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LITERATURA
NA
EDUCAÇÃO BÁSICA
Professora Conteudista - Profª Maria Luiza Itsuko
Suguinoshita Rebello
2

Caro Aluno,

Tratar da disciplina Literatura na Educação Básica é um prazer muito grande


pelo fato de eu amar os livros e determinados autores. Me entusiasmo só em entrar
numa livraria ou biblioteca e adoro cheiro de livro, especialmente cheiro de livro
novo. Os antigos, grossos, com suas capas almofadadas e lombos com grifos
dourados. Os modernos, com páginas de lindo papel e impressão de qualidade
fotográfica. E aquelas versões com as folhas de papel superfinas com bordas e
cortes em dourado, simplesmente maravilhosos.

Quanto ao conteúdo... os textos que encontramos nos livros... Lendas,


Crônicas, Haikais, Poemas, Fábulas, Teatro, Tirinhas, Charges, Imagens,
Fotografias, Ilustrações, Contos dos mais variados... de Fadas, de Assombração, de
Aventura, de Terror... Há contos que nos deixam boquiabertos. E as crônicas? O
autor trata de um tema corriqueiro com tamanha competência que parece que
estamos tratando da maior riqueza do mundo. E, é verdade, trata-se da maior
riqueza, trata-se das palavras... Palavras que transmitem ternura, desafio, alegria,
tristeza, confiança, alento, amizade, alegria, fé, confiança, saudade, amor, diversão,
informação, companhia, alento, prazer, conhecimento...

Verdadeira arte em palavras! A literatura é arte!

Esperamos que os estudos desta disciplina possam contribuir para a


formação do Professor Da Educação Infantil e Dos Anos Iniciais Do Ensino
Fundamental que compreenda a literatura infantil como campo propício para a
aproximação dos alunos com a linguagem escrita por meio da apreciação da leitura
de textos bem escritos despertando neles o imaginário, a criação, a significação e a
sua constituição enquanto sujeitos leitores sensíveis, capazes de atuar
conscientemente na sociedade letrada.

Bons Estudos!
3

Apresentação do professor

Prof.ª Maria Luiza Itsuko Suguinoshita - Registro/SP


Formação:
Graduação em Pedagogia - FFCL - Registro/SP
Pós-Graduação lato sensu em Metodologia do Ensino Superior - FIVR -
Registro/SP
Pós-Graduação lato sensu em Gestão Escolar - FIVR - Registro/SP
Pós-Graduação lato sensu em Tecnologias em Educação - PUC/RJ
Pós Gradação lato sensu em Formação De Professores Para Cursos
Semipresenciais e de Educação a Distância - Área do Conhecimento: Educação -
UNESP/SP
Exercício Profissional - Cargos e funções:
Professora de Educação Infantil - Colégio São José - Registro/SP
Professora de Ensino Fundamental, Anos Iniciais - Colégio São José -
Registro/SP
Professora de Ensino Fundamental, Anos Iniciais - Fundação Bradesco -
Registro/SP
Auxiliar de Coordenador Pedagógico - Fundação Bradesco - Registro/SP
Coordenador Pedagógico e Educacional - Fundação Bradesco - Registro/SP
Orientador Educacional - Rede Municipal da Prefeitura de Registro/SP
Coordenador Pedagógico - Rede Municipal da Prefeitura de Registro/SP
Diretor de Escola - Rede Municipal da Prefeitura de Registro/SP
Supervisora de Ensino - Rede Municipal da Prefeitura de Registro/SP
Tutor do Programa ProInfo - MEC - Registro/SP
Formador do Programa Letra e Vida da SEESP - Registro/SP
Tutor Presencial do Programa ProLetramento - SEB-MEC/CECEMCA-
UNESP/Bauru/SP
Formador do PNAIC - Registro/SP
Orientador de Estudos do PNAIC - UNESP - Polo Sorocaba/SP
Professor em Metodologia da Alfabetização, Literatura Infantil e Metodologia
da Matemática no curso de Graduação em Pedagogia - FIVR - Registro/SP
Tutor do Curso Semipresencial de Pedagogia - UNESP/UNIVESP -
Registro/SP
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LITERATURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA

EMENTA: Sociedade, Cultura e Literatura - função social da literatura, a


constituição humana do homem. Processos de Leitura – informação visual e
não-visual. Narração e Produção de histórias. Literatura Infantil, historicidade do
gênero. Os Clássicos. Literatura Infantil - temáticas e gêneros textuais. Autores
e obras em voga. Formação de Leitores.

OBJETIVOS DA DISCIPLINA:

1. Reconhecer a função da literatura na sociedade e as relações sociedade –


cultura e literatura na constituição humana dos sujeitos;

2. Analisar o ato de leitura e reconhecer processos cognitivos que interferem na


significação do texto que se lê;

3. Relacionar aspectos da narração e produção de histórias;

4. Identificar elementos que marcam a história da constituição do gênero


literatura infantil;

5. Identificar obras / autores dos clássicos;

6. Reconhecer temáticas e características próprias do gênero Literatura Infantil;

7. Identificar obras / autores em voga.

CONTEÚDO:

1. Reconhecer a função da leitura na sociedade e as relações sociedade –


cultura e literatura na constituição humana dos sujeitos;

2. Analisar o ato de leitura e reconhecer processos cognitivos que interferem na


significação do texto que se lê;

3. Relacionar aspectos da narração e produção de histórias;

4. Identificar elementos que marcam a história da constituição do gênero


literatura infantil;
5

5. Identificar obras / autores dos clássicos;

6. Reconhecer temáticas e características próprias do gênero Literatura Infantil;

7. Identificar obras / autores em voga;

8. Reconhecer o papel do professor na formação de leitores bem como ações


compatíveis.

METODOLOGIA:

O trabalho é sustentado por Metodologia de Aprendizagem Colaborativa


estruturada em 3 unidades de aprendizagem para as quais haverá uma respectiva
atividade avaliativa. Cada unidade segue uma Trilha de Aprendizagem que se
desdobra em Problematização, Material Curricular, Material Suplementar, Contato
com o Professor/Tutor, Hangouts Classroom, as citadas Atividades Avaliativas e
Problematização Final.

ATIVIDADES DE AVALIAÇÃO

 Unidade 1 - Fórum Colaborativo / Atividade Final de Problematização


com exercícios de múltipla escolha

 Unidade 2 - Fórum Colaborativo / Atividade Final de Problematização


com exercícios de múltipla escolha

 Unidade 3 - Fórum Colaborativo / Atividade Final de Problematização


com exercícios de múltipla escolha

BIBLIOGRAFIA BÁSICA:

BETTELHEIN, Bruno. A psicanálise dos Contos de Fadas. São Paulo / SP. Paz
e Terra, 2007.

BOSCO, Zelma. A Criança na Linguagm. A fala, o desenho a escrita. Cefiel /


Unicamp / MEC. Campinas / SP. 2005.
6

CADERMATORI, Ligia. O que é literatura infantil. 2ª ed. São Paulo, Brasiliense,


2010.

FISCHER, S. R. História da Leitura. Editora Unesp. São Paulo / SP. 2006

LAJOLO. Marisa Regina. Literatura Infantil Brasileira. Historias & Historias.


São Paulo: Atica. S/D.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:

DINORAH, Maria. O Livro Infantil e a formação do leitor. Petropolis, Vozes,


1996.

GHIRALDELLI JR., P. Reelaboração da didática e história concreta. São Paulo:

UFSCar, s/d.

JOLIBERT. Josette. Formando Crianças Leitoras. Porto Alegre, ArtMed., 1994.

REGO, Lúcia Lins Browe. Literatura Infantil: uma nova perspectiva da


alfabetização na pré-escola. São Paulo: FTD, 1995.

ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo, Global Editora


Ltda, 1981.
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Os ÍCONES são elementos gráficos utilizados para ampliar as formas de


linguagem e facilitar a organização e a leitura hipertextual.

ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM
Apresenta atividades em diferentes níveis de aprendizagem para que o
estudante possa realizá-las e conferir o seu domínio do tema estudado

HIPERLINK
Indica link (ligação)

MÍDIAS INTEGRADAS

Sempre que se desejar que os estudantes desenvolvam atividades


empregando diferentes mídias: vídeos, filmes, jornais, ambiente AVEA e
outras.

SUGESTÃO DE LEITURA

Essa é a obra sugerida, mas dentro de cada Unidade ocorrem mais


indicações além dessa http://egov.ufsc.br/portal/conteudo/estrada-do-
futuro

SAIBA MAIS
Oferece novas informações que enriquecem o assunto ou “curiosidades”
e notícias recentes relacionadas ao tema estudado.

PENSE
Sugestões para você pensar e discutir com outras pessoas seja no seu
ambiente familiar, profissional ou aqui no fórum.
8

SUMÁRIO

UNIDADE 1 ............................................................................................................... 10

ATIVIDADE AVALIATIVA......................................................................................... 11

ATIVIDADE FORUM ................................................................................................. 11

LINGUAGEM, CULTURA E IDENTIDADE ............................................................... 15

SIGNIFICANDO A LEITURA ........................................................................................ 15


LEITURA E CULTURA ................................................................................................. 51
DADOS ACERCA DA LEITURA .................................................................................. 54

ATIVIDADE AVALIATIVA......................................................................................... 60

ATIVIDADE FORUM .....................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.70

UNIDADE 2 ............................................................................................................... 64

ATIVIDADE AVALIATIVA......................................................................................... 63

ATIVIDADE FORUM ................................................................................................. 65

LITERATURA INFANTIL .......................................................................................... 67

A CONSTITUIÇÃO DO GÊNERO ................................................................................ 67


PLUFT, O FANTASMINHA .......................................................................................... 74
LITERATURA INFANTIL NO BRASIL ......................................................................... 75
A ESCOLHA DE LIVROS PARA CRIANÇAS ............................................................. 84
Geração Harry Potter .................................................................................................. 86
OS CONTOS DE FADAS .............................................................................................. 90
A LITERATURA INFANTIL NOS PRIMEIROS ANOS ................................................ 95

ATIVIDADE AVALIATIVA......................................................................................... 95

UNIDADE 3 ...................................................................................................................

ATIVIDADE AVALIATIVA....................................................................................... 100

ATIVIDADE FORUM ........................................................................................... 96102

HÁBITO DE LER ESTÁ ALÉM DOS LIVROS, ....................................................... 104

COMO GANHAR O MUNDO SEM SAIR DO LUGAR ............................................................. 132


9

ATIVIDADE ............................................................................................................. 134

IMPORTÂNCIA SOCIAL DA LITERATURA. ........................................................................ 136


A IMPORTÂNCIA DE OUVIR HISTÓRIAS .......................................................................... 136
A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA NA FORMAÇÃO DO CIDADÃO ........................................ 136

ATIVIDADE AVALIATIVA....................................................................................... 138

ATIVIDADE FORUM ............................................................................................... 140

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 142


10

UNIDADE 1
11

ATIVIDADE FORUM

FELICIDADE CLANDESTINA
Clarice Lispector
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio
arruivados. Tinha um busto enorme; enquanto nós todas ainda éramos achatadas.
Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com
balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter:
um pai dono de livraria.

Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo
menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do
pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas
pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como
"data natalícia" e "saudade".

Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando
balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar. Comigo exerceu com calma
ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a
que ela me submetia: continua a implorar-lhe emprestados os livros que não lia.

Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma
tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía. As Reinações de
Narizinho, de Monteiro Lobato.

Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele,
comendo-o, dormindo-o.

E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela


sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
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Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não


vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.

No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num
sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para
meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina e que eu
voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a
esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que
era meu modo estranho de andar pelas ruas do Recife. Dessa vez nem caí: guiava-
me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a
minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como
sempre e não caí nenhuma vez.

Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono da


livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa,
com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a reposta calma: o livro ainda não
estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais
tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu
coração batendo.

E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo
indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara
a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas,
adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja
precisando danadamente que eu sofra.

Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às


vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de
manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a
olheiras, sentia as olheiras se cavando sob meus olhos espantados.

Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e
silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição
muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas.
Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A
senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que
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essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou:
mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!

E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a
descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de
perversidade de sua filha desconhecida, a menina loura em pé à sua frente, exausta,
ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e
calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica
com o livro por quanto tempo quiser". Entendem? Valia mais do que me dar o livro:
"pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode
ter a ousadia de querer.

Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro


na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como
sempre. Saí andando devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos,
comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também
pouco importava. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.

Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois
ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de
novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi
que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava
as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A
felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu pressentia. Como
demorei! Eu vivia no ar…. Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha
delicada.

Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo,


sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.

Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me000500.pdf, acessado em


07/09/2016.
14

Caro aluno,

A proposta inicial da disciplina Literatura na Educação Básica é que você nos


relate a qual sua percepção acerca “Felicidade Clandestina”, de Clarice Lispector.
Escolha o gênero que julgue mais apropriado para nos relatar a sua percepção e,
nos conte se já viveu algum episódio de “amor” por um livro.
Conte-nos e poste no fórum.
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LINGUAGEM, CULTURA E IDENTIDADE

Maria Luiza I. Suguinoshita

Qual o nosso propósito em trazer “Felicidade Clandestina”, de Clarice


Lispector para iniciar os estudos em Literatura na Educação Básica?

Todos – jovens e velhos, no passado e no presente – admitiram sua


primazia. Para um oficial egípcio antigo, era um “barco sobre a
água”. Para um aluno nigeriano, quatro mil anos mais tarde, “um raio
de luz incidindo em um poço escuro e profundo”. Para a maioria de
nós, será sempre a voz da própria civilização... Estamos falando da
leitura (FISCHER, 2006).

SIGNIFICANDO A LEITURA

A leitura em uma sociedade letrada como a nossa é ato corriqueiro e natural,


está entranhada em nosso cotidiano. Acordamos lendo. Lemos as horas, lemos as
mensagens no celular. Lemos a embalagem do pão a fim de verificarmos se a
validade não está vencida e o rótulo da embalagem do café para confirmarmos a
proporção da quantidade de água e pó. Muitos de nós não saímos para o trabalho
sem antes ler a previsão do tempo no celular. Enfim, parece óbvio que a leitura
sempre tenha pertencido à história da humanidade. Apenas quando a tomamos
como objeto de reflexão é que nos damos conta do fato de que a leitura nem sempre
existiu e, a realidade próxima nos choca, ainda há em dias atuais aqueles para os
quais a leitura pouco significa. E nos perguntamos... como surgiu a leitura? E
acerca de seu uso, serviu a leitura aos propósitos e funções semelhantes à que
serve hoje?

O ato da leitura como a conhecemos demorou a existir. Não existia até a


Antiguidade Clássica. Em tempos remotos, a literatura existente era decorada,
memorizada.

Foi a utilização intencional, pelos sumérios, do aspecto fonográfico


na pictografia que transformou a escrita incompleta em escrita
completa. A leitura em sua forma verdadeira surgiu quando se
começou a interpretar um sinal pelo seu valor sonoro isoladamente
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em um sistema padronizado de sinais limitados. Textos completos, e


não apenas palavras isoladas, podiam, nessas circunstâncias, ser
transmitidos, o que significava que a leitura deixava de ser uma
transferência um a um (objeto para palavra), para se tornar uma
sequência lógica de sons que recriasse uma linguagem natural
humana. Em vez de se lerem imagens, lia-se, desse modo,
linguagem. (FISCHER, p.15)

“O sinal tornou-se som – libertado de seu referencial externo – na


Mesopotâmia, entre 6 mil e 5700 anos atrás” FISCHER (2006, p. 14-15), para
somente assim ser considerada “escrita completa” satisfazendo os três critérios
exigidos como o autor nos apresenta:

 Ter por objetivo a comunicação;


 Consistir em sinais gráficos artificiais realizados sobre uma
superficial durável ou eletrônica; e
 Empregar sinais que se relacionem convencionalmente o
discurso articulado (a organização sistemática de sons vocais
significativos) ou a programação eletrônica de modo que efetive a
comunicação.

Seja um escriba! Entalhe isso em seu coração


Para que seu nome perdure assim como os deles!
O rolo de papiro é melhor que a pedra entalhada.
Um homem morreu e seu corpo se transformou em pó,
E seu povo partiu de sua terra.
É o livro que o torna inesquecível
Na voz daquele que o lê.
(LICHTEIM apud FISCHER, 2006)

A leitura admite diferentes significados em razão do tempo histórico e cultural.


CRYSTAL apud FISCHER, 2006, p. 11, nos relata uma passagem interessantíssima,
senão, extremamente sensível:
17

Tal como os nossos cinco sentidos, a leitura envolve algo


maravilhosamente ímpar, conforme ilustra este paradoxo. Jonas
aprendeu, sozinho, a ler letras gregas, sem ter ainda aprendido o
idioma grego. Andrópolis cresceu falando grego, mas não foi
alfabetizado nesse idioma. Um dia Andrópolis recebe uma carta da
Grécia e pede que Jonas a leia. Jonas é capaz e pronunciar as
letras, mas não consegue compreender o que lê. Andrópolis
consegue entender, mas é incapaz de pronunciar as letras. Qual
deles está de fato, lendo? Resposta: Os dois juntos.

Naquela passagem apresentada por LICHTEIM o escriba descreve a leitura


como declamação, por outro lado, na cena apresentada por CRYSTAL, Jonas
considera a leitura apenas como a decodificação de um código e Andrópolis que não
é capaz de decodificar o que está escrito, toma-a como sinônimo de significação
daquilo que está impresso.

Nas situações relatadas podemos identificar também finalidades distintas nos


três atos de leitura. Para o declamador, a finalidade é dar voz ao escrito e por meio
dela apregoar a sua mensagem aos ouvintes. Jonas tem a finalidade de traduzir a
mensagem a Andrópolis, apesar de não entender nada daquilo que está escrito. No
caso de Andrópolis a leitura tem a finalidade de interpretar o escrito.

Assim como Clarice Lispector em Felicidade Clandestina, a leitura é capaz de


provocações, de ir além das palavras. Ela é capaz de suscitar riso, choro, alegria,
ira, saudade, medo, tristeza, dor. Sim, com toda certeza, ler não é apenas
decodificar.

O processo do ato de leitura possui explicações variadas. Segundo


FISCHER, 2006, p 14, “persistem duas teorias conflitantes sobre a leitura”:

A primeira – defendida pelos que acreditam que ela é um processo


exclusivamente linguístico – analisa-a como um processo linear
fonológico (relacionado ao sistema sonoro de um idioma) que se dá
letra a letra, conectando elementos da linguagem em unidades
compreensíveis crescentes, até que a elocução, e seguida, a
compreensão sejam obtidas. A segunda teoria, apoiada pelos que
sustentam que a leitura é um processo semântico-visual, afirma que
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o grafema ou a forma gráfica - seja uma logomarca (sinal


representante da palavra), seja um silabograma (sinal representante
da sílaba), ou ainda uma combinação de letras (sinais de um sistema
alfabético) – produzem significado sem necessariamente recorrerem
à linguagem. Palavras e frases inteiras, até mesmo sentenças curtas,
podem ser lidas “de uma só vez”, afirmam os autos dessa teoria; não
é necessário desmembrá-las em letras pronunciadas
individualmente.

Por um lado, temos então a teoria da leitura como processo linear, letra a letra
e de outro, a teoria como processo semântico-visual. Da mesma forma, podemos
dizer, no caso de um leitor iniciante temos uma leitura mais próxima do processo
linear, letra a letra, mais literal, mais mediata e, na medida em que o leitor adquire
mais experiência, sua leitura torna-se mais fluente, mais visual, mais imediata.
SMITH apud SOLIGO1 (2001, p. M1U7T8-2), nos diz que damos crédito demais aos
olhos, afinal é por meio deles que enxergamos o que está escrito. Porém, afirma
que, em sentido literal, não são os olhos que veem, mas o cérebro. Ele lê aquilo que
os olhos colhem e pelo que tem de informação sobre o que vê.

"Aula de leitura"
Ricardo Azevedo

A leitura é muito mais

do que decifrar palavras.

Quem quiser parar pra ver

pode até se surpreender:

vai ler nas folhas do chão,

se é outono ou se é verão;

nas ondas soltas do mar,

se é hora de navegar;

1 PROFA – Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Secretaria de Educação


Básica. Ministério da Educação. Módulo 1, Unidade 7, Texto 8, p.2. 2001
19

e no jeito da pessoa,

se trabalha ou se é à-toa;

na cara do lutador,

quando está sentindo dor;

vai ler na casa de alguém

o gosto que o dono tem;

e no pelo do cachorro,

se é melhor gritar socorro;

e na cinza da fumaça,

o tamanho da desgraça;

e no tom que sopra o vento,

se corre o barco ou vai lento;

também na cor da fruta,

e no ronco do motor,

e nos dentes do cavalo,

e na pele da pessoa,

e no brilho do sorriso,

vai ler nas nuvens do céu,

vai ler na palma da mão,

vai ler até nas estrelas

e no som do coração.

Uma arte que dá medo

é a de ler um olhar,

pois os olhos têm segredos

difíceis de decifrar.
Disponível em http://acervo.novaescola.org.br/educacao-infantil/4-a-6-anos/ricardo-azevedo-declama-bola-gude-
568081.shtml, acessado em 10/09/2016.
20

O poeta Ricardo Azevedo consegue num poema, expressar o conceito de


leitura para além da decodificação feita por Jonas.

Na perspectiva de Ricardo Azevedo, podemos afirmar que a leitura é um


processo individual, pois dependente do conhecimento prévio, ou seja, das
informações que o leitor possui a respeito do assunto sobre o qual está lendo.

Numa situação em que se tem pouca informação a respeito do assunto que


está sendo lido, a leitura ocorrerá de uma determinada maneira. Se, ao contrário, o
leitor detiver muita informação acerca do assunto, sua leitura será completamente
diferente. De outra maneira, podemos afirmar, conforme SMITH apud BRASIL2,
esclarece em “Leitura Para Além Dos Olhos”, (2001, p.167), quanto mais informação
não-visual, ou seja, quanto mais conhecimento prévio se tem sobre o assunto que
se está lendo, menos informação visual é necessária para a leitura e, ao contrário,
quanto menos informação não-visual ou conhecimento prévio se tem acerca do
assunto, mais informação visual o leitor necessita.

Em outras palavras, o autor quer nos dizer que “uma habilidade essencial
para a leitura que não é ensinada a nenhum leitor é depender o menos possível dos
olhos” (SMITH apud BRASIL, 2001, p.167). Vamos ao texto do autor que está
disponível no Domínio Público em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me000504.pdf, acessado em
10/09/2016:

2 Programa de Formação de Professores Alfabetizadores - PROFA, 2001. Guia do Formador,


Módulo 1. Unidade 7 – Apontamentos / U7. Disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me000504.pdf, acessado em 10/09/2016.
21

Leitura para além dos olhos

Uma habilidade essencial para a leitura que não é ensinada a nenhum leitor é
depender o menos possível dos olhos.

Essa minha primeira afirmação parece absurda? Demonstrarei que os olhos


devem desempenhar um papel menor na leitura e que essa preocupação indevida
com os símbolos impressos em uma página serve somente para dificultar a leitura. É
um princípio básico da visão que diz que quanto mais você espera que seus olhos
façam, menos probabilidade você tem de ver. Esse princípio se aplica especialmente
à leitura, na qual a atenção exagerada na página à sua frente pode ter o efeito
temporário de torná-lo funcionalmente cego. A página torna-se literalmente branca.
Uma das dificuldades na aprendizagem
QU3M 3574 L3ND0, 53U5 OLHO5 0U das crianças é que frequentemente elas
53U C3R3BR0? não conseguem ver mais do que umas
poucas letras de cada vez. Se um
0 3L3F4N71NH0
R10 D3 J4N31R0 , 1970
professor chama a atenção de uma
criança para um ponto específico do livro,
0ND3 V415, 3L3F4N71NH0
dizendo "As palavras estão aí diante do
C0RR3ND0 P3L0 C4M1NH0
4551M 7Ã0 D35C0N50L4D0? seu nariz, você pode vê-las, não pode?",
4ND45 P3RD1D0, B1CH1NH0 pode acontecer que o professor esteja
35P374573 0 P3 N0 35P1NH0 vendo as palavras, mas a criança não.
QU3 53N735, P0BR3 C0174D0? Esse impedimento não tem relação
nenhuma com os olhos da criança, mas
— 3570U C0M UM M3D0 D4N4D0 reflete, em vez disso, a dificuldade que
3NC0N7R31 UM P4554R1NH0! ela está tendo na tentativa de ler. Na
Adaptação do Poema “O elefantinho” de
Vinicius de Moraes, disponível em verdade, é fácil colocar o professor na
http://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-
br/poesia/poesias-avulsas/o-elefantinho, mesma situação visual da criança —
acessado em 10/09/2016.
tornando a leitura igualmente difícil para
ele.

Informação visual e não-visual

Logicamente, os olhos têm um papel a desempenhar na leitura. Você não


pode ler com seus olhos fechados (a não ser no sistema Braile, que não está sendo
22

considerado neste livro), ou no escuro, ou se não tiver um material impresso diante


dos seus olhos. É preciso que alguma informação impressa atinja o seu cérebro.
Vamos chamar isto de informação visual, que obviamente deve ser colhida por
intermédio dos olhos.

Mas a informação visual não será suficiente para a leitura. Eu poderia mostrar
que todos vocês são incapazes de fazer isso. Por exemplo, eu poderia pedir-lhes
que lessem a passagem seguinte que, casualmente, está escrita em sueco. A não
ser que você entenda sueco, não conseguirá lê-la:

Mas é possível que você entenda sueco. Eu poderia confrontá-lo com uma
passagem de um texto sueco ou inglês, que poderia confundir a sua habilidade de
leitor, tanto como o seguinte título de uma palestra apresentada em um seminário
sobre as densidades da água do mar:

E finalmente, mesmo se eu mostrar a você algum texto em uma linguagem


familiar sobre um assunto que você conhece bem, ainda poderá acontecer que não
seja capaz de lê-lo. Por exemplo, pode acontecer que não tenha aprendido como ler.

Espero que você concorde que nas três situações que acabei de descrever o
que o impediu de ler não foi a falta de informação visual. Há outros tipos de
informação que também são necessários, incluindo uma compreensão da linguagem
relevante, conhecimento do assunto e uma certa habilidade geral em relação à
leitura. Todos esses outros tipos de informação podem ser agrupados e chamados
de informação não-visual. É fácil distinguir a informação visual da informação não-
visual. A informação visual desaparece quando as luzes se apagam; a informação
23

não-visual já está em sua mente, atrás dos olhos. E já que ambos os tipos de
informação são necessários à leitura, a sua necessidade de união pode ser
representada como no diagrama 1.

Trocando dois tipos de informação

Pode parecer que eu tive um grande trabalho para afirmar o óbvio: que você
precisa já ter certo tipo de informação em sua mente para ser capaz de ler. Mas
existe uma relação entre a informação visual e a não-visual que não é tão óbvia, e
que é de enorme importância para a leitura. A relação é a seguinte: os dois tipos de
informação podem ser intercambiados entre eles. Há uma relação recíproca entre as
duas que pode ser representada, como no diagrama 2, e colocada formalmente em
palavras da seguinte maneira:

Dizendo-o de maneira mais coloquial, quanto mais você souber, menos


precisará descobrir. É como se existisse uma certa quantidade de informação
necessária para ler qualquer coisa (a verdadeira quantidade vai depender da
24

finalidade da leitura e do que estiver tentando ler) e contribuições para essa


quantidade total podem vir da frente dos olhos ou de trás dos mesmos.

É fácil dar exemplos dos cotidianos desse intercâmbio entre os dois tipos de
informação. A leitura de um livro será tanto mais fácil quanto mais informação prévia
você tiver sobre ele. Você pode ler um livro fácil mais rapidamente, com uma
impressão menor e relativamente com pouca luz. Por outro lado, um livro de difícil
leitura exige mais tempo, melhor iluminação e uma impressão muito melhor. Os
olhos têm mais trabalho se o livro for difícil; frequentemente você precisa
esquadrinhar o texto.

Da mesma forma, é fácil reconhecer outdoors e sinais de estrada de uma


certa distância quando se sabe quais devem ser as palavras, mas se você não tem
ideia alguma, ou se as palavras estão escritas em uma língua desconhecida, é
preciso chegar mais perto para distinguir até uma única letra. Esse não é um
fenômeno incomum; quanto mais acostumado você estiver com uma pessoa, ou
tipos específicos de carros, pássaros ou árvores, mais fácil será o seu
reconhecimento a distância.

O fato de que a informação visual e a não-visual podem, de certa forma, ser


substituídas entre si é crucial pela seguinte razão: há um limite rigoroso para a
quantidade de informação visual com a qual o cérebro pode lidar. Os olhos podem
ser aliviados do esforço da leitura em condições não ideais se o leitor trouxer
25

bastante informação não-visual ou conhecimentos anteriores como apoio. Mas não


significa que um leitor possa simplesmente diminuir o ritmo e assimilar mais
informação visual sempre que a leitura se tornar difícil porque há um
congestionamento entre os olhos e o cérebro, como indica o diagrama 3. O cérebro
pode muito facilmente ficar sobrecarregado pela informação visual, e então a
habilidade para ver ficará limitada e poderá até cessar por alguns instantes. É,
portanto, uma habilidade básica da leitura — uma habilidade que pode ser
desenvolvida somente através da leitura — usar ao máximo os conhecimentos que
já se tem e depender o mínimo da informação proporcionada pelos olhos. Para
explicar melhor esse fenômeno, devo fazer algumas considerações sobre a natureza
da visão em geral.

Limitações da visão

Normalmente acreditamos que podemos ver tudo o que está diante de nossos
olhos — logicamente, quando estivermos com os olhos abertos. Também é comum
acreditarmos que a visão é instantânea, que nós percebemos objetos e
acontecimentos no momento em que colocamos nossos olhos neles. E certamente
tendemos a pensar que são os próprios olhos os responsáveis pelo que vemos.
26

Na verdade os olhos não veem nada; a sua única função é colher a


informação visual na forma de raios de luz e transformá-la em impulsos de energia
nervosa que viajam ao longo dos milhões de fibras do nervo óptico em direção ao
cérebro. O que vemos é a interpretação desse acúmulo de impulsos nervosos.

É o cérebro que vê; os olhos simplesmente olham, geralmente sob a


orientação do cérebro. E o cérebro certamente não vê tudo o que ocorre diante dos
olhos. Às vezes, como todos sabem, o cérebro pode cometer um engano, e
podemos ver algo que não está diante dos nossos olhos.

A percepção visual, em outras palavras, envolve decisões por parte do


cérebro. Se você vê um cavalo no campo, é porque o cérebro decidiu que o que
você está vendo é um cavalo. E você verá um cavalo mesmo que o cérebro tenha
cometido um engano e algumas considerações a mais o levarem a decidir e,
portanto, a ver que você está olhando para uma vaca. Se eu escrever este
endereço:

Você estará vendo um número, 210, e duas palavras, Lion Street. Mas se
checar novamente, verá que eu escrevi os dígitos 1 e 0 do número exatamente da
mesma maneira que escrevi as letras I e O em Lion. A informação visual foi a
mesma. Você ter visto números ou letras dependeu do que seu cérebro decidiu que
você estava olhando.

A visão não somente requer que o cérebro tome decisões, mas também exige
tempo para que ele tome essas decisões. Mais precisamente, o cérebro usa
informação — informação visual — para tomar decisões, e o "processamento" dessa
informação leva tempo. A quantidade de tempo requerida para tomar uma decisão
depende da quantidade de informação que o cérebro necessita, e a quantidade de
informação necessária depende basicamente de quantas alternativas o cérebro tem
para escolher.

Até as decisões perceptivas mais simples, como determinar se uma luz


piscou ou não, levam quase dois décimos de segundo. Se o cérebro tiver de
27

escolher entre duas alternativas, dizer se a luz é vermelha ou verde, a decisão


exigirá três décimos de segundo. Selecionar entre cinco alternativas requer cinco
décimos de segundo, e entre oito alternativas, mais de seis décimos. É verdade que
parte desse tempo é usado para organizar a resposta — por exemplo, para dizer
que a luz de uma determinada cor se acendeu —, mas esse tempo de resposta é o
mesmo se houver várias alternativas envolvidas. O que faz a diferença no tempo é o
número de alternativas.

Então, a quantidade de tempo requerida para tomar qualquer tipo de decisão


é sempre afetada pelo número de alternativas. Este é outro princípio básico da
percepção que todos nós conhecemos.

A rapidez com que podemos reconhecer nosso próprio carro em um


estacionamento depende de quantos outros carros estiverem lá. Mesmo que o
nosso carro esteja bem diante de nossos olhos, nós o reconhecemos menos
rapidamente se ele estiver cercado por outros carros. Em outras palavras, a rapidez
com que nós reconhecemos algo não depende somente das condições de nossos
olhos ou da natureza do objeto para o qual estamos olhando, ou tentando ver. A
rapidez de reconhecimento é afetada pelo número de alternativas.

Evidentemente, em geral não temos consciência de que não vemos tudo o


que está diante de nossos olhos ou de que uma significativa quantidade de tempo
pode se passar entre o momento em que olhamos alguma coisa e o momento em
que a vemos. Mas não temos consciência disso porque supomos que vemos tudo
instantaneamente — uma suposição que é, em si mesma, fornecida pelo cérebro. A
visão e os nossos sentimentos sobre o que vemos dependem muito mais do cérebro
do que dos olhos.

Agora explicarei como podemos mostrar que o cérebro requer tempo para
encontrar sentido na informação visual e que há uma considerável limitação em
relação a quanto pode ser visto em qualquer momento. Demonstrarei também que
fazendo uso do conhecimento prévio podemos fazer a mesma quantidade de
informação chegar muito mais longe e, portanto, ver muito mais. As demonstrações
são relevantes porque, casualmente, estão relacionadas com a leitura.

Como não ver muito


28

Gostaria de colocá-lo em uma situação na qual possa ver somente de relance


uma linha de letras aleatoriamente selecionadas, como as 25 letras do seguinte
retângulo:

Os pesquisadores geralmente procuram limitar os participantes de


experiências, para que olhem somente de relance para a imagem da linha de letras,
projetada rapidamente em uma tela com um projetor de slides ou em um
computador, por quase um centésimo de segundo. Neste livro, não é possível
organizar os
acontecimentos de
maneira que você
ONDE ESTÁ WALLY?
tenha somente uma
rápida visão da linha
de letras; você está
totalmente livre para
inspecioná-la pelo
tempo que quiser.
Mas posso pedir-lhe
para usar sua
imaginação e, se
você quiser, poderá
colocar um amigo na
Disponível em situação
http://meucantinhomagicofavorito.blogspot.com.br/20
15/07/onde-esta-o-wally.html, acessado em experimental,
10/09/2016.
cobrindo o retângulo
com uma régua.
Quando seu amigo
estiver pronto, com a atenção voltada para o centro da régua, retire-a rapidamente,
para permitir uma breve olhada nas letras. E, com o mesmo movimento, cubra outra
vez as letras, evitando uma segunda olhada.

A questão é: quantas letras podem ser vistas em um simples olhar, com um


breve input de informação visual? Você está pronto — na sua imaginação —
enquanto eu o deixo olhar as letras só por um momento? Aí estão! Quantas você
viu? E a resposta é: não muitas. Você viu somente quatro ou cinco letras,
29

amontoadas em torno do ponto em que havia concentrado a visão. Se estava


olhando para o meio do retângulo, por exemplo, você pode ter sido capaz de
reconhecer WKHMY. Você poderia ter visto que havia outras letras, mas não seria
capaz de dizer quais.

Então agora temos uma resposta para a questão de quanto pode ser visto
com um simples olhar, pelo menos no que se refere a uma linha de letras
aleatoriamente colocadas: quatro ou cinco. E devo chamar a atenção sobre o fato de
que essa limitação nada tem a ver com idade, habilidade ou experiência. Uma das
descobertas mais antigas da psicologia experimental é que quatro ou cinco letras
são o maior limite da quantidade que se pode ver em uma situação como a que eu
descrevi. Crianças razoavelmente familiarizadas com o alfabeto têm mais ou menos
o mesmo desempenho nesse tipo de tarefas que os adultos com muitos anos de
experiência em leitura, e a prática não tornará ninguém muito melhor.

Também não faz qualquer diferença o tempo em que as letras são projetadas
na tela ou expostas pela régua móvel, desde que o observador dê somente uma
olhada. Não é a velocidade em que a informação visual chega aos olhos que
estabelece o limite de quanto se pode ver em um simples olhar, mas o tempo que o
cérebro leva para tomar as suas decisões. A informação chega aos olhos, e assim
fica disponível para o cérebro, quase instantaneamente. Não importa se a projeção
na tela (ou o movimento da régua) é tão breve quanto um milésimo de segundo,
desde que a iluminação seja adequada. Nesse instante, a informação da página
entra no sistema visual. Após esse instante, o cérebro começa a trabalhar e os
olhos, para todos os efeitos, se fecham (mesmo que eles permaneçam abertos). O
trabalho dos olhos, por enquanto, está feito; qualquer outra informação adicional que
eles possam receber servirá somente para sobrecarregar o cérebro. O fato de que a
informação visual pode estar disponível diante dos olhos do observador por um total
de um quinto de segundo — duzentas vezes mais do que a exposição mínima
requerida — não fará diferença. Nada mais será visto. O cérebro está ocupado
demais tentando fazer sentido com a informação que o olho coletou no primeiro
milésimo de segundo, ou algo assim. Se ficar olhando fixo, é porque você não está
entendendo o que está olhando, e não porque está vendo mais. Talvez agora você
possa entender por que a quantidade de tempo que uma pessoa pode ficar olhando
30

para as letras no retângulo não faz diferença, desde que seja menor do que o quinto
de segundo ou mais exigido para organizar um segundo olhar.

Se quatro ou cinco letras são o máximo que pode ser visto com um único
olhar, poderia parecer então que a questão da rapidez com que você lê depende da
velocidade na qual permanece olhando para a página. Mas você não consegue
aumentar a velocidade da leitura aumentando os movimentos dos olhos. A limitação
não está no ritmo em que os olhos podem colher informações, mas na velocidade
em que o cérebro consegue lidar com essas informações, para encontrar sentido
nelas. Para examinar o ritmo limitado em que o cérebro pode lidar com a nova
informação visual, devemos aprofundar-nos um pouco mais no assunto do
funcionamento do sistema visual.

Fixações

A menos que os olhos estejam fixos sobre um objeto em movimento que


estão seguindo, como um pássaro ou um dedo em movimento, eles não se movem
suave e continuamente. Ao contrário, eles pulam esporadicamente de um ponto de
foco para outro. Quando você olha ao redor de uma peça, por exemplo, seus olhos
pulam de um lugar a outro, colhendo informações de um lugar diferente cada vez
que eles descansam. O detetive cujos olhos analisam um suspeito dos pés à
cabeça, colhendo cada detalhe que possa incriminá-lo, só existe na ficção. Na vida
real o olhar do detetive salta do nariz do suspeito para o pé, para as mãos e de
volta, talvez, para a perna esquerda, antes de se deter no bolso em que a evidência
está escondida. Incidentalmente, o fato de que os olhos saltam em volta quando
examinamos uma cena ou objeto ajuda a reafirmar que você vê com o cérebro, não
com os olhos. Não importa a velocidade com que seus olhos examinam as
diferentes partes de uma sala, nem em que ordem eles o fazem; na sua percepção,
a sala permanece coerente e estável. Você não vê a "imagem" constantemente
modificada e fragmentada que cai na retina do olho; vê o cômodo quieto que o
cérebro constrói. Embora a informação colhida pelos olhos seja incompleta e
desagregada, o cérebro organiza e integra uma experiência perceptiva — se ele
puder — que é completa e significativa.
31

Na leitura, os olhos não se


movimentam suavemente pelas linhas
e pela página. Mais uma vez, os olhos Leilão de Jardim
se movimentam em círculos, saltos e
Quem me compra um jardim
pulos, que na leitura recebem o rótulo
com flores?
técnico de saccades (uma palavra
francesa que significa "solavancos"). E borboletas de muitas cores,
no jargão da leitura, os períodos
lavadeiras e passarinhos,
durante os quais os olhos descansam
são chamados de fixações, embora a ovos verdes e azuis
duração e a função das fixações na
nos ninhos?
leitura não sejam diferentes daquelas
pausas que os olhos fazem quando Quem me compra este caracol?
percebem o mundo em geral. Cada
Quem me compra um raio de sol?
fixação é um relance. Durante a
saccade, quando os olhos estão em Um lagarto entre o muro e a hera,
movimento, você está praticamente
uma estátua da Primavera?
cego, inconsciente da imagem
enevoada que deve ocupar toda a Quem me compra este
formigueiro?
retina enquanto os olhos se
movimentam por uma cena E este sapo, que é jardineiro?
estacionária. A névoa é a informação
E a cigarra e a sua canção?
visual que é ignorada pelo cérebro.
E o grilinho dentro do chão?
A movimentação dos olhos de
um ponto de fixação a outro não leva (Este é meu leilão!)
muito tempo. Dependendo do ângulo
no qual os olhos precisam se
movimentar, o tempo necessário varia
de um milésimo de segundo a um
décimo de segundo. O intervalo médio
Disponível em
entre fixações é de aproximadamente
http://www.escritas.org/pt/t/5295/leila
um quarto de segundo e, sendo assim, o-de-jardim, acessado em 10/09/2016
os olhos ficam imóveis durante a maior
.
32

parte do tempo. Como já expliquei, somente a parte inicial da fixação é realizada


com o olho colhendo informação da página em direção ao sistema visual no cérebro.
Durante a maior parte da fixação o cérebro está ocupado "processando". Afirmei
também que a velocidade da leitura não pode ser aumentada acelerando as
mudanças da fixação. Tanto os iniciantes quanto os leitores fluentes mudam as
fixações em torno de quatro vezes por segundo, o que é mais ou menos a
velocidade com que crianças e adultos olham rapidamente ao redor de uma sala, ou
analisam um quadro.

A velocidade do processamento da informação visual

Recapitulando, os leitores mudam o seu ponto de fixação em torno de quatro


vezes por segundo, e em uma única fixação conseguem identificar quatro ou cinco
letras de uma linha semelhante àquela do retângulo da nossa experiência
imaginária. Poderia parecer, então, que a velocidade em que o cérebro processa a
informação visual é facilmente calculada: cinco letras por fixação multiplicadas por
quatro fixações por segundo é igual a vinte letras por segundo. Mas não é assim. A
velocidade em que o cérebro pode identificar letras na situação que analisamos é
somente de quatro ou cinco letras por segundo. Em outras palavras, o cérebro
precisa de um segundo para completar a identificação das quatro ou cinco letras que
podem ser vistas em uma única olhada.

Os pesquisadores sabem que o cérebro precisa de um segundo para


identificar cinco letras da informação disponível em uma única fixação porque em
seus experimentos, quando eles projetam uma segunda linha de letras na tela com
um intervalo de um segundo da primeira, as duas mostras de informação visual
interferem entre si. Se a segunda exposição de letras entra dentro de
aproximadamente um décimo de segundo da primeira, um observador pode até
negar que a primeira mostra foi apresentada. Quanto maior o espaço de tempo entre
as duas exposições, maior será a capacidade do observador de mencionar o que
viu, mas a cota total de quatro ou cinco letras não será mencionada, a não ser que o
intervalo entre as duas exposições seja de um segundo ou mais. Obviamente a
informação visual que os olhos podem colher em um milésimo de segundo
permanece disponível para o cérebro por pelo menos um segundo. Mas parece que
a informação visual não-processada não permanece na mente por mais de um
33

segundo, porque não se observa melhora quando o intervalo entre a primeira e a


segunda exposição é aumentada para dois segundos, três segundos ou
indefinidamente. Quatro ou cinco letras aleatórias são o limite. Para mencionar mais,
o observador precisa dispor de mais informação.

Há um outro tipo de técnica experimental que comprova o fato de que as


letras individuais não podem ser identificadas em mais de quatro ou cinco por
segundo. Palavras de seis letras são ilegíveis se as letras que as compõem forem
projetadas na tela uma a uma, sempre na mesma posição, de maneira que a letra
sucessiva "mascare" a anterior, em uma velocidade maior do que quatro ou cinco
por segundo. Em outras palavras, é necessário pelo menos um quinto de segundo
para identificar letras sucessivas, quando as letras puderem ser vistas uma de cada
vez. Assim, temos agora respostas para as duas questões levantadas neste
capítulo:

1. Há um limite no quanto pode ser visto de uma vez, e esse limite, em termos
de letras aleatórias, é de quatro ou cinco.

2. Há um limite na velocidade em que o cérebro pode identificar letras


aleatórias na leitura, e a velocidade é de quatro ou cinco letras por segundo. Apesar
dos resultados mostrados pelos pesquisadores em suas experiências, você poderia
objetar que a visão na vida real é diferente.

Obviamente nós podemos ler mais rápido do que quatro ou cinco letras por
segundo, o que levaria a uma velocidade máxima de leitura de quase sessenta
palavras por minuto. E na verdade nós devemos ser capazes de ler mais rápido,
porque sessenta palavras por minuto é muito lento para uma leitura com
compreensão. Mas eu não disse que as experiências demonstravam a rapidez com
que nós podemos ler, somente que o cérebro pode processar a informação visual a
uma velocidade não superior a quatro ou cinco letras aleatórias por segundo.

Agora, quero mostrar que usando informação não-visual nós podemos fazer
com que a quantidade limitada de informação visual que o cérebro pode processar
em uma fixação vá muito mais longe, e assim veremos e compreenderemos muito
mais. A experiência imaginária descrita anteriormente deve ser realizada de novo,
ainda com uma sequência de 25 letras apresentadas aos olhos somente de relance,
34

e oferecendo ao cérebro, portanto, a mesma quantidade de informação visual. Mas,


desta vez, as 25 letras não são aleatórias, mas organizadas, como no exemplo
seguinte:

Mais uma vez, você deve imaginar que poderá olhar somente de relance para
as letras no retângulo, ou porque elas são projetadas em uma tela por somente uma
fração de segundo, ou porque elas são mostradas rapidamente, sendo logo em
seguida cobertas. Está preparado? Aí estão elas! E a resposta desta vez é: o dobro
do que você conseguiu ver antes. Quando as letras estão organizadas em palavras,
os leitores podem, geralmente, identificar duas palavras, o que equivale a dez ou
doze letras. Você provavelmente viu… SELA CAVALO… ou… CAVALO SEMPRE…

Não é uma explicação adequada para esse fenômeno dizer que na segunda
demonstração foram reconhecidas palavras, em vez de letras individuais. É claro
que foram, mas você nunca consegue algo de graça na leitura e, para reconhecer as
duas palavras, precisa processar a informação visual contida nas letras. Então, resta
a questão de como a mesma quantidade de processamento de informação visual
que permitiria a você identificar somente quatro ou cinco letras não relacionadas
possibilita a identificação do dobro de letras se elas estiverem organizadas em
palavras agrupadas aleatoriamente. E a resposta é que você deve estar fazendo a
mesma quantidade de informação ir duas vezes mais longe. Você está fazendo uso
da informação não-visual que já tem em seu cérebro e que, nesse exemplo, deve
estar relacionada ao seu conhecimento de como são formadas as palavras escritas.

O ponto essencial das duas demonstrações até aqui é que a quantidade de


informação visual exigida para identificar uma única letra é cortada pela metade se a
letra estiver em uma palavra. A quantidade de informação exigida para identificar
uma letra do alfabeto não é fixa, mas depende do fato de que a mesma faça parte
ou não de uma palavra. A identificação de uma letra envolve o cérebro, em uma
decisão, e a quantidade de informação requerida para tomar a decisão depende do
35

número de alternativas existentes. Então agora eu preciso mostrar que o número de


alternativas que uma letra poderia ter variação, de acordo com o seu contexto.
Também preciso mostrar que como leitores nós sabemos como o número de
alternativas pode ser reduzido quando as letras ocorrem em palavras e que, na
verdade, podemos fazer uso dessa informação não-visual quando somos solicitados
a identificar letras em palavras.

Conhecimento sobre letras

Suponha que em vez de pedir para você imaginar que está tentando
identificar a sequência original de 25 letras aleatórias com um único olhar, eu
pedisse para adivinhar qual poderia ser cada uma dessas letras, sem olhá-las. Você
poderia objetar, justificadamente, que não tem meios para adivinhar que uma letra, e
não outra qualquer, pode aparecer. É isso o que a palavra aleatória significa — que
cada letra tem a mesma probabilidade de ocorrer, precisamente 1 em 26. Qualquer
letra dessa sequência poderia ser qualquer letra do alfabeto. Você não tem
nenhuma base para fazer uma escolha inteligente.

Mas agora imagine que eu tenha pedido para você adivinhar se uma letra
específica poderia estar nessa segunda sequência de letras, as letras que estão
organizadas em palavras. Ou suponha que eu tenha solicitado que adivinhasse qual
seria a quinta letra da décima linha da próxima página par do livro. Agora, você
estaria em uma posição para fazer uma escolha mais educada — provavelmente
teria adivinhado. Seria a letra E, ou talvez T ou A ou S. É pouco provável que você
dissesse Y ou X ou Z. E a sua escolha teria uma base bem sólida porque, na
verdade, E, T, A, I, O, N e S são, de longe, as letras mais frequentes nas palavras
em língua inglesa, enquanto Y, X e Z são relativamente raras. Nem todas as letras
individuais recebem a mesma quantidade de trabalho a fazer na língua inglesa; o E,
por exemplo, ocorre quarenta vezes mais frequentemente que o Z. Se você escolher
E, terá quarenta vezes mais chances de estar certo do que se escolher Z.

Eu não estou sugerindo agora que você leia palavras adivinhando cegamente
quais devem ser as letras. Mas podemos usar o nosso conhecimento bem preciso
de quais seriam provavelmente as letras, a fim de deixar de considerar,
antecipadamente, aquelas letras que têm muito pouca probabilidade de ocorrer. Isto
36

é o que se chama de escolha informada. E excluindo, antecipadamente, as letras


improváveis, podemos reduzir o número de alternativas que o cérebro precisa
considerar, fazendo com que ele precise processar muito menos informação. É claro
que podemos estar errados às vezes, mas o nosso conhecimento de como as letras
se agrupam nas palavras inglesas é tão extenso e tão confiável que podemos correr
o risco de estar errados, ocasionalmente, para tirar vantagem dos ganhos que
temos, ao escolher certo com tanta frequência.

Deixe-me mostrar como esse processo de escolha-previsão talvez fosse mais


adequado — pode ser baseado no conhecimento prévio. Faça um outro jogo de
escolha comigo. Estou pensando em uma palavra comum de seis letras. Qual seria
provavelmente a primeira letra? A maioria das pessoas de língua inglesa,
confrontada com perguntas como esta, cita uma das letras mais comuns, que
mencionei anteriormente. Em um número de demonstrações informais que realizei
com um grande número de pessoas, descobri que uma em quatro, ou uma em cinco,
escolhe S — não uma em 26, que seria a média se as escolhas fossem feitas
aleatoriamente. Lembre-se, o importante não é escolher exatamente a letra que eu
tenho em mente, mas escolher uma das letras prováveis. E houve muito poucas
escolhas de X ou J ou Z. Suponha, então, que a escolha do S estivesse correta — e
na verdade a palavra de seis letras que eu tenho em mente realmente começa com
S. Qual seria a segunda letra?

Agora, acontece outro fato na ortografia inglesa. As letras não se seguem


umas às outras aleatoriamente nas palavras. A letra E é a mais comum na língua
inglesa, mas não depois de Q. Qualquer leitor experiente sabe que se a primeira
letra de uma palavra é S, a próxima letra será quase certamente uma vogal ou uma
consoante de um conjunto muito limitado. A segunda letra da palavra que eu tenho
em mente é T, para a qual eu encontrei uma escolha certa entre cada três pessoas,
na primeira vez. Mas não estou tão interessado no fato de que uma em três pessoas
escolhe corretamente, como no fato de que quase ninguém faz uma escolha ridícula,
como J ou B. As pessoas usam seu conhecimento das letras e palavras. Elas
escolhem as letras mais prováveis, o que significa que as suas chances de acerto
são altas. Se as duas primeiras letras são S e T, qual seria a terceira? A terceira
letra (que é R) tem de ser uma vogal, ou Y, ou R; assim diminuímos para sete o
número de alternativas, em vez de 26. Há somente seis alternativas para a quarta
37

letra, que é E; e somente duas vogais e poucas consoantes para a quinta, que é A.
Então, a palavra até agora é STREA — você poderia adivinhar qual seria a última
letra? Dependendo da maneira como você percebe o mundo (estou conduzindo um
sutil teste de personalidade), adivinhará M, ou K.

Ficou claro? Análises estatísticas das palavras inglesas mostram que o


número médio de alternativas para que uma letra apareça em uma palavra em inglês
não é de 26, mas de apenas oito. Ocasionalmente poderá haver um número maior
de alternativas, logicamente, mas às vezes quase nenhuma. Não há quase dúvida
sobre a letra que segue o Q, por exemplo, ou sobre as letras que faltam em
PA_ST_E SUG_R. Na verdade, qualquer outra letra pode ser eliminada de muitas
passagens de textos em inglês sem afetar a sua compreensão. Para ser técnico, o
inglês (como todas as línguas) é altamente redundante — geralmente há muito mais
informação disponível do que nós precisamos. A nossa incerteza sobre qual será a
letra depende do número de alternativas e toda letra contém a informação visual
suficiente para identificá-la entre 26 alternativas, ou até mais. Mas devido à
redundância da nossa língua, a nossa incerteza sobre as letras nos textos em inglês
nunca é tão grande quanto 1 em 26. O conhecimento antecipado que temos sobre a
língua reduz a nossa incerteza de 1 em 26 para a média de aproximadamente uma
em 8.

Os leitores não somente têm esse conhecimento prévio da sua língua —


geralmente sem ter consciência disso —, mas também usam constantemente o
conhecimento prévio sem ter consciência. É por isso que pode ser impossível
identificar isoladamente letras simplesmente rabiscadas, mas elas ficam muito claras
quando formam palavras. As crianças que leram por menos de dois anos
demonstram fazer uso de informação não-visual. Elas acham mais fácil identificar
letras que estão confusas de alguma maneira quando essas letras estão em
palavras do que quando as mesmas letras estão em sequências que não constituem
palavras.

De onde vem essa habilidade tão especializada que nos permite usar o
conhecimento prévio sobre as probabilidades das letras na leitura, mesmo que
possamos não ter consciência nem do conhecimento nem do seu uso? A resposta
só pode estar na leitura em si. A aquisição e o uso de informação não-visual na
38

leitura estão entre aquelas habilidades essenciais para a leitura que comentei que
nunca são ensinadas. Não é preciso que essas habilidades sejam explicitamente
ensinadas; elas são desenvolvidas sem um esforço consciente, simplesmente por
meio da leitura. Afinal, as crianças viveram desde o seu nascimento com a limitação
universal da quantidade de informação que qualquer cérebro pode processar e
solucionaram o problema de identificação, muitas vezes, com um mínimo de
informação durante o processo de reconhecer rostos familiares e objetos do seu
mundo. Se não temos consciência de contar com essa habilidade é porque a
desempenhamos muito bem. Aprender a adquirir e usar conhecimento que irá
reduzir a quantidade de informação que o cérebro deve processar é natural e
inevitável.

Informação não-visual do sentido

Mais uma demonstração, agora para mostrar que um simples aspecto da


informação não-visual pode, no mínimo, quadruplicar a quantidade que pode ser
vista em uma simples exposição à informação visual. Imagine mais uma vez a rápida
apresentação de 25 letras, só que agora organizadas em uma sequência
significativa. As palavras não estão somente gramaticalmente organizadas, mas elas
também fazem sentido:

Está pronto? Mais uma vez, você só pode dar uma rápida olhada. Quanto
conseguiu ver? E o resultado desta vez é tudo. Você não viu somente parte da linha,
mas toda ela, quatro ou cinco palavras, em vez de quatro ou cinco letras.

Não deve haver necessidade de reelaborar esse ponto. A quantidade de


informação disponível no cérebro em cada uma das minhas três demonstrações era
a mesma, e cada vez o cérebro teve o mesmo tempo para processar a informação.
Se pelo menos quatro vezes mais pode ser visto quando as letras formam uma
sequência de palavras que fazem sentido, deve ocorrer que o sentido torna
disponível mais informações não-visuais, de modo que a informação visual pode
chegar quatro vezes mais longe.
39

Agora devo mostrar que os leitores podem possuir um conhecimento prévio


sobre a maneira como as palavras são agrupadas em inglês, o qual diminuirá
enormemente o número de alternativas e, portanto, reduzirá a quantidade de
informações requerida para identificar palavras.

Permitam-me fazer o jogo de adivinhar a palavra seguinte em uma sentença.


Por exemplo, imagine que eu pare de escrever...

Você poderia adivinhar qual seria a próxima palavra a aparecer na sentença


interrompida que acabou de ler? Se você escolheu no, estava certo. Qual seria a
próxima palavra após:

A próxima palavra seria meio. Depois viria de, depois uma e sentença.

Uma demonstração como essa ocupa muito espaço impresso. Tente a


experiência com um amigo, então, lendo um breve item de um jornal ou de uma
revista e pedindo previsões sobre cada palavra sucessiva.

Não estou interessado em que você ou seu amigo acertem absolutamente


todas as palavras nessa demonstração. Na verdade, se pudesse prever cada
palavra, exatamente, não haveria por que ler a passagem, em primeiro lugar. O que
é necessário é que você esteja sempre apto a fazer uma escolha razoável sobre a
próxima palavra. Você não prevê irresponsavelmente: seleciona a partir de um
conjunto relativamente pequeno de possíveis palavras dentro de um contexto
particular e, como resultado, diminui o número de alternativas dentre as quais o
cérebro terá que selecionar. O ganho é considerável.

Um autor pode escolher entre pelo menos cinquenta mil, talvez cem mil,
palavras ao escrever um livro, no sentido de que a maioria dos leitores possa
reconhecer e compreender de cinquenta mil a cem mil palavras. E cada uma dessas
palavras que o autor pode escolher contém, obviamente, informação visual
suficiente para poder ser identificada isoladamente. Em outras palavras, cada
palavra deve conter informação visual suficiente para ser distinguida entre cem mil
40

alternativas. Mas ao decidir que palavra específica estará no livro, o autor não pode
escolher entre cem mil alternativas. O autor não pode dizer: "Eu não usei a palavra
rinoceronte por muito tempo, então usarei agora". De acordo com o que ele quiser
dizer, e com a linguagem na qual está sendo dito, o número de alternativas à
disposição é sempre limitado. O autor também não pode resolver de repente usar o
particípio passado ou a voz passiva. As construções gramaticais que podem ser
empregadas também são limitadas pelo sentido da mensagem a ser enviada. Na
realidade, em qualquer ponto particular do texto, o autor está livre para escolher não
entre aproximadamente cem mil, mas entre uma média de aproximadamente
duzentos e cinquenta.

O conhecimento de quais podem ser as duzentos e cinquenta alternativas


para uma palavra determinada é que possibilita aos leitores a leitura e a
compreensão do que o autor escreveu. Os leitores têm informações não-visuais
sobre as escolhas disponíveis para o autor e eles fazem pleno uso desse
conhecimento para reduzir a sua própria incerteza sobre quais podem ser as
palavras sucessivas. Quando eu parei no meio de uma sentença e pedi sugestões
sobre qual seria a próxima palavra, é muito pouco provável que você (ou seu amigo)
tenha pensado: "Ele não usou rinoceronte por muito tempo, então vou tentar essa".
A escolha — a previsão — teria sido de uma palavra possível. Ou seja, você tem
uma ideia razoável acerca daquilo que um autor vai escrever antes de lê-lo. Você
não está identificando uma palavra entre cem mil a cada vez, mas uma entre
duzentas ou trezentas. E se não tiver tal expectativa sobre qual será a próxima
palavra, não terá capacidade de entender o que está lendo, simplesmente porque
não estará lendo com suficiente rapidez, ou vendo o suficiente de cada vez. Você
pode estar limitado a ver quatro ou cinco letras sem significado durante a fixação,
em vez de ver quatro ou cinco palavras significativas.

Essa redução de incerteza pelo leitor faz uma enorme diferença no volume de
informação visual que precisa ser processado. A mesma quantidade de informação
visual que você precisaria para identificar uma única letra isolada permitirá que
identifique uma palavra completa dentro de um contexto significativo. Talvez não

consiga ler a palavra / / (torrada) se eu a escrever em manuscrito, mas se eu

escrever "Hoje eu comi / / com geleia no café da manhã", você provavelmente


41

terá pouca dificuldade em decifrá-la. Você simplesmente não precisa de tanta


informação visual, quando uma palavra está em um contexto.

Em textos razoavelmente fáceis de ler, como um artigo de jornal ou de uma


revista, uma letra em cada duas ou uma palavra completa em cada cinco podem ser
eliminadas sem afetar a inteligibilidade. Isto é, os leitores sabem tanto que, para
cada letra fornecida pelo autor, eles podem prever a próxima sem precisar nem
olhar.

Visão-túnel

Como revisão, vamos olhar os pontos principais deste capítulo na ordem


inversa das demonstrações. Há um limite na quantidade de informação visual com a
qual o cérebro pode lidar. Quanto pode ser realmente visto e compreendido com um
simples olhar, ou com um segundo completo de processamento de informação
visual, depende de quanta informação não-visual o cérebro pode suportar. Se
houver muita informação não-visual disponível para o cérebro, então uma linha
inteira datilografada poderá ser compreendida de imediato:

No entanto, se somente uma pequena quantidade de informação não-visual


puder ser usada, somente a metade poderá ser vista:

E se não houver praticamente informação não-visual que possa ser usada, a


visão ficará restrita a uma pequena área:
42

Usa-se um termo gráfico para descrever a condição ilustrada na terceira


situação: visão-túnel. Vemos uma linha impressa como se estivéssemos olhando
para ela através de um estreito tubo de papel.

Você notará que a visão-túnel não é um defeito físico dos olhos, nem uma
consequência de qualquer deficiência do sistema visual. A visão-túnel não é um
estado permanente; ela ocorre quando o cérebro está sobrecarregado de
informação visual. A visão-túnel é uma condição na qual se encontram,
frequentemente, os leitores iniciantes.

Entretanto, a visão-túnel não se restringe às crianças. Não é difícil dar visão-


túnel a adultos, por exemplo, pedindo-lhes para que leiam algo que eles não
entendem muito bem. Ler algo sem sentido causa visão-túnel, pela simples razão de
que a falta de sentido é imprevisível.

A visão-túnel é, portanto, um risco da aprendizagem de leitura, em parte


porque o iniciante, por definição, não tem muita experiência em leitura. Mas a
condição é agravada se a impressão daquilo que o iniciante deve ler não for muito
previsível, de maneira que muito pouca informação não-visual esteja à disposição
dele. A visão-túnel não se restringe à leitura; ela pode ocorrer em qualquer situação
em que o cérebro tenha de processar grandes quantidades de informação visual. Se
você tiver que ficar em pé em um palco e olhar para um auditório, um olhar será
suficiente para dizer-lhe se o auditório está quase cheio ou não:

Mas se estiver curioso para saber se há mais homens que mulheres no


público, serão necessários dois ou três olhares:
43

E se a sua curiosidade o levar a checar se a maioria da sua audiência está


usando óculos, muitos olhares serão necessários:

A amplitude do seu campo de visão não depende de seus olhos, mas de


quanto o seu cérebro está tentando alcançar, do número de alternativas que ele está
considerando.

As limitações no processamento de informação que causam a visão-túnel


afetam tanto os ouvidos quanto os olhos. É mais fácil ouvir o que alguém está
dizendo, mesmo em um cochicho, ou em uma sala onde ocorrem muitas conversas
ao mesmo tempo, se o que está sendo dito fizer sentido para você. Mas algo sem
sentido é muito mais difícil de se ouvir. Não é em vão que levantamos a voz quando
tentamos falar em uma língua estrangeira que não conhecemos bem; a dificuldade
na compreensão provoca perda de audição temporária. A maioria dos professores
conhece bem crianças que parecem surdas em aula, mas podem ouvir
perfeitamente bem fora dela.

Causa da visão-túnel

Devido ao congestionamento da capacidade de processamento de


informação do cérebro, a leitura dependerá da economia no uso de informação
visual, usando a maior quantidade possível de informação não-visual. Mas a visão-
túnel é inevitável nas seguintes circunstâncias:

1. A tentativa de ler algo que não faz sentido causa visão-túnel. Você deve
notar que se alguma coisa faz sentido ou não, depende em grande parte do que o
leitor sabe. Se souber ler em sueco, terá visto diversas palavras a cada olhar na
passagem em sueco que mostrei anteriormente neste capítulo. Mas se a passagem
em sueco representou simplesmente uma série de palavras aleatórias para você,
terá provocado a visão-túnel. O fato de um parágrafo escrito fazer sentido para um
adulto — que pode, portanto, vê-lo facilmente — não significa que o mesmo
44

parágrafo faça sentido para uma criança. Se algo não pode ser previsto, causará
visão-túnel. A linguagem e o conteúdo dos leitores infantis são sempre previsíveis?

2. Falta de conhecimento relevante causa visão-túnel. Você não precisa jogar


fora um livro porque considera impossível lê-lo. A aquisição de algum conhecimento
prévio de alguma outra fonte pode, mais adiante, tornar o livro compreensível. Os
estudantes que têm dificuldade para ler textos de ciências ou de história podem não
estar sofrendo uma falta de capacidade de leitura. Eles podem, simplesmente,
precisar saber um pouco mais de ciências ou de história. Para ler qualquer coisa é
necessário ter informação visual e não-visual. Se há uma falta de informação não-
visual, o leitor deve procurar isso em algum outro lugar.

3. Relutância para usar a informação não-visual causa visão-túnel. Usar a


informação não-visual envolve risco — há sempre uma chance de que você possa
estar errado. Mas se não estiver cometendo erros ocasionais enquanto lê,
provavelmente não estará lendo eficientemente. Você está processando mais
informação visual do que precisa. Os erros não precisam ser uma causa de
preocupação na leitura, sempre e quando o leitor estiver usando informação visual
apropriada. Essa pessoa lê pelo significado. E se lemos pelo significado e
cometemos um erro, o sentido do texto geralmente nos alerta de que o erro
cometido faz uma diferença. (Se o erro não faz diferença, então qual a diferença que
pode fazer?) Assim, um bom leitor tem probabilidade de cometer pequenos erros
como ler apartamento em vez de casa. E um leitor como esse não se corrigirá a não
ser que o erro de leitura cause uma diferença no significado. É assim que os leitores
fluentes leem. Um leitor fraco, por outro lado, poderá prestar muito mais atenção aos
aspectos visuais da tarefa e erroneamente ler cara em vez de casa. Esse leitor
provavelmente não se corrigirá, a não ser que dessa vez o erro faça uma diferença
considerável no sentido, porque não está dando atenção ao significado em primeiro
lugar. Uma característica comum em leitores fracos na escola de segundo grau é
que eles leem como se não esperassem que aquilo que estão lendo fizesse sentido,
como se ler cada palavra corretamente fosse a chave para a boa leitura. Mas quanto
mais eles tentam ler cada palavra corretamente, menos eles veem, menos eles
entendem, e pior será sua leitura em todos os aspectos. A maior causa de relutância
em usar suficientemente a informação não-visual é a ansiedade. Por esse motivo, no
início deste livro aconselhei a relaxar durante a sua leitura. Em qualquer situação da
45

vida, quanto mais ansiosos ficamos acerca da consequência de uma decisão, mais
informações precisamos antes de tomar a decisão. E na leitura você simplesmente
não pode parar de coletar grandes quantidades de informação visual para tomar as
suas decisões. A ansiedade causa visão-túnel, e a visão-túnel elimina a
probabilidade de compreensão.

4. Os maus hábitos de leitura causam visão-túnel. Se você lê muito devagar,


terá visão-túnel, já que o sistema visual ficará saturado com toda a informação visual
que você está tentando extrair da página. Se você estiver relutando em ir adiante,
lendo e relendo em um esforço inútil para lembrar cada detalhe, também terá visão-
túnel. Se você se esforçar para ler cada palavra corretamente antes de olhar para a
próxima, terá visão-túnel. Infelizmente esses maus hábitos de leitura às vezes são
ensinados deliberadamente, devido à crença de que eles ajudarão as crianças a ler.
O problema para muitas crianças que têm dificuldades em se tornar leitores não é
que elas não possam aprender, mas sim o fato de aprenderem muito
obedientemente. Elas foram influenciadas demais por um adulto que as orientou mal
dizendo: "Devagar, tome cuidado e tenha certeza de que está lendo cada palavra
corretamente".

Superando a visão-túnel

A cura torna-se óbvia quando as causas são aparentes. Poderiam as crianças


ter visão-túnel porque o que se espera que elas leiam não faz sentido para elas?
Então o professor deveria garantir que aquilo que se espera que as crianças leiam
faça sentido para elas. Um esquema classificatório por "fórmula de leiturabilidade"
ou "nível de série" não será uma orientação confiável para os professores; o
problema é muito relativo. O que é claro para uma criança pode ser completamente
imprevisível para outra. Mas há uma solução simples. Se as crianças não
entenderem algo mesmo que seja lido para elas, não haverá forma de encontrarem
o sentido quando tentarem ler por si mesmas.

As crianças poderiam ter visão-túnel porque têm conhecimento prévio


insuficiente sobre aquilo que se espera que elas leiam? Se assim for, elas devem
receber o conhecimento prévio necessário de alguma outra forma — de alguns
outros livros que elas possam ler, em uma discussão, um filme, ou até mesmo
46

fazendo-as lerem alguns ou todos os livros que se espera que leiam, lidos por eles
antes de mais nada. A habilidade de leitura não será aprimorada com tarefas que
são desestimulantes ou impossíveis. As crianças poderiam ter visão-túnel porque
elas têm medo de cometer erros? Nem a compreensão nem a aprendizagem podem
ocorrer em uma atmosfera de ansiedade. A previsão, como a aprendizagem, pode
ser algo arriscado e uma criança deve sentir que vale a pena correr riscos. As
crianças que têm medo de cometer um erro não irão aprender e não irão nem
demonstrar a habilidade de leitura que possam ter adquirido. Segurança deve ser a
base da instrução de "reforço" para os leitores que enfrentam dificuldades em
qualquer idade.
Um leitor poderia ter visão-túnel devido aos seus maus hábitos de leitura? O
segredo de todos os cursos de leitura dinâmica é fundamentalmente esse — forçar o
leitor a ler rapidamente. A leitura lenta frequentemente é um hábito inadequado, mas
muitas pessoas leem devagar porque têm medo de não entender se acelerarem o
ritmo. Os cursos de leitura dinâmica procuram mostrar que a leitura é eficiente. Seus
estudantes são forçados a entrar em situações nas quais a visão-túnel é impossível;
a segurança que eles adquirem à medida que sua visão e a compreensão se abrem
fornece geralmente a base para uma leitura mais eficiente.

Resumo
Não vemos tudo o que está diante de nossos olhos e não vemos nada
imediatamente. É necessário algum tempo para que o cérebro decida sobre o que
os olhos estão olhando. A leitura depende mais daquilo que está por trás dos olhos
— da informação não-visual — do que da informação visual que está diante deles.
Confiar demais na informação visual pode sobrecarregar a capacidade do cérebro
de tomar decisões e resultar na visão-túnel, quando somente algumas poucas letras
são vistas de cada vez, em vez de frases inteiras. A visão-túnel tem maior
probabilidade de ocorrer quando o que está sendo lido não faz sentido para o leitor,
ou quando o leitor está ansioso diante do risco de cometer erros. Nem uma maior
atenção ao texto, nem o aumento da velocidade de fixação tornarão a leitura mais
eficiente, ou sua aprendizagem mais fácil.

Programa de Formação de Professores Alfabetizadores - PROFA, 2001.


Guia do Formador, Módulo 1. Unidade 7 – Apontamentos / U7. Disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me000504.pdf, acessado em 10/09/2016.
47

A perspectiva da leitura como uma habilidade individual também é


reconhecida pelo fato de que o ato de ler é realizado pelo sujeito. Porém, a situação
de Jonas e Andrópolis contraria essa teoria. Temos ali um ato social de leitura.

ZILBERMAN3 (SÃO PAULO, 1988, p. 13-17) realiza argumentações a fim de


nossa reflexão acerca da dimensão social da leitura. A autora observa a leitura
perante o fenômeno da alfabetização. Primeiramente observa que a leitura não é
competência inata dos indivíduos, tendo que ser adquirida. Para ela, a leitura está
intimamente relacionada ao processo de alfabetização que é o meio pelo qual nos
apropriamos da linguagem. Tal processo se dá em uma instituição, a escola, o que
significa que o mesmo ocorre na interação com outras pessoas, em interação social.
Como se isto não bastasse para a caracterização da leitura como processo social, a
autora alega ainda o fato de que o processo de ensino e aprendizagem da leitura e
escrita ocorre com contribuição da tecnologia que oferece aprimoramento ou
inovações em métodos e técnicas de alfabetização. Ou seja, mais pessoas
participam desse processo. Ainda, ZILBERMAN nos recorda que o acesso à escola
e, nesse sentido o acesso à leitura e à escrita, nem sempre é garantido pela
sociedade, visto que quando acolhidas pela escola, algumas obtêm sucesso e há
outras que ficam à margem do sistema educacional. Ademais, os sujeitos letrados e
não letrados são diferenciados socialmente. As oportunidades sociais diferentes
acabam por confirmar a distinção social de letrados e iletrados. Concluindo, a autora
afirma que a dimensão individual da leitura “mascara” sua dimensão social.

FREIRE4 (1987) foi um dos educadores preocupados com a apropriação da


alfabetização enquanto ferramenta para a luta de classes sociais. Nas fortes
palavras dele a leitura adquire papel essencial para a conscientização do homem e
para a transformação de sua realidade.

3 Zilberman, Regina. Leitura, História e Sociedade. Caderno Serie Ideias nº 5. Disponível em


http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_05_p013-017_c.pdf, acessado em 13/09/2016.

4FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Editora Paz e Terra. Rio de Janeiro / RJ. 1987. Disponível
em http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/paulofreire/paulo_freire_pedagogia_do_oprimido.pdf,
acessado em 09/09/2016.
48

Ele afirma “Com a palavra, o homem se


faz homem. Ao dizer a sua palavra, pois, o
homem assume conscientemente sua essencial
condição humana”. A dimensão social e política NÃO DEIXE DE
ASSISTIR
da leitura se reafirma nas palavras de FREIRE
que apresenta o domínio da palavra como a
humanização do homem que produz cultura
mediante os condicionantes sociais e políticos
que o contextualizam a si próprio e a seu
discurso, construindo sua identidade e marcando
a sua realidade. Outros autores acompanham
FREIRE nesta concepção acerca do conceito de
Há muitas ações que realizamos
leitura e a defendem enquanto ato político. Tais
cotidianamente sem sequer nos
autores querem dizer que a leitura, originada no
darmos conta de quando foram
âmago social, está impregnada de valores e por criadas, quais suas implicações, como
isso mesmo, posicionada politicamente perante o se processam, de onde surgiram...
mundo. Portanto, ler é um ato político. Pense que há muito tempo os livros
eram compostos por várias tabuletas
BOSCO (2005, p.15 - 19) em seu livro A
de argila que deveriam ser guardadas
Criança Na Linguagem tece referências ao fato numa certa ordem para poderem ser
de que a rede textual do sujeito o constitui a lidas e não se perder a sequência.
partir de seu contato com textos, ou seja, a Imagine o tamanho da caixa que
captura do sujeito pelos textos é responsável deveria armazenar um livro.
pela constituição de sua textualidade e assim ele O papiro se constituiu numa inovação

constrói a sua própria historicidade textual: tecnológica e depois a imprensa de


Gutemberg quanto conhecimento
... um texto, seja ele de proporcionou ser divulgado.
qualquer natureza ou Hoje temos a web e o imediato ao
extensão, liga-se a outros conhecimento.
textos, e estes são evocados, O vídeo que trazemos nos faz pensar
postos em cena na leitura e / que a novidade tecnológica necessita
ou na escrita – é sua própria da mente por trás dos olhos que veem.
história que insiste em Disponível em

retornar, revelando uma https://www.youtube.com/watch?v=GtsBDQbO


w0M, acessado em 09/09/2016.
hisoricidade que lhe é
49

constitutiva. Por isso também entendemos que nenhum texto é


transparente e sua interpretação não é única nem fechada nele
mesmo, mas depende a história de leitura de cada sujeito – esta é
decisiva em sua interpretação.

A autora afirma o estabelecimento de relações que o sujeito realiza


ressignificando textos com os quais interage ressignigicando a si próprio de modo
que
essa interação interação com texto de natureza diversa deve ser
propiciada mesmo entre crianças que ainda não saibam ler e
escrever, no sentido estrito desses termos, uma vez que acreditamos
que a ”captura” da criança pela escrita depende da relação dela com
a materialidade dos textos escritos. (BOSCO, 2005, p. 19)

Podemos concluir que BOSCO apresenta um sujeito sendo constituído pelos


textos a que tem acesso por meio das suas interações e assim se constitui enquanto
sujeito.
Um senhor toma o ônibus depois de comprar o jornal e o pôs embaixo do braço.

Meia hora mais tarde, desce com o mesmo jornal sob o mesmo braço.

Mas já não é o mesmo jornal, agora é um monte de folhas impressas

que o senhor abandona num banco de uma praça.

Apenas fica só no banco, o monte de folhas se torna outra vez um jornal,

até que um rapaz o vê, o lê,

e o deixa convertido em um monte de folhas impressas.

Apenas fica só no banco, o monte de folhas se torna outra vez um jornal,

até que uma velha o encontra, o lê e o deixa convertido

em um monte de folhas impressas.

Depois o leva para sua casa

e no caminho o usa para enrolar meio quilo de acelgas,

que é para o que servem os jornais depois destas excitantes metamorfoses.


Júlio Cortázar
(In Histórias de Cronópios e de Famas)
Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me000500.pdf, acessado
em 10/09/2016.
50

Cabe-nos tecer mais uma consideração acerca do conceito de leitura.


GERALDI5 (1988, 79-84) aprecia quatro perspectivas ao tomar a leitura como objeto
de estudos:
- O léxico: entende-se nesta perspectiva que o léxico não é neutro, produz
significados no leitor. O que significa que a partir de sua história de leitor, significa a
leitura e, também se constrói enquanto lê;
- O enunciado: do ponto de vista do enunciado, o ato da enunciação é visto
como ação que contém um co-enunciador (o futuro leitor). Portanto, o leitor já está
presente na enunciação e o texto é realizado prevendo este co-enunciador. Quando
o leitor real lê o texto, o autor torna-se o co-enunciador;
- O texto: o enunciador deve garantir ao texto elementos de coesão que lhe
ofereçam conexidade e textualidade de acordo com o gênero;
- O intertexto: refere-se à intertextualidade, em que um texto clama outros
textos apresentando vozes de outros textos.

Conforme vimos, a leitura apresenta várias interfaces. Como FISCHER


podemos entendê-la como compreensão. Podemos relacioná-la com o ato objetivo
de ver e sentir, como ato pessoal, sendo uma representação individual. Assim como
apreciá-la tomando-a como ato social e político também. Neste caso, podemos
considerar a visão de ZILBERMAN, e entendê-la como ferramenta para a
transformação social. Senão, podemos compreendê-la do ponto de vista
psicolinguístico como SMITH e SOLIGO buscando mais a significação e
contextualização na busca da compreensão. É possível também conforme
GERALDI, estudá-la do ponto de vista do leitor e, ainda nas palavras de FREIRE,
podemos nos tornar mais humanos por meio da leitura de mundo.

5 GERALDI, João W. A leitura na sala de aula – as muitas faces de leitor. Caderno Serie Ideias nº 5.
Disponível em http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_05_p079-084_c.pdf, acessado em
13/09/2016.
51

LEITURA E CULTURA

A leitura nos abre portas para a interação com o mundo. Ela confunde-se com
o mundo. A leitura propicia que conheçamos a nós mesmo como meio para
conhecer o outro. Nós homens, necessitamos de um processo de formação,
diferentemente dos animais que já nascem constituídos de um padrão
comportamental. Nossa natureza é diferente. Ao longo do desenvolvimento, na
medida em que os padrões de comportamento nos são oferecidos é que
constituímos o nosso padrão de comportamento.

CADEMARTORI (2010, p.23) ao tratar da formação dos padrões de


comportamento do homem afirma:

O processo de constituição de um homem depende de sua formação


conceitual e essa, por sua vez, depende dos padrões de
interpretação a ele oferecidos. As diferentes manifestações culturais
constituem-se em padrões de interpretação. Entre elas, destaca-se,
seja pela alta elaboração própria do código verbal, seja pelo
envolvimento emocional e estético que propicia, a literatura.

À propósito das considerações de CADEMARTORI, reportamo-nos à teoria


histórico-cultural de Vygotsky em que se baseia um de seus pressupostos, a ideia de
que o homem não nasce humano, mas torna-se humano. É, pois, ao longo do seu
desenvolvimento que se apropria de capacidades, conhecimentos, aptidões para
tornar-se humano. É por meio da relação do homem com o mundo, das suas
experiências sociais, da forma como marca e é marcado pela sociedade, do modo
como se apropria da cultura que o homem se humaniza.

Quando nos referimos à cultura estamos querendo tratar de todas as


realizações de um determinado povo que habita uma determinada região. Ou seja,
referimo-nos ao conceito de cultura, tomando-a como referência ao conjunto das
criações e artefatos materiais e imateriais, os objetos, as ideias, as habilidades, as
técnicas, as crenças, todo o complexo de conhecimento de um povo.

A língua também constitui cultura e o seu estudo é objeto da escola que a


sistematiza. É assim que ensinamos as novas gerações a linguagem verbal e a
52

linguagem não verbal, a linguagem escrita,


especialmente a linguagem literária. Esta tarefa
ainda é desafiadora, pois ainda não temos
construída uma cultura de sociedade leitora.
Ademais, as práticas de leitura na escola,
instituição que socialmente tem a função de
formar leitores, ainda não são suficientes ou, são
mesmo inadequadas para fazer da nossa
sociedade uma sociedade de leitores.

A leitura é um bem cultural. O modo como


um povo produz e cultiva a leitura, as suas
práticas de leitura, o valor que se atribuí à leitura,
o modo de incentivar e prestigiar a leitura,... tudo
isso, constitui a cultura de um povo acerca da
leitura. Qual significado a leitura tem para a nossa
sociedade? Qual o significado que a leitura tem
para você?

As pesquisas têm nos mostrado que


embora haja iniciativas, diretrizes e orientações
acerca de um ensino em que a linguagem seja
estudada em situações de uso, não é o que
realmente acontece na maioria das escolas,
predominando um ensino estéril, de objeto
estático, descontextualizado, desvinculado da
realidade. Por consequência, temos um aluno em
geral, desinteressado, cada vez mais distante do
estudo da linguagem real, e um professor cada dia
mais desanimado com os resultados.

Disponível em A escola adquire importância no momento


http://www.brasil.gov.br/cultura/201
em que é ela que veicula os valores socialmente
5/07/retratos-da-leitura-no-
brasil/image_view_fullscreen, construídos, no caso, o cabedal cultural priorizado
acessado em 10/09/2016. pela sociedade e isto não ocorre naturalmente.
53

Não é de modo natural que as crianças aprendem toda a cultura historicamente


acumulada. Porém, ao mesmo tempo em que se reconhece a escola como
fundamental na formação dos sujeitos leitores, vê-se a fragilidade do trabalho
docente que esbarra em entraves de diversas naturezas, formando um emaranhado
e um círculo vicioso do qual não estamos conseguindo nos libertar.

Um dos meios de veiculação dos valores culturas é a literatura produzida pela


sociedade. Ao nos formarmos pedagogos assumimos o compromisso da formação
das novas gerações e em se tratando desta disciplina, assumimos a tarefa de
aproximá-los dos livros, a ensiná-los acerca do valor da leitura para a sua formação
pessoal e social. Formar bons leitores é condição para aprimoramento da linguagem
escrita e para a formação de sujeitos bem informados, conhecedores de sua
realidade, reflexivos e capazes de atuar para a transformação da sua realidade.

Disponível em http://blog.estantevirtual.com.br/2011/05/26/livros-tambem-sao-tema-de-tirinhas/,
acessado em 12/09/2016.

De fato, ainda temos que construir uma cultura de leitura. Os dados atuais
sobre a formação de leitores no Brasil têm melhorado, porém ainda não são
satisfatórios. Confira os resultados da última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil,
a seguir.
54

DADOS ACERCA DA LEITURA


O último relatório do Retratos da Leitura no Brasil realizado pelo Instituto Pró-
Livro está na sua 4ª edição. A coleta de dados foi realizada no período de 23 de
novembro a 14 de dezembro de 2015 é de março de 2016. A pesquisa toda está
disponível em
http://prolivro.org.br/home/images/2016/Pesquisa_Retratos_da_Leitura_no_Brasil_-
_2015.pdf , acessada em 10/09/2016. Apontamos aqui alguns dados da pesquisa:

a) Primeiramente, revisemos conceitos utilizados na pesquisa


55

b) A motivação da leitura (dados percentuais):

c) Porcentagem de leitores e não leitores:


56

d) Quantidade de livros lidos nos últimos 3 meses

e) Quantidade de livros lidos por ano (porcentagem):


57

f) O gosto pela leitura (porcentagem)

g) A influência sobre o hábito de leitura (porcentagem)


58

Leitura: em ranking de 30 países, Brasil ocupa 27ª posição


Pesquisa de “hábitos de mídia” mostra que brasileiro gosta mesmo é de televisão,
rádio e internet - nesta ordem!
Blasting News / Publicado: 7 setembro 2015
CÍCERO NOGUEIRA

Em maio deste ano, o Sindicato Nacional dos Editores de #Livros (Snel)


surpreendeu ao admitir que os livros de colorir estavam salvando o mercado editorial
brasileiro - até então, haviam movimentado R$ 25,18 milhões.

Agora, uma possível explicação para isso chegou de Londres: de acordo com
o NOP World Culture Score Index, um estudo realizado pela agência NOP World para
medir “hábitos de #Mídia” em 30 países, o Brasil se classificou na 27ª posição no
ranking de leitura, à frente apenas de Tawian, Japão e Coréia.

A pesquisa mostrou que o brasileiro dedica, em média, apenas 5 horas e doze


minutos por semana para a leitura de livros.

Ao que parece, a preferência nacional é mesmo ver televisão (18 horas e quinze
minutos) - neste quesito nos classificamos na oitava posição - e ouvir rádio (17 horas
semanais).

Também surpreende o apetite do brasileiro para a internet: por aqui se gasta em


média 10 horas e trinta minutos semanais navegando com fins não profissionais, o que
nos coloca na nona posição do ranking.

Venezuelanos e argentinos são os melhores classificados na América do Sul

Entre os trinta países, destacam-se na América do Sul a Venezuela (14ª no


ranking) e a Argentina (18ª), com 6 horas e vinte e quatro minutos e 5 horas e cinquenta
minutos de leitura semanal, respectivamente.

Nas duas posições imediatas à frente do Brasil encontram-se o Reino Unido e o


México. Os súditos da rainha Elizabeth II reservam semanalmente 5 horas e
dezoito minutos para a literatura; os hispanohablantes mais desenvolvidos das Américas,
5 horas e trinta minutos.

E o troféu vai para... a Índia!


59

Tudo o que conhecemos da Índia pode se resumir ao folhetim de Glória Perez, ao


premiado filme ‘Quem quer ser um milionário’ e às reportagens de Glória Maria no Globo
Repórter? Arebaguandi! Acrescente na sua lista de conhecimentos o fato de os indianos
serem os que mais dedicam horas semanais para a leitura de livros, de acordo a NOP
World.

O tempo médio semanal de leitura na Índia é 1 hora e trinta minutos maior do que
a segunda colocada do ranking, a Tailândia. Os indianos utilizam 10 horas e quarenta e
dois minutos de seu tempo semanal para a leitura de livros; os tailandeses, 9 horas e
vinte e quatro minutos.

E você? Dedica mais ou menos tempo que a média nacional para a leitura de livros?

Disponível em http://br.blastingnews.com/cultura/2015/09/leitura-em-ranking-de-30-paises-
brasil-ocupa-27-posicao-00548961.html, acessado em 11/09/2016.
60

ATIVIDADE

Chegou o momento de realizar as atividades de sistematização dos


conhecimentos. Vamos lá! Faça o que se pede:

1.

Disponível em https://cdn.papodehomem.com.br/wp-content/uploads/2014/03/calvin-leitura1-
620x205.jpg, acessado em 13/09/2016.

Saber que os olhos veem, mas o cérebro é que enxerga é importante para que o
professor entenda que, para que compreendam um texto, seus alunos:

I. Necessitam de conhecimentos prévios acerca do tema que estão lendo.


II. Necessitam copiar o texto que estão lendo para entendê-lo melhor.
III. Necessitam compreender o texto por meio da decifração do código escrito.
IV. Necessitam ler palavra por palavra com atenção para significar o texto.

Estão corretas as afirmativas:

a) Somente a I.
b) Somente a II.
c) Somente a III.
d) Somente a IV.
61

2. Segundo CADEMARTORI, podemos afirmar:

I. A escrita humaniza o homem quando produz cultura.


II. A literatura é manifestação cultural de alta elaboração do código verbal.
III. O homem não nasce humano, torna-se humano.
IV. A literatura deve ser usada para conferir ao homem o poder de aculturação.

Estão corretas as afirmativas:

a) I, II e III.
b) II e IIII.
c) II e IV.
d) II, III e IV.

3. Segundo ZILBERMAN, podemos afirmar:

I. A dimensão individual da leitura é caracterizada porque cada um pode ler


o mesmo livro.
II. A dimensão social da leitura ocorre porque a sociedade discrimina os
letrados dos iletrados.
III. A dimensão individual do processo de leitura mascara a dimensão social.
IV. O uso das tecnologias na alfabetização caracteriza a dimensão social do
processo de leitura.

Estão corretas as afirmativas:

a) I, III e IV.
b) I, II, III e IV.
c) II e III.
d) II, III e IV.
62

4. Relacione a coluna da direita de acordo com a da esquerda:

I. Zilberman ( ) O futuro leitor está presente no ato da produção


textual pelo autor.
II. Bosco ( ) A leitura é processo fonológico e semântico.

III. Geraldi ( ) A palavra humaniza o homem.

IV. Freire ( ) A leitura é competência não inata dos indivíduos.

V. Fischer ( ) O leitor significa a linguagem e é capturado por ela.

Assinale a alternativa que apresenta a ordem correta dos enunciados, de cima para
baixo:

a) I, IV, V, III, II.

b) II, V, III, I, IV.

c) III, V, IV, I, II.

d) III, IV, V, I, II.


63

5. Acerca dos exemplos de diferentes finalidades de leitura realizadas pelo


escriba, por Jonas e por Andrópolis citados na Unidade, podemos afirmar:

I. Um mesmo texto literário pode servir às três finalidades (do escriba, de


Jonas e de Andrópolis).
II. Um mesmo texto literário serve a apenas uma das três finalidades (ou
à do escriba, ou à de Jonas, ou à de Andrópolis).
III. A alfabetização deve privilegiar a literatura infantil de acordo com a
finalidade exemplificada por Jonas.
IV. A alfabetização deve privilegiar a literatura infantil que sirva às três
finalidades.

Estão corretas as afirmativas:

a) I e III.
b) I e IV.
c) II e III.
d) III e IV.
64

UNIDADE 2
65

ATIVIDADE FORUM

O que é a literatura infantil? Você já se fez esta pergunta?


Qual o papel que a literatura infantil deve ocupar no currículo da escola de
educação infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental?
Reflita sobre o papel, usos e funções que literatura infantil adquire nas
escolas...
 A leitura é realizada ao final da aula, naqueles minutos finais ou, é realizada
no início da aula em razão do componente curricular de linguagem oral e
escrita;
 Os livros lidos para os alunos são escolhidos em razão dos conteúdos
desenvolvidos nos demais componentes curriculares (para tratar de uma
temática como reciclagem, animais, flores, os planetas, rios, geometria,
gênero textual – lenda, conto, carta, bilhete,...);
 A sala de leitura, quando existe – fica na última sala do prédio escolar, depois
da sala de vídeo e da sala de informática;
 O universo de contos de fadas lido para as crianças é restrito. Giram em torno
dos mesmos títulos;
 Muitos professores não gostam de ler Contos de Fadas para as crianças
porque consideram a linguagem erudita e assim, distante do universo das
crianças.

Como você vê o uso da literatura infantil nas escolas? Pensa diferente? Vê a


realidade de outra maneira? Teça suas considerações e poste-as no fórum.
66
67

LITERATURA INFANTIL

A CONSTITUIÇÃO DO GÊNERO
Maria Luiza I. Suguinoshita

As referências históricas acerca da origem da literatura infantil, segundo


LAJOLO e ZILBERMAN6, 2011, nos remetem a Charles Perrault que no século XVII
coleta contos e lendas da Idade Média e os publica com adaptações, dirigindo-se ao
publico infantil. Segundo as autoras, trata-se da publicação da obra os Contos da
Mamãe Gansa, cujo título original era Histórias Ou Narrativas Do Tempo Passado
Com Moralidades, em 1697, dedicada ao herdeiro da Coroa francesa. Curioso,
relatam elas, foi o fato de Perrault já reconhecido intelectual atribuir a obra a seu
filho mais moço, pois um membro da Academia Francesa não podia se permitir a
escrever uma obra popular.

Antes disso, haviam sido escritas apenas histórias que vieram mais tarde ser
consideradas adequadas também à infância, as Fábulas, de La Fontaine, editadas
entre 1668 e 1694. Assim Perrault inaugura o gênero de produçao de obras infantis
e dentre estes, uma predileção pelos contos de fadas:

Perrault não é responsável apenas pelo primeiro surto de literatura


infantil, cujo impulso inicial determina, retroativamente, a
incorporação dos textos citados de La Fontaine e Fénelon. Seu livro
provoca também uma preferência inaudita pelo conto de fadas,
literarizando uma produção até aquele momento de natureza popular
e circulação oral, adotada doravante como principal literatura infantil.
(LAJOLO e ZILBERMAN, 2011)7.

66 Trata-se de versão digital sem paginação;


7 Ibid.
68

Naquela época, ao final da Idade Média, época de turbulência social, ainda


vigorava o Feudalismo, as crianças eram consideradas adultos em miniatura e,
portanto, não havia infância. Assim, se não havia infância, não havia criança, não
havia livro para criança. Estas, conviviam com os adultos em mesmos espaços, pois
não havia distinção entre eles.

É interessante observar o que STONE apud ZILBERMAN8 nos relata, pois, a


concepção de infância que temos hoje decorrente de atenção e cuidados era
inconcebível para aquele período:

...as crianças nessa época: não recebiam qualquer atenção


particular, nem gozavam de um status diferenciado, verificando-se
ainda altas taxas de mortalidade
infantil, quando do parto ou em
“É como entretenimento, aventura tenra idade.
estética e subjetiva, reordenação os próprios
Do mesmo modo,
conceitos e vivências que a literatura oferece RICHTER apud ZILBERMAN9
aos pequenos, padrões de leitura do mundo”. afirma:
(Cademartori, 2010, p.8)
Na sociedade antiga, não havia
a “infância”: nenhum espaço
separado do “mundo adulto”. As crianças trabalhavam e viviam junto
com os adultos, testemunhavam os processos naturais da existência
(nascimento, doença, morte), participavam junto deles da vida
pública (política), nas festas, guerras, audiências, execuções, etc.,
tendo assim seu lugar assegurado nas tradições culturais comuns:
na narração de histórias, nos cantos, nos jogos.

Os laços entre mãe e filho se estabeleciam também de forma diferenciada do


que a nossa cultura. Havia naquela época, segundo GADAMER apud ZILBERMAN10,

8 Literatura Infantil na Escola, disponível em


https://books.google.com.br/books?id=dqhcBAAAQBAJ&pg=PT98&lpg=PT98&dq=a+constitui%C3%A
7%C3%A3o+da+literatura+infantil&source=bl&ots=nySTAhpLup&sig=Rc9sz5lVT0u7dDIg6kKctwDMl
O4&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwi76L_-
yJTPAhWDHJAKHVbEAJE4ChDoAQg9MAU#v=onepage&q=a%20constitui%C3%A7%C3%A3o%20d
a%20literatura%20infantil&f=false, acessado em 17/09/2016.
9 Ibid.
10 Ibid.
69

luta desesperada pela sobrevivência. A este respeito existencial, STONE apud


ZILBERMAN11 nos auxilia a termos uma imagem mais esclarecida:

As crianças eram frequentemente negligenciadas, tratadas


brutalmente e até mortas; muitos adultos tratavam-se
mutuamente com suspeita e hostilidade; o afeto era baixo e
raro. […] A falta de uma única figura materna nos primeiros
dois anos de vida, a perda constante de parentes próximos,
irmãos, pais, amas e amigos devido a mortes prematuras, o
aprisionamento físico do infante em fraldas apertadas nos
primeiros meses e a deliberada quebra da vontade infantil, tudo
contribuiu para um “entorpecimento psíquico”, que criou muitos
adultos, cujas resposta aos outros eram, no melhor dos casos,
de indiferença calculada e, no pior, uma mistura de suspeita e
hostilidade, tirania e submissão, alienação e violência.

À família era conferida concepção bastante diversa da que concebemos a ela


atualmente. De acordo com ZILBERMAN12:

A estrutura designada como família moderna é um acontecimento do


Século das Luzes. Diferentes historiadores coincidem na afirmação
de que foi ao redor de 1750 que se assistiu ao término de um
processo iniciado no final da Idade Média, com a decadência das
linhagens e a desvalorização dos laços de parentesco, e culminou
com a formação de uma modalidade familiar unicelular, amante da
privacidade e voltada à preservação das ligações afetivas entre pais
e filhos.

11 Ibid.

12 op.cit.
70

O sistema de
linhagens e
clientela
Que coisa é o livro? Que contém na sua
predominou na
Europa durante frágil arquitetura aparente?
a Idade Média,
São palavras, apenas, ou é a nua
vinculado ao
modelo feudal. exposição de uma alma confidente?
Centralizado
na preservação De que lenho brotou? Que nobre instinto
de amplas
da prensa fez surgir esta obra de arte
relações de
parentesco, que vive junto a nós, sente o que sinto
vigora sempre
que se tem e vai clareando o mundo em toda parte?

como meta a
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
manutenção da
propriedade e
a transmissão
da herança.
Supõe, pois, a supremacia de uma classe aristocrática, proprietária
de terras, que amplia sua dominação pela expansão dos vínculos
familiares. O casamento é um de seus principais instrumentos, de
modo que dele se excluem os laços afetivos, devendo atender, antes
de tudo, às prerrogativas do grupo. (2) Por isso, inexiste a noção de
privacidade ou vontade individual, já que o chefe da família
centraliza o todo e defende seus interesses, assim como está
ausente uma solidariedade especial entre os cônjuges ou as
gerações.

Na Idade Moderna as crianças começaram a ser vistas como tal e começa a


ser construída uma configuração de infância com características específicas, faixa
etária definida, interesses e necessidades próprias. É desse período as teorias
científicas sobre a criança e os aspectos que envolvem este período da vida.
71

Rousseau, em O Emílio, narrou a criança como um período especial de vida,


suas necessidades de cuidado e de educação acompanhada de um preceptor.
Decorrente de seus estudos, surgem os internatos e aqueles que podem, enviam as
crianças para estas instituições nas quais as crianças são privadas do mundo adulto,
cuidadas em sua fragilidade, introduzidas às normas e ideologias dominantes e
despojadas de poder.

A partir desse período, a unidade celular familiar torna-se mais fortalecida, o


afeto familiar é reforçado e o bem-estar da criança é buscado pela mãe, acima de
qualquer coisa. Esta configuração ocorre devido ao fenômeno da urbanização que
move a população do campo para as cidades, a luta social de classes consolida a
classe social burguesa que disputa o poder político, a decadência do poder feudal
ainda atuante e estimula um modo de vida mais doméstico com um modelo de
família de pai, provedor; mãe, cuidadora do lar; criança, beneficiária, detentora então
de atenção e valorização.

Mas o caminho para isso foi decorrente do contexto econômico determinado


pelo cuidado com a oferta de mão-de-obra. As crianças da classe burguesa, devido
ao grande número de mortes, têm suas amas de leite substituídas pelas suas
próprias mães e as famílias operárias que não podem se privar do trabalho operário
das mulheres, servem-se das instituições filantrópicas que surgem para este fim,
afinal as crianças estavam nas ruas. Segundo LAJOLO e ZILBERMAN13 (2011).,

a criança passa a deter um novo papel na sociedade, motivando o


aparecimento de objetos industrializados (o brinquedo) e culturais (o
livro) ou novos ramos da ciência (a psicologia infantil, a pedagogia ou
a pediatria). Tira-se, desta maneira, o contingente infantil das
fábricas (mão-de-obra barata e disponível) e, quando este não está
sob a responsabilidade da mãe (confinando a mulher ao “interior”)
coloca-o na escola. A figura paterna passa então a ocupar tais
vagas, abandonando, desta maneira, sua antiga condição de
desempregado e potencial subversivo incômodo ao bom
funcionamento dos novos valores burgueses.

13 op.cit
72

Os primeiros livros infantis surgiram no final do século XVII e durante o século


XVIII, tendo por finalidade a função pragmática de dominar a criança. A escola,
conduzindo a criança para o respeito às normas vigentes da classe burguesa
dominante e a literatura infantil, por vezes, servindo aos mesmos fins,
desconsiderava interesses e necessidades das crianças e jovens. A literatura tinha,
portanto, caráter dogmático, moralista, com o objetivo único de educar as crianças
de acordo com a visão do adulto. Assim também se consolida a escola como a
instituição que versará a ideologia dominante.

A produção das obras literárias também foi desenvolvida simultaneamente na


Inglaterra, referência comercial e marítima na época, país em crescente
desenvolvimento econômico e industrial, detentor de matéria prima e mercado
consumidor em expansão, que teve no século XVIII expansão da produção de livros
e proliferação de gêneros literários. O gênero literatura infantil se estabelece como
necessário à modernidade a fim da manutenção de um mercado consumidor
adquirindo condição de mercadoria. Conforme LAJOLO e ZILBERMAN14, de origem
francesa em Perrault, é na Inglaterra que a literatura infantil encontra sua difusão.

Dessa maneira, num contexto que marcou a história por transformações


políticas, economicas e sociais, de construção de novos valores de estado, família e
criança, impulsionadas pela industrialização e urbanização, a literatura infantil se
constitui marcadamente pelo caráter educativo auxiliando a escola a dominar a
criança e valorizar a ideologia social dominante.

Observe-se que nessa época a escola torna-se obrigatória, e que, diferente


do que se possa conotar, os livros de literatura infantil constituem-se em objeto de
consumo – a mercadoria – que necessita de consumidores, no caso, de leitores
infantis, que para se tornarem aptos ao consumo de tais produtos, necessitam
frequentar a escola para aprender a ler. Laços vinculantes entre a literatura infantil e
a escola estão presentes até os dias de hoje e trazem consequências para a
significação desta literatura na própria escola, no mundo da arte e inclusive na
sociedade. Tal condição é tratada por LAJOLO e ZILBERMAN15:

14 op.cit
15 op.cit
73

Esses aspectos geram, em contrapartida, a desconfiança de setores


especializados da teoria e da crítica literárias, quando confrontados à
literatura infantil. Permeável às injunções do mercado e à
interferência da escola, aquele gênero revela uma franqueza a que
outros podem se furtar, graças a simulações bem-sucedidas ou a
particularidades que os protegem de uma entrega fácil à ingerência
de fatores externos. É essa sinceridade, resultante, todavia, de uma
opção mercenária, que o tornam constrangedor: de um lado, porque
tantas concessões interferem com frequência demasiada na
qualidade artística dos textos; de outro, porque denuncia que, sem
concessões de qualquer grau, a literatura não subsiste como ofício.
Deixa claro que a liberdade de criação é relativa, e que é enquanto
relatividade — fato que abre lugar para a mediação do leitor e/ou do
público no processo de elaboração de um texto — que a literatura
conquista seu sentido, pois somente assim se socializa, convivendo
com aspirações comunitárias.

No século XIX, na Alemanha, os Irmãos Grimm seguem Perrault e também


coletam contos populares.
Citamos aqui as obras / autores bem sucedidos deste período inicial de
construção do gênero literatura infantil, que lhederam consistência e são citados por
LAJOLO e ZILBERMAN16 (2011):

Publicação Autor Obra Conteúdo


1697 Charles Perrault Contos da Mamãe Gansa Contos
1719 Daniel Defoe Robinson Crusoé Romance de
1726 Jonathan Swift Viagens de Gulliver Aventuras
1812 Irmãos Grimm Contos de Fadas Contos
1833 Hans Christian Andersen Contos
Histórias
1863 Lewis Carrol Alice no País das Maravilhas
Fantásticas
1883 Collodi Pinóquio
1911 James Barrie Peter Pan
1826 James Fenimore Cooper O Último dos Moicanos Histórias de
1863 Jules Verne Cinco Semanas num Balão Aventuras/espaços
1876 Mark Twain As Aventuras de Tom Sawyer exóticos/jovens
1882 Robert Louis Stevenson A Ilha do Tesouro audazes
1886 Condessa de Ségur As Meninas Exemplares
Temas do
1816 Cônego von Schmid Os ovos de Páscoa
Cotidiano tendo a
1869 Louise M. Allcott Mulherzinhas
vida diária como
1881 Johana Spiry Heidi
centro de interesse
1886 Edmond De Amicis Coração

16 op.cit
74

PLUFT, O FANTASMINHA
Em cena, só Pluft, o menino-fantasma simpaticíssimo e que morria de medo de gente, e
Maribel, a menina que tinha sido raptada pelo pirata Perna-de-Pau e levada para uma casa
abandonada, por acaso a residência da família Fantasma. Ela acaba de acordar de um
desmaio, porque deu de cara com o fantasminha. O momento é de muita tensão... Ela,
menos medrosa, acaba começando um diálogo:

Maribel (tensa) Como é que você se chama?

Pluft (tenso) Pluft. E você?

Maribel Eu sou Maribel.

Pluft Você é gente, não é?

Maribel Sou. E você?

Pluft Eu sou fantasma.

Maribel Fantasma mesmo?

Pluft Fantasma mesmo . Minha mãe também é fantasma.

Maribel (relaxando) Engraçado... de você eu não tenho medo!...

Pluft (idem) Nem eu de você. Engraçado...

Mãe (de dentro) Pluft!

Pluft É minha mãe. Com licença. O que é, mamãe?

Mãe Com quem você está falando?

Pluft Com Maribel.

Mãe Com quem?

Pluft (gabando-se) Ora, mamãe, com gente. (Aproximando-se mais da menina, com ar de
velha amizade.) Com Maribel.

Mãe Ah! Então ela já acordou?

Maribel Mas sua mãe também é fantasma?

Pluft Claro, ora!( Ofendido.) Você queria que ela fosse peixe?!

MACHADO, Maria Clara. Pluft, o fantasminha. São Paulo: Companhia das Letrinhas,
2002, Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me004666.pdf,
acessado em 18/09/2016.
75

LITERATURA INFANTIL NO BRASIL

LAJOLO e ZILBERMAN17 (2011) relatam que “[...] história da literatura


brasileira para a infância só começou tardiamente, nos arredores da proclamação da
República”.

Neste período as posições abolicionistas e a política econômica que favorecia


o café necessitava de mercado consumidor interno, portanto, de uma classe
intermediária até aquele momento inexistente no Brasil. Este cenário contribuiu para
a criação de classes sociais formadas por aqueles imigrantes que não se adaptaram
à lavoura cafeeira, empregados da comercialização do café, funcionários públicos e
alguns restantes da classe outrora dominante, entre outros.

No período da Primeira República tivemos as seguintes obras publicadas


segundo LAJOLO e ZILBERMAN18:

Publicação Obra Autor

1856 O Canário Cônego Von Schmid


1858 A Cestinha de Flores Cônego Von Schmid
1860 Os Ovos de Páscoa Cônego Von Schmid
1882 Contos Seletos das Mil e Uma Noites Tradução: Carlos Jansen
1885 Robinson Crusoé Tradução: Carlos Jansen
1886 Contos Infantis Julia Lopes de Almeida e Adelina
Lopes Vieira
1888 Viagens de Gulliver Tradução: Carlos Jansen
1891 As Aventuras do celebérrimo Barão Tradução: Carlos Jansen
de Münchhausen
1891 Cuore Tradução: Joao Ribeiro
1893 Coração Zalina Rolim
1894 Contos da Carochinha (Contos de Adaptação: Figueiredo Pimentel
Andersen, Grimm, Perrault)
1896 Histórias da Avozinha19 (Contos de Adaptação: Figueiredo Pimentel
Andersen, Grimm, Perrault)

17 op.cit

18 op.cit

19Acesse Histórias da Avozinha, disponível em


http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000137.pdf, acessado em 17/09/2016.
76

1896 Histórias da Baratinha (Contos de Adaptação: Figueiredo Pimentel


Andersen, Grimm, Perrault)
1897 Livro das Crianças Zalina Rolim e João Köpke
1901 Dom Quixote De La Mancha Tradução: Carlos Jansen
1904 Contos Pátrios Olavo Bilac e Coelho Neto
1904 Poesias Infantis Olavo Bilac
1905 Revista Tico-Tico Luís Bartolomeu de Souza e Silva
1907 Histórias da Nossa Terra Julia Lopes de Almeida
1909 Os Nossos Brinquedos Alexina de Magalhães Pinto
1910 A Festa das Aves Arnaldo Barreto, Teodoro de Moraes
e Ramon Roca
1910 Através do Brasil Olavo Bilac e Manuel Bonfim
1912 Alma Infantil Francisca Julia e Julio Silva
1914 Reino das Aves Presciliana D. de Almeida
1915 Biblioteca Infantil Melhoramentos Arnaldo de Oliveira Barreto
(O Patinho Feio, de Andersen, foi o
primeiro volume)
1916 A Árvore Julia Lopes Almeida e Adelina Lopes
Vieira
1916 Cantigas das Crianças e Danças Alexina de Magalhães Pinto
Populares
1917 Era uma vez Julia Lopes de Almeida
1917 Provérbios Populares, Máximas e Alexina de Magalhães Pinto
Observações Usuais e Anexo -
Esboço Provisório de uma Biblioteca
Infantil
1919 Saudade Tales de Andrade

Tais obras foram as pioneiras no Brasil. Umas correspondiam a traduções e


adaptações de obras europeias, outras de caráter nacionalista de enaltecimento à
Pátria (sua fauna e sua flora) e outra parcela objetivava repassar valores morais às
crianças.

Às vésperas da Segunda República, em 1920, Monteiro Lobato publica A


Menina do Narizinho Arrebitado e em 1938, Viriato Correia, Cazuza, marcando o
início da literatura infantil brasileira.
77

Monteiro Lobato era crítico das obras europeias e em A Menina do Narizinho


Arrebitado narra cenários e personagens de característica cultural brasileira, em que
se destaca O Sítio do Picapau Amarelo que enfatiza a vida no campo e seus
aspectos rurais.

Lobato contou em seus livros as lendas do nosso folclore como a Iara, a Mula
Sem Cabeça e Saci-Pererê. São seus os famosos personagens: Emília, a boneca de
pano; Dona Benta, a avó de Narizinho, a menina do nariz arrebitado e Pedrinho,
moleque inteligente e esperto; Tia Nastácia, a fiel companheira de Dona Benta; o
Visconde de Sabugosa, o Marquês de Rabicó, o Rinoceronte Quindim, Burro
Falante, Doutor Caramujo, a Cuca, Tio Barnabé e outros.

No Sítio construído por Monteiro Lobato tudo pode acontecer – viajar em


cometas, morar no fundo do mar, desaparecer e aparecer ao usar o pó de
“pirlimpimpim”... Dessa maneira, retrata o país de simplicidade local rural em obras
nas quais seus personagens vivem “casos” e aventuras, como O Sítio do Picapau
Amarelo, Reinações de Narizinho, Fábulas de Narizinho, Memórias de Emília,
Caçadas de Pedrinho, Viagem ao Céu. Outros livros de Lobato com referência ao
“Sítio” e seus personagens, de caráter curricular, são publicados Histórias do Mundo
para Crianças, Emília no País da Gramática, Aritmética da Emília, Geografia de
Dona Benta, Serões de Dona Benta, História das Invenções, O Poço do Visconde e
A Reforma da Natureza.

Conforme vimos, tanto na Europa quanto no Brasil, o público a que se


destinava a literatura infantil não era considerado pelos autores das obras, haja visto
a linguagem utilizada e mesmo as suas temáticas. O primeiro a preocupar-se com
uma linguagem apropriada para o público infantil foi Monteiro Lobato que introduz a
oralidade no texto escrito e nos permite afirmar que sob esta perspectiva, ele
inaugura o gênero no Brasil. Podemos verificar isto em VASQUES20

Lobato também cria que a língua portuguesa usada no Brasil


devesse ser compreendida pelos brasileiros. Por isso o narrador

20 VASQUES, Cristina M., Uma Viagem Pela Intertextualidade Em Reinações De Narizinho,


disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp022917.pdf, acessado em
17/09/2016.
78

conta, em Reinações de Narizinho, sobre a maneira de ler de D.


Benta:

Como quase todos os livros para crianças que há no Brasil são muito
sem graça, cheios de termos do tempo do Onça ou só usados em
Portugal, a boa velha lia traduzindo aquele português de defunto em
língua do Brasil de hoje. Onde estava, por exemplo, “lume”, lia “fogo”;
onde estava “lareira”, lia “varanda”.

Monteiro Lobato não apenas dominou o mercado brasileiro como também a


criatividade autoral por cerca de duas décadas e foi modelo para muitos outros.
Porém nem todos conseguiram inovar e adequar-se a nova realidade que se
impunha.

Apenas no final do século XX segundo LAJOLO e ZILBERMAN21 (2011) se


adotam políticas públicas
voltadas para o fomento da
literatura infantil, em que se
percebeu grande investimento
no aumento de títulos e inovações
quanto à veiculação, abertura de
livrarias,
desenvolvimento de comércio
especializado, expansão
do número de escritores e
ilustradores, atenção de autores
consagrados ao púbico
infantil.

Em 1986, segundo CADEMARTORI, 2010, p. 7, é criado o programa Salas de


Leitura e se estabelece a relação de dependência mútua entre mercado editorial e
governo, iniciando a distribuição de livros de literatura infantil pelo Ministério da
Educação. Estava dado o start para o boom editorial voltado à publicação do livro
infantil.

21 op.cit.Não consta página por se tratar de versão digital


79

A literatura infantil, de acordo com CADEMARTORI, se constituiu em um


gênero historicamente situado entre dois sistemas, o literário e a educação.
Segundo o prisma literário foi considerado o “primo pobre” e do prisma educacional
destacou-se em razão da assunção do papel da escola na formação dos leitores.
De todo modo, o mercado do livro infantil atraiu e continua atraindo nos dias de hoje
uma gama de autores de alto prestígio na publicação e lançamento de novos e bons
títulos dirigido às crianças.
80

OS SETE CORVOS
Irmãos Grimm

Era uma vez um homem que tinha sete filhos, todos meninos, e vivia
suspirando por uma menina. Afinal, um dia, a mulher anunciou-lhe que estava mais
uma vez esperando criança.

No tempo certo, quando ela deu à luz, veio uma menina.

Foi imensa a alegria deles. Mas, ao mesmo tempo, ficaram muito


preocupados, pois a recém-nascida era pequena e fraquinha, e precisava ser
batizada com urgência. Então, o pai mandou um dos filhos ir bem depressa até a
fonte e trazer água para o batismo.

O menino foi correndo e, atrás dele, seus seis irmãos.

Chegando lá, cada um queria encher o cântaro primeiro; na disputa, o cântaro


caiu na água e desapareceu.

Os meninos ficaram sem saber o que fazer.

Em casa, como eles estavam demorando muito, o pai disse, impaciente:

— Na certa, ficaram brincando e se esqueceram da vida!

E, cada vez mais angustiado, exclamou com raiva:

— Queria que todos eles se transformassem em corvos!

Nem bem falou isso, ouviu um ruflar de asas por cima de sua cabeça e,
quando olhou, viu sete corvos pretos como carvão passando a voar por cima da
casa.

Os pais fizeram dè tudo para anular a maldição, mas nada conseguiram;


ficaram tristíssimos com a perda dos sete filhos. Mas, de alguma forma, se
consolaram com a filhinha, que logo ficou mais forte e foi crescendo, cada dia mais
bonita.
81

Passaram-se anos. A menina nunca soube que tinha irmãos, pois os pais
jamais falaram deles.

Um dia, porém, escutou acidentalmente algumas pessoas falando dela:

— A menina é muito bonita, mas foi por culpa dela que os irmãos se
desgraçaram...

Com grande aflição, ela procurou os pais e perguntou-lhes se tinha irmãos, e


onde eles estavam.

Os pais não puderam mais guardar segredo. Disseram que havia sido uma
predestinação do céu, mas que o batismo dela fora a inocente causa.

A partir desse momento, não se passou um dia sem que a menina se


culpasse pela perda dos irmãos, pensando no que fazer para salvá-los. Não tinha
mais paz nem sossego.

Um dia, ela fugiu de casa, decidida a encontrar os irmão onde quer que eles
estivessem, nesse vasto mundo, custasse o que custasse. Levou consigo apenas
um anel de seus pais como lembrança, um pão grande para quando tivesse fome,
um cantil de água para matar a sede e um banquinho para quando quisesse
descansar.

Foi andando, andando, se afastando cada vez mais, e assim chegou ao fim
do mundo. Então, foi falar com o sol. Mas ele era assustador, quente demais e
comia crianças.

A menina fugiu e foi falar com a lua. Ela era horrorosa, mais fria que o gelo, e
também comia crianças. Quando viu a menina, disse com um sorriso mau:

— Hum, hum... que cheirinho bom de carne humana!

A menina se afastou correndo e foi falar com as estrelas.

Encontrou-as sentadas, cada uma na sua cadeirinha. Todas elas foram


bondosas e amáveis com ela. A Estrela D'alva ficou em pé e lhe deu um ossinho de
frango, dizendo:
82

— Sem este ossinho, você não poderá abrir a Montanha de Cristal, e é na


Montanha de Cristal que estão seus irmãos.

A menina pegou o ossinho, embrulhou-o num pedaço de pano, e de novo se


pôs a andar.

Andou, andou e afinal chegou na Montanha de Cristal.

O portão estava fechado; quando desembrulhou o paninho para pegar o osso,


ele estava vazio! Ela havia perdido o presente da estrela... E agora, o que fazer?
Queria salvar os irmãos, mas não tinha mais a chave da Montanha de Cristal. Sem
pensar muito, meteu o dedo indicador dentro do buraco da fechadura e girou-o, mas
o portão continuou fechado. Então, pegou uma faca em sua trouxinha, cortou fora
um pedaço do dedo mindinho, meteu o pedaço do dedo na fechadura: felizmente, o
portão se abriu. Assim que ela entrou, um anãozinho veio a seu encontro:

— O que esta procurando, minha menina?

— Procuro meus irmãos, os sete corvos.

— Os senhores corvos não estão em casa e vão se demorar bastante. Mas,


se quiser esperar, entre e fique à vontade.

Assim dizendo, o anãozinho foi para dentro e voltou trazendo a comida dos
corvos em sete pratinhos, e a bebida em sete copinhos.

A menina comeu um bocadinho de cada prato e bebeu um golinho de cada


copo, mas deixou cair o anel que trouxera dentro do último copinho.

Nesse momento, ouviu-se um zunido e um bater de asas no ar.

— São os senhores corvos que vêm vindo - explicou o anãozinho.

Eles entraram, quiseram logo comer e beber e se dirigiram para seus pratos e
copos. Então um disse para o outro:

— Alguém comeu no meu prato! Alguém bebeu no meu copo! E foi boca
humana!
83

E quando o sétimo corvo acabou de beber a última gota de seu copo, o anel
rolou até o seu bico. Ele reconheceu o anel de seus pais e exclamou:

— Queira Deus que nossa irmãzinha esteja aqui! Então, estaremos salvos!

Ao ouvir esse pedido, a menina, que estava atrás da porta, saiu e foi ao
encontro deles.

Imediatamente, os corvos recuperaram sua forma humana.

Abraçaram-se e se beijaram na maior alegria e, muito felizes, voltaram todos


para casa.

Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me001614.pdf, acessado em


17/09/2016.
84

A ESCOLHA DE LIVROS PARA CRIANÇAS

A fim de tratarmos da Literatura Infantil se faz necessário que se configure o


campo de que estamos tratando. Temos a considerar acerca da literatura infantil que
uma obra é caracterizada como sendo destinada às crianças por adultos tendo em
vista o que a sociedade concebe acerca de infância e criança. Tendo em vista estas
concepções, o adulto classifica a obra considerando-a adequada ao leitor infantil ou
não. Nesse caso, estão em juízo entre outros aspectos, a temática abordada, a
forma de abordagem do tema, a linguagem utilizada, as ilustrações que compõem a
obra e também o “veículo” (papel ou outro material, tipo de encadernação, por
exemplo).

A escrita de livros para crianças não é menos difícil que a escrita de livros
para adultos. Muitos chegam a levantar tal hipótese por conceber a criança como
algo menor. No entanto, não é qualquer livro que serve à criança. Não é qualquer
livro que podemos considerar como sendo literário. Há critérios que nos fazem
escolher um livro que dedicamos a uma criança assim como há critérios que fazem
um autor e um ilustrador produzirem um livro destinado a esse público.

Há hoje à nossa disposição um universo de livrarias (sem falar nos sites) com
seções específicas de literatura infantil que são subdivididas ainda em faixas etárias
(livros para bebês, para crianças até 3 anos, de 4 a 6,...) e ainda por gênero (ficção,
não ficção, quadrinhos, exatas, humanas, culinária, auto-ajuda,...) e outras
classificações (os mais vendidos, os lançamentos, os pré-venda, os interativos, os
colecionáveis,...). Enfim, são tantas classificações que se não soubermos
exatamente o que queremos, temos dificuldade em escolher um título dentre eles.

As obras destinadas ao público infantil passaram por transformações nas


últimas décadas e trouxeram para a constituição de sua identidade atual o cenário
urbano, a oralidade, o uso do coloquial, a consideração de uma postura crítica do
público infantil, o recurso à intertextualidade, temáticas referentes a realidade social
(diversidade, gênero, inclusão social, conceito de família, sustentabilidade e outros),
temáticas acerca da existência humana (morte, separação, solidão, medo, por
exemplo). As imagens ou ilustrações que acompanham o texto recebem atenção
especial desde a concepção da obra em parte considerável do acervo destinado ao
85

público infantil o que lhe confere papel especial na constituição do título. Os


cuidados com a estética, acabamento e materiais utilizados no acabamento da obra
formam um conjunto e não apenas um veículo portador do texto.

No entanto, é preciso cuidar do exemplar que colocamos à disposição das


crianças, pois se há no mercado muitas obras de excelente qualidade e de
excelentes autores e ilustradores, o contrário também ocorre e muitas vezes nos
deparamos com instituições realizando aquisições de inúmeros títulos de qualidade
bastante questionável. Assim, CADEMARTORI, 2010, p. 32 - 38, nos auxilia
apresentado alguns critérios de escolha segundo a qualidade do livro de literatura
infantil. Segundo ela, “bons livros de literatura infantil mantêm algumas
características”:

1) O uso da linguagem em sua possibilidade estética e lúdica é fundamental –


deve afastar-se do comum. “O livro permite que a criança perceba a força
criativa da palavra ou da imagem?”...Todo livro para criança faz isso? Não. Só
aqueles em que o autor conhece seu ofício e não subestima as dificuldades
de um gênero em que apenas o leitor é menor;

2) Apreciação do projeto gráfico, tendo em vista sua adequação e seu potencial


de apelo à criança, características presentes apenas nos livros de concepção
criativa;

3) Tamanho, tipo da fonte e espaçamento entre linhas a fim de garantir a


legibilidade;

4) Em que medida a obra permite ao leitor infantil identificar o universo de


referência do livro? Os elementos da narrativa podem ser apreendidos pelo
leitor? Há possibilidade do leitor se identificar com personagens, espaços e
tempos?;

5) A obra permite ao leitor que antecipe possibilidades existenciais que ainda


não experimentou? Traz algo de novo ao leitor? Favorece alcance de novas
informações ou conceitos?

Continua a autora afirmando critérios de escolha no caso das poesias que


merecem todo cuidado. Recomenda o exame das relações de som, os chamados
86

jogos de som e, por conseguinte, os jogos com os sentidos (estimulados pelos jogos
de som).

Ao tratarmos de literatura infantil nos dias atuais não podemos deixar de falar
no fenômeno Harry Potter que fez uma legião de fãs e de leitores. Um outro livro
muito citado pelo público é o Diário de um Banana, nada comparado à saga de
Harry Potter, mas tem seus leitores cativos, assim como As Crônicas de Nárnia.

Geração Harry Potter


O segredo do feliz encontro dos jovens e a saga dos bruxos,

marco da literatura de ficção


por Mário Corso
publicado 14/09/2011-09h48,
última modificação 15/09/2011 20h43

O observador desavisado pode pensar o fenômeno Harry Potter apenas como


um investimento bilionário da indústria cultural. De fato foi, mas só depois de ter
trilhado um caminho solitário, com tropeços e sem outro incentivo que não o de ter
tocado o coração dos seus primeiros leitores. Foi na base de uma difusão boca a
boca que esse livro, de uma autora estreante, conseguiu seus pequenos
admiradores.

Claro, depois da história se provar viável, a mídia investiu forte e fez dela o
que é: marco literário da ficção para jovens. Podemos inclusive falar que existe uma
“geração Harry Potter”. São jovens que estão hoje ao redor dos seus 20 anos, que
nasceram em torno da década de 90 e
pegaram a onda quando chegavam à
puberdade ou no começo da adolescência.
Em razão de que outras marcas ideológicas
entraram em declínio, tornou-se comum as
pessoas se referenciarem e identificarem na
condição de consumidoras de certas obras
literárias. O universo que J.K. Rowling criou
é sem dúvida uma delas, mas esse
fenômeno é partilhado por fãs, até então
87

mais velhos, de sagas como Star Trek, O Senhor dos Anéis ou Star Wars, a galáxia
distante de George Lucas. As crianças que celebrizaram o bruxinho de Rowling,
além de habitar esse complexo reino mágico, o acompanharam enquanto ele nascia,
com cada livro e filme aguardados ansiosamente. Ou seja, trata-se de uma geração
e uma série que cresceram juntas.

Mas o que podemos aprender com o fenômeno Harry Potter? Se ele


realmente fez eco em tantos é impossível que não traduza questões que estão
postas para esses jovens. Uma resposta para esse encontro feliz entre obra e
geração está no mais óbvio: a busca da magia, mas entender o que significa essa
magia é algo que requer um esforço a mais.

Max Weber notava que a marca mais forte da modernidade foi o


desencantamento do mundo, no sentido do pensamento mágico que revestia o
cotidiano, a cultura e o raciocínio dos antepassados. O declínio das religiões e o
avanço do pensamento científico reposicionaram o homem ante o cosmo. Mas,
infelizmente, as promessas do iluminismo, da ciência, da razão, falharam.

ESPAÇO MÁGICO

Acreditávamos num mundo racional, no qual, graças ao avanço das ciências,


as paixões humanas perniciosas estariam dominadas, mas o que realmente vivemos
foram duas guerras mundiais que devastaram a Europa, supostamente o lugar mais
avançado. Acrescentem-se a isso Hiroshima, Auschwitz, totalitarismos e a Guerra
Fria, com sua possibilidade de um desastre nuclear em que todos perderiam. O
século XX é um cemitério de promessas, como então seguir confiando em tais
ideais? Assim, o apelo ao mágico dessa série ganha contornos de uma crítica
nostálgica ao nosso tempo. A sobrevivência da barbárie tornou inegável que ainda
existem fatos obscuros nos homens e na sociedade, que a ciência e a razão não
conseguem explicar suficientemente. Representando uma forma lúdica de lidar com
esse lado sombrio, a literatura nos restou como o único espaço possível da magia.

Acompanhando os acontecimentos do mundo dos bruxos e as batalhas de


Potter, fica claro que Rowling está em busca de circunscrever o mal. Afinal, uma das
questões que está em aberto é sobre a essência do mal. O que ele seria? Como
88

entendê-lo e principalmente, como contê-lo? Haja feitiços suficientes para neutralizar


e tentar reparar um século tão trágico como o XX!

Especialmente no Brasil, temos uma dificuldade com a ficção de inspiração


mágica. Nossa literatura é essencialmente realista, com poucas exceções, e nosso
pensamento político lhe faz eco. A ideia de fundo é: como, com tantos problemas
sociais, poderíamos reforçar o pensamento mágico, já que este nos afastaria da
nossa difícil realidade?

Por sorte os jovens não aceitaram essa prevenção absurda, que não capta a
essência das possibilidades da fantasia. O mundo fantástico permite outra forma de
apreensão da realidade e não um afastamento. Quem imagina o mundo encantado
de Rowling como refúgio idílico onde encontraremos as bondades do Papai Noel vai
se sentir traído: ele é mais assustador e perigoso que o nosso. Não existem
concessões, meio termo, nem ilhas de sossego. O que encontramos lá é uma luta
política contínua, com traições, mortes e golpes baixos a todo o momento. Os heróis
dessa saga sofrem sem tréguas e a mensagem é que só o engajamento e a disputa
corajosa podem resolver seus destinos e os daquele reino.

Apesar de usar o acervo mitológico clássico com tempero gótico, é muito


provável que o cerne mítico que está embutido em Harry Potter seja indissociável da
experiência europeia com o nazismo. Filosoficamente, a Segunda Guerra é uma
ferida não supurada, ainda não a entendemos em todos os seus mecanismos.
Acredito que a geração de agora, por meio dessa obra, a recebe de maneira indireta
e mítica, por ser a primeira que não foi tocada diretamente pelos seus tentáculos de
horror, perplexidade e luto.

Harry Potter trilhará o mesmo caminho de Peter Pan, Pinóquio, Alice, Dorothy
e tantos outros, figurando entre os heróis infantis de todos os tempos. Seu sucesso
provavelmente não se repetirá com tanta força nas próximas gerações, primeiro
porque tem o sabor do ethos da que passou e também porque, por se tornar um
clássico, essa história será conhecida e recomendada pelos adultos. As crianças
gostam de compartilhar com seus pais as histórias que as encantaram, mas também
gostam de ter um universo onde elas saibam mais, onde elas sejam mestras dos
caminhos. Para a primeira geração, foi uma experiência de independência: seus pais
89

não eram iniciados nos assuntos do bruxinho, já para os filhos desta, talvez ele se
torne personagem de uma história familiar.

Há algumas décadas, Umberto Eco ponderava sobre o que aconteceria caso


um professor universitário pedisse a seus alunos que fossem tão dedicados a um
assunto qualquer quanto eles eram devotos ao mundo enciclopédico de Tolkien. Ele
não seria seguido e certamente arranjaria uma briga e tanto. Talvez, o que
possamos dizer sobre isso é que esses universos mágicos nos apaixonam também
porque não somos obrigados a entrar. A porta está aberta e espiamos por suspeitar
que ali vamos nos divertir, nos assustar e ter contato com dimensões do humano
que só a literatura nos proporciona.
Mário Corso é psicanalista e autor, entre outros, de Psicanálise na Terra do Nunca: Ensaios
sobre a Fantasia, escrito com Diana Corso (Artmed)

Disponível em http://www.cartacapital.com.br/educacao/geracao-harry-potter, acessado em


11/09/2016
90

OS CONTOS DE FADAS

Há algum tempo em nossa experiência na Educação que enfrentamos alguns


questionamentos acerca da leitura dos contos de fadas para crianças. Há aqueles
que pensam ser este tipo de leitura inadequada para as crianças de modo que é
preciso estabelecer um diálogo acerca das questões que cercam os Contos de
Fadas.

Vimos que a origem da Literatura Infantil se estabeleceu vinculado a este


gênero textual e todos temos conhecimento de que tais contos abordam no
desenvolver das tramas, temas da existência humana sobre os quais ainda
enfrentamos dificuldade em tratar com as crianças, temas como a morte, separação,
solidão e abandono, por exemplo.

Talvez esse já seja o primeiro motivo pelo qual devêssemos aproximar as


crianças dos contos de fadas. Porém, é em BETTELHEIM22 (2002), que
encontramos maiores fundamentos para tanto. Segundo ele, “Hoje, como no
passado, a tarefa mais importante e também mais difícil na criação de uma criança é
ajudá-la a encontrar significado na vida” e é, nesse sentido que ele entende a
contribuição maior que os contos de fada podem conferir ao indivíduo, o seu
conteúdo não é superficial favorecendo o que ela mais necessita neste estágio de
desenvolvimento.

BETTELHEIM observa que depois dos pais (ou aqueles que criam a criança),
as experiências de vida que mais contribuem para que a criança atribua significado à
vida é a literatura por ser capaz de canalizar nossa herança cultural ao indivíduo.
Acrescenta que os contos de fadas não prendem apenas a atenção da criança, as
contribuições vão além. Elas ajudam a criança a desenvolver seu intelecto de modo
que torne claras as suas emoções, ansiedades e aspirações de forma harmoniosa,
como também reconhecer suas dificuldades e soluções para os problemas
existenciais da vida. Os contos de fadas sendo lidos na infância ajudam a criança a

22 BETTELHEIM, B. A Psicanálise dos Contos de Fadas, 2002. Versão digital, sem paginação,
disponível em http://www.usp.br/cje/anexos/pierre/apsicanalisefadas.pdf, acessado em 18/09/2016,
91

crescer atuando no inconsciente de modo a formar uma imagem sobre temas


existenciais. Quando necessário, o inconsciente atuará sobre o consciente
fornecendo o aparato necessário para que a criança enfrente os problemas de sua
vida.

São problemas interiores que normalmente os livros não tratam, mas os


contos de fadas, sim: medo, envelhecimento, morte, separação, isolamento, solidão,
maldade, abandono, perda, derrota, a necessidade de crescer, a necessidade de se
isolar por um tempo, a necessidade do afastamento, o fato de que não somos
eternos, o fato de que a felicidade não é eterna, por exemplo.

Apesar de os contos de fadas encerrarem seus textos com o final consagrado


“... e viveram felizes para sempre” na verdade ensinam que o que importa é o
estabelecimento de uma boa relação com os outros:

[...] os contos de fadas colocam o dilema de desejar viver


eternamente ao concluir ocasionalmente: "Se eles não morreram,
ainda estão vivos". O outro final - "E viveram felizes para sempre" -
não engana a criança nem por um momento quanto à possibilidade
de vida eterna. Mas indica realmente a única coisa que pode extrair o
ferrão dos limites reduzidos do nosso tempo nesta terra: construir
uma ligação verdadeiramente satisfatória com outra pessoa. Os
contos ensinam que quando uma pessoa assim o fez, alcançou o
máximo, em segurança emocional de existência e permanência de
relação disponível para o homem; e só isto pode dissipar o medo da
morte. Se uma pessoa encontrou o verdadeiro amor adulto, diz
também o conto de fadas, não necessita desejar a vida eterna. Isto é
sugerido por outro final muito comum: "Eles viveram por um longo
tempo, felizes e satisfeitos". (BETTELHEIM23, 2002)

Para o auto de A Psicanálise dos Contos de Fadas, as leituras deste gênero


textual também propiciam que as crianças dominem problemas psicológicos do
crescimento como o medo de ser amado, narcisismo, complexo de édipo, rivalidades
fraternas, dependência infantil, isolamento:

23 op.cit
92

Para dominar os problemas psicológicos do crescimento – superar


decepções narcisistas, dilemas edípicos, rivalidades fraternas, ser
capaz de abandonar dependências infantis; obter um sentimento de
individualidade e de autovalorização, e um sentido de obrigação
moral - a criança necessita entender o que está se passando dentro
de seu eu inconsciente. Ela pode atingir essa compreensão, e com
isto a habilidade de lidar com as coisas, não através da compreensão
racional da natureza e conteúdo de seu inconsciente, mas
familiarizando-se com ele através de devaneios prolongados -
ruminando, reorganizando e fantasiando sobre elementos adequados
da estória em resposta a pressões inconscientes. Com isto, a criança
adequa o conteúdo inconsciente às fantasias conscientes, o que a
capacita a lidar com este conteúdo. É aqui que os contos de fadas
têm um valor inigualável, conquanto oferecem novas dimensões à
imaginação da criança que ela não poderia descobrir
verdadeiramente por si só. Ainda mais importante: a forma e
estrutura dos contos de fadas sugerem imagens à criança com as
quais ela pode estruturar seus devaneios e com eles dar melhor
direção à sua vida. (grifo nosso)

Se prestarmos bastante atenção veremos que os tempos atuais estão


regados de problemas de origem interna como distúrbios do sono e depressão.
Uma criança que cresça em condições de enfrentar tais problemas será uma criança
melhor preparada para enfrentamento da realidade atual, haja visto também o
número significativo de famílias que opta por ter um filho somente. Assim,
BETTELHEIM24 afirma:

O herói do conto de fadas mantém-se por algum tempo em


isolamento, assim como a criança moderna com frequência se sente
isolada. O herói é ajudado por estar em contato com coisas primitivas
- uma árvore, um animal, a natureza - da mesma forma como a
criança se sente mais em contato com essas coisas do que a maioria
dos adultos. O destino destes heróis convence a criança que, como
eles, ela pode-se sentir rejeitada e abandonada no mundo, tateando
no escuro, mas, como eles, no decorrer de sua vida ela será guia do

24 op.cit.
93

passo a passo e receberá ajuda quando necessário. Hoje, ainda


mais do que no passado, a criança necessita o reasseguramento
oferecido pela imagem do homem isolado que, contudo, é capaz de
conseguir relações significativas e compensadoras com o mundo a
seu redor.

BETTELHEIM afirma que os contos de fadas tratam de problemas éticos de


modo sutil e assim a criança é levada a ver vantagens na adoção de comportamento
moral. SCHILLER apud BETTELHEIM25 fez a seguinte assertiva: “Há maior
significado profundo nos contos de fadas que me contaram na infância do que na
verdade que a vida ensina”.

Os contos de fadas colocam a criança frente ao lado desagradável da vida de


modo a mostrar a ela que viver não é uma postura unilateral, mas que temos
dificuldades, insucessos, raiva, ansiedade. Porém, este tipo de leitura tem o mesmo
princípio que a psicanálise, diz o autor,

A psicanálise foi criada para capacitar o homem a aceitar a natureza


problemática da vida sem ser derrotado por ela, ou levado ao
escapismo. A prescrição de Freud é de que só lutando
corajosamente contra o que parecem probabilidades sobrepujantes o
homem pode ter sucesso em extrair um sentido da sua existência

É dessa forma que os contos de fadas tratam de polarizar o bem e o mal


mesmo que na vida real as pessoas não sejam integralmente boas ou más. Ao
polariza o bem e o mal, facilitam a escolha da criança – de que lado querem estar.
BETTELHEIM afirma que tal escolha ocorre não pelo fato da personagem ser boa ou
má, mas pelo fato dela escolher “Com quem quer parecer”, ou seja, com a projeção
– o apelo - que a condição do herói traz consigo.

O contato da criança com os contos de fada permite que ela, portanto, crie
uma compreensão maior de si mesma, crescendo com oportunidades de ampliar
suas capacidades e potencialidades de conhecer melhor o outro e o mundo que a
cerca, compreendendo melhor os problemas existenciais e assim, com condições
maiores de resolvê-los ou enfrenta-los.

25 Ibid.
94

Uma consideração que não podemos nos privar de registrar:

Enquanto diverte a criança, o conto de fadas a esclarece sobre si


mesma, e favorece o desenvolvimento de sua personalidade.
Oferece significado em tantos níveis diferentes, e enriquece a
existência da criança de tantos modos que nenhum livro pode fazer
justiça à multidão e diversidade de contribuições que esses
contos dão à vida da criança. (grifo nosso) (BETTELHEIM, 2002)

A Literatura Infantil de modo geral é alvo hoje de debate com relação ao seu
status. Por ter ela se originado com caráter doutrinador, servindo à escola e por este
motivo manter ainda fortes vínculos pedagógicos difíceis de serem desatados, sofre
com a incompreensão de dialogar com o território das artes. No entanto, é fácil
encontrarmos aqueles que reconhecem a literatura infantil como uma obra de arte.
BETTELHEIM26 ao analisar os contos de fadas, tece esta consideração:

O conto de fadas não poderia ter seu impacto psicológico sobre a


criança se não fosse primeiro e antes de tudo uma obra de arte.
Os contos de fadas são ímpares, não só como uma forma de
literatura, mas como obras de arte" integralmente compreensíveis
para a criança, como nenhuma outra forma de arte o é. Como
sucede com toda grande arte, o significado mais profundo do conto
de fadas será diferente para cada pessoa, e diferente para a mesma
pessoa em vários momentos de sua vida. (grifo nosso)

26 op.cit.
95

A LITERATURA INFANTIL NOS PRIMEIROS ANOS


Ao tratarmos do conceito de cultura, na unidade 1, fizemos referência à teoria
de Vygotsky segundo a qual o homem necessita aprender padrões de
comportamento para se tornar humano. Afirmamos que é por meio das interações
sociais que o homem se torna falante da língua de seu povo e também aprende
outros padrões comportamentais assim como normas, atitudes que essa sociedade
valoriza, assim como toda a sua cultura.

A primeira instituição encarregada dessa tarefa é a família e a segunda, é a


escola, a instituição constituída socialmente para a transmissão do saber
historicamente acumulado, às novas gerações. Do contrário, sem a interação social,
o desenvolvimento da criança estaria prejudicado. Você já deve ter ouvido falar no
menino lobo, Victor de Aveyron, que por falta da convivência com falantes não tinha
desenvolvido a fala até por volta dos onze anos, quando foi encontrado em um
bosque da França, em 1789. Outras causas podem provocar o afastamento de uma
criança da vida social e privá-la de interações que lhe favoreceriam o
desenvolvimento.

Crianças pequenas que ainda não leem têm acesso à literatura por meio das
imagens dos livros. Há livros, inclusive, com imagens apenas. Ainda, mesmo que
contenham a palavra escrita, podem “ler não convencionalmente”. Importante
ressaltar que devemos deixar que as crianças “leiam” os livros “a seu modo” quando
ainda não sabem ler convencionalmente. Ou ainda, elas podem contar com um bom
leitor de histórias. Neste caso, importante se faz esclarecer que estamos nos
referindo a um bom leitor e não a um contador de histórias. Ler histórias para
crianças tem objetivos diferentes de contar histórias.

Quando as crianças ouvem histórias – lidas ou contadas, estão entrando em


contato com a linguagem simbólica, se constituindo enquanto sujeitos, se
descobrindo e tendo referências sobre quem elas querem ser. Elas podem interagir
com o imaginário, desenvolver emoções e sentimentos que contribuem para seu
desenvolvimento emocional por meio de temas importantes como medo, morte,
susto, tristeza, saudade.
96

Quando lemos histórias para as


crianças, especialmente as
Mesmo que não saibam
narrativas que são o primeiro contato das
ler convencionalmente, as
crianças com a linguagem escrita, elas
crianças podem e devem ler
vão adquirindo um repertório sobre como
cotidianamente.
a linguagem escrita se organiza. Este modo de
organização é bastante diferente da linguagem
oral. Alguns de nós, no percurso da vida escolar, provavelmente já ouviu um
professor falar que escrever é fácil: “é como falar, só que é no papel”.

Porém, isto é uma distorção, pois escrever não é como falar. Pelo contrário, é
bem diferente. Para lermos uma poesia ou uma história para a criança, cada
palavra, artigo, preposição, substantivo, adjetivo, verbo, predicativo do sujeito, enfim
cada elemento do enunciado deve estar ali registrado, ainda que a criança nem
saiba de qual elemento gramatical se trate. Também não estaremos dizendo a ela
que o verbo concorda com o sujeito, que a oração é subordinada ou coordenada.
Mas a criança, no uso social da linguagem, tem oportunidade de aprender como a
linguagem formal se organiza. Realizar adaptações nos textos de modo a evitar
certos vocábulos ou mesmo evitar textos por conta do léxico só contribui para o
empobrecimento da interação da criança com a linguagem.

Da mesma maneira, desnecessária se faz a realização de uma série de


perguntas acerca do texto lido. Quando as crianças são maiores, acabam por se
afastar dos momentos de leitura justamente porque sabem que depois delas
seguirão os “questionários” ou as fichas de leitura que muitas vezes perguntam
apenas obviedades. A leitura se processa na significação do texto em que estão em
jogo conhecimentos sobre o autor, sobre o tema, sobre a linguagem e sobre o
gênero. Eis o importante papel da leitura de bons textos.

Acreditar que ler para as crianças “desenvolve o seu raciocínio e lhes oferece
a ampliação do vocabulário” como afirmam muitos, seria restringir a leitura a um
papel muito restrito aquém de sua real importância e possibilidade. Outros alegam
que ler para as crianças desperta nelas o gosto pela leitura. Façamos um parêntese
– uma criança que ouve todos os dias uma leitura com “carga moral”, “politicamente
correta” – vai se aprender a gostar de ler? A leitura de livros para crianças permite
97

que elas construam a sua identidade, constituam-se de valores. Para


BETTELHEIM27,
[...] para enriquecer sua vida, deve estimular-lhe a imaginação:
ajudá-la a desenvolver seu intelecto e a tornar claras suas emoções;
estar harmonizada com suas ansiedades e aspirações; reconhecer
plenamente suas dificuldades e, ao mesmo tempo, sugerir soluções
para os problemas que a perturbam. Resumindo, deve de uma só
vez relacionar-se com todos os aspectos de sua personalidade - e
isso sem nunca menosprezar a criança, buscando dar inteiro crédito
a seus predicamentos e, simultaneamente, promovendo a confiança
nela mesma e no seu futuro.

Se o professor lê diferentes textos, gêneros de diversas situações


comunicativas, a criança se aproxima desses gêneros e vai aprendendo sobre a sua
cultura, vai aprendendo quais usos a sua cultura faz acerca da leitura, quais usos e
funções sociais a leitura adquire e então sim, se houve uma escolha adequada da
leitura a ser feita para as crianças, se a escolha foi criteriosa, se as crianças se
sentiram envolvidas e curiosas, se aproximarão cada vez mais dos livros e com
certeza se formarão boas leitoras.

As crianças precisam ouvir histórias nas quais encontrem envolvimento.


Como dissemos, de início, as muito pequenas vão se aproximar pelas imagens,
pelas cores, pelo jogo das palavras, pelo som que produzem ou pelo ritmo e
musicalidade que a leitura proporciona. Mais tarde se envolverão com o próprio
enredo.

É importante que no momento da leitura se estabeleça a dialogicidade para a


garantia de uma fala não homogênea afinal a vida é dialógica, não é preciso haver
homogeneidade. Existe o bem e o mal, o escuro e o claro, o gosto e o desgosto, o
quero e o não quero, o real e o não real, e é mais importante ainda que as crianças
aprendam a falar sobre as leituras e a ouvir as outras falas, assim poderão, ao
menos saber que sua voz não é a única. Além disso, a leitura propicia sim o
alargamento do conhecimento. A aproximação com o modo de viver de outros
povos. O conhecimento sobre costumes, valores, comportamentos de outras

27 op. cit
98

culturas do seu tempo e de outros tempos e de outros lugares. Permite o acesso à


sua história, à história de sua gente.
99

ATIVIDADE

Caro aluno, chegou o momento de realizarmos as atividades de conclusão desta


unidade. Leia e faça o que se pede em cada uma das questões.
1. Quanto à origem da Literatura Infantil, podemos afirmar:
I. A Literatura Infantil em suas origens nos Contos de Fadas de Perrault.
II. A Literatura Infantil em suas origens se agrega à escola na função de
dominar a criança.
III. A Literatura Infantil se origina juntamente com o conceito de infância.
IV. A Literatura Infantil se origina juntamente com o conceito de Contos de
Fadas.
Estão corretas as afirmativas:
a) I e II.
b) I, II e III.
c) I. III e IV.
d) II e III.

2. Quanto às origens da Literatura Infantil no Brasil, podemos afirmar:


I. Necessitou da formação de mercado consumidor.
II. As primeiras obras nacionais foram publicadas no Brasil por ocasião da
vinda da Família Real e inauguração da Impensa Régia.
III. A Literatura Infantil Brasileira nasceu com os Contos de Fadas.
IV. A Literatura Infantil Brasileira tem origem no Período Republicano.

Estão corretas as afirmativas:


a) I e II.
b) I e IV.
c) II e III.
d) II e IV.
100

3. Acerca das obras de Monteiro Lobato,


I. Introduz a oralidade nos textos escritos.
II. Critica a língua portuguesa (de Portugal).
III. Inova a Literatura Infantil ao ilustrá-las.
IV. Critica o do de vida rural brasileiro.
Estão corretas as afirmativas:
a) I e II.
b) I, II e III.
c) II e III.
d) II, III e IV.

4. Segundo BETTELHEIM, os Contos de Fadas


I. Ajudam a criança a encontrar significado na vida.
II. Atuam no inconsciente de modo a formar uma imagem sobre temas
existenciais.
III. O final “viveram felizes para sempre” simboliza para a criança a
possibilidade da vida eterna.
IV. Têm valor inigualável por oferecer novas dimensões à imaginação da
criança.
Estão corretas as afirmativas:
a) I e II.
b) I, II e III.
c) I, II e IV.
d) II e IV.
101

5. Quanto à relação dos livros com as crianças pequenas,


I. É importante que as crianças tenham livros à sua disposição somente
quando souberem ler convencionalmente.
II. É importante ler diariamente para as crianças textos que tragam
consigo um ensinamento moral.
III. É importante ler para as crianças pequenas somente os livros que
tragam o lado bom da vida.
IV. Mesmo que não saibam ler as crianças aprendem sobre a linguagem
ao ouvir as histórias lidas pelos mais velhos.

Estão corretas as afirmativas:


a) Somente I.
b) Somente II.
c) Somente III.
d) Somente IV.
102

UNIDADE 3
103

ATIVIDADE FORUM

Memória de Livros*
João Ubaldo Ribeiro

Aracaju, a cidade onde nós morávamos no fim da década de 40, começo da de 50, era
a orgulhosa capital de Sergipe, o menor Estado brasileiro (mais ou menos do tamanho da
Suíça). Essa distinção, contudo, não lhe tirava o caráter de cidade pequena, provinciana e
calma, à boca de um rio e a pouca distância de praias muito bonitas. Sabíamos do mundo
pelo rádio, pelos cinejornais que acompanhavam todos os filmes e pelas revistas nacionais. A
televisão era tida por muitos como mentira de viajantes, só alguns loucos andavam de avião,
comprávamos galinhas vivas e verduras trazidas à nossa porta nas costas de mulas, tínhamos
grandes quintais e jardins, meninos não discutiam com adultos, mulheres não usavam calças
compridas nem dirigiam automóveis e vivíamos tão longe de tudo que se dizia que, quando
o mundo acabasse, só íamos saber uns cinco dias depois.

Mas vivíamos bem. Morávamos sempre em casarões enormes, de grandes portas,


varandas e tetos altíssimos, e meu pai, que sempre gostou das últimas novidades
tecnológicas, trazia para casa tudo quanto era tipo de geringonça moderna que aparecia.
Fomos a primeira família da vizinhança a ter uma geladeira e recebemos visitas para
examinar o impressionante armário branco que esfriava tudo. Quando surgiram os primeiros
discos long-play, já tínhamos a vitrola apropriada e meu pai comprava montanhas de
gravações dos clássicos, que ele próprio se recusava a ouvir, mas nos obrigava a escutar e
comentar.

Nada, porém, era como os livros. Toda a família sempre foi obcecada por livros e às
vezes ainda arma brigas ferozes por causa de livros, entre acusações mútuas de furto ou
apropriação indébita. Meu avô furtava livros de meu pai, meu pai furtava livros de meu avô,
eu furtava livros de meu pai e minha irmã até hoje furta livros de todos nós. A maior casa
onde moramos, mais ou menos a partir da época em que aprendi a ler, tinha uma sala
reservada para a biblioteca e gabinete de meu pai, mas os livros não cabiam nela — na
104

verdade, mal cabiam na casa. E, embora os interesses básicos dele fossem Direito e História,
os livros eram sobre todos os assuntos e de todos os tipos. Até mesmo ciências ocultas,
assunto que fascinava meu pai e fazia com que ele às vezes se trancasse na companhia de
uns desenhos esotéricos, para depois sair e dirigir olhares magnéticos aos circunstantes, só
que ninguém ligava e ele desistia temporariamente. Havia uns livros sobre hipnotismo e,
depois de ler um deles, hipnotizei um peru que nos tinha sido dado para um Natal e que,
como jamais ninguém lembrou de assá-lo, passou a residir no quintal e, não sei por que, era
conhecido como Lúcio. Minha mãe se impressionou porque, assim que comecei meus passes
hipnóticos, Lúcio estacou, pareceu engolir em seco e ficou paralisado, mas meu pai — talvez
porque ele próprio nunca tenha conseguido hipnotizar nada, apesar de inúmeras tentativas
— declarou que aquilo não tinha nada com hipnotismo, era porque Lúcio era na verdade
uma perua e tinha pensado que eu era o peru.

Não sei bem dizer como aprendi a ler. A circulação entre os livros era livre (tinha que
ser, pensando bem, porque eles estavam pela casa toda, inclusive na cozinha e no banheiro),
de maneira que eu convivia com eles todas as horas do dia, a ponto de passar tempos
enormes com um deles aberto no colo, fingindo que estava lendo e, na verdade, se não me
trai a vã memória, de certa forma lendo, porque quando havia figuras, eu inventava as
histórias que elas ilustravam e, ao olhar para as letras, tinha a sensação de que entendia
nelas o que inventara. Segundo a crônica familiar, meu pai interpretava aquilo como uma
grande sede de saber cruelmente insatisfeita e queria que eu aprendesse a ler já aos quatros
anos, sendo demovido a muito custo, por uma pedagoga amiga nossa. Mas, depois que
completei seis anos, ele não aguentou, fez um discurso dizendo que eu já conhecia todas as
letras e agora era só uma questão de juntá-las e, além de tudo, ele não suportava mais ter
um filho analfabeto. Em seguida, mandou que eu vestisse uma roupa de sair, foi comigo a
uma livraria, comprou uma cartilha, uma tabuada e um caderno e me levou à casa de D.
Gilete.

— D. Gilete — disse ele, apresentando-me a uma senhora de cabelos presos na nuca,


óculos redondos e ar severo —, este rapaz já está um homem e ainda não sabe ler. Aplique
as regras.
105

"Aplicar as regras", soube eu muito depois, com um susto retardado, significava,


entre outras coisas, usar a palmatória para vencer qualquer manifestação de falta de
empenho ou burrice por parte do aluno. Felizmente D. Gilete nunca precisou me aplicar as
regras, mesmo porque eu de fato já conhecia a maior parte das letras e juntá-las me pareceu
facílimo, de maneira que, quando voltei para casa nesse mesmo dia, já estava começando a
poder ler. Fui a uma das estantes do corredor para selecionar um daqueles livrões com
retratos de homens carrancudos e cenas de batalhas, mas meu pai apareceu subitamente à
porta do gabinete, carregando uma pilha de mais de vinte livros infantis.

— Esses daí agora não — disse ele. — Primeiro estes, para treinar. Estas livrarias
daqui são umas porcarias, só achei estes. Mas já encomendei mais, esses daí devem durar
uns dias.

Duraram bem pouco, sim, porque de repente o mundo mudou e aquelas paredes
cobertas de livros começaram a se tornar vivas, frequentadas por um número estonteante
de maravilhas, escritas de todos os jeitos e capazes de me transportar a todos os cantos do
mundo e a todos os tipos de vida possíveis. Um pouco febril às vezes, chegava a ler dois ou
três livros num só dia, sem querer dormir e sem querer comer porque não me deixavam ler
à mesa — e, pela primeira vez em muitas, minha mãe disse a meu pai que eu estava maluco,
preocupação que até hoje volta e meia ela manifesta.

— Seu filho está doido — disse ela, de noite, na varanda, sem saber que eu estava
escutando. — Ele não larga os livros. Hoje ele estava abrindo os livros daquela estante que
vai cair para cheirar.

— Que é que tem isso? É normal, eu também cheiro muito os livros daquela estante.
São livros velhos, alguns têm um cheiro ótimo.

— Ele ontem passou a tarde inteira lendo um dicionário.

— Normalíssimo. Eu também leio dicionários, distrai muito. Que dicionário ele estava
lendo?

— O Lello.
106

— Ah, isso é que não pode. Ele tem que ler o Laudelino Freire, que é muito melhor.
Eu vou ter uma conversa com esse rapaz, ele não entende nada de dicionários. Ele está
cheirando os livros certos, mas lendo o dicionário errado, precisa de orientação.

Sim, tínhamos muitas conversas sobre livros. Durante toda a minha infância, havia
dois tipos básicos de leitura lá em casa: a compulsória e a livre, esta última dividida em dois
subtipos — a livre propriamente dita e a incerta. A compulsória variava conforme a
disposição de meu pai. Havia a leitura em voz alta de poemas, trechos de peças de teatro e
discursos clássicos, em que nossa dicção e entonação eram invariavelmente descritas como
o pior desgosto que ele tinha na vida. Líamos Homero, Camões, Horácio, Jorge de Lima,
Sófocles, Shakespeare, Euclides da Cunha, dezenas de outros. Muitas vezes não
entendíamos nada do que líamos, mas gostávamos daquelas palavras sonoras, daqueles
conflitos estranhos entre gente de nomes exóticos, e da expressão comovida de minha mãe,
com pena de Antígona e torcendo por Heitor na Ilíada. Depois de cada leitura, meu pai fazia
sua palestra de rotina sobre nossa ignorância e, andando para cima e para baixo de pijama
na varanda, dava uma aula grandiloquente sobre o assunto da leitura, ou sobre o autor do
texto, aula esta a que os vizinhos muitas vezes vinham assistir. Também tínhamos os
resumos — escritos ou orais — das leituras, as cópias (começadas quando ele, com grande
escândalo, descobriu que eu não entendia direito o ponto-e-vírgula e me obrigou a copiar
sermões do Padre Antônio Vieira, para aprender a usar o ponto-e-vírgula) e os trechos a
decorar. No que certamente é um mistério para os psicanalistas, até hoje não só os sermões
de Vieira como muitos desses autores forçados pela goela abaixo estão entre minhas leituras
favoritas. (Em compensação, continuo ruim de ponto-e-vírgula).

Mas o bom mesmo era a leitura livre, inclusive porque oferecia seus perigos. Meu pai
usava uma técnica maquiavélica para me convencer a me interessar por certas leituras. A
circulação entre os livros permanecia absolutamente livre, mas, de vez em quando, ele
brandia um volume no ar e anunciava com veemência:

— Este não pode! Está proibido! Arranco as orelhas do primeiro que chegar perto
deste daqui!

O problema era que não só ele deixava o livro proibido bem à vista, no mesmo lugar
de onde o tirara subitamente, como às vezes a proibição era para valer. A incerteza era
107

inevitável e então tínhamos momentos de suspense arrasador (meu pai nunca arrancou as
orelhas de ninguém, mas todo mundo achava que, se fosse por uma questão de princípios,
ele arrancaria), nos quais lemos Nossa vida sexual do Dr. Fritz Kahn, Romeu e Julieta; O livro
de San Michèle, Crônica escandalosa dos doze Césares, Salambô, O crime do Padre Amaro —
enfim, dezenas de títulos de uma coleção estapafúrdia, cujo único ponto em comum era o
medo de passarmos o resto da vida sem orelhas — e hoje penso que li tudo o que ele queria
disfarçadamente que eu lesse, embora à custa de sobressaltos e suores frios. Na área
proibida, não pode deixar de ser feita uma menção aos pais de meu pai, meus avós João e
Amália. João era português, leitor anticlerical de Guerra Junqueiro e não levava o filho muito
a sério intelectualmente, porque os livros que meu pai escrevia eram finos e não ficavam em
pé sozinhos. "Isto é merda", dizia ele, sopesando com desdém uma das monografias
jurídicas de meu pai. "Estas tripinhas que não se sustentam em pé não são livros, são uns
folhetos". Já minha avó tinha mais respeito pela produção de meu pai, mas achava que, de
tanto estudar altas ciências, ele havia ficado um pouco abobalhado, não entendia nada da
vida. Isto foi muito bom para a expansão dos meus horizontes culturais, porque ela não só
lia como deixava que eu lesse tudo o que ele não deixava, inclusive revistas policiais
oficialmente proibidas para menores. Nas férias escolares, ela ia me buscar para que eu as
passasse com ela, e meu pai ficava preocupado.

— D. Amália — dizia ele, tratando-a com cerimônia na esperança de que ela se


imbuísse da necessidade de atendê-lo —, o menino vai com a senhora, mas sob uma
condição. A senhora não vai deixar que ele fique o dia inteiro deitado, cercado de
bolachinhas e docinhos e lendo essas coisas que a senhora lê.

— Senhor doutor — respondia minha avó —, sou avó deste menino e tua mãe. Se te
criei mal, Deus me perdoe, foi a inexperiência da juventude. Mas este cá ainda pode ser
salvo e não vou deixar que tuas maluquices o infelicitem. Levo o menino sem condição
nenhuma e, se insistes, digo-te muito bem o que podes fazer com tuas condições e vê lá se
não me respondes, que hoje acordei com a ciática e não vejo a hora de deitar a sombrinha
ao lombo de um que se atreva a chatear-me. Passar bem, Senhor doutor.

E assim eu ia para a casa de minha avó Amália, onde ela comentava mais uma vez
com meu avô como o filho estudara demais e ficara abestalhado para a vida, e meu avô, que
108

queria que ela saísse para poder beber em paz a cerveja que o médico proibira, tirava um
bolo de dinheiro do bolso e nos mandava comprar umas coisitas de ler — Amália tinha
razão, se o menino queria ler que lesse, não havia mal nas leituras, havia em certos leitores.
E então saíamos gloriosamente, minha avó e eu, para a maior banca de revistas da cidade,
que ficava num parque perto da casa dela e cujo dono já estava acostumado àquela dupla
excêntrica. Nós íamos chegando e ele perguntava:

— Uma de cada?

— Uma de cada — confirmava minha avó, passando a superintender, com os olhos


brilhando, a colheita de um exemplar de cada revista, proibida ou não-proibida, que ia
formar uma montanha colorida deslumbrante, num carrinho de mão que talvez o homem
tivesse comprado para atender a fregueses como nós.

— Mande levar. E agora aos livros!

Depois da banca, naturalmente, vinham os livros. Ela acompanhava certas coleções,


histórias de Raffles, o ladrão de casaca, Ponson du Terrail, Sir Walter Scott, Edgar Wallace,
Michel Zevaco, Emil Salgari, os Dumas e mais uma porção de outros, em edições de
sobrecapas extravagantemente coloridas que me deixavam quase sem fôlego. Na livraria, ela
não só se servia dos últimos lançamentos de seus favoritos, como se dirigia imperiosamente
à seção de literatura para jovens e escolhia livros para mim, geralmente sem ouvir minha
opinião — e foi assim que li Karl May, Edgar Rice Burroughs, Robert Louis Stevenson, Swift e
tantos mais, num sofá enorme, soterrado por revistas, livros e latas de docinhos e
bolachinhas, sem querer fazer mais nada, absolutamente nada, neste mundo encantado. De
vez em quando, minha avó e eu mantínhamos tertúlias literárias na sala, comentando nossos
vilões favoritos e nosso herói predileto, o Conde de Monte Cristo — Edmond de Nantès!,
como dizia ela, fremindo num gesto dramático. E meu avô, bebendo cerveja escondido lá
dentro, dizia "ai, ai, esses dois se acham letrados, mas nunca leram o Guerra Junqueiro".

De volta à casa de meus pais, depois das férias, o problema das leituras compulsórias
às vezes se agravava, porque meu pai, na certeza (embora nunca desse ousadia de me
perguntar), de que minha avó me tinha dado para ler tudo o que ele proibia, entrava numa
programação delirante, destinada a limpar os efeitos deletérios das revistas policiais. Sei que
109

parece mentira e não me aborreço com quem não acreditar (quem conheceu meu pai
acredita), mas a verdade é que, aos doze anos, eu já tinha lido, com efeitos às vezes
surpreendentes, a maior parte da obra traduzida de Shakespeare, O elogio da loucura, As
décadas de Tito Lívio, D. Quixote (uma das ilustrações de Gustave Doré, mostrando
monstros e personagens saindo dos livros de cavalaria do fidalgo me fez mal, porque eu
passei a ver as mesmas coisas saindo dos livros da casa), adaptações especiais do Fausto e
da Divina comédia, a Ilíada, a Odisséia, vários ensaios de Montaigne, Poe, Alexandre
Herculano, José de Alencar, Machado de Assis, Monteiro Lobato, Dickens, Dostoievski,
Suetônio, os Exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola e mais não sei quantos outros
clássicos, muitos deles resumidos, discutidos ou simplesmente lembrados em conversas
inflamadas, dos quais nunca me esqueço e a maior parte dos quais faz parte íntima de minha
vida.

Fico pensando nisso e me pergunto: não estou imaginando coisas, tudo isso poderia
ter realmente acontecido? Terei tido uma infância normal? Acho que sim, também joguei
bola, tomei banho nu no rio, subi em árvores e acreditei em Papai Noel. Os livros eram
brincadeira como outra qualquer, embora certamente a melhor de todas. Quando tenho
saudades da infância, as saudades são daquele universo que nunca volta, dos meus olhos de
criança vendo tanto que se entonteciam, dos cheiros dos livros velhos, da navegação infinita
pela palavra, de meu pai, de meus avós, do velho casarão mágico de Aracaju.

Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me000500.pdf, acessado em 11/09/2016.

E então?... Vamos à nossa tarefa!

Trata-se de um jogo de memória: Procure se lembrar dos títulos de literatura que


você leu até hoje. De início foque os ditos livros de literatura infantil e depois amplie
atingindo os livros literários em geral, mas... lembre-se também dos autores dos livros.

O que está em jogo não é a quantidade de livros lidos, apenas o jogo de busca na
memória acerca de livros e autores.

Teça relatos acerca de um episódio de sua experiência com leituras... você já viu dois
relatos... um de Clarice Lispector e outro de João Ubaldo Ribeiro... Veja se consegue agregar
a sua memória acerca dos títulos lidos ao relato e poste-o no Fórum.
110
111

DE LEITURAS E LEITORES - A FORMAÇÃO DO LEITOR

O exercício da cidadania requer sujeitos que dominem a leitura a fim de que a


leitura da palavra, conforme FREIRE, lhes possibilite a leitura do mundo por meio do
acesso ao patrimônio cultural social e desenvolvimento cognitivo. Conforme
CADEMARTORI afirma:

A literatura, por sua vez, propicia uma reorganização das


percepções do mundo e, desse modo, possibilita uma nova
ordenação das experiências existentes da criança. A convivência
com textos literários provoca a formação de novos padrões e o
desenvolvimento do senso crítico (CADEMARTORI, 1986, p.18).

É o cidadão pleno de sua competência leitora que pode tomar consciência de


si, do seu mundo e de sua realidade que poderá tomar decisões conscientes frente
aos inúmeros problemas que lhe são colocados pela complexidade da vida social
moderna.

É a partir daí que se pode falar de leitor crítico. A


denominação, quando aplicada à criança, parece exorbitante. Priva-
se a criança de uma interação com o meio social e, posteriormente,
ela é considerada incapaz de assumir uma postura inquiridora.
Todavia, se o livro fornece condições para essa compreensão - de
seu mundo interior, num primeiro momento, como propõe Bruno
Bettelheim do real circundante, transcendendo o âmbito familiar —,
ele também proporciona a seu destinatário um lastro com base no
qual se funda uma concepção autônoma e, portanto, crítica da vida
exterior. (ZILBERMAN28)

Conforme os dados do Retratos da Leitura no Brasil de 2015, o nosso país é


país que lê pouco, no entanto, há brechas na pesquisa uma vez que não é apenas a
leitura de livros que fazem do sujeito um leitor na sociedade contemporânea.

Somos a tessitura dos textos e contextos que vivenciamos. Cada um de nós


contem em seu discurso o discurso do outro com quem dialogamos em nosso

28 op.cit.
112

percurso de vida. Assim é como vemos a literatura. Cada um leva em si um pouco


daquilo que leu e cada leitura se dá em razão também dessa tessitura.

Disponível em http://turmadamonica.uol.com.br/tirinhas/index.php?a=31, acessado em 19/09/2016.

Disponível em http://clubedamafalda.blogspot.com.br/, acessado em 19/09/2016.

Disponível em http://blogdoxandro.blogspot.com.br/2014/05/tiras-n5772-calvin-haroldo-
bill.html, acessado em 19/09/2016
.
113

Irmão menor Segredo BOLHAS


(Henriqueta Lisboa)
(Cecília Meireles)
(Pedro Bandeira)
Andorinha no fio
Olha a bolha d'água
Irmão menor escutou um segredo.
no galho!
É pior Foi à torre da igreja,
Olha o orvalho!
cochichou com o
que catapora Olha a bolha de vinho
sino.
na rolha!
irmãozinho
Olha a bolha!
é pior do que carniça, E o sino bem alto
Olha a bolha na mão
Delém-dem
É pior do que injeção. que trabalha!
Delém-dem
Olha a bolha de
Delém-dem
– Delém-dem!
sabão
na ponta da palha:
Mexe no que é meu,
brilha, espelha
rabisca meu caderno, Toda a cidade
e se espalha
ficou sabendo.
perde meu carrinho, Olha a bolha!
e eu fico de castigo Olha a bolha
O Menino que molha
se lhe dou um safanão. Maluquinho a mão do menino:
– (Ziraldo) A bolha da chuva da
“Ele tinha o olho calha !
É praga, é prega,
maior do que a barriga
é sarampo, é varicela! tinha fogo no rabo
– tinha vento nos pés
Chatice
E não venha umas pernas
(José Carlos Paes)
enormes (que davam para
achar estranho, abraçar o mundo)
Jacaré,
só porque dei uma surra e macaquinhos no
larga do meu pé
no danado do moleque sótão (embora nem
deixa de ser chato!
soubesse o que significava
que xingou o meu irmão. Se você tem fome,
macaquinho no sótão)
então vê se come
Ele era muito sabido
– só o meu sapato,
ele sabia de tudo
e larga do meu pé,
Eu posso xingar, a única coisa que ele
e volta pro seu mato,
Os outros não. não sabia
jacaré.
era como ficar quieto”

Existe hoje um grande acervo a nossa disposição a fim de que possamos


aproximar as crianças dos livros. Pensamos que as experiências de leitura devem
ser as mais agradáveis e ao mesmo tempo em que aconselhamos que a leitura seja
de escolha da criança, do mesmo modo aceitamos que ela também abandone a
114

leitura caso esta não a satisfaça. Veja o que PENNAC29 nos traz a respeito dos
Direitos do Leitor:

Direitos imprescritíveis do leitor


Daniel Pennac

Em matéria de leitura, nós, os leitores, nos concedemos todos os direitos, a


começar pelos que recusamos a essa gente jovem que pretendemos iniciar na
leitura:
1. O direito de não ler.
2. O direito de pular páginas.
3. O direito de não terminar um livro.
4. O direito de reler.
5. O direito de ler qualquer coisa.
6. O direito ao bovarismo.
7. O direito de ler em qualquer lugar.
8. O direito de ler uma frase aqui e outra ali.
9. O direito de ler em voz alta.
10. O direito de calar. (…)

Porque, se quisermos que um filho ou uma filha ou que os jovens leiam, é


urgente lhes conceder os direitos que proporcionamos a nós mesmos.

O direito de não ler

Como toda enumeração de "direitos" que se preze, esta dos direitos à leitura
deveria começar pelo direito de não ser usado — no caso, o direito de não ler —,
sem o que não se trataria de uma lista de direitos, mas de uma viciosa armadilha.

A maior parte dos leitores se concede cotidianamente o direito de não ler.


Sem macular nossa reputação, entre um bom livro e um telefilme ruim, o segundo

29 Extraído de: Como um romance,3 ª.ed. Rocco, 1993.Disponível em


http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me000500.pdf, acessado em 19/09/2016.
115

muitas vezes ganha, mesmo que preferíssemos confessar ser o primeiro. Além
disso, não lemos continuamente. Nossos períodos de leitura se alternam muitas
vezes com longas dietas, onde até a visão de um livro desperta os miasmas da
indigestão.

Mas o mais importante vem agora

Estamos cercados de uma grande quantidade de pessoas respeitáveis, às


vezes diplomadas, às vezes "eminentes" — entre os quais alguns possuem mesmo
belas bibliotecas —, mas que não leem, ou leem tão pouco que não nos viria jamais
a ideia de lhes oferecer um livro. Eles não leem. Seja porque não sintam
necessidade, seja porque tenham coisas demais para fazer (o que dá no mesmo é
que essas outras coisas os obturam ou os obnubilam), seja porque alimentem um
outro amor e o vivenciem de maneira absolutamente exclusiva. Enfim, essa gente
não gosta de ler. Nem por isso eles são menos frequentáveis, são mesmo muito
agradáveis de se frequentar. (Pelo menos não perguntam à queima-roupa nossa
opinião sobre o último livro que lemos, nos livram de suas reservas irônicas sobre
nosso romancista preferido e não nos consideram como alienados por não nos
termos precipitado sobre o último Tal, que acaba de sair pela Editora Coisa e ao
qual o crítico Duchmole fez os maiores elogios.) Eles são tão "humanos" quanto nós,
perfeitamente sensíveis às desgraças do mundo, atentos aos "direitos humanos" e
preocupados em respeitá-los dentro da sua esfera de influência pessoal, o que já é
muito. Mas eles não leem. Direito deles.

A ideia de que a leitura "humaniza o homem" é justa no seu todo, mesmo se


ela padece de algumas deprimentes exceções. Tornamo-nos um pouco mais
"humanos", entenda-se aí por um pouco mais solidários com a espécie (um pouco
menos "animais"), depois de termos lido Tchecov.

Mas evitemos vincular a esse teorema o corolário segundo o qual todo


indivíduo que não lê poderia ser considerado, em princípio, como um bruto potencial
ou um absoluto cretino. Nesse caso, faremos a leitura passar por obrigação moral, o
que é o começo de uma escalada que nos levará em seguida à "moralidade" dos
livros, em função de critérios que não terão qualquer respeito por essa outra
liberdade inalienável: a liberdade de criar. E então os brutos seremos nós, por mais
116

"leitores" que sejamos. E sabe Deus que não faltam brutos dessa espécie, no
mundo.

Em outras palavras, a liberdade de escrever não saberia se acomodar com o


dever de ler.

O dever de educar consiste, no fundo, no ensinar as crianças a ler, iniciando-


as na literatura, fornecendo-lhes meios de julgar livremente se elas sentem ou não a
"necessidade de livros". Porque, se podemos admitir que um indivíduo rejeite a
leitura, é intolerável que ele seja rejeitado por ela.

É uma tristeza imensa, uma solidão dentro da solidão ser excluído dos livros –
inclusive daqueles que não nos interessam.

Tendo lembrado das considerações de PENNAC, cremos que um bom leitor


dificilmente rejeitará uma boa leitura.
Com referência ao acervo existente hoje à nossa disposição temos a observar
que qualquer bom leitor fica entusiasmado em uma livraria ou biblioteca.
Primeiramente nos dedicamos a simplesmente observar o acervo, apreciar a
disposição dos livros, passear pelas prateleiras e tatear os lombos dos livros
enquanto procuramos algo ou nada, apenas para ter o prazer do toque nos livros.
Assim vamos interagindo com o acervo... Tateando suas inscrições... Conhecendo a
localização das obras, a disposição dos gêneros literários... Nos colocamos a
apreciar um ou outro volume que nos chama a atenção seja pelo título ou pelo
material com que foi produzido ou por qualquer outro critério. Não é tarefa fácil
acompanhar um bom leitor a um ambiente como esse. O tempo não existe para
esse leitor que se depara diante de um acervo literário... Em meio aos títulos que
encontramos hoje à disposição das crianças temos alguns a listar aqui cuja ordem
não segue qualquer critério:
117

 Coleção Gato e Rato – O Rabo do Gato, O


Pote de Melado e outros – Mary França e
Eliardo França; FADAS E BRUXAS

 A Limpeza de Teresa; Ora Fada, Ora Bruxa


Roseana Murray
– Sylvia Orthof;
 Marcelo, Marmelho, Martelo, O Reizinho
Metade de mim é fada,
Mandão, Nicolau tinha uma ideia - Ruth Rocha;
a outra metade é
 O Menino Maluquinho, Flicts, O Planeta
bruxa.
Lilás – Ziraldo;
Uma escreve com sol,
 A maior Flor do Mundo – José Saramago;
a outra escreve com a lua.
 Cavalgando o Arco-Íris – Pedro Bandeira;
Uma anda pelas ruas
 Ou Isto ou Aquilo – Cecília Meireles; cantarolando baixinho,
 Colo de Avó; Fio de Lua e Raio de Sol – a outra caminha de noite
Roseana Murray; dando de comer à sua
 A bruxinha, Nós, Suriléia - Mãe Monstrinha sombra.
– Eva Furnari; Uma é séria, a outra sorrí;
 Um Caldeirão de Poemas, O Caso dos uma voa, a outra é pesada.
Bolinhos – Tatiana Belinky; Uma sonha dormindo,

 A Bolsa Amarela, Retratos de Carolina – a outra sonha acordada.

Lygia Bojunga;
in Pêra, Uva ou Maçã, ed. Scipione,
 Mania de Explicação – Adriana Falcão; 2005

 As Crônicas de Nárnia – C. S. Lewis;


Disponível em
 Branca de Neve e as Sete Versões, Os Oito
http://www.roseanamurray.com/po
Pares de Sapatos de Cinderela – José Roberto emas.asp, acessado em

Torero; 19/09/2016.

 O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá – Jorge Amado;


 O Menino do Dedo Verde – Maurice Druon;
 Tudo bem ser diferente – Todd Parr;
 O Meu Pé de Laranja Lima – José Mauro de Vasconcelos;
 A Turma da Mônica – Maurício de Souza;
 Mafalda – Quino;
 Calvin e Haroldo - Bill Watterson.
118

Disponível em Disponível em http://leitura.com/10-melhores-


https://br.pinterest.com/pin/45746727462 livros-infantis/, acessado em 19/09/2016.
8044088/, acessado em 19/09/2016.

Disponível em
Disponível em
http://pactoslacucena.blogspot.com.br/p/leitura
https://br.pinterest.com/pin/471118810999717030/,
s-deleite.html, acessado em 19/09/2016.
acessado em 19/09/2016.

Disponí
Disponível em
vel em
https://br.pinterest.com/pin/451837775092864972/, acessado em
http://www.companhiadasletras.com.br/d
19/09/2016.
etalhe.php?codigo=40367, acessado em
19/09/2016.
Dentre as tarefas que se cobra da escola da atualidade, nenhuma pode se
transformar na mais prazerosa que a leitura literária, do nosso ponto de vista.
119

Aproveitamos para tecer algumas considerações a respeito da concepção que


temos acerca do papel da literatura na escola, da concepção de alfabetização e da
formação do professor que, sem serem revisitadas nos parece ser impossível
alcançarmos o objetivo da formação de leitores.

Quanto ao primeiro aspecto, acerca do papel da literatura na escola, temos


visto que a literatura por razões várias, desde as que asseveram a sua origem
vinculada à escola, tem sido utilizada com a finalidade de educar as crianças
transmitindo os valores morais e as normas socialmente aceitas a elas. Vemos
assim uma infinidade de títulos servindo a este fim e por outro lado, escolas e
professores reivindicando
obras que tratem destes valores e
Chega mais perto e contempla as
normas. Referimo-nos a
leituras palavras, escolhidas “a
dedo” com a finalidade de
transmitir aos Cada uma alunos valores
como bondade, solidariedade,
tem mil faces secretas sob a face neutra
amizade, boas maneiras,
atitudes cordiais, e pergunta, sem interesse pela resposta, obediência aos
pais, bons hábitos de
higiene, por
pobre ou terrível, que lhe deves: exemplo. Sendo
o livro restrito a Trouxeste a chave? uso deste modo,
obviamente tornar-se-á objeto
Carlos Drummond de Andrade
do qual as crianças quererão se afastar.

Da mesma maneira, vemos escolhas de leitura sendo realizadas tendo por


critério o conteúdo dos componentes curriculares que estão sendo estudados.
Nessa conformidade, os livros colocados nas mãos das crianças são aqueles que
tratam da reciclagem do lixo se o professor está desenvolvendo o conteúdo de
Ciências e Meio Ambiente; livro sobre o folclore, se estamos no mês de agosto; livro
dos animais se o conteúdo tratado é referente a eles; ou seja, o livro escolhido
necessariamente veicula informações acerca dos componentes curriculares que
estão sendo desenvolvidos nas aulas. Esta é outra forma de afastar as crianças dos
livros.
120

ZILBERMAN30 assevera:

A seleção dos textos advém da aplicação de critérios de


discriminação. O professor que se vale do livro para veiculação de
regras gramaticais ou normas de obediência e bom comportamento
oscilará da obra escrita de acordo com um padrão culto, mas adulto,
àquela criação que tem índole edificante. Todavia, é necessário que
o valor por excelência a guiar esta seleção se relacione à qualidade
estética, Porque a literatura infantil atinge o estatuto de arte literária e
de distancia de sua origem comprometida com a pedagogia, quando
apresenta textos de valor artístico a seus pequenos leitores; e não é
porque estes ainda não alcançaram o status de adultos que
merecem uma produção literária menor.

Uma segunda questão que nos interessa abordar é a concepção de


alfabetização. É interessante que por mais que o discurso acerca de uma
abordagem interacionista ou da teoria da enunciação esteja concretizada, a pratica
ainda nos revela grande distância com os fundamentos teóricos desta abordagem.

Há muito tempo que estamos discutindo as práticas didáticas, mas não fomos
capazes de construir uma práxis pedagógica coerente com as ideias de Vygotsky e
Bakhtim. É urgente revisitarmos as nossas práticas bem como os nossos
pressupostos teórico-metodológicos a fim de que sejamos coerentes. Para esses
autores a linguagem é uma atividade cultural e social e como tal se estabelece na
interação entre os sujeitos. Portanto, a alfabetização deveria considerar o ensino da
leitura e da escrita em situações de práticas sociais reais. Mas na escola ocorre um
ensino incoerente com este pressuposto. Só na escola os alunos constroem frases
descontextualizadas. Só na escola os alunos constroem frases para ficarem
registradas somente em seus cadernos, sem ter um leitor real. Só na escola os
alunos leem em voz alta sem ter um motivo real. Ensinar a ler e a escrever deveria
restringir-se a ensinar práticas discursivas.

Utilizar a literatura infantil como um pretexto para ensinar outros conteúdos


não é o mesmo que formar hábitos de leitura e formar um bom leitor. A literatura
infantil precisa estabelecer com a criança um diálogo para que possa constituir-se de

30 op. cit.
121

significado e prazer. Ensinar em práticas discursivas reais considera a existência de


um interlocutor e de uma dialogicidade.

Assim como na alfabetização e a escolha de livros, a prática didática que tem


por objetivo a formação de leitores precisa ser alterada a fim de não prejudicar a
consecução dos objetivos. Somente uma prática que considere a interação da
criança com a linguagem, realizada por meio dos livros em situações reais poderá
dar conta da formação de uma sociedade de leitores. As crianças precisam se
aproximar dos livros para interagir com eles. Precisamos propor situações em que o
livro adquira o papel de interlocutor, que assuma o papel do “outro” a fim de dialogar
com a criança, conforme Vygotsky.

São inúmeras as possibilidades de uso real da leitura que poderão ser


realizadas na escola a fim de que o livro assuma também papel de interlocutor e
com quem a criança trocará enunciados, afinal, conforme Bakhtim, as pessoas não
trocam palavras ou orações, as pessoas trocam enunciados.

ABRAMOVICH (2004, p. 149) enfatiza:

Me parece que a preocupação básica seria formar leitores


porosos, inquietos, críticos, perspicazes, capazes de receber tudo o
que uma boa história traz, (...) Literatura é arte, literatura é prazer...
que a escola encampe esse lado. É apreciar – e isso inclui criticar...
Se ler for mais uma lição de casa, a gente sabe bem no que é que
dá... Cobrança nunca foi passaporte ou aval para vontade,
descoberta ou para o crescimento de ninguém.

O movimento que contribui para que a literatura infantil se desvincule deste


caráter pedagógico parte do próprio meio literário, não da escola. Ao tratar a
literatura enquanto arte que pode ser apreciada pelas crianças como qualquer outra
arte é possível deixar de assumir a função de caráter pedagógico como tem sido
vista até hoje. É necessário que a escola e professores comecem a refletir sobre o
papel da literatura na escola e quem sabe, fazer com que ela tenha tempo e
espaços próprios para ser apreciada pelos alunos, sem cobrança, sem necessidade
de ser questionada ou interpretada.
122

Disponível em http://leitura.com/nove-livros-infantis-sensacionais-que-todo-adulto-deveria-
ler/, acessado em 19/09/2016,

Disponível em http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=40243, acessado


em 19/09/2016.

Disponível em http://editoramelhoramentos.com.br/v2/titulos/o-menino-maluquinho/, acessado


em 19/09/2016.
Formar leitores não depende de um local determinado para isso. O importante
não é o local, mas o trabalho que se faz em razão da leitura. Será preciso que como
uma obra de arte, a literatura infantil seduza as crianças. As crianças precisam ter
123

acesso aos livros. Vivemos situação bastante interessante referente a este tema. Em
início de carreira, trabalhando numa escola particular com aproximadamente mil e
duzentos alunos, havia uma sala de leitura grande e muito bem organizada. O lugar
tinha espaço disponível para as leituras e pesquisas dos alunos composto por
mesas quadradas com cadeiras estofadas; espaço para as estantes com os livros,
todos catalogados; os livros estavam organizados em seções. Havia além dos livros,
globos, mapas. Duas pessoas cuidavam com esmero desta sala, não havia livro que
entrasse ou saísse sem o devido registro. Havia um problema apenas, porém um
enorme problema para quem quer formar leitores e sabe que essa tarefa é mais fácil
se ocorrer na infância. Naquela escola com tudo a favor para formar leitores, onde
as crianças disputavam por lugar nos seus intervalos de recreio, apenas podiam
realizar empréstimos das obras, as crianças que já cursassem a 3ª série do 1º Grau
(atual 4º ano do Ensino Fundamental). Atendíamos ali crianças a partir de 6 anos de
idade. As zelosas funcionárias tinham receio de que as crianças estragassem os
livros ao leva-los para casa ou ainda, que não os trouxessem de volta. Tratamos
logo de convencê-las da necessidade de garantir a estas crianças o acesso pleno
aos livros e um trabalho com professoras, crianças e famílias para que zelassem
pelos livros. O resultado foi muito motivador para continuarmos na nossa tarefa em
prol da formação de leitores, pois não tivemos um problema sequer com relação aos
empréstimos dos livros.
Em escolas públicas, vivemos situações semelhantes em algumas escolas.
Um acervo bastante considerável foi adquirido pela instituição central e
encaminhado às escolas. Este acervo foi cuidado nas escolas da forma como seus
gestores melhor entenderam ou, em nossa concepção, de acordo com a formação
profissional dos gestores escolares e seu engajamento na formação de leitores e da
sua constituição pessoal enquanto leitor. O fato é que em um ano da data de
chegada dos acervos às escolas, algumas já não tinham sequer vestígio das obras.
Nas demais escolas, o acervo foi sendo “consumido” e logo em mais um ano pouco
ou nada restou. Por que isso ocorreu? No nosso entendimento, por carecermos de
profissionais – gestores e professores – bem formados, o problema se deu em razão
de uma distribuição isolada de acervo onde era necessário um projeto consistente
de leitura que embasasse aquela ação. Um projeto que envolvesse os atores da
escola em razão da formação de leitores de forma que todos pudessem trazer à luz
a realidade de cada uma das escolas e buscasse soluções não apenas para a
124

manutenção do acervo, mas para a formação de leitores, pois se os livros “se


foram”, possivelmente foram leitores ávidos que deixaram de devolvê-los, porém
cada volume serviu a apenas um leitor, se este concluiu a leitura, e não circulou
entre as demais crianças criando oportunidade de formação de novos leitores.

Uma queixa que ouvimos bastante refere-se à quantidade de livros existente


nas escolas. Evidente que é preciso pensar na relação quantidade de títulos,
quantidade de alunos e tempo. Mas vejamos, se temos uma classe com vinte e
cinco alunos e temos um acervo de vinte e cinco títulos desconhecidos pelos alunos
no início do ano letivo, temos um ano para que cada um dos alunos leia vinte e cinco
títulos diferentes. Se cada professor de uma escola tiver uma caixa dessas,
constituída de acervo que ele mesmo conquistou com as famílias dos alunos e com
a comunidade, poderão ainda trocar suas caixas durante o ano e ter muito mais
títulos à disposição dos alunos.

Mas, aos sete anos, um livro chamado Reinações de Narizinho tinha


acordado a minha imaginação e eu tinha me tornado uma leitora, quer dizer, um ser
de imaginação ativa, criativa.

Eu, leitora, crio com a minha imaginação todo o universo que vem cifrado
nesses sinaizinhos chamados letras.

Eu percorro cada página no meu ritmo de leitora. AIIegro. Andante. Allegro


vivace. Sou eu que determino o ritmo que eu quero.

Fora disso, a minha transa, a minha trama com quem escreve livro é tão forte,
que sou eu também que vou preenchendo todos os espaços em branco, as
chamadas entrelinhas.

E foi pensando nisso, me conscientizando disso, que eu dei pra reclamar um


pouco de gente que escreve livro: Tá, tudo bem, você escreveu um bocado de texto,
mas, e as entrelinhas? e as pausas? os espaços em branco? as ambiguidades? Sou
eu que fico enchendo aquilo tudo, não é? Eu: leitora. E não me pagam um tostão de
direito autoral!
125

E daí pra frente, nesses papos pensados que eu tenho com gente que
escreve, quantas vezes eu tenho reclamado!

Olha, francamente, eu acho que você tá abusando da gente: agora é tanta


entrelinha pra encher nos livros que você escreve, que não tem mais imaginação
que dê conta.

Escuta, não leva a mal: eu andei conversando com a Ana Lúcia desse teu
último livro, e eu acho que ela encheu as tuas entrelinhas tão bem, que elas ficaram
com uma cara muito melhor que as tuas linhas...

NUNES, Lygia Bojunga. LIVRO, um encontro com Lygia Bojunga. 3ª ed., Rio de
Janeiro, 1995, pp. 20-21.

Disponível em http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000012790.pdf,
acessado em 19/09/2016,

A atividade de leitura deve ser feita sistematicamente em horário definido para


tal finalidade e não pode ser prejudicada sob a alegação de que há algo mais
importante a fazer. Se há algo que não pode ser prejudicado é o tempo destinado à
leitura. E o que faz o professor enquanto seus alunos leem? Parece óbvio, mas não
é... O professor lê enquanto seus alunos leem, não há nada mais importante para o
professor fazer nesses momentos do que também apreciar a leitura.

Para formar alunos leitores precisaremos nos dedicar à tarefa.

Fornecer à literatura infantil nas escolas uma nova condição e tratamento


significa também compreender as transformações que a ciência e tecnologia
provocaram nas práticas sociais de leitura por um prisma democratizaram o acesso
à informação e trouxeram consigo novas problemáticas, uma vez que os modos de
produção, circulação e acesso também se transformaram. O tempo hoje é imediato.

Incentivar o habito de leitura e formar bons leitores necessita ser entendido


neste mundo contemporâneo em que não se trata do livro concorrer com as demais
mídias. Teremos que formar estes leitores de modo que usufruam das tecnologias,
mas não se privem das possibilidades que a leitura de um bom livro pode lhe
suscitar em termos de significação para sua vida no sentido de que auxilia seu
126

crescimento pessoal e a formação da sua identidade e personalidade. Tal postura


demanda o entendimento de que novas linguagens estão disponíveis e o conceito
de leitura se amplia para além do papel com todas as possibilidades que o hipertexto
oferece uma vez que um texto leva a outro e o que era meio se torna fim, início e
meio de um novo texto que ao mesmo tempo em que estava definido já não está
mais, e ainda, encontra-se em construção pelo sujeito que lê no tempo real da leitura
e no qual ordem e sequência já não têm mais estabilidade. Porém, inclusive para
realizar esta leitura, necessitamos que o sujeito vá se constituindo em um bom leitor,
um leitor consciente de todos esses seus movimentos.

Então nos deparamos com o terceiro aspecto que julgamos interessante


focar, a formação do professor. Se a escola é o lugar da aprendizagem da leitura e
da escrita, também é local onde encontramos a carência e deficiência do ensino,
onde a leitura sofre as consequências de um ensino precário que não consegue
estimular o gosto pela leitura, que utiliza critérios falhos para a escolha dos livros
que coloca nas mãos as crianças.

O cenário apresentado nos levará possivelmente a um círculo vicioso de onde


parece não conseguimos sair... mas, existe saída, sim. E ela está nas mãos de
cada professor que tem a tarefa de formar o bom leitor, no entanto, só formará bons
leitores aquele que souber sobre os livros, aquele professor bem formado como
profissional e formado bom leitor poderá vencer os desafios que lhe são colocados.

Se na consecução desta tarefa, grande parte do trabalho está reservada aos


professores que exercem seu trabalho na escola, a instituição que formalmente tem
a função de ensinar, não se constitui em tarefa isolada. A família tem seu papel na
formação do leitor e a escola pode compartilhar com ela este trabalho, valorizando
as duas as ações em prol da formação do leitor. A equipe escolar necessita
evidenciar em seu projeto político pedagógico qual o lugar terá a formação de
leitores na escola, quais as metas e ações nesse sentido serão buscadas e
realizadas. Tornar isto claro poderá auxiliar a consecução do trabalho que é longo e
necessita ser perseguido sem esmorecimento. É o professor bem formado e bom
leitor que terá condições de configurar em sua escola um novo cenário mais
favorável à apreciação literária.
127

Ao mesmo tempo em que tecemos críticas ao ensino que se restringe a


utilizar a literatura infantil como veículo mediador de informações à serviço de outros
componentes curriculares, não significa que isto não poderá ser feito. Trata-se de
colocar a literatura infantil em um lugar central na formação do aluno leitor, uma vez
que entendemos o seu papel na constituição do sujeito como já expusemos. A
utilização de obras para a finalidade de discussão de um tema requer cuidados
também, especialmente nos pressupostos de Bahktim acerca da dialogicidade dos
textos que permite não apenas o diálogo com o leitor, mas com outros textos.

Finalmente, agregar um contingente humano para a tarefa de formação de


bons leitores não apenas poderá tornar a tarefa menos exaustiva e mais prazerosa,
como também chama a família para a assunção de um dever que é primeiro dela,
mas do qual a escola não pode se eximir.
A HISTÓRIA SEM FIM

As paixões humanas são misteriosas e as das crianças não o são menos que
as dos adultos. As pessoas que as experimentaram não as sabem explicar, e as que
nunca viveram não as podem compreender. Há pessoas que arriscam a vida para
atingir o cume de uma montanha. [...] ou sacrificam tudo por uma ideia fixa que
nunca se pode realizar.
[...] Em suma, as paixões são tão diferentes quanto as pessoas.
A paixão de Bastian Baltasar Bux eram os livros.
Quem nunca passou tardes inteiras diante de um livro, com as orelhas
ardendo e o cabelo caído sobre o rosto, esquecido de tudo o que o rodeia e sem se
dar conta de que está com fome ou com frio. [...]
Quem nunca se escondeu embaixo dos cobertores lendo um livro à luz de
uma lanterna, depois de o pai ou a mãe ter apagado a luz, com o argumento bem-
intencionado de que já é hora de dormir. [...]
Quem nunca chorou, às escondidas ou na frente de todo mundo, lágrimas
amargas porque uma história maravilhosa chegou ao fim. [...]
Quem não conhece tudo isto por experiência própria provavelmente não
poderá compreender o que Bastian fez em seguida.
Olhou fixamente o título do livro e sentiu, ao mesmo tempo, arrepios de frio e
uma sensação de calor. Ali estava uma coisa com a qual tinha sonhado muitas
128

vezes, que tinha desejado muitas vezes desde que dele se apoderara aquela paixão
aquela paixão secreta: uma história que nunca acabasse! O livro dos livros!
Michel Ende,
A história sem fim

Em: VELIAGO, Rosângela. Como ganhar o mundo sem sair do lugar. Disponível
em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Profa/col_3.pdf, acessado em 19/09/2016.

A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS
A leitura de histórias tem origem na “contação” de histórias. Foi assim que
Charles Perrault elaborou o primeiro livro dedicado às crianças, reunindo os contos
da Idade Média. Naquela época, as histórias eram narradas oralmente.

A audição de histórias é capaz de aproximar as crianças dos bons textos.


Adultos também gostam de ouvir boas histórias meio pelo qual podem reviver
tempos de suas infâncias em que também ouviam histórias contadas pelos mais
velhos. Bem verdade que os tempos atuais tão midiáticos não tem opoturnizado os
espaços para a contação de causos e histórias. Porém ainda é possível que tais
momentos sejam organizados, especialmente nas escolas. Por meio da audição das
histórias as crianças podem se interessar por elas ao serem atraídas pelo próprio
contador, pela história contada e pela imaginação que elas lhes possibilitam.

A moça tecelã
Marina Colasanti

Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das


beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.
Linha clara, para começar o dia. Delicado traço de luz, que ela ia passando
entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o
horizonte.
Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete
que nunca acabava. Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a
moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em
129

breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata,que em pontos


longos rebordava sobre o tecido. Leve,a chuva vinha cumprimentá-la à janela.
Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e
espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para
que o sol voltasse a acalmar a natureza.
Assim, jogando a lançadeira de um lado para o outro e batendo os grandes
pentes do tear para frente e para trás, a moça passava seus dias.
Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de
escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha,
suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu
fio de escuridão, dormia tranqüila.
Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha,
e pela primeira vez pensou como seria bom ter um marido ao lado.
Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca
conhecida começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam
companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto
barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de
entremear o último fio da ponta dos sapatos, quando bateram à porta.
Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de
pluma e foi entrando na sua vida.
Aquela noite, deitada contra o ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos
que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.
E feliz foi, por algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo
os esqueceu. Porque descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser
nas coisas todas que ele lhe poderia dar.
— Uma casa maior é necessária — disse para a mulher. E parecia justo,
agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios
verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.— Por que ter casa, se
podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta, imediatamente ordenou
que fosse de pedra com arremates de prata.
Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e
pátios e escadas, e salas e poços. A neve chegava, e ela não tinha tempo para
130

chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e
entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da
lançadeira.
Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para
ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.
— É para que ninguém saiba do tapete — disse. E antes de trancar a porta à
chave advertiu:— Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!
Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de
luxos, os cofres de moedas, as salas de criados.
Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior
que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou como seria
bom estar sozinha de novo.
Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com
novas exigências. E descalça para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre,
sentou-se ao tear.
Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao
contrário, e, jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seus
tecidos. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois
desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente
se viu na casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.
A noite acabava quando o marido, estranhando a cama dura, acordou, e
espantado olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela desfazia o desenho
escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido,
o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.
Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara.
E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu
na linha do horizonte.
Disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me000500.pdf, acessado em
12/09/2016.
131

Crianças pequenas gostam de ser embaladas ao som da voz das pessoas


que cuidam delas. São as cantigas, os acalantos que vão num primeiro momento
aproximando as crianças dos textos. À medida que a criança vai crescendo e se
desenvolvendo, os espaços e tempos de aproximação com os textos vão se
modificando e os adultos vão acrescentando ao repertório infantil, o contato com
quadrinhas, parlendas, versos. Crianças ainda pequenas podem ter momentos de
aproximação com os contos. Elas sentem prazer em ouvir histórias na cama,
especialmente quando estão aconchegadas para dormir. Para o adulto também é
momento ímpar de compartilhar com a criança os contos de fadas e presenciar a
apreciação que a criança faz ao aguardar com expectativa a narração dos
acontecimentos, ao antecipar ou repetir falas dos personagens.

Essa fase da contação de histórias é importante por desde cedo oportunizar a


apreciação das histórias, repertoriar a história de leitura de textos, compor a
historicidade do sujeito, tecer a sua linguagem na dialogicidade que estabelecerá
com eles, não apenas porque aproxima as crianças dos textos, forma na criança
atitude favorável a audição de histórias. Tal formação será decisiva na continuidade
do trabalho em prol da formação do leitor.

Ouvir histórias contadas por outras pessoas colabora para que o ouvinte
reconheça outras formas de leitura, afinal cada um lê a palavra conforme ela lhe é
significada. Um texto hoje tem um sentido para o leitor, amanhã poderá adquirir
outro. Um excerto de texto pode ter muito significado para o leitor num determinado
momento e em outro, poderá não lhe ser significativo. Cada leitor significa um texto
segundo as suas leituras anteriores, leituras textuais, leituras da realidade, leituras
que faz do mundo.

Hábito de ler está além dos livros,


diz um dos maiores especialistas em leitura do mundo
24/06/2012 - 11h02

Amanda Cieglinski
Repórter da Agência Brasil
132

Brasília – Um dos maiores especialistas em leitura do mundo, o francês Roger


Chartier destaca que o hábito de ler está muito além dos livros impressos e
defende que os governos têm papel importante na promoção de uma sociedade
mais leitora.

O historiador esteve no Brasil para participar do 2º Colóquio Internacional de


Estudos Linguísticos e Literários, realizado pela Universidade Estadual de
Maringá (UEM). Em entrevista à Agência Brasil, o professor e historiador avaliou
que os meios digitais ampliam as possibilidades de leitura, mas ressaltou que
parte da sociedade ainda está excluída dessa realidade. “O analfabetismo pode
ser o radical, o funcional ou o digital”, disse.

Agência Brasil: Uma pesquisa divulgada recentemente indicou que o brasileiro lê


em média quatro livros por ano (a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil,
divulgada pelo Instituto Pró-Livro em abril). Podemos considerar essa quantidade
grande ou pequena em relação a outros países?

Chartier: Em primeiro lugar, me parece que o ato de ler não se trata


necessariamente de ler livros. Essas pesquisas que perguntam às pessoas se elas
leem livros estão sempre ignorando que a leitura é muito mais do que ler livros.
Basta ver em todos os comportamentos da sociedade que a leitura é uma prática
fundamental e disseminada. Isso inclui a leitura dos livros, mas muita gente diz
que não lê livros e de fato está lendo objetos impressos que poderiam ser
considerados [jornais, revistas, revistas em quadrinhos, entre outras
publicações]. Não devemos ser pessimistas, o que se deve pensar é que a prática
da leitura é mais frequente, importante e necessária do que poderia indicar uma
pesquisa sobre o número de livros lidos.

ABr: Hoje a leitura está em diferentes plataformas?

Chartier: Absolutamente, quando há a entrada no mundo digital abre-se uma


possibilidade de leitura mais importante que antes. Não posso comparar
imediatamente, mas nos últimos anos houve um recuo do número de livros lidos,
mas não necessariamente porque as pessoas estão lendo pouco. É mais uma
transformação das práticas culturais. É gente que tinha o costume de comprar e
ler muitos livros e agora talvez gaste o mesmo dinheiro com outras formas de
diversão.
133

ABr: A mesma pesquisa que trouxe a média de livros lidos pelos brasileiros
aponta que a população prefere outras atividades à leitura, como ver televisão ou
acessar a internet.

Chartier: Isso não seria próprio do brasileiro. Penso que em qualquer sociedade
do mundo [a pesquisa] teria o mesmo resultado. Talvez com porcentagens
diferentes. Uma pesquisa francesa do Ministério da Cultura mostrou que houve
uma redistribuição dos gastos culturais para o teatro, o turismo, a viagem e o
próprio meio digital.

ABr: Na sua avaliação, essa evolução tecnológica da leitura do impresso para os


meios digitais tem o papel de ampliar ou reduzir o número de leitores?

Chartier: Representa uma possibilidade de leitura mais forte do que antes.


Quantas vezes nós somos obrigados a preencher formulários para comprar algo,
ler e-mails. Tudo isso está num mundo digital que é construído pela leitura e a
escrita. Mas também há fronteiras, não se pode pensar que cada um tem um
acesso imediato [ao meio digital]. É totalmente um mundo que impõe mais leitura
e escrita. Por outro lado, é um mundo onde a leitura tradicional dos textos que
são considerados livros, de ver uma obra que tem uma coerência, uma
singularidade, aqui [nos meios digitais] se confronta com uma prática de leitura
que é mais descontínua. A percepção da obra intelectual ou estética no mundo
digital é um processo muito mais complicado porque há fragmentos e trechos de
textos aparecendo na tela.

ABr: Na sua opinião, a responsabilidade de promover o hábito da leitura em uma


sociedade é da escola?

Chartier: Os sociólogos mostram que, evidentemente, a escola pode corrigir


desigualdades que nascem na sociedade mesmo [para o acesso à leitura]. Mas ao
mesmo tempo a escola reflete as desigualdades de uma sociedade. Então me
parece que, também, é um desafio fundamental que as crianças possam ter
incorporados instrumentos de relação com a cultura escrita e que essa
desigualdade social deveria ser considerada e corrigida pela escola que
normalmente pode dar aos que estão desprovidos os instrumentos de
conhecimento ou de compreensão da cultura escrita. É uma relação complexa
entre a escola e o mundo social. E é claro que a escola não pode fazer tudo.

ABr: Esse é um papel também dos governos?


134

Chartier: Os governos têm um papel múltiplo. Ele pode ajudar por meio de
campanhas de incentivo à leitura, de recursos às famílias mais desprovidas de
capital cultural e pode ajudar pela atenção ao sistema escolar. São três maneiras
de interação que me parecem fundamentais.

ABr: No Brasil ainda temos quase 14 milhões de analfabetos e boa parte da


população tem pouco domínio da leitura e escrita – são as pessoas consideradas
analfabetas funcionais. Isso não é um entrave ao estímulo da leitura?

Chartier: É preciso diferenciar o analfabetismo radical, que é quando a pessoa


está realmente fora da possibilidade de ler e escrever da outra forma que seria
uma dificuldade para uma leitura. Há ainda uma outra forma de analfabetismo
que seria da historialidade no mundo digital, uma nova fronteira entre os que
estão dentro desse mundo e outros que, por razões econômicas e culturais, ficam
de fora. O conceito de analfabetismo pode ser o radical, o funcional ou o digital.
Cada um precisa de uma forma de aculturação, de pedagogia e didática diferente,
mas os três também são tarefas importantes não só para os governos, mas para a
sociedade inteira.

ABr: Na sua avaliação, a exclusão dos meios digitais poderia ser


considerada uma nova forma de analfabetismo?

Chartier: Me parece que isso é importante e há uma ilusão que vem de


quem escreve sobre o mundo digital, porque já está nele e pensa que a sociedade
inteira está digitalizada, mas não é o caso. Evidente há muitos obstáculos e
fronteiras para entrar nesse mundo. Começando pela própria compra dos
instrumentos e terminando com a capacidade de fazer um bom uso dessas novas
técnicas. Essa é uma outra tarefa dada à escola de permitir a aprendizagem
dessa nova técnica, mas não somente de aprender a ler e escrever, mas como
fazer isso na tela do computador.

Edição: Fábio Massalli

Disponível em http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2012-06-24/habito-de-ler-esta-alem-dos-livros-diz-um-dos-
maiores-especialistas-em-leitura-do-mundo, acessado em 11/09/2016.
135
136

ATIVIDADE FORUM

Encerramos nossa terceira e última unidade. Acreditamos que você esta


preparado para responder as questões propostas a seguir.

Disponível em http://www.estantevirtual.com.br/blogdaestante/wp-
content/uploads/peanuts_tirinha.jpg, acessado em 12/09/2016.

Antes, leia mais este texto acerca da leitura que trouxemos para você.
A seguir, faça o que se pede em cada questão.

Entrevista com Regina Zilberman


Pesquisadora fala sobre o trabalho com a leitura nas escolas e a importância
de o professor ser ele mesmo um leitor

Meire Cavalcante

A leitura é um mundo. Talvez seja ela o mundo. Dar à criança a chave que
abre as portas desse universo é permitir que ela seja informada, autônoma e,
137

principalmente, dona dos rumos de sua própria vida. Afinal, não é à toa que se fala
tanto em uso social da leitura e da escrita. E para despertar nos pequenos o gosto
pela literatura é fundamental que os professores sejam eles mesmos grandes
entusiastas dos livros. É o que defende Regina Zilberman, da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. A pesquisadora será uma das palestrantes do Seminário
Prazer em Ler de Promoção da Leitura - Nos Caminhos da Literatura, que se
realizará a partir de amanhã em São Paulo. O evento é uma iniciativa do Instituto
C&A e da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Leia a seguir uma
entrevista exclusiva com Regina sobre a leitura na escola. E não deixe de
acompanhar, aqui no site, nos dias 22, 23 e 24 de agosto, a cobertura on-line do
evento.

O que já pode ser considerado como premissas para o docente no trabalho com a
leitura?

Regina Zilberman: Parece óbvio o que vou dizer, mas a premissa é a de que o
professor seja um leitor. Não apenas um indivíduo letrado, mas alguém que, com
certa frequência, lê produtos como jornais, revistas, bulas de remédio, histórias em
quadrinho, romances ou poesias. O professor precisa se reconhecer como leitor e
gostar de se entender nessa condição. Depois, seria interessante que ele
transmitisse aos alunos esse gosto, verificando o que eles apreciam. Esse momento
é meio difícil, pois, via de regra, crianças e jovens tendem a rejeitar a leitura porque
ela é confundida com o livro escolar e a obrigação de aprender. Se o professor
quebrar esse gelo, acredito que conseguirá andar em frente. A terceira etapa
depende de a escola, por meio da biblioteca, da ação do professor e do interesse
dos alunos, disponibilizar livros para todos. Mas as publicações não podem ser
produzidas pelos alunos. Caso contrário, impede-se o reconhecimento do livro como
um produto industrial, com características específicas e dentro do qual existe a
matéria para leitura. O aluno precisa reconhecer que essa matéria é oriunda de um
terceiro, o autor, com o qual o leitor dialoga.

Não existe fórmula para o trabalho com leitura em sala de aula, mas há uma
série de pré-condições, como as que já citei e que considero mínimas. Precisamos,
porém, reconhecer como fundamental também a valorização do trabalho do
138

professor e o oferecimento de condições favoráveis de ensino, como segurança nas


escolas públicas, livros na biblioteca, salas de aula equipadas, etc.. Essas são
igualmente premissas, que não dependem do professor, mas de políticas públicas
que tenham a Educação como foco principal.

O que já se sabe quando o assunto é leitura na escola?

Regina Zilberman: Há uma gama variada de pesquisas sobre o assunto, que


começam com as questões de aquisição da escrita, estendem-se à psicolinguística e
à sociolinguística e chegam à teoria da literatura, que desenvolveu uma ampla área
de investigação relacionada aos processos de leitura e de formação do leitor. A
escola, nesse caso, pode ser entendida tanto como o local onde se dá a
aprendizagem da leitura e a preparação para o consumo de obras impressas,
quanto como o espaço do desencantamento e da perda da magia trazida da
infância, já que impede o contato direto com o mundo da oralidade, onde se fazia a
transmissão original de histórias (contos de fadas, poemas, cantigas de ninar, etc.).
A leitura na escola constitui um amplo campo de investigação porque, nas atuais
condições de aprendizagem e ensino, é o lugar onde o indivíduo pode amadurecer
intelectualmente ou retrair-se, evitando (ou minimizando) seus intercâmbios com o
universo da cultura.

O que ainda precisa ser mais bem investigado nessa área?

Regina Zilberman: Acho que, no âmbito dos estudos literários, há ainda


margem para estudar o impacto da leitura literária na formação do leitor,
especialmente entre os jovens que frequentam o Ensino Médio, território ainda não
suficientemente mapeado nas pesquisas vigentes.

O que leva o professor a buscar um evento como este Seminário, que


tratará de leitura?

Regina Zilberman: Eventos sobre leitura são bastante procurados por


professores, pois eles se sentem bastante inseguros em relação à sua prática
docente. Um congresso como o de leitura que se realiza na Universidade Estadual
de Campinas, a cada dois anos, reúne cerca de cinco mil pessoas. Isso sinaliza
igualmente o desejo de aprender por parte daqueles que ensinam. Além disso, há o
139

interesse em socializar experiências bem sucedidas, razão porque é preciso


estabelecer, em tais eventos, o momento de ouvir e o momento de falar. Nesses
eventos se propicia o diálogo com o público e, sobretudo, a discussão sobre as
alternativas que os professores encontram no trabalho com seus alunos.

No evento, o tema de sua apresentação será o Ensino Médio e a formação do


leitor. Que tipo de leitores temos nesse nível de ensino?

Regina Zilberman: Os estudantes de classe média urbana chegam muito


jovens ao nível médio. Mas lá também chegam alunos que têm apenas a noite para
frequentar a escola, já que trabalham durante o dia. Assim, há situações bastante
distintas. No primeiro caso, não há grande diferença entre o aluno do oitavo ano do
Ensino Fundamental e o do primeiro ano do Ensino Médio. Mesmo assim, há um
amadurecimento nesse período que obriga o professor a lidar com uma situação
híbrida, tendo de escolher livros que representem essa passagem (publicações
recentes e que abordem temas associados a problemas do mundo contemporâneo).
O professor provavelmente elegerá obras de maior estofo (ou as constantes de listas
de vestibular) quando o aluno estiver no segundo ano do Ensino Médio. No segundo
caso, a condição é outra: o aluno trabalhador é maduro, está preocupado com o
serviço diário e não tem muitas oportunidades para ler e estudar. O espaço de
leitura é o tempo da sala de aula e, nesse intervalo, o professor terá de ensaiar suas
estratégias de ensino.

Qual a especificidade da leitura de textos informativos?

Regina Zilberman: Quem lê bem um conto ou um poema, lê bem uma notícia


de jornal ou um manual de história ou de química. Se isso quer dizer que compete
ao professor de língua e de literatura preparar bem o aluno para a leitura de
qualquer tipo de texto, significa também que a aprendizagem da leitura envolve todo
o corpo docente, e que um bom professor de História ou de Química ensinará os
estudantes a ler adequadamente o material escrito onde está o conteúdo de sua
matéria.

Disponível em http://acervo.novaescola.org.br/lingua-portuguesa/pratica-
pedagogica/juventude-leia-mais-423892.shtml, acessado em 19/09/2016.
140
141
ATIVIDADE

1. A respeito da formação de crianças leitoras, podemos


tecer algumas considerações:
I. A experiência leitora da criança anterior à fase escolar determina a sua
formação leitora.
II. O trabalho pedagógico nas escolas com vistas a formação do leitor
depende da concepção de alfabetização que tem o professor.
III. A própria formação do professor concorre para a formação de bons
leitores.
IV. A concepção do papel que a literatura infantil deverá assumir na escola
concorre para a formação da criança leitora.

Estão corretas as afirmativas:

a) I e II.
b) I, II e III.
c) II e III.
d) II, III e IV.

2. De acordo com ZILBERMAN, a formação de um leitor infantil crítico:


I. É possível se a criança interage com seu meio social.
II. É possível se o livro fornecer condições para compreensão do mundo
interior e o mundo real.
III. É impossível porque mesmo com a leitura de bons livros, a criança
ainda é pequena para fazer críticas.
IV. É impossível porque a criança não compôs ainda um universo de ideias
para sustentar discussões.

Estão corretas as afirmativas:

a) Somente a I.
b) I e II.
c) III e IV.
d) Somente a IV.
142

Disponível em https://cdn.papodehomem.com.br/wp-
content/uploads/2014/03/calvin-leitura1-620x205.jpg, acessado em 12/09/2016.

3. De acordo com CADEMARTORI, podemos afirmar:


I. A única coisa que a literatura não permite é que a criança reorganize a
sua percepção do mundo
II. A literatura permite que a criança reorganize as percepções acerca do
mundo.
III. A literatura permite que a criança elabore a enumeração e
sequenciação das experiências existenciais.
IV. A literatura permite que a criança desenvolva a formação de novos
padrões de comportamento.

Estão corretas as afirmativas:

a) I, II e III.
b) II e III.
c) II e IV.
d) III e IV
143

4. Segundo ABRAMOVICH, podemos afirmar:


I. A literatura é uma arte.
II. A literatura é lição de casa.
III. A literatura é descoberta.
IV. A literatura é cobrança.

Estão corretas as afirmativas:

a) I e II.
b) I e III.
c) II e III.
d) II e IV.

5. Segundo o que nos apresenta ZILBERMAN, podemos afirmar:


I. O professor deve se valer da literatura para o ensino das normas
gramaticais.
II. O professor deve selecionar as obras pela sua qualidade estética.
III. A literatura infantil deve servir para veicular informações acerca de
outros componentes curriculares.
IV. A Literatura Infantil deve estar comprometida com a pedagogia.

Estão corretas as afirmativas:

a) Somente a I.
b) Somente a II.
c) Somente a III.
d) Somente a IV.
144

REFERÊNCIAS

ABRAMOVICH, F. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. 5. ed. São Paulo:


Scipione, 2004

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Programa


de Formação de Professores Alfabetizadores – PROFA. 2001. SOLIGO, Rosaura.
M2U7T8. Disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me000500.pdf, acessado em
09/09/2016.

CABRAL, Izaura da S. O leitor em Processo de Autonomia: Contribuições de


narrativas clássicas infanto-juvenis, disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp040695.pdf, acessado em
17/09/2016.

CADEMARTORI, L.O que é Literatura Infantil. Editora Brasiliense. São Paulo.


1986.

VASQUES, Cristina M., Uma Viagem Pela Intertextualidade Em Reinações


De Narizinho, disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp022917.pdf, acessado em
17/09/2016.

FISCHER, STEVEN R. História da Leitura. Editora Unesp. São Paulo /SP,


2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Editora Paz e Terra. Rio de Janeiro /


RJ. 1987. Disponível em
http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/paulofreire/paulo_freire_pedagogia_do_op
rimido.pdf, acessado em 09/09/2016.

LAJOLO, Marisa. ZILBERMAN, Regina. Literatura Infantil: Histórias e


histórias. Editora Ática. São Paulo. 2011.
145

ZILBERMAN, Regina. Literatura Infantil na Escola. Global Editora. Disponível


em
https://books.google.com.br/books?id=dqhcBAAAQBAJ&pg=PT98&lpg=PT98&dq=a
+constitui%C3%A7%C3%A3o+da+literatura+infantil&source=bl&ots=nySTAhpLup&s
ig=Rc9sz5lVT0u7dDIg6kKctwDMlO4&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwi76L_-
yJTPAhWDHJAKHVbEAJE4ChDoAQg9MAU#v=onepage&q=a%20constitui%C3%A
7%C3%A3o%20da%20literatura%20infantil&f=false, acessado em 17/09/2016.
146

GABARITO

UNIDADE 1

Questão 1 – A

Questão 2 - B

Questão 3 - D

Questão 4 – C

Questão 5 - B

UNIDADE 2

Questão 1 – C

Questão 2 - B

Questão 3 - A

Questão 4 – C

Questão 5 - D

UNIDADE 3

Questão 1 – D

Questão 2 - B

Questão 3 - C

Questão 4 – B

Questão 5 - B

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