Desenvolvimento Sustentavel

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: HISTÓRICO, CONFLITOS E PERSPECTIVAS

WIRTH, Ioli G.; BRYAN, Newton A. P.; MOMMA, Adriana Missae;


PAVIOTI, Cristiane R; POMPEU, Maria Lígia

Resumo
O texto a seguir foi construído através de pesquisa bibliográfica e documental.
Objetiva resgatar alguns movimentos históricos e reflexões teóricas que deram origem
ao conceito de desenvolvimento sustentável. O tema será abordado, contrapondo
diferentes interpretações. Pretende-se, assim, visibilizar a controvérsia em torno do
assunto e convidar para a reflexão criativa e contextualizada sobre o mesmo. Assim,
Meadows destaca a importância das questões ambientais no planejamento econômico e
sugere a estagnação como estratégia de recuperação ambiental. Trata-se de uma
abordagem a partir do “primeiro mundo”. O contraponto deste enfoque é dado pelo
Clube de Bariloche, que inscreve as perspectivas terceiromundistas neste debate.
Outro eixo do debate concentra-se em torno do ecodesenvolvimento, que gravita
em torno dos problemas ambientais e sociais das regiões rurais da Ásia, África e América
Latina, explicando o subdesenvolvimento a partir das relações de exploração praticadas
pelos países ricos. A Declaração de Cocoyok vai por outro caminho, centrando o foco nas
limitações locais e inerentes aos próprios países. Somam-se a estes, uma variedade de
debates vinculados predominantemente ao enfoque do tema proposto pela ONU. O que
se observa neste percurso é que o desenvolvimento sustentável é uma demanda do atual
modelo de produção das sociedades capitalistas. São abordadas então perspectivas
alternativas que discordam da perpetuação deste sistema socialmente injusto.

Introdução
O termo desenvolvimento sustentável foi utilizado pela primeira vez em 1987, no
Relatório de Brundtland, produzido pela Organização das Nações Unidas (ONU), com a
seguinte definição: “Desenvolvimento sustentável é desenvolvimento que satisfaz as
necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações
satisfazerem as suas próprias necessidades” (appud BRÜSEKE, 1995). Esta nova
proposta de desenvolvimento aponta medidas globais para solucionar problemas de
degradação ambiental, de modo a evitar o colapso de um sistema de produção. A
temática convida a repensar o modelo econômico utilizado por quase todos os países, as
conseqüências sociais e ambientais daí decorrentes e o modo como o documento
produzido pela ONU pensa solucionar tais problemas, ou evitar que se agravem. Para
refletir sobre estes assuntos é imprescindível que se faça uma discussão sobre a relação
global & local. O texto a seguir pretende resgatar alguns movimentos históricos e
reflexões teóricas que deram origem ao conceito. Estes serão tratados na forma de
tensões, através da contraposição de interesses diferentes. Pretende-se ainda contribuir
com idéias alternativas a forma como a problemática está mundialmente posta.

1a. tensão: Meadows e Clube de Bariloche


Os debates mundiais sobre degradação ambiental que viriam a dar origem ao
termo “desenvolvimento sustentável” iniciarem na década de 60 (BRÜSEKE, 1995).
Percebia-se já, neste momento, o desgaste de um modelo de crescimento econômico
implementado no pós-guerra. Este previa um rápido crescimento, através de
investimento de capital e exploração dos recursos naturais, com vistas a favorecer
apenas um modelo econômico. Não havia, portanto, preocupação explícita em relação à
poluição ou a desequilíbrios ambientais. Este modelo esgotou-se quando o meio
ambiente não fornecia mais recursos que pudessem ser explorados sem provocar danos
diretos ao ser humano. A reflexão e a busca por um novo modelo econômico fez-se
então imprescindível.
O primeiro documento que formaliza estas discussões é o estudo dos “Limites do
Crescimento”, que foi publicado em 1972 por Dennis L. Meadows e seu grupo de
pesquisadores e posteriormente apresentado na 1a Conferência Sobre o Meio Ambiente,
em Estocolmo, que aconteceu também em 1972.
Meadows já apontava para o esgotamento dos recursos naturais, decorrentes do
crescimento populacional. Levantava, também, uma possibilidade de estabilidade
ecológica e acrescentava: “O estado de equilíbrio global poderá ser planejado de tal
modo que as necessidades materiais básicas de cada pessoa na Terra sejam satisfeitas, e
que cada pessoa tenha igual oportunidade de realizar seu potencial humano individual.”
(Meadows appud BRÜSEKE, 1995) Para atingir este objetivo, o pesquisador propõe o
congelamento do crescimento populacional e industrial, atacando fortemente várias
teorias de crescimento econômico.
A posição de Meadows reflete os interesses do “primeiro mundo”. O congelamento
mundial do crescimento da indústria significa que os países subdesenvolvidos, muitos
deles com riquíssimas reservas minerais, não deverão crescer, para que estas reservas
alimentem as indústrias que já existem – no “primeiro mundo”.
O clube de Bariloche1 respondeu a este posicionamento, apresentando um
elemento novo à discussão do aproveitamento de reservas naturais: a tecnologia. Critica-
se o crescimento acelerado e sem planejamento, mas a estagnação não é apresentada
como resposta e sim a utilização de tecnologia para o melhor aproveitamento das
reservas. O avanço nas técnicas de extração permite, por exemplo, que jazidas com
percentual baixo de matéria prima sejam aproveitadas. Alteram-se, assim, as previsões
de esgotamento das reservas. O clube de Bariloche deu, neste sentido, a resposta do na
época chamado de “terceiro mundo”, que luta contra a imposição de limites de
crescimento.
A situação de divergência de interesses econômicos entre “primeiro” e “terceiro
mundo”, descrita acima, pode ser considerada uma primeira tensão, provocada no
percurso de busca por conciliação entre industrialização e meio ambiente.

2a. tensão: ecodesenvolvimento e Declaração de Cocoyok


Em 1973, surgiu o conceito de ecodesenvolvimento, de autoria do canadense
Maurice Strong2. Nesta concepção de desenvolvimento são consideradas as
potencialidades locais e é valorizada a diversidade de situações e de diferentes caminhos
para o desenvolvimento. A possibilidade de se construir um desenvolvimento de base
sustentada é atrelada, necessariamente, a políticas de redistribuição de renda e de
avaliação dos impactos das políticas de países desenvolvidos nos países em
desenvolvimento (Sachs, 1986). Entre os princípios defendidos está a participação da
população.
A teoria de ecodesenvolvimento teve como base para sua elaboração a resolução
dos problemas das regiões rurais da Ásia, África e América Latina, que sofreram enorme
extração de recursos naturais para o desenvolvimento industrial da Europa (Brüseke,
1996). Strong aproxima, neste sentido, países desenvolvidos e subdesenvolvidos para a
discussão de problemas ambientais. Esta teoria contraria os interesses das grandes
economias industriais, na medida em que as responsabiliza pela criação de áreas
periféricas.
1
O clube de Bariloche teve participação de estudiosos brasileiros, incluindo o professor Amílcar Herrera, da Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP), mas não aparece nas bibliografias consultados sobre o assunto.
2
Maurice Strong, Diretor Executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, lançou a idéia de
ecodesenvolvimento no decorrer da primeira reunião do Conselho Administrativo desse Programa, realizada em Genebra,
em junho de 1973.
Ferreira (1992), que também admite a relação de exploração entre países
desenvolvidos e países em desenvolvimento, explica a superutilização do solo pela
necessidade de pagamento da dívida externa. Muitos países desenvolvidos são obrigados
a transferir o pouco que arrecadam para as grandes potências: “uma transferência de
sangue do enfermo para o são” (Brandt appud Ferreira, 1992). Resta-lhes então apenas a
exploração de sua riqueza imediata.
Em 1974, é elaborada, por um departamento da ONU, a Declaração de Cocoyok 3
(BRÜSEKE, 1995). Esta já traz uma visão diferente a respeito das regiões diagnosticadas
na África, Ásia e América Latina. Afirma que a destruição ambiental dos continentes é
resultante da pobreza, que leva a população carente à superutilização do solo e dos
recursos naturais.
Delineia-se aqui uma segunda tensão entre uma elaboração teórica e uma
declaração política, na qual a degradação deixa de ser justificada por relações de
exploração mundial e passa a ser justificada pela pobreza local.
Têm-se aqui diferentes olhares sobre uma mesma questão: o primeiro, de Strong,
focado num problema local, mas busca, para sua compreensão, as possíveis causas que
extrapolam este espaço. O olhar é então ampliado e capta uma teia de relações
complexas, onde agem diversos países e diferentes interesses político-econômicos e
impera a exploração. Assim é explicada a exclusão, a pobreza e a árdua luta pela
sobrevivência que leva até a superutilização de solos. Desta forma o autor constrói uma
possível resposta através da articulação entre global & local.
Este olhar, porém, foi vencido por outro, bem menos complexo mas com maior
eficiência prática. Trata-se da declaração de Cocoyok que aparentemente prefere não
discutir as conseqüências de um desenvolvimento desigual e assim considera que o
problema (a superutilização do solo) e a sua causa (a pobreza) se concentram no mesmo
lugar.

3a. tensão: o “desenvolvimento sustentável” da ONU e movimentos de


resistência
A Organização das Nações Unidas foi fundada após a Segunda Guerra mundial.
Depois da demonstração do poder humano de destruição, na Segunda Guerra Mundial,
intensificaram-se as discussões acerca de um possível “pacto mundial de paz”, já
existente no Pacto da Liga das Nações (1919). Foi escrita então a Carta das Nações
Unidas (1945), que prometia que a força deveria ser usada somente para a defesa dos
interesses comuns. É perceptível, neste ponto, um discurso aparentemente neutro. O que
seriam interesses comuns e quem os definiria não está esclarecido. Tem-se aí subjacente
uma concepção de mundo na qual não são considerados interesses diversos, sistemas
sociais diversos – que hora cooperam, hora disputam - e onde não existe luta de classes.
O geógrafo Demétrio Magnoli assume posição contrária e diz a este respeito, que não
existe “governo mundial” baseado na justiça, mas existe poder dos Estados e a política
do poder. Nesta análise fica praticamente impossível a determinação de interesses
comuns, já que o espaço mundial é o espaço da disputa das nações. Desta forma, a
durabilidade da ONU pode ser justificada não por sua capacidade de auxiliar na resolução
de conflitos de maneira justa e sem interesses próprios, mas por sua adaptação funcional
às políticas de poder. Entre estas, pode ser citada sua posição claramente favorável ao
pólo capitalista, durante a Guerra Fria.
Em 1987 a ONU publica o relatório de Brundtland, onde é pela primeira vez
utilizado o termo desenvolvimento sustentável.
Uma definição comum para desenvolvimento sustentável é a de que este se baseia
no triângulo sociedade, economia e meio ambiente. O diálogo entre governo, sociedade

3
A Declaração de Cocoyok resultou de uma reunião da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio-
Desenvolvimento) e do UNEP (Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas), em 1974.
civil e iniciativa privada deve abordar a inter-relação dos três fatores para delinear um
desenvolvimento mais sadio e sustentável.
O relatório apresenta uma lista de medidas a serem seguidas mundialmente: a)
limitação do crescimento populacional, b) garantia da alimantação a longo prazo, c)
preservação da biodiversidade e dos ecossistemas; d) diminuição do consumo de energia
e desenvolvimento das tecnologias que admitem o uso de fontes energéticas renováveis;
e) aumento da produção industrial nos países não-industrializados à base de tecnologias
ecologicamente adaptadas, f) controle da urbanização selvagem e integração entre
campo e cidades menores; g) as necessidades básicas devem ser satisfeitas h) as
organizações do desenvolvimento devem adotar a estratégia do desenvolvimento
sustentável; i) a comunidade internacional deve proteger os ecossistemas
supranacionais; j) guerras devem ser banidas; k) a ONU deve implantar um programa de
desenvolvimento sustentável (appud Brüseke, 1995).
Após a incumbência da ONU de elaboração de um programa de desenvolvimento
sustentável, seguiram-se várias conferências mundiais que abordaram temas relativos à
economia, política, sociedade e meio ambiente. Entre elas destacam-se: Rio de Janeiro
(1992), Nova York ou Rio+5 (1997) e a de Johannesburgo ou Rio+10 (2002). Assim,
depois de 20 anos de discussões, firma-se a entrada da questão ambiental nos debates
sobre política econômica.
É interessante observar o movimento de estudos e teorias acadêmicas a respeito
da crise econômica, sócio-política e ambiental diagnosticada, até se chegar a um plano
político mundial a ser desenvolvido pela ONU. Neste percurso, as críticas severas feitas
às grandes economias industriais por autores como Strong foram habilidosamente
contornadas por esforços diplomáticos para se chegar ao desenvolvimento sustentável,
que deve ser mundialmente implantado. Isto não significa, porém, que o movimento de
tensões em relação a esta temática tenha cessado. Muito pelo contrário: a formalização
da proposta e a visibilidade que lhe foi conferida, suscitam inúmeros debates sobre a
questão, envolvendo inclusive mais áreas acadêmicas, coma a História, a Geografia e a
Sociologia.
Um aspecto não considerado no relatório de Brundtland, é que a democratização
desta discussão envolve a contraposição de interesses de diferentes países e de distintas
camadas da sociedade. A ONU assume mais uma vez o discurso da neutralidade,
presente desde de sua fundação, e coloca a implantação da proposta como um bem para
toda humanidade. É claro que o relatório aponta alguns avanços, mas não abrange a
complexidade da temática, na medida em que aponta metas globais, que não
possibilitam problematização.
O que parece, num primeiro momento, uma política que deverá ser construída com
a base local revela-se, através do relatório de Brundtland, como um conjunto de medidas
imposto globalmente para cada localidade.
O Brasil, que efetivamente participou das conferências mundiais, agora é sede de
muitos debates, que, em certa medida, criticam o “desenvolvimento sustentável”, da
forma como é definido pelos órgãos da ONU e as políticas de sua implantação.
Para a análise destas críticas cabe ainda verificar como o desenvolvimento
regional sustentável é abordado em uma publicação recente da ONU (da comissão
CEPAL)4, de autoria de Jimenez (2002).
Neste documento a depredação ambiental em países em desenvolvimento é
explicada principalmente pela exploração demasiada dos recursos naturais. Tratam-se de
países exportadores primários. O documento da CEPAL admite a mesma justificativa
dada pelo relatório de Cocoyok (questão discutida na 2a. tensão) e avança na
problemática, quando propõe um caminho para a superexploração dos recursos naturais:

4
CEPAL: Comissão Econômica para a América Latina - comissão pertencente ao Conselho Econômico e Social da ONU
a solução apontada, na ótica da ONU de “desenvolvimento regional sustentável”, é a
industrialização destes países.
“Una manera de revertir el encadenamiento perverso apertura-exportación de
recursos naturales-mayor vulnerabilidad ambiental, sería mediante el
procesamiento e industrialización de dichos recursos (...)”(JIMÉNEZ, 2002, p.25)

Desconsidera-se novamente a criação de áreas periféricas num contexto de


economia mundial e parte-se mais uma vez de um pressuposto de igualdade. Como a
história demonstra claramente que a pobreza e a riqueza mundial foram processos
construídos através de relações de exploração, a neutralidade presente nos documentos
da ONU pode ser considerada discurso ideológico.
Neste documento é possível também encontrar uma grande contradição: como
pode a industrialização ser apontada como solução para a destruição ambiental, se são
justamente as indústrias as grandes poluidoras nos países desenvolvidos. A partir desta,
é possível deduzir que esta industrialização sugerida certamente não partirá das
necessidades do país, mas será imposta pelas multinacionais. Na perspectiva da lógica
mercantil atuante, países em desenvolvimento nunca poderão determinar sua
sustentabilidade. Esta já chegará através das grandes empresas, determinada pelos
países desenvolvidos.
A instalação das multinacionais em países em desenvolvimento é geralmente
acompanhada por um grande otimismo por parte dos empresários que carregam a
imagem do progresso; da população, que espera por empregos; e do governo local, que
espera se promover. Todo este quadro é um reflexo do discurso ideológico já
mencionado, que carrega também a afirmação de que existe um modelo de
desenvolvimento a ser seguido, e este deverá se sobrepor ao que porventura já esteja
constituído localmente. Em troca da instalação das empresas o governo concede
isenções fiscais e permite a mão de obra barata. Frente a tal situação cabe indagar: qual
será então a contribuição que a indústria dará para o país? Até que ponto esta suposta
medida sustentável reflete uma maior preocupação ambiental no planejamento
econômico?
Diante deste quadro, faz-se necessária a busca por estudiosos que propõem a
retomada desta discussão a partir do local. Uma contribuição importante é dada por
Diegues que defende que cada sociedade terá que construir sua própria sustentabilidade
(Diegues, 1992) e constrói seu argumento a partir da crítica à proposta mundial.
O autor A. C. Diegues (1992) discute se é realmente o modelo das sociedades
industriais o almejado por todos os povos e se é este o mais condizente com o almejado
desenvolvimento sustentável. Para tanto argumenta:
“Os conceitos de desenvolvimento e mesmo o chamado “sustentado” se baseiam
na necessidade de se atingir o grau de “desenvolvimento” atingido pelas sociedades
industrializadas. Está cada vez mais claro que o estilo de desenvolvimento dessas
sociedades, baseado num consumo exorbitante de energia, artificialmente barata e
intensiva em recursos naturais (...) é igualmente insustentável a médio e longo prazo.”
(Diegues, 1992)
O autor propõe então que se pense o problema global sob a perspectiva de
“sociedades sustentáveis” e não de desenvolvimento sustentável. Desta forma sugere
que a questão global seja resolvida com soluções locais. Cada sociedade deverá se
estruturar em termos de sustentabilidade próprios, “segundo suas tradições culturais,
seus parâmetros próprios e sua composição étnica específica. Acrescenta ainda que,
“isto não invalida as conquistas universais hoje consolidadas nos princípios da
Declaração dos Direitos Humanos e outras declarações e acordos mais universais.”
A proposta de Diegues se contrapõe à concepção dominante de desenvolvimento
sustentável, na medida em que confere autonomia a cada localidade ao invés de
submetê-las a diretrizes globais.
É pertinente, neste ponto, aprofundar como a localidade ou a região é pensada na
política de implantação do “desenvolvimento sustentável” global. Para tanto, será
analisado mais um trecho de um trabalho recente da ONU, anteriormente mencionado,
escrito por Jimenèz (2002). A efetivação do desenvolvimento sustentável é pensado a
partir de bio-regiões. Nesta ótica não são consideradas as limitações territoriais de
município, estado, região, de uma federação, mas as reservas naturais de cada parte.
Sendo assim, são as localidades que são consideradas, mas não da perspectiva cultural e
humana, como defende Diegues e sim, meramente da perspectiva de potência material.
“En la medida en que una de sus preocupaciones centrales es el uso y
conservación de los recursos naturales y que estos están localizados
territorialmente, el enfoque del desarrollo sostenible le agrega la dimensión
ecológica al concepto de endogeneidad del desarrollo.” (JIMÉNEZ, 2002, p.24)
Este é o chamado desenvolvimento local endógeno, onde a própria localidade é
definida pelo critério de existência de recursos naturais que contribuam para seu
desenvolvimento econômico. A questão crucial é que este mapeamento é sugerido de
acordo com as necessidades de um suposto “mercado global”, ao invés de ser planejado
nacionalmente. Grosseiramente pode se afirmar que está sendo feito um mapeamento
mundial das reservas existentes, para que os recursos sejam também redistribuídos para
o mundo todo. Desta forma, planeja-se a sobrevivência do planeta.
A perspectiva de globalização dos recursos naturais ainda existentes é uma
ameaça ao um país como o Brasil, pois significa abrir mão de uma riqueza nacional em
prol da sustentabilidade do planeta. Ressaltamos mais uma vez que é fundamental
criticar uma proposta de desenvolvimento sustentável, quando esta não discute a
existência de diferentes poderes políticos e as diferenças sócio-econômicas produzidas
historicamente no cenário global. A idéia de discutir um desenvolvimento em escala
mundial, envolvendo todos os países, as áreas econômicas, ambientais e sociais significa
um grande avanço. Agora, é preciso lutar pela igual participação a todas as esferas, ou
continuar-se-á a reproduzir uma lógica dominante, onde apenas algumas nações
decidem sobre os rumos de todos os países, e onde a multiplicidade de culturas estará
também submetida a apenas uma.

Considerações finais
Os debates sobre “desenvolvimento sustentável” realizados até então permitem
que se reflita sobre a relação entre ser humano e natureza e também sobre a relação dos
seres humanos entre si. É preciso, porém, como alerta Diegues (1992), fazer esforços
para que esta discussão não se foque na primeira relação, ser humano e natureza,
resultando apenas em “conservação ambiental entendida em sua dimensão mais restrita,
isto é, a luta contra poluição gerada pelo sistema sócio-econômico”, de forma a
perpetuar uma lógica de consumo, poluição, e preocupação somente com um futuro
imediato.
Na perspectiva de refletir sobre as relações humanas, que o “desenvolvimento
sustentável” também trás, está a possibilidade de uma real mudança. Neste sentido, a
Universidade pode desempenhar um papel fundamental, já que é espaço de ensino,
produção de conhecimento e reflexão. Quando estas dimensões acadêmicas estão
ligadas ao espaço social no qual se insere a instituição, a Universidade se torna lugar de
ressignificar conhecimentos, para que estes interajam com e mudem a realidade local. A
Universidade, neste sentido se torna um espaço de resistência a forma como o
“desenvolvimento sustentável” está globalmente posto, e se torna o centro de gestação
de uma nova cultura, uma nova política, de novas relações do ser humano com a
natureza e de relações dos seres humanos entre si.

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