Trabalho Artigo (Prof. Pedro)

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Artigo de Biologia

Sistemas de Polinização e de reprodução de três espécies de


Jatropha(Euphorbiaceae) na Caatinga, semi-árido do Brasil

Introdução
Plantas com flores apresentam diferentes sistemas sexuais e reprodutivos, e esses são
variáveis e flexíveis (Proctor et al. 1996). A compreensão desses sistemas ajuda a
esclarecer importantes aspectos da interação flor-visitante, do padrão de fluxo gênico das
populações, assim como das relações filogenéticas entre espécies vegetais (Richards
1997). Nos ambientes tropicais predominam espécies monoclinas, mas com estratégias
florais que dificultam a autogamia e otimizam a xenogamia, normalmente associadas à
morfologia floral (Proctor et al. 1996). As características florais podem facilitar ou dificultar a
ação dos visitantes seja pela associação entre o tamanho corporal dos animais e as
dimensões florais ou pela localização dos recursos na flor e quando essas características
convergem, pode resultar na polinização (Frankie et al. 1983).

A família Euphorbiaceae é considerada a terceira família com maior riqueza de espécies na


caatinga (Giulietti et al. 2006) e possui representantes com grande potencial agrícola na
produção de biocombustível, como Jatropha curcas L. (pinhão manso) e Ricinus
communis L. (mamona). Entre os representantes dessa família, a monoicia é um sistema
sexual relativamente comum, especialmente nos gêneros Euphorbia, Cnidosculus,
Croton e Jatropha (Bullock 1985). Estudos que abordam aspectos da polinização e da
biologia reprodutiva de espécies de Jatropha são raros em todo o mundo (e.g. Dehgan &
Webster 1979, Reddi & Reddi 1983, Ormond et al. 1984, Epila-Otara 1993, Raju &
Ezradanam 2002, Bhattacharya et al. 2005). Para as áreas de caatinga, Santos et al. (2005)
estudaram a fenologia floral, biologia floral e o sistema reprodutivo de Jatropha
mollissima (Pohl) Baill. e J. mutabilis (Pohl) Baill. nos municípios pernambucanos de Buíque
e Arcoverde. Na Ecorregião do Raso da Catarina, registram-se apenas o trabalho de
Neves et al. (2010), que estudaram os comportamentos fenológicos, a capacidade de
armazenamento de água e o padrão de distribuição espacial de Jatropha mollissima (Pohl)
Baill., J. mutabilis (Pohl) Baill e J. ribifolia (Pohl) Baill. e Neves & Viana (2011) que testaram
experimentalmente a eficiência da Apis mellifera Linnaeus na polinização de J.
mollissima e J. mutabilis em apenas uma visita. Nesse sentido, o presente trabalho
apresenta, pela primeira vez, a biologia da polinização de J. ribifolia, contribui com novos
dados para J. mollissima e J. mutabilis e compara as estratégias de polinização das três
espécies.

Material e métodos

Área de estudo - O trabalho de campo foi desenvolvido na Ecorregião do Raso da Catarina


(sensu Velloso et al. 2002), área prioritária para a conservação da flora e fauna de
invertebrados da caatinga, de acordo com o relatório do Ministério do Meio Ambiente
(2002). O clima da região é tropical semi-árido, com temperaturas médias anuais variando
entre 27 ºC e 29 ºC e médias de precipitação inferiores a 800 mm (Inmet - IV Distrito). As
coletas de dados foram realizadas no período de maio de 2005 a junho de 2007 na
Estação Biológica de Canudos (9º56'34" S, 38º59'17" W), Canudos-BA, pertencente à
Fundação Biodiversitas e com área total de 1500 ha. O local possui formações de arenito
que produzem canyons e é colonizada por vegetação de caatinga hiperxerófila arbustiva-
arbórea.

Espécies estudadas - Jatropha mollissima, J. mutabilis e J. ribifolia são arbustos co-


ocorrentes na Ecorregião do Raso da Catarina, apresentam comportamento fenológico
contínuo e variável quanto à frequência, duração e regularidade dos episódios, com altos
índices de sobreposição das fenofases e ausência dos dois tipos de flores (estaminadas e
pistiladas) nos meses mais frios e úmidos e de flores pistiladas em momentos isolados do
ciclo fenológico (Neves et al. 2010).

Biologia floral - Foram utilizadas 20 flores de cada espécie distribuídas em cinco indivíduos
(quatro flores por indivíduo) e registraram-se informações sobre a forma, diâmetro e
profundidade da corola, cor, estruturas reprodutivas e sua disposição na flor. Para a
medida do comprimento da inflorescência foram selecionadas 20 inflorescência de cada
espécie, sendo uma de cada indivíduo. Voucher das espécies foram depositados no
Herbário da Universidade Estadual de Feira de Santana (J. mutabilis E.L. Neves 01, J.
ribifolia E.L. Neves 02, J. molissima E.L. Neves 03). Durante os períodos de pico de
floração (segundo Neves et al. 2010) em 20 indivíduos de cada espécie, previamente
marcados, acompanhou-se a duração de uma inflorescência por indivíduo, contou-se o
número de flores estaminadas e pistiladas por inflorescência (n = 30) e o número de frutos
produzidos por inflorescência (n = 30). A duração da antese e a longevidade dos dois tipos
de flores foram verificadas em 20 flores de cada tipo em 10 indivíduos (duas flores por
indivíduo) diferentes para cada espécie.

Utilizando-se 10 botões de cada espécie, em fase de pré-antese e coletados de indivíduos


diferentes (um botão de cada indivíduo), contou-se o número de grãos de pólen por antera
em microscopia óptica. De cada botão foram retiradas duas anteras e a contagem foi
realizada para cada uma delas separadamente. Para testar a viabilidade polínica, utilizou-
se 10 flores de cada espécie (uma por indivíduo) coletadas a cada 60 minutos, a partir do
início da antese, e armazenadas em microtubos individuais contendo solução de vermelho
neutro 1%, de acordo com os procedimentos propostos por Kearns & Inouye (1993). Em
laboratório, foram confeccionadas lâminas semi permanentes para realizar a quantificação
do percentual de grãos corados sob microscopia óptica. A receptividade do estigma foi
detectada utilizando-se peróxido de hidrogênio, de acordo com Dafni et al. (2005). O teste
foi realizado em 20 flores de 10 indivíduos diferentes (duas flores por indivíduo), desde o
início da abertura da flor até a queda de todas as pétalas nas flores pistiladas ou abscisão
das flores estaminadas.

O volume do néctar foi medido em 10 flores estaminadas e 10 pistiladas, por cada espécie
(uma flor por indivíduo), utilizando-se microcapilares de 10 e 25 µL para J. mollissima e J.
mutabilis e de 5 µL para J. ribifolia. Para a medida do volume total de néctar produzido,
botões foram ensacados com voal para evitar a presença de visitantes. O néctar foi
medido 36 horas após o início da antese nas flores pistiladas e após 14 horas nas flores
estaminadas. Para avaliar o padrão diário de produção de néctar, botões foram ensacados
com voal para evitar a presença de visitantes e o néctar foi medido a cada três horas. Esse
procedimento não foi feito para J. ribifolia porque as flores eram danificadas logo na
primeira amostragem. Para avaliar a quantidade de néctar disponível aos visitantes (nectar
standing crop), realizou-se a medida de seis em seis horas em flores funcionais abertas
aos visitantes. A concentração de solutos foi medida utilizandose refratômetro de bolso
(Atago® 0% a 32%), sendo o total de açúcar (em mg) mensurado utilizando-se a tabela
proposta por Galetto & Bernadello (2005).

Sistemas reprodutivos - Para avaliar os sistemas reprodutivos, realizaram-se os seguintes


experimentos que foram acompanhados até a maturação dos frutos ou abscisão das
flores: (1) geitonogamia espontânea, ensacando-se 20 inflorescências contendo botões de
flores pistiladas e estaminadas e deixando-os sem manipulação, (2) apomixia, 20 botões
de flores pistiladas foram ensacados no dia anterior à antese e deixados sem
manipulação, (3) geitonogamia manual, 20 botões de flores pistiladas foram ensacados no
dia anterior à antese e, após a abertura da flor, realizou-se a polinização manual com
grãos de pólen de flores do mesmo indivíduo, (4) xenogamia manual, 20 botões de flores
pistiladas foram ensacados no dia anterior à antese e, após a abertura da flor, realizou-se
a polinização manual com grãos de pólen de flores de indivíduos distantes pelo menos 200
metros da planta mãe, (5) Controle, 20 botões pistilados foram etiquetados e deixados
acessíveis aos visitantes florais. Em todos os experimentos, utilizaram-se, no máximo,
duas flores pistiladas por indivíduo e sacos de voal. A limitação de pólen foi mensurada a
partir da comparação dos resultados obtidos nos tratamentos de autopolinização manual,
polinização manual cruzada e controle. A razão pólen/óvulo foi estimada de acordo com
Cruden (1977).

Visitantes florais - Foram feitas observações dos visitantes às flores, no período de março
de 2004 a junho de 2007, em indivíduos focais no campo (10 indivíduos por espécie) com
relação à frequência de visita às flores, comportamento, tempo de permanência e recurso
coletado. No total foram feitas 132 horas de observações de campo para as três espécies
sendo 96 horas distribuídas no período diurno (32 horas para cada espécie) e 36 horas no
noturno (12 horas para cada espécie). As espécies de abelhas visitantes foram capturadas
para identificação, sendo as mais comuns identificadas no campo, a partir de informações
disponíveis em Pigozzo (2004). Material testemunho encontra-se depositado na coleção
do Museu de Zoologia da Universidade Federal da Bahia. Os beija-flores foram
identificados utilizando-se as pranchas do manual de campo proposto por Souza (2004) e
a classificação seguiu as recomendações do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos
(Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos 2006).

Análise dos dados - Foi utilizada análise de variância não paramétrica Kruskal-Wallis
(Siegel & Castellan Junior 1988), ao nível de significância de 5%, com teste de
comparação múltipla de Dunn para analisar o efeito dos diferentes tratamentos dos
sistemas reprodutivos na formação de frutos nas espécies estudadas, utilizando-se o
programa GraphPad InStat© 3.0 for Windows. Os gráficos de produção diária de néctar e
de standing crop foram feitos no aplicativo R versão 2.13.0 (2011), pacote graphics version
2.13.0 e editados no aplicativo CorelDraw 12 versão 12.0.0.458 (2003).

Resultados

As três espécies de Jatropha estudadas compartilham atributos semelhantes. Todas são


arbustos residentes na caatinga, decíduos, monóicos, com inflorescência do tipo dicásio.
As flores são pentâmeras, do tipo disco (sensu Faegri & Pijl 1979) e diclamídeas. Nas
flores pistiladas o ovário é súpero, trilocular com um óvulo por lóculo. Há produção de
néctar tanto nas flores pistiladas quantos nas estaminadas. Nas flores estaminadas as
anteras são amarelas com deiscência rimosa. Os frutos são esquizocárpicos de deiscência
explosiva, de coloração verde quando imaturos e marrom-acinzentados quando maduros.
Detalhes da morfologia das inflorescências, flores e frutos de cada espécie estão
organizados na tabela 1.

Biologia floral - As inflorescências de J. mollissima e J. mutabilis têm longevidade máxima


de 32 e 25 dias, respectivamente. Em cada inflorescência, as primeiras flores a abrir são
pistiladas, e somente após a senescência destas inicia-se a abertura das flores
estaminadas. Após a abscisão das primeiras flores estaminadas, novas flores pistiladas
podem abrir seguindo a mesma sequência descrita, de modo que não há sobreposição
entre os dois tipos de flores na mesma inflorescência. Em novembro de 2006, observou-se
em 12 indivíduos de J. mutabilis inflorescências contendo apenas flores estaminadas
(n =31). Nesse mesmo período, observaram-se nove flores estaminadas de J.
mutabilis apresentando apenas rudimentos de estame e sem glândulas nectaríferas e
flores estaminadas normais permaneceram funcionais por até 36 horas. As inflorescências
de J. ribifolia têm longevidade máxima de 18 dias. Abre-se, inicialmente, a flor pistilada
mais central e, cerca de 24 a 48 horas depois, inicia-se a abertura das flores estaminadas.
Com o amadurecimento da inflorescência, as demais flores pistiladas abrem-se
concomitante com as flores estaminadas, ocorrendo sobreposição dos dois tipos de flores
na mesma inflorescência.

Jatropha mollissima e J. mutabilis possuem abertura floral crepuscular e noturna e J.


ribifolia, diurna. Em J. mollissima a movimentação das pétalas inicia-se às 17h30 e às
20h00 as flores estaminadas estão completamente abertas; já as pistiladas concluem a
abertura às 21h30. Em J. mutabilis, a partir das 16h30 inicia-se a movimentação das
pétalas, as quais às 19h00, em ambos os tipos de flores, estão completamente abertas. O
processo de movimentação das pétalas das flores de J. ribifolia é mais lento e pode se
iniciar às 18h00 do dia anterior à abertura da flor. O início de abertura, nos dois tipos
florais e a exposição das estruturas reprodutivas ocorrem a partir das 4h30; a flor pistilada
está completamente aberta às 7h00 e a estaminada às 8h30. Em todas as espécies, os
estigmas ficam receptivos por toda a antese.

Em J. mollissima e J. mutabilis, as flores pistiladas têm duração de até 48 horas,


permanecendo abertas durante todo o período. Entretanto, quando polinizadas, perdem as
pétalas cerca de duas horas após receberem os grãos de pólen e, quando não ocorre
polinização, até 36-48 horas o estigma e o ovário adquirem coloração amarronzada e
murcham. As flores estaminadas têm longevidade máxima de 15 horas, quando ocorre a
abscisão. Já em J. ribifolia, ambos os tipos de flores têm duração de até 48 horas,
permanecendo abertas durante todo o período. Iniciada a senescência, ficam amarelas
pálidas e caem. É comum a persistência das pétalas até a fase de amadurecimento dos
frutos.

Nas três espécies, a deiscência das anteras ocorre no momento em que as estruturas
reprodutivas ficam expostas a partir de um orifício formado pela separação das pétalas no
ápice da flor e 100% dos grãos de pólen permanecem viáveis por toda a antese. Cada flor
estaminada de J. mollissima produz, em média, 3516 ± 268 grãos de pólen, as de J.
mutabilis, 2836 ± 188, e as de J. ribifolia, 1684 ± 181. Sendo assim, a razão pólen/óvulo
foi, respectivamente, 1172,0; 945,3 e 561,3.

Em todas as espécies, o néctar começa a ser secretado cerca de meia hora após a abertura
total da flor e a secreção permanece por toda a antese em J. ribifolia e até às 10h00 (cerca
de 17 horas após o início da antese) em J. mollissima e J. mutabilis. As flores pistiladas
dessas duas espécies, que tem duração superior a 24 horas, interrompem a secreção de
néctar às 10h00 do primeiro dia de antese e retornam a produção às 19h00, completando
assim, dois períodos de secreção. Nas três espécies, 10% das flores estaminadas não
produziam néctar. O volume de néctar secretado variou ao longo do dia e para J.
mollissima e J. mutabilis o período de maior secreção ocorreu entre 01h30 e 04h00 (figura
1). Em J. mollissima e J. mutabilis houve disponibilidade de néctar (nectar standing crop) à
noite, e ao amanhecer, já não havia mais néctar. Já em J. ribifolia, houve néctar durante
todo o período (figura 2). Os dados de volume total e concentração média de néctar e total
médio de açúcar por flor das três espécies são apresentados na tabela 1.
Sistemas reprodutivos - Os resultados dos experimentos dos sistemas reprodutivos das três
espécies são apresentados na tabela 2. Apenas J. ribifolia produziu frutos por geitonogamia
espontânea. O fruto registrado no experimento de apomixia deve ser resultante de
contaminação.

O teste de Kruskal-Wallis revelou que há diferença significativa entre os tratamentos


para J. mollissima (KW = 59,796), J. mutabilis (KW = 59,058) e J. ribifolia (KW =
63,660). Nota-se que J. molissima e J. mutabilis apresentaram o mesmo padrão de
diferenças nos sucessos dos experimentos (tabela 2), onde a formação de frutos por
geitonogamia manual, xenogamia manual e controle não diferiu entre si. O sucesso dos
testes de geitonogamia manual, xenogamia manual e controle também não apresentou
diferenças significativas para J. ribifolia, enquanto se observou que a formação de
frutos por geitonogamia foi similar a estes tratamentos (tabela 2). Os frutos obtidos em
todos os tratamentos, para as três espécies, possuíam três sementes e,
em J.mollissima e J. mutabilis completaram a maturação entre 38 e 45 dias e em J.
ribifolia, entre 26 e 32 dias.
Visitantes florais - As abelhas Apis mellifera, Trigona spinipes e Xylocopa
grisescens visitaram as flores das três espécies, sendo A. mellifera a mais frequente,
seguida de T. spinipes. O beija-flor Chlorostilbon lucidus foi o beija-flor mais
frequente, visitando apenas as flores de J. mollissima e J. mutabilis, sendo esta última a
mais visitada. As abelhas Eulaema nigrita, Xylocopa frontalis e Pseudoaugochlora
pandora eo beija-flor Anopedia gounellei realizaram apenas visitas esporádicas (tabela
3). De modo geral, as visitas se concentraram no período das 06h00 às 10h00, tanto nas
flores estaminadas quanto nas flores pistiladas, e poucos visitantes foram observados
após o meio dia. Néctar foi o recurso mais procurado por todos os visitantes. Trigona
spinipes, entretanto, foi mais frequentemente observada coletando pólen, tecido vegetal
e seiva dos ramos. As visitas às flores de J. ribifolia foram raras durante todo o período.
Dentre as abelhas, apenas A. mellifera e T. spinipes visitaram várias flores (pistiladas e
estaminadas) de um mesmo indivíduo de J. mollissima e J. mutabilis e permaneceram por
mais tempo em cada flor. Ao visitarem as flores pistiladas, permaneciam pousadas nas
pétalas coletando néctar e, após alguns segundos, se deslocavam ao redor do ovário
contatando o estigma. Nas flores masculinas, T. spinipes coletou apenas pólen fixando-se
na antera para a retirada do mesmo com o auxílio das mandíbulas. Já A. mellifera, quando
coletava néctar, introduzia o corpo no interior da flor por entre os estames e quando
coletava pólen pousava diretamente sobre o ápice das anteras. Apis mellifera foi mais
frequente e abundante nas flores de J. mutabilis.

As demais espécies visitaram apenas uma flor em cada indivíduo. Eulaema nigrita, X.
grisescens e X. frontalis realizaram visitas rápidas e utilizaram as peças florais como local
de pouso, contatando assim as estruturas reprodutivas. Pseudoaugochlora pandora visitou
apenas as flores estaminadas onde ficavam em constante movimento e saiam com o
corpo carregado de pólen.

Chlorostilbon lucidus e Anopedia gounellei são beija-flores pequenos e realizaram as


visitas adejando a flor e introduzindo o bico diretamente na região das glândulas
nectaríferas, contatando as estruturas florais em ambos os tipos de flores, raramente,
visitando mais de duas flores por indivíduo. Observou-se que ambas as espécies
percorreram distâncias maiores do que as abelhas ao saírem de uma planta para outra. O
mesmo comportamento foi observado para as duas espécies de Xylocopa. Em 2006,
foram observadas três visitas de morcego para tomada de néctar em flores pistiladas de J.
mollissima, não sendo possível sua identificação.

Discussão

As três espécies apresentam flores com características que poderiam se encaixar em


diferentes síndromes florais (sensu Faegri & Pijl 1979, Proctor et al. 1996). De acordo com
Ollerton et al. (2009) essa característica parece ser comum em diversas espécies de
comunidades vegetais, tanto em regiões de clima tropical quanto em clima temperado.
Para chegar a essa conclusão aqueles autores testaram experimentalmente a utilidade
prática das síndromes florais e concluíram que raramente as características florais estão
de acordo com as síndromes de polinização tradicionais. Tanto o volume quanto a
concentração do néctar encontrados nos três representantes de Jatropha são compatíveis
com os padrões encontrados para espécies melitófilas e ornitófilas (sensu Proctor et
al. 1996), enquanto a cor vermelha das pétalas de J. mollissima e J. mutabilis é
característica de flores ornitófilas e a cor esverdeada das flores de J. ribifolia, de flores
miiófilas. Comportamento generalista na atração de visitantes também foi observado
para J. mollissima e J. mutabilis (Santos et al. 2005) e J. curcas (Raju & Ezradanam 2002,
Bhattacharya et al. 2005).

O maior número de flores estaminadas em relação às pistiladas é uma estratégia que pode
ser vantajosa para as plantas por aumentar a disponibilidade de pólen na população e,
consequentemente, a chance de polinização cruzada. Essa característica é comum em
espécies monóicas e dióicas e foi observado em outros estudos com espécies
de Jatropha (p.e. Raju & Ezradanam 2002, Añez et al. 2005, Bhattacharya et al. 2005,
Santos et al. 2005). Além disso, essas flores recebem maior quantidade de visitas
favorecendo a doação de maior quantidade de grãos de pólen (Stanton et al. 1986),
compensando assim a sua menor longevidade (Silva et al. 2006).

Em J. mollissima e J. mutabilis a abertura das flores pistiladas antes das estaminadas em


uma mesma inflorescência, fenômeno chamado de protoginia interfloral (Lloyd & Webb
1986), aumenta as chances de alogamia. Entretanto, como ocorre sincronia na antese de
flores pistiladas e estaminadas, em inflorescências diferentes do mesmo indivíduo, pode
ocorrer geitonogamia (Silva et al. 2006). Na área deste estudo, a geitonogamia parece ser
potencializada devido ao comportamento de visita a diversas flores do mesmo indivíduo
realizada por A. mellifera, principal polinizador em ambas as espécies (Neves & Viana
2011). Em J. ribifolia, apesar das flores não serem bissexuadas e de existir protoginia na
inflorescência, as flores pistiladas de uma mesma inflorescência abrem e permanecem
viáveis em sobreposição temporal com as flores estaminadas, favorecendo a
geitonogamia. Uma característica que também parece favorecer a polinização dessa
espécie, que atrai poucos visitantes, é a maior longevidade das flores pistiladas.

Jatropha mollissima e J. mutabilis apresentaram variação nos eventos de desenvolvimento


da inflorescência e da flor em relação aos observados por Santos et al. (2005). Dentre
eles, destaca-se o horário de início da abertura das flores que, em Canudos, foi vespertina
com as flores estaminadas e pistiladas permanecendo abertas durante a noite, enquanto
em Pernambuco, foi matutina iniciando-se às 04h00. Esse resultado sugere que os
eventos de desenvolvimento floral em Jatropha são flexíveis e influenciados por variações
espaciais e ambientais.

Em plantas com flores unissexuais, uma modificação de sexo do indivíduo pode acontecer
rapidamente através de estímulo ambiental, do tamanho ou idade do indivíduo (Richards
1997). Um exemplo disso é a dioicia funcional, ou seja, alternância de função pistilada e
estaminada em um mesmo indivíduo, tornando-o temporariamente unissexual. Esse
fenômeno, que ocorre em pelo menos 37 famílias de angiospermas, está fortemente
associado à monoicia, à protoginia e à autocompatibilidade, e tem como principal
vantagem evolutiva minimizar a geitonogamia e favorecer a xenogamia (Cruden 1988).
Dioicia funcional foi observada em J. mutabilis, cujas inflorescências apresentavam,
exclusivamente flores estaminadas, tornando os indivíduos funcionalmente masculinos.
Não foram encontrados registros para outras espécies de Jatropha, mas Raju &
Ezradanam (2002) descreveram para J. curcas a ocorrência de indivíduos com algumas
inflorescências contendo flores estaminadas na posição de flores pistiladas, evidenciando
a possibilidade de sua ocorrência. Santos et al. (2005) registraram a ocorrência de flores
em estágio intermediário de sexualidade, com vestígio do sexo oposto em J.
mollissima e J. mutabilis, mas não mencionam fenômenos de dioicia funcional.

Em J. ribifolia, a produção de néctar até a senescência das flores pode ser considerada
mais uma estratégia desta espécie para a atração de potenciais polinizadores. Entretanto,
isso não pode ser comprovado devido ao baixo número de visitantes observados durante o
período amostral. Para J. mollissima e J. mutabilis, o horário de início da produção de
néctar foi semelhante àquele observado por Santos et al. (2005). Entretanto, aquelas
autoras relataram que não houve produção de néctar à noite, nem mesmo nas flores
pistiladas que duram mais de dois dias, diferente do aqui relatado, uma vez que a maior
produção, nas três espécies, ocorreu durante a madrugada. A diminuição do volume em J.
mollissima e J. mutabilis ao longo do dia deve estar relacionado ao aumento da
temperatura e diminuição da umidade relativa, conforme sugerem Faegri & Pijl (1979).
Outra possibilidade é que tenha havido reabsorção do néctar, recurso que permite às
plantas economizarem metabólitos não consumidos pelos polinizadores (Luyt & Johnson
2002).
Maior quantidade de açúcar disponibilizado no néctar produzido pelas flores pistiladas
deve ampliar sua atratividade aos visitantes e com isso aumentar as chances de
polinização, já que são menos abundantes em todos os indivíduos. Por outro lado, as
flores estaminadas, mais abundantes, disponibilizam menor quantidade de açúcar, o que,
de acordo com Bhattacharya et al. (2005), representa um ganho evolutivo estabelecido
graças às forças seletivas operando no sistema planta-polinizador. A maior frequência e
abundância de A. mellifera nas flores de J. mutabilis pode ser explicada pela maior
quantidade de açúcar disponibilizada por esta espécie vegetal, tanto nas flores pistiladas,
quanto nas estaminadas.

De acordo com a classificação de Cruden (1977) para a relação pólen/óvulo, as três


espécies apresentam xenogamia facultativa. Jatropha ribifolia, que apresentou a menor
relação pólen/óvulo e foi observada produzindo frutos sem a participação de vetores
bióticos, parece ser a espécie mais flexível. Jatropha mollissima e J. mutabilis são
autocompatíveis, mas, por necessitarem, obrigatoriamente, de vetores de pólen, a
xenogamia deve representar o único modo de reprodução. Entretanto, essa constatação
não afasta a possibilidade de endogamia, já que A. mellifera, visitante mais frequente,
coleta em várias flores de um mesmo indivíduo e, quando muda de planta, tende a ir para
o indivíduo mais próximo (Neves & Viana 2011). Sabe-se que espécies monóicas
autocompatíveis estão propensas a altas taxas de auto-fecundação, que podem resultar
em depressão por endocruzamento (Cruden 1988b). Esse comportamento foi observado
em J. ribifolia que, durante o período amostrado, recebeu raras visitas às flores e
apresentou altas taxas de autopolinização espontânea, sugerindo ser esse o principal meio
de reprodução desse táxon no período amostrado.

A alta frequência e abundância das espécies eussociais A. mellifera e T. spinipes nas


flores foram observadas em diversos estudos sobre visitantes florais e biologia da
polinização em vários biomas brasileiros (e.g. Wilms et al. 1996, Neves & Viana 2002,
Klein et al. 2003, Minussi & Alves-dos-Santos 2007). Em Canudos, esse resultado pode ter
sido ainda mais acentuado pela habilidade dessas abelhas em nidificarem nas frestas dos
paredões de arenito dos canyons e, no caso de A. mellifera, pela dificuldade dos meleiros
em predar suas colônias devido à dificuldade de acesso. Em estudo realizado na área por
Pigozzo & Viana (2010) em relação às redes de interações estabelecidas entre as
espécies de abelhas e plantas, 11,5% e 10,1% das interações aconteceram entre a flora
local e as abelhas A. mellifera e T. spinipes, respectivamente. Esse resultado evidencia a
importância relativa dessas abelhas no sistema planta-polinizador dessa região.

O baixo número de indivíduos de abelhas nativas e de beija-flores observado em J.


mollissima e J. mutabilis, em todos os períodos de observação, pode ter sido resultante do
monopólio de A. mellifera nas flores, impedindo a aproximação dos demais visitantes, já
que essas abelhas iniciam as visitas a partir das 04h30, com grande número de indivíduos
por planta. Às 06h00, quando se inicia a atividade dos demais visitantes, elas já coletaram
a quase totalidade dos grãos de pólen e do néctar disponíveis. A exaustão de recursos
florais por A. mellifera, deslocando visitantes nativos, também foi observada por Paton
(1993) e Celebrezze & Paton (2004) na Austrália. Na área do presente estudo, essa
evidência preocupa porque se A. mellifera estiver deslocando os visitantes nativos devido
à exaustão dos recursos florais, espécies vegetais que dependam exclusivamente de
polinizadores nativos terão seu sucesso reprodutivo influenciado negativamente.

O registro de visitas de morcegos em flores de Jatropha é inédito. O fato desses


mamíferos terem sido observados apenas em flores pistiladas deve estar relacionado ao
tipo floral, o qual expõe completamente o néctar acumulado, e à grande quantidade
produzida que, muitas vezes, escorre entre as pétalas. A tomada em flores estaminadas é
dificultada pelo menor diâmetro da flor e preenchimento do espaço interno pelos estames.
Como não foram registradas visitas às flores estaminadas, não é possível classificar os
morcegos como polinizadores efetivos de J. mollissima. Embora sem apresentar atributos
florais característicos de quiropterofilia (com exceção do horário de abertura das flores), é
possível que, em períodos de escassez de recursos, a exploração de néctar das flores
de J. mollisima por morcegos se intensifique e esses mamíferos possam vir a atuar como
polinizadores ocasionais e elementos de pressão seletiva que resultem em mudança de
síndrome floral.

As observações sobre o comportamento dos visitantes sugerem que em Canudos as


abelhas Apis mellifera, Xylocopa frontalis e X. grisescens e os beija-flores Anopetia
gounellei e Chlorostilbon lucidus seriam os polinizadores efetivos de J. mollissima e J.
mutabilis. Santos et al. (2005) sugerem que essas espécies podem ser polinizadas,
também, por vespas e borboletas, mas indivíduos desses grupos não foram amostrados
em Canudos. A pequena abundância de A. mellifera visitando flores de J. ribifolia pode
estar relacionada à menor quantidade de indivíduos, e consequentemente de flores,
disponíveis dessa espécie vegetal em relação às outras duas espécies de Jatropha. É
conhecido que A. mellifera forrageia, preferencialmente, em plantas que disponibilizam
grande quantidade de flores (Wilms et al. 1996), explorando, portanto, outras fontes de
recursos mais produtivas. Distintas espécies de abelhas eussociais também parecem ser
visitantes potenciais de J. ribifolia na área, apesar de não terem sido amostradas nas
flores. Em estudo a respeito do potencial apícola de três espécies de Mimosa L., realizado
na mesma área do presente trabalho, Lima (2007) registrou a presença de pólen de J.
ribifolia armazenado em colônias artificiais de Plebeia sp. , indicando que táxons desse
gênero forrageiam em flores dessa espécie.

Os dados obtidos neste estudo permitem concluir que a monoicia favorece a xenogamia
nestas espécies, mas o sucesso desse sistema de reprodução depende do
desenvolvimento assincrônico das inflorescências e do comportamento dos polinizadores.

Agradecimentos - À Fundação Biodiversitas pela autorização concedida para o


desenvolvimento dos trabalhos de campo na Estação Biológica de Canudos; à Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia - Fapesb (Termo de Outorga TO 261/03 Etapa
II) pelo apoio financeiro às atividades de campo; ao CNPq pela bolsa de produtividade em
pesquisa a Blandina F. Viana e Isabel C. Machado; aos membros do Labea/IBUFBA pelo
auxílio nas coletas de campo.

(recebido: 06 de maio de 2010; aceito: 22 de novembro de 2011

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