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Com amor, Janis
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E-book618 páginas8 horas

Com amor, Janis

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Sobre este e-book

 Confira na edição digital uma entrevista exclusiva com Laura Joplin. 
Janis Joplin brilhou na cena musical dos anos 1960. Com uma voz rouca inconfundível e performances inesquecíveis no palco, a rainha do rock teve a vida interrompida tragicamente aos 27 anos, após uma overdose de heroína. Inspirada pelas centenas de cartas que Janis enviava para a família ao longo da carreira, a irmã Laura mostra em Com amor, Janis seu olhar sem julgamentos sobre uma artista talentosa que foi pouco compreendida simplesmente porque escolheu viver à sua maneira.
Eu ouvia as seguintes palavras de minha irmã, que refletiam uma ideia de nossa criação comum: "Não comprometa a si mesmo, é tudo o que você tem". Eu sabia que minha busca por Janis era a procura da verdade. Não poderia me contentar com nada menos que uma compreensão plena de sua vida, suas escolhas e seu tempo.
Janis dizia: "Se deixe levar e você será muito mais do que jamais pensou em ser". Livre de minha tristeza, estava livre para amá-la novamente. Deixei de lado minhas ideias prontas sobre Janis, disposta a deixar que sua vida me contasse o que podia.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de jul. de 2019
ISBN9788581744896
Com amor, Janis

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    Pré-visualização do livro

    Com amor, Janis - Laura Joplin

    Capítulo 2

    Nossos Ancestrais

    When I’m sitting round late in the evening, child

    Wondering why, why, why did I ever leave

    Well, I went out searching for something, baby

    I left it behind now, babe, now I see

    [Quando estou por aí tarde da noite, meu bem

    Pensando por que, por que, por que fui embora

    Bem, eu estava procurando alguma coisa, meu bem

    E agora vejo que a deixei para trás]

    -JANIS JOPLIN, Catch me, Daddy

    Os nomes que conheço do lado paterno da minha família são Joplin (ou Jopling), Porter e Ball. O sobrenome da minha mãe era East, havendo também parentes de nome Hanson (antes Hoar e, antes ainda, Hore), Sherman, Coulter, Fleming e Rosine.

    Os primeiros ancestrais a chegar à costa americana eram pescadores da família Hore que se aventuraram a atravessar o encapelado Atlântico para chegar às ricas águas da Nova Escócia. Ali, Hezekiah Hore, então com 25 anos, foi atingido pela onda salgada da oportunidade. Ambicionava todos aqueles quilômetros de terras de cultivo, densas florestas e caça abundante. Era o segundo filho de um segundo casamento. Além de uma frota de barcos de pesca, a família possuía vastas terras arrendadas do tempo do confisco de Henrique VIII à propriedade da Igreja Católica. Nada disso seria dele, porque não era o filho mais velho. Em 1633, doze anos depois da chegada do Mayflower, Hezekiah Hore embarcou no navio Recovery para uma nova vida na colônia da baía de Massachusetts.

    Hore se juntou a um grupo de primos e vizinhos na fundação da cidade de Taunton, Massachusetts. Estabeleceu-se entre pessoas em geral consideradas puritanas, mas, desde o início, os ateus formavam uma bela minoria. Esses outros peregrinos celebravam a vida em roupas coloridas e com um riso sincero. Hezekiah foi um próspero fazendeiro e homem de negócios. Como seus colegas, tentava romper com a tirania da Igreja da Inglaterra, o governo inglês e o sistema econômico que mantinha os homens no degrau da vida em que nasceram.

    Seitas religiosas conflitantes perturbavam a coexistência pacífica dos colonos. Cada grupo era um defensor inflexível de seu próprio ponto de vista. Puritanos, batistas, separatistas e quakers discutiam inflama-damente. No auge da tirania opressiva da colônia de Plymouth, navios que transportassem quakers podiam ser multados, e estes açoitados e aprisionados. Muitos eram levados à forca.

    Roger Williams atraiu a ira de muitos com seus apelos por tolerância religiosa e respeito pelos índios. Suas acusações influenciaram a vida de outro de meus ancestrais na colônia da baía, Phillip Sherman, genro de Williams. Nenhum homem tem o direito de forçar outro a entrar para nenhuma Igreja! Williams se queixava. Não deveria haver religião de Estado na nova terra. Ele enfureceu especialmente os colonos com seu apoio ousado aos direitos dos índios. Vivia entre eles, aprendeu sua língua e acusou: Nenhum inglês deve se apoderar da terra dos índios sem permissão e pagamento. Seu ponto de vista incômodo ameaçava tanto a colônia de Plymouth que ele e seus seguidores foram expulsos. Phillip Sherman, com seu grupo de colonos mais liberais, formou a colônia de Rhode Island. Os colonos restantes, leitores da Bíblia, capturaram os índios sobreviventes e os venderam como escravos nas Índias Ocidentais.

    Como reação ao fervor de seus pais, os filhos dos primeiros colonos prenunciavam uma era de cautela e estabilidade. William Ball, um dos ancestrais de meu pai, mudou-se da baía de Chesapeake para a Virgínia, onde construiu sua mansão em estilo georgiano, Millenbeck. Ele se tornaria avô de George Washington.

    Phillip Sherman tornou-se um quaker, fazendeiro e orador. John Porter e Thomas Jopling eram fazendeiros na Virgínia. Todos foram apanhados no Grande Despertar, um período de fervor religioso e descoberta de um eu interior no início do século XVII. Esse grupo rejeitava a ideia dos pais de que simplesmente viver poderia trazer a satisfação. Eles queriam que a Nova Luz viesse de dentro para que todos conhecessem a glória e a euforia de um renascimento espiritual. Saíram em missão e fundaram novas comunidades, denunciaram a escravidão e converteram índios enquanto revitalizavam suas igrejas.

    As guerras de fronteira também consumiam sua energia. Durante os sete anos (1755-63) da Guerra Franco-Indígena, milhares de colonos perderam a vida. Uma jovem sueca que foi a primeira ancestral americana de minha mãe, Sidneh Rosine Brown, sentiu o ímpeto da abominável violência nos conflitos raciais e territoriais. Era noite quando bateram na porta. Quem está na casa?, a voz inglesa perguntou. Seu jovem marido abriu a porta e seu corpo surpreso foi atravessado pelas lanças indígenas. A cabeça do bebê de 2 anos de Sidneh foi esmagada contra o batente da porta. A casa e o celeiro, com os animais dentro, foram incendiados enquanto o bando de seis índios e um francês vestido como índio dançava e festejava na noite fumacenta. Sidneh foi forçada a marchar com eles até o Canadá e deu à luz um filho no caminho. Os índios deram àquela nova vida seu batismo cerimonial em um rio gelado. Sidneh obteve aprovação de seus captores ao se recusar a comer sua porção da última coisa comestível que eles traziam, uma bolsa de couro usada para carregar balas de rifle. Ela acabou sendo vendida aos franceses no Canadá por 5,30 dólares e ficou com o governador para se recuperar antes de ser negociada de volta às colônias inglesas.

    Sidneh voltou à Virgínia, onde se casou com George Fleming, recém-emigrado ao Novo Mundo. Troncudo e cheio de coragem, seu navio naufragara a 5 quilômetros da costa, sem salva-vidas a bordo. Depois de atirar pertences e ouro para fora, George Fleming se agarrou em um tronco e flutuou até a terra, levado pela maré. Depois de se estabelecerem, George e Sidneh levaram uma vida confortável, comprando contratos de trabalho de criminosos condenados.

    As guerras menores acabaram por detonar o maior conflito da época, a Revolução Americana. John Porter alistou-se em 1776 como sargento. Shadrach Hoar tornou-se cabo. Um da Virgínia e um de Massachusetts, lutaram na mesma campanha para impedir o ataque britânico ao norte das colônias. Essa campanha de Saratoga foi uma batalha decisiva e habilidosa, bem-sucedida graças à capacidade e à ousadia do comandante, Benedict Arnold, um homem lembrado pela história por seus atos traiçoeiros posteriores.

    Jacob Sherman desafiou sua criação quaker ao pôr um rifle no ombro e marchar até combatê-lo em Boston. Lutou em uma batalha que se tornou conhecida como Bunker Hill. Em seu diário Crisis, de 23 de dezembro de 1776, Thomas Paine descreveu o dia: Este é um período que testa a alma dos homens. O soldado de verão e o patriota do bom tempo, nessa crise, recuarão do serviço a seu país; mas aquele que o sustenta merece o amor e a gratidão de homens e mulheres.

    Longe de receber gratidão dos entes queridos por seus esforços, Jacob Sherman foi deserdado por seus pais por violar a crença quaker da não violência. Seus esforços ajudaram a fundar um país, mas desfizeram uma família. Ele foi o último dos quakers na nossa família.

    A geração seguinte de membros trouxe todos os grupos familiares para o Oeste. Benjamin Jopling era um escocês esquelético, com as mãos grandes de um homem acostumado ao trabalho duro. Em 1826, Jopling entrou para a Igreja Metodista durante uma campanha de evangelização ao ar livre e sua vida mudou abruptamente. A Igreja Metodista foi a primeira a condenar publicamente a escravidão. A Igreja Metodista-Episcopal separou-se dela em 1844 como um movimento pró-escravidão e Benjamin foi com eles. Era uma verdadeira Igreja do povo, sem missionários pagos. Os membros eram incitados a levar a palavra viajando em grupos comunitários a novos territórios e fundando novas igrejas.

    Essa força interior impeliu Benjamin Jopling a separar sua família dos parentes e rumar para a fronteira no nordeste do Alabama. Homens brancos haviam recentemente encontrado ouro nas terras dos Chero- kees. Nenhuma disputa diplomática podia evitar que o governo federal encontrasse um modo de expulsar os Cherokees de suas terras. Benjamin tornou-se um membro estabelecido da comunidade até ser atraído pelos cartazes de TEXAS OU FRACASSO nos vagões que passavam. Ele finalmente se estabeleceu próximo a Fort Worth, onde formou uma fazenda e ajudou a construir o forte que deu ao assentamento esse nome. Ao longo do caminho casou-se quatro vezes, teve 22 filhos e sobreviveu a todas as esposas.

    John Milton Hanson tomou um caminho para o norte durante sua viagem para o oeste a partir de Massachusetts. Seu pai, William Hoar, mudara o nome da família para Hanson. Com sua nova noiva, Lauretta, John primeiro tentou a vida em Nova York e depois em Ohio, até se estabelecer em Henry County, Iowa, a 50 quilômetros do Rio Mississippi. Em troca da parelha de cavalos que os havia puxado até Iowa, eles receberam terra inculta.

    Dez anos depois, o atraente chamado de um futuro melhor obrigou John Hanson a perseguir seus sonhos na corrida do ouro da Califórnia. Deixou a esposa e os oito filhos e levou o filho mais velho. Sua esposa logo morreu e os filhos foram entregues a vizinhos e parentes até que, seis anos depois, John voltou para casa para continuar seu papel de provedor do lar. Era um homem de notável inteligência, muito respeitado na comunidade, e viveu até uma idade muito avançada.

    Na Virgínia, John W. Porter casou-se com a filha de um pastor batista. O jovem casal planejou seu futuro baseado nas histórias contadas nas cartas do irmão de John, Beverly Porter, que vivia no distante mundo do Texas, na época território mexicano. A esposa de John era uma valente mulher pioneira, de corpo robusto e coração forte, cujas convicções internas e fé em seu marido a levaram a atravessar a fronteira. Em 1833, marido e mulher, dois filhos e um punhado de escravos partiram de Nashville em uma chata rumo a Nova Orleans. Porter carregara o barco com carne de porco e fogões como bens de troca, que permutou por passagens de barco até o porto de Velasco, no Texas. Ali encontraram o irmão Beverly Porter moribundo em meio à epidemia de cólera de 1833. Destemido, John e seu grupo extraíram sal da água do mar para poder comprar bois e carroças para iniciar sua jornada continental. Enfrentaram as curvas e as voltas do Rio Brazos e chegaram a uma área acidentada e montanhosa coberta por uma relva muito verde e pontilhada de pinheiros. Ali, Porter reclamou seu lote de terra prometido pelo governo por um tratado. Deu à propriedade o nome de Porter’s Prairie e construiu cabanas de troncos para a sua família e a dos escravos.

    O filho de John W. Porter, Robert Ury Porter (bisavô de meu pai), compartilhava o dom de fazer fortuna com muitos de sua geração. Após a morte do pai, passou a administrar os bens de sua mãe. Criava gado e cultivou a terra inculta com grãos e frutos. Diminuiu o número de escravos e retirava madeira da fazenda e das florestas do leste do Texas. Edificaram a primeira casa de dois andares em Burleson County, uma construção de madeira segundo o modelo da graciosa casa sulista. Tinha amplos alpendres na frente e atrás, com varandas superiores para dormir durante as noites quentes e úmidas do verão texano. Havia um salão central com quartos de ambos os lados e uma cozinha separada para impedir que os frequentes incêndios de cozinha se espalhassem.

    Robert se casou e levou a jovem noiva para Nova York para comprar móveis para seu novo lar: camas de carvalho com baldaquim, cômodas altas e baixas, tapetes e um piano de salão. Construiu a primeira igreja metodista e o primeiro edifício da escola no condado. Durante a Guerra Civil, Robert serviu como agente de comércio para os confederados. Os sucessos da ligação de seu grupo com o México permitiram que o Sul mantivesse suas forças por muito mais tempo do que se houvesse contado apenas com suprimentos sulistas.

    O irmão de Robert entrou para os Texas Rangers de Terry, o flagelo dos exércitos nortistas. Esse grupo era conhecido por sua ousadia e determinação, embora no final da guerra dois terços tivessem perdido a vida. Eles cavalgavam em animais selecionados e infligiam constantes derrotas aos ianques, que não eram nada em comparação com os astutos comanches, que os texanos já haviam enfrentado em casa.

    Do outro lado da Guerra Civil lutavam os Hansons. Henry W. Hanson (o bisavô de minha mãe) alistou-se como voluntário no 4º Batalhão de Cavalaria do Iowa aos 18 anos. Serviu como ordenança no quartel-general do general Robert. Sua admiração pelo serviço era tanta que ele usou seu uniforme muitas vezes anos depois do final do conflito.

    Sua geração de progressivos tinha interesse em servir à sociedade. Henry entrou para a Loja Maçônica e o Grande Exército da República, que se dedicava ao trabalho ativo de assistência. Ao nascer, fora chamado simplesmente Henry, mas, já adulto, com todo o seu respeito pela pompa da vida institucional, sentiu a necessidade de ter um nome do meio e, por isso, atribuiu a si mesmo a inicial W.

    A geração seguinte continuou a migração para o Oeste. A família de mamãe parou no Nebraska. Ulysses Sampson Grant East, avô de minha mãe, era um garoto de Illinois nascido de pais patriotas durante a Guerra Civil. Grant, como era chamado, apanhou a febre da corrida por terra de Oklahoma, da qual participaram vários de seus parentes, mas escolheu uma rota mais a norte. Um homem afável, mas autocrático, ele acabou formando uma fazenda no canto sudeste do estado, em uma área que os índios Pawnee haviam sido recentemente forçados a desocupar.

    O vizinho de meu bisavô era um sujeito há pouco vindo de Iowa, Herbert Hanson. Herbert perdera seu trabalho como mensageiro em Iowa e não podia trabalhar em fazenda por causa de uma lesão na perna causada durante um jogo de beisebol. Seu pai lhe dissera: Vá para o Nebraska, Herbert. Qualquer homem que possa erguer um machado pode ganhar a vida ali. Como a família de Herbert algumas vezes fora reduzida a comer batatas no almoço e água de batata no jantar, eles precisavam de uma mudança. No Nebraska ele prosperou, tendo possuído uma loja de ferragens e uma loja de móveis de segunda mão.

    Herbert era ativo no Partido Republicano. Se alguém quisesse alguma coisa na pequena comunidade agrícola de Clay Center, Nebraska, dizia: Procure Herbert Hanson. Ele pode arranjar tudo. Na verdade, era tão ativo política e socialmente que sua esposa, Stella Mae Sherman Hanson, teve de criar sozinha oito filhos. Ela ressentia-se de suas ausências e tornou-se uma pessoa amarga. Muitas vezes escrevia aos filhos (quando cresceram) frases que começavam com: Estou tão magoada com...

    W.E.B. du Bois iniciou o primeiro movimento que exigia direitos iguais para os negros, enquanto meus ancestrais Porter foram forçados a lidar com o fato de ter escravos. O folclore familiar conta que Robert Porter reuniu seus escravos e disse: Aqueles que quiserem ir embora, podem ir. Vou cuidar daqueles que desejarem ficar. Em um belo gesto, ajudou a comprar terras e mulas para uma dessas famílias. Ensinou a seus filhos que a escravidão era errada. Era capaz de aceitar a derrota e a mudança.

    Minha avó, Florence Porter Joplin, começou a vida na protegida tradição sulista, que logo se curvou às realidades econômicas do final do século XVIII. Nascida de um pai que já tinha 62 anos, sofreu com sua capacidade cada vez menor de cultivar a terra. Em uma visita a um primo de Big Springs, Texas, ela ajudava na casa com uma fornada de pãezinhos frescos preparada para um grupo de caubóis que aparecia lá para o café da manhã de domingo. Logo se casou com o tímido capataz do rancho, Seeb Joplin.

    Seeb fora criado próximo a Lubbock, Texas, e era o mais velho de 11 filhos. O pai de Seeb, Charles Alexander Joplin (que retirara o g de Jopling), ajudou a fundar a Igreja Metodista local e trabalhou como delegado do condado. Ajudou a abrir ruas, projetar edifícios municipais e planejar instituições sociais beneficentes. Charles era um homem bem-humorado e diligente, mas não acreditava em dar uma educação para seus filhos. Em vez disso, achava que deviam sustentar grande parte do fardo do trabalho agrícola. Seeb era um garoto notavelmente inteligente, mas não foi muito além da sexta série. Seu treinamento no trabalho com a terra teria lhe bastado em épocas anteriores, mas ele atingiu a maioridade quando toda a terra disponível para a formação de fazendas terminara.

    Vovô pensava no romance das novas fronteiras quando conduziu um rebanho de vacas do rancho que administrava até Billings, Montana. Com seu irmão, aventurou-se em uma ferrovia de bitola estreita até Dawson, Alasca. Alguém lhe ofereceu 800 dólares para passar o inverno ali e manter apenas uma vaca viva, mas não gostou do clima com neve e voltou ao Texas. Ele e vovó Florence criaram seus dois filhos em um grande rancho que administravam na zona rural de Tahoka, Texas. O sufrágio feminino pode ter sido legalizado em 1920, mas a verdadeira emancipação para minha família veio com um número reduzido de filhos. Minha avó Florence Porter Joplin fora criada em uma família de 16. Ela teve apenas dois filhos. Isso era liberação! Meu pai, Seth Ward Joplin, nasceu em 1910, o segundo e último filho de Seeb e Florence.

    Pergunte à madame era como vovô lidava com muitas das perguntas que os dois filhos lhe faziam. Era um sinal da formalidade que governava seu ambiente doméstico, mesmo naquele ponto remoto das planícies do oeste do Texas. A avó Joplin ensinou os filhos a respeitar as pessoas pelos seus méritos. Ela aprendera uma lição durante os dias da Reconstrução, coalhados de revoltas, matanças de brancos e negros por motivos raciais, e os republicanos do governo do Estado forçando as taxas sobre a propriedade imobiliária a níveis tão altos que os proprietários do pré-guerra eram forçados a vender suas terras. A lição era ser discreto, e ela a passou adiante.

    Um dos frequentes pânicos do mercado de ações apanhou o proprietário do rancho em seu turbilhão e forçou a venda das terras administradas por meu avô Seeb. Por algum tempo, ele foi xerife da cidade de Tahoka, mas sua personalidade era demasiadamente gentil. Seeb finalmente encontrou seu nicho como administrador dos estábulos em Amarillo, Texas. Minha avó ajudava no orçamento doméstico à frente de uma pensão para os homens que trabalhavam para meu avô. Sua comida era tão boa que algumas pessoas procuravam emprego com ele apenas por essa razão. Vovó aprendeu a dirigir um automóvel somente para assistir a aulas de culinária.

    No Nebraska, os pais de minha mãe, Cecil East e Laura Hanson, se encontraram e casaram na comunidade agrícola de Clay Center. Ainda estavam tomados pela febre da propriedade de terras e se mudaram, junto com o clã dos East, para o oeste de Oklahoma. Trocaram as fazendas do Nebraska pelos ranchos de Oklahoma. O temperamento de meu avô Cecil era adequado à independência e rudeza da vida de rancho. Seu pequeno rebanho prosperou e ele ocupou-se em desenvolver a comunidade local. Sua esposa, porém, tinha muita saudade da família em Clay Center e insistia tanto nesse assunto que seu marido finalmente cedeu. Com duas crianças pequenas, voltaram à rotina da família Hanson, com jantares aos domingos e sessões de canto em volta do piano.

    Vovô Cecil era um homem ambicioso. Percorreu a zona rural em busca de animais de criação para suplementar sua renda doméstica. Minha avó Laura cuidava de uma horta de um acre e armazenava alimento bastante para sustentar a família por um ano. Os dois trabalhavam pesado, mas meu avô investiu todo o dinheiro em capados que contraíram uma doença e tiveram de ser sacrificados. A família ficou arrasada, porque a perda dos capados lhes custou a fazenda. Vovó levou os filhos para viver com seus pais. Vovô transferiu-se para Amarillo para encontrar trabalho e um modo de sustentar a família. Logo teve sucesso, vendendo aquilo que um fazendeiro conhece melhor: propriedade imobiliária.

    A família East se mudou para Amarillo durante o último ano do segundo grau de minha mãe. Ela viu sua mãe perder seu posto integral na economia familiar quando seu pai começou a ganhar comissões em vez de dividir o trabalho da fazenda com a esposa. Os novos papéis forçados a meus avós não foram aceitos de bom grado por nenhum dos dois. Culpavam um ao outro pelos padrões indesejados de sua nova vida. Trocavam acusações, atormentando os quatro filhos com as brigas. Vovô começou a ter casos extraconjugais, em busca do conforto que a esposa não podia lhe dar. Também começou a beber ocasionalmente, uma clara afronta ao ponto de vista cada vez mais estritamente religioso de Vovó.

    Todos os meus avós começaram a vida na zona rural, mas seus filhos se tornaram cidadãos urbanos. As estruturas que haviam definido a vida desde a fundação do país – a Bíblia, a família e a reputação pessoal – estavam começando a perder seu poder central. De uma geração para a seguinte, ideias, diretrizes, atitudes e ambições aparentemente ultrapassadas eram deixadas de lado com a nova visão que cada novo grupo de adolescentes tinha de seu futuro.

    Os escritores William Strauss e Neil Howe, em seu livro Generations, descrevem o processo como um conjunto cíclico de estágios previsíveis. A cada vinte anos, nossa sociedade concentra e reconcentra sua energia. A cultura evolui de uma concentração em experiências espirituais e crescimento pessoal para um período de comprometimento com grupos cívicos que trabalham diligentemente para resolver crises culturais. Strauss e Howe descrevem uma cultura americana que oscila entre dois polos: CRISES SECULARES, quando a sociedade se concentra em reorganizar o mundo exterior de instituições e comportamento público; e DESPERTARES ESPIRITUAIS, quando a sociedade se concentra em transformar o mundo interior de valores e comportamento privado.

    As ambições e as expectativas de qualquer pessoa são, assim, definidas pela época em que nasceram e foram criadas. Seus companheiros, nascidos durante o mesmo período de vinte anos, compartilham um conjunto único de experiências históricas, assim como atitudes de toda a sociedade em relação a família, escola, papéis sexuais, religião, crime, carreiras e risco pessoal, explicam Strauss e Howe. Em diversos momentos da história, os americanos escolheram ser mais protetores com os filhos, ou mais generosos com os idosos, ou mais tolerantes com jovens e adultos pouco convencionais. Daí, depois de algum tempo, a tendência passou para o outro lado. Sempre que isso acontece, o ambiente social altera-se de forma diferente segundo cada grupo... árvores plantadas no mesmo ano têm anéis que indicam quando todas enfrentaram um inverno muito frio, uma primavera úmida ou um verão seco. Os grupos são como as árvores nesse aspecto. Trazem dentro de si uma assinatura única dos momentos passados da história.

    Meus ancestrais nasceram, viveram e morreram como parte de grupos geracionais formados e limitados pelos acontecimentos históricos e atitudes de sua época. Por isso, exibiam características semelhantes, causando e reagindo a outros fatos que formaram as experiências de vida de um grupo geracional que veio a seguir. A história da vida de meus ancestrais é a saga dos pioneiros americanos, que exploraram e algumas vezes conquistaram aquilo que era visto como a fronteira daquele tempo. Quer se tratasse de um crescimento espiritual, de formação de fazendas ou da fundação de instituições que prometiam respostas a questões consideradas urgentes, os membros de minha família dedicaram a vida àquelas tarefas. Tinham fé em um futuro melhor, além da energia e dos talentos necessários para mover a sociedade um passo além no caminho evolucionário.

    Capítulo 3

    A Infância de Janis

    I ain’t quite ready for walking

    I ain’t quite ready for walking

    And what will you do with your life

    Life just a-dangling?

    [Não estou pronta para andar

    Não estou pronta para andar

    E o que você fará com sua vida

    A vida apenas oscila?]

    – JANIS JOPLIN, Move Over

    Os amigos chamavam minha mãe, Dorothy East, de Lily Pons do Texas, um elogio por sua capacidade de cantar como uma grande soprano de ópera. A voz dela era pura, clara e poderosa; trazia as melodias de seus espetáculos favoritos da Broadway à vida nas planícies do Texas. Ela também se saía muito bem com as canções jazzísticas de Cole Porter. Cantava em qualquer oportunidade, o que, em Amarillo, significava a igreja, casamentos e o Kiwanis Club. Sempre que cantava, o rosto de seu pai se iluminava e seus olhos se enchiam d’água. Sua mãe mantinha a personalidade severa, raramente permitindo-se sorrir.

    O ponto alto da vida de mamãe no colegial foi interpretar o papel principal em um musical organizado por toda a cidade. Como era um evento de caridade importante, os organizadores contrataram um diretor da Broadway para melhorar ainda mais sua qualidade. Todos falavam sobre as coisas boas que viriam para aquela talentosa jovem. O diretor do espetáculo chamou mamãe de lado, dizendo: Se você quiser o trabalho em Nova York eu posso conseguir, mas não recomendo. Conheci você melhor durante o espetáculo e sei que aquelas pessoas não são o seu tipo de gente. Ela aceitou o conselho e não foi a Nova York. Em vez disso, ganhou uma bolsa para a faculdade em um concurso de canto. Atendeu aos conselhos do pastor de sua igreja e candidatou-se à Universidade Cristã do Texas em Fort Worth.

    Em 1932, em meio à Grande Depressão, minha mãe embalou os únicos dois vestidos que tinha e foi à faculdade, pronta para conquistar seu futuro. Em vez do inevitável triunfo, ela se chocou com as limitações de uma única professora de canto que só ensinava ópera. Falida e desiludida após um ano de escola, mamãe voltou a Amarillo para trabalhar.

    Era a década de 1930. As garotas petulantes estavam na moda e minha mãe era uma mulher liberada. Junto com suas colegas, ela escandalizou os pais ao cortar o cabelo em estilo joãozinho. Usava vestidos justos, salto alto e chapéus vistosos – em estilos que seu futuro sogro, Seeb Joplin, chamaria de chapéus caminho do inferno. Fumava cigarros para chocar. Fumar era uma verdadeira afronta aos pais naquele tempo. Cigarros eram ilegais em 14 estados e havia legislações pendentes em outros 28. Era comum que se expulsassem moças – como Edna St. Vincent Millay – da faculdade por fumar.

    Mamãe começou a trabalhar em uma estação de rádio de Amarillo, a KGNC. Sua reputação local de espírito livre foi conquistada quando, ao tentar descobrir irritada por que a música não tocava, ela gritou: Não consigo entender essa droga! e percebeu em seguida que seu desabafo fora transmitido a cada casa e fazenda em um raio de 160 quilômetros.

    Um encontro às cegas no Natal aproximou meus pais. Papai estava de férias da faculdade de Engenharia e queria se divertir. Mamãe gostava de dançar, por isso o levou a seu local favorito, mas percebeu que ele estava desconfortável naquele ambiente barulhento e bagunçado. Longe do barulho, sua conversa logo se voltou para os assuntos de que ambos gostavam: a literatura e o mundo das ideias.

    Muitas vezes, mamãe fugira à hostilidade em sua casa mergulhando durante horas em Dostoiévski e Tolstói na biblioteca local. Meu pai se interessava por literatura americana. O primeiro dinheiro que meu pai ganhou quando menino fora usado para comprar As obras completas de Mark Twain e As obras completas de Edgar Allan Poe. Nas cartas trocadas, papai escreveu: Não me diga o que você está fazendo. Conte-me o que você está pensando.

    Papai era um rapaz belíssimo, com maxilar quadrado e sorriso oblíquo. Dizia-se que tinha os olhos mais azuis do colegial. Era um namorador que costumava vencer as corridas lentas – um desafio que consistia em rastejar em volta da escola em um carro com pneus recheados com farrapos enquanto se falava com as meninas (usavam farrapos nos pneus porque a borracha para novos pneus era rara desde a Primeira Guerra Mundial). Ele gostava de usar ternos com um chapeuzinho, que mantinha cuidadosamente inclinado na cabeça.

    Era dolorosamente tímido de vez em quando e costumava passar muito tempo sozinho. A casa de seus pais havia abrigado os rapazes contratados por vovô Seeb para trabalhar nos estábulos. Florence não gostava da influência dos homens rudes sobre seus filhos e por isso hospedou a filha na cidade para estudar. Meu pai tinha sua cabana de um só quarto.

    A falta de dinheiro forçou papai a abandonar a faculdade um semestre antes de se formar. Embora fosse intelectualmente curioso e um ávido leitor, a escola o aborrecia. Era mais um playboy, conhecido por fazer seu próprio gim durante os últimos dias da proibição para animar as festas da faculdade. Levava uma vida arriscada, fumava maconha, que era legalizada, mas não facilmente encontrável. Em Amarillo, durante uma época com 25% de desemprego, ficava com sua garota e trabalhava no único emprego que pôde encontrar, como frentista de posto de gasolina.

    Mamãe conseguiu um emprego temporário como folguista no crediário da loja Wards local. Passou as duas semanas mostrando ao chefe que seria melhor ficar com ela do que aceitar de volta a moça que estava de folga. Conseguiu o que queria e acabou como chefe do departamento.

    Meus pais passavam horas juntos, muitas vezes de visita na casa dos Joplin. Gostavam da gentileza e da conversa animada do casal. Dorothy sentia-se aceita e gostava de escapar das constantes discussões que deixavam pesado o ar na casa dos East. Em um momento de ternura, seu pai, Cecil, confidenciou para papai: Minha esposa e eu costumávamos conversar e compartilhar as coisas, mas agora ela não consegue ouvir, parece que nunca conversamos sobre nada. Laura usava um aparelho auditivo desde a infância. Nesse período de sua vida, muitas vezes preferia desligá-lo a ouvir o que as pessoas diziam. Dedicava-se quase exclusivamente à igreja.

    Vovô Cecil também era um homem religioso, mas sua opinião sobre a vida mudara com a idade. Sabia-se que consumia álcool, atitude que segundo sua esposa era obra do Diabo. Ele chegava a beber com papai e, certa vez, embebedou o rapaz e morreu de rir quando ele vomitou na varanda.

    Quando a tensão na casa do East explodia, vovó Laura escrevia um bilhete e o deixava sobre a escrivaninha. Daí pegava suas malas e tentava ir de volta ao Nebraska, mas vovô sempre a encontrava e trazia de volta.

    O desastrado relacionamento dos East fez mamãe fazer uma promessa para si mesma: Nunca vou discutir com meu marido. Sempre vou fazer com que as coisas funcionem. Escolheu papai porque era gentil, amável e sensível. Papai escolheu mamãe porque era forte como sua mãe, porém mais estimulante e desafiadora, de um modo que se adequava à loucura da época.

    Por volta de 1935, o melhor amigo de papai na faculdade o recomendou para um emprego na Texas Company, futura Texaco, em Port Arthur, Texas. Ficava a quase mil quilômetros, mas era um emprego de verdade e uma chance de começar uma vida nova. Meu pai a agarrou e mamãe deixou seu emprego para segui-lo. Seu chefe na Wards tentou dobrar o salário para segurá-la em Amarillo, mas ela apenas ficou brava. Se agora eu valho duas vezes o meu salário, o senhor me enganou esse tempo todo, foi sua réplica. Rapidamente encontrou trabalho no departamento de crédito da Sears.

    Quatro anos depois de se conhecerem, meus pais finalmente tiveram dinheiro para se casar. Em 20 de outubro de 1936, Dorothy East e Seth Joplin eram marido e mulher. Não houve reunião de família ou horas de celebração. Foi uma cerimônia simples com dois amigos, porque a família estava longe e os tempos eram difíceis.

    Port Arthur era a principal refinaria do mundo. Ficava a apenas 30 quilômetros do maior poço de petróleo da época, em Spindletop, Beaumont. O petróleo era o rei daquele tempo, a fonte de muitas novas fortunas e uma reestruturação da paisagem econômica. Seth e Dorothy podiam ver seu futuro na renda constante proporcionada pelo óleo. O Texas liderava todos os outros estados em produção de óleo e Port Arthur estava no centro disso tudo.

    A cidade de Port Arthur fora fundada por um visionário, Arthur Stilwell. Escolheu o local com a ajuda de vozes em seus sonhos, às quais chamou fadas. Construiu-a às margens do belo Lago Sabine, a apenas 30 quilômetros do golfo do México. Stilwell projetou a cidade com amplos bulevares, grandes avenidas e casas de alto padrão na margem do lago. Usou o dinheiro e o conhecimento holandês para abrir um canal que ligava a cidade ao golfo do México. A cidade tornou-se o primeiro porto continental com acesso ao oceano para as refinarias. Port Arthur estava destinada, dizem, a ser o porto de embarque para toda a indústria de petróleo do Texas.

    Mas então Stilwell caiu ante o cerco financeiro promovido por John Aposto-um-Milhão Gates, que desvirtuou o controle do desenvolvimento da cidade. Ele fez fortuna vendendo arame farpado nos estados do Oeste, formando uma empresa que mais tarde se tornaria a U.S. Steel. Gates vendeu as pitorescas margens do lago para cidades vizinhas que queriam o direito de continuar o canal intracosteiro até suas comunidades. As mansões da cidade não tinham mais panoramas de ondas brancas e barcos a vela singrando à brisa constante. Em vez disso, observavam navios-tanque passando para lá e para cá pelo canal.

    Meus pais iniciaram a vida sob o New Deal de Roosevelt, mas os rumores de guerra na Europa anuviavam seu sentido de futuro. Em 1936, a Alemanha ocupou a Renânia e o Japão invadiu a China.

    Papai trabalhava na única fábrica da Texaco que fazia contêineres para petróleo, latas que viajavam por todo o globo. Com o advento da guerra, a fábrica de acondicionamento de Seth tornou-se ainda mais essencial. Foi chamado para alistar-se no exército três vezes, mas sempre recusou por causa da importância de seu trabalho para o esforço de guerra.

    Com o inevitável colapso do casamento dos East, vovó Laura e sua filha mais nova, Mimi, vieram viver com meus pais. Para meus pais era a oportunidade de comprar sua primeira casa, um bangalô de tijolinhos com dois quartos nos limites da cidade. O dinheiro era pouco, tanto que, quando Seth foi comprar um cortador de grama, precisou pagar a prazo os 8 dólares do preço.

    Rodeados por incerteza, temor e trabalho interminável, meus pais celebravam a vida. Muitas vezes eram vistos na outra margem do Rio Sabine, em Vinton, Louisiana, uma cidade que se especializara em oferecer álcool sem limites e boa música para dançar para uma multidão do Texas. Batendo os saltos e estalando os dedos, mamãe às vezes dançava em cima das mesas. Papai costumava se perguntar se seria capaz de controlá-la.

    Certo dia, meu pai chegou do trabalho e sussurrou para minha mãe: Vamos deixar algo para a posteridade!. A moralidade do oeste do Texas permitia que a pessoa bebesse e festejasse antes de se estabelecer. Com a gravidez de mamãe, a festa foi abruptamente interrompida.

    Janis Lyn Joplin nasceu às 9h30 de 19 de janeiro de 1943. Naquela manhã, quando o trabalho de parto começou, minha mãe disse a papai que fosse para o trabalho. As mulheres sempre tiveram bebês. Vou ficar bem. Mais tarde ela confidenciou suavemente: Na próxima vez em que tiver um bebê, quero você comigo. Janis pesava apenas 2,5 quilos quando nasceu e estava três semanas adiantada. Mas aos 8 meses de idade já tinha espantosos 9 quilos. Em meio à Segunda Guerra Mundial, trazer uma vida ao mundo era aposta terrivelmente otimista.

    Papai mandou a mamãe um bilhete comovente e bem-humorado sobre o nascimento de Janis (o conteúdo só pode ser entendido se lembrarmos que ele trabalhava em uma fábrica):

    Desejo expressar minhas congratulações pelo aniversário do término bem-sucedido de sua quota de produção para o período de nove meses que terminou em 19 de janeiro de 1943.

    Percebo que a sra. atravessou um período de inflação em níveis nunca vistos – mesmo assim, atingiu seu objetivo graças a um esforço supremo durante as primeiras horas de 19 de janeiro, três semanas antes do final do prazo.

    Janis era a primeira criança, de ambas as famílias, a nascer em uma cidade e não na fazenda. Foi a primeira a ter maior exposição cultural além do rádio ou da igreja. Também mudou a vida de seus pais imediatamente. O fato de viver com a família estendida garantiu a Janis amor e atenção extras. Em seu terceiro aniversário, os Estados Unidos haviam jogado a bomba H em Hiroshima, a guerra caminhava para o fim e a vida de todos estava mudando. Minha avó e minha tia se mudaram para outras casas e a rotina dos Joplin ficou mais firme.

    Papai era o arrimo da família e tinha a palavra final nas maiores decisões. Os restantes 90% das escolhas eram de mamãe. Ela estava encarregada da casa e dos filhos. Mamãe largou o trabalho e dedicou-se a ser mãe da jovem Janis. Levou-a à Primeira Igreja Cristã para receber educação religiosa, que mamãe acabou por lecionar. Mamãe, na infância, passava horas costurando roupas elaboradas para suas bonecas e agora fazia ainda mais para a linda filhinha. Janis tinha belos vestidos de organdi com franzido, saias e blusas arrematadas com fitas e rendas, e lindos trajes de marinheiro para brincar.

    Papai estava acostumado à formalidade das relações dentro da família. Queria ser chamado pelo termo respeitoso pai, por isso ensinou a filha a dizer mãe em vez de mamãe. Mamãe era uma pessoa mais informal e, por isso, não obrigava a filha a dizer pai. Em vez disso, Janis naturalmente se acostumou a chamá-lo de papai.

    Embora durante o dia mãe e filha ficassem juntas, a tarde era a hora em que papai voltava do trabalho. Todas as noites Janis esperava pelo pai na porta da frente. Logo que ele chegava, eles se abraçavam, sentavam-se nos degraus da varanda e conversavam. Certo dia, mamãe por acaso ouviu papai contando a Janis sobre sua experiência de fabricar gim na época da faculdade. E por acaso isso é um tópico apropriado para conversar com uma criança?, ela perguntou mais tarde. Papai se recusou a discutir o assunto; em vez disso, deixou de se sentar à noite com Janis nos degraus para conversar. Janis ficou arrasada e nunca soube o porquê.

    Mamãe comprou para Janis um antigo piano de armário e a ensinou a tocar. Ela e Janis sentavam-se juntas no banquinho e a menina cantava as canções infantis que mamãe lhe ensinava. Janis muitas vezes se deitava à noite repetindo essas canções, muitas e muitas vezes, até dormir.

    Janis praticava as escalas regularmente, com os erros e as frustrações típicos. Papai odiava aquele ruído incômodo em suas noites pacíficas. Ele gostava de piano, mas queria as melodias de Chopin executadas por Rubenstein. Queixou-se e minha mãe concordou em vender o piano para evitar a potencial briga na casa.

    Papai também queria que o piano fosse vendido porque sua presença na casa era emocionalmente dolorosa para mamãe. Ela recentemente fizera uma operação para remover a glândula tireoide. Algo acontecera a suas cordas vocais na cirurgia e sua voz mudou para sempre. Ela nunca mais foi capaz de entoar sons puros nem de cantar em volume alto, embora sua fala estivesse boa.

    Antes de Janis completar 6 anos, mamãe tivera dois abortos naturais. A perda desses bebês tornava Janis ainda mais especial para seus pais. Finalmente, em 1949, mamãe deu à luz sua segunda filha, Laura Lee. Com meu nascimento, nossos pais decidiram mudar-se para uma casa maior. Alugaram uma bela residência de três quartos em uma rua calma ao lado de um grande pasto no limite da cidade. O bairro era chamado Griffing Park. Havia crianças em toda parte. As ruas eram distribuídas como os raios de uma roda e o eixo era uma escola elementar nova em folha, a escola pública Tyrrell. Quatro anos depois, nascia nosso irmão, Michael Ross.

    A área de Griffing devia seu caráter único a uma fazenda experimental iniciada no local em 1896. Fazia parte da promoção inicial da cidade, um método de demonstrar a fertilidade do solo. Os trabalhadores exibiam batatas, feijões, ervilhas, figos, laranjas, limões, cidras e romãs. Eucaliptos, cânfora, noz-pecã e palmeiras cresciam entre arbustos de oleandro e roseiras.

    Nossa nova casa, no número 3130 de Lombardy Drive, era de sequoia que o empreiteiro havia pintado de branco. Meu pai amaldiçoou a pintura desnecessária da madeira em todos os verões em que viveu na casa, porque tinha de passar a maior parte de suas férias raspando e pintando o exterior da casa. Como a maioria das casas na área, que ficava a apenas 1 metro acima do nível do mar, ela fora construída sobre colunas de tijolo de 45 centímetros de altura. Port Arthur estava sujeita a tempestades torrenciais e enchentes regulares.

    Nossos pais plantaram gardênias brancas na janela da sala e azaleias na janela dos quartos. Glicínias roxas cresciam em arbustos curtos, deitando botões abundantes e aromáticos como cachos de delicadas uvas. Uma árvore mimosa exibia suas brilhantes e penugentas flores de pontas rosadas na primavera, seguidas por uma densa camada de vagens marrons que as crianças gostavam de abrir. Duas sempre-vivas cônicas marcavam os cantos dianteiros do terreno e um carvalho vivo tinha posição de destaque no meio do quintal da frente. Mamãe fez um canteiro de flores que mudavam conforme a estação do ano na beira do caminho e papai plantou uma grande horta cercada por lírios no quintal de trás. Um pé de noz-pecã e dois de cinamomo completavam a paisagem.

    Nossos pais eram industriosos, curtos de dinheiro, mas criativos. Nossa sala era decorada com um painel retangular em cima do sofá. Era apenas um pedaço da parede que fora pintado de uma cor diferente do resto. Ao longo dos anos ela recebera uma moldura de madeira e era decorada com diversos tripés e pratos de bronze. Fora criada originalmente porque meus pais não tiveram dinheiro para comprar tinta suficiente para cobrir a parede inteira. Como a tinta

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