Artigo Desenvolvimento em Escala Humana Manfred Max-Neef
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Francisco Salau Brasil
Resumo: No bojo da crise do capitalismo, em que pese seus impactos negativos nas
esferas social, ambiental, econômica, política e cultural, o debate acerca de outras formas
de desenvolvimento se intensifica. Dentre as perspectivas teóricas que procuram fornecer
alternativas para esta questão, Manfred Max-Neef parte da crítica à teoria econômica
convencional para apresentar uma matriz de necessidades humanas na perspectiva do
desenvolvimento a escala humana. Esta matriz e o conceito de desenvolvimento a escala
humana faz repensar sobre dois aspectos, ou até mesmo pilares, do capitalismo: o
consumismo e a grande escala. A partir do momento em que propicia o questionamento
destes dois fatores intrínsecos ao capitalismo, Max-Neef colabora e amplia a discussão
acerca de um outro desenvolvimento. Desta forma, o presente artigo tem como objetivo
abordar algumas das contribuições trazidas pelo desenvolvimento a escala humana e a
matriz de necessidades humanas de forma a realçar a importância de um novo
desenvolvimento.
Palavras-chave: desenvolvimento a escala humana; matriz de necessidades humanas;
Max-Neef
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Santa Cruz do Sul, RS, Brasil, 17 a 19 de agosto de 2011
1. Introdução
Críticas ao modo de desenvolvimento capitalista não são novas. E o que não faltam
são dados e pesquisas que comprovem que, de fato, algo está errado. A elevada
desigualdade social, em que milhões e milhões de pessoas tentam sobreviver com uma
“renda” abaixo de dois dólares diários ao passo que em que donos e diretores de
multinacionais, além de outros afortunados se podem dar ao luxo de ter seu próprio avião.
O modo de vida caracterizado pelo consumismo que tem, como consequência
inevitável a degradação cada vez mais acelerada da biodiversidade até chegar ao ponto em
que milhões de espécies – entre elas a homo sapiens - não encontrem mais condições que
permitam a sobrevivência neste planeta. Sim, o planeta Terra não corre risco de
desaparecer devido ao aquecimento global ou devastação dos “recursos naturais”, como se
costuma ler ou ouvir. O que está em risco, cabe repetir, é a sobrevivência da espécie
humana.
Quando alega-se num momento em que não há dinheiro suficiente para combater
alguns problemas de extrema importância - como pessoas morrendo de fome ou vítimas de
doenças que possuem cura há vários anos – mas se gasta cerca de US$ 24 trilhões para
salvar o sistema financeiro da crise mundial, algo precisa mudar.
Na esteira destes e outros fatos amplamente conhecidos, é que surgem propostas de
um desenvolvimento alternativo. O presente artigo tem como objetivo abordar alguns pontos
de uma destas alternativas: o desenvolvimento a escala humana. Uma de suas principais
características percebe-se já na sua nomenclatura: a defesa de uma outra escala, não este
gigantismo exacerbado, fruto do capitalismo e da globalização.
Para atingir o objetivo proposto, far-se-á uma revisão de literatura buscando
principalmente a obra do pesquisador chileno Manfred Max-Neef bem como buscar alguns
outros autores que propõem algo similar àquilo que Max-Neef defende.
2. A crise da utopia
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Cabe distinguir os dois tipos de utopia existentes. De acordo com Albornoz (1998, p. 14), a utopia
concreta “leva em conta as possibilidades reais do existente atual” onde se percebe “condições reais
a ponto de ver as possibilidades nelas ainda não realizadas”. Já as utopias abstratas “são aquelas
elaborações imaginárias sem esperança de realização; correspondem, aproximadamente, ao sentido
ainda hoje mais difundido, mais comum da palavra utopia (...) Sonhar, por exemplo, com uma
sociedade onde todos sejam felizes, ao mesmo tempo e da mesma maneira, é com certeza uma
utopia abstrata, sem nenhuma chance de realização, se consideramos o modo de ser atual dos
homens e do mundo” (ALBORNOZ, 1998, p. 22-3).
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muitas maneiras: o derrotismo, a desmobilização, abulia, individualismo
exacerbado, o medo, a angústia e o cinismo. (MAX-NEEF, 2001, 20-21)
Moos e Browstein, 1977 p.275 sintetizam o valor de se ter uma utopia: “uma vez que
a utopia se torna um objetivo, a longa e difícil tarefa de definir o conteúdo de uma nova
sociedade pode começar”.
Ciente da importância em propor propostas de desenvolvimento completamente
distintas ao capitalismo, Max-Neef defende, antes de tudo, uma outra racionalidade, que se
oponha à econômica. Segundo o autor, esta nova racionalidade “se orienta ao
melhoramento da qualidade de vida da população, e se sustenta no respeito a diversidade e
em renunciar a conversão de pessoas em instrumentos de outras pessoas e os países em
instrumentos de outros países.” (MAX-NEEF, 2001, p. 88). Dentro desta nova racionalidade,
encontra-se o Desenvolvimento a Escala Humana.
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Sobre a diferença entre PIB e PNB, Sanddroni (2005) esclarece que o PIB “refere-se ao produto
agregado de todos os bens e serviços finais produzidos dentro do território econômico de um país,
independentemente da nacionalidade dos proprietários das unidades produtoras destes bens e
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independente de sua finalidade, como por exemplo se este gasto foi efetuado em guerras ou
ainda utilizados para se reparar desastres ambientais, o que já era lembrado por Kapp
(1970, apud ALIER, 1998, p. 132):
nossas medidas tradicionais de produção e crescimento em termos de PNB
estão provavelmente sendo cada vez mais inadequadas como indicadores
de crescimento e desenvolvimento, já que maiores quantidades e
proporções do gasto se destinam a proteger e manter intacta a substância
de nosso entorno.
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Cuidado, Sistemas de Cooperar, Contorno vital e
Proteção adaptabilidade, seguros e saúde, prevenir, cuidar, social, moradia
autonomia, direitos, família, curar, defender
solidariedade trabalho
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dispõem de maior autonomia e poder decisório. Entretanto, outro ponto fundamental que
interfere no grau de protagonismo das pessoas é a escala.
Max-Neef (2007) narra uma pequena experiência em que se chega a conclusão que
em grupos menores é que se encontram maior possibilidade de diálogo entre todos os
membros. A parte de tal experimento, pode-se imaginar que a probabilidade de alguém ter
um papel mais relevante no desenvolvimento de uma cidade é significativamente maior em
uma cidade de 100 mil habitantes do que em São Paulo com seus quase 20 milhões de
habitantes.
Sale (2007) e Max-Neef (1988) relatam que desde a Grécia Antiga havia a
preocupação em se determinar um tamanho máximo para a população de uma cidade.
Platão sugeriu que uma cidade deveria crescer apenas até o ponto em que tal crescimento
não desvirtuasse sua unidade. Já seu discípulo Aristóteles defendia que todos os cidadãos
deveriam conhecer uns aos outros e suas respectivas qualidades. Leonardo da Vinci propôs
um limite de 30 mil habitantes e Tomás Morus, 6.000 famílias. Vários estudos
contemporâneos defendem uma população máxima, ainda que tal limite possa atingir 200
mil habitantes, dependendo do estudo.
Sale (2007) traz alguns trabalhos interessantes sobre a convivencialidade em
cidades pequenas e de grande porte. Em um destes, os pesquisadores ligaram
aleatoriamente para diferentes pessoas e falavam de um situação (plausível) de emergência
e pediam que a pessoa do outro lado da linha ligasse para um número e deixasse uma
mensagem de suma importância. As pessoas de cidades pequenas foram muito mais
receptivas de acordo com o autor.
Estudantes de Nova Iorque fizeram um experimento em que pediam, em diversas
cidades de pequeno porte bem como em Nova Iorque, para que as pessoas as deixassem
entrar em suas casas e usar o telefone. Enquanto 27% dos navaiorquinos deixaram um
estranho usar seu telefone, este índice subiu para 72% nas cidades menores. O mesmo
autor cita diversas estatísticas que apontam melhores índices de segurança, saúde, saúde
mental, recreação e educação em cidades de até 100 mil habitantes quando comparadas
com grandes cidades.
Voltando ao mote escala x participação popular, Robert Dahl apud Sale 2007, p. 203
atesta que “quanto maior um lugar, menor a probabilidade do cidadão ter uma participação
ativa na vida política local (...) quanto menor o grupo, maior a oportunidade para os cidadãos
participarem nas decisões governamentais.”
Já com relação a importância de tal participação, Dahl (op cit, p. 377) defende que
“todos aqueles que são afetados por decisões governamentais têm o direito de participar de
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tal governo”.
Portanto, priorizar desenvolvimento de pequenas cidades e pequenas comunidades
é de suma importância quando se busca um desenvolvimento a escala humana, pois este
precisa de um alto grau de protagonismo das pessoas nos processos de desenvolvimento.
5. Considerações finais
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Referências
_______ The world on a collision course and the need for a new economy. AMBIO
(2010). Vol 39, p. 200-210.
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_______ O negócio é ser pequeno. Tradução: Octávio Alves Velho. 4 ed. Zahar Editores.
Rio de Janeiro, 1983.
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