Maria João Baessa Pinto: A Importância e o Papel Das Instituições Islâmicas Na Educação e Formação em Moçambique
Maria João Baessa Pinto: A Importância e o Papel Das Instituições Islâmicas Na Educação e Formação em Moçambique
Maria João Baessa Pinto: A Importância e o Papel Das Instituições Islâmicas Na Educação e Formação em Moçambique
Centro de Estudos Africanos – ISCTE.
7.º CONGRESSO IBÉRICO DE ESTUDOS AFRICANOS | 7.º CONGRESO DE ESTUDIOS AFRICANOS | 7TH CONGRESS OF AFRICAN STUDIES
LISBOA 2010
Maria João Baessa Pinto 2
INTRODUÇÃO
Norte de Moçambique, ainda antes da chegada das Confrarias, não estavam isolados
do mundo mais amplo do Islão. No início do século XIX, as Comores tinham reputação
regional como centro de ensino islâmico, pelo que importantes famílias muçulmanas
do norte de Moçambique enviavam os seus filhos para estudarem com o mualimo das
Comores (Macagno 2004: 188).
O acesso dos muçulmanos à nova educação islâmica reformista, que coloca a
maior importância nas escrituras sagradas (Alcorão e Hadites) e no conhecimento da
língua árabe, levou-os ao questionamento e avaliação das práticas islâmicas ditas
tradicionais. Tudo o que não está de acordo com os textos sagrados passou a ser
considerado de bid’a (inovação) e deve ser combatido com a introdução de uma
educação islâmica mais correcta (Bonate 1999: 7-8). O surgimento do reformismo
islâmico em Moçambique (nas duas últimas décadas do século XX) faz emergir um
conflito entre os novos ulama e os líderes islâmicos tradicionais das confrarias em
torno de rituais funerários e outras celebrações religiosas. Por um lado temos os
defensores do dhikr (cânticos e tambores), que constituem inovações no Islão, apesar
da justificação histórica. Por outro lado temos os defensores do sukuti (silêncio) com
base nas escrituras sagradas.
Em Moçambique, à semelhança do que acontece no restante continente
africano, existe uma dicotomia entre o Islão culturalmente contextualizado (veiculado
pelas ordens sufis, em cujas escolas corânicas o ensino é ministrado pelos membros
das confrarias) e o Islão de cariz universal e absoluto, anti-sufi e que é promovido nas
escolas islâmicas reformadas (Arabiyya Islamiyya) onde o ensino é ministrado por
professores com ensino superior, os novos ulama, com saídas profissionais modernas
e com ligações ao Conselho Islâmico e a ONG como a Africa Muslim Agency (Bonate
1999: 14).
MOÇAMBIQUE
1
A primeira tem uma origem remota iraquiana e a segunda omanita, mas ambas chegaram a
Moçambique suaílizadas via Zanzibar e Comores. A partir de Brava, Lamo, Mombassa, Zanzibar e
Comores expandiu-se uma corrente de ensino corânico e de expansão islâmica em reacção à conquista
colonial. Para o caso de Moçambique, as rotas zanzibaritas, substituídas mais tarde pelas comorianas
(aquando da revolução de Okello), formam as mais importantes na linha de articulação da Ilha de
Moçambique (e, por via dela, os distritos do Norte) à Arábia Saudita.
5 A Importância e o Papel das Instituições Islâmicas na educação
2
O wahabismo, corrente no Islão que defende o retorno ao Islão primitivo como fonte de unidade e
identidade muçulmana, a renovação da língua árabe e da educação islâmica tornou-se em Moçambique
uma categoria de acusação difusa e ambígua contra alguns muçulmanos, muitas vezes utilizado como
sinónimo de integrismo e de oposição às confrarias.
7 A Importância e o Papel das Instituições Islâmicas na educação
saber e da maneira de interpretar o real que lhes foram transmitidos por outros que
também já os tinham recebido de alguém num quadro de uma cadeia de transmissão
(silsila)”. O professor é o responsável por todas as matérias espirituais e materiais.
Apesar de ser um ensino gratuito os professores beneficiam de compensações
materiais, sociais e políticas, recebendo ofertas em géneros ou em dinheiro e também
prestações gratuitas de trabalho nas suas actividades económicas, por parte dos pais
ou familiares dos alunos (Dias 2005: 135-137).
Nas imensas escolas corânicas tradicionais existentes na província de
Nampula a língua veicular é a língua materna dos professores, perpetuando os valores
tradicionais locais. As crianças aprendem, para além da língua materna, o macua, a ler
e a escrever em árabe, ao contrário do que acontece nas escolas do sistema oficial
público laicas ou cristãs, cujo ensino é realizado através da língua oficial portuguesa.
Do ponto de vista da pertença étnica geralmente o professor e os alunos pertencem ao
mesmo grupo étnico. No entanto, ao longo da História, os estudantes do Norte de
Moçambique que pretendem aprofundar o conhecimento religioso, procuram a
determinado momento do seu processo de aprendizagem, mestres reputados e
grandes conhecedores de determinadas matérias noutras regiões do país ou no
estrangeiro, independentemente da sua origem étnica (Dias 2005: 143). A itinerância é
outra característica da educação tradicional islâmica. Os seus estudantes
movimentam-se no espaço islâmico à procura de novos mestres para aperfeiçoar a
sua iniciação religiosa. O processo de aprendizagem baseia-se na relação entre
mestre e discípulo. O mestre inicia o discípulo nos conteúdos e na cadeia de
guardiães de conhecimento, existindo uma ligação próxima entre professor e aluno
(Akkari 2004: 8).
Não existe controlo pedagógico como acontece nas escolas de ensino oficial e
caracteriza-se pela ausência de um regime de exames e diplomas. Existem algumas
cerimónias de consagração pública quando os alunos atingem determinados níveis de
conhecimento, como por exemplo, o fim da primeira leitura completa do Alcorão, etc.
(Dias 2005: 137). O conhecimento obtido nas escolas corânicas tradicionais é para ser
utilizado no dia-a-dia, nas cinco orações diárias e nas outras cerimónias religiosas.
Não se trata de um conhecimento que visa a preparação para a vida profissional mas
para o quotidiano. Os pais enviam os filhos para as escolas corânicas tradicionais
porque estas constituem indicadores/referências de moralidade, honestidade e
disciplina, qualidades necessárias para o desempenho de funções de
responsabilidade na comunidade. Após vários anos de estudo islâmico, o estudante
regressa à sua comunidade de origem e é respeitado pelo facto de ser capaz de ler e
recitar o livro sagrado e poder partilhar o seu conhecimento com os mais novos, dando
Maria João Baessa Pinto 14
continuidade à transmissão da tradição corânica (Akkari 2004: 12). Por outro lado, ao
enviarem os filhos para a madrassa existe a possibilidade de promoção económica e
social, através das ligações entre as redes das escolas corânicas tradicionais das
ordens sufi e as redes comerciais da região. Os estudantes que terminaram a escola
corânica tradicional estão melhor habilitados para encontrar emprego nas actividades
económicas tradicionais e no sector informal.
Com a expansão do sistema de educação oficial ocidental, a escola corânica
perdeu a centralidade nas regiões islamizadas do Norte do país como é o caso da
província de Nampula, como consequência da perda de centralidade e declínio político
e económico das confrarias em virtude do aparecimento activo do wahhabismo na
região. No entanto, continua ainda hoje a exercer uma influência importante no
processo de sociabilização das populações e em certos contextos, permanece a única
instituição educacional. Actualmente em muitas cidades da província de Nampula, as
escolas corânicas tradicionais oferecem a educação pré-escolar antes de as crianças
iniciarem a escolarização na escola pública. Depois de entrarem na escola oficial
conciliam o ensino moderno com o ensino corânico. Esta influência islâmica diminui à
medida que se sobe na escala social. Mas nas zonas rurais, as escolas corânicas
continuam a ser a instituição de transmissão do conhecimento islâmico mais divulgada
e central na educação, por vezes o único actor em virtude da deterioração dos
serviços governamentais.
...a gente não sabia que o islamismo tem educação, mas agora já sabe,
que o muçulmano também tem ciência, é preciso respeitar, é preciso
cumprir... Antigamente, a gente não tinha esse tipo de conhecimento na
área da educação. Eles ajudam-nos na educação, saúde, porque eles
fazem mesquitas, fazem escolas e enfermarias, têm aqui dois médicos
deles... estamos muito satisfeitos (Pinto 2002: 121).
CONCLUSÃO
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