I Jo. 5.7 - Unitarismo Bíblico

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POR VALDOMIRO / EM 9 DE MAIO DE 2010 / EM COMENTÁRIOS

I Jo. 5.7 “Porque três são os que testificam no céu: o Pai, a


Palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um.” Este verso,
conhecido com a Comma Johanneum (a cláusula Joanina),
também conhecido como “As Três Testemunhas Celestiais”, seria o
único que “apoiaria” explicitamente a doutrina da trindade. A
bíblia Almeida Corrigida contém o texto, já a Almeida Atualizada
não o contém, e isto tornou-se objeto de discussão entre os
defensores do Textus Receptus (TR), base para a Corrigida, e os
defensores do Texto Crítico (TC), base da Atualizada. A evidência
textual aponta para a rejeição da passagem “no céu, o Pai, a
palavra, e o Espírito Santo: e estes três são um” por não constar
nos manuscritos gregos mais antigos. Mas, independente do texto
crítico cunhado por Westcott e Hort, com base nos manuscritos
Aleph (Sinaiticus) e B (Vaticanus), que muitos consideram
corrompidos (e não se pretende aqui defender o criticismo, ainda
que haja o princípio da probabilidade intrínseca), omitir a Comma
Joanina, devemos nos ater a história dessa possível inserção e
concluir, baseado nos fatos constatados, se realmente é uma
inserção ou não! Para isso vale a pena ler a declaração do Dr.
Norman Wilbur Pickering que embora seja um defensor da
trindade e do TR1 atesta “…99% dos MSS gregos não trazem as
‘três testemunhas celestiais‘”. Apenas 8 (oito) manuscritos gregos,
em um universo de aproximadamente 6.000, segundo informa o
aparato crítico do Novo Testamento Grego da United Bible
Societies e outras fontes secundárias, contêm a Comma. São eles:
61 (Códice Montofrianus) do século XVI; 88 (uma variante do
Códice Regius de Nápolis [XII]) do século XIV; 429 (Mss em
Wolfertüttel) do século XIV; 629 (Mss no Vaticano) do século

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XIV/XV; 636 (Mss em Nápoles) do século XV; 918 (Mss em


Escorial, Espanha) do século XVI; 2473 do século XVII e 2318
(Bucareste, Romênia) do século XVIII. Vale a pena ressaltar que
em apenas quatro dos oito o texto não apace como nota marginal,
ou seja, se excluirmos os manuscritos em que a Comma não
aparece no meio do texto bíblico, então, o número cai mais ainda, e
todos são posteriores ao seculo XI, ou seja, no mínimo 1.000 (mil)
anos depois de João haver escrito a epístola original; e o último
deles é extremamente recente, do século dezoito. Há quem ignore o
fato de que a evidência da escassez e recenticidade dos manuscritos
gregos testemunham fortemente em desfavor da autenticidade do
trecho, e apelam para Thacius Cecilianus Cyprianus, ou
simplesmente Cipriano, nomeado bispo de Cartago em 248 d.C.
Autor de “De Catholicae Ecclesiase Unitate” (A Unidade da Igreja
Católica), e que tem como um de suas máximas a expressão: “Você
não pode ter Deus para seu pai, se não tem a Igreja como sua
mãe”. O que algumas pessoas não sabem é que Cipriano foi
seguidor apaixonado das ideias de Tertuliano, ainda que tenha
evitado se referir ao nome de seu “mestre” por conta da saída dele
da igreja “oficial” para abraçar o Montanismo2, e por ele mesmo,
Tertuliano, conta-se, haver depois saído de lá e fundado um
movimento religioso próprio, que ficou conhecido como
Tertulianismo. Jerônimo atesta essa filiação entre Cipriano e as
obras de Tertuliano em seu livro De Viris Illustribus (Sobre
Homens Ilustres)3. Informa que esse o classificava de mestre e
estava familiarizado com sua obra. Como se sabe Tertuliano foi o
primeiro a usar o termo “trindade”, e seus escritos oscilavam entre
o subordinacionismo característico de todos os escritores cristãos
até o segundo século, e a unidade da substância, que embora tendo
conotação diferente daquele assumido em Niceia, começava a
surgir enquanto ensinamento teológico ainda que concebida em
graus de existências por esse teólogo, por conta dessa variação a
teologia dele é considerada confusa ou ambígua. Embora se diga

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que Cipriano tenha falado, em sua época, a frase que compõe a


Comma, não se pode afirmar que ele o tenha feito por
conhecimento de algum manuscrito bíblico em grego, pois nem
Tertuliano, de quem foi seguidor, que falava tanto latim quanto
grego citou ou fez menção a frase, nem mesmo em sua obra contra
Praxéas onde apresenta o dogma trinitário. Também Novaciano
que escreveu um tratado sobre a trindade e foi contemporâneo de
Cipriano, e igualmente leitor de Tertuliano, não a conhecia. A
inexistência de manuscritos gregos que contenham essa construção
no período em que viveu o Bispo Cipriano atesta que ele não o fez
baseado em algum texto inspirado. Na verdade há quem afirme que
Cipriano é o autor da frase por influência das ideias de Tertuliano,
cunhada em uma de suas homílias e mais tarde usada por um
copista como nota marginal nos manuscritos latinos posteriores e
depois inserido no corpo do texto joanino. Isto parece estar ainda
mais evidenciado quando se descobre que nem mesmo os
manuscritos da Vulgada Latina anteriores ao ano 800 contêm a
Comma. Vale lembrar que Cipriano era Bispo latino, e pelo que se
vê ele não leu nem em manuscritos gregos, nem em manuscritos
latinos aquilo que se atribui a João em sua primeira epístola. Outra
suposta citação das “três testemunhas celestiais” é vista em
Cassidoro mais de 200 anos depois de Cipriano. Vale lembrar que
enquanto isso os chamados “pais” da igreja estavam debatendo a
questão cristológica de forma intensa, e o fizeram sem qualquer
menção ao trecho referenciado como que atestando sua
inexistência. Assim, do ponto de vista historiológico a Comma
Joanina partiu de uma nota marginal em um manuscrito latino,
vindo a fazer parte em manuscritos subsequentes da Vulgata, já
tardiamente passando, na sequência, para um texto grego
posterior. É de se destacar que ela também não consta em versões
antigas do Novo Testamento como a siríaca, a armênia, copta,
árabe, etíope e outras. A Bíblia de Jerusalém, que é uma produção
conjunta de ramos trinitários do cristianismo (catolicismo e

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protestantismo) teria valorizado sobremaneira o trecho se ele fosse,


de fato, verdadeiro, mas, ao contrário diz em nota de rodapé acerca
desse verso que “O texto dos Vv. 7-8 está acrescido na Vulg. de um
inciso […] ausente nos antigos mss. gregos, nas antigas versões e
nos melhores mss. da Vulg., o qual parece ser uma glosa marginal
introduzida posteriormente no texto”

O próprio Textus Receptus elaborado por Erasmo de Roterdã, a


partir dos textos gregos disponíveis, em sua primeira edição de
1516 não traz, também, a Comma Joanina, nem mesmo na segunda
edição que começou a circular em 1519, e somente foi incluída na
edição de 1522, por pressão de religiosos da época, que diga-se de
passagem já viviam em um mundo completamente romanizado e
trinitário. E, embora o tenha feito, os registros informam que
Erasmo o fez com ressalvas e sem confiar na autenticidade do
único manuscrito grego que lhe foi apresentado constando a
Comma, o manuscrito catalogado sob número 61. A própria
datação do manuscrito apresentado a Erasmo mostra que ele é
contemporâneo do erudito, ou seja, sem valor histórico para
finalidade de inclusão na obra de Erasmo. Portanto, percebemos
que se o Texto Crítico fosse elaborado na época das primeira e
segunda edições do Textus Receptus, teriam ambos, de forma
idêntica, o texto de I João 5.7; sem as “três testemunhas celestiais”.
De modo que não é o TC que determina o uso ou não da Comma
Joanina, mas os fatos históricos que testemunham em seu
desfavor. Então, se o primeiro manuscrito grego que se tem
notícias que o contém data de mais de 1000 (mil) anos depois de
Cristo; o primeiro manuscrito latino que o contém data do ano 800
(oitocentos) depois de Cristo; se as antigas versões do Novo
Testamento para outras línguas não o contém e esses trecho não
aparece nas discussões teológicas que envolveram o tema durante
séculos, principalmente dos primeiros séculos, como pode ser
escrito original de João?

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Alguns alegam que se retirada as “três testemunhas celestiais” de I


Jo. 5.7, produz-se um erro gramatical, mas isso (o erro gramatical)
não é incomum nos textos gregos de João, nem nos textos bíblicos
de um modo geral, até porque os escritores tinham graus de
conhecimento diferentes da língua o que torna a possibilidade de
erro real, além disso alguns deles eram servidos por amanuenses.
Comprovando a realidade da imperfeição gramatical em
determinadas passagens bíblicas o Dr. Russel Champlin registra
acerca do Apocalipse: “O grego ali usado é próprio de um autor
que falava o aramaico (sic), e que adquiriu o grego como segundo
idioma. Há muitos erros gramaticais no original”. A cerca do
evangelho de João o mesmo autor diz: “alguém submeteu o livro a
uma revisão bem completa da linguagem”4. A esse título, temos
coisas incomuns também em outros lugares do N.T como, por
exemplo, três substantivos femininos reunidas num plural neutro
em I Co. 13.13, ou em Ap. 1.13 o uso de “µαστός” (mama ou peito,
donde temos mastologia) aplicado a Jesus. A mesma palavra é
usada em Lc. 11.27 “Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os
peitos em que mamaste.”; ao invés de κολπός (kolpos), seio,
peitoral, como em Jo. 13.23. Há ainda casos em que um
substantivo feminino foi masculinizado, só para citar alguns
exemplos. Assim, também isso não é argumento em favor da
Comma Joanina.

1Pickering, Dr. Norman Wilbur in Qual o Texto Original do Novo Testamento


2Montanismo – nome dado ao movimento religioso fundado por Montano. Caracterizava-se pelo ascetismo e a crença na
atualidade dos dons Espirituais e adotava uma linha apocalíptica.

3Esta obra elencou 135 homens ilustres do cristianismo e tinha como objetivo mostrar que nesse meio de fé haviam também
pessoas instruídas, pois uma antiga acusação que incomodava alguns cristãos era que todos eram ignorantes.

4Apud Chaplin, R.N. In Enciclopédia da Bíblia, Teologia e Filosofia. Ed. Candeia, São Paulo – 1995, pág. 544.

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