Livro Texto
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Livro Texto
LITERATURA
NA
EDUCAÇÃO BÁSICA
Professora Conteudista - Profª Maria Luiza Itsuko
Suguinoshita Rebello
2
Caro Aluno,
Bons Estudos!
3
Apresentação do professor
OBJETIVOS DA DISCIPLINA:
CONTEÚDO:
METODOLOGIA:
ATIVIDADES DE AVALIAÇÃO
BIBLIOGRAFIA BÁSICA:
BETTELHEIN, Bruno. A psicanálise dos Contos de Fadas. São Paulo / SP. Paz
e Terra, 2007.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:
UFSCar, s/d.
ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM
Apresenta atividades em diferentes níveis de aprendizagem para que o
estudante possa realizá-las e conferir o seu domínio do tema estudado
HIPERLINK
Indica link (ligação)
MÍDIAS INTEGRADAS
SUGESTÃO DE LEITURA
SAIBA MAIS
Oferece novas informações que enriquecem o assunto ou “curiosidades”
e notícias recentes relacionadas ao tema estudado.
PENSE
Sugestões para você pensar e discutir com outras pessoas seja no seu
ambiente familiar, profissional ou aqui no fórum.
8
SUMÁRIO
UNIDADE 1 ............................................................................................................... 10
ATIVIDADE AVALIATIVA......................................................................................... 11
ATIVIDADE AVALIATIVA......................................................................................... 60
UNIDADE 2 ............................................................................................................... 64
ATIVIDADE AVALIATIVA......................................................................................... 63
ATIVIDADE AVALIATIVA......................................................................................... 95
UNIDADE 3 ...................................................................................................................
UNIDADE 1
11
ATIVIDADE FORUM
FELICIDADE CLANDESTINA
Clarice Lispector
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio
arruivados. Tinha um busto enorme; enquanto nós todas ainda éramos achatadas.
Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com
balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter:
um pai dono de livraria.
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo
menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do
pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas
pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como
"data natalícia" e "saudade".
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando
balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar. Comigo exerceu com calma
ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a
que ela me submetia: continua a implorar-lhe emprestados os livros que não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma
tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía. As Reinações de
Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele,
comendo-o, dormindo-o.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num
sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para
meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina e que eu
voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a
esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que
era meu modo estranho de andar pelas ruas do Recife. Dessa vez nem caí: guiava-
me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a
minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como
sempre e não caí nenhuma vez.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo
indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara
a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas,
adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja
precisando danadamente que eu sofra.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e
silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição
muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas.
Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A
senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que
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essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou:
mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a
descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de
perversidade de sua filha desconhecida, a menina loura em pé à sua frente, exausta,
ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e
calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica
com o livro por quanto tempo quiser". Entendem? Valia mais do que me dar o livro:
"pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode
ter a ousadia de querer.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois
ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de
novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi
que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava
as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A
felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu pressentia. Como
demorei! Eu vivia no ar…. Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha
delicada.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
Caro aluno,
SIGNIFICANDO A LEITURA
Por um lado, temos então a teoria da leitura como processo linear, letra a letra
e de outro, a teoria como processo semântico-visual. Da mesma forma, podemos
dizer, no caso de um leitor iniciante temos uma leitura mais próxima do processo
linear, letra a letra, mais literal, mais mediata e, na medida em que o leitor adquire
mais experiência, sua leitura torna-se mais fluente, mais visual, mais imediata.
SMITH apud SOLIGO1 (2001, p. M1U7T8-2), nos diz que damos crédito demais aos
olhos, afinal é por meio deles que enxergamos o que está escrito. Porém, afirma
que, em sentido literal, não são os olhos que veem, mas o cérebro. Ele lê aquilo que
os olhos colhem e pelo que tem de informação sobre o que vê.
"Aula de leitura"
Ricardo Azevedo
se é outono ou se é verão;
se é hora de navegar;
e no jeito da pessoa,
se trabalha ou se é à-toa;
na cara do lutador,
e no pelo do cachorro,
e na cinza da fumaça,
o tamanho da desgraça;
e no ronco do motor,
e na pele da pessoa,
e no brilho do sorriso,
e no som do coração.
é a de ler um olhar,
difíceis de decifrar.
Disponível em http://acervo.novaescola.org.br/educacao-infantil/4-a-6-anos/ricardo-azevedo-declama-bola-gude-
568081.shtml, acessado em 10/09/2016.
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Em outras palavras, o autor quer nos dizer que “uma habilidade essencial
para a leitura que não é ensinada a nenhum leitor é depender o menos possível dos
olhos” (SMITH apud BRASIL, 2001, p.167). Vamos ao texto do autor que está
disponível no Domínio Público em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me000504.pdf, acessado em
10/09/2016:
Uma habilidade essencial para a leitura que não é ensinada a nenhum leitor é
depender o menos possível dos olhos.
Mas a informação visual não será suficiente para a leitura. Eu poderia mostrar
que todos vocês são incapazes de fazer isso. Por exemplo, eu poderia pedir-lhes
que lessem a passagem seguinte que, casualmente, está escrita em sueco. A não
ser que você entenda sueco, não conseguirá lê-la:
Mas é possível que você entenda sueco. Eu poderia confrontá-lo com uma
passagem de um texto sueco ou inglês, que poderia confundir a sua habilidade de
leitor, tanto como o seguinte título de uma palestra apresentada em um seminário
sobre as densidades da água do mar:
Espero que você concorde que nas três situações que acabei de descrever o
que o impediu de ler não foi a falta de informação visual. Há outros tipos de
informação que também são necessários, incluindo uma compreensão da linguagem
relevante, conhecimento do assunto e uma certa habilidade geral em relação à
leitura. Todos esses outros tipos de informação podem ser agrupados e chamados
de informação não-visual. É fácil distinguir a informação visual da informação não-
visual. A informação visual desaparece quando as luzes se apagam; a informação
23
não-visual já está em sua mente, atrás dos olhos. E já que ambos os tipos de
informação são necessários à leitura, a sua necessidade de união pode ser
representada como no diagrama 1.
Pode parecer que eu tive um grande trabalho para afirmar o óbvio: que você
precisa já ter certo tipo de informação em sua mente para ser capaz de ler. Mas
existe uma relação entre a informação visual e a não-visual que não é tão óbvia, e
que é de enorme importância para a leitura. A relação é a seguinte: os dois tipos de
informação podem ser intercambiados entre eles. Há uma relação recíproca entre as
duas que pode ser representada, como no diagrama 2, e colocada formalmente em
palavras da seguinte maneira:
É fácil dar exemplos dos cotidianos desse intercâmbio entre os dois tipos de
informação. A leitura de um livro será tanto mais fácil quanto mais informação prévia
você tiver sobre ele. Você pode ler um livro fácil mais rapidamente, com uma
impressão menor e relativamente com pouca luz. Por outro lado, um livro de difícil
leitura exige mais tempo, melhor iluminação e uma impressão muito melhor. Os
olhos têm mais trabalho se o livro for difícil; frequentemente você precisa
esquadrinhar o texto.
Limitações da visão
Normalmente acreditamos que podemos ver tudo o que está diante de nossos
olhos — logicamente, quando estivermos com os olhos abertos. Também é comum
acreditarmos que a visão é instantânea, que nós percebemos objetos e
acontecimentos no momento em que colocamos nossos olhos neles. E certamente
tendemos a pensar que são os próprios olhos os responsáveis pelo que vemos.
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Você estará vendo um número, 210, e duas palavras, Lion Street. Mas se
checar novamente, verá que eu escrevi os dígitos 1 e 0 do número exatamente da
mesma maneira que escrevi as letras I e O em Lion. A informação visual foi a
mesma. Você ter visto números ou letras dependeu do que seu cérebro decidiu que
você estava olhando.
A visão não somente requer que o cérebro tome decisões, mas também exige
tempo para que ele tome essas decisões. Mais precisamente, o cérebro usa
informação — informação visual — para tomar decisões, e o "processamento" dessa
informação leva tempo. A quantidade de tempo requerida para tomar uma decisão
depende da quantidade de informação que o cérebro necessita, e a quantidade de
informação necessária depende basicamente de quantas alternativas o cérebro tem
para escolher.
Agora explicarei como podemos mostrar que o cérebro requer tempo para
encontrar sentido na informação visual e que há uma considerável limitação em
relação a quanto pode ser visto em qualquer momento. Demonstrarei também que
fazendo uso do conhecimento prévio podemos fazer a mesma quantidade de
informação chegar muito mais longe e, portanto, ver muito mais. As demonstrações
são relevantes porque, casualmente, estão relacionadas com a leitura.
Então agora temos uma resposta para a questão de quanto pode ser visto
com um simples olhar, pelo menos no que se refere a uma linha de letras
aleatoriamente colocadas: quatro ou cinco. E devo chamar a atenção sobre o fato de
que essa limitação nada tem a ver com idade, habilidade ou experiência. Uma das
descobertas mais antigas da psicologia experimental é que quatro ou cinco letras
são o maior limite da quantidade que se pode ver em uma situação como a que eu
descrevi. Crianças razoavelmente familiarizadas com o alfabeto têm mais ou menos
o mesmo desempenho nesse tipo de tarefas que os adultos com muitos anos de
experiência em leitura, e a prática não tornará ninguém muito melhor.
Também não faz qualquer diferença o tempo em que as letras são projetadas
na tela ou expostas pela régua móvel, desde que o observador dê somente uma
olhada. Não é a velocidade em que a informação visual chega aos olhos que
estabelece o limite de quanto se pode ver em um simples olhar, mas o tempo que o
cérebro leva para tomar as suas decisões. A informação chega aos olhos, e assim
fica disponível para o cérebro, quase instantaneamente. Não importa se a projeção
na tela (ou o movimento da régua) é tão breve quanto um milésimo de segundo,
desde que a iluminação seja adequada. Nesse instante, a informação da página
entra no sistema visual. Após esse instante, o cérebro começa a trabalhar e os
olhos, para todos os efeitos, se fecham (mesmo que eles permaneçam abertos). O
trabalho dos olhos, por enquanto, está feito; qualquer outra informação adicional que
eles possam receber servirá somente para sobrecarregar o cérebro. O fato de que a
informação visual pode estar disponível diante dos olhos do observador por um total
de um quinto de segundo — duzentas vezes mais do que a exposição mínima
requerida — não fará diferença. Nada mais será visto. O cérebro está ocupado
demais tentando fazer sentido com a informação que o olho coletou no primeiro
milésimo de segundo, ou algo assim. Se ficar olhando fixo, é porque você não está
entendendo o que está olhando, e não porque está vendo mais. Talvez agora você
possa entender por que a quantidade de tempo que uma pessoa pode ficar olhando
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para as letras no retângulo não faz diferença, desde que seja menor do que o quinto
de segundo ou mais exigido para organizar um segundo olhar.
Se quatro ou cinco letras são o máximo que pode ser visto com um único
olhar, poderia parecer então que a questão da rapidez com que você lê depende da
velocidade na qual permanece olhando para a página. Mas você não consegue
aumentar a velocidade da leitura aumentando os movimentos dos olhos. A limitação
não está no ritmo em que os olhos podem colher informações, mas na velocidade
em que o cérebro consegue lidar com essas informações, para encontrar sentido
nelas. Para examinar o ritmo limitado em que o cérebro pode lidar com a nova
informação visual, devemos aprofundar-nos um pouco mais no assunto do
funcionamento do sistema visual.
Fixações
1. Há um limite no quanto pode ser visto de uma vez, e esse limite, em termos
de letras aleatórias, é de quatro ou cinco.
Obviamente nós podemos ler mais rápido do que quatro ou cinco letras por
segundo, o que levaria a uma velocidade máxima de leitura de quase sessenta
palavras por minuto. E na verdade nós devemos ser capazes de ler mais rápido,
porque sessenta palavras por minuto é muito lento para uma leitura com
compreensão. Mas eu não disse que as experiências demonstravam a rapidez com
que nós podemos ler, somente que o cérebro pode processar a informação visual a
uma velocidade não superior a quatro ou cinco letras aleatórias por segundo.
Agora, quero mostrar que usando informação não-visual nós podemos fazer
com que a quantidade limitada de informação visual que o cérebro pode processar
em uma fixação vá muito mais longe, e assim veremos e compreenderemos muito
mais. A experiência imaginária descrita anteriormente deve ser realizada de novo,
ainda com uma sequência de 25 letras apresentadas aos olhos somente de relance,
34
Mais uma vez, você deve imaginar que poderá olhar somente de relance para
as letras no retângulo, ou porque elas são projetadas em uma tela por somente uma
fração de segundo, ou porque elas são mostradas rapidamente, sendo logo em
seguida cobertas. Está preparado? Aí estão elas! E a resposta desta vez é: o dobro
do que você conseguiu ver antes. Quando as letras estão organizadas em palavras,
os leitores podem, geralmente, identificar duas palavras, o que equivale a dez ou
doze letras. Você provavelmente viu… SELA CAVALO… ou… CAVALO SEMPRE…
Não é uma explicação adequada para esse fenômeno dizer que na segunda
demonstração foram reconhecidas palavras, em vez de letras individuais. É claro
que foram, mas você nunca consegue algo de graça na leitura e, para reconhecer as
duas palavras, precisa processar a informação visual contida nas letras. Então, resta
a questão de como a mesma quantidade de processamento de informação visual
que permitiria a você identificar somente quatro ou cinco letras não relacionadas
possibilita a identificação do dobro de letras se elas estiverem organizadas em
palavras agrupadas aleatoriamente. E a resposta é que você deve estar fazendo a
mesma quantidade de informação ir duas vezes mais longe. Você está fazendo uso
da informação não-visual que já tem em seu cérebro e que, nesse exemplo, deve
estar relacionada ao seu conhecimento de como são formadas as palavras escritas.
Suponha que em vez de pedir para você imaginar que está tentando
identificar a sequência original de 25 letras aleatórias com um único olhar, eu
pedisse para adivinhar qual poderia ser cada uma dessas letras, sem olhá-las. Você
poderia objetar, justificadamente, que não tem meios para adivinhar que uma letra, e
não outra qualquer, pode aparecer. É isso o que a palavra aleatória significa — que
cada letra tem a mesma probabilidade de ocorrer, precisamente 1 em 26. Qualquer
letra dessa sequência poderia ser qualquer letra do alfabeto. Você não tem
nenhuma base para fazer uma escolha inteligente.
Mas agora imagine que eu tenha pedido para você adivinhar se uma letra
específica poderia estar nessa segunda sequência de letras, as letras que estão
organizadas em palavras. Ou suponha que eu tenha solicitado que adivinhasse qual
seria a quinta letra da décima linha da próxima página par do livro. Agora, você
estaria em uma posição para fazer uma escolha mais educada — provavelmente
teria adivinhado. Seria a letra E, ou talvez T ou A ou S. É pouco provável que você
dissesse Y ou X ou Z. E a sua escolha teria uma base bem sólida porque, na
verdade, E, T, A, I, O, N e S são, de longe, as letras mais frequentes nas palavras
em língua inglesa, enquanto Y, X e Z são relativamente raras. Nem todas as letras
individuais recebem a mesma quantidade de trabalho a fazer na língua inglesa; o E,
por exemplo, ocorre quarenta vezes mais frequentemente que o Z. Se você escolher
E, terá quarenta vezes mais chances de estar certo do que se escolher Z.
Eu não estou sugerindo agora que você leia palavras adivinhando cegamente
quais devem ser as letras. Mas podemos usar o nosso conhecimento bem preciso
de quais seriam provavelmente as letras, a fim de deixar de considerar,
antecipadamente, aquelas letras que têm muito pouca probabilidade de ocorrer. Isto
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letra, que é E; e somente duas vogais e poucas consoantes para a quinta, que é A.
Então, a palavra até agora é STREA — você poderia adivinhar qual seria a última
letra? Dependendo da maneira como você percebe o mundo (estou conduzindo um
sutil teste de personalidade), adivinhará M, ou K.
De onde vem essa habilidade tão especializada que nos permite usar o
conhecimento prévio sobre as probabilidades das letras na leitura, mesmo que
possamos não ter consciência nem do conhecimento nem do seu uso? A resposta
só pode estar na leitura em si. A aquisição e o uso de informação não-visual na
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leitura estão entre aquelas habilidades essenciais para a leitura que comentei que
nunca são ensinadas. Não é preciso que essas habilidades sejam explicitamente
ensinadas; elas são desenvolvidas sem um esforço consciente, simplesmente por
meio da leitura. Afinal, as crianças viveram desde o seu nascimento com a limitação
universal da quantidade de informação que qualquer cérebro pode processar e
solucionaram o problema de identificação, muitas vezes, com um mínimo de
informação durante o processo de reconhecer rostos familiares e objetos do seu
mundo. Se não temos consciência de contar com essa habilidade é porque a
desempenhamos muito bem. Aprender a adquirir e usar conhecimento que irá
reduzir a quantidade de informação que o cérebro deve processar é natural e
inevitável.
Está pronto? Mais uma vez, você só pode dar uma rápida olhada. Quanto
conseguiu ver? E o resultado desta vez é tudo. Você não viu somente parte da linha,
mas toda ela, quatro ou cinco palavras, em vez de quatro ou cinco letras.
A próxima palavra seria meio. Depois viria de, depois uma e sentença.
Um autor pode escolher entre pelo menos cinquenta mil, talvez cem mil,
palavras ao escrever um livro, no sentido de que a maioria dos leitores possa
reconhecer e compreender de cinquenta mil a cem mil palavras. E cada uma dessas
palavras que o autor pode escolher contém, obviamente, informação visual
suficiente para poder ser identificada isoladamente. Em outras palavras, cada
palavra deve conter informação visual suficiente para ser distinguida entre cem mil
40
alternativas. Mas ao decidir que palavra específica estará no livro, o autor não pode
escolher entre cem mil alternativas. O autor não pode dizer: "Eu não usei a palavra
rinoceronte por muito tempo, então usarei agora". De acordo com o que ele quiser
dizer, e com a linguagem na qual está sendo dito, o número de alternativas à
disposição é sempre limitado. O autor também não pode resolver de repente usar o
particípio passado ou a voz passiva. As construções gramaticais que podem ser
empregadas também são limitadas pelo sentido da mensagem a ser enviada. Na
realidade, em qualquer ponto particular do texto, o autor está livre para escolher não
entre aproximadamente cem mil, mas entre uma média de aproximadamente
duzentos e cinquenta.
Essa redução de incerteza pelo leitor faz uma enorme diferença no volume de
informação visual que precisa ser processado. A mesma quantidade de informação
visual que você precisaria para identificar uma única letra isolada permitirá que
identifique uma palavra completa dentro de um contexto significativo. Talvez não
Visão-túnel
Você notará que a visão-túnel não é um defeito físico dos olhos, nem uma
consequência de qualquer deficiência do sistema visual. A visão-túnel não é um
estado permanente; ela ocorre quando o cérebro está sobrecarregado de
informação visual. A visão-túnel é uma condição na qual se encontram,
frequentemente, os leitores iniciantes.
Causa da visão-túnel
1. A tentativa de ler algo que não faz sentido causa visão-túnel. Você deve
notar que se alguma coisa faz sentido ou não, depende em grande parte do que o
leitor sabe. Se souber ler em sueco, terá visto diversas palavras a cada olhar na
passagem em sueco que mostrei anteriormente neste capítulo. Mas se a passagem
em sueco representou simplesmente uma série de palavras aleatórias para você,
terá provocado a visão-túnel. O fato de um parágrafo escrito fazer sentido para um
adulto — que pode, portanto, vê-lo facilmente — não significa que o mesmo
44
parágrafo faça sentido para uma criança. Se algo não pode ser previsto, causará
visão-túnel. A linguagem e o conteúdo dos leitores infantis são sempre previsíveis?
vida, quanto mais ansiosos ficamos acerca da consequência de uma decisão, mais
informações precisamos antes de tomar a decisão. E na leitura você simplesmente
não pode parar de coletar grandes quantidades de informação visual para tomar as
suas decisões. A ansiedade causa visão-túnel, e a visão-túnel elimina a
probabilidade de compreensão.
Superando a visão-túnel
fazendo-as lerem alguns ou todos os livros que se espera que leiam, lidos por eles
antes de mais nada. A habilidade de leitura não será aprimorada com tarefas que
são desestimulantes ou impossíveis. As crianças poderiam ter visão-túnel porque
elas têm medo de cometer erros? Nem a compreensão nem a aprendizagem podem
ocorrer em uma atmosfera de ansiedade. A previsão, como a aprendizagem, pode
ser algo arriscado e uma criança deve sentir que vale a pena correr riscos. As
crianças que têm medo de cometer um erro não irão aprender e não irão nem
demonstrar a habilidade de leitura que possam ter adquirido. Segurança deve ser a
base da instrução de "reforço" para os leitores que enfrentam dificuldades em
qualquer idade.
Um leitor poderia ter visão-túnel devido aos seus maus hábitos de leitura? O
segredo de todos os cursos de leitura dinâmica é fundamentalmente esse — forçar o
leitor a ler rapidamente. A leitura lenta frequentemente é um hábito inadequado, mas
muitas pessoas leem devagar porque têm medo de não entender se acelerarem o
ritmo. Os cursos de leitura dinâmica procuram mostrar que a leitura é eficiente. Seus
estudantes são forçados a entrar em situações nas quais a visão-túnel é impossível;
a segurança que eles adquirem à medida que sua visão e a compreensão se abrem
fornece geralmente a base para uma leitura mais eficiente.
Resumo
Não vemos tudo o que está diante de nossos olhos e não vemos nada
imediatamente. É necessário algum tempo para que o cérebro decida sobre o que
os olhos estão olhando. A leitura depende mais daquilo que está por trás dos olhos
— da informação não-visual — do que da informação visual que está diante deles.
Confiar demais na informação visual pode sobrecarregar a capacidade do cérebro
de tomar decisões e resultar na visão-túnel, quando somente algumas poucas letras
são vistas de cada vez, em vez de frases inteiras. A visão-túnel tem maior
probabilidade de ocorrer quando o que está sendo lido não faz sentido para o leitor,
ou quando o leitor está ansioso diante do risco de cometer erros. Nem uma maior
atenção ao texto, nem o aumento da velocidade de fixação tornarão a leitura mais
eficiente, ou sua aprendizagem mais fácil.
4FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Editora Paz e Terra. Rio de Janeiro / RJ. 1987. Disponível
em http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/paulofreire/paulo_freire_pedagogia_do_oprimido.pdf,
acessado em 09/09/2016.
48
Meia hora mais tarde, desce com o mesmo jornal sob o mesmo braço.
5 GERALDI, João W. A leitura na sala de aula – as muitas faces de leitor. Caderno Serie Ideias nº 5.
Disponível em http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_05_p079-084_c.pdf, acessado em
13/09/2016.
51
LEITURA E CULTURA
A leitura nos abre portas para a interação com o mundo. Ela confunde-se com
o mundo. A leitura propicia que conheçamos a nós mesmo como meio para
conhecer o outro. Nós homens, necessitamos de um processo de formação,
diferentemente dos animais que já nascem constituídos de um padrão
comportamental. Nossa natureza é diferente. Ao longo do desenvolvimento, na
medida em que os padrões de comportamento nos são oferecidos é que
constituímos o nosso padrão de comportamento.
Disponível em http://blog.estantevirtual.com.br/2011/05/26/livros-tambem-sao-tema-de-tirinhas/,
acessado em 12/09/2016.
De fato, ainda temos que construir uma cultura de leitura. Os dados atuais
sobre a formação de leitores no Brasil têm melhorado, porém ainda não são
satisfatórios. Confira os resultados da última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil,
a seguir.
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Agora, uma possível explicação para isso chegou de Londres: de acordo com
o NOP World Culture Score Index, um estudo realizado pela agência NOP World para
medir “hábitos de #Mídia” em 30 países, o Brasil se classificou na 27ª posição no
ranking de leitura, à frente apenas de Tawian, Japão e Coréia.
Ao que parece, a preferência nacional é mesmo ver televisão (18 horas e quinze
minutos) - neste quesito nos classificamos na oitava posição - e ouvir rádio (17 horas
semanais).
O tempo médio semanal de leitura na Índia é 1 hora e trinta minutos maior do que
a segunda colocada do ranking, a Tailândia. Os indianos utilizam 10 horas e quarenta e
dois minutos de seu tempo semanal para a leitura de livros; os tailandeses, 9 horas e
vinte e quatro minutos.
E você? Dedica mais ou menos tempo que a média nacional para a leitura de livros?
Disponível em http://br.blastingnews.com/cultura/2015/09/leitura-em-ranking-de-30-paises-
brasil-ocupa-27-posicao-00548961.html, acessado em 11/09/2016.
60
ATIVIDADE
1.
Disponível em https://cdn.papodehomem.com.br/wp-content/uploads/2014/03/calvin-leitura1-
620x205.jpg, acessado em 13/09/2016.
Saber que os olhos veem, mas o cérebro é que enxerga é importante para que o
professor entenda que, para que compreendam um texto, seus alunos:
a) Somente a I.
b) Somente a II.
c) Somente a III.
d) Somente a IV.
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a) I, II e III.
b) II e IIII.
c) II e IV.
d) II, III e IV.
a) I, III e IV.
b) I, II, III e IV.
c) II e III.
d) II, III e IV.
62
Assinale a alternativa que apresenta a ordem correta dos enunciados, de cima para
baixo:
a) I e III.
b) I e IV.
c) II e III.
d) III e IV.
64
UNIDADE 2
65
ATIVIDADE FORUM
LITERATURA INFANTIL
A CONSTITUIÇÃO DO GÊNERO
Maria Luiza I. Suguinoshita
Antes disso, haviam sido escritas apenas histórias que vieram mais tarde ser
consideradas adequadas também à infância, as Fábulas, de La Fontaine, editadas
entre 1668 e 1694. Assim Perrault inaugura o gênero de produçao de obras infantis
e dentre estes, uma predileção pelos contos de fadas:
11 Ibid.
12 op.cit.
70
O sistema de
linhagens e
clientela
Que coisa é o livro? Que contém na sua
predominou na
Europa durante frágil arquitetura aparente?
a Idade Média,
São palavras, apenas, ou é a nua
vinculado ao
modelo feudal. exposição de uma alma confidente?
Centralizado
na preservação De que lenho brotou? Que nobre instinto
de amplas
da prensa fez surgir esta obra de arte
relações de
parentesco, que vive junto a nós, sente o que sinto
vigora sempre
que se tem e vai clareando o mundo em toda parte?
como meta a
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
manutenção da
propriedade e
a transmissão
da herança.
Supõe, pois, a supremacia de uma classe aristocrática, proprietária
de terras, que amplia sua dominação pela expansão dos vínculos
familiares. O casamento é um de seus principais instrumentos, de
modo que dele se excluem os laços afetivos, devendo atender, antes
de tudo, às prerrogativas do grupo. (2) Por isso, inexiste a noção de
privacidade ou vontade individual, já que o chefe da família
centraliza o todo e defende seus interesses, assim como está
ausente uma solidariedade especial entre os cônjuges ou as
gerações.
13 op.cit
72
14 op.cit
15 op.cit
73
16 op.cit
74
PLUFT, O FANTASMINHA
Em cena, só Pluft, o menino-fantasma simpaticíssimo e que morria de medo de gente, e
Maribel, a menina que tinha sido raptada pelo pirata Perna-de-Pau e levada para uma casa
abandonada, por acaso a residência da família Fantasma. Ela acaba de acordar de um
desmaio, porque deu de cara com o fantasminha. O momento é de muita tensão... Ela,
menos medrosa, acaba começando um diálogo:
Pluft (gabando-se) Ora, mamãe, com gente. (Aproximando-se mais da menina, com ar de
velha amizade.) Com Maribel.
Pluft Claro, ora!( Ofendido.) Você queria que ela fosse peixe?!
MACHADO, Maria Clara. Pluft, o fantasminha. São Paulo: Companhia das Letrinhas,
2002, Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me004666.pdf,
acessado em 18/09/2016.
75
17 op.cit
18 op.cit
Lobato contou em seus livros as lendas do nosso folclore como a Iara, a Mula
Sem Cabeça e Saci-Pererê. São seus os famosos personagens: Emília, a boneca de
pano; Dona Benta, a avó de Narizinho, a menina do nariz arrebitado e Pedrinho,
moleque inteligente e esperto; Tia Nastácia, a fiel companheira de Dona Benta; o
Visconde de Sabugosa, o Marquês de Rabicó, o Rinoceronte Quindim, Burro
Falante, Doutor Caramujo, a Cuca, Tio Barnabé e outros.
Como quase todos os livros para crianças que há no Brasil são muito
sem graça, cheios de termos do tempo do Onça ou só usados em
Portugal, a boa velha lia traduzindo aquele português de defunto em
língua do Brasil de hoje. Onde estava, por exemplo, “lume”, lia “fogo”;
onde estava “lareira”, lia “varanda”.
OS SETE CORVOS
Irmãos Grimm
Era uma vez um homem que tinha sete filhos, todos meninos, e vivia
suspirando por uma menina. Afinal, um dia, a mulher anunciou-lhe que estava mais
uma vez esperando criança.
Nem bem falou isso, ouviu um ruflar de asas por cima de sua cabeça e,
quando olhou, viu sete corvos pretos como carvão passando a voar por cima da
casa.
Passaram-se anos. A menina nunca soube que tinha irmãos, pois os pais
jamais falaram deles.
— A menina é muito bonita, mas foi por culpa dela que os irmãos se
desgraçaram...
Os pais não puderam mais guardar segredo. Disseram que havia sido uma
predestinação do céu, mas que o batismo dela fora a inocente causa.
Um dia, ela fugiu de casa, decidida a encontrar os irmão onde quer que eles
estivessem, nesse vasto mundo, custasse o que custasse. Levou consigo apenas
um anel de seus pais como lembrança, um pão grande para quando tivesse fome,
um cantil de água para matar a sede e um banquinho para quando quisesse
descansar.
Foi andando, andando, se afastando cada vez mais, e assim chegou ao fim
do mundo. Então, foi falar com o sol. Mas ele era assustador, quente demais e
comia crianças.
A menina fugiu e foi falar com a lua. Ela era horrorosa, mais fria que o gelo, e
também comia crianças. Quando viu a menina, disse com um sorriso mau:
Assim dizendo, o anãozinho foi para dentro e voltou trazendo a comida dos
corvos em sete pratinhos, e a bebida em sete copinhos.
Eles entraram, quiseram logo comer e beber e se dirigiram para seus pratos e
copos. Então um disse para o outro:
— Alguém comeu no meu prato! Alguém bebeu no meu copo! E foi boca
humana!
83
E quando o sétimo corvo acabou de beber a última gota de seu copo, o anel
rolou até o seu bico. Ele reconheceu o anel de seus pais e exclamou:
— Queira Deus que nossa irmãzinha esteja aqui! Então, estaremos salvos!
Ao ouvir esse pedido, a menina, que estava atrás da porta, saiu e foi ao
encontro deles.
A escrita de livros para crianças não é menos difícil que a escrita de livros
para adultos. Muitos chegam a levantar tal hipótese por conceber a criança como
algo menor. No entanto, não é qualquer livro que serve à criança. Não é qualquer
livro que podemos considerar como sendo literário. Há critérios que nos fazem
escolher um livro que dedicamos a uma criança assim como há critérios que fazem
um autor e um ilustrador produzirem um livro destinado a esse público.
Há hoje à nossa disposição um universo de livrarias (sem falar nos sites) com
seções específicas de literatura infantil que são subdivididas ainda em faixas etárias
(livros para bebês, para crianças até 3 anos, de 4 a 6,...) e ainda por gênero (ficção,
não ficção, quadrinhos, exatas, humanas, culinária, auto-ajuda,...) e outras
classificações (os mais vendidos, os lançamentos, os pré-venda, os interativos, os
colecionáveis,...). Enfim, são tantas classificações que se não soubermos
exatamente o que queremos, temos dificuldade em escolher um título dentre eles.
jogos de som e, por conseguinte, os jogos com os sentidos (estimulados pelos jogos
de som).
Ao tratarmos de literatura infantil nos dias atuais não podemos deixar de falar
no fenômeno Harry Potter que fez uma legião de fãs e de leitores. Um outro livro
muito citado pelo público é o Diário de um Banana, nada comparado à saga de
Harry Potter, mas tem seus leitores cativos, assim como As Crônicas de Nárnia.
Claro, depois da história se provar viável, a mídia investiu forte e fez dela o
que é: marco literário da ficção para jovens. Podemos inclusive falar que existe uma
“geração Harry Potter”. São jovens que estão hoje ao redor dos seus 20 anos, que
nasceram em torno da década de 90 e
pegaram a onda quando chegavam à
puberdade ou no começo da adolescência.
Em razão de que outras marcas ideológicas
entraram em declínio, tornou-se comum as
pessoas se referenciarem e identificarem na
condição de consumidoras de certas obras
literárias. O universo que J.K. Rowling criou
é sem dúvida uma delas, mas esse
fenômeno é partilhado por fãs, até então
87
mais velhos, de sagas como Star Trek, O Senhor dos Anéis ou Star Wars, a galáxia
distante de George Lucas. As crianças que celebrizaram o bruxinho de Rowling,
além de habitar esse complexo reino mágico, o acompanharam enquanto ele nascia,
com cada livro e filme aguardados ansiosamente. Ou seja, trata-se de uma geração
e uma série que cresceram juntas.
ESPAÇO MÁGICO
Por sorte os jovens não aceitaram essa prevenção absurda, que não capta a
essência das possibilidades da fantasia. O mundo fantástico permite outra forma de
apreensão da realidade e não um afastamento. Quem imagina o mundo encantado
de Rowling como refúgio idílico onde encontraremos as bondades do Papai Noel vai
se sentir traído: ele é mais assustador e perigoso que o nosso. Não existem
concessões, meio termo, nem ilhas de sossego. O que encontramos lá é uma luta
política contínua, com traições, mortes e golpes baixos a todo o momento. Os heróis
dessa saga sofrem sem tréguas e a mensagem é que só o engajamento e a disputa
corajosa podem resolver seus destinos e os daquele reino.
Harry Potter trilhará o mesmo caminho de Peter Pan, Pinóquio, Alice, Dorothy
e tantos outros, figurando entre os heróis infantis de todos os tempos. Seu sucesso
provavelmente não se repetirá com tanta força nas próximas gerações, primeiro
porque tem o sabor do ethos da que passou e também porque, por se tornar um
clássico, essa história será conhecida e recomendada pelos adultos. As crianças
gostam de compartilhar com seus pais as histórias que as encantaram, mas também
gostam de ter um universo onde elas saibam mais, onde elas sejam mestras dos
caminhos. Para a primeira geração, foi uma experiência de independência: seus pais
89
não eram iniciados nos assuntos do bruxinho, já para os filhos desta, talvez ele se
torne personagem de uma história familiar.
OS CONTOS DE FADAS
BETTELHEIM observa que depois dos pais (ou aqueles que criam a criança),
as experiências de vida que mais contribuem para que a criança atribua significado à
vida é a literatura por ser capaz de canalizar nossa herança cultural ao indivíduo.
Acrescenta que os contos de fadas não prendem apenas a atenção da criança, as
contribuições vão além. Elas ajudam a criança a desenvolver seu intelecto de modo
que torne claras as suas emoções, ansiedades e aspirações de forma harmoniosa,
como também reconhecer suas dificuldades e soluções para os problemas
existenciais da vida. Os contos de fadas sendo lidos na infância ajudam a criança a
22 BETTELHEIM, B. A Psicanálise dos Contos de Fadas, 2002. Versão digital, sem paginação,
disponível em http://www.usp.br/cje/anexos/pierre/apsicanalisefadas.pdf, acessado em 18/09/2016,
91
23 op.cit
92
24 op.cit.
93
O contato da criança com os contos de fada permite que ela, portanto, crie
uma compreensão maior de si mesma, crescendo com oportunidades de ampliar
suas capacidades e potencialidades de conhecer melhor o outro e o mundo que a
cerca, compreendendo melhor os problemas existenciais e assim, com condições
maiores de resolvê-los ou enfrenta-los.
25 Ibid.
94
A Literatura Infantil de modo geral é alvo hoje de debate com relação ao seu
status. Por ter ela se originado com caráter doutrinador, servindo à escola e por este
motivo manter ainda fortes vínculos pedagógicos difíceis de serem desatados, sofre
com a incompreensão de dialogar com o território das artes. No entanto, é fácil
encontrarmos aqueles que reconhecem a literatura infantil como uma obra de arte.
BETTELHEIM26 ao analisar os contos de fadas, tece esta consideração:
26 op.cit.
95
Crianças pequenas que ainda não leem têm acesso à literatura por meio das
imagens dos livros. Há livros, inclusive, com imagens apenas. Ainda, mesmo que
contenham a palavra escrita, podem “ler não convencionalmente”. Importante
ressaltar que devemos deixar que as crianças “leiam” os livros “a seu modo” quando
ainda não sabem ler convencionalmente. Ou ainda, elas podem contar com um bom
leitor de histórias. Neste caso, importante se faz esclarecer que estamos nos
referindo a um bom leitor e não a um contador de histórias. Ler histórias para
crianças tem objetivos diferentes de contar histórias.
Porém, isto é uma distorção, pois escrever não é como falar. Pelo contrário, é
bem diferente. Para lermos uma poesia ou uma história para a criança, cada
palavra, artigo, preposição, substantivo, adjetivo, verbo, predicativo do sujeito, enfim
cada elemento do enunciado deve estar ali registrado, ainda que a criança nem
saiba de qual elemento gramatical se trate. Também não estaremos dizendo a ela
que o verbo concorda com o sujeito, que a oração é subordinada ou coordenada.
Mas a criança, no uso social da linguagem, tem oportunidade de aprender como a
linguagem formal se organiza. Realizar adaptações nos textos de modo a evitar
certos vocábulos ou mesmo evitar textos por conta do léxico só contribui para o
empobrecimento da interação da criança com a linguagem.
Acreditar que ler para as crianças “desenvolve o seu raciocínio e lhes oferece
a ampliação do vocabulário” como afirmam muitos, seria restringir a leitura a um
papel muito restrito aquém de sua real importância e possibilidade. Outros alegam
que ler para as crianças desperta nelas o gosto pela leitura. Façamos um parêntese
– uma criança que ouve todos os dias uma leitura com “carga moral”, “politicamente
correta” – vai se aprender a gostar de ler? A leitura de livros para crianças permite
97
27 op. cit
98
ATIVIDADE
UNIDADE 3
103
ATIVIDADE FORUM
Memória de Livros*
João Ubaldo Ribeiro
Aracaju, a cidade onde nós morávamos no fim da década de 40, começo da de 50, era
a orgulhosa capital de Sergipe, o menor Estado brasileiro (mais ou menos do tamanho da
Suíça). Essa distinção, contudo, não lhe tirava o caráter de cidade pequena, provinciana e
calma, à boca de um rio e a pouca distância de praias muito bonitas. Sabíamos do mundo
pelo rádio, pelos cinejornais que acompanhavam todos os filmes e pelas revistas nacionais. A
televisão era tida por muitos como mentira de viajantes, só alguns loucos andavam de avião,
comprávamos galinhas vivas e verduras trazidas à nossa porta nas costas de mulas, tínhamos
grandes quintais e jardins, meninos não discutiam com adultos, mulheres não usavam calças
compridas nem dirigiam automóveis e vivíamos tão longe de tudo que se dizia que, quando
o mundo acabasse, só íamos saber uns cinco dias depois.
Nada, porém, era como os livros. Toda a família sempre foi obcecada por livros e às
vezes ainda arma brigas ferozes por causa de livros, entre acusações mútuas de furto ou
apropriação indébita. Meu avô furtava livros de meu pai, meu pai furtava livros de meu avô,
eu furtava livros de meu pai e minha irmã até hoje furta livros de todos nós. A maior casa
onde moramos, mais ou menos a partir da época em que aprendi a ler, tinha uma sala
reservada para a biblioteca e gabinete de meu pai, mas os livros não cabiam nela — na
104
verdade, mal cabiam na casa. E, embora os interesses básicos dele fossem Direito e História,
os livros eram sobre todos os assuntos e de todos os tipos. Até mesmo ciências ocultas,
assunto que fascinava meu pai e fazia com que ele às vezes se trancasse na companhia de
uns desenhos esotéricos, para depois sair e dirigir olhares magnéticos aos circunstantes, só
que ninguém ligava e ele desistia temporariamente. Havia uns livros sobre hipnotismo e,
depois de ler um deles, hipnotizei um peru que nos tinha sido dado para um Natal e que,
como jamais ninguém lembrou de assá-lo, passou a residir no quintal e, não sei por que, era
conhecido como Lúcio. Minha mãe se impressionou porque, assim que comecei meus passes
hipnóticos, Lúcio estacou, pareceu engolir em seco e ficou paralisado, mas meu pai — talvez
porque ele próprio nunca tenha conseguido hipnotizar nada, apesar de inúmeras tentativas
— declarou que aquilo não tinha nada com hipnotismo, era porque Lúcio era na verdade
uma perua e tinha pensado que eu era o peru.
Não sei bem dizer como aprendi a ler. A circulação entre os livros era livre (tinha que
ser, pensando bem, porque eles estavam pela casa toda, inclusive na cozinha e no banheiro),
de maneira que eu convivia com eles todas as horas do dia, a ponto de passar tempos
enormes com um deles aberto no colo, fingindo que estava lendo e, na verdade, se não me
trai a vã memória, de certa forma lendo, porque quando havia figuras, eu inventava as
histórias que elas ilustravam e, ao olhar para as letras, tinha a sensação de que entendia
nelas o que inventara. Segundo a crônica familiar, meu pai interpretava aquilo como uma
grande sede de saber cruelmente insatisfeita e queria que eu aprendesse a ler já aos quatros
anos, sendo demovido a muito custo, por uma pedagoga amiga nossa. Mas, depois que
completei seis anos, ele não aguentou, fez um discurso dizendo que eu já conhecia todas as
letras e agora era só uma questão de juntá-las e, além de tudo, ele não suportava mais ter
um filho analfabeto. Em seguida, mandou que eu vestisse uma roupa de sair, foi comigo a
uma livraria, comprou uma cartilha, uma tabuada e um caderno e me levou à casa de D.
Gilete.
— Esses daí agora não — disse ele. — Primeiro estes, para treinar. Estas livrarias
daqui são umas porcarias, só achei estes. Mas já encomendei mais, esses daí devem durar
uns dias.
Duraram bem pouco, sim, porque de repente o mundo mudou e aquelas paredes
cobertas de livros começaram a se tornar vivas, frequentadas por um número estonteante
de maravilhas, escritas de todos os jeitos e capazes de me transportar a todos os cantos do
mundo e a todos os tipos de vida possíveis. Um pouco febril às vezes, chegava a ler dois ou
três livros num só dia, sem querer dormir e sem querer comer porque não me deixavam ler
à mesa — e, pela primeira vez em muitas, minha mãe disse a meu pai que eu estava maluco,
preocupação que até hoje volta e meia ela manifesta.
— Seu filho está doido — disse ela, de noite, na varanda, sem saber que eu estava
escutando. — Ele não larga os livros. Hoje ele estava abrindo os livros daquela estante que
vai cair para cheirar.
— Que é que tem isso? É normal, eu também cheiro muito os livros daquela estante.
São livros velhos, alguns têm um cheiro ótimo.
— Normalíssimo. Eu também leio dicionários, distrai muito. Que dicionário ele estava
lendo?
— O Lello.
106
— Ah, isso é que não pode. Ele tem que ler o Laudelino Freire, que é muito melhor.
Eu vou ter uma conversa com esse rapaz, ele não entende nada de dicionários. Ele está
cheirando os livros certos, mas lendo o dicionário errado, precisa de orientação.
Sim, tínhamos muitas conversas sobre livros. Durante toda a minha infância, havia
dois tipos básicos de leitura lá em casa: a compulsória e a livre, esta última dividida em dois
subtipos — a livre propriamente dita e a incerta. A compulsória variava conforme a
disposição de meu pai. Havia a leitura em voz alta de poemas, trechos de peças de teatro e
discursos clássicos, em que nossa dicção e entonação eram invariavelmente descritas como
o pior desgosto que ele tinha na vida. Líamos Homero, Camões, Horácio, Jorge de Lima,
Sófocles, Shakespeare, Euclides da Cunha, dezenas de outros. Muitas vezes não
entendíamos nada do que líamos, mas gostávamos daquelas palavras sonoras, daqueles
conflitos estranhos entre gente de nomes exóticos, e da expressão comovida de minha mãe,
com pena de Antígona e torcendo por Heitor na Ilíada. Depois de cada leitura, meu pai fazia
sua palestra de rotina sobre nossa ignorância e, andando para cima e para baixo de pijama
na varanda, dava uma aula grandiloquente sobre o assunto da leitura, ou sobre o autor do
texto, aula esta a que os vizinhos muitas vezes vinham assistir. Também tínhamos os
resumos — escritos ou orais — das leituras, as cópias (começadas quando ele, com grande
escândalo, descobriu que eu não entendia direito o ponto-e-vírgula e me obrigou a copiar
sermões do Padre Antônio Vieira, para aprender a usar o ponto-e-vírgula) e os trechos a
decorar. No que certamente é um mistério para os psicanalistas, até hoje não só os sermões
de Vieira como muitos desses autores forçados pela goela abaixo estão entre minhas leituras
favoritas. (Em compensação, continuo ruim de ponto-e-vírgula).
Mas o bom mesmo era a leitura livre, inclusive porque oferecia seus perigos. Meu pai
usava uma técnica maquiavélica para me convencer a me interessar por certas leituras. A
circulação entre os livros permanecia absolutamente livre, mas, de vez em quando, ele
brandia um volume no ar e anunciava com veemência:
— Este não pode! Está proibido! Arranco as orelhas do primeiro que chegar perto
deste daqui!
O problema era que não só ele deixava o livro proibido bem à vista, no mesmo lugar
de onde o tirara subitamente, como às vezes a proibição era para valer. A incerteza era
107
inevitável e então tínhamos momentos de suspense arrasador (meu pai nunca arrancou as
orelhas de ninguém, mas todo mundo achava que, se fosse por uma questão de princípios,
ele arrancaria), nos quais lemos Nossa vida sexual do Dr. Fritz Kahn, Romeu e Julieta; O livro
de San Michèle, Crônica escandalosa dos doze Césares, Salambô, O crime do Padre Amaro —
enfim, dezenas de títulos de uma coleção estapafúrdia, cujo único ponto em comum era o
medo de passarmos o resto da vida sem orelhas — e hoje penso que li tudo o que ele queria
disfarçadamente que eu lesse, embora à custa de sobressaltos e suores frios. Na área
proibida, não pode deixar de ser feita uma menção aos pais de meu pai, meus avós João e
Amália. João era português, leitor anticlerical de Guerra Junqueiro e não levava o filho muito
a sério intelectualmente, porque os livros que meu pai escrevia eram finos e não ficavam em
pé sozinhos. "Isto é merda", dizia ele, sopesando com desdém uma das monografias
jurídicas de meu pai. "Estas tripinhas que não se sustentam em pé não são livros, são uns
folhetos". Já minha avó tinha mais respeito pela produção de meu pai, mas achava que, de
tanto estudar altas ciências, ele havia ficado um pouco abobalhado, não entendia nada da
vida. Isto foi muito bom para a expansão dos meus horizontes culturais, porque ela não só
lia como deixava que eu lesse tudo o que ele não deixava, inclusive revistas policiais
oficialmente proibidas para menores. Nas férias escolares, ela ia me buscar para que eu as
passasse com ela, e meu pai ficava preocupado.
— Senhor doutor — respondia minha avó —, sou avó deste menino e tua mãe. Se te
criei mal, Deus me perdoe, foi a inexperiência da juventude. Mas este cá ainda pode ser
salvo e não vou deixar que tuas maluquices o infelicitem. Levo o menino sem condição
nenhuma e, se insistes, digo-te muito bem o que podes fazer com tuas condições e vê lá se
não me respondes, que hoje acordei com a ciática e não vejo a hora de deitar a sombrinha
ao lombo de um que se atreva a chatear-me. Passar bem, Senhor doutor.
E assim eu ia para a casa de minha avó Amália, onde ela comentava mais uma vez
com meu avô como o filho estudara demais e ficara abestalhado para a vida, e meu avô, que
108
queria que ela saísse para poder beber em paz a cerveja que o médico proibira, tirava um
bolo de dinheiro do bolso e nos mandava comprar umas coisitas de ler — Amália tinha
razão, se o menino queria ler que lesse, não havia mal nas leituras, havia em certos leitores.
E então saíamos gloriosamente, minha avó e eu, para a maior banca de revistas da cidade,
que ficava num parque perto da casa dela e cujo dono já estava acostumado àquela dupla
excêntrica. Nós íamos chegando e ele perguntava:
— Uma de cada?
De volta à casa de meus pais, depois das férias, o problema das leituras compulsórias
às vezes se agravava, porque meu pai, na certeza (embora nunca desse ousadia de me
perguntar), de que minha avó me tinha dado para ler tudo o que ele proibia, entrava numa
programação delirante, destinada a limpar os efeitos deletérios das revistas policiais. Sei que
109
parece mentira e não me aborreço com quem não acreditar (quem conheceu meu pai
acredita), mas a verdade é que, aos doze anos, eu já tinha lido, com efeitos às vezes
surpreendentes, a maior parte da obra traduzida de Shakespeare, O elogio da loucura, As
décadas de Tito Lívio, D. Quixote (uma das ilustrações de Gustave Doré, mostrando
monstros e personagens saindo dos livros de cavalaria do fidalgo me fez mal, porque eu
passei a ver as mesmas coisas saindo dos livros da casa), adaptações especiais do Fausto e
da Divina comédia, a Ilíada, a Odisséia, vários ensaios de Montaigne, Poe, Alexandre
Herculano, José de Alencar, Machado de Assis, Monteiro Lobato, Dickens, Dostoievski,
Suetônio, os Exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola e mais não sei quantos outros
clássicos, muitos deles resumidos, discutidos ou simplesmente lembrados em conversas
inflamadas, dos quais nunca me esqueço e a maior parte dos quais faz parte íntima de minha
vida.
Fico pensando nisso e me pergunto: não estou imaginando coisas, tudo isso poderia
ter realmente acontecido? Terei tido uma infância normal? Acho que sim, também joguei
bola, tomei banho nu no rio, subi em árvores e acreditei em Papai Noel. Os livros eram
brincadeira como outra qualquer, embora certamente a melhor de todas. Quando tenho
saudades da infância, as saudades são daquele universo que nunca volta, dos meus olhos de
criança vendo tanto que se entonteciam, dos cheiros dos livros velhos, da navegação infinita
pela palavra, de meu pai, de meus avós, do velho casarão mágico de Aracaju.
O que está em jogo não é a quantidade de livros lidos, apenas o jogo de busca na
memória acerca de livros e autores.
Teça relatos acerca de um episódio de sua experiência com leituras... você já viu dois
relatos... um de Clarice Lispector e outro de João Ubaldo Ribeiro... Veja se consegue agregar
a sua memória acerca dos títulos lidos ao relato e poste-o no Fórum.
110
111
28 op.cit.
112
Disponível em http://blogdoxandro.blogspot.com.br/2014/05/tiras-n5772-calvin-haroldo-
bill.html, acessado em 19/09/2016
.
113
leitura caso esta não a satisfaça. Veja o que PENNAC29 nos traz a respeito dos
Direitos do Leitor:
Como toda enumeração de "direitos" que se preze, esta dos direitos à leitura
deveria começar pelo direito de não ser usado — no caso, o direito de não ler —,
sem o que não se trataria de uma lista de direitos, mas de uma viciosa armadilha.
muitas vezes ganha, mesmo que preferíssemos confessar ser o primeiro. Além
disso, não lemos continuamente. Nossos períodos de leitura se alternam muitas
vezes com longas dietas, onde até a visão de um livro desperta os miasmas da
indigestão.
"leitores" que sejamos. E sabe Deus que não faltam brutos dessa espécie, no
mundo.
É uma tristeza imensa, uma solidão dentro da solidão ser excluído dos livros –
inclusive daqueles que não nos interessam.
Lygia Bojunga;
in Pêra, Uva ou Maçã, ed. Scipione,
Mania de Explicação – Adriana Falcão; 2005
Torero; 19/09/2016.
Disponível em
Disponível em
http://pactoslacucena.blogspot.com.br/p/leitura
https://br.pinterest.com/pin/471118810999717030/,
s-deleite.html, acessado em 19/09/2016.
acessado em 19/09/2016.
Disponí
Disponível em
vel em
https://br.pinterest.com/pin/451837775092864972/, acessado em
http://www.companhiadasletras.com.br/d
19/09/2016.
etalhe.php?codigo=40367, acessado em
19/09/2016.
Dentre as tarefas que se cobra da escola da atualidade, nenhuma pode se
transformar na mais prazerosa que a leitura literária, do nosso ponto de vista.
119
ZILBERMAN30 assevera:
Há muito tempo que estamos discutindo as práticas didáticas, mas não fomos
capazes de construir uma práxis pedagógica coerente com as ideias de Vygotsky e
Bakhtim. É urgente revisitarmos as nossas práticas bem como os nossos
pressupostos teórico-metodológicos a fim de que sejamos coerentes. Para esses
autores a linguagem é uma atividade cultural e social e como tal se estabelece na
interação entre os sujeitos. Portanto, a alfabetização deveria considerar o ensino da
leitura e da escrita em situações de práticas sociais reais. Mas na escola ocorre um
ensino incoerente com este pressuposto. Só na escola os alunos constroem frases
descontextualizadas. Só na escola os alunos constroem frases para ficarem
registradas somente em seus cadernos, sem ter um leitor real. Só na escola os
alunos leem em voz alta sem ter um motivo real. Ensinar a ler e a escrever deveria
restringir-se a ensinar práticas discursivas.
30 op. cit.
121
Disponível em http://leitura.com/nove-livros-infantis-sensacionais-que-todo-adulto-deveria-
ler/, acessado em 19/09/2016,
acesso aos livros. Vivemos situação bastante interessante referente a este tema. Em
início de carreira, trabalhando numa escola particular com aproximadamente mil e
duzentos alunos, havia uma sala de leitura grande e muito bem organizada. O lugar
tinha espaço disponível para as leituras e pesquisas dos alunos composto por
mesas quadradas com cadeiras estofadas; espaço para as estantes com os livros,
todos catalogados; os livros estavam organizados em seções. Havia além dos livros,
globos, mapas. Duas pessoas cuidavam com esmero desta sala, não havia livro que
entrasse ou saísse sem o devido registro. Havia um problema apenas, porém um
enorme problema para quem quer formar leitores e sabe que essa tarefa é mais fácil
se ocorrer na infância. Naquela escola com tudo a favor para formar leitores, onde
as crianças disputavam por lugar nos seus intervalos de recreio, apenas podiam
realizar empréstimos das obras, as crianças que já cursassem a 3ª série do 1º Grau
(atual 4º ano do Ensino Fundamental). Atendíamos ali crianças a partir de 6 anos de
idade. As zelosas funcionárias tinham receio de que as crianças estragassem os
livros ao leva-los para casa ou ainda, que não os trouxessem de volta. Tratamos
logo de convencê-las da necessidade de garantir a estas crianças o acesso pleno
aos livros e um trabalho com professoras, crianças e famílias para que zelassem
pelos livros. O resultado foi muito motivador para continuarmos na nossa tarefa em
prol da formação de leitores, pois não tivemos um problema sequer com relação aos
empréstimos dos livros.
Em escolas públicas, vivemos situações semelhantes em algumas escolas.
Um acervo bastante considerável foi adquirido pela instituição central e
encaminhado às escolas. Este acervo foi cuidado nas escolas da forma como seus
gestores melhor entenderam ou, em nossa concepção, de acordo com a formação
profissional dos gestores escolares e seu engajamento na formação de leitores e da
sua constituição pessoal enquanto leitor. O fato é que em um ano da data de
chegada dos acervos às escolas, algumas já não tinham sequer vestígio das obras.
Nas demais escolas, o acervo foi sendo “consumido” e logo em mais um ano pouco
ou nada restou. Por que isso ocorreu? No nosso entendimento, por carecermos de
profissionais – gestores e professores – bem formados, o problema se deu em razão
de uma distribuição isolada de acervo onde era necessário um projeto consistente
de leitura que embasasse aquela ação. Um projeto que envolvesse os atores da
escola em razão da formação de leitores de forma que todos pudessem trazer à luz
a realidade de cada uma das escolas e buscasse soluções não apenas para a
124
Eu, leitora, crio com a minha imaginação todo o universo que vem cifrado
nesses sinaizinhos chamados letras.
Fora disso, a minha transa, a minha trama com quem escreve livro é tão forte,
que sou eu também que vou preenchendo todos os espaços em branco, as
chamadas entrelinhas.
E daí pra frente, nesses papos pensados que eu tenho com gente que
escreve, quantas vezes eu tenho reclamado!
Escuta, não leva a mal: eu andei conversando com a Ana Lúcia desse teu
último livro, e eu acho que ela encheu as tuas entrelinhas tão bem, que elas ficaram
com uma cara muito melhor que as tuas linhas...
NUNES, Lygia Bojunga. LIVRO, um encontro com Lygia Bojunga. 3ª ed., Rio de
Janeiro, 1995, pp. 20-21.
Disponível em http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000012790.pdf,
acessado em 19/09/2016,
As paixões humanas são misteriosas e as das crianças não o são menos que
as dos adultos. As pessoas que as experimentaram não as sabem explicar, e as que
nunca viveram não as podem compreender. Há pessoas que arriscam a vida para
atingir o cume de uma montanha. [...] ou sacrificam tudo por uma ideia fixa que
nunca se pode realizar.
[...] Em suma, as paixões são tão diferentes quanto as pessoas.
A paixão de Bastian Baltasar Bux eram os livros.
Quem nunca passou tardes inteiras diante de um livro, com as orelhas
ardendo e o cabelo caído sobre o rosto, esquecido de tudo o que o rodeia e sem se
dar conta de que está com fome ou com frio. [...]
Quem nunca se escondeu embaixo dos cobertores lendo um livro à luz de
uma lanterna, depois de o pai ou a mãe ter apagado a luz, com o argumento bem-
intencionado de que já é hora de dormir. [...]
Quem nunca chorou, às escondidas ou na frente de todo mundo, lágrimas
amargas porque uma história maravilhosa chegou ao fim. [...]
Quem não conhece tudo isto por experiência própria provavelmente não
poderá compreender o que Bastian fez em seguida.
Olhou fixamente o título do livro e sentiu, ao mesmo tempo, arrepios de frio e
uma sensação de calor. Ali estava uma coisa com a qual tinha sonhado muitas
128
vezes, que tinha desejado muitas vezes desde que dele se apoderara aquela paixão
aquela paixão secreta: uma história que nunca acabasse! O livro dos livros!
Michel Ende,
A história sem fim
Em: VELIAGO, Rosângela. Como ganhar o mundo sem sair do lugar. Disponível
em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Profa/col_3.pdf, acessado em 19/09/2016.
A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS
A leitura de histórias tem origem na “contação” de histórias. Foi assim que
Charles Perrault elaborou o primeiro livro dedicado às crianças, reunindo os contos
da Idade Média. Naquela época, as histórias eram narradas oralmente.
A moça tecelã
Marina Colasanti
chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e
entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da
lançadeira.
Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para
ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.
— É para que ninguém saiba do tapete — disse. E antes de trancar a porta à
chave advertiu:— Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!
Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de
luxos, os cofres de moedas, as salas de criados.
Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior
que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou como seria
bom estar sozinha de novo.
Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com
novas exigências. E descalça para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre,
sentou-se ao tear.
Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao
contrário, e, jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seus
tecidos. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois
desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente
se viu na casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.
A noite acabava quando o marido, estranhando a cama dura, acordou, e
espantado olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela desfazia o desenho
escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido,
o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.
Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara.
E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu
na linha do horizonte.
Disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me000500.pdf, acessado em
12/09/2016.
131
Ouvir histórias contadas por outras pessoas colabora para que o ouvinte
reconheça outras formas de leitura, afinal cada um lê a palavra conforme ela lhe é
significada. Um texto hoje tem um sentido para o leitor, amanhã poderá adquirir
outro. Um excerto de texto pode ter muito significado para o leitor num determinado
momento e em outro, poderá não lhe ser significativo. Cada leitor significa um texto
segundo as suas leituras anteriores, leituras textuais, leituras da realidade, leituras
que faz do mundo.
Amanda Cieglinski
Repórter da Agência Brasil
132
ABr: A mesma pesquisa que trouxe a média de livros lidos pelos brasileiros
aponta que a população prefere outras atividades à leitura, como ver televisão ou
acessar a internet.
Chartier: Isso não seria próprio do brasileiro. Penso que em qualquer sociedade
do mundo [a pesquisa] teria o mesmo resultado. Talvez com porcentagens
diferentes. Uma pesquisa francesa do Ministério da Cultura mostrou que houve
uma redistribuição dos gastos culturais para o teatro, o turismo, a viagem e o
próprio meio digital.
Chartier: Os governos têm um papel múltiplo. Ele pode ajudar por meio de
campanhas de incentivo à leitura, de recursos às famílias mais desprovidas de
capital cultural e pode ajudar pela atenção ao sistema escolar. São três maneiras
de interação que me parecem fundamentais.
Disponível em http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2012-06-24/habito-de-ler-esta-alem-dos-livros-diz-um-dos-
maiores-especialistas-em-leitura-do-mundo, acessado em 11/09/2016.
135
136
ATIVIDADE FORUM
Disponível em http://www.estantevirtual.com.br/blogdaestante/wp-
content/uploads/peanuts_tirinha.jpg, acessado em 12/09/2016.
Antes, leia mais este texto acerca da leitura que trouxemos para você.
A seguir, faça o que se pede em cada questão.
Meire Cavalcante
A leitura é um mundo. Talvez seja ela o mundo. Dar à criança a chave que
abre as portas desse universo é permitir que ela seja informada, autônoma e,
137
principalmente, dona dos rumos de sua própria vida. Afinal, não é à toa que se fala
tanto em uso social da leitura e da escrita. E para despertar nos pequenos o gosto
pela literatura é fundamental que os professores sejam eles mesmos grandes
entusiastas dos livros. É o que defende Regina Zilberman, da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. A pesquisadora será uma das palestrantes do Seminário
Prazer em Ler de Promoção da Leitura - Nos Caminhos da Literatura, que se
realizará a partir de amanhã em São Paulo. O evento é uma iniciativa do Instituto
C&A e da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Leia a seguir uma
entrevista exclusiva com Regina sobre a leitura na escola. E não deixe de
acompanhar, aqui no site, nos dias 22, 23 e 24 de agosto, a cobertura on-line do
evento.
O que já pode ser considerado como premissas para o docente no trabalho com a
leitura?
Regina Zilberman: Parece óbvio o que vou dizer, mas a premissa é a de que o
professor seja um leitor. Não apenas um indivíduo letrado, mas alguém que, com
certa frequência, lê produtos como jornais, revistas, bulas de remédio, histórias em
quadrinho, romances ou poesias. O professor precisa se reconhecer como leitor e
gostar de se entender nessa condição. Depois, seria interessante que ele
transmitisse aos alunos esse gosto, verificando o que eles apreciam. Esse momento
é meio difícil, pois, via de regra, crianças e jovens tendem a rejeitar a leitura porque
ela é confundida com o livro escolar e a obrigação de aprender. Se o professor
quebrar esse gelo, acredito que conseguirá andar em frente. A terceira etapa
depende de a escola, por meio da biblioteca, da ação do professor e do interesse
dos alunos, disponibilizar livros para todos. Mas as publicações não podem ser
produzidas pelos alunos. Caso contrário, impede-se o reconhecimento do livro como
um produto industrial, com características específicas e dentro do qual existe a
matéria para leitura. O aluno precisa reconhecer que essa matéria é oriunda de um
terceiro, o autor, com o qual o leitor dialoga.
Não existe fórmula para o trabalho com leitura em sala de aula, mas há uma
série de pré-condições, como as que já citei e que considero mínimas. Precisamos,
porém, reconhecer como fundamental também a valorização do trabalho do
138
Disponível em http://acervo.novaescola.org.br/lingua-portuguesa/pratica-
pedagogica/juventude-leia-mais-423892.shtml, acessado em 19/09/2016.
140
141
ATIVIDADE
a) I e II.
b) I, II e III.
c) II e III.
d) II, III e IV.
a) Somente a I.
b) I e II.
c) III e IV.
d) Somente a IV.
142
Disponível em https://cdn.papodehomem.com.br/wp-
content/uploads/2014/03/calvin-leitura1-620x205.jpg, acessado em 12/09/2016.
a) I, II e III.
b) II e III.
c) II e IV.
d) III e IV
143
a) I e II.
b) I e III.
c) II e III.
d) II e IV.
a) Somente a I.
b) Somente a II.
c) Somente a III.
d) Somente a IV.
144
REFERÊNCIAS
GABARITO
UNIDADE 1
Questão 1 – A
Questão 2 - B
Questão 3 - D
Questão 4 – C
Questão 5 - B
UNIDADE 2
Questão 1 – C
Questão 2 - B
Questão 3 - A
Questão 4 – C
Questão 5 - D
UNIDADE 3
Questão 1 – D
Questão 2 - B
Questão 3 - C
Questão 4 – B
Questão 5 - B