiver por fim, somente, causar
dano a outro (BGB - § 226), em contraposição a outro dispositivo do BGB, que impõe a indenização
do dano a quem, de modo atentatório contra os bons costumes, cause, dolosamente, dano a outro
(BGB - § 826). Saleilles, em face da autonomia desses dispositivos, proclamou a teoria objetivista da
destinação social e econômica do direito. Para ele, o abuso de direito consiste no exercício anormal
do direito, exercício contrário à destinação econômica ou social do direito subjetivo, exercício
reprovado

pela consciência pública ( Théorie Générale de l'Obligation, 2.ª ed., p. 371). Mas o próprio Saleilles
alterou o seu pensamento para adotar a teoria subjetivista (De L'Abuse du Droit). A melhor
orientação está na fusão das duas doutrinas formando a chamada doutrina mista.

O Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro adota a linha Saleilles, quando exclui dos atos ilícitos, o
exercício normal do direito, isto é, os praticados no exercício regular de um direito (art. 160, 1). Clóvis
Beviláqua foi criticado porque não arrostara o problema do abuso do direito, e o Código nascia velho
(ver Alvino Lima, "Abuso de direito", Repertório Enciclopédico, dirigido por Carvalho Santos, 1).
Mostrou o insigne jurista que a contrario sensu, se não constitui ato ilícito o praticado no exercício
regular de um direito reconhecido, logo o praticado em exercício não regular de um direito
constitui-se abuso. O Projeto seguia as pegadas de Saleilles para quem o abuso de direito está no
uso anormal desse direito. Como frisou Clóvis, a consciência pública reprova o exercício do direito do
indivíduo, quando contrário ao destino econômico e social do direito, em geral. Página 1
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Ao interpretar o dispositivo do Código brasileiro, expõe Pontes de Miranda: "A regra jurídica brasileira
impõe-se ao intérprete como regra jurídica pré-excludente: se há dano, o que exercia direito comete
ato ilícito, salvo se "regularmente" o exercia, donde o ônus da prova, no direito brasileiro, ir ao
culpado do dano, e não ao que sofreu, pois a esse somente incumbe provar o dano e a culpa,
apontando a contrariedade a direito" ( Tratado de Direito Privado, vol. 2, § 185).

Comparando com o direito alemão, coteja Pontes de Miranda: "O que alega ter sido o ato praticado
no exercício regular do direito é que tem de provar esse exercício e essa regularidade. É exatamente
o contrário do que ocorre no direito alemão: nesse, o que prova ter exercido direito, causando dano
(ao lesado prová-lo, como em direito brasileiro), não precisa provar que tal exercício foi regular" (
Tratado, loco cit., p. 291).

3. No Anteprojeto de Código de Obrigações (1941) estabeleceu-se a reparação do dano causado por


excesso no exercício de direito, excesso dos limites do interesse protegido ou da boa fé (art. 156).
Seguiu-se a linha do Direito italiano onde não se faz menção ao abuso de direito como espécie de
ato ilícito, isto porque, o direito subjetivo corresponde à boa fé e à correção, ao contrário, não
constituem direitos subjetivos, estão fora do direito, e por isso são ilícitos (Roberto Goldschimidt, "A
teoria do abuso de direito e o Anteprojeto brasileiro de um Código das Obrigações", RF 97/22). No
entanto, o Projeto de Código Civil (LGL\2002\400) (1975) aproxima-se desta orientação, ao
considerar ato ilícito, quando o titular exerce o seu direito, excedente dós limites impostos pela boa fé
(art. 185). É a teoria do excesso no exercício do direito, e não o abuso, aliás já expressa no Brasil, na
Consolidação das Leis Civis, de Carlos de Carvalho (art. 1.029). Os atos que não correspondem à
boa fé não estão contidos no direito subjetivo, por isso, constituem um excesso do direito, como bem
explica, em relação ao Direito italiano - Santoro-Passarelli ( Douttrine Generali dei Diritto Civile, § 16).
Em última análise, é a idéia moral da solidariedade humana, a ser preservada num recuo a Cícero -
summum jus, summa injuria.

O Projeto de Código Civil (LGL\2002\400) (1975) inscreveu no capítulo dos atos ilícitos a repressão
ao abuso de direito. Diz o art. 185: "Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé
ou pelos bons costumes".

Essa redação sofreu críticas de Caio Mário da Silva Pereira: "Pretendendo ser avançado, mostrou-se
em verdade tímido. Abraçou, sem dúvida, a idéia de repressão ao abuso de direito, que entretanto é
muito mais amplo do que o excesso praticado em relação ao fim econômico ou social, à boa fé e
bons costumes. A noção de abuso de direito, cujas raízes se implantam no Direito Romano, na idéia
de um enunciado que faz do summum jus o equivalente à summa injuria, tende a expandir-se,
merecendo a repressão da justiça (Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros 20/22).

E a orientação de Saleilles, o definidor do abuso de direito como o exercício anormal do direito, em


oposição à destinação econômica ou social do direito subjetivo (Saleilles, Étude sur la théorie
générale de l'obligation d'aprés le premier projet de C.C. pour l'empire allemand, 1914, nota 310).
Nessa linha, o Projeto de Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro (1975) tende a Saleilles, por uma
parte, e pela outra ao Código suíço (art. 2.º) e Código Português (art. 334). O Código Civil
(LGL\2002\400) da Rússia, de 1923, art. 1.º - expressava o abuso quando os direitos fossem
exercidos num sentido contrário ao seu fim econômico e social.

Deste ponto, Louis Josserand construiu a teoria teleológica do abuso de direito. O titular do direito
viola o normal exercício desse direito, raiando pela ilegalidade. Há necessidade de examinar-se o
escopo pretendido pelo titular, se ele é legítimo, normal o exercício. Se há afastamento, então haverá
o abuso. Aí está em remate Josserand ( De l'esprit...).

A concepção teleológica, contraposta à objetiva, pode conduzir ao subjetivismo do exame da ação


do titular, tanto que, o Código Civil (LGL\2002\400) italiano abandonou essa posição.

4. A teoria da aemulatio, de grande voga no direito medieval, caracterizava ato emulativo o praticado
no exercício do próprio direito, com a finalidade de causar prejuízo a outrem, sem proveito para o
agente (Coelho da Rocha, Direito Civil Português, § 49). Baseava-se num critério subjetivista, onde a
intenção maliciosa era a característica.

Essa tendência cedeu posição para o critério objetivista do abuso do direito, que suplantou a teoria
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da aemulatio (Orosimbo Nonato, Da Coação como defeito do ato jurídico, 1975, p. 166).

5. No direito comparado, o Código Civil (LGL\2002\400) português (1966) anda nas linhas de
Saleilles, para considerar ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente
os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico desse direito
(art. 334). Também a Constituição japonesa não está longe da idéia de exercício, em norma
programática, assegurando a liberdade e os direitos, abstendo-se o povo de qualquer abuso dessas
liberdades e direitos, e sempre se responsabilizará pela utilização dos mesmos em prol do bem
público (art. 12).

Para o direito português, adotou-se a concepção objetiva do abuso do direito. Como acentua
Almeida Costa, não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu ato à boa fé,
aos bons costumes, basta que esse ato se mostre contrário. O titular do direito deve ter exercido
manifestamente esses limites impostos ao seu exercício ( Direito das Obrigações, Coimbra, 1968, p.
29).

Não se confunda ilegalidade e abuso de direito. No primeiro caso caracteriza-se a violação da lei, ao
passo que no abuso do direito há exercício do direito, de modo anormal.

Rippert assinalou a distinção pelas características de cada caso: o abuso de direito é a intenção
delitual que motiva o ato, enquanto a ilegalidade é o ato contrário à lei (O Regime Democrático e o
Direito Civil Moderno, ed. bras., 1937, p. 230; v. Giorgianni, L'abuso del diritto nella teoria della norma
giuridica, Milano, 1963; Rescigno, "L'abuso del diritto", Rivista Diritto Civile, 1965, 1, p. 205; Natoli,
"Note preliminari ad una teoria dell'abuso del diritto nell'ordinamento giuridico italiano", Rivista trim.
diritto e procedura civile, 1958, p. 18).

Exemplifiquemos: a lei limita a cobrança de juros a 12%. Acima desse limite há ilegalidade.
Suponhamos que a lei fosse revoga da, e houvesse liberação dos juros, e o mutuante cobrasse 30%
ou 40%. Aí haveria abuso.

Para o Digesto aquele que usava de seu direito, não causava dano a alguém (nullus videtur dolo
facere qui suo jure utitur). Mas Cícero apostrofava: summum jus, summa injuria.

Na Lei das Sete Partidas outra não era a orientação: "non face tuerto a otro quien usa de su derecho"
(Alvino Lima, "Abuso de Direito", Repertório Enciclopédico, dirigido por Carvalho Santos, vol. 1, p.
193; Everardo da Cunha Luna, Abuso de Direito, Forense, Rio).

A responsabilidade do agente baseada no aspecto subjetivo vai ser caracterizada pelo abuso do
direito, quando o seu exercício caracteriza-se pela intenção de prejudicar (Bufnoir,
Baudry-Lacantinerie, Demolembe).

Se o exercício do direito é levado a causar dano a alguém, ainda que o seu exercício não se
destinasse a isso, o dano causado deve ser indenizado, independente de pesquisar-se a vontade do
agente. O caráter objetivo impõe a obrigação de indenizar (Josserand; Saleilles).

Uma terceira corrente justapõe os dois elementos: subjetivo e objetivo. O objetivo causa prejuízo,
com a intenção (Chironi, Huc).

Como acentua Adriano De Cupis, o exercício abusivo do direito, em realidade, designa uma forma de
ilícito ( Il Danno, 1, 2.ª ed., p. 32).

6. O Estado mantém o sistema judiciário para atender às postulações daqueles que se acham
prejudicados em seus direitos, instituindo-se o Juiz natural (Constituição, art. 153, § 4.º).

Em decorrência, há a observar-se o respeito à legitimidade da postulação, para que não se torne


maléfica a outra parte, porque o abuso também atinge o Estado, como observa Lopes da Costa
(Direito Processual Civil, 1, n. 312), a invocação injustificada ou maliciosa dos órgãos jurisdicionais,
autoriza reprimir-se o abuso de direito (José Olímpio de Castro Filho, Abuso do Direito no Processo
Civil, p. 33; Planiol-Esmein, n. 582; Mazeaud, 1, n. 591 e Jean Carbonnier chama de obsessão
processiva. O litigante vai a Juízo sabendo não existir razão).

O Código de Processo Civil (LGL\1973\5) de 1939 considerou abuso de direito a demanda por
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espírito de emulação, mero capricho, ou erro grosseiro, bem como a oposição maliciosa de
resistência injustificada ao andamento do processo (art. 3.º). O atual Código não repetiu as mesmas
expressões, porém, ampliou o conceito de má fé do litigante (art. 17). De qualquer forma, unem-se
as duas características básicas do abuso de direito.

A má fé está enleada com o dolo, isto é, o vício da vontade judicial, como diz Carnellutti, ou ato
praticado com intenção de causar dano ao adversário (Oscar da Cunha, O dolo e o Direito Judiciário,
p. 79).

O mero capricho vai da puerilidade à teimosia, desta à maldade insistente, à crueldade (Pedro
Batista Martins, "Denunciação caluniosa - Responsabilidade Civil dela decorrente - Abuso do direito
de estarem Juízo", RF 68/745).

O erro grosseiro pertence à ignorância indesculpável, dada a matéria da lide e as ocupações ou


especialidades do autor. O fazendeiro habituado a alienar terras, ao discutir as dimensões das suas
glebas, confundindo alqueire paulista com alqueire mineiro; o economista a respeito de fatos
econômicos, etc., são situações indesculpáveis. Muitas vezes, no erro grosseiro, o abuso verifica-se
sem intenção (José Olímpio de Castro Filho, ob. cit., pp. 29 e 97). O erro grosseiro denuncia
temeridade (STF - RF 133/118). Nem todo erro gera responsabilidade processual. A propositura de
uma ação possessória em vez de outra (CPC (LGL\1973\5), art. 920). O erro não se confunde com o
engano da parte (STF - RF 148/179). O erro de direito pode conduzir ao abuso, no entanto, há que
se perquirir sobre o alcance desse erro (José Olímpio de Castro Filho, ob. cit., p. 133).

A violência, mais rara no âmbito processual, caracteriza-se pelo pedido de força dispensável, quando
a parte tem meio mais brando para solver a questão.

7. A demanda temerária é fruto do abuso, da exorbitância, que causa prejuízo ao demandado. E a


atitude do improbus litigator, o litigante vai a juízo sabendo não existir razão (José Olímpio de Castro
Filho, ob. cit., p. 91; Jean Carbonnier, Droit Civil, vol. 4, n. 97). Eduardo Espínola admite a
indenização decorrente da lide temerária, quando a vítima é levada à Justiça por queixa ou denúncia
caluniosa, cuja inocência foi proclamada ("Lide temerária. ou abuso de direito", Pandectas Brasileiras
- vol. 1, p. 193). Há que se cuidar dessa tese radical. Nas questões calcadas em crime contra a
honra, os seus efeitos são perniciosos ao acusado. No entanto, não se pode tirar ao autor da medida
a mácula deixada pela atitude do sujeito ativo do crime. O Tribunal de Justiça de São Paulo não
considerou abusiva a representação à autoridade policial, apontando fato verificado em sua
materialidade, indicando os responsáveis aparentes pela sua prática. A absolvição final, não indicou
qualquer procedimento aleivoso ou imprudente (RTJSP 9/53; Acórdão do TJRJ, REPRO 9/289).

Em todos os casos, há necessidade de procurar-se a intenção do agente (José Olímpio de Castro


Filho, p. 29; Paul Roubier, Droits subiectifs et situations juridiques, 1963, p.338).

Infelizmente, aumenta o número de demandas e defesas, levando o Juiz a colaborar nessas atitudes,
o que impõe a condenação do abuso do direito de demandar (João Carlos Pestana de Aguiar,
Comentários ao CPC (LGL\1973\5), Ed. Revista dos Tribunais, 2.ª ed., p. 121, 1977).

Em relação ao arresto, afirma Pontes de Miranda: "Cabe, pois, a ação de perdas e danos pelo abuso
de direito, segundo os princípios, e pela inovação de um direito que se não tinha" (História e Prática
do Arresto, 1929, p. 196).

O Min. Amaral Santos teve ensejo de abordar a relação entre demanda regular e a lide temerária:
"Os acórdãos apontados como divergentes, concluem que só o fato de decair da demanda,
regularmente processada, não fica o vencido sujeito à satisfação dos danos que andam anexos a
todos os direitos, cumprindo que, a fim de a isso esteja sujeito, haja prova de sua má fé ou pelo
menos culpa grosseira. Segundo me parece, o abuso de direito no exercício da demanda (CPC
(LGL\1973\5), art. 3.º) se caracteriza pelo dolo, no sentido de intenção de prejudicar; ou erro
grosseiro, ou pelo espírito de aventura ou temeridade" (RE 69.439 - RTJ 56/129).

Diversa é a situação da demanda para cobrar dívida já paga, ocorrendo casos excepcionais, como o
pagamento feito por terceiros e a cobrança ser feita novamente pelo credor (RE 62.673 - RTJ
43/420), ou a execução de títulos substituídos por outros de vencimentos posteriores (STF - RE
88.103, RTJ 92/224). Não é aplicável, ao caso, o art. 1.531 do CC que diz: "Aquele que demandar
por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ou pedir mais Página
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for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e,
segundo o equivalente do que dele exigir salvo se, por lhe estar prescrito o direito, decair da ação".

No Tribunal Federal de Recursos, o Min. José Néri da Silveira, em arresto incisivo, abordou a
questão do abuso de direito de demandar, na busca de um direito líquido e certo: "Mandado de
segurança. Abuso do direito de postular em Juízo. Para os efeitos do art. 63 e seu § 2.º, do CPC
(LGL\1973\5), configura procedimento ilegal e temerário de juizar o impetrante, no mesmo foro, à
mesma época, petições de igual teor, sobre idêntica matéria, tentando obter distribuição a Vara de
sua preferência, desistindo de imediato, do pedido, nas demais Varas, após logrado o intento" (AMS
66.783 - DJ de 22.11.71, p. 6.527).

Em expressivo acórdão, o Supremo Tribunal examinou interessante questão, onde um devedor


argüia abuso no exercício da demanda por parte do credor (RE 62.339 - Rel. Min. Aliomar Baleeiro).
Tratava-se de empréstimo garantido pelo penhor pecuário, que somente foi cobrado após insistentes
providências do credor, diante da inércia do devedor e do descalabro na condução dos negócios
realizados com o empréstimo. O devedor argüiu má fé, sem dizer, em que ela consistia. Não se
caracterizava a demanda por espírito de emulação, mero capricho ou erro grosseiro. Também não
valia a derrota do credor em processo de reajustamento pecuniário, pois, como afirmara Pedra
Batista Martins, não basta a circunstância de decair da ação. t preciso que se demonstre o concurso
de certas circunstâncias de fato, transparecendo a intenção de prejudicar (dolo), o erro grosseiro ou
o espírito de aventura ou temeridade do autor (Pedra Batista Martins, Comentários ao CPC
(LGL\1973\5), vol. 1, n. 22, 1.ª ed.; "Abuso de direito no exercício da demanda", Caio Mário da Silva
Pereira, RF 159/106; Silvio Rodrigues, Dos Vícios do Consentimento, Saraiva, 1979, p. 275 - Coação
para exigir o indevido).

Invoca-se, na oportunidade, outro acórdão do Supremo Tribunal onde repeliu-se a consideração de


abuso de direito, se há direito aparente, propiciando uma demanda, se há o fumus boni iuris, uma
aparência de direito, logo não há abuso do direito de demandar... (ERE 35.414). Em outra decisão, a
Suprema Corte considerou o abuso de direito de demandar, consequência de dolo ou culpa anterior
ao ingresso da parte em Juízo, antes da constituição da relação processual e da lide. E sanção
imposta ao autor movido por emulação, mero capricho ou erro grosseiro (RE 52.083, DJ de 22.8.63,
p. 763).

8. No atual Código de Processo Civil (LGL\1973\5), o capítulo dos deveres das partes e de seus
procuradores impõe comportamentos explícitos. Elas deverão proceder com lealdade e boa fé; não
formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento. São
condutas éticas inerentes à demanda, balizando o direito das partes. O fato do direito de demandar
não permite à parte desregramentos nem abusos.

O pleito de má fé acarreta indenização por perdas e danos dos prejuízos sofridos (art. 16). O Código
de Processo Civil (LGL\1973\5) de Portugal (1961) considera o litigante de má fé não só o que
tivesse deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava, como também o que
tivesse conscientemente alterado a verdade dos fatos ou omitido fatos essenciais e o que tivesse
feito do processo ou dos meios processuais o uso manifestamente reprovável, com o fim de
conseguir um objetivo ilegal ou de entorpecer a ação da justiça ou de impedir a descoberta da
verdade (art. 456).

9. A atuação do advogado no processo impõe determinadas regras de ordem técnica e ética. Como
diz Calamandrei, a parcialidade dos patronos das partes acaba por tornar-se, no processo o mais
eficaz instrumento (Roberto Rosas, "O advogado no Código de Processo Civil (LGL\1973\5)", Revista
da Faculdade de Direito de Uberlândia, 5/259; Istituzioni, parte II, p. 253; Arruda Alvim, Código de
Processo Civil (LGL\1973\5) Comentado, vol. II/ 153).

Da boa conduta do advogado surgirá a extirpação dos maus conceitos que possa sofrer a classe. O
Código impõe ao advogado o emprego de expressões condignas e não injuriosas, sob pena de
advertência (art. 15). A má conduta acarretará as sanções disciplinares previstas no Estatuto, além
das impostas pelo Código de Processo. A conduta ética do advogado postulando pelo bom direito,
encaminha o cliente para não pleitear de má fé, se o fizer, o cliente é passível de responder por
perdas e danos (art. 16). Mas o advogado também responde por despesas e perdas e danos se não
ratificar os atos praticados sem procuração (art. 37, parágrafo único) (José Olímpio de Castro Filho,
ob. cit., p. 36; Jorge Americano, Do Abuso do Direito no Exercício da Demanda, 1932, p. 26;Página
Arruda
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Alvim, Código de Processo Civil (LGL\1973\5) Comentado, II/263; Yussef Said Cahali,
"Responsabilidade do litigante temerário pelo dano processual", Revista da Procuradoria Geral do
Estado de São Paulo 11/351).

Esse princípio da lealdade processual não permite a alteração intencional dos fatos, nem a má fé,
previstas nas mais diversas legislações. Assim, o Código de Processo Italiano impõe a lealdade e
probidade ( il dovera di comportarsi in giudizio con lealtà e probità), art. 88 (J. J. Calmon de Passos,
"Responsabilidade do exeqüente no novo Código de Processo Civil (LGL\1973\5)", RF 246/169). O
Código procura prevenir o abuso do direito por quem tenha interesse em protelar o desfecho das
causas, antes de pleitear um direito com honestidade (Alcides de Mendonça Lima, Probidade
Processual e Finalidade do Processo, Vitória, p. 66).

Tema envolvente do âmbito processual está no silêncio da parte, em razão da obrigação de falar,
como observa Serpa Lopes. A existência da abstenção culposa depende da preexistência da
obrigação de agir ( O silêncio como manifestação da vontade nas obrigações, 2.ª ed., p. 148).

O atual Código de Processo Civil (LGL\1973\5), ao tratar de depoimento pessoal da parte, considera
confissão, se a parte comparecer, recusando-se a depor (art. 343; art. 229 do CPC (LGL\1973\5) de
1939), porque compete à parte comparecer em juízo, respondendo ao que lhe for interrogado (art.
340, I). Se é requerida medida cautelar com abuso, responderá pelos prejuízos, independente da
prova da má fé (CPC (LGL\1973\5), art. 311, I e RTJ 87/665).

O fato do silêncio da parte não deve conduzir à confissão. Sabiamente o Código de Processo Civil
(LGL\1973\5) de Portugal deixa ao Tribunal a apreciação da conduta da parte que não compareça
(art. 357, n. 2). Vale, ainda, e com aplausos doutrinários, a sentença de Paulo - quem cala, não
confessa, apenas não nega ( qui tacet non utique fatetur sed tamen verum est non negare D. reg.
iuris, XVII, L. 142). A decorrência do silêncio não é absolutamente a confissão. Se a parte pode
silenciar, e isto é permitido aos profissionais por motivos éticos, o Juiz deve sopesar essa recusa.
Apenas levará em conta o real abuso do direito de silenciar (v. Moacyr Amaral Santos, Comentários
ao CPC (LGL\1973\5), 2.ª ed., Forense, vol. IV, p. 96).

A condenação em custas e honorários advocatícios cobriria o dano causado pelo abuso do direito de
demandar? Não, já o afirmara Jorge Americano. Essa condenação é forma de ressarcimento do
efetivamente gasto na demanda. Os outros prejuízos causados não são atingidos por essa
condenação. Se há dano então cabe o ressarcimento, e não a exacerbação dos honorários, mesmo
porque verbas distintas, inclusive limitada a 20% (STF - RE 90.089, RTJ 88/364).

O abuso do direito de demandar traduz-se na pretensão obsessiva de postular contra tudo e contra
todos. Vale lembrar, Ihering: "Essa mania de demandas não é mais do que um desvario que causa a
desconfiança ao seu sentimento de propriedade e que semelhante àquele que o ciúme produz no
amor, dirige suas armas contra si mesmo e faz perder preciosamente o que se queria conservar" (A
Luta pelo Direito, cap. IV).

10. Ao advogado são dadas condições para o exercício profissional. No entanto, essas não podem
se tornar excessivas, sob pena de converter-se em abuso. Os poderes concedidos ao advogado,
derivam do mandato judicial, cuja procuração, com a cláusula ad judicia, habilita o advogado a
praticar todos os atos judiciais (art. 70, § 3.º da Lei 4.215).

Portanto, os limites do mandato judicial permitem ao advogado o livre exercício profissional,


considerando-se então a responsabilidade derivada do mandato, porque bem acentuou Jorge
Americano, os efeitos danosos das práticas do advogado recaem sobre p patrimônio do cliente (Do
Abuso do Direito no exercício da demanda, 2.ª ed., p. 57).

Por isso, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil prevê série de penalidades, dentre as quais,
as relativas ao abuso de direito do advogado.

O advogado que retiver abusivamente autos com vista ou em confiança, será apenado com
suspensão (art. 103, XX). Não é crível que o advogado prejudique seu cliente não devolvendo os
autos no prazo fixado, ou os retendo além de período razoável, ou ainda prejudicando a outra parte.

O direito de recusa ao patrocínio é cristalizado na atividade do advogado, por convicções· religiosas,


morais, etc. Não poderá recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência gratuita aos
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ABUSO DE DIREITO E DANO PROCESSUAL

necessitados, quando nomeado pela Assistência Judiciária (art. 103, XVIII).

O Código de Processo Civil (LGL\1973\5) impõe às partes e aos seus procuradores (art. 14 c/c 17)
procedimento com lealdade e boa fé; nem formular pretensões, nem alegar defesa, cientes da falta
de fundamento.

A defesa não poderá exceder-se nem com palavras ou escritos. As expressões injuriosas poderão
ser rejeitadas pelo Juiz quer nas petições ou na defesa oral (art. 15).

No § 226 do CC alemão, estabelece-se a inadmissibilidade do exercício de um direito para causar


prejuízo. Na vida judiciária alemã aplica-se a regra à atividade advocatícia que tenha por finalidade
retardar uma solução judiciária ( Schikanenparagraphs).

11. O Juiz investido dos poderes decorrentes da função jurisdicional, na decisão da lide não pode
abusar do reto caminho indicado pela lei, pois, a função judicial é uma das três funções do Estado
que organiza a justiça a fim de dirimir os conflitos entre os indivíduos e grupos, através da situação
do direito objetivo e a dissipação das contendas.

A parte poderá através do recurso extraordinário (art. 119, III, CF (LGL\1988\3)) levar ao STF a
constatação de inconstitucionalidade de lei ou ato de governo local, no entanto, não poderá
descumprir a lei sob a pecha de antinomia diante da Constituição, porquanto o remédio será a
Representação do Procurador-Geral da República argüindo a inconstitucionalidade. Entretanto, o
Governo interessado na aplicação do texto legal, poderá suspender sua eficácia até o
pronunciamento da E. Corte. Assim, decidiu-se na Representação 699 da Guanabara.

Os poderes delegados ao Juiz na relação processual são limitados, por isso, seu exercício há de ser
cautelado, mas as variadas formas desses poderes constituem também numa multiplicidade de
classificação entre os processualistas.

Dois gêneros distinguem-se: poderes jurisdicionais e poderes de polícia.

Os primeiros são exercidos pelo magistrado na prática da função jurisdicional, como participante da
relação processual. Dentre os jurisdicionais destacamos os ordinatórios expressados em decisões
destinadas ao encaminhamento processual (conhecimento executivo ou cautelar - art. 112 do CPC
(LGL\1973\5)). Os instrutórios baseados no exame da prova e dos fatos e o recolhimento destes para
formar a convicção em que se baseará a decisão e decisões finais. Os poderes de polícia são
aqueles exercidos na organização dos trabalhos forenses, através da disciplina dos atos exteriores
ao processo, mas com ele relacionados. Para isso, o CPC (LGL\1973\5) e o CPP (LGL\1941\8)
insculpiram normas estabelecendo competência aos magistrados para a manutenção da ordem,
inclusive requisição de Força Pública, posta à sua disposição, impondo respeito e disciplina às
audiências e sessões judiciárias. O Código de Processo Civil (LGL\1973\5) dá ao Juiz poderes para
conduzir a audiência, dizendo que o Juiz exerce o poder de polícia (art. 445) para manter a ordem e
o decoro na audiência e outras providências.

A expressão poder de polícia equipara-se àquela do Direito Administrativo?

Entendemos não. O Código que referir-se à condução da audiência, e obviamente quem conduz e
disciplina deve ter poderes suficientes para manter a ordem. Portanto, essa expressão é
indevidamente empregada no Código de Processo Civil (LGL\1973\5) (v. José Moura Rocha, Há
Poder de Polícia no art. 445 do CPC (LGL\1973\5)?, Recife, 1976).

Desses poderes concedidos ao Juiz na audiência podem decorrer abusos que devem ser repelidos.

Verificamos desta rápida digressão sobre os poderes do Juiz a tutela jurisdicional, condicionando os
atos do magistrado. Ao Juiz é dado um poder de polícia processual distinto do disciplinar, porque
este exerce-se "exclusivamente com pessoas ligadas ao Juiz, por um vínculo de dependência
particular". No entanto, não se negará às partes o acesso à demonstração cabal de seu direito, o
Juiz não impedirá, do contrário abusa do poder inerente à função judicante.

O excesso de poder dar-se-á quando o magistrado ultrapassa a sua competência ou função ao


manifestar-se além do legal, do que lhe é cometido pela sistemática jurídica, ultrapassando os limites
legais. Vale afirmar, a parêmia: "potestas judicis ultra id quod in judicium deductum ut nequaquam
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potest excidere". Calamandrei adverte para o abuso de poder do Juiz quando pretende exercer
atribuições legais reservadas à Administração ( Diritto Processuale Civile, vol. II, § 83).

Já o abuso de poder ocorrerá quando o Juiz usando a lei não fixa normas ou decide de acordo com
os mandamentos legais, porém, abusando de seu poder ou faculdade atribuída por esses
mandamentos (José Raimundo Gomes da Cruz, "Justa Causa e Abuso de Poder referentes à
propositura da ação penal", Justiça 58/53; Correição parcial na Justiça Federal - art. 6.º, I, da Lei
5.010 c/c Dec.-lei 253, de 28.2.67).

O magistrado moderadamente disporá do poder discricionário colocado à sua disposição, porém,


não poderá exercê-lo arbitrariamente (Raselli, Il potere discrezionale del giudice). Como exemplos,
citaremos a atribuição dada ao Juiz para a fixação dos honorários advocatícios, segundo os termos
do art. 20 do CPC (LGL\1973\5), quando o magistrado abusando do poder conferido para o
arbitramento da verba advocatícia, usa imoderadamente do poder legal. Outro exemplo apontamos
no referente à assinação de prazo para apresentação de documentos em Juízo, e, se porventura o
magistrado fixa o prazo de 48 horas para a apresentação de documentos que se acham no
estrangeiro? Evidentemente, é impossível a apresentação dos mesmos no exíguo prazo. Mas, o Juiz
está usando do poder conferido pela lei, porém, abusando do mesmo. Discordamos de Pimenta
Bueno, quando define o abuso de poder do magistrado, quando este pratica o mau uso da jurisdição,
ordenando ou permitindo o que a lei proíbe. Parece-nos evidenciar aí a ilegalidade e não abuso de
poder (Apontamentos sobre as formalidades do Processo Civil, p. 51).

Quanto ao poder discricionário do Juiz, acentuou com precisão Alessandro Raselli que: "l'essenza
del potere discrezionale consiste nella mancanza di agire in determinati casi puó essere riconosciuto
soltanto mediante criteri di convenieza" ( ll potere discrezionale dei Giudice Civiie, p. 21; Celso
Agrícola Barbi, "Os poderes do Juiz e a reforma do Código de Processo Civil (LGL\1973\5)", RF
206/13). Não olvidemos as palavras de Moacir Amaral Santos imprecadas contra o processo
totalitário, expressão ultrapassada na processualística contemporânea, que se ainda abebera-se nas
fontes antigas, precisa joeirá-las a fim de assegurar ao indivíduo, ao Estado a segurança dada ao
cidadão, jejuno em matéria legal, mas que requisita a proteção estatal ao seu direito (Revista de
Direito Processual Civil, vol. 1.º, p. 30), porque a finalidade do processo é a verificação do
fundamento da pretensão e não a sua realização irrestrita (Manzini, Trattato di Diritto Processuale
Penale, 1, 1963; José Carlos Barbosa Moreira, "Responsabilidade das partes por dano processual",
REPRO 10/15).

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