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Unidade II

Unidade II
5 TERAPIA NUTRICIONAL NAS DOENÇAS CARDIOVASCULARES

As doenças cardiovasculares (DCV) constituem a principal causa de óbito no Brasil e no mundo


(SILVA et al., 2018). Elas representam um sério problema de saúde pública devido às altas taxas de
morbidade e letalidade.

Os fatores de risco implicados na gênese das DCV incluem o tabagismo, a hipertensão arterial
sistêmica (HAS), as dislipidemias, o diabetes mellitus (DM), a dieta inadequada, a inatividade física
(CASTRO et al., 2003), o uso nocivo de álcool, o estresse psicossocial, a idade avançada, o sobrepeso e a
obesidade (FREIRE et al., 2017).

Observa-se que uma pessoa com circunferência abdominal aumentada (obesidade central) possui
risco elevado de óbito de 87% em comparação a uma pessoa com alto índice de massa corpórea (IMC),
mas sem circunferência abdominal elevada (SILVA et al., 2018).

As mudanças no estilo de vida e o controle dos fatores de risco modificáveis (dislipidemias, obesidade,
HAS, DM, tabagismo, sedentarismo, dentre outros) representam a base terapêutica e o controle das DCV,
o que demanda atuação de uma equipe multiprofissional (FREIRE et al., 2017).

O nutricionista possui uma atuação importantíssima na terapia nutricional das DCV e de seus fatores
predisponentes, visto que a intervenção nutricional exerce um papel fundamental tanto na prevenção
quanto no tratamento dessas doenças em todos os níveis de assistência à saúde.

Nesta unidade, serão abordadas as intervenções nutricionais nas dislipidemias, na HAS, na insuficiência
cardíaca congestiva (ICC) e no infarto agudo do miocárdio (IAM), destacando o imprescindível papel do
nutricionista e demais membros da equipe multiprofissional.

5.1 Terapia nutricional nas dislipidemias

5.1.1 Dislipidemias e aterosclerose

As dislipidemias são definidas como aumento de lipoproteínas aterogênicas e de triglicerídeos (TG)


e diminuição da lipoproteína de alta densidade (HDL-c), sendo responsáveis por determinar ou facilitar
o estabelecimento de aterosclerose (FALUDI et al., 2017, FERREIRA et al., 2011).

Etiologicamente, as dislipidemias são classificadas como primárias ou secundárias. As dislipidemias


primárias são desencadeadas por alterações neuroendócrinas e distúrbios metabólicos (causa
hereditária reconhecida ou não), ao passo que as secundárias podem ocorrer em detrimento de
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NUTRIÇÃO CLÍNICA

sedentarismo, etilismo, hábitos alimentares inadequados, uso de medicamentos, diabetes mellitus


(DM), obesidade, entre outras doenças de base (FALUDI et al., 2017; XAVIER et al., 2013; FERREIRA et
al., 2011).

Em relação à fração lipídica, as dislipidemias podem ser classificadas em: a) hipercolesterolemia


isolada (aumento isolado de lipoproteína de baixa densidade - LDL-c); b) hipertrigliceridemia isolada
(aumento isolado dos triglicérides); c) hiperlipidemia mista (aumento do LDL-c e dos TG); e d)
HDL-c baixo: redução do HDL-c isolada ou em associação ao aumento de LDL-c ou de TG (FALUDI
et al., 2017).

Na tabela a seguir estão descritos os pontos de corte para cada tipo de dislipidemia.

Tabela 5 – Classificação laboratorial das dislipidemias

Tipos Interpretação
Hipercolesterolemia isolada LDL-c ≥ 160 mg/dL
TG ≥ 150 mg/dL ou
Hipertrigliceridemia isolada
TG ≥ 175 mg/dL (sem jejum)
LDL-c ≥ 160 mg/dL
Hiperlipidemia mista TG ≥ 150 mg/dL ou TG ≥ 175 mg/dL (sem jejum)
Se TG > 400 mg/dL, considerar não HDL-c ≥ 190 mg/dL
Homens: < 40 mg/dL
HDL-c baixo Mulheres: < 50 mg/dL
Em associação: aumento de LDL-c e TG

Adaptado de: Faludi et al. (2017).

Os valores referenciais dos lipídeos, em jejum ou sem jejum, para indivíduos com idade superior a 20
anos estão descritos na tabela a seguir.

Tabela 6 – Valores de referência dos lipídeos para


indivíduos maiores de 20 anos de idade

Lipídeos Com jejum Sem jejum Referência


Colesterol total < 190 < 190 Desejável
HDL-c > 40 > 40 Desejável
Triglicérides < 150 < 175 Desejável
Categoria de risco
< 130 < 130 Baixo
< 100 < 100 Intermediário
LDL-c
< 70 < 70 Alto
< 50 < 50 Muito alto

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Unidade II

Lipídeos Com jejum Sem jejum Referência


Categoria de risco
< 160 < 160 Baixo
< 130 < 130 Intermediário
Não HDL-c
< 100 < 100 Alto
< 80 < 80 Muito alto

Adaptada de: Faludi et al. (2017).

A aterosclerose é um processo crônico, progressivo e sistêmico que se caracteriza por uma resposta
inflamatória e fibroproliferativa da parede das artérias, ocasionada por agressões da superfície arterial.
Logo após o nascimento, inicia-se o processo de aterosclerose, com repercussões clínicas a partir dos
30 anos de idade. A injúria endotelial de diversas causas (atividade tóxica da LDL-c, nicotina, estresse
hemodinâmico pela HAS etc.) constitui o ponto inicial do processo de aterosclerose, o que leva à
disfunção endotelial (SILVA; MARQUES, 2007).

A dislipidemia é um dos fatores que desencadeia a disfunção endotelial, em que se observa aumento
no transporte da LDL-c para a camada íntima, seguindo-se do acúmulo dessa lipoproteína, formando
partículas e micelas compactas, ou vesículas maiores, os lipossomos extracelulares. Na vigência de
disfunção endotelial, a concentração de citocinas pró-inflamatórias se eleva, o que estimula a síntese
de moléculas de adesão, favorecendo o recrutamento e a adesão de monócitos à superfície endotelial
(SILVA; MARQUES, 2007).

Altas concentrações de LDL-c propiciam a penetração de citocinas pró-inflamatórias na região


subendotelial. As partículas de LDL-c sofrem oxidação progressiva após contato com células endoteliais,
macrófagos, ou células musculares lisas, o que faz com que macrófagos incorporem grandes partículas de
LDL-c, tornando-se ricos em conteúdo lipídico. As células espumosas, características da estria gordurosa,
são então formadas, o que representa lesão precoce no início da aterosclerose (SILVA; MARQUES, 2007).

Logo, o surgimento da aterosclerose como consequência das dislipidemias se dá por meio da


formação de placas lipídicas aterogênicas depositadas na parede arterial, o que ocasiona a obstrução
do fluxo sanguíneo. Há evidências de que as placas lipídicas podem surgir na superfície capilar da aorta
ainda na infância; ou seja, a partir dos três anos de idade e, nas coronárias, durante a adolescência
(HONORATO et al., 2010, FRANCA; ALVES, 2006).

Fatores não modificáveis, como sexo e idade, também estão associados ao risco aumentado de
dislipidemias (FERREIRA et al., 2011). Outras doenças, além de obesidade, HAS e DM, como afecções
tireoidianas, síndrome dos ovários policísticos (SOAP) e acantose nigricans também são fatores
desencadeantes ou agravantes da aterogênese (RAFIEIAN-KOPAEI et al., 2014).

O processo de aterosclerose pode ser visualizado na figura a seguir.

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NUTRIÇÃO CLÍNICA

Estreitamento do lúmen vascular

Fluxo
sanguíneo
linear

Plaquetas

Calcificação – placa de ateromo Acúmulo de células espumosas

Figura 5 – Processo de aterosclerose

O cigarro é um dos fatores que afeta a função cardiovascular e que pode induzir o processo de
aterosclerose, visto que é capaz de ocasionar disfunções endoteliais, como diminuição da vasodilatação.
Aliado a isso, devido à ação da nicotina no sistema nervoso central (SNC), tabagistas possuem alterações
dos hábitos alimentares, com redução do consumo de alimentos protetores (vegetais, frutas, entre
outros) e aumento do consumo de sal, bebidas alcóolicas e guloseimas no intuito de eliminar o sabor do
tabaco (BRANDÃO et al., 2015).

O sedentarismo também exerce bastante influência na saúde geral e no risco de DCV, assim como
a obesidade central. Logo, a avaliação antropométrica é de suma importância, principalmente para a
identificação dos fatores de risco cardiometabólicos (BRANDÃO et al., 2015). A aferição da circunferência
abdominal é de extrema importância para avaliar a obesidade central e o risco de doença arterial
coronariana, assim como a relação cintura-quadril (RCQ) (JENSEN et al., 2014). Outros marcadores
antropométricos de risco cardiovascular estão descritos anteriormente.

Lembrete

Circunferência abdominal ≥ 102 cm para homens e ≥ 88 cm para


mulheres e RCQ > 1,0 para homens e > 0,85 para mulheres são indicativas
de aumento do risco cardiovascular.

Inversamente ao LDL-c, o HDL-c é antiaterogênico devido às suas propriedades anti-inflamatória,


antioxidante, antiagregante plaquetária e removedora de colesterol livre dos tecidos. Sendo assim, a
identificação de indivíduos com risco aumentado para eventos cardiovasculares pode ser obtida por
meio de alguns índices que consideram as frações lipídicas, entre outros.

O índice de Castelli I (ICI) é calculado a partir da razão entre o colesterol total e HDL-c, e o índice
de Castelli II (ICII) pela razão entre LDL-c e HDL-c (SOARES et al., 2018; BRANDÃO et al., 2015; CASTELLI
et al., 1986). Outros índices incluem a razão TG/HDL-c, a relação Apo B/ Apo A11 e o escore de risco de
Framingham. A Proteína C-Reativa de Alta Sensibilidade (PCR-us) contribui para a identificação de risco
do desenvolvimento de DCV, entretanto, a presença de > 2 mg/L sugere a necessidade de intensificar a
terapêutica hipolipemiante (SOARES et al., 2018; FALUDI et al., 2017).

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Unidade II

A avaliação desses marcadores de risco aumentado para DCV auxilia o nutricionista a identificar se
a intervenção dietoterápica associada (ou não) a outras modificações do estilo de vida inadequado está
surtindo efeito positivo.

Alguns indicadores de risco cardiovascular estão sumarizados na tabela a seguir.

Tabela 7 – Indicadores de risco cardiovascular

Indicadores de risco cardiovascular Risco


Colesterol total (mg/dL) ≥ 200 mg/dL
LDL-c (mg/dL) ≥ 130 mg/dL
Mulheres: < 50 mg/dL
HDL-c (mg/dL)
Homens: < 40 mg/dL em homens
Triglicérides (mg/dL) ≥ 150 mg/dL
Mulheres: > 4,4
Índice de Castelli I
Homens: > 5,1
Mulheres: > 2,9
Índice de Castelli II
Homens: > 3,3
Razão TG/HDL-c ≥ 3,8
Mulheres: > 0,8
Relação ApoB/ApoA11
Homens: > 0,9
Baixo risco - probabilidade < 10%
Escore de risco de Framingham Médio risco - probabilidade entre 10% e 20%
Alto risco - probabilidade > 20%
Baixo risco - < 1,0 mg/L
PCR (mg/L) Médio risco - 1,0 a 3,0 mg/L
Alto risco - > 3,0 mg/L
Adultos: ≥ 25,0 kg/m2
IMC (kg/m2)
Idosos: ≥ 27,0 kg/m2
Mulheres: ≥ 80 cm
Circunferência da cintura (cm)
Homens: ≥ 94 cm
Homens: ≥ 94 cm
Cintura hipertrigliceridêmica Mulheres: ≥ 80 cm
+ TG ≥ 150 mg/dL
Glicemia casual: ≥ 200 mg/dL e/ou glicemia
Glicemia (mg/dL) na 2ª hora ≥ 140 mg/dL e/ou em uso de
antidiabéticos orais ou insulina
Pressão arterial sistólica ≥ 140 mmHg e/ou
Pressão arterial (mm/Hg) pressão arterial diastólica ≥ 90 mmHg e/ou
uso de medicamento anti-hipertensivo
HDL: lipoproteína de alta densidade.
LDL: lipoproteína de baixa densidade.
TG: triglicerídeos.
ApoB: apolipoproteína B.
ApoA1: apolipoproteína A1.
PCR: proteína C reativa.
IMC: índice de massa corporal.

Adaptada de: Soares et al. (2018).

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NUTRIÇÃO CLÍNICA

Os diversos tipos de dislipidemias também surgem como somatória de excessos alimentares,


principalmente de má qualidade (CELANO; LOSS; NOGUEIRA, 2010), enfatizando uma dieta hipercalórica,
rica em gorduras totais, ácidos graxos saturados (AGS), açúcares simples (SANTOS; GUIMARAES; DIAMENT,
1999), ácidos graxos trans (AGT) associada à restrição de fibras, frutas, vegetais, hortaliças, entre outros
alimentos protetores (FORTES; HAACK, 2017).

5.2 Abordagem terapêutica das dislipidemias

A abordagem terapêutica das dislipidemias envolve o tratamento não farmacológico e o tratamento


farmacológico. Ela deve ser iniciada por meio de modificações individualizadas no estilo de vida,
incluindo os hábitos alimentares saudáveis, a busca e/ou manutenção do peso corpóreo adequado,
a prática regular de atividade física, o combate ao tabagismo e etilismo, a promoção do equilíbrio
emocional e, se necessário, a farmacoterapia.

5.2.1 Intervenção dietoterápica nas dislipidemias

Os objetivos da terapia nutricional nas dislipidemias são: manter o peso corpóreo desejável
e/ou promover a sua redução nos casos de sobrepeso e obesidade, com preservação da massa magra;
reduzir os níveis séricos de colesterol total, LDL-c e TG, com aumento simultâneo do HDL-c; prevenir as
comorbidades e suas complicações clínicas; promover as modificações no estilo de vida e reduzir o risco
de morbimortalidade.

Para o alcance desses objetivos, torna-se primordial as seguintes condutas: diminuição da ingestão
de AGS, AGT e colesterol; adequação do balanço energético, respeitando as necessidades nutricionais
individuais; modificação de outros fatores de risco por meio da dieta, incluindo o controle da resistência à
insulina e do DM; manutenção permanente das alterações de hábitos alimentares (SANTOS; GUIMARAES;
DIAMENT, 1999).

5.2.1.1 Recomendações nutricionais

Energia

Na vigência de sobrepeso e obesidade, a dieta para perda de peso deve ser instituída, de forma individual,
para alcançar um déficit de 500 a 1000 kcal/dia, o que equivale a uma redução de 0,5 a 1,0 kg/semana
(CARVALHO et al., 2018, ABESO, 2016). Essa perda de peso, entre 5% e 10% do peso inicial, considerada
moderada, representa uma diminuição de 30% do tecido adiposo visceral, sendo capaz de reduzir o
colesterol total, LDL-c, TG, além de melhorar a sensibilidade à insulina, reduzir os marcadores inflamatórios
e de risco cardiovasculares, entre outros efeitos benéficos (COPPINI et al., 2011). A regra (ou fórmula) de
bolso em que se preconiza para redução ponderal, de 20 a 25 kcal/kg de peso corpóreo; para manutenção,
de 25 a 30 kcal/kg e; para ganho de peso, ≥ 30 kcal/kg de peso, também pode ser utilizada.

Faludi et al. (2017) mencionam que o alcance das metas nutricionais individuais depende da adesão
à dieta e às correções no estilo de vida, o que pode resultar em 20% de redução da concentração
plasmática de TG. Ao planejar a dieta, o nutricionista deve considerar não apenas o controle de calorias,
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mas a qualidade dos nutrientes nos aspectos referentes à obesogênese, como saciedade, resposta
insulínica, lipogênese hepática, adipogênese, gasto energético e microbiota intestinal.

Carboidratos

Em relação ao aporte de carboidratos, recomenda-se uma ingestão diária entre 45% e 60% do
VET da dieta na presença de LDL-c elevado e comorbidades, sendo uma média de 50% do VET para
todas as condições dislipidêmicas (FALUDI et al., 2017). Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes
(2019), a fonte preferencial é de carboidratos complexos, ricos em fibras alimentares, de baixo índice
glicêmico (IG), sendo o consumo mínimo de 175 g/dia. Já a Organização Mundial de Saúde (OMS) não
recomenda quantidades de carboidratos inferiores a 130 g/dia devido à possibilidade de danos cerebrais,
entre outros.

O termo “açúcar” deriva do sânscrito çarkara cujo significado é grão de areia. O termo em sânscrito
deu origem ao grego sakkaron, ao latim saccharum e ao árabe sukkar, sendo que em português a
palavra açúcar tem origem árabe (BARREIROS; BOSSOLAN; TRINDADE, 2005). Os açúcares de adição ou
a sacarose não necessitam ser excluídos da dieta e devem integrar o total de carboidratos preconizado
(PADILHA et al., 2010), podendo oscilar entre 5% e 10% do VET. A OMS e as novas diretrizes da American
Heart Association (AHA) recomendam o consumo diário máximo de 5% da ingestão total de energia
proveniente dos açúcares adicionados.

O surgimento de hipertrigliceridemia, após a ingestão de dietas contendo frutose em comparação


às dietas com carboidratos complexos e outros açúcares, tem sido demonstrado na literatura. Esse
aumento da síntese lipídica ocorre em detrimento da gliconeogênese devido à maior síntese hepática
de glicerol e de ácidos graxos quando comparado com a glicose. Além disso, a ingestão moderada de
frutose presente naturalmente nos alimentos possui efeitos benéficos como fonte energética. Já o seu
uso como adoçante em produtos industrializados conduz ao aumento dos lipídeos sanguíneos, com
consequente elevação do risco de DCV (BARREIROS; BOSSOLAN; TRINDADE, 2005).

Cabe ressaltar que o nutricionista deve orientar o consumo prioritário de carboidratos através
da ingestão de frutas, vegetais, legumes, grãos integrais e alimentos de baixo IG. Entretanto,
sugere‑se limitar ou excluir da dieta os açúcares de adição contidos em refrigerantes, sucos
artificiais, frutas industrializadas, alimentos adicionados de xaropes, como doces, entre outros, dada
a elevada concentração de frutose. O excesso de carboidratos é fator de risco independente para o
desenvolvimento de hipertrigliceridemia.

Proteínas

Quanto ao aporte proteico, recomenda-se 15% do VET da dieta, podendo atingir 20% nas condições
de hipertrigliceridemia (FALUDI et al., 2017). O objetivo desse aporte proteico é de favorecer a perda
ponderal, aumentar a termogênese induzida pela dieta e a saciedade por meio da liberação de GLP1 e
PYY. Outros efeitos positivos incluem: maior adesão à dieta, redução de tecido adiposo, das concentrações
séricas de triglicerídeos, dos níveis pressóricos, da glicemia e melhora da hemoglobina glicada (HbA1)
(CARVALHO et al., 2018). Priorizam-se as proteínas de alto valor biológico (AVB).

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NUTRIÇÃO CLÍNICA

Em relação à proteína de soja, observa-se que a ingestão diária de 1 a 2 porções de alimentos fonte,
o que totaliza entre 15 e 30 g de proteína, está associada à diminuição de 5% de LDL-c, ao aumento de
3% de HDL-c e à diminuição de 11% de TG (FALUDI et al., 2017).

Lipídeos

Preconiza-se 30% do VET da dieta proveniente dos lipídeos para todas as condições clínicas de
dislipidemias, não ultrapassando 35%. Deve-se excluir da dieta os AGT; limitar os AGS, preferencialmente,
a menos de 5%, não ultrapassando 10%; e considerar uma média de 15% de ácidos graxos monoinsaturados
(AGMI). Os ácidos graxos poli-insaturados (AGPI) devem perfazer de 5% a 10% do VET em indivíduos
com hipercolesterolemia e entre 10% e 20% do VET na presença de hipertrigliceridemia (FALUDI et al.,
2017). O nutricionista deve ter especial atenção quanto à restrição lipídica severa devido ao déficit de
ácidos graxos essenciais (AGE) (CARVALHO et al., 2018).

Devem-se excluir da dieta os AGT por elevarem a concentração plasmática de LDL-c, com indução
intensa de lesão aterosclerótica. A substituição de AGS por AGMI, como azeite de oliva e frutas oleaginosas,
pode estar associada à diminuição do risco cardiovascular, entretanto, há menos evidências em relação aos
AGPI. Quanto ao colesterol, as atuais diretrizes internacionais sobre a prevenção cardiovascular apontam
que não há evidências suficientes para estabelecer um valor de corte para o consumo de colesterol (FALUDI
et al., 2017). Entretanto, até que estudos controlados e randomizados adicionais sejam realizados, compete
ao nutricionista orientar com cautela o consumo de alimentos fonte de colesterol.

Observação
Apesar das atuais diretrizes internacionais sobre a prevenção
cardiovascular não estabelecerem um valor de corte para o consumo
de colesterol, compete ao nutricionista orientar com cautela a ingestão de
alimentos fonte até que estudos adicionais sejam realizados.

As principais fontes de AGT são óleos e gorduras hidrogenadas, margarinas duras, gorduras industriais
(sorvetes, chocolates, produtos de padaria, salgadinhos tipo chips, molhos para saladas, maionese,
cremes para sobremesas), óleos para fritura industrial, produtos lácteos, carnes bovinas e caprinas. Na
presença de hipertrigliceridemia ou HDL-c baixo, recomenda-se aumentar a quantidade de AGMI e
reduzir a oferta de carboidratos, sempre respeitando as recomendações dietéticas. Já os AGPI ômega-3
são indicados na terapêutica da hipertrigliceridemia severa, sendo recomendado o consumo de duas a
três porções de peixe por semana (I-DBDTSM, 2005).

A substituição de AGS e AGT por AGPI é mais efetiva na redução das concentrações séricas de
colesterol e da morbimortalidade por DCV em comparação à redução do teor total de gordura dietética.
Recomenda-se o consumo de óleos vegetais (especialmente os de oliva e canola), peixes e frutas
oleaginosas, e diminuição de alimentos com alto teor de AGS e AGT.

Os AGPI ômega 3 exercem atividade cardioprotetora, sendo que o consumo oriundo de fontes animais
fornece os ácidos graxos ácidos eicosapentaenoico (EPA) e docosa-hexaenoico (DHA) que estão mais
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Unidade II

relacionados à proteção cardiovascular. O ácido alfa-linolênico (ALA), de origem vegetal – soja, canola
e linhaça –, sintetiza quantidades endógenas de EPA e DHA, além de exercer ação cardioprotetora, o
que auxilia no controle das dislipidemias. A suplementação diária de 2 a 4 g de AGPI ômega 3 (EPA e
DHA) é capaz de diminuir a concentração plasmática de TG em até 25% a 30%, além de aumentar a
concentração plasmática de HDL-c (1% a 3%) (FALUDI et al., 2017).

Fibras

A ingestão recomendada de fibras alimentares é de 25 g/dia, sendo 6 g solúvel (FALUDI et al., 2017).
Está bem elucidado na literatura que as fibras alimentares possuem efeitos benéficos sobre a homeostase
da glicose, modulação do perfil lipídico, promoção da saciedade, redução do peso corpóreo e dos fatores
de risco para DCV (DALL’ALBA; AZEVEDO, 2010). As fibras solúveis (aveia, psyllium, pectina, goma-guar
etc.) são capazes de reduzir os níveis séricos de colesterol total e LDL-c, o que auxilia no perfil lipídico,
entre outros efeitos benéficos (BERNAUD; RODRIGUES, 2013).

As recomendações nutricionais para o tratamento das dislipidemias estão descritas na tabela


a seguir.

Tabela 8 – Recomendações nutricionais para o tratamento das dislipidemias

LDL-c Triglicérides
Recomendações Acima da meta
Dentro da meta e sem Limítrofe Elevados Muito elevados†
ou presença de
comorbidades * (%) mg/dL (%) mg/dL (%) > 500 mg/dL (%)
comorbidades* (%)
Perda de peso Manter peso saudável 5-10 Até 5 5-10 5-10
Carboidrato (%VET) 50-60 45-60 50-60 50-55 45-50
Açúcares de adição (%VET) < 10 < 10 < 10 5-10 <5
Proteína (%VET) 15 15 15 15-20 20
Gordura (%VET) 25-35 25-35 25-35 30-35 30-35
AGT (%VET) Excluir da dieta
AGS (%VET) < 10 <7 <7 <5 <5
AGMI (%VET) 15 15 10-20 10-20 10-20
AGPI (%VET) 5-10 5-10 10-20 10-20 10-20
Ácido linolênico, g/dia 1,1-1,6
EPA e DHA, g 0,5-1,0 1,0-2,0 > 2,0
Fibras 25 g, sendo 6 g de fibra solúvel
DHA: ácido docosaexaenoico.
EPA: ácido eicosapentaenoico.
LDL-c: colesterol da lipoproteína de baixa densidade.
VCT: valor calórico total.
O tempo de reavaliação após a implantação das medidas de modificações do estilo de vida deve ser de 3 a 6 meses.

Adaptada de: Faludi et al. (2017).

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NUTRIÇÃO CLÍNICA

Saiba mais

Leia sobre evidências científicas sobre os efeitos dos ácidos graxos:

HOOPER, L. et al. Reduction in saturated fat intake for cardiovascular


disease. Cochrane Database of Systematic Reviews, 2015. Disponível em:
https://bit.ly/3dR572U. Acesso em: 25 abr. 2021.

Fitosteróis

O termo fitosteróis é usado para descrever os esteróis vegetais e seus derivados saturados; ou seja,
os estanóis vegetais. Os fitosteróis são compostos bioativos presentes naturalmente nos alimentos de
origem vegetal. Possuem estrutura química semelhante à do colesterol. Os esteróis vegetais mais comuns
na alimentação são: beta-sitosterol, campesterol e estigmasterol. Ao passo que o beta-sitostanol e o
campestanol são os mais comuns estanóis vegetais (CABRAL; KLEIN, 2017).

As principais fontes alimentares de fitosteróis são: óleos vegetais (milho, girassol, soja e oliva); as
frutas oleaginosas como amêndoas; cereais como gérmen e farelo de trigo; além de frutas e hortaliças
(maracujá, laranja e couve-flor). Alguns alimentos industrializados enriquecidos com fitosteróis no Brasil
incluem margarina, iogurte e leite (CABRAL; KLEIN, 2017).

O efeito hipocolesterolemiante dos fitosteróis tem sido confirmado em diversos estudos, incluindo
metanálises. Acredita-se que o principal mecanismo de ação dos fitosteróis na redução dos níveis séricos
de LDL-c é por meio da diminuição (de 30% a 50%) na absorção intestinal de colesterol. Observa-se uma
competição do fitosterol com o colesterol pela solubilização nas micelas mistas na luz intestinal, o que
reduz a quantidade de colesterol disponível para absorção (CABRAL; KLEIN, 2017).

As indicações de uso dos fitosteróis são: indivíduos com hipercolesterolemia sob risco cardiovascular
baixo ou intermediário, que não possuem indicação para farmacoterapia; em pacientes que, mesmo
tratados com estatinas, não atingem as metas de LDL-c ou sejam intolerantes a estas; em adultos ou
crianças (a partir dos 5 anos) com hipercolesterolemia familiar. Contraindica-se o uso na fitosterolemia
(FALUDI et al., 2017).

Segundo as principais sociedades científicas internacionais, o uso regular de 2 g/dia de fitosteróis


é recomendado para redução de 10% no nível de LDL-c, mas em associação às modificações no estilo
de vida, o que inclui uma dieta adequada e a prática regular de atividade física (CABRAL; KLEIN, 2017).

Algumas recomendações dietéticas para a diminuição da hipercolesterolemia estão sumarizadas no


quadro a seguir.

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Unidade II

Quadro 17 - Recomendações dietéticas para a redução da hipercolesterolemia

Consumir com Ocasionalmente em


Alimentos Preferir moderação pouca quantidade
Pão refinado, arroz e Pães doces, bolos, tortas,
Cereais Grãos integrais massas, biscoitos, cereais croissants
açucarados
Vegetais preparados na
Vegetais Vegetais crus e cozidos – manteiga ou creme
Todos, incluindo soja e
Legumes – –
proteína de soja
Frutas secas, geleia,
Frutas Frescas ou congeladas –
compotas
Doces e adoçantes Adoçantes não calóricos Mel, chocolates, doces Bolos e sorvetes

Cortes de carne bovina


Peixe magro e oleoso, Salsichas, salames,
Carnes e peixes magra, carne de porco,
frango sem a pele toucinho, costelas, vísceras
frutos do mar

Leite semidesnatado, Queijos amarelos e


Leite e iogurte desnatados,
Alimentos lácteos e ovos queijos brancos e cremosos, gema de ovo,
clara de ovos derivados magros leite e iogurte integrais
Vinagre, ketchup, Óleos vegetais, margarinas Manteiga, margarinas
Molhos para temperar e mostarda, molhos sem leves, molhos de salada, sólidas, gorduras de porco
cozinhar gordura maionese e trans, óleo de coco
Nozes e sementes – Todas Coco
Grelhados, cozidos e no
Preparo dos alimentos Assados e refogados Fritos
vapor

Adaptado de: Xavier et al. (2013).

Saiba mais

Assista ao vídeo sobre algumas orientações para o auxílio no tratamento


da hipercolesterolemia:

DIETA para colesterol alto. Produzido por Tua saúde. [s.l.], 28 abr.
2014. 1 vídeo (3 min.). Disponível em: https://bit.ly/3tSOwBh. Acesso em:
25 abr. 2021.

As orientações nutricionais também são de suma importância para indivíduos com dislipidemia,
conforme descritas no texto em destaque a seguir.

102
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Orientações nutricionais nas dislipidemias

• Faça as refeições em um ambiente tranquilo.

• Mastigue bem os alimentos e coma devagar para saborear cada colherada.

• Realize várias refeições ao longo do dia, em pequenas quantidades.

• Ingira de 8 a 10 copos de água por dia.

• Inclua diariamente frutas, vegetais e legumes na alimentação.

• Reduza o consumo de sal e gordura da dieta.

• Evite a ingestão de bebidas alcoólicas.

• Substitua os temperos prontos (caldo de carne e de galinha etc.) por temperos


naturais, como: salsa, cebolinha, orégano, coentro, louro, alho, cebola, manjericão,
entre outros.

• Prefira preparações assadas, grelhadas ou cozidas.

• Substitua leite e derivados integrais por leite e iogurte desnatado, queijo branco
ou ricota.

• Dê preferência às frutas e vegetais da época.

• Acrescente cereais integrais, como linhaça triturada, granola sem açúcar, cookies
integrais, pão integral, entre outros, na alimentação.

• Prefira os alimentos ricos em fibras: feijão, vegetais e legumes crus, frutas com casca
e bagaço, cereais integrais (arroz, pão e aveia).

• Prefira carnes magras de qualquer animal. Retire a gordura visível das carnes, a pele
de frango e o couro de peixes.

• Dê preferência: azeite de oliva extravirgem, margarina light ou margarina líquida;


alimentos antioxidantes como laranja, limão, alho, couve-flor, brócolis, cenoura;
alimentos ricos em ômega 3 como semente de linhaça, óleo de soja e canola,
salmão, sardinha.

Evite os seguintes alimentos:

• Leite integral, leite achocolatado, leite condensado, iogurte integral.

• Cremes, pudins, sorvetes, creme de leite.

103
Unidade II

• Carnes gordas, vísceras, pato, ganso, pele de aves.

• Ovas de peixe, camarão, lagosta, siri, mariscos, atum, tainha.

• Embutidos (salsicha, salame, linguiça, chouriço), toucinho, bacon, presunto.

• Frituras, maionese, banha, azeite de dendê, salgadinhos em geral.

• Molhos a base de ovo e queijo, molho de soja, temperos industrializados.

• Bolos, tortas, pão doce, biscoitos doces, pão de queijo.

• Bebidas alcoólicas, refrigerantes.

• Queijos amarelos e chantilly.

• Margarina comum, sorvetes cremosos, chocolates industrializados, biscoitos recheados,


alimentos pré-cozidos congelados, bolos industrializados prontos e em pó.

Lembre–se: não é aconselhável ingerir açúcar, rapadura, caldo de cana, pudins, tortas,
balas, mel, melado, doces, bombons, sorvetes, picolés, achocolatados, chocolates, balas,
pirulitos, leite condensado; produtos enlatados, engarrafados ou ensacados que contenham
açúcar; biscoitos doces e biscoitos recheados; farinha láctea ou quaisquer alimentos que
contenham açúcar em sua composição.

Atenção: leia os rótulos dos alimentos

Diet: são alimentos com restrição de algum nutriente específico, como: ausência
de açúcar – indicado para diabéticos; ausência de gordura – indicado para pessoas com
problemas de colesterol; ausência de sal – indicado para os hipertensos.

Light: são alimentos que apresentam redução de, no mínimo, 25% de um de seus
ingredientes quando comparados aos produtos em sua apresentação normal, como açúcar,
gordura etc., sendo indicados para pessoas que desejam controlar a ingestão de calorias e
perder peso.

Adaptado de: Fortes; Haack (2017).

5.2.2 Tabagismo e etilismo

Tanto o tabagismo quanto o etilismo não são recomendados para indivíduos com dislipidemia.
Evidências científicas comprovam que o tabagismo é um importante fator de risco cardiovascular, sendo
que o abandono dessa inadequada prática constitui a medida mais eficaz na prevenção das doenças
coronarianas (SANTOS; ABREU-LIMA, 2009).
104
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Da mesma forma, não se recomenda a ingestão de bebida alcoólica para indivíduos com
hipertrigliceridemia. Entretanto, acredita-se que o consumo moderado de álcool (até 30 g/dia) não
exerce impacto nos TG. Cabe ressaltar que um consumo excessivo de etanol associado a uma ingestão
elevada de AGS potencializa a elevação dos triglicérides plasmáticos (FALUDI et al., 2017).

5.2.3 Prática de atividade física

O exercício físico promove estabilização e regressão da aterosclerose em indivíduos com doença


coronária aterosclerótica, sendo associado à diminuição da morbimortalidade cardiovascular, com
consequente redução do risco de evento coronariano fatal e não fatal (FALUDI et al., 2017), destacando
o importante papel do professor de educação física.

5.2.4 Farmacoterapia

Diversos fármacos são utilizados na terapêutica da hipercolesterolemia, tais como: estatinas,


ezetimiba e resinas. As estatinas atuam por meio da inibição da enzima hidroximetilglutaril coenzima
A [HMG-CoA] redutase, envolvida na síntese do colesterol. Elas devem ser usadas como primeira escolha,
visto que possuem potente efeito na diminuição do LDL-c (25%-55%). A ezetimiba é um inibidor
seletivo da absorção do colesterol e possui um moderado efeito na diminuição do LDL-c (15%-25%).
Já as resinas ou sequestradores de ácidos biliares podem ser usadas em associação às estatinas
quando não se alcança a meta de LDL-c mesmo com o uso de estatinas, o que leva a uma diminuição
de 5% a 30% nos níveis de LDL-c (CABRAL; KLEIN, 2017).

Em relação à terapêutica da hipertrigliceridemia, indicam-se os fibratos na vigência de falhas das


medidas não farmacológicas. Na presença de TG > 500 mg/dL os fibratos são recomendados, inicialmente, em
associação às medidas não farmacológicas e no tratamento da dislipidemia mista. O ácido nicotínico
também pode ser utilizado, visto que reduz a ação da lipase tecidual nos adipócitos, o que leva à
menor liberação de ácidos graxos livres para a corrente sanguínea. E os AGPI ômega 3 em altas
doses (4 g a 10 g/dia) podem ser indicados, visto que reduzem os TG e elevam discretamente o
HDL-c (FALUDI et al., 2017).

Ressalta-se que a prescrição medicamentosa é de competência exclusiva do médico, cabendo ao


nutricionista avaliar as possíveis interações nutricionais e os efeitos adversos para condução da melhor
conduta dietoterápica e orientações nutricionais.

5.3 Terapia nutricional na hipertensão arterial sistêmica

5.3.1 Hipertensão arterial sistêmica e avaliação do estado nutricional

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma condição clínica de elevada incidência e mortalidade.
Ela predomina em quase metade da população brasileira e evolui mundialmente em mortalidade, assim,
é considerada uma pandemia longitudinalmente progressiva. A HAS predispõe ao desenvolvimento de
outras DCV (SOUSA et al., 2020; MALACHIAS et al., 2016; SOARES; PARDO; COSTA, 2017; KLEIN, 2015),
representando um sério problema de saúde pública.
105
Unidade II

A HAS constitui o principal fator de risco para as DCV, visto que níveis elevados de pressão arterial
aumentam o risco de doença arterial coronariana (DAC), insuficiência cardíaca congestiva (ICC), acidente
vascular encefálico (AVE), doença renal crônica (DRC) e morte (SOUSA et al., 2020; MALTA et al., 2018;
SOARES; PARDO; COSTA, 2017).

Entre os fatores de risco implicados no desenvolvimento da HAS, destacam-se: consumo excessivo


de sódio, dieta inadequada, ingestão de álcool, antecedentes familiares, sedentarismo, tabagismo, etnia,
diabetes, obesidade, dislipidemia, hipotireoidismo, fatores socioeconômicos, socioambientais e culturais
(SOUSA et al., 2020; SANTOS et al., 2018; PINTO et al., 2011).

O estresse mental também constitui um importante fator de risco para HAS, sendo que um dos
principais aspectos que conduzem a uma melhor qualidade de vida é o controle de determinadas
situações emocionais, tais como: tensões ocasionadas por problemas familiares e/ou no âmbito de
trabalho; estado de insatisfação; tensão crônica associada à competição; e redução dos relacionamentos
interpessoais (CASTRO et al., 2003).

O nutricionista exerce um papel fundamental desde a triagem do risco nutricional até a implementação
e monitorização da conduta dietoterápica, tornando-se essencial a compreensão dos aspectos que
envolvem a doença, incluindo os fatores de risco, as principais complicações clínicas, as terapêuticas
adjuvantes e, por fim, a terapia nutricional na hipertensão arterial sistêmica.

A HAS é uma condição clínica multifatorial que se caracteriza por uma elevação sustentada dos
níveis pressóricos iguais ou superiores a 140 mmHg para pressão arterial sistólica (PAS) e/ou igual ou
maior que 90 mmHg para pressão arterial diastólica (PAD) (MALACHIAS et al., 2017). Possui caráter
silencioso e progressivo que pode culminar com sequelas transitórias e permanentes, gerando ônus aos
cofres públicos devido à interrupção da vida produtiva (JESUS et al., 2017).

Essa condição clínica está frequentemente associada a alterações metabólicas, funcionais e/ou
estruturais de órgãos-alvo, sendo agravada pela presença de outros fatores de risco, tais como:
obesidade central, intolerância à glicose, DM e dislipidemia. Possui uma associação independente com
acidente vascular encefálico (AVE), IAM, ICC, doença arterial periférica, doença renal crônica (DRC) e, em
consequência, morte súbita (MALACHIAS et al., 2017).

A HAS está associada às alterações estruturais e/ou funcionais de órgãos-alvo (ex.: coração, encéfalo,
rins e vasos sanguíneos) e às alterações metabólicas e, em consequência, ao aumento do risco de
desenvolvimento da DRC e DCV (KLEIN, 2015).

Quando não controlada, a HAS leva a um aumento da progressão da aterosclerose em diversas


partes do corpo. No sistema nervoso central (SNC) é responsável por causar AVE; no coração, leva à
hipertrofia ventricular esquerda, doença arterial coronariana (DAC), ICC, podendo culminar com IAM;
nos rins, provoca danos renais, incluindo falência renal; além de oclusão da veia central da retina, com
consequente perda visual súbita e até redução permanente da visão.

106
NUTRIÇÃO CLÍNICA

As principais complicações da HAS estão ilustradas a seguir.

Figura 6 – Acidente vascular encefálico

Figura 7 – Doença renal crônica; insuficiência renal

Figura 8 – Doença arterial coronariana; insuficiência cardíaca; infarto do miocárdio

Figura 9 – Oclusão da veia central da retina; perda visual súbita; cegueira permanente

Na gestação, destacam-se como principais complicações da HAS: abortamento, parto prematuro,


restrição do crescimento fetal, descolamento placentário, sofrimento fetal e afecções em órgãos vitais
107
Unidade II

depois do nascimento. Quando essa situação clínica evolui para pré-eclâmpsia, eclâmpsia ou síndrome
hemólise, elevação de enzimas hepáticas e baixa contagem de plaquetas, a situação fica muito mais
grave, visto que são síndromes de alto risco de mortalidade materna (SOUSA et al., 2020).

A aterosclerose é uma doença inflamatória crônica, multifatorial e de início precoce que conduz
a danos ao endotélio vascular devido à presença de vários fatores de risco, incluindo a elevação
de lipoproteínas aterogênicas, como LDL-c, IDL-c, VLDL-c, remanescentes de quilomícrons, e a HAS
(CASANOVA; MEDEIROS, 2011).

Há evidência de que o processo de aterosclerose se inicia na infância, aos três anos de idade, onde as
estrias gordurosas precursoras das placas de ateroma surgem na camada íntima da aorta. Já durante a
adolescência, esse surgimento ocorre nas coronárias, entretanto, a manifestação ocorre apenas na idade
adulta, sendo resultante da complexa interação entre os diversos fatores de risco (SANTOS et al., 2018).

A formação da placa de aterosclerose ocorre por meio de danos ao endotélio devido, por exemplo, a
HAS, dislipidemia, obesidade e tabagismo. Com isso, observa-se uma disfunção celular endotelial, com
aumento da permeabilidade da camada íntima às lipoproteínas plasmáticas, o que favorece a retenção
dessa gordura no espaço subendotelial, com consequente comprometimento da hemodinâmica vascular
(SIMÃO et al., 2013).

A cefaleia (dor de cabeça) é o sintoma mais prevalente em indivíduos hipertensos. Outros


sintomas incluem: sonolência, confusão mental, alteração visual, náusea e vômito, o que caracteriza
a encefalopatia hipertensiva (OIGMAN, 2014). O hipertenso também pode apresentar tonturas, enjoo e
epistaxe (sangramento nasal). Na presença de picos de pressão alta, os sintomas são bem específicos, o
que requer assistência imediata para evitar as complicações como IAM e AVE. Entretanto, na maioria das
vezes, os hipertensos podem ser assintomáticos ou oligossintomáticos, sendo a HAS considerada uma
doença silenciosa e, muitas vezes, fatal.

A figura a seguir ilustra alguns sintomas na vigência de hipertensão arterial.

Cefaleia

Tontura Epistaxe

Cansaço Dispneia

Náusea

Figura 10 – Sintomas da hipertensão arterial sistêmica

108
NUTRIÇÃO CLÍNICA

A HAS pode ser classificada como primária ou essencial (origem idiopática) ou secundária (originária
de outras doenças, como DM, obesidade e dislipidemia) (SOUSA et al., 2020).

Em relação à HAS primária, as possíveis causas estão relacionadas às alterações no sistema nervoso
autônomo, no metabolismo renina-angiotensina-aldosterona, na reabsorção de sódio renal, bem como
inerentes às variações genéticas. A resistência à insulina (RI) também exerce influência na pressão arterial
cujo padrão-ouro de detecção é o método Homeostasis Model Assessment (HOMA). As causas secundárias
da HAS estão relacionadas a feocromocitoma, Síndrome de Cushing, hipertireoidismo, hipotiroidismo,
distúrbios renovasculares, uso de anticoncepcionais orais, coarctação da aorta, aldosteronismo primário,
entre outros.

Considera-se os níveis pressóricos normais quando o indivíduo apresenta uma PAS ≤ 120mmHg e
PAD ≤ 80 mmHg; popularmente chamada de 12x8. Valores superiores a esses são identificados como
aumento da pressão, sendo categorizados em pré-hipertensão; ou seja, PAS de 121 mmHg a 139 mmHg e PAD
entre 81 mHg e 89 mmHg. A hipertensão sistólica isolada ocorre se PAS ≥ 140 mmHg e PAD < 90 mm Hg.
A HAS é classificada em estágios 1, 2 e 3.

A tabela a seguir ilustra a classificação da pressão arterial de acordo com a medição casual ou no
consultório a partir de 18 anos de idade (MALACHIAS et al., 2017).

Tabela 9 – Classificação da pressão arterial de acordo com a


medição casual ou no consultório a partir de 18 anos

Classificação PAS (mmHg) PAD (mmHg)


Normal < 120 < 80
Pré-hipertensão 121-139 81-89
Hipertensão estágio 1 140- 159 90-99
Hipertensão estágio 2 160-179 100-109
Hipertensão estágio 3 > 180 > 110
PAS: pressão arterial sistólica.
PAD: pressão arterial diastólica.
Quando a PAS e a PAD situam-se em categorias diferentes, a maior deve ser utilizada para
classificação da pressão arterial.

Adaptada de: Malachias et al. (2017)

Para meninas e meninos, utilizam-se os valores de pressão arterial de acordo com idade e percentil de
estatura. Devem ser considerados pré-hipertensos, adolescentes com pressão arterial ≥ 120/80 mmHg,
mesmo se o valor do percentil 90 for superior a essa marca. Isto pode ocorrer para PAS em maiores de
12 anos e para PAD em maiores de 16 anos (MALACHIAS et al., 2017).

Alguns diagnósticos como hipertensão do avental branco, hipertensão arterial resistente e hipotensão
arterial podem ser identificados com maior precisão por meio da monitorização ambulatorial da pressão

109
Unidade II

arterial (MAPA) e da monitorização residencial da pressão arterial (MRPA) (PUPATTO JUNIOR; SILVA;
NAVARRO, 2010).

Na gravidez, a HAS preexistente pode ser diagnosticada antes da concepção ou, ainda, até
a 20ª semana gestacional. Após esta data e até 42 dias pós-parto, a hipertensão é classificada como
doença hipertensiva específica da gestação (DHEG), sendo considerada como situação de alto risco para
a gravidez (SOUSA et al., 2020).

5.3.1.1 Avaliação do estado nutricional

Indivíduos com DCV podem cursar com desnutrição e/ou obesidade, logo, a avaliação nutricional
deverá ser individualizada, considerando os métodos subjetivos e objetivos do estado nutricional.
Os principais métodos subjetivos incluem a triagem de Risco Nutricional 2002 (NRS-2002), o Instrumento
Universal de Triagem de Desnutrição (MUST), a Avaliação Subjetiva Global (ASG) e, para idosos, a Mini
Avaliação Nutricional (MNA), podendo ser utilizada a sua forma simplificada (MNA-SF) (SILVA
et al., 2018).

Para rastreamento inicial dos pacientes hospitalizados, a Sociedade Europeia de Nutrição Clínica
e Metabolismo (ESPEN) recomenda que seja utilizada a NRS-2002 como um método preditor de
morbimortalidade, o que auxilia na indicação do início da terapia nutricional mais adequada e oportuna
para o paciente (SILVA et al., 2018; KONDRUP et al., 2003).

Paz et al. (2018) sugerem a implementação de um protocolo para detecção precoce do risco nutricional
(ou desnutrição) em idosos cardiopatas hospitalizados. Parâmetros consolidados pela literatura são
considerados neste instrumento cujo propósito é identificar precocemente o estado nutricional,
promover a recuperação, minimizar alterações nutricionais e proporcionar a melhor qualidade de vida
aos indivíduos.

O nutricionista, por meio da ectoscopia, deve avaliar as possíveis alterações nos compartimentos
hídricos (edema, ascite, desidratação); depleções nos tecidos adiposo e muscular (tríceps, bíceps,
masseter, têmporas, deltoide, panturrilha, adutor do polegar, interósseos das mãos, bola gordurosa de
Bichart etc.), e sinais evidentes de carências nutricionais (cavidade oral, coloração e aspecto da pele,
coloração da região palmar e das mucosas, principalmente a mucosa interna dos olhos, aspecto das
unhas, pigmentação dos cabelos, etc.). Alterações gastrintestinais, entre outros sintomas que podem
afetar o estado nutricional, devem ser avaliados, assim como os distúrbios do sono.

O comprometimento da percepção sensorial e as alterações no controle do apetite e da saciedade


são muito comuns, principalmente em idosos. A xerostomia, com consequente prejuízos na mastigação
e deglutição, também deve ser investigada, assim como a diminuição da sensibilidade à sede e o declínio
da saúde bucal, incluindo a perda dos dentes e o uso de prótese dentária (SILVA et al., 2018).

Como métodos objetivos, o nutricionista deverá considerar a idade, o sexo, o peso, a estatura, a prática
de atividade física, a condição clínica, entre outras especificidades. Os parâmetros antropométricos
utilizados incluem: IMC; dobras cutâneas tricipital (DCT), bicipital (DCB), subescapular (DCSE) e
110
NUTRIÇÃO CLÍNICA

suprailíaca (DCSI), entre outras; percentual de gordura corporal (%GC); CA; circunferência da cintura (CC);
razão cintura/quadril (RCQ); circunferência do pescoço (CP) e razão cintura-estatura (RCEst) (SBD, 2019,
I-DBSM, 2005, OMS, 2000).

Bioimpedância elétrica (BIA), tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética (RM) e


absortometria radiológica de dupla energia (DEXA) para avaliação da adiposidade corpórea também
podem ser utilizados caso o serviço disponha.

Os exames de rotina para o paciente hipertenso envolvem a análise de urina, o potássio plasmático,
a glicemia de jejum, a HbA1c, a taxa de filtração glomerular (TFG), a creatinina plasmática, o colesterol
total, a lipoproteína de alta densidade (HDL-c), os triglicérides plasmáticos, o ácido úrico plasmático
e o eletrocardiograma convencional (MALACHIAS et al., 2017). Quando há indícios de hipertensão
secundária, lesão em órgãos-alvo ou doenças associadas, deve-se proceder à avaliação complementar
(MION JR et al., 2002).

Em relação à anamnese alimentar, os aspectos qualitativos e quantitativos dos alimentos, o número


de refeições, os horários, a presença de tabus, intolerâncias e/ou aversões alimentares devem ser
considerados. O nutricionista poderá utilizar o recordatório de 24 horas (R24h), o registro de ingestão
alimentar e o questionário de frequência de consumo alimentar (QFCA), entre outros instrumentos. Já
para avaliar o padrão de qualidade da dieta, o índice de qualidade de dieta (IQD) é um instrumento viável,
visto que é capaz de avaliar a ingestão adequada de nutrientes, o número de porções de carboidratos,
frutas e hortaliças consumidos, a quantidade de gordura total, colesterol, ácidos graxos saturados (AGS),
proteína, cálcio e sódio (VIEIRA et al., 2016). Em pacientes hospitalizados poderá utilizar instrumentos de
avaliação da aceitação alimentar nas diversas fases da vida (lactente, pediatria, adultos etc.) (KONDRUP
et al., 2003) ou o resto ingestão, sendo o último mais complexo no âmbito hospitalar porque depende
da colaboração de outros integrantes da equipe multiprofissional (ex.: enfermeiros, técnicos e auxiliares
de enfermagem).

O histórico familiar de DCNT deve ser investigado, assim como outros fatores como escolaridade,
condições de moradia, renda, prática de atividade física, etilismo e tabagismo que podem interferir direta
ou indiretamente no estado nutricional. O nutricionista deve estimular as mudanças comportamentais,
incluindo a adesão dietética associada a prática de atividade física (se não houver contraindicação);
além da exclusão de etilismo, tabagismo e implementação de atividades antiestresse.

A presença de sarcopenia também deve ser avaliada, visto que a depleção de massa muscular promove
a diminuição na massa do tecido alvo responsivo à insulina, o que acarreta RI e, em consequência, HAS,
obesidade e síndrome metabólica. Há evidência de que o músculo desempenha um papel crucial na
redução da pressão arterial e na melhora da função hemodinâmica (CRUZ et al., 2018).

5.3.2 Tratamento da hipertensão arterial sistêmica

A terapêutica da HAS pode ser dividida em tratamento não medicamentoso e tratamento


medicamentoso, ambos dependem da evolução da doença e da gravidade de risco. Os principais
objetivos terapêuticos são: reduzir e/ou controlar os níveis pressóricos, prevenir eventos de natureza
111
Unidade II

cardiovasculares fatais e não fatais e reduzir a taxa de mortalidade. Além da farmacoterapia, o tratamento
não medicamentoso baseia-se na mudança do estilo de vida que envolve hábitos alimentares adequados,
prática regular de atividade física e medidas redutoras do estresse.

A equipe multiprofissional poderá ser composta por nutricionistas, professores de educação física,
psicólogos, médicos, farmacêuticos, enfermeiros, assistentes sociais, entre outros. As ações comuns
estão relacionadas à promoção da saúde, ações educativas direcionadas às modificações do estilo de
vida, correção dos fatores de risco, confecção de material educativo, treinamento de profissionais,
encaminhamento a outros profissionais se pertinente, ações assistenciais individuais e em grupo,
participação em projetos de pesquisa e gerenciamento do programa (MION JR. et al., 2002).

5.3.2.1 Abordagem nutricional na hipertensão arterial sistêmica

A intervenção nutricional integra o tratamento não medicamentoso e auxilia na prevenção e no


controle dos níveis pressóricos. A prática regular de atividade física, a abolição de hábitos tabagistas e
etilistas, a perda de peso nos casos de sobrepeso e obesidade, e as modificações dietéticas são igualmente
importantes (KLEIN, 2015).

Os principais objetivos da dietoterapia para pacientes hipertensos são: adequar (ou manter) o
estado nutricional, principalmente em situações de sobrepeso e obesidade; reduzir os níveis pressóricos;
controlar a pressão arterial de forma sustentada; promover hábitos alimentares saudáveis; eliminar
os fatores de risco modificáveis no intuito de evitar as complicações; evitar outros fatores de risco
cardiometabólicos; eliminar (ou diminuir) a quantidade de medicamentos; incentivar as medidas que
auxiliam no controle pressórico; melhorar a qualidade de vida; e reduzir o risco de mortalidade por DCV.

O sucesso terapêutico depende principalmente do indivíduo por meio da adesão ao plano dietoterápico
saudável e sustentado de acordo com as orientações e a prescrição do nutricionista. Os pacientes devem
ser orientados sobre os riscos das dietas radicais e sem comprovação (ou mínima) científica, pois além
da dificuldade de adesão em longo prazo, elas ocasionam déficits nutricionais importantes, colocando a
vida do indivíduo em risco (MALACHIAS et al., 2017).

Deve-se priorizar sempre a análise do padrão alimentar total que permite avaliar o sinergismo entre
os nutrientes e alimentos; entretanto, observa-se que algumas pessoas focam em apenas um único
nutriente ou alimento, como por exemplo, o sódio ou sal. Neste contexto, o nutricionista deverá proceder
às orientações necessárias e desmistificar que o único nutriente responsável pelo quadro clínico dos
pacientes é o sódio.

A adesão ao tratamento é um fenômeno multidimensional; ou seja, engloba o sistema e a equipe


de saúde, os fatores relacionados ao tratamento, à doença, ao paciente e socioeconômicos. Ela pode ser
definida como um envolvimento amplo do paciente, de natureza ativa, voluntária e colaborativa, o que
gera comportamentos que irão influenciar nos resultados terapêuticos e no controle da doença.

As modificações no peso corporal e na ingestão alimentar exercem efeitos positivos nos níveis
pressóricos. O quadro a seguir descreve o impacto das mudanças comportamentais sobre a pressão arterial.
112
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Quadro 18 – Modificações no peso corpóreo e na ingestão


alimentar e seus efeitos sobre a pressão arterial

Medida Redução aproximada de PAS/PAD Recomendação


Manter IMC < 25 kg/m2 até 65 anos. Manter
20% a 30% de diminuição da pressão
Controle do peso IMC < 27 kg/m2 após 65 anos. Manter CA
arterial para cada 5% de perda pondera < 80 cm (mulheres) e < 94 cm (homens)
Padrão alimentar Redução de 6,7/3,5 mmHg Adotar a dieta DASH
Redução de 2 a 7 mmHg na PAS e de 1 a Restringir o consumo diário de sódio para 2 g,
Restrição do consumo de sódio 3 mmHg na PAD com redução progressiva ou seja, 5 g de cloreto de sódio
de 2,4 a 1,5 g sódio/dia, respectivamente
Limitar o consumo diário de álcool a 1 dose
Redução de 3,31/2,04 mmHg com a
Moderação no consumo de álcool nas mulheres e pessoas com baixo peso e
redução de 3-6 para 1-2 doses/dia 2 doses nos homens
IMC: índice de massa corporal.
CA: circunferência abdominal.
PAS: pressão arterial sistólica.
PAD: pressão arterial diastólica.
*Uma dose contém cerca de 14g de etanol e equivale a 350 mL de cerveja, 150 mL de vinho e 45 mL de bebida destilada.

Adaptado de: Malachias et al. (2017).

Observação

Para um melhor controle pressórico, torna-se fundamental a adesão às


modificações do estilo de vida. O nutricionista possui um papel de destaque
na prevenção e no tratamento da hipertensão arterial sistólica.

Evidências científicas apontam uma relação entre o IMC e a pressão arterial. O ganho de peso corpóreo
aumenta o risco de HAS, mesmo que de forma modesta. Ao passo que a perda de peso reduz os níveis
pressóricos (VIEIRA et al., 2018; MALACHIAS et al. 2017; NOTTO et al., 2017; KLEIN, 2015; MION JR et al.,
2002). Os pacientes hipertensos com sobrepeso ou obesidade devem ser orientados pelo nutricionista à
perda ponderal, visando o alcance de um IMC < 25 kg/m² (KLEIN, 2015), embora a redução de 5% a 10%
do peso inicial seja suficiente para diminuir os níveis pressóricos.

5.3.2.2 Influência dos nutrientes/alimentos na pressão arterial

Sódio

Durante milhões de anos, os nossos ancestrais consumiam uma dieta contendo pequena quantidade
de sódio (± 0,2 g sódio/dia), uma vez que nenhum alimento em seu estado natural é rico nesse mineral.
Posteriormente, descobriu-se a utilização do sal na preservação dos alimentos, o que culminou com
o aumento acentuado do consumo de sódio. Após a invenção da refrigeração e do congelamento
alimentícios, a adição de sal para preservação dos alimentos tornou-se necessária. Sendo assim, o
consumo de sódio permaneceu elevado em, praticamente, todas as populações (KLEIN, 2015).

113
Unidade II

O desenvolvimento da HAS está associado a elevada ingestão de sódio na dieta. Alguns indivíduos
são sensíveis ao sódio dietético, sendo chamados de “sal sensíveis”. Eles respondem com a restrição
de sódio na dieta por meio da obtenção do maior grau de redução nos níveis pressóricos, ou seja, a
sensibilidade ao sal caracteriza-se pela tendência à redução dos níveis pressóricos durante a restrição
de sal e aumento durante a ingestão excessiva (KLEIN, 2015; BOMBIG; FRANCISCO; MACHADO, 2014).

A restrição de sódio na dieta é capaz de reduzir os níveis pressóricos tanto de hipertensos quanto
normotensos, além de melhorar a resposta à maioria das terapias anti-hipertensivas, com consequente
redução do risco de DCV (BOMBIG; FRANCISCO; MACHADO, 2014). Alguns estudos sugerem que o
consumo muito baixo de sódio também aumenta o risco de DCV (MALACHIAS et al., 2017).

O sódio é essencial para a manutenção do volume de fluido extracelular, da osmolaridade sérica, do


equilíbrio acidobásico e da atividade muscular e nervosa (KLEIN, 2015). A restrição de sal e do cloreto
(que acompanha o sódio no sal) constitui uma das mais importantes intervenções, visto que ao diminuir
a ingestão de sódio para 2 g/dia ou cloreto de sódio para 5 g/dia, pode-se obter uma redução nos níveis
pressóricos de 2 a 8 mmHg (BOMBIG; FRANCISCO; MACHADO, 2014).

A OMS recomenda para a população geral a diminuição no consumo de sódio com o intuito de
reduzir os níveis pressóricos e o risco de DCV. Recomenda-se uma ingestão de, no máximo, 2 g/dia
de sódio, o que equivale a 5 g/dia de sal (KLEIN, 2015, SANTOS; ABREU-LIMA, 2009). A necessidade
nutricional de sódio (Na) é de 500 mg/dia, equivalente a 1,2 g/dia de cloreto de sódio (NaCl). A dieta
usual do brasileiro contém entre 10 g e 12 g/dia de sal.

Tendo em vista que 80% do sal da dieta é derivado do sal adicionado às comidas e bebidas processadas,
a redução do conteúdo de sal adicionado aos alimentos processados é a maneira mais viável para se
obter a redução desse nutriente em toda a população (BOMBIG; FRANCISCO; MACHADO, 2014).

Até 6 g/dia de sal (2,4 g/dia de sódio), considera-se uma ingestão saudável, o que corresponde a
quatro colheres de café (4 g) rasas de sal adicionadas aos alimentos, contendo 2 g de sal. De qualquer
forma, recomenda-se diminuir o sal adicionado aos alimentos; evitar o saleiro à mesa; reduzir (ou abolir)
os alimentos industrializados, como enlatados, conservas, frios, embutidos, sopas, temperos, molhos
prontos e salgadinhos (V DIRETRIZ BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO ARTERIAL, 2007, MION JR., 2002).

Segundo a V Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial (2007), atenção especial deve ser direcionada
aos pacientes em uso de diuréticos, visto que a diminuição excessiva do consumo de sal deve ser evitada
devido ao risco de hiponatremia, hipovolemia e hemoconcentração. Além disso, o uso de cloreto
de potássio em substituição ao sal pode ser recomendado, porém, em pacientes com risco de
hiperpotassemia, é contraindicado.

Lembrete

O limite de consumo diário de sódio em 2,0 g está associado à diminuição


da pressão arterial. O consumo médio do brasileiro é de 11,4 g/dia de sódio.
114
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Exemplo de aplicação

1 g de sal (NaCl) = 400 mg de sódio (Na) = 17 mEq de Na.

Para conversão de sal em sódio = x 0,4

Para conversão de sódio em sal = x 2,5

Potássio

A alta ingestão de potássio está associada a níveis pressóricos reduzidos. Existem evidências de
que a excreção urinária de potássio equivale à quantidade de potássio ingerido pela dieta, o que pode
representar um marcador da efetividade da terapia anti-hipertensiva e de desfechos cerebrovasculares
(FONSECA; ZAMITH; MACHADO, 2015). Sendo assim, o potássio desempenha um papel importante na
regulação dos níveis pressóricos devido, principalmente, ao seu papel facilitador da excreção renal do
sódio. Um aumento de 1,8 g a 1,9 g/dia na ingestão de potássio reduz cerca de 4 mmHg e 2,5 mmHg,
respectivamente, as pressões sistólica e diastólica em hipertensos (SANTOS; ABREU-LIMA, 2009).

Observa-se que as populações que apresentam um alto consumo de potássio possuem níveis
pressóricos mais reduzidos e menor incidência de HAS. Entre os prováveis mecanismos do efeito
hipotensor do potássio, destacam-se a natriurese ocasionada pela inibição da reabsorção de sódio nos
túbulos proximais renais e a supressão da secreção de renina; o relaxamento do músculo liso vascular
devido ao aumento na síntese de óxido nítrico; o estímulo às bombas de sódio e abertura dos canais de
potássio (KLEIN, 2015).

Em pacientes com hipertensão moderada, a suplementação de potássio tem mostrado efeito


hipotensor, entretanto, os efeitos da suplementação de potássio em normotensos são escassos e
controversos, o que requer estudos adicionais. Logo, a suplementação de potássio em indivíduos
normotensos não é recomendada devido à falta de evidências que suportem o efeito preventivo do
potássio (FONSECA; ZAMITH; MACHADO, 2015).

O potássio pode ser encontrado em frutas, vegetais, leguminosas e cerais integrais. Uma dieta rica
em vegetais e frutas possibilita a ingestão diária de 2.000 mg a 4.000 mg de potássio (KLEIN, 2015).
Uma dieta baseada em frutas, verduras e legumes ricos em potássio é capaz de diminuir a pressão
arterial, quando associada à diminuição de sódio na dieta. As dietas que produzem uma relação de
concentrações urinárias < 1,0 (Na/K) entre o sódio e o potássio possuem efeitos notórios nos níveis
pressóricos (FONSECA; ZAMITH; MACHADO, 2015).

Os alimentos que possuem maiores concentrações de potássio são: tangerina, romã, jamelão, banana
prata, maracujá, cupuaçu, coentro desidratado, extrato de tomate, alho cru, espinafre, beterraba, cenoura,
(FONSECA; ZAMITH; MACHADO, 2015), abacate, ameixa, mamão, abóbora, hortaliças verde‑escuras,
feijão, entre outros alimentos. Recomenda-se a ingestão diária de 2 g a 4 g de potássio, porém, com
cautela na DRC.

115
Unidade II

Uma dieta rica em vegetais e frutas contém entre 2 g e 4 g de potássio/dia, podendo ser útil na
diminuição dos níveis pressóricos e prevenção da HAS. Os substitutos do sal que possuem cloreto de
potássio e menos cloreto de sódio (30% a 50%) são válidos para minimizar a ingestão de sódio e
aumentar o consumo de potássio (MION JR. et al., 2002).

Cálcio

Estudos demonstram que a ingestão de cálcio é inversamente proporcional à pressão arterial e que
a suplementação de cálcio possui maiores efeitos hipotensores em indivíduos que consomem pequenas
quantidades de cálcio de forma regular; indivíduos hipertensos, sensíveis ao sal e gestantes; e pesquisas
que utilizam o cálcio dietético ao invés do suplementar (KLEIN, 2015).

Apesar de essas evidências, não se orienta aumentar a ingestão de cálcio além do recomendado
para a população geral, quer seja para prevenção quer seja para o tratamento da HAS. Recomenda-se
uma ingestão adequada de cálcio entre 1.000 mg e 1.200 mg/dia para todos os indivíduos com idade
igual ou superior a 19 anos; ou seja, superior à ingestão usual da população brasileira (± 500 mg/dia)
(KLEIN, 2015).

A ingestão de cálcio recomendada pode ser alcançada através da ingestão diária de 3 a 4 porções
de leite, queijo ou iogurte, preferencialmente desnatados (KLEIN, 2015). Segundo Santos e Abreu-Lima
(2009), ingestões superiores a 1.000 mg/dia de cálcio são capazes de reduzir 1,4 mmHg na PAS e
0,8 mmHg na PAD.

Entretanto, há escassez de dados para recomendar a suplementação de cálcio no intuito de reduzir


a pressão arterial. A suplementação de cálcio acima de 1 g/dia pode elevar o risco do desenvolvimento
de litíase renal (V DIRETRIZ BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO ARTERIAL, 2007).

Não se recomenda o uso de suplementos de cálcio para diminuição dos níveis pressóricos (KLEIN,
2015), se não houver hipocalcemia (V DIRETRIZ BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO ARTERIAL, 2007).

Magnésio

O magnésio possui diversas funções orgânicas importantes, tais como: efeito antiarrítmico, atua no
tônus vascular, na contratilidade, no metabolismo da glicose e na homeostase insulínica. Observa-se
que menores concentrações de magnésio estão associadas a estresse oxidativo, estado pró-inflamatório,
disfunção do endotélio, agregação plaquetária, RI e hiperglicemia (CUNHA et al., 2011).

Recomenda-se, diariamente, de 400 mg a 420 mg de magnésio para homens e de 310 mg a 320 mg


para mulheres. Observa-se, porém, que o seu consumo está aquém dessa recomendação. O magnésio
está presente na maioria dos alimentos e nas diversas concentrações. Entre os alimentos com altas
concentrações de magnésio, os vegetais escuros folhosos, as oleaginosas, os cereais integrais, as frutas
e os legumes representam as principais fontes (CUNHA et al., 2011).

116
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Devido aos seus efeitos vasodilatadores, atribui-se ao magnésio um papel na regulação da pressão
arterial (SANTOS; ABREU-LIMA, 2009), entretanto, ainda não existem evidências conclusivas sobre o
efeito da suplementação de magnésio sobre a pressão arterial (KLEIN, 2015). Santos e Abreu-Lima (2009)
mencionam que dada a simultaneidade habitual da ingestão de magnésio e as suas múltiplas e complexas
interações, a comprovação dos efeitos isolados desse nutriente em ensaios clínicos é problemática.

Não se recomenda a suplementação de magnésio para reduzir os níveis pressóricos, excetuado se


houver hipomagnesemia (V DIRETRIZ BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO ARTERIAL, 2007).

Vitamina D e laticínios

Existem evidências de que níveis séricos reduzidos de vitamina D estão associados à maior incidência
de HAS. Porém, não foram observados efeitos da suplementação dessa vitamina na redução dos níveis
pressóricos. Acredita-se que a ingestão de laticínios com baixo teor de gordura é capaz de diminuir
a pressão arterial. Sabe-se que leite possui diversos componentes como cálcio, potássio e peptídeos
bioativos que podem apresentar efeitos na diminuição da pressão arterial (MALACHIAS et al., 2017).

Ácidos graxos insaturados

Desde a década de 1970, os ácidos graxos poli-insaturados (AGPI) ômega-3 têm sido investigados
a partir de estudos em pacientes com DAC. Esquimós da Groenlândia possuíam níveis séricos reduzidos
de colesterol total, triglicérides e HDL-c, relacionados a menores índices de DCV, mesmo diante do
elevado consumo de dietas ricas em gordura, contendo altos teores de colesterol e baixo consumo de
carboidratos (DENARDI; SALGADO; MOREIRA, 2009).

Os benefícios atribuídos ao consumo de AGPI ômega-3 incluem o efeito na redução dos níveis
pressóricos, a ação antitrombótica e anti-inflamatória, a melhora da função vascular e dos lipídeos
séricos. A suplementação do óleo de peixe, rico em eicosapentaenoico (EPA) e docosaexaenoico (DHA),
torna-se uma estratégia efetiva e protetora na saúde cardiovascular (CASANOVA; MEDEIROS, 2011).

Os peixes de águas frias e profundas, como o salmão, a truta e o bacalhau constituem as principais
fontes alimentares dos AGPI ômega-3 e responsáveis pela diminuição modesta da pressão arterial. De
acordo com a 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial (2017), a ingestão ≥ 2 g/dia de EPA+DHA
é capaz de reduzir os níveis pressóricos, e doses inferiores (1 g a 2 g/dia) reduzem somente a PAS.
Ressalta‑se que a ingestão de ácidos graxos monoinsaturados (AGMI) também tem sido associada à
diminuição da pressão arterial (MALACHIAS et al., 2017).

Fibras

As fibras alimentares apresentam uma variedade de funções orgânicas importantes, podendo ser
obtidas por meio da ingestão de alimentos fonte ou suplementos nutricionais ou módulos de nutrientes
(BERNAUD; RODRIGUES, 2013). Segundo a 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial (2017), a ingestão
de fibras promove discreta redução dos níveis pressóricos, destacando-se a beta-glucana proveniente da
aveia e da cevada.
117
Unidade II

As fibras solúveis aumentam a saciedade e o tempo de esvaziamento gástrico; elevam a excreção


fecal de colesterol; reduzem o tempo de trânsito intestinal; melhoram a tolerância à glicose (SOUZA;
COUZZI, 2009), lentificam a absorção e a digestão da glicose, aumentam a sensibilidade à insulina,
reduzem a glicemia e/ou HbA1c (BERNAUD; RODRIGUES, 2013), diminuem os níveis pressóricos, sendo
responsáveis por diversos benefícios cardiovasculares e metabólicos. As principais fontes fibras solúveis
são: extratos de alfarroba, psyllium, frutas, hortaliças, batatas, chicória, cebola, yacon, alho, banana,
leguminosas, sementes, batata crua e cozida, banana verde e grãos integrais.

As fibras insolúveis aumentam a saciedade e auxiliam na diminuição da ingestão energética (SOUZA;


COUZZI, 2009) e, em consequência, na redução de peso e dos níveis pressóricos, além de acelerarem
o trânsito intestinal, o que beneficia pacientes com constipação intestinal. As principais fontes de
fibras insolúveis são: vegetais, farelos, aveia, cevada, vagem, abobrinha, maçã com casca, abacaxi, grãos
integrais e oleaginosas.

Oleaginosas

As oleaginosas incluem as amêndoas, avelãs, nozes, pistache, pinhões, castanha de caju, macadâmias,
castanhas-do-brasil e amendoins. Elas possuem uma semelhante composição nutricional, com
quantidades apreciáveis de proteínas vegetais, AGMI, AGPI, fibras alimentares, vitaminas, minerais e
compostos bioativos, tais como: fitosteróis e compostos fenólicos (SILVA et al., 2019).

As nozes podem modular a HAS devido aos AGMI e AGPI capazes de diminuir os níveis séricos de
tromboxano A2, que é um potente vasoconstritor. O conteúdo mineral das nozes também desempenha
um papel fundamental na hipertensão, uma vez que o magnésio presente nas nozes estimula a produção
de óxido nítrico e bloqueia os canais de cálcio, com consequente vasodilatação. Além disso, o potássio
é capaz de modular o volume de fluido extracelular, diminuindo a resistência vascular periférica.
Recomenda-se o consumo diário de 30 g de nozes para prevenção e tratamento de DCV ateroscleróticas
(SILVA et al., 2019).

Em relação às propriedades antioxidantes da castanha-do-brasil, o seu elevado teor de selênio ocorre


devido à presença na glutationa peroxidase, uma enzima importante que impede o acúmulo de espécies
reativas de oxigênio (EROs). Após o consumo de uma dieta enriquecida com avelã, observou-se uma
melhora nos parâmetros bioquímicos e na disfunção endotelial, o que comprova a importância de um
consumo regular desse alimento (SILVA et al., 2019).

De acordo com a 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial (2017), o consumo regular de oleaginosas
é capaz de auxiliar no controle de diversos fatores de risco cardiovasculares, entretanto, poucos estudos
relacionam essa ingestão com a redução dos níveis pressóricos. Uma metanálise concluiu que o consumo
de diversos tipos de castanhas foi capaz de reduzir a pressão arterial.

Alho

O alho (allium sativum) é uma das plantas utilizadas na terapêutica da HAS. Além dos efeitos
natriurético e diurético, o alho possui ação antiagregante plaquetário e fibrinolítico, cardioprotetor na
118
NUTRIÇÃO CLÍNICA

reperfusão e na isquemia. Acredita-se que o alho promove a liberação de óxido nítrico. Outras hipóteses
são que o alho possui efeito inibidor da enzima conversora da angiotensina e atua na diminuição da
síntese de prostanoides vasoconstritores (SINGI et al., 2005).

Segundo Santiago et al. (2009), o alho é um dos fitoterápicos que pode ser utilizado como terapia
complementar em indivíduos hipertensos e/ou dislipidêmicos, visto que possui diversos efeitos benéficos
às doenças do aparelho circulatório, incluindo a redução dos níveis séricos de colesterol total, LDL-c
e da pressão arterial. Ele também possui atividade antioxidante que inativa as EROs e aumenta as
enzimas celulares antioxidantes como a superóxido-dismutase (SOD), catalase, glutationa peroxidase
e glutationa. Fonseca et al. (2014) corroboram com essas informações e acrescentam que o alho é um
alimento funcional cujo princípio ativo é a alicina, substância responsável pela maioria das propriedades
farmacológicas, antioxidantes, antibióticas, entre outras.

Segundo a 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial (2017), discreta redução dos níveis pressóricos
tem sido observada com a suplementação de várias formas do alho devido aos inúmeros componentes
bioativos, como a alicina (alho cru) e a s-alil-cisteína (alho processado).

Entretanto, estudos adicionais são necessários para comprovar as melhores formas de consumo do
alho, a dose recomendada e os possíveis efeitos adversos.

Café, chá-verde e chocolate amargo

Os efeitos da cafeína para a pressão arterial são controversos. Alguns estudos demonstraram que
a cafeína atua na musculatura lisa, especialmente na vascular, por meio dos seguintes mecanismos
(KLEIN, 2015):

• Ação inibitória sobre a enzima fosfodiesterase, o que acarreta a elevação de adenosina


monofosfato cíclico, com inibição da saída de cálcio do retículo sarcoplasmático, levando a
vasodilatação periférica.

• Ativação do sistema nervoso simpático por meio do bloqueio dos receptores de adenosina A1 em
nível de sistema nervoso central, o que leva ao incremento da resistência vascular periférica.

• Bloqueio dos receptores de adenosina A2 (vasodilatadores periféricos e centrais), o que resulta em


vasoconstricção destes sítios.

Entretanto, apesar de o café ser rico em cafeína (substância com efeito pressor agudo), ele também
contém polifenóis capazes de promover a diminuição da pressão arterial. Sugere-se que, em doses
usuais, o consumo de café não está associado à elevação da pressão arterial nem à incidência de HAS,
portanto recomenda-se que o consumo de café seja feito em doses baixas a moderadas (MALACHIAS
et al., 2017).

Em relação ao chá-verde, estudos sugerem que ele seja capaz de reduzir os níveis pressóricos quando
consumido em baixas doses, visto que doses elevadas possuem maior teor de cafeína e podem aumentar
119
Unidade II

a pressão arterial. Cabe ressaltar que o chá-verde também é rico em polifenóis, em especial as catequinas.
Recomenda-se o consumo em doses baixas de chá-verde (MALACHIAS et al., 2017).

Existe evidência de que o chocolate contendo pelo menos 70% de cacau é capaz de promover uma
discreta diminuição dos níveis pressóricos devido às elevadas concentrações de polifenóis (MALACHIAS
et al., 2017).

5.3.2.3 Dietas que auxiliam no controle dos níveis pressóricos

Dieta DASH

A dieta DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension) foi elaborada no intuito de averiguar se um
padrão alimentar saudável é capaz de reduzir os níveis pressóricos, independentemente de determinados
fatores que alteram a pressão arterial, como a ingestão de sódio, o peso corpóreo e o consumo de
bebidas alcoólicas. É uma dieta rica em frutas e hortaliças (4 a 5 porções/dia), laticínios com baixo teor
de gordura (2 a 3 porções/ dia), cereais integrais, frango, peixe e frutas oleaginosas. E, em contrapartida,
é pobre em doces, bebidas açucaradas e carne vermelha. É uma dieta que possui quantidades apreciáveis
de potássio, magnésio, cálcio e fibras, além de possuir baixo teor lipídico (gordura total e ácidos graxos
saturados) e colesterol (KLEIN, 2015).

Evidências científicas apontam que a dieta DASH é capaz de diminuir significativamente os níveis
pressóricos, sendo recomendada a adoção desse padrão alimentar para o tratamento de indivíduos
hipertensos e para a prevenção da HAS. Estima-se que a adoção desse plano alimentar implica redução
da PAS em 8-14 mmHg. Os efeitos observados se devem ao aumento do consumo de frutas, vegetais,
produtos lácteos magros, cereais integrais, carnes magras, peixes e frutos secos; à diminuição do
consumo de carnes vermelhas, doces e bebidas açucaradas, gordura total, gordura saturada e colesterol;
e à ingestão acrescida de potássio, cálcio, magnésio e fibra (KLEIN, 2015; SANTOS; ABREU-LIMA, 2009)
cujos efeitos hipotensores têm sido evidenciados na literatura.

Dieta do mediterrâneo

A dieta do Mediterrâneo também é rica em frutas, hortaliças e cerais integrais, entretanto, apresenta
quantidades apreciáveis de azeite de oliva, fonte de ácidos graxos monoinsaturados, além de incluir o
consumo de peixes, de oleaginosas e de vinho de forma moderada. Evidências apontam que a adoção
dessa dieta desempenha um efeito hipotensor (MALACHIAS et al., 2017).

Dieta vegetariana

O consumo de alimentos de origem vegetal, em especial frutas, hortaliças, grãos e leguminosas


integram a dieta vegetariana. Nesse tipo de dieta há exclusão (ou rara inclusão) de carnes. Algumas
preconizam o consumo de laticínios, ovos e peixes. Evidências científicas apontam que essas dietas estão
associadas a valores mais reduzidos de pressão arterial (MALACHIAS et al., 2017).

120
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Observação

De acordo com a 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial (2017),


a dieta DASH possui grau de recomendação I e nível de evidência A.
Já as dietas mediterrânea e vegetariana possuem grau de recomendação IIa
e nível de evidência B.

5.3.2.4 Recomendações e orientações nutricionais

Diante do exposto, a dietoterapia para indivíduos hipertensos oscila de acordo com o estado nutricional
(de 20 a 25 kcal/kg para perda ponderal e de 25 a 30 kcal/kg para a manutenção do peso corpóreo);
deverá ser normal em praticamente todos os princípios nutritivos (normoglicídica, normolipídica e
normoproteica), sempre atentando para a qualidade desses nutrientes e adequação hídrica.

O papel fundamental de nutrientes como sódio, potássio, cálcio, magnésio, vitamina D, oleaginosas
e fibras, bem como dos alimentos funcionais como AGPI ômega 3, polifenóis, alho, entre outros, deve
ser considerado. Essa dieta não deve ser baseada apenas na restrição de um único nutriente como
o sódio, devendo ser saudável, sustentável e individualizada. Pode ter como base, principalmente,
a dieta DASH.

Algumas orientações nutricionais para indivíduos hipertensos estão descritas no texto em


destaque a seguir.

Orientações nutricionais na hipertensão arteria


• Faça as refeições em um ambiente tranquilo.
• Mastigue bem os alimentos e coma devagar para saborear cada colherada.
• Faça várias refeições ao longo do dia, em pequenas quantidades.
• Ingira de 8 a 10 copos de água por dia.
• Use óleo vegetal (soja, milho, canola, girassol etc.), em pequenas quantidades, em
substituição à gordura animal (toucinho e banha).
• Não se automedique com bicarbonato de sódio, sal de fruta e laxantes, pois eles
contêm sal em sua composição.
• Prefira adoçantes que não contenham sódio (sal) em sua composição, tais como
sacarina sódica e ciclamato de sódio. Leia sempre os rótulos dos produtos.
• Evite os alimentos que contêm grandes quantidades de sal, como: salsicha, sardinha,
patês, presunto, mortadela, salame, linguiça, apresuntados, paio, bacalhau, bacon,
carne de sol, charque e produtos enlatados.
121
Unidade II

• Evite a ingestão de produtos industrializados, como: maionese, molho de soja, molho


inglês, molho de pimenta, caldos de carne em cubos, azeitona, salgadinhos utilizados
como petiscos.
• Evite o consumo de queijos curados: parmesão, minas, prato etc. Dê preferência aos
queijos brancos como minas frescal e ricota.
• Procure habituar-se ao sabor natural dos alimentos. Faça pratos bonitos e saborosos
usando cebola, alho, cheiro-verde, hortelã e condimentos como orégano, noz-moscada,
coentro, manjericão, cominho, colorau, mostarda em pó, páprica. Use também o
limão e o vinagre para auxiliar no tempero.
• Procure ingerir frutas e legumes ricos em potássio: laranja, mamão, banana, melão,
maracujá, almeirão, batatas, cenouras, mandioca, beterraba e cará.

Fonte: Haack; Fortes (2017

5.3.3 Efeitos do etilismo e tabagismo nos níveis pressóricos

Álcool

O aumento da pressão arterial está associado ao consumo de quantidades excessivas de bebidas


alcoólicas, numa prevalência de 5% a 7% dos casos de HAS. Já o consumo moderado parece não ser
deletério em relação ao aumento dos níveis pressóricos (KLEIN, 2015).

O nutricionista deverá ter bastante cuidado ao orientar o paciente quanto ao uso de bebida alcoólica,
sendo que um histórico detalhado da ingestão de álcool – incluindo o tipo, a quantidade e a frequência
de bebida consumida – deve ser coletado, assim como deverá ser dada ênfase em relação aos efeitos
dessa substância na elevação dos níveis pressóricos (KLEIN, 2015).

O consumo regular de bebidas alcoólicas aumenta a pressão arterial à taxa de 1 mmHg por cada 10 g
de etanol, sendo que o risco de hipertensão atribuível ao álcool é de aproximadamente 16%. Entretanto,
o efeito do álcool nos níveis pressóricos é reversível após 2 a 3 semanas de abstinência e a diminuição
da dose usualmente consumida apresenta eficácia (SANTOS; ABREU-LIMA, 2009).

A Sociedade Brasileira de Diabetes (2019-2020) e a V Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial


(2007) recomendam que a ingestão diária de álcool seja equivalente a, no máximo, uma dose (15 g) para
mulheres e duas doses (30 g) para homens.

Lembrete

Uma dose (15 g em média de etanol) equivale a 150 mL de vinho (uma


taça) ou 360 mL de cerveja (uma lata pequena) ou 45 mL de destilados
(uma dose com dosador padrão).
122
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Tabagismo

O tabagismo representa a principal causa de óbito evitável em todo o mundo, sendo considerado
um dos principais desafios de saúde pública. Estima-se a existência de, aproximadamente, 1 bilhão e
200 milhões de fumantes no mundo, sendo que 200 milhões pertencem ao sexo feminino (PUREZA
et al., 2007).

O cigarro possui mais de 4.720 produtos químicos, destacando-se a nicotina como principal
responsável pelo vício; elevação da frequência cardíaca (FC) e da pressão arterial; ambas alterações
associadas ao aumento do trabalho cardíaco no tabagista. Homens e mulheres não tabagistas, quando
fumam, possuem aumento significativo da FC e dos níveis pressóricos no período de repouso; ou seja,
um único cigarro pode, agudamente, aumentar essas variáveis hemodinâmicas (PUREZA et al., 2007).

A exposição ao fumo de tabaco constitui fator de risco cardiovascular e deixar de fumar representa a
medida de estilo de vida mais eficaz na prevenção das DCV (SANTOS; ABREU-LIMA, 2009). Nesse sentido,
o tabagismo deve ser combatido e eliminado.

Indivíduos hipertensos podem utilizar com segurança as terapias reposicionais com nicotina para
abandono da prática tabagista. Observa-se um descontrole do peso corpóreo devido à abolição do tabaco
de forma transitória e de pequeno impacto no risco cardiovascular que não deve ser negligenciado
(V DIRETRIZ BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO ARTERIAL, 2007).

5.3.4 Outras abordagens terapêuticas

5.3.4.1 Prática regular de atividade física

O corpo humano sofre adaptações cardiovasculares e respiratórias, durante um período de exercício


físico, no intuito de atender às demandas elevadas dos músculos ativos. À medida que essas adaptações
são repetidas surgem diversas alterações musculares, o que permite um melhor desempenho orgânico.
A otimização da distribuição de oxigênio pelos tecidos em atividade ocorre devido à ação de processos
fisiológicos e metabólicos. Os mecanismos que norteiam a queda dos níveis pressóricos após o treinamento
estão relacionados a fatores humorais, neurais e hemodinâmicos (MONTEIRO; SOBRAL FILHO, 2004).

O exercício físico também possui elevado potencial para desenvolver a angiogênese. Ele promove
aumento significativo do fluxo sanguíneo em direção aos músculos esqueléticos e ao coração, além
de permitir importantes adaptações autonômicas e hemodinâmicas para manter a homeostasia
celular associada ao metabolismo corpóreo. Como as funções metabólicas do corpo humano são
potencializadas pelo exercício, ocorre o aumento do débito cardíaco, a redistribuição do fluxo sanguíneo
e a perfusão circulatória é elevada até os músculos que se encontram em movimento (MONTEIRO;
SOBRAL FILHO, 2004).

Tanto na prevenção quanto no tratamento da HAS, a prática regular de atividade física proporciona
diversos benefícios, destacando-se a redução da morbimortalidade por DCV. Praticantes de atividade

123
Unidade II

física possuem risco 30% menor de desenvolver hipertensão em comparação aos sedentários, e o
aumento da atividade física diária promove redução dos níveis pressóricos (MALACHIAS et al., 2017).

Define-se atividade física como qualquer movimento corpóreo capaz de aumentar o gasto energético,
como fazer caminhada, subir escadas, realizar trabalhos físicos domésticos e práticas físicas de lazer. Já
o exercício físico refere-se à atividade física de forma estruturada, organizada e com objetivo específico.
Cabe ressaltar que essas atividades devem integrar programas monitorados por profissionais da educação
física e que os hipertensos sejam sempre submetidos à avaliação clínica prévia (MALACHIAS et al., 2017).

O efeito hipotensor da prática de atividade física é obtido por meio de uma frequência mínima
de três vezes por semana. Porém, alguns pesquisadores recomendam frequências maiores, visto que
possuem maior potencial no controle pressórico (PUPPATO JUNIOR; SILVA; NAVARRO, 2010). Evidência
apontou que praticantes de exercício físico de forma regular apresentaram um risco 35% menor
de desenvolver HAS em comparação aos indivíduos sedentários (MONTEIRO; SOBRAL FILHO, 2004).
Conforme consta na 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial, os indivíduos devem habituar-se à
prática regular de atividade física aeróbica, como caminhadas por, pelo menos, 30 minutos por dia,
3 a 5 vezes/semana.

O treinamento aeróbico é recomendado como forma preferencial de exercício para a prevenção


e o tratamento da HAS. O treinamento resistido dinâmico é recomendado na HAS, em complemento
ao aeróbico. As evidências da atividade física e do exercício físico na redução da pressão arterial estão
descritas na tabela a seguir.

Tabela 10 – Evidências da atividade física e do exercício


físico na redução da pressão arterial

Medida Redução aproximada da PAS/PAD


Atividade física diária 3,6/5,4 mmHg
2,1/1,7 mmHg em pré-hipertensos
Exercício aeróbico
8,3/5,2 mmHg em hipertensos
4,0/3,8 mmHg em pré-hipertensos
Exercício resistido dinâmico
Não reduz em hipertensos

Adaptada de: Malachias et al. (2017).

5.3.4.2 Tratamento psicológico

O efeito do estresse na reatividade cardiovascular e na pressão arterial é investigado na literatura,


sugerindo a contribuição desse fator para o desenvolvimento da HAS sustentada.

Pesquisadores identificaram uma correlação significativa entre alexitimia (dificuldade de identificar


e expressar as emoções) e inassertividade e reatividade da pressão arterial (mudanças de pressão arterial
ou frequência cardíaca que ocorrem em resposta a uma situação ou evento específico), o que enfatiza
a importância de intervenções psicológicas para diminuição de estresse em programas de tratamento
para hipertensos (WOTTRICH et al., 2011; LIPP; FRARE; SANTOS, 2007).
124
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Outro aspecto importante refere-se à dificuldade de aceitação dessa condição clínica pelo hipertenso
estando, na maioria das vezes, relacionada a sentimento de tristeza, raiva, agressividade e hostilidade,
cuja superação somente ocorre mediante a conscientização do problema e por meio da adesão ao
tratamento proposto, o que torna possível uma melhor adaptação à condição de saúde (CASTRO
et al., 2003).

Desse modo, o papel do psicólogo dentro de uma equipe multiprofissional é de suma importância
para os pacientes hipertensos no combate às DCV.

5.3.4.3 Sono e repouso

O sono e o repouso, necessidades humanas básicas, também são fundamentais para a qualidade
de vida, saúde física e emocional. A privação do sono pode dificultar a realização de tarefas e, quando
crônica, afetar gravemente a realização de funções cotidianas (CASTRO et al., 2003), assim como
interferir nos níveis pressóricos e em outras condições de saúde.

Os mecanismos fisiopatogênicos da HAS, associados ao desenvolvimento de distúrbios do sono,


incluem: hiperatividade do sistema nervoso simpático e do sistema renina-angiotensina; incremento
da relação endotelina-1/óxido nítrico; utilização de eritropoietina recombinante; presença de
hiperparatireoidismo secundário; e aumento do volume extracelular (HANUS et al., 2015).

A qualidade do sono e a HAS sofrem influência do estilo de vida, sendo que os indivíduos hipertensos
possuem maior probabilidade de serem acometidos pelos distúrbios do sono. Os principais distúrbios do
sono são a insônia, a insuficiência na quantidade de horas dormidas, a síndrome das pernas inquietas e
a SAOS (HANUS et al., 2015).

5.3.4.4 Farmacoterapia

Estudos com desfechos relevantes demonstraram diminuição da morbimortalidade com diuréticos,


betabloqueadores, inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA), bloqueadores do receptor
AT1 da angiotensina (BRA II) e antagonistas dos canais de cálcio (ACC), embora a maioria dos estudos
utilize a associação de anti-hipertensivos (MALACHIAS et al., 2017).

O mecanismo de ação anti-hipertensiva dos diuréticos está associado, inicialmente, aos seus efeitos
diuréticos e natriuréticos, com redução do volume extracelular. Há normalização do volume circulante e
diminuição da resistência dos vasos periféricos após cerca de 4 a 6 semanas. São eficazes no tratamento
da HAS, sendo comprovada sua eficácia na redução da morbidade e da mortalidade por DCV. Os principais
efeitos adversos são fraqueza, câimbras, hipovolemia e disfunção erétil, hipocalemia (acompanhada ou
não de hipomagnesemia), responsável por induzir arritmias ventriculares, e hiperuricemia. Os diuréticos
também podem ocasionar intolerância à glicose, elevar o risco de DM, além aumentar os triglicérides a
depender da dose (KOHLMANN et al., 2010).

Os inibidores adrenérgicos de ação central agem por meio do estímulo dos receptores alfa-2
adrenérgicos pré-sinápticos no SNC, o que reduz o tônus simpático. Como monoterapia apresentam
125
Unidade II

discreto efeito, no entanto, podem ser úteis quando associados a medicamentos de outros grupos,
especialmente mediante evidência de hiperatividade simpática. Eles não interferem com a RI e perfil
lipídico. As principais reações adversas são sonolência, sedação, boca seca, fadiga, hipotensão postural
e disfunção sexual (KOHLMANN et al., 2010).

Os betabloqueadores atuam por meio da diminuição do débito cardíaco, da secreção de renina,


da readaptação dos barorreceptores e redução das catecolaminas nas sinapses nervosas. São eficazes
no tratamento da HAS. Podem melhorar o metabolismo da glicose e lipídico, em decorrência da
vasodilatação com redução da RI e melhora da captação de glicose pelos tecidos periféricos. Podem
causar broncoespasmo, bradicardia, distúrbios da condução atrioventricular, vasoconstrição periférica,
insônia, pesadelos, depressão psíquica, astenia e disfunção sexual. Já os betabloqueadores de primeira
e segunda geração podem causar intolerância à glicose, induzir DM, hipertrigliceridemia, elevação do
LDL-c e redução de HDL-c (KOHLMANN et al., 2010).

Os inibidores da enzima conversora da angiotensina atuam por meio da inibição da ECA. Bloqueiam
a transformação da angiotensina I em II no sangue e nos tecidos, embora outros fatores possam estar
envolvidos no mecanismo de ação. As principais reações adversas são tosse seca e alteração do paladar.
Em pacientes com função renal reduzida pode aumentar até 30% da creatininemia, mas em longo
prazo, seu efeito nefroprotetor predomina. Contraindicado na gravidez pelo risco de complicações fetais
(KOHLMANN et al., 2010).

Os BRA II antagonizam a ação da angiotensina II bloqueando seus receptores AT1, sendo eficazes no
tratamento da HAS. São nefroprotetores no paciente nefropata com DM2. Apresentam bom perfil de
tolerabilidade, havendo relatos de tontura e, raramente, reação de hipersensibilidade cutânea (“rash”).

Os inibidores diretos da renina promovem uma inibição direta da ação da renina com redução da
síntese de angiotensina II. Estudos comprovam sua capacidade, em monoterapia, de reduzir a pressão
arterial numa intensidade semelhante aos demais anti-hipertensivos. Apresentam boa tolerabilidade.
Efeitos adversos incluem “rash” cutâneo, diarreia (doses acima de 300 mg/dia), aumento de CPK e tosse,
porém, com incidência < 1%. Contraindicado na gravidez (KOHLMANN et al., 2010).

A prescrição medicamentosa é realizada exclusivamente pelo médico. O farmacêutico irá orientar o uso
correto, as condições de armazenamento, as interações, dentre outras informações pertinentes. O nutricionista
deverá avaliar as interações droga-nutriente, os efeitos adversos e realizar as orientações nutricionais para
cada caso específico (MALACHIAS et al., 2017).

5.4 Terapia nutricional na insuficiência cardíaca congestiva

5.4.1 Insuficiência cardíaca congestiva

A insuficiência cardíaca (IC) constitui um dos mais importantes, graves e desafiadores problemas de
saúde pública. Ela atinge proporções epidêmicas e está associada à desfechos clínicos desfavoráveis, como
internação hospitalar e óbito. A maioria dos pacientes com IC é idosa e possui comorbidades múltiplas,

126
NUTRIÇÃO CLÍNICA

incluindo: doença renal crônica (DRC), depressão, síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS), HAS,
fibrilação atrial, DAC, DM e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) (MESQUITA et al., 2017).

Pacientes que apresentam IC podem cursar com agravamento súbito dos sintomas, o que requer
a procura de atendimento na sala de emergência devido à síndrome de IC aguda. A progressiva
deterioração da função cardíaca e da qualidade de vida ocorre devido às frequentes descompensações
(ROHDE et al., 2018). Nesse sentido, formas inovadoras de cuidar dos pacientes com IC em estágio
avançado (assistência no domicílio, hospitais de longa permanência e estratégias de cuidados paliativos)
têm sido amplamente implementadas (MESQUITA et al., 2017).

Segundo a Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda (2018), define-se a IC como:

Síndrome clínica complexa, na qual o coração é incapaz de bombear sangue


de forma a atender às necessidades metabólicas tissulares, ou pode fazê‑lo
somente com elevadas pressões de enchimento. Tal síndrome pode ser
causada por alterações estruturais ou funcionais cardíacas e caracteriza-se
por sinais e sintomas típicos, que resultam da redução no débito cardíaco
e/ou das elevadas pressões de enchimento no repouso ou no esforço […]
(ROHDE et al., 2018, p. 442).

As alterações rápidas ou graduais de sinais e sintomas que requerem uma terapia de urgência
caracterizam a insuficiência cardíaca aguda, ao passo que a natureza progressiva e persistente da IC
caracteriza a insuficiência cardíaca crônica. Logo, a IC crônica constitui uma síndrome clínica complexa,
que progride lentamente, na qual o coração é incapaz de bombear sangue para atender às necessidades
metabólicas tissulares ou, em alguns casos, só consegue fazê-lo mediante elevadas pressões de
enchimento (ROHDE et al., 2018).

5.4.1.1 Manifestações e complicações clínicas

A IC representa uma síndrome clínica caracterizada por sintomas típicos, como dispneia, edema nos
membros inferiores e fadiga, que podem ser acompanhados por determinados sinais, como pressão
venosa jugular elevada, crepitação pulmonar, edema periférico, ocasionados por uma anormalidade
cardíaca estrutural e/ou funcional que promove uma diminuição no débito cardíaco e/ou um aumento
nas pressões intracardíacas em repouso ou durante o exercício físico (ESC, 2016), com repercussões
negativas na qualidade de vida, assim como redução da sobrevida (LOURES et al., 2009).

Outros sinais e/ou sintomas incluem fraqueza, cefaleia, anasarca, hepatomegalia, palpitações,
sudorese, palidez, perda ponderal involuntária e tosse. Segundo Freitas e Cirino (2017), a dispneia é
o principal sintoma da IC. Ela está associada às pressões elevadas de enchimento cardíacas, podendo
também representar a redução do débito cardíaco. Embora não sejam exclusivos dessa condição,
alguns dos sintomas mais confiáveis para o diagnóstico de IC são a ortopneia, a trepopneia e a dispneia
paroxística noturna. Entretanto, alguns pacientes podem apresentar anormalidades cardíacas funcionais
e/ou estruturais assintomáticas, embora a definição de IC só abranja estágios em que os sintomas clínicos
são evidentes.
127
Unidade II

A congestão pulmonar pode se manifestar como dispneia aos esforços, ortopneia, dispneia paroxística
noturna, tosse, taquipneia, estertores pulmonares ou terceira bulha. Já a congestão sistêmica, como
saciedade precoce, ganho de peso, edema periférico, aumento da pressão venosa jugular, hepatomegalia
dolorosa, refluxo hepatojugular, derrame pleural e ascite. Hipotensão, pulso alternante, tempo de
enchimento capilar lentificado, extremidades frias, cianose, palidez cutânea, oligúria, síncope e alteração
do nível de consciência podem se manifestar em pacientes com diminuição do débito cardíaco (FREITAS;
CIRINO, 2017).

A disfunção sistólica, diastólica ou ambas, acometendo um ou ambos os ventrículos, é o mecanismo


responsável pelos sintomas e sinais clínicos da IC. Cerca de 60% dos casos em adultos estão associados
à disfunção ventricular esquerda sistólica e 40% à disfunção diastólica, sendo que esta está relacionada
ao aumento da expectativa de vida da população (BOCCHI et al., 2009).

Em crianças menores, os sinais e sintomas da IC se caracterizam pela dificuldade para mamar,


havendo cansaço fácil e interrupções frequentes das mamadas, sendo que algumas podem cursar
com cianose (coloração azulada) nos lábios e nas extremidades. Já nas crianças maiores, podem estar
presentes: cansaço, fadiga, dispneia, mal estar ao desempenhar atividades habituais que anteriormente
realizavam sem dificuldades, edema nos membros inferiores, respiração acelerada e com esforço, palidez,
suor excessivo e irritabilidade, assim como ganho ponderal inadequado.

A figura a seguir ilustra alguns sinais e sintomas presentes na IC.

Cefaleia
Tosse Palidez

Estase jugular Cansaço

Dispneia Insuficiência cardíaca Fadiga

Sudorese Edema

Hepatomegalia Perda de peso


Anasarca

Figura 11 – Sinais e sintomas presentes na insuficiência cardíaca

A causa mais comum para desenvolver a IC, no Brasil e no mundo, é a DAC devido ao estreitamento
dos vasos, que são os responsáveis por conduzir o oxigênio para o músculo cardíaco (ROHDE et al., 2018).
No início do comprometimento cardíaco, as manifestações clínicas ocorrem durante o exercício, porém,
com a evolução da doença, os sintomas aparecem mesmo aos mínimos esforços, até o surgimento em
repouso (FREITAS; CIRINO, 2017). Cabe salientar que, na vigência de desnutrição, observa-se uma piora
da função cardíaca devido, principalmente, à depleção de massa magra, o que torna fundamental o
papel do nutricionista.

128
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Histórico de HAS, familiares com cardiomiopatia e uso nocivo do álcool podem indicar a existência
de causas específicas para a IC (BOCCHI et al., 2009). Em crianças, a principal causa da IC é a cardiopatia
congênita; anomalia que afeta a formação cardíaca fetal e que, dependendo do tipo e da gravidade das
alterações, faz com que o coração da criança, geralmente após o nascimento, ou nas primeiras horas,
ou alguns dias ou meses depois, não funcione de forma adequada, culminando com IC congestiva
(ICC). Outros fatores etiológicos incluem as infecções (miocardite viral), inflamações (febre reumática ou
doença de Kawasaki) e arritmias.

Os potenciais fatores de risco que favorecem o desenvolvimento da IC incluem o escasso investimento


na saúde, acesso inadequado ao atendimento e insuficiente acompanhamento nos serviços em nível
primário ou terciário e, em consequência, os diversos processos fisiopatológicos. O controle inadequado
de enfermidades como HAS e DM presentes epidemicamente no nosso país, a persistência de doenças
negligenciadas (ROHDE et al., 2018), assim como uma dieta inadequada e má adesão terapêutica estão
entre as causas da IC (FREITAS; CIRINO, 2017).

Logo, a IC constitui uma complicação severa, normalmente progressiva e irreversível, capaz de


comprometer a maioria dos pacientes cardiopatas e, particularmente, aqueles que possuem DAC, HAS,
valvulopatias ou miocardiopatias (LOURES et al., 2009).

A IC e suas consequências estão ilustradas na figura a seguir.

Ativação Sobrecarga de Sobrecarga de Congestão venosa e


neuro-hormonal volume pressão pulmonar

Causas prováveis: DAC, HAS,


valvulopatias etc. Alterações cardíacas
estruturais (longo prazo)
Fatores de risco: DM,
obesidade, sedentarismo, Edema pulmonar
idade avançada etc. Edema periférico
Consequências: internação, Dispneia
reinternação, insuficiência
renal e hepática, redução da
qualidade de vida, redução
da sobrevida, aumento da
mortalidade
Insuficiência cardíaca

Figura 12 – Insuficiência cardíaca e suas consequências

Apesar da inexistência de uma classificação etiológica específica para a IC, pode-se dividi-la em três
principais mecanismos: enfermidades que atingem o miocárdio; condições de sobrecarga anormal; e
arritmias. A principal causa de IC, no nosso país, é a cardiopatia isquêmica, sendo responsável por cerca

129
Unidade II

de 60% a 75% dos casos. Além da cardiopatia isquêmica, a HAS, as valvulopatias, a cardiomiopatia
tóxica (ex.: cardiomiopatia associada ao uso de quimioterápicos) e a doença de Chagas se destacam
como principais causas. Outros fatores de risco implicados na gênese da IC incluem: DM, obesidade,
tabagismo, infecções virais, exposição a toxinas e consumo abusivo de álcool (FREITAS; CIRINO, 2017).

Por meio da classificação funcional da New York Heart Association (NYHA), o grau da limitação
imposta pela IC pode ser quantificado. Assim, os pacientes são classificados de acordo com os sintomas
apresentados em classes: sintomas de IC em repouso (classe IV), aos pequenos esforços (classe III), aos
grandes esforços (classe II) ou sem sintomas relacionados à doença cardíaca (classe I) (MIZZACI; RIEIRA;
MARTIMBIANCO, 2017).

A American Heart Association (AHA) classifica a IC de acordo com o desenvolvimento e a progressão


da doença em quatro estágios (A, B, C e D), a saber: estágio A - pacientes com fatores de risco para o
desenvolvimento da IC; estágio B – pacientes assintomáticos, porém, que apresentam doença cardíaca
estrutural; estágio C - pacientes com sintomas atuais ou pregressos de IC associados à doença
cardíaca estrutural subjacente; e estágio D - pacientes com IC refratária (MIZZACI; RIEIRA;
MARTIMBIANCO, 2017).

Pacientes classificados pela AHA em estágio A devem possuir os fatores de risco, como HAS,
dislipidemia e DM, controlados de forma rigorosa. Pacientes nos estágios B a D; ou seja, aqueles que
já desenvolveram alteração estrutural cardíaca, a escolha terapêutica depende da classe funcional da
NYHA. Para os pacientes assintomáticos (classe I da NYHA), o objetivo terapêutico é retardar a progressão
da doença por meio do bloqueio do sistema neuro-humoral e do remodelamento cardíaco. Para os
pacientes com sintomas (classes II-IV da NYHA), o tratamento tem como intuito promover o alívio
da retenção de líquidos, a redução da morbidade, a diminuição do risco de progressão da doença e
mortalidade (MIZZACI; RIEIRA; MARTIMBIANCO, 2017).

A classificação funcional da IC segundo a New York Heart Association está descrita no


quadro a seguir.

Quadro 19 – Classificação funcional (*) da


insuficiência cardíaca segundo a NYHA

Grau I Grau II Grau III Grau IV


Incapaz de realizar qualquer
Sem limitações da Com ligeira limitação da Grande limitação da atividade física sem
atividade física usual atividade física usual atividade física desconforto
(*) Classe funcional 1 é a insuficiência cardíaca assintomática graças ao tratamento ou por disfunção ventricular
esquerda assintomática.

Adaptado de: Loures et al. (2009)

130
NUTRIÇÃO CLÍNICA

5.4.1.2 Obesidade e caquexia cardíaca

O sobrepeso e a obesidade estão relacionados à diversas alterações hemodinâmica e anatômica


do sistema cardiovascular. Estudos científicos sugerem sua relação com alterações metabólicas,
inflamatórias e hormonais, que envolvem a resistência à insulina (RI), fator desencadeador de diversas
doenças, incluindo as DCV (LIRA NETO et al., 2018, ROHDE et al., 2018).

Dados estatísticos apontam que cerca de 40% dos indivíduos com sobrepeso ou obesidade
apresentam IC. Entretanto, algumas pesquisas comprovam que esses fatores são protetores para
pacientes em estágio avançado da IC, o que se denomina de “epidemiologia reversa”. Ou seja,
acredita‑se que indivíduos obesos possuem maior sobrevida em comparação aos indivíduos
eutróficos, daí o “paradoxo da obesidade” (DOMINGUES et al., 2016).

A caquexia, por sua vez, está presente em cerca de 60% dos pacientes com IC, especialmente
naqueles em estágio mais avançado. Essa condição está associada a sintomas mais intensos, capacidade
funcional prejudicada, hospitalizações mais frequentes e menor sobrevida (ROHDE et al., 2018). Logo, o
nutricionista deverá avaliar adequadamente e individualmente o estado nutricional do paciente com IC,
dada a heterogeneidade de indivíduos com essa mesma condição clínica.

Independente de idade, classe funcional, fração de ejeção e capacidade para realizar exercícios
físicos, a caquexia constitui fator preditivo de diminuição da sobrevida. A importância da gênese
da caquexia no prognóstico da IC ficou em evidência após a descrição da epidemiologia reversa da
obesidade. Em indivíduos eutróficos, o aumento do IMC está associado ao desenvolvimento de DCV.
Porém, em pacientes com IC, o IMC possui correlação positiva com a sobrevida; ou seja, a mortalidade
foi mais elevada nos pacientes com menores valores de IMC e menor naqueles com maiores valores de
IMC (OKOSHI et al., 2013).

Porém, deve-se ter cautela diante desse paradoxo, pois a maioria dos estudos utiliza apenas o
IMC, sem considerar a composição corpórea, além de a heterogeneidade da amostra, o que dificulta
a comparação dos resultados, entre outras limitações. Além disso, indivíduos obesos apresentam
piores índices prognósticos de gravidade clínica em comparação aos não obesos, visto que são mais
susceptíveis a: disfunção ventricular esquerda; disfunção de múltiplos órgãos; maior tempo de
ventilação mecânica e permanência hospitalar; maior ocorrência de infecções (pneumonia e sepse);
hipertensão intra-abdominal e intratorácica; dificuldade aumentada de intubação orotraqueal; risco
elevado de broncoaspiração (gastroparesia e pressão intra-abdominal); risco aumentado de complicações
infecciosas e não infecciosas; hiperglicemia sustentada; maior produção de gás carbônico (CO2) e esforço
respiratório; edema de pulmão, entre outras complicações.

O termo caquexia tem origem grega e é formado pela junção de kakós, que significa má, e hexis,
que significa condição, logo, má condição de saúde. A caquexia cardíaca é a forma grave da IC onde
os pacientes apresentam-se, na maioria das vezes, gravemente desnutridos. A síndrome da caquexia
associada à IC crônica tem sido reconhecida desde a época de Hipócrates. Em 1785, Withering forneceu
a descrição desta síndrome: “sua fisionomia era pálida, seu pulso rápido e tênue, seu corpo muito
emagrecido, exceto seu abdome, que era muito grande.” (OKOSHI et al., 2013).
131
Unidade II

A caquexia cardíaca é diagnosticada como perda de peso involuntária e não edematosa, igual ou
maior que 6% do peso corporal total nos últimos seis a 12 meses e ocorre em cerca de 15% dos
pacientes com IC (ROHDE et al., 2018). O colesterol total diminuído pode estar presente no indivíduo
com IC crônica que cursa com desnutrição moderada. A insuficiência cardíaca congestiva favorece a
desnutrição e o aumento do metabolismo (CELANO; LOSS; NOGUEIRA, 2011).

A diferença mais importante entre desnutrição e caquexia é a preferência por mobilização de


gordura poupando o músculo esquelético na desnutrição, enquanto na caquexia há igual mobilização
de gordura e tecido muscular; ou seja, a desnutrição representa uma condição reversível com adequada
ingestão alimentar, ao passo que na caquexia isso dificilmente ocorrerá.

As consequências clínicas da caquexia dependem tanto da perda de peso quanto da inflamação


sistêmica, visto que a inflamação acompanha os estados nutricionais de desnutrição e obesidade.
A perda da musculatura esquelética também é um importante componente da caquexia cardíaca e
frequentemente precede o seu desenvolvimento. Essa perda está associada a mau prognóstico e piores
desfechos clínicos (ROHDE et al., 2018; OKOSHI et al., 2013).

As principais repercussões clínicas da caquexia incluem: alterações cardíacas e da função respiratória,


redução da massa muscular e óssea, diminuição da capacidade de concentração e acidificação
urinária, redução da cicatrização, predisposição a lesões por pressão em acamados, alterações do trato
gastrointestinal, anemia e diminuição da imunidade com incremento no risco de infecções (OKOSHI
et al., 2013).

Cabe ressaltar que alguns pacientes cursam com acentuado emagrecimento, o que torna o
diagnóstico bastante evidente. Entretanto, na vigência de edema, comumente presente nesses
pacientes, o diagnóstico requer maior atenção em função de prejuízos na avaliação antropométrica.
Outras limitações incluem a interpretação de métodos laboratoriais como a dosagem de marcadores
nutricionais, a determinação da composição corpórea por meio de bioimpedância elétrica (BIA),
visto que pode superestimar a massa livre de gordura devido ao excesso de fluido extracelular
(OKOSHI et al., 2013).

Os principais fatores que contribuem para a caquexia são o consumo elevado de oxigênio pelo
miocárdio, o aumento do trabalho respiratório, o incremento da taxa de metabolismo basal (TMB),
estados febris, secreção de substâncias catabólicas (norepinefrina, epinefrina, angiotensina II, cortisol,
citocinas inflamatórias e radicais livres) e resistência aos hormônios anabólicos como hormônio do
crescimento (GH) e insulina. O gasto energético total (GET) desses pacientes pode estar aumentado em
pelo menos 20% a 30% mesmo nos estágios iniciais. Além disso, as perdas nutricionais podem ocorrer
devido ao uso de diuréticos, enteropatia perdedora de proteína, citocinas pró-inflamatórias elevadas
como fator de necrose tumoral alfa (TNF-a), também conhecido como caquexina, e ao aumento do
estresse oxidativo.

A avaliação nutricional na IC deverá ser individualizada de acordo com o peso corpóreo e suas
alterações, presença de edema, ascite, sintomas gastrintestinais e outros que ocasionam impacto no
estado nutricional, comorbidades, alterações na alimentação, interação entre drogas e nutrientes, assim
132
NUTRIÇÃO CLÍNICA

como análise dos efeitos adversos e dos sinais e sintomas. Deve-se realizar a avaliação seriada do estado
volêmico (SILVA et al., 2018).

Para a adequada avaliação antropométrica, consideram-se as limitações inerentes à IMC, dobras


cutâneas, circunferências, exames laboratoriais, marcadores de função imunitária devido, principalmente,
ao estado de hidratação. Ressalta-se que o IMC não avalia a composição corporal, nem a distribuição de
gordura. A BIA vem sendo adotada para a avaliação de prognóstico. É um exame não invasivo e prático
que pode ser realizado à beira do leito, cujos resultados são rapidamente obtidos e reprodutíveis. No
entanto, apresenta limitações nos indivíduos com IC, frequentemente desnutridos e com alterações
hídricas, dado que a sua confiabilidade pode estar comprometida em casos de desnutrição, obesidade
severa, edema, ascite ou balanço hidroeletrolítico alterado.

A força de preensão manual (FPM) pode ser utilizada como uma técnica de avaliação nutricional.
Para estimar a função musculoesquelética, utiliza-se a dinamometria que consiste em uma técnica
não invasiva, rápida e simples. A força muscular diminuída tem sido associada a um risco elevado de
morte por DCV. Em um estudo, os autores concluíram que, por cada perda de 5 kg na força de preensão
manual, eleva-se em 17% o risco de morte cardiovascular. Como pacientes com IC normalmente cursam
com depleção de massa muscular, este método representa uma forma prática de avaliar o prognóstico
do paciente (risco de óbito) (DOMINGUES et al., 2016).

A calorimetria indireta é um exame que mede a taxa metabólica de repouso (TMR) pela diferença
entre a quantidade inspirada e expirada, o aparelho calcula quantas calorias o corpo está “queimando”
naquele momento. Porém, por ser de alto custo, nem todos locais dispõem desse aparelho e
os nutricionistas acabam estimando as necessidades nutricionais pela regra de bolso ou outras
fórmulas preditivas.

Exames complementares utilizados para indivíduos com ICC incluem: hemograma completo, parcial
de urina, eletrólitos séricos (incluindo cálcio e magnésio), ureia, creatinina, glicemia, perfil lipídico,
ferritina, provas de função hepática e avaliação da função tireoidiana (FREITAS; CIRINO, 2017).

5.4.2 Terapêuticas da insuficiência cardíaca

5.4.2.1 Dietoterapia

O manejo dos pacientes com IC representa um grande desafio devido ao impacto negativo na
qualidade de vida e por elevadas taxas de morbimortalidade (MIZZACI; RIEIRA; MARTIMBIANCO, 2017).
Os objetivos da terapia nutricional na IC são:

• promover a manutenção do peso seco adequado;


• preservar e/ou recuperar a massa magra;
• reduzir a sobrecarga cardíaca e o alívio dos sintomas;
• corrigir a obesidade (se presente);
133
Unidade II

• melhorar a condição clínica;

• tratar as condições pré-existentes (dislipidemia, DM, HAS e DRC);

• melhorar a capacidade funcional;

• prevenir as internações e/ou reinternações;

• impedir a progressão da doença;

• melhorar a qualidade de vida e prolongar a sobrevida;

• diminuir a mortalidade.

Aporte energético e proteico

As demandas metabólicas encontram-se aumentadas na IC, o que configura um quadro de


hipermetabolismo. Esse maior gasto energético pode ser justificado pelo elevado consumo de oxigênio
pelo miocárdio em detrimento da hipertrofia e elevação do trabalho respiratório. A hiperatividade
simpática também pode responder pelo aumento metabólico.

O nutricionista deve ter cautela na recomendação energética, pois o excesso de substratos energéticos
proveniente de dietas hipercalóricas e/ou desequilibradas nutricionalmente pode contribuir para a
gênese e progressão da IC, principalmente por meio de mecanismos relacionados à glicotoxicidade e
lipotoxicidade (BOCCHI et al., 2009).

A ingestão calórica de 28 a 35 kcal/kg/dia é segura e eficiente, devendo seguir uma dieta normoproteica
para um adulto saudável (0,8 g a 1,0 g/kg/dia), exceto na vigência de desnutrição ou má absorção em
que se deve aumentar a oferta para 1,5 g a 2,0 g/kg/dia (DOMINGUES et al., 2016).

Atenção especial deve ser dada aos pacientes com doença renal crônica cuja necessidade proteica
oscila de acordo com o tipo de tratamento (conservador, dialítico, transplante) a depender da taxa de
filtração glomerular (TFG). De forma geral, no tratamento conservador, deve-se reduzir o aporte proteico
para menos de 0,8 g/kg/dia e, no dialítico, recomenda-se dieta hiperproteica.

Bocchi et al. (2009) recomendam 28 kcal/kg/dia para pacientes com estado nutricional adequado e
32 kcal/kg/dia para pacientes desnutridos e, na presença de retenção hídrica, considera-se o peso seco
do paciente. Em relação ao aporte proteico, recomenda-se de 15% a 20% do valor energético total (VET)
da dieta, priorizando-se as proteínas de alto valor biológico (AVB).

Segundo Sahade e Montera (2009), as necessidades proteicas para o adulto normal oscilam de
0,8 g a 1,0 g/kg/dia. Para IC, estudos indicam um aporte proteico de 1,1 g/kg/dia para pacientes com
estado nutricional adequado e de 1,5 g a 2,0 g/kg/dia para aqueles que possuem depleção nutricional
(ou que apresentam perdas por nefropatia ou má absorção intestinal).
134
NUTRIÇÃO CLÍNICA

A relação caloria não proteica/grama nitrogênio deve ficar entre 120 e 160, de preferência uma
relação em torno de 150 (SAHADE; MONTERA, 2009). As proteínas são necessárias para repor as perdas
teciduais e cobrir as perdas devido à má absorção.

Em relação aos pacientes com caquexia cardíaca, sugere-se a administração, via enteral, de
35 kcal/kg/dia, visto que é segura e efetiva para aumentar a massa magra. Entretanto, recomenda-se
que o aporte energético não seja superior a 28 kcal/kg/dia. Para evitar a síndrome da realimentação e
a piora da IC por maior reabsorção renal de sódio e água, a oferta energética deve ser gradual até a
obtenção e manutenção do peso desejável. O excesso energético aumenta o estresse fisiológico com
elevação das concentrações plasmáticas de catecolaminas e insulina, bem como disfunção hepática
(OKOSHI et al., 2013).

Em relação às proteínas, as recomendações oscilam entre 1,0 g e 1,2 g/kg/dia, podendo ser aumentadas
na vigência de perdas por nefropatia ou má absorção intestinal. As refeições devem ser frequentes e a
quantidade reduzida, visto que congestão hepática, distensão gástrica e ascite ocasionam intolerância à
ingestão de grande quantidade de alimentos. Quando não for possível usar o trato gastrintestinal, parcial
ou integralmente, ou em condições perioperatórias, a nutrição parenteral total (NPT) ou complementar
à dieta administrada pelo trato gastrintestinal é indicada. O acesso venoso central é mais utilizado que
o acesso periférico, uma vez que pacientes com IC não toleram a administração de grandes volumes,
assim, o acesso central permite a infusão de soluções concentradas, hiperosmolares e em menor volume
(OKOSHI et al., 2013).

Alguns estudos sugerem que o uso da suplementação de aminoácidos ramificados (AACR ou BCAA),
antioxidantes, estatinas e inibidores da enzima de conversão da angiotensina, tem sido relacionado com
desfechos metabólicos e nutricionais mais favoráveis em pacientes com caquexia cardíaca (CELANO;
LOSS; NOGUEIRA, 2011).

Carboidratos

Os carboidratos devem representar em torno de 50% a 55% do VET da dieta, evitando-se os


açúcares simples e dando preferência aos carboidratos integrais com baixa carga glicêmica – CG
(BOCCHI et al., 2009).

Sahade e Montera (2009) recomendam um aporte de carboidratos entre 50% e 60% do VET da
dieta. Acima de 60% do VET, os autores consideram excesso desse macronutriente, devendo ser evitado,
principalmente aqueles que possuem alta CG. Isso se justifica devido ao agravamento do quadro de RI,
o que conduz a piora prognóstica dos pacientes com IC.

A CG relaciona-se com a quantidade e qualidade dos carboidratos. Ela se refere à multiplicação do


índice glicêmico (IG) do alimento pelo total de carboidrato contido na porção do alimento ingerido,
dividido por 100. Por isso, a CG propicia que sejam comparadas as respostas glicêmicas de porções
ingeridas de diferentes alimentos. A aplicação da CG é mais prática na escolha alimentar e na prescrição
nutricional (MOLZ et al., 2015).

135
Unidade II

Observação

A fórmula da Carga Glicêmica (CG) dos alimentos é:

CG = porção do carboidrato disponível × IG*/100.

*IG é o índice glicêmico

Logo, os carboidratos, quando consumidos na forma de açúcares (ou amido), apresentam diferentes
respostas daqueles que são ingeridos com fibras, compostos bioativos, vitaminas, sais minerais e baixo
teor lipídico. A forma de consumo também interfere na resposta glicêmica que poderá ser mais lenta e
menos acentuada (SBD, 2017-2018). Daí, estimula-se o consumo de carboidratos oriundos de alimentos
integrais, frutas, vegetais e produtos lácteos, preferencialmente desnatados (PADILHA et al., 2010).

Dietas com baixo índice glicêmico (IG) podem exercer benefícios por meio da redução da glicemia
pós-prandial e melhora do perfil lipídico. Entretanto, o uso de alimentos com baixo IG isoladamente
não possui evidência suficiente (PADILHA et al., 2010), havendo várias limitações na prática clínica, bem
como estudos conflitantes e opiniões distintas entre os especialistas.

O IG pode ser obtido por meio do aumento da glicemia gerado por 50 g de carboidratos disponíveis
em um alimento específico quando comparado ao aumento causado por 50 g de um alimento referência
(50 g pão branco) ou de 50 g de glicose (MOLZ et al., 2015).

Lembrete

A fórmula do Índice Glicêmico (IG) dos alimentos é:

IG = área da curva glicêmica do alimento/área correspondente do


alimento controle × 100.

O quadro a seguir demonstra alguns alimentos contendo baixo, médio e alto IG.

Quadro 20 – Índice glicêmico (IG) de alimentos

IG baixo (até 55) IG moderado (de 56 a 69) IG alto (acima de 70)


Cenoura crua Ameixa Pão de forma e pão francês
Soja Ravioli de carne Batata cozida e purê
Aspargos Pão sírio Cream cracker®
Brócolis Damasco Pão branco de trigo
Repolho Suco de maçã Sorvete light
Couve-flor Espaguete branco Inhame
Pepino All Bran® Suco de laranja

136
NUTRIÇÃO CLÍNICA

IG baixo (até 55) IG moderado (de 56 a 69) IG alto (acima de 70)


Salsão Pêssego fresco Kiwi
Berinjela Laranja Abóbora
Cogumelo Leite fermentado Waffles
Tomate Macarrão Chocolate
Abobrinha Capellini Bebidas isotônicas
Espinafre Passas Arroz branco
Couve Pão de centeio light Bolacha de água
Alface Biscoito de água Manga
Iogurte light Uva Banana
Amendoim Abacaxi Pipoca

Adaptado de: Haack; Fortes (2017).

Lipídeos

Os lipídeos complementam o VET da dieta, estando entre 25% e 30%, não devendo exceder os
30%. Mais importante que a quantidade é a qualidade lipídica, principalmente se o paciente apresentar
dislipidemia (SAHADE; MONTERA, 2009).

Segundo a Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose, atualizada em 2017,


recomenda-se a seguinte distribuição: < 10% de ácidos graxos saturados – AGS; 15% de ácidos graxos
monoinsaturados – AGMI; de 5% a 10% de ácidos graxos poli-insaturados – AGPI; 1,1-1,6 g/dia de ácido
linolênico e 0% de ácidos graxos trans – AGT (FALUDI et al., 2017).

A má absorção de gordura ocorre em cerca de 1/3 dos pacientes com caquexia cardíaca e, na ocorrência
de esteatorreia, indica-se a suplementação de triglicerídeos de cadeia média (TCM) (SAHADE; MONTERA,
2009). O TCM é uma gordura saturada que possui valor calórico de 8,3 kcal/g. A absorção intestinal do
TCM independe da presença de lipase pancreática e de sais biliares, sendo recomendado em casos de
esteatorreia persistente, porém, deve-se atentar para a suplementação de vitaminas lipossolúveis.

Os ácidos graxos ômega 3 representam uma boa opção devido às suas propriedades anti-inflamatórias,
com efeitos positivos em pacientes sintomáticos que apresentam IC (SAHADE; MONTERA, 2009).
A administração de 1 g/dia de ácidos graxos ômega 3 mostrou redução significativa na mortalidade por
qualquer causa e no desfecho combinado de óbito ou hospitalização por causa cardiovascular (ROHDE
et al., 2018).

Segundo Faludi et al. (2017) uma metanálise recente mostrou que o colesterol da dieta exerce pouca
influência na mortalidade cardiovascular. Além disso, o aumento do consumo de ovos, associado a uma
dieta com baixo teor lipídico, manteve a relação LDL-c/HDL-c, tanto entre indivíduos que absorvem
mais colesterol dietético quanto nos hiporresponsivos. Devido a esses resultados, as atuais diretrizes
internacionais sobre a prevenção de DCV mostram que não há evidências suficientes para estabelecer
um ponto de corte para o consumo de colesterol.

137
Unidade II

Fibras

As fibras alimentares, carboidratos complexos indigeríveis, constituem as partes comestíveis dos


vegetais que nosso intestino não é capaz de digerir, o que faz com que elas passem intactas, diretamente,
para o intestino grosso. Elas são classificadas em dois tipos: solúveis e insolúveis (HAACK; FORTES;
OLIVEIRA, 2017).

Entre os diversos benefícios proporcionados pelas fibras, destacam-se a diminuição do risco


de desenvolvimento de determinadas enfermidades, tais como: DM, DAC, HAS, AVC e distúrbios
gastrintestinais (HAACK; FORTES; OLIVEIRA, 2017).

As fibras também podem aumentar o estado pró-inflamatório por meio da produção de ácidos graxos
de cadeia curta (AGCC) que nutrem os enterócitos, o que favorece a diminuição da hiperpermeabilidade
intestinal, com consequente redução da passagem de moléculas capazes de ativar o sistema imunitário
(SAHADE; MONTERA, 2009).

Recomenda-se, diariamente, uma ingestão de 20 g a 30 g de fibras, pois elas previnem a constipação


intestinal e, em consequência, o esforço para defecar, o qual deve ser evitado pelos cardiopatas (SAHADE;
MONTERA, 2009).

Os tipos, as características, as fontes e os efeitos das fibras solúveis e insolúveis no nosso organismo
estão sumarizados no quadro a seguir.

Quadro 21 – Tipos, características, fontes e efeitos das fibras alimentares

Tipos Características Fontes Alimentares Efeitos no Organismo


Retardam a absorção de glicose
Frutas (maçã, laranja, morango, Reduzem o esvaziamento gástrico
Dissolvem-se em água, (maior saciedade)
banana, manga, goiaba),
formando géis viscosos, são
Fibras solúveis vegetais, aveia, cevada, Diminuem os níveis de colesterol no
facilmente fermentáveis no leguminosas (feijão, lentilha, sangue
intestino grosso soja, grão-de-bico, ervilha)
Protegem contra o câncer de
intestino grosso
Aumentam o bolo fecal
Atuam como agente laxativo
Não são solúveis em água, Estimulam o bom funcionamento
Vegetais, farelo de trigo, cereais
portanto não formam do intestino
Fibras insolúveis integrais, linhaça, milho, talos e
géis, e sua fermentação no folhas vegetais Previnem a constipação intestinal
intestino grosso é limitada
(prisão de ventre)
Protegem contra o câncer de
intestino grosso

Adaptado de: Haack; Fortes; Oliveira (2017).

138
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Sódio e fluidos

Evidências apontam que a ingestão excessiva de sódio é um fator de risco independente para a IC e
para hipertrofia do ventrículo esquerdo em indivíduos com excesso de peso. Entretanto, a recomendação
de sódio para indivíduos com IC crônica é ainda controversa devido à falta de estudos prospectivos,
randomizados e controlados para embasamento dessas recomendações.

Estudos mostram que o consumo excessivo de sódio e fluidos está associado ao agravamento da
hipervolemia, o que constitui fator de descompensação e risco de internação em pacientes com IC
crônica sintomática. Quando há restrição severa de sódio (< 5 g/dia de sal), em comparação à dieta
normossódica (~7 g/dia de sal), observam-se efeitos deletérios nos pacientes com IC crônica, o que
inclui aumento da ativação neuro-hormonal, maior número de hospitalização e mortalidade (ROHDE
et al., 2018).

Como a insulina é um hormônio natriurético, a resistência a ela pode agravar a retenção de


sódio e água. O aporte de sódio na dieta oscila de acordo com a gravidade da IC. Na IC severa, a
ingestão de sódio deve ser, no máximo, de 2 a 3 g/dia, podendo ser alterada de acordo com o sódio
plasmático e a aceitação da dieta hipossódica (DOMINGUES et al., 2016, BOCCHI et al., 2009, SAHADE;
MONTERA, 2009).

Sais de cloreto de potássio, amônia ou cálcio, podem contribuir para a diminuição da ingestão
de sódio, entretanto, há risco de hipercalemia, principalmente na disfunção renal e no uso de alguns
medicamentos poupadores de potássio (BOCCHI et al., 2009). O nutricionista deve fornecer orientações
e receitas com temperos e ervas naturais para serem utilizados nas preparações, além de conscientizar o
paciente para as mudanças de hábitos alimentares devido à baixa adesão à dieta hipossódica.

Em pacientes sintomáticos com IC grave (estágio D), observa-se que a restrição mais intensa da
ingestão de sódio ocasiona benefícios por diminuir sintomas congestivos e reinternações. Recomenda‑se,
nesse sentido, evitar a ingestão excessiva de sódio (> 7 g/dia de sal) para todos os pacientes na fase
crônica da IC (ROHDE et al., 2018).

Rohde et al. (2018) ressaltam a escassez de estudos para a recomendação fluida adequada
em pacientes com IC. Em uma revisão sistemática, a ingestão liberal de fluidos não exerceu efeitos
desfavoráveis sobre internação e mortalidade nos pacientes com IC. Outro estudo, porém, demonstrou
uma diminuição de hospitalizações com a restrição hídrica de 1.000 mL/dia quando comparado à ingestão
de 2.000 mL/dia. Sendo assim, não é possível o estabelecimento de recomendações específicas sobre o
emprego de restrição hídrica em pacientes com IC crônica.

Entretanto, Bocchi et al. (2009) mencionam que a restrição fluida deve respeitar a condição clínica
do paciente, assim como a dose de diuréticos. Sugere-se, em média, uma ingestão diária de 1.000 mL a
1.500 mL em pacientes sintomáticos que apresentam risco de hipervolemia. Sahade e Montera (2009)
recomendam, na prática clínica, o máximo de 2.000 mL/dia. Domingues et al. (2016) informam que a
restrição fluida nem sempre é necessária, além de depender da gravidade da IC. Eles consideram que

139
Unidade II

uma ingestão diária de 1.000 mL a 2.000 mL em pacientes com IC é normalmente recomendada, apesar
de não serem evidentes os benefícios da restrição.

Para a maioria dos pacientes, o nutricionista deve atentar para a consistência da dieta em casos
de dispneia, disfagia, odinofagia e dificuldade mastigatória, podendo optar pelas consistências
líquido pastosa, pastosa e branda. Para evitar a sobrecarga prandial e uma melhor absorção dos
nutrientes a dieta deverá ter um volume reduzido e fracionamento aumentado (6 a 8 refeições/dia).
Essas medidas comportamentais irão reduzir o trabalho cardíaco e a plenitude pós-prandial,
facilitando a ingestão de energia, proteína e micronutrientes importantes para restabelecimento
do estado nutricional. A via oral é a mais fisiológica, porém, deve-se seguir o algoritmo da terapia
nutricional enteral e parenteral.

As recomendações nutricionais para indivíduos com insuficiência cardíaca estão sumarizadas na


tabela a seguir.

Tabela 11 – Recomendações nutricionais para


indivíduos com insuficiência cardíaca (IC)

Características Recomendações Autores Orientações


28 kcal/kg/dia (eutrófico)
28-35 kcal/kg/dia Domingues et al. (2016)
35 kcal/kg/dia (desnutrido)
VET
28 kcal/kg/dia (eutrófico)
28-32 kcal/kg/dia Bocchi et al. (2009)
32 kcal/kg/dia (desnutrido)
Preferir CHO integrais com
50%-55% do VET Bocchi et al. (2009) baixa CG
Carboidratos
Preferir CHO integrais com
50%-60% do VET Sahade e Montera (2009) baixa CG

0,8-1,0 g/kg/dia 0,8-1,0 g/kg/dia (eutróficos)


Domingues et al. (2016) 1,5-2,0 g/kg/dia (desnutridos ou
1,5-2,0 g/kg/dia
com má absorção)

Proteínas 1,1 g/kg/dia (eutróficos)


1,1 g/kg/dia
Sahade e Montera (2009) 1,5-2,0 g/kg/dia (desnutridos ou
1,5-2,0 g/kg/dia com perdas por nefropatia ou
má-absorção)
15%-20% do VET Bocchi et al. (2009) Priorizar AVB
kcal não 120-160:1 Sahade e Montera (2009) Preferir 150:1
proteica/g N
Atentar para quantidade e
Lipídeos 25%-30% do VET Sahade e Montera (2009) qualidade lipídica
AGS < 10%
AGMI 15% Enfatizar ácidos graxos da
AGPI 5%-10% Faludi et al. (2017) série ômega 3
AGT 0%
Ácido linolênico 1,1-1,6 g/dia

140
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Características Recomendações Autores Orientações


Na ocorrência de
TCM esteatorreia
Sahade e Montera (2009)
Atentar para constipação
Fibras 20 g-30 g/dia Reduzir esforço para evacuar
Bocchi et al. (2009)
Sódio 2 g-3 g/dia Na IC severa. Ajustar conforme
Sahade e Montera (2009) níveis séricos e adesão à dieta
Domingues et al. (2016)
Pacientes sintomáticos que
apresentam risco de hipervolemia
1 L-1.5 L/dia Bocchi et al. (2009)
Considerar todos os líquidos,
incluindo a água
Restrição fluida
≤ 2.000 mL/dia Sahade e Montera (2009) Não ultrapassar 2 L/dia
Restrição fluida nem sempre é
1 L-2 L/dia Domingues et al. (2016) necessária, além de depender da
gravidade da IC
Vitaminas e De acordo com as Sahade e Montera (2009) Mínimo: RDA. Máximo: UL
minerais necessidades
VET: valor energético total.
CHO: carboidratos.
CG: carga glicêmica.
AVB: alto valor biológico.
AGS: ácidos graxos saturados.
AGMI: ácidos graxos monoinsaturados.
AGPI: ácidos graxos poli-insaturados.
AGT: ácidos graxos trans.
TCM: triglicerídeo de cadeia média.
RDA: Ingestão diária recomendada.
UL: nível máximo de ingestão tolerável.

Adaptada de: Domingues et al. (2016); Bocchi et al. (2009); Sahade e Montera (2009); Faludi et al. (2017).

Álcool

Está bem elucidado que o consumo excessivo de bebida alcoólica ocasiona efeitos deletérios sobre
o sistema cardiovascular, visto que o álcool reduz a contratilidade miocárdica e pode causar arritmias.
Entretanto, há evidência que a ingestão moderada de álcool, até 30 g/dia para homens e até 20 g/dia
para mulheres não possui efeitos prejudiciais à IC (SAHADE; MONTERA, 2009).

A Sociedade Brasileira de Diabetes (2019-2020) e a V Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial (2007)


recomendam, no máximo, uma dose (15 g) para mulheres e duas doses (30 g) para homens; 15 g em
média de etanol equivale a uma taça de vinho (150 mL) ou uma lata pequena de cerveja (360 mL) ou
uma dose com dosador-padrão de destilados (45 mL).

Bocchi et al. (2009) recomendam a abstinência completa do álcool especialmente para pacientes
com miocardiopatia alcoólica. Porém, informam que quantidades diárias limitadas (20 mL a 30 mL

141
Unidade II

de álcool em vinho tinto) em pacientes estáveis, classes I-II da IC, poderiam resultar em benefícios na
presença de doença coronariana.

Entretanto, Rohde et al. (2018) mencionam que o uso permitido de bebidas alcoólicas na IC crônica
estável (não relacionada ao uso de álcool) em pequena quantidade (≤ 10 mL de álcool para mulheres e
≤ 20 mL de álcool para homens) é controvertido e que os riscos devem ser explicados ao paciente, assim
como a decisão da ingestão alcóolica deve ser compartilhada.

O nutricionista deve desencorajar o consumo de bebidas alcoólicas e/ou orientar o mínimo consumo
por pacientes com IC.

Micronutrientes

As recomendações de micronutrientes são semelhantes às de adultos saudáveis, excetuado sódio,


magnésio, cálcio e vitaminas lipossolúveis (DOMINGUES et al., 2016). Outros nutrientes também
merecem consideração na insuficiência cardíaca.

Cálcio, magnésio e vitamina D

A osteopenia ou osteoporose está presente em 50% dos pacientes com IC. O cálcio, o magnésio
e a vitamina D são essenciais para a manutenção da massa óssea. A hipocalcemia exerce um efeito
potencialmente pró-arrítmico e a hipomagnesemia está associada ao pior prognóstico na IC, sendo
que a sua correção melhora a função cardíaca (SAHADE; MONTERA, 2009). Salienta-se que o uso de
diuréticos aumenta a excreção urinária de cálcio e magnésio.

As principais fontes alimentares de cálcio são: leite e derivados, folhosos escuros, suco de soja
enriquecido com cálcio, sardinha em lata, semente de gergelim, figo, tâmara, damasco, entre outros.
De magnésio: vegetais folhosos, cereais integrais, espinafre, leite e derivados, nozes, frutas, legumes
e tubérculos, como a batata. E, de vitamina D: laticínios, fígado e óleos de peixes gordurosos (HAACK;
FORTES; OLIVEIRA, 2017).

Selênio, zinco, manganês, cobre, vitaminas B2 (riboflavina), C e E

Esses nutrientes agem como antioxidantes em potencial, o que contribui para diminuição do estresse
oxidativo e dos danos provocados pelo mesmo, daí o importante papel na IC (SAHADE; MONTERA, 2009).
Entretanto, mais estudos são necessários para elucidar os mecanismos de ação, os reais efeitos na IC e
a dose recomendada.

Castanha-do-pará, carnes e ovos são considerados as melhores fontes de selênio. Já em relação ao


zinco, as principais fontes são os produtos de origem animal como ostras, fígado, carne de boi, carnes
escuras de aves, carne de vitela, caranguejo e ovos. O cobre é amplamente distribuído nos alimentos,
como: fígado, cereais integrais, nozes, ostra, amêndoa, feijão-preto, entre outros. A riboflavina também
é encontrada nos alimentos de origem animal como leite, carnes magras e ovos. As principais fontes
142
NUTRIÇÃO CLÍNICA

de vitamina C são: acerola, caju, goiaba, manga, mamão, morango, laranja, limão, tangerina e tomate
(HAACK; FORTES; OLIVEIRA, 2017). O manganês é encontrado em cereais integrais, castanhas, nozes,
chás, avelã, soja, tofu e vegetais verdes folhosos.

Vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K)

Observa-se em pacientes com IC uma alta prevalência da deficiência de vitamina D, sendo associada
a um pior prognóstico. Entretanto, há controvérsias na literatura sobre os potenciais benefícios
dessa suplementação (ROHDE et al., 2018). Porém, na vigência de má absorção lipídica, as vitaminas
lipossolúveis, incluindo a vitamina D, devem ser repostas devido aos prejuízos absortivos.

A vitamina A pode ser encontrada nos alimentos de origem animal (fígado, ovos, leite, atum,
queijos), nos vegetais folhosos verde-escuros, nas frutas amarelo alaranjadas e vermelhas. A vitamina E
é encontrada no óleo vegetal, germe de trigo, cereais integrais, vegetais e legumes verdes, sementes e
frutas secas. A vitamina K está presente em diversas fontes vegetais verdes, como brócolis, couve, alface,
acelga e espinafre. É encontrada também em óleos vegetais (óleos de soja, oliva, canola, entre outros),
frutas, raízes, tubérculos e produtos de origem animal (HAACK; FORTES; OLIVEIRA, 2017).

Vitamina B1 (tiamina)

A deficiência de tiamina culmina com prejuízo do metabolismo oxidativo de carboidratos, o que


propicia e/ou agrava a insuficiência cardíaca. Além disso, o uso de diuréticos e a ingestão de bebidas
alcoólicas aumentam a excreção de tiamina e favorecem a sua depleção, culminando com arritmias
(SAHADE; MONTERA, 2009).

As principais fontes alimentares incluem: levedura de cerveja, cereais e grãos integrais, castanha‑do‑pará,
gema de ovo, carne, nozes, farinha de trigo e germe de trigo (HAACK; FORTES; OLIVEIRA, 2017).

Vitaminas B6 (piridoxina), B12 (cobalamina) e ácido fólico

Todos esses nutrientes atuam no metabolismo da homocisteína por meio da redução dos níveis
séricos deste aminoácido. Logo, exercem efeito protetor, visto que a homocisteína resulta em efeitos
inotrópicos negativos mediados, provavelmente, por efeitos sobre a função do endotélio (SAHADE;
MONTERA, 2009). A homocisteína é um aminoácido proveniente do metabolismo da metionina e seu
aumento está associado à disfunção do endotelial, trombose e maior gravidade da aterosclerose (CASTRO
et al., 2004).

A piridoxina está presente em germe de trigo, carne de porco, fígado, cereais integrais, suco de
ameixa, suco de tomate, suco de uva, abacate, manga, ameixa seca, melancia, uva, avelã, castanhas, nozes
e amendoim. A cobalamina em fígado, ostras, carne, ovos, leite e derivados, peixes (truta, salmão, atum).
E o ácido fólico, em vegetais folhosos, levedura de cerveja, fígado de boi, milho, vísceras, feijão, abacate,
abóbora, carne de vaca, carne de porco, cenoura, couve e laranja (HAACK; FORTES; OLIVEIRA, 2017).

143
Unidade II

Taurina

A taurina é o mais importante regulador endógeno da homeostase intracelular do cálcio. É um


aminoácido com capacidade antioxidante cuja deficiência pode produzir cardiomiopatia (SAHADE;
MONTERA, 2009).

Os alimentos ricos em taurina são: peixes, frutos do mar como mariscos e ostras, aves como carne
escura de frango e peru, carne bovina.

Coenzima Q10

Observam-se níveis reduzidos de coenzima Q10 no músculo cardíaco de pacientes com IC. A coenzima
Q10 atua no transporte de elétrons na cadeia respiratória mitocondrial e funciona como potente
antioxidante. Logo, acredita-se que ela pode atuar como adjuvante na terapêutica da IC (SAHADE;
MONTERA, 2009).

A coenzima Q10 se encontra em maior concentração nos seguintes alimentos: frango, carne bovina,
carne suína, sardinha, nozes, grão de soja, brócolis, espinafre, óleos de soja, gergelim, milho e algodão
(SAHADE; MONTERA, 2009).

5.4.2.2 Terapia farmacológica

Na IC, a terapia farmacológica tem como princípio bloquear os sistemas que ficam ativados na
IC; ou seja, o sistema simpático e o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA). Porém, devido
a diversos mecanismos envolvidos na fisiopatologia da IC, existem muitas classes farmacológicas
disponíveis no mercado para o seu tratamento. Este, por sua vez, consiste na utilização de diversas classes
medicamentosas, tais como: inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), betabloqueadores (BB),
bloqueadores dos receptores de angiotensina II (BRA), antagonistas de aldosterona e diuréticos, sendo
estes os mais frequentes (MIZZACI; RIEIRA; MARTIMBIANCO, 2017).

Para redução da mortalidade na IC com fração de ejeção reduzida, as mais recentes diretrizes
internacionais recomendam a utilização dos seguintes BB: bisoprolol, succinato de metoprolol e
carvedilol. O uso dos inibidores da IECA para diminuição de morbimortalidade também é indicado.
Como alternativa aos inibidores da IECA em pacientes intolerantes a essa classe de medicamentos,
recomendam-se os BRA. O uso de diurético em pacientes com retenção hídrica é recomendado para
redução de sintomas. Como opção terapêutica para ser empregada em pacientes que não estão
evoluindo bem com o tratamento medicamentoso otimizado ou que apresentem contraindicação
para o uso de inibidores da IECA ou BRA, considera-se a associação de hidralazina e dinitrato de
isossorbida para redução de morbimortalidade. A digoxina pode melhorar os sintomas, a qualidade
de vida, a tolerância ao exercício e a hospitalização em pacientes com IC. Os betabloqueadores
representam avanço terapêutico, visto que interferem com os efeitos nocivos da ativação simpática
generalizada, entre outros benefícios (MIZZACI; RIEIRA; MARTIMBIANCO, 2017).

144
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Cabe ressaltar que a prescrição medicamentosa é de competência exclusiva do médico e as


orientações relacionadas ao uso dos fármacos, formas de armazenamento, entre outras instruções
competem ao farmacêutico. O nutricionista deve avaliar as possíveis interações nutricionais e os
efeitos adversos para melhor conduta dietoterápica.

A influência dos alimentos/nutrientes no processo de absorção e de biotransformação de alguns


fármacos utilizados nas DCV estão descritos no quadro a seguir.

Quadro 22 – Influência dos alimentos/nutrientes no processo


de absorção e de biotransformação de alguns fármacos

Fármacos Alimentos/nutrientes Mecanismos/efeitos Recomendações


Cardiovasculares/diuréticos
Evitar a administração com alimentos
Amilorida Cálcio (leite e queijo) Esgota a absorção de cálcio
ricos em cálcio
Diminui a absorção e o efeito Administrar 1 hora antes ou 2 horas
Captopril Alimentos em geral terapêutico do fármaco após as refeições
Diminui a hipertensão ortostática (queda
Carvedilol Alimentos em geral Administrar com alimentos
abrupta da pressão, causando desmaio)
Administrar 2 horas antes ou 3 horas
Digoxina Alimentos em geral Diminui a absorção do fármaco pela
(especialmente fibras) após as refeições, pois reduz os efeitos
alteração do trânsito gastrointestinal colaterais (náuseas e vômitos)
Aumenta a biodisponibilidade do Administrar fora das refeições para
Nifedipina Dieta hiperlipídica fármaco e os efeitos colaterais (dor de diminuir os efeitos colaterais
cabeça, tonturas etc.)
Aumenta a biodisponibilidade e
Propanolol Proteínas absorção do fármaco, mas diminui a Administrar ou 2 horas a 3 horas
(carnes e leite) biotransformação hepática e aumenta após refeições
fluxo esplâncnico
Administrar com alimentos para
Ibuprofeno Alimentos em geral Retarda a absorção diminuir irritação gástrica
Diuréticos
Potássio – banana, Evitar a administração com alimentos
Espironolactona amendoim, grão-de- Retém potássio
bico e demais fontes ricos em potássio

Sódio – alimentos Evitar a administração com alimentos


Furosemida salgados Esgota sódio ricos em sódio
Alimentos ricos Aumenta a absorção do fármaco e
Hidroclorotiazida em gordura Administrar com alimentos gordurosos
esgota sódio

Adaptado de: Irber, Haack; Fortes (2017).

5.4.2.3 Prática de exercícios físicos

Os exercícios físicos são fundamentais para a manutenção e recuperação das condições físicas e dos
músculos esqueléticos. A ativação de citocinas pró-inflamatórias pode ocorrer por meio da realização
esporádica de exercícios, uma vez que pode levar à hipoxemia periférica. Já a prática regular de exercícios
não é capaz de induzir ativação de citocinas pró-inflamatórias ou de marcadores de dano endotelial,
o que pode diminuir as concentrações séricas de TNF-α e de IL-6. Entretanto, os pacientes devem
ser estimulados a realização de exercícios físicos somente sob orientação do professor de educação
145
Unidade II

física (OKOSHI et al., 2013). Em alguns pacientes com IC, o médico pode contraindicar a realização de
exercício, a depender da evolução da doença.

5.4.2.4 Efeitos do tabagismo na insuficiência cardíaca

O tabagismo constitui fator de risco cardiovascular e o abandono da prática tabagista representa a


medida mais eficaz na prevenção das DCV (SANTOS; ABREU-LIMA, 2009). Pacientes com IC devem ser
estimulados a suprimir o uso do tabaco, quer seja passivo ou ativo, por meio de abordagem breve/mínima
ou PAAP (perguntar, avaliar, aconselhar e preparar), terapia cognitiva comportamental e farmacoterapia
se necessário (ROHDE et al., 2018).

5.5 Terapia nutricional no infarto agudo do miocárdio

5.5.1 Infarto agudo do miocárdio (IAM)

O infarto agudo do miocárdio caracteriza-se por ser uma síndrome clínica que resulta da necrose
isquêmica do miocárdio devido à obstrução, transitória ou permanente, ao fluxo coronariano. O IAM
representa a apoptose celular em consequência de isquemia prolongada; uma vez que a maioria dos
infartos do miocárdio é causada pela trombose de uma artéria coronariana sobre uma placa ateromatosa
(MAIA, 2012).

A figura a seguir ilustra a evolução para o infarto agudo do miocárdio.

Bloqueio
na artéria

Dano
muscular
Infarto de miocárdio

Figura 13 – Infarto agudo do miocárdio

O IAM é considerado uma Síndrome Isquêmica Miocárdica Instável (SIMI) cuja principal causa
é o acúmulo de placa aterosclerótica, o que representa um grande desafio para os profissionais de
saúde (SILVA et al., 2019). Ele constitui uma enfermidade grave e que pode levar o indivíduo a óbito,
geralmente, em consequência a uma parada cardiopulmonar devido à fortes arritmias cardíacas, em
especial a fibrilação ventricular (ARAÚJO; OLIVEIRA; PEREIRA, 2018).

Na maioria dos casos, o IAM ocorre quando há rompimento ou ulceração de uma placa aterosclerótica
fissurada, bem como quando determinadas condições (locais ou sistêmicas) favorecem a trombogênese.
Assim, um trombo mural se forma no local da ruptura, fazendo com que ocorra a oclusão arterial
coronariana (SILVA; MARQUES, 2007).
146
NUTRIÇÃO CLÍNICA

O processo de infarto agudo do miocárdio por oclusão arterial coronariana encontra-se ilustrado
na figura a seguir.

Coágulo
sanguíneo Artéria

Placa de
ateroma

Artérias coronárias

Músculo saudável
Músculo em necrose

Figura 14 – Infarto agudo do miocárdio

Existem dois tipos principais de IAM, a saber: infartos transmurais - a necrose miocárdica envolve
toda a espessura da parede ventricular, e infartos subendocárdicos - a necrose envolve o subendocárdio,
o miocárdio intramural, ou ambos, porém, sem afetar toda a espessura da parede ventricular até o
epicárdio (não transmural) (SILVA; MARQUES, 2007).

Ainda que vários tratamentos para o IAM sejam bastante eficientes, sobreviver a primeira hora do
evento é um grande desafio. O IAM pode deixar sequelas irreversíveis ao coração (ARAÚJO; OLIVEIRA;
PEREIRA, 2018), assim como sequelas que geram repercussões físicas, psicológicas e sociais. Daí, a
abordagem precoce do IAM para que se tenha uma adequada intervenção é fundamental (SILVA et al.,
2018), o que reforça o importante papel de uma equipe multiprofissional.

5.5.1.1 Fatores de risco e manifestações clínicas do IAM

O IAM pode acometer os indivíduos em qualquer fase da vida, sendo que os principais fatores
de risco associados à sua ocorrência são: HAS, DM, tabagismo, sedentarismo, sobrepeso, obesidade,
consumo excessivo de álcool, estresse, circunferência abdominal alterada, história familiar,
dislipidemia, dieta hipercalórica e condição socioeconômica (SILVA et al., 2019, LIMA et al., 2019,
PINHEIRO; LENHANI; MARTINS, 2017, MERTINS et al., 2016, PINHEIRO et al., 2013, SILVA; SOUSA;
SCHARGODSKY, 1998). Esses resultados evidenciam o alto grau de morbimortalidade, o que reforça
a necessidade da população se conscientizar sobre a importância de hábitos saudáveis implicados na
prevenção precoce dessa doença.

A idade avançada, o sexo masculino e o histórico familiar para doença arterial coronariana (DAC) também
constituem importantes fatores de risco para o desenvolvimento de IAM (LIMA et al., 2019, MAIA, 2012).
147
Unidade II

No decorrer do processo de envelhecimento ocorrem alterações no metabolismo orgânico. As


artérias, particularmente, se enrijecem devido à perda de elasticidade, o que aumenta a suscetibilidade
a lesões. Isto facilita a formação de trombos no qual obstrui o vaso sanguíneo, contribuindo com o
surgimento do IAM (LIMA et al., 2018).

Em relação ao sexo masculino, observa-se que os hábitos de vida tendem a sofrer maior exposição
a riscos para várias enfermidades, o que inclui o IAM (LIMA et al., 2018). O sexo feminino, por sua
vez, é protegido pelo estrógeno durante a vida reprodutiva, entretanto, após a menopausa o risco do
surgimento de IAM torna-se elevado. Outras explicações se referem às mudanças no estilo de vida após
a emancipação feminina, o que inclui o sedentarismo, a dieta inadequada, o tabagismo, o etilismo e o
estresse (LIMA et al., 2019, MAIA, 2012, SILVA; MARQUES, 2007).

O histórico familiar para DAC também constitui outro fator de risco para IAM. Há evidência de que
a chance de desenvolver doenças coronarianas é proporcional ao quantitativo de parentes que possuem
cardiopatias (MAIA, 2012), devendo a história clínica sempre fazer parte das condutas de uma equipe
multiprofissional.

Os principais fatores de risco para o desenvolvimento do IAM estão descritos na figura a seguir.

Dislipidemia
Estresse DM

Dieta HAS

FR
Idade Tabagismo

Genética Obesidade
FR: fatores de risco. sexo

DM: diabetes mellitus. HF IAM

HAS: hipertensão arterial sistêmica.


HF IAM: história familiar de infarto agudo do miocárdio.

Figura 15 – Fatores de risco para surgimento do infarto agudo do miocárdio

As principais manifestações clínicas em pacientes com IAM envolvem: pulso acelerado e fraco,
diaforese, dispneia, congestão e edema pulmonar, pele fria, pálida e úmida, tosse produtiva com escarro
espumoso, róseo ou hemoptoico, frequências cardíaca e respiratória mais aceleradas que o habitual, dor
precordial intensa (MAIA, 2012). Entretanto, um dos sintomas mais frequentes no IAM é a dor torácica,
uma das principais causas de procura ao pronto socorro e que representa um grande desafio devido à
148
NUTRIÇÃO CLÍNICA

dificuldade de diferenciação dos diagnósticos não emergenciais e os altos riscos de morbimortalidade


(SILVA et al., 2019).

A dor torácica é profunda e visceral (pesada, apertada e esmagadora), geralmente com localização
retroesternal, sendo frequentemente irradiada para ambos os lados do tórax anterior, especialmente
no lado esquerdo. Ela normalmente irradia-se em direção ao ulnar do braço esquerdo, promovendo
sensação de formigamento no pulso, mão e/ou dedos (SILVA; MARQUES, 2007). Está presente entre
75% e 80% dos pacientes sob a forma de “queimação, indigestão, peso, aperto, opressão, sufocação, dor
ou pressão”. A dor, geralmente, dura cerca de 30 minutos, podendo ser constante e desaparecer ou ser
aliviada após a eructação (PASSINHO et al., 2017).

Em alguns casos, porém, a dor do infarto pode ter início no epigástrio, estimulando diversos
distúrbios abdominais, o que faz com que frequentemente o IAM é diagnosticado equivocadamente
como dispepsia. Já em outros pacientes, o IAM é indolor, sendo mais frequente em diabéticos (devido à
neuropatia sensitiva e autonômica), idosos e algumas mulheres (PASSINHO et al., 2017, SILVA; MARQUES,
2007). Entretanto, esses pacientes podem cursar com náuseas, mal-estar, dispneia, taquicardia ou até
confusão mental.

O IAM é um evento agudo que necessita de internação hospitalar, visto que o intervalo entre o início
dos sintomas e o atendimento clínico é extremamente decisivo para a sobrevida. Evidências apontaram
que 2% dos pacientes acometidos pelo IAM receberam alta hospitalar incorretamente pelos serviços de
emergência e, a maioria, desenvolveu um infarto fulminante no domicílio (MAIA, 2012).

Após a alta hospitalar, o paciente com IAM requer intervenção imediata e assistência à saúde no
intuito de minimizar as chances de complicações e agravamento da doença em curto e médio prazos
(COSTA et al., 2018). Dados estatísticos mostram que mais de 50% dos óbitos ocorrem na primeira hora
de evolução, sendo o uso da terapia com trombolíticos tempo-dependente, o retardo na terapêutica de
pacientes com suspeita de IAM é um fator crítico de diminuição da sobrevida (MAIA, 2012).

Na figura a seguir estão descritas as principais manifestações do IAM.

Cansaço e/ou Tontura


fadiga

Diaforese e/ou Dor torácica


suor frio (ombro, braço, costas)

Palpitações
Dispneia cardíacas

Pele fria, pálida Náuseas e/ou


e úmida vômitos

Dificuldade para
Dor abdominal dormir

Figura 16 – Manifestações clínicas do infarto agudo do miocárdio

149
Unidade II

5.5.1.2 Diagnóstico e intervenção da equipe multiprofissional

O diagnóstico clínico do IAM é confirmado quando há uma elevação e/ou redução da troponina,
juntamente com a presença de sintomas típicos tendo como principal característica a dor ou
aperto precordial que se irradia pelos membros superiores, alterações eletrocardiográficas (ECG)
ou imagem da perda de miocárdio viável ou anormalidade do movimento da parede regional.
Para reduzir os danos ocasionados pela obstrução coronariana, procedimentos cirúrgicos e não
cirúrgicos podem ser adotados (SILVA et al., 2019; COSTA et al., 2018; SILVA; MARQUES, 2007).

As troponinas cardíacas são consideradas marcadores de injúria miocárdica, o que demonstra


superioridade no diagnóstico de IAM. A fração MB da creatinofosfoquinase (CK-MB) também tem
sido considerada um marcador para o diagnóstico de IAM, porém, é menos sensível e específica
quando comparada às troponinas cardíacas. Entretanto, ambas as enzimas se encontram elevadas
após evento agudo do miocárdio (SILVA et al., 2019).

Após o diagnóstico de IAM, deve-se iniciar, nas unidades emergenciais, estratégia de


recanalização, entre outros cuidados como a monitorização, a punção de veia calibrosa e a
administração de diversas medicações, incluindo: estreptoquinase, nitroglicerina, ß-bloqueadores e
oxigênio. Outras terapias poderão ser utilizadas, tais como: angioplastia transluminal, angioplastia
com laser, stent. Todos esses procedimentos são realizados pela equipe médica.

As principais intervenções cirúrgicas são as anastomoses entre a aorta e as artérias coronárias


através das pontes de safenas ou anastomoses das coronárias e a artéria mamária. Entretanto,
apesar das novas tecnologias e dos avanços científicos, às vezes essas terapias se mostram
ineficazes e o transplante cardíaco é indicado pela equipe médica (ARAÚJO; OLIVEIRA; PEREIRA,
2018, MAIA, 2012).

Para que o indivíduo retorne às suas atividades de vida diária com qualidade, utiliza-se a
reabilitação cardíaca. A caminhada, por exemplo, deverá ocorrer gradativamente, sempre respeitando
o limite orgânico, no entanto, um programa formal de reabilitação cardíaca supervisionado
individualmente e de maneira segura conduz a melhores resultados (ARAÚJO; OLIVEIRA; PEREIRA,
2018, MAIA, 2012), o que torna imprescindível a atuação do fisioterapeuta.

Após o IAM, a atividade esportiva, bem como o retorno às atividades profissionais e sexuais
estarão liberados somente após autorização médica (HCOR, 2018) e supervisionadas pelo professor
de educação física. Entretanto, vale ressaltar que a atividade física regular quando isoladamente,
sem a abordagem de uma dieta rica em frutas, vegetais, grãos, sementes, nozes, peixe, laticínios
e pobre em carnes, açúcares e álcool em geral, não é capaz de promover uma perda de peso
significativa (PRECOMA et al., 2019). Sendo assim, a terapia nutricional se faz necessária, enfatizando
o importante papel do nutricionista.

As novas diretrizes da American College of Cardiology (ACC) e a American Heart Association


(AHA) do manejo do colesterol (2019) recomendam a todos os adultos a prática de atividade física

150
NUTRIÇÃO CLÍNICA

aeróbica, de 3 a 4 vezes por semana, com duração média de 40 minutos por sessão, de moderada
a intensidade vigorosa como prevenção de DAC.

Abaixo estão descritas algumas medicações utilizadas no IAM, com ênfase nos efeitos adversos.
O nutricionista deverá avaliar a presença desses efeitos para melhor conduta dietoterápica.

Quadro 23 – Alguns fármacos utilizados no IAM e seus efeitos adversos

Fármacos Indicação de uso Indicação da dose Efeitos adversos


Tontura, desmaio, batimento cardíaco
irregular, edema nos pés ou tornozelos,
Betabloqueador Reduzir a pressão arterial Após as refeições insônia, fadiga etc.
Pode encobrir sintomas de
hipoglicemia
Reduzir o colesterol e Diarreia, insônia, dor muscular, reações
Estatina No período noturno
LDL-c no sangue alérgicas, perda de apetite etc.
Fadiga, hipoglicemia, diarreia, tosse
Administrado com
Leca Reduzir a pressão arterial seca, reações alérgicas, cãibra, náusea,
ou sem alimento dor de cabeça, alteração no paladar.
Tontura, fadiga, diarreia, reações
Bloqueador do receptor Administrado com
Reduzir a pressão arterial alérgicas, dor de garganta, batimento
de angiotensina ou sem alimentos irregular do coração etc.
Evitar a obstrução das Administrado com
Clopidogrel Sangramentos
artérias por coágulos ou sem alimentos

Sangramentos, dor estomacal, reações


Reduzir o risco de infarto Próximo das
AAS alérgicas, dor de cabeça, náusea,
cardíaco refeições vômito, tontura, sonolência etc.

Adaptado de: Hcor (2018).

5.5.2 Abordagem nutricional no IAM

5.5.2.1 Avaliação nutricional

Observa-se uma associação entre o IAM e o estado nutricional do paciente, sendo que aqueles
que sofreram IAM e estão em baixo peso possuem risco mais elevado de óbito comparado a pacientes
eutróficos, principalmente após a cirurgia. Após o procedimento cirúrgico, as necessidades energéticas
aumentam, o que demanda grande reposição tecidual, além da associação com comorbidades ou
dificuldades em adequar o aporte energético. Logo, o estado nutricional de um paciente hospitalizado
pode interferir na sua evolução clínica, uma vez que a desnutrição eleva o risco de morbidade, piora o
prognóstico clínico e aumenta o risco de óbito (SILVA et al., 2019).

A triagem nutricional, antes e após a intervenção cirúrgica, possibilita a identificação de pacientes


em risco nutricional ou com possibilidade de agravamento da desnutrição já instalada, o que auxilia na
intervenção nutricional precoce e oportuna, com impacto positivo para o paciente (SILVA et al., 2019),
quer seja via oral, enteral e/ou parenteral, ou a combinação de ambas. A terapia nutricional adequada é

151
Unidade II

capaz de alterar a incidência e a gravidade das coronariopatias, daí a importância do acompanhamento


pelo nutricionista.

Além da antropometria, interpretação dos exames laboratoriais, história clínico-nutricional,


identificação dos fatores de risco cardiometabólicos, entre outras informações importantes, o
nutricionista pode utilizar os diversos métodos subjetivos de avaliação do estado nutricional, tais como:
NRS‑2002, MUST, ASG, MAN (se idoso), NUTRIC, entre outros, nas primeiras 24 a 48 horas após admissão.

5.5.2.2 Terapia nutricional no IAM

A dieta é de suma importância tanto para o tratamento quanto para a prevenção do IAM. O objetivo
principal da dietoterapia para indivíduos com infarto agudo do miocárdio é a redução da sobrecarga
cardíaca. Após evento agudo, o paciente ficará de jejum nas primeiras 4 a 12 horas.

Recomenda-se uma dieta restrita em calorias de forma variável, a depender do estado


nutricional, devendo, na presença de obesidade, ser ajustada para uma perda ponderal entre 7%
e 10% do peso corpóreo, no período de 6 a 12 meses. Em pacientes com IMC entre 25 e 27 kg/m2,
recomenda-se uma redução de 500 a 1.000 kcal/dia, visto que pode culminar com uma perda
ponderal semanal de 454 g a 908,4 g. Já, para um IMC mais elevado, recomenda-se uma redução
de 1.000 a 1.500 kcal/dia para pode atingir uma perda de peso semanal entre 908,4 g e 1.806,8 g
por semana (PIEGAS et al., 2015).

Na prática clínica, prioriza-se a utilização da regra (ou fórmula) de bolso: 20 a 25 kcal/kg/dia para promover
a perda de peso; 25 a 30 kcal/kg/dia para manutenção de peso e > 30 kcal/kg/dia para ganho ponderal.

De acordo com a Atualização da diretriz de prevenção cardiovascular da sociedade brasileira de


cardiologia – 2019 (PRÉCOMA et al., 2019), a diminuição da ingestão energética é mais importante que
a adoção de dietas específicas. Piegas et al. (2015) mencionam que, na vigência de síndrome metabólica,
o controle da dislipidemia requer diminuição dos carboidratos para 50% do valor energético total (VET)
e aumento do consumo de lipídeos até 35% do VET, sendo que esse aumento deve ser feito à custa de
ácidos graxos monoinsaturados (AGMI). O consumo de ácidos graxos saturados (AGS) deve ser mantido
em < 7% do VET.

Os AGS constituem a principal causa de aumento do colesterol plasmático, estando presentes


em carnes gordurosas, leite integral e derivados, polpa de coco e alguns óleos vegetais, como dendê
e coco (PIEGAS et al., 2015). Lorgeril et al. (1999) evidenciaram, em um dos estudos pioneiros com
sobreviventes de IAM, que a adesão a uma dieta rica em frutas, legumes e ácido α-linolênico, além de
baixo aporte de AGS e sal, pode reduzir até 70% dos óbitos por doenças cardíacas, tendo um efeito
cardioprotetor de até quatro anos após o primeiro IAM. Miller et al. (2017) evidenciaram, por meio
do estudo Prospective Urban Rural Epidemiology (PURE) conduzido em 18 países, que o consumo
diário de frutas, vegetais e leguminosas foi associado de forma inversa ao aparecimento de DCV,
especialmente IAM, e óbito cardiovascular.

152
NUTRIÇÃO CLÍNICA

As novas diretrizes da American College of Cardiology (ACC) e a American Heart Association (AHA)
do manejo do colesterol (GRUNDY et al., 2018) recomendam que os pacientes devem consumir um
padrão alimentar com ênfase na ingestão de vegetais, frutas, grãos integrais, legumes, fontes saudáveis
de proteínas, produtos lácteos com baixo teor lipídico, aves com baixo teor de gordura (sem a pele),
peixes/frutos do mar, nozes, vegetais não tropicais e óleos; e limitar a ingestão de doces, bebidas
açucaradas e carnes vermelhas. Ressaltam que esse padrão alimentar deve ser ajustado às necessidades
energéticas dos pacientes, assim como às preferências alimentares, culturais e comorbidades. A ingestão
calórica deve ser ajustada para evitar o sobrepeso e a obesidade.

As recomendações dietéticas para o tratamento das dislipidemias estão descritas na tabela seguinte.

Tabela 12 – Recomendações dietéticas para o tratamento das dislipidemias

LDL-c Triglicérides
Recomendações Dentro da meta e Acima da meta Limítrofe Elevados Muito elevados†
sem comorbidades ou presença de mg/dL (%) mg/dL (%) > 500 mg/dL (%)
* (%) comorbidades* (%)
Perda de peso Manter peso saudável 5-10 Até 5 5-10 5-10
Carboidrato (%VET) 50-60 45-60 50-60 50-55 45-50
Açúcares de adição < 10 < 10 < 10 5-10 <5
(%VET)
Proteína (%VET) 15 15 15 15-20 20
Gordura (%VET) 25-35 25-35 25-35 30-35 30-35
AGT (%VET) Excluir da dieta
AGS (%VET) < 10 <7 <7 <5 <5
AGMI (%VET) 15 15 10-20 10-20 10-20
AGPI (%VET) 5-10 5-10 10-20 10-20 10-20
Ácido linolenico, g/dia 1,1-1,6
EPA e DHA, g 0,5-1,0 > 2,0 > 2,0
Fibras 25 g, sendo 6 g de fibra solúvel
DHA: ácido docosaexaenoico; EPA: ácido eicosapentaenoico; LDL-c: colesterol da lipoproteína de baixa densidade; VCT:
valor calórico total. O tempo de reavaliação após a implantação das medidas de modificações do estilo de vida deve ser de
3 a 6 meses.

Fonte: Précoma et al. (2019, p. 801).

Alguns pesquisadores sugerem a dieta do Mediterrâneo e a dieta DASH para a saúde cardiovascular
e, para SM, recomendam a dieta DASH associada a uma intervenção no estilo de vida, visto que é capaz
de aumentar a sensibilidade à insulina (MALACHIAS et al., 2017, KLEIN, 2015, ARÓS; ESTRUCH, 2013,
STEEMBURGO et al., 2007).

153
Unidade II

Exemplo de aplicação

Como nutricionista, você deverá orientar um paciente eutrófico, com constipação crônica,
hipertensão arterial sistêmica (HAS) e que sofreu há três meses infarto agudo do miocárdio (IAM) sobre
a escolha de um cereal matinal. Considerando as duas únicas opções hipotéticas a seguir, qual indicaria?
Justifique a sua escolha.

Tabela 13

Cereal matinal A Cereal matinal B


Informação nutricional Informação nutricional
Porção de 30 g Porção de 30 g
Quantidade por porção %VD (*) Quantidade por porção %VD (*)
Valor energético 110 kcal 4 Valor energético 110 kcal 4
Carboidratos 27g 7 Carboidratos 18 g 5
Proteínas 1g 2 Proteínas 5g 10
Gorduras totais 0g 0 Gorduras totais 1g 1
Gorduras saturadas 0g 0 Gorduras saturadas 0g 0
Gorduras trans 0g 0 Gorduras trans 0g 0
Fibra alimentar 1g 3 Fibra alimentar 12 g 40
Sódio 120 mg 8 Sódio 130 mg 8
(*) % Valores diários de referência com base em uma (*) % Valores diários de referência com base em uma
dieta de 2.000 kcal ou 8400 kJ. Seus valores diários dieta de 2.000 kcal ou 8400 kJ. Seus valores diários
podem ser maiores ou menores dependendo de suas podem ser maiores ou menores dependendo de suas
necessidades energéticas. necessidades energéticas.

Resolução

Considerando o quadro clínico apresentado pelo paciente, o que inclui HAS, constipação crônica
e IAM, o mais indicado é o cereal matinal B por possuir mais fibras alimentares, apesar de conter
mais sódio em comparação ao cereal matinal A. Isso se explica devido ao quadro agudo recente
de infarto do miocárdio e a presença de constipação intestinal, tendo em vista que o esforço
evacuatório também poderá sobrecarregar a função cardíaca a depender da fase clínica.

Há pouca diferença em relação ao quantitativo de sódio nos dois cereais, além disso, o cereal de
escolha (B) possui menos teor de carboidratos e maior quantitativo de proteínas. A restrição de sódio
deverá ser distribuída ao longo das refeições, as orientações nutricionais deverão ser reforçadas
em relação a manutenção sustentada do peso adequado (paciente eutrófico), fracionamento das
refeições, mastigação adequada, volume reduzido, importância da qualidade lipídica e das fibras
alimentares, priorização de carboidratos complexos, com restrição de açúcares simples; aporte
adequado de frutas, verduras, legumes; restrição de alimentos industrializados, entre outros.

É de suma importância que o nutricionista clínico oriente o paciente em relação à leitura e


interpretação dos rótulos dos alimentos para que ele não faça escolhas equivocadas, o que poderá
comprometer substancialmente o seu estado nutricional.

154
NUTRIÇÃO CLÍNICA

5.6 Terapia nutricional na síndrome metabólica

5.6.1 Síndrome metabólica (SM)

A síndrome metabólica (SM) constitui um transtorno complexo caracterizado por um conjunto de


fatores de risco cardiovascular associado à deposição central de gordura e à resistência à insulina (RI). Ela
representa um sério problema de saúde pública, visto que a sua associação com a doença cardiovascular
(DCV) promove o aumento da mortalidade geral em cerca de 1,5 vezes, e a cardiovascular, em cerca de
2,5 vezes (MONTE et al., 2019, I-DBDTSM, 2005).

Entre os possíveis fatores etiológicos relacionados ao desenvolvimento da SM, destacam-se a


predisposição genética, resistência à insulina (RI), obesidade abdominal, inatividade física, dieta
inadequada, presença de estados pró-inflamatórios e as diversas alterações hormonais (LIRA NETO
et al., 2018). Assim, a SM agrupa diversos fatores de risco para a DCV, como índices antropométricos,
dislipidemias aterogênicas, diabetes mellitus (DM), hipertensão arterial sistêmica (HAS), alterações do
metabolismo de carboidratos, doença coronariana precoce, estados pró-trombóticos e pró-inflamatórios, o
que culmina com elevadas taxas de mortalidade (ARAÚJO et al., 2015, MANNA; DAMIANI; SETIAN, 2006).

A terapêutica para a SM consiste em modificações dos hábitos de vida, incluindo a prática regular
de atividade física, a manutenção do peso adequado e a adoção de uma dieta saudável. A atuação de uma
equipe multiprofissional é imprescindível, destacando-se o profissional nutricionista, que reforçará a
importância da nutrição para prevenção e tratamento da SM. O nutricionista procederá à intervenção
nutricional específica para cada indivíduo, visando o restabelecimento clínico-nutricional e, em consequência,
a melhoria da qualidade de vida, quer seja no âmbito hospitalar, domiciliar e/ou ambulatorial.

5.6.1.1 Aspectos conceituais e diagnósticos da síndrome metabólica

A síndrome metabólica (SM), também conhecida como síndrome X, ou síndrome plurimetabólica,


caracteriza-se por um agregado de anormalidades metabólicas e hemodinâmicas, geralmente presente
em indivíduos obesos (OLIVEIRA et al., 2017, CAPANEMA et al., 2010).

A SM constitui um grupo de fatores de risco cardiometabólicos que incluem a obesidade abdominal


associada à elevação de pressão arterial, glicemia de jejum (GJ), triglicérides (TG) e diminuição da
lipoproteína de alta densidade (HDL-c) (MONTE et al., 2019, ARAÚJO et al., 2015). Outras comorbidades
como esteato-hepatite não alcoólica e síndrome da apneia obstrutiva do sono (Saos) também
estão comumente associadas a SM, além de hiperuricemia, aumento da proteína C reativa (PCR),
hiperhomocisteinemia, incremento da expressão do fator de necrose tumoral alfa (TNF-a) e diminuição
dos níveis de adiponectina.

O papel da resistência à insulina como elo entre a obesidade abdominal, intolerância à glicose,
aumento dos níveis pressóricos, dislipidemia, distúrbios de coagulação, hiperuricemia e microalbuminúria é
amplamente conhecido e discutido na literatura e na prática clínica (OLIVEIRA et al., 2017, OLIVEIRA;
FORTES, 2014). Entende-se por RI (resistência à insulina) um defeito na ação da insulina que culmina
em uma hiperinsulinemia compensatória para manutenção dos níveis glicêmicos dentro da normalidade
(FARIA et al., 2014, CAPANEMA et al., 2010, RODRIGUES; CANANI; GROSS, 2010).
155
Unidade II

O papel da RI na síndrome metabólica está ilustrado na figura a seguir.

Hiperglicemia
Aterosclerose Hiperinsulinemia
acelerada Doença hepática
Microalbuminúria gordurosa não
alcoólica

Intolerância à
Dislipidemia RI glicose

Hiperuricemia Apneia do sono


Diabetes Obesidade
abdominal
Hipertensão
RI: resistência à insulina

Figura 17 – Papel da RI na síndrome metabólica

Ainda não existe um consenso em relação aos critérios utilizados para o diagnóstico de SM. As
principais definições para a SM são as da OMS, propostas em 1998; a do Programa Nacional de Educação
sobre Colesterol dos Estados Unidos (NCEP/ ATP-III), de 2001; e a mais nova proposta de classificação
publicada em 2006 pela Federação Internacional de Diabetes (em inglês, IDF), que é o critério mais
adotado no Brasil (MONTE et al., 2019, RODRIGUES; CANANI; GROSS, 2010, MANNA; DAMIANI; SETIAN,
2006, FREITAS et al., 2008).

Em 1998, a OMS propôs como critério inicial para a SM, a avaliação da RI ou da evidência de
distúrbio do metabolismo da glicose e incluiu a medida da albuminúria, tendo critérios mais complexos
(CAPANEMA et al., 2010). Para o diagnóstico da SM, a resistência à insulina deveria ser constatada por
meio do método de clamp euglicêmico hiperinsulinêmico, associado a, pelo menos, dois dos seguintes
componentes: obesidade, dislipidemia, HAS e microalbuminúria. Devido à complexidade do método na
determinação da RI, assim como o uso do teste de tolerância oral à glicose (TTOG), essa definição foi
pouco aceita na prática clínica (FREITAS et al., 2008, I-DBDTSM, 2005).

Em 2001, um grupo de médicos do National Cholesterol Education Program’s Adul Treatmen Panel
III (NCEP/ATP-III), nos Estados Unidos, propôs uma nova definição para SM na qual a determinação
direta da RI não foi incluída. Esse modelo foi mais aceito e possui maior aplicabilidade clínica em
comparação ao da OMS por não exigir a comprovação de resistência à insulina, sendo recomendado pela
I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica. O diagnóstico da SM ocorre
mediante a combinação de pelo menos três dos seguintes componentes: obesidade abdominal por meio
de circunferência abdominal (CA), triglicerídeos, HDL-c, pressão arterial e glicemia de jejum (CAPANEMA
et al., 2010, FREITAS et al., 2008, I-DBDTSM, 2005).

156
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Em 2005, a International Diabetes Federation (IDF) promoveu o I Congresso Internacional de


Síndrome Metabólica e Pré-Diabetes, em Berlim, com o propósito de unificar os critérios diagnósticos.
Devido às fortes evidências de associação da obesidade central com a DCV e com os outros componentes
da SM, considerando-se a distinção do risco de acordo com a etnia populacional, a definição pela IDF
considera a avaliação da circunferência abdominal um componente essencial para o diagnóstico da SM
(FREITAS et al., 2008). Logo, torna-se obrigatória a aferição da CA alterada, além de mais dois outros
componentes (TG, HDL-c, pressão arterial, GJ ou DM) para diagnóstico da SM (LIRA NETO et al., 2018,
CAPANEMA et al., 2010).

As definições da síndrome metabólica de acordo com a OMS, NCEP/ ATP-III e IDF estão descritas
a seguir.

Quadro 24 – Critérios diagnósticos para a síndrome metabólica

OMS, 1998 NCEP-ATP III, 2001 IDF, 2006


Resistência à insulina Circunferência abdominal
Diagnóstico e presença de mais 2 3 dos 5 componentes alterada e mais 2
confirmado por componentes componentes
Componentes
TDG, GJA, DM tipo 2 ou
Resistência à sensibilidade à insulina
insulina diminuída
Razão cintura-quadril: Circunferência abdominal: Circunferência abdominal:
Composição Homens > 0,90 cm Homens ≥ 102 cm Homens ≥ 94 cm
corporal Mulheres > 0,85 cm Mulheres ≥ 88 cm Mulheres ≥ 80 cm
e/ou IMC > 30 kg/m²
Triglicerídeos ≥ 150
Triglicerídeos ≥ 150
Triglicerídeos ≥ 150 e/ou
Lipídeos séricos e/ou
e/ou Homens HDL < 35 Homens HDL < 40
(mg/dL) Homens HDL < 40
Mulheres HDL < 39 Mulheres HDL < 50 ou uso
Mulheres HDL < 50 de hipolipemiantes
Pressão arterial ≥ 130/85 ou uso de ≥ 130/85 ou uso de
≥ 140/90
(mmHg) anti-hipertensivos anti-hipertensivos
Glicose sérica TDG, GJA ou DM tipo 2 > 110 (incluindo DM) > 100 (incluindo DM)
(mg/dL)
Microalbuminúria Excreção
Outros urinária de albumina
≥ 20 µg/min
OMS: Organização Mundial da Saúde, NCEP-ATP III: National Cholesterol Education Program – Adult Treatment
Panel III, IDF: International Diabetes Federation, TDG: Tolerância diminuída à glicose, GJA: Glicemia de jejum
alterada, DM: diabetes mellitus.

Adaptado de: SBD (2019); Capanema et al. (2010); Freitas et al. (2008).

Em crianças, ainda não existem estudos conclusivos para o diagnóstico da SM devido à ausência de
pontos de corte precisos em relação a alguns fatores importantes para a confirmação diagnóstica. A IDF
sugeriu uma definição semelhante à de adultos, utilizando os mesmos pontos de corte em adolescentes
acima de 16 anos de idade. Entre 10 e 16 anos, utiliza-se o percentil acima de 90 para a aferição da
circunferência abdominal. Já de seis a 10 anos, usa-se o mesmo percentil, entretanto, não é condição

157
Unidade II

essencial para o diagnóstico da SM. Deve-se, nesse caso, intensificar a suspeita clínica para história
familiar positiva para as demais condições predisponentes (CAPANEMA et al., 2010).

A definição de síndrome metabólica em pacientes pediátricos pela Federação Internacional de


Diabetes está sumarizada a seguir.

Quadro 25 – Definição de síndrome metabólica em pacientes


pediátricos pela Federação Internacional de Diabetes

Idade > 16 anos: critério do IDF


Idade: 6 a 10 anos Idade: 10 a 16 anos para adultos
Obesidade ≥ percentil 90 pela medida Obesidade central - circunferência
da circunferência abdominal. A SM Obesidade ≥ percentil 90 pela medida abdominal > 94 cm em homens ou >
ainda não é diagnosticada, mas é de da circunferência abdominal e 2 ou 80 cm em mulheres com valores de
alta suspeição clínica quando história mais dos seguintes etnias específicos para outros grupos e
familiar positiva de mais 2 dos seguintes
– Glicose ≥ 100 mg/dL ou diagnóstico
prévio de diabetes mellitus tipo 2
– Síndrome metabólica – Glicose ≥ 100 mg/dL (TTOG
recomendado) ou – Pressão sistólica ≥130 ou diastólica
– Diabetes tipo 2 ≥85 mmHg ou tratamento prévio para
– diabetes tipo 2 já diagnosticado diagnóstico de hipertensão
– Dislipidemia
– Pressão sistólica ≥ 130 ou diastólica ≥ – Triglicérides ≥150 mg/dL ou
– Doença cardiovascular 85 mmHg tratamento específico para essa
– Hipertensão – Triglicérides > 150 mg/dL anormalidade
– Obesidade – HDL <40 mg/dL – HDL <40 mg/dL em homens ou <50
mg/dL em mulheres ou tratamento
específico para essa anormalidade
TTOG = teste de tolerância oral à glicose; HDL = lipoproteína de alta densidade.

Fonte: Capanema et al. (2010)

Segundo Freitas et al. (2008), algumas considerações a respeito dessas três propostas diagnósticas
da SM devem ser analisadas:

• A definição da OMS apresenta limitações, visto que os exames de insulina em jejum e a


microalbuminúria não são usuais, tornando-a inviável para utilização em estudos clínicos e
epidemiológicos. O método de determinação da RI por meio do clamp euglicêmico hiperinsulinêmico
também constitui uma importante limitação em detrimento de sua complexidade. Em conjunto
com o teste de tolerância à glicose, o uso dessa definição se restringe cada vez mais.

• Em relação à definição proposta pela IDF, a limitação para a sua utilização na população brasileira
está relacionada aos pontos de corte da CC dos sul-asiáticos para o diagnóstico da obesidade
central nas populações da América do Sul e da América Central.

• Como todos os componentes para o diagnóstico da SM propostos pelo NCEP-ATP III são de fácil
obtenção, podendo inclusive ser utilizados em estudos epidemiológicos e clínicos, essa definição
parece mais viável. Outro aspecto importante é que não se prioriza nenhum componente, evitando

158
NUTRIÇÃO CLÍNICA

as críticas direcionadas à definição da IDF. Entretanto, alguns estudiosos criticam os critérios


diagnósticos do NCEP-ATP III em detrimento dos pontos de corte para CC criados com base em
uma população caucasiana estadunidense, e que não seriam aplicados a outras etnias.

5.6.1.2 Avaliação nutricional na síndrome metabólica

A avaliação nutricional de indivíduos com SM deverá ser individualizada, levando-se em consideração


a idade, o sexo, o peso, a estatura, a prática de atividade física, a condição clínica, entre outras
peculiaridades. Em relação à avaliação antropométrica, utilizam-se o IMC, as dobras cutâneas,
o %GC, a CA, a circunferência da cintura (CC), a razão cintura/quadril (RCQ), a circunferência do
pescoço (CP) e a razão cintura-estatura (RCEst).

A utilização dessas medidas antropométricas é frequentemente empregada devido à praticidade e


ao baixo custo, sendo utilizadas na avaliação da adiposidade corpórea. O IMC, apesar de suas limitações,
apresenta associação com o risco aumentado de mortalidade. As CC, CA e RCQ refletem a massa de
tecido adiposo visceral, visto que são capazes de estimar indiretamente a gordura intra-abdominal
envolvida na gênese da RI. A CP é um indicador antropométrico simples e prático, com a vantagem
de não sofrer influência da distensão abdominal pós-prandial ou por movimentos respiratórios, o que
fornece resultados consistentes na indicação do acúmulo de gordura subcutânea da parte superior
corpórea, estando associada a riscos cardiometabólicos da mesma forma que a gordura abdominal.
A RCEst tem sido considerada um bom índice antropométrico para predizer risco cardiovascular, DM
e SM. Possui como vantagem a adequação da medida da cintura por meio do ajuste pela estatura,
podendo ser usada por pessoas de distintas etnias. Sendo assim, essas aferições são importantes porque
são preditivas de alterações metabólicas, DCV e morte (ROCHA et al., 2010).

De acordo com o IMC, peso corpóreo (kg) dividido pela estatura (m) ao quadrado (IMC = kg/m²),
a OMS (1995) classifica o indivíduo adulto como obeso quando IMC ≥ 30 kg/m², sendo a obesidade
estratificada em graus:

• Grau I: IMC entre 30 e 34,9 kg/m2.


• Grau II: IMC entre 35 e 39,9 kg/m2.
• Grau III: IMC ≥ 40 kg/m².

Considera-se com sobrepeso o indivíduo com IMC entre 25 e 29,9 kg/m2. Já para os idosos, o
Ministério da Saúde aceita a classificação de Lipschitz (1994) em que o IMC de eutrofia encontra-se
entre 22 e 27 kg/m2. Para a faixa etária pediátrica, gráficos padronizados de IMC são utilizados, visto
que, além da oscilação do peso corpóreo, o IMC também oscila com a estatura e a idade, não sendo
adequada a sua aplicação direta nessa fase de vida (ABESO, 2016).

A RCEst é calculada mediante a divisão direta da CC pela estatura. O indivíduo é considerado com
acúmulo de gordura central quando apresentar como resultado um valor ≥ 0,5 para ambos os sexos e
em qualquer faixa etária (SBD, 2019). A RCQ maior que 1,0 para homens e superior a 0,85 para mulheres
está associada à SM e risco de DCV (OMS, 2000).
159
Unidade II

A circunferência abdominal deve ser aferida no meio da distância entre a crista ilíaca e o rebordo
costal inferior, visto que é o índice antropométrico mais representativo da gordura intra-abdominal,
assim como de aferição mais simples e reprodutível. Entretanto, o ponto de corte de 102 cm para o
sexo masculino e 88 cm para o sexo feminino tem sido questionado, uma vez que não se adequa às
populações de distintas etnias. Logo, níveis mais baixos têm sido considerados mais apropriados, sendo
94 cm para homens e 80 cm para mulheres. Recomenda-se para mulheres com CA entre 80-88 cm e
homens entre 94-102 cm uma monitorização frequente dos fatores de risco para doenças coronarianas
(I-DBDTSM, 2005). Oliveira e Rodrigues (2016) sugerem para CC a cicatriz umbilical como ponto de
referência, visto que ela é um intermediário entre o ponto médio entre as costelas e a crista ilíaca e a
linha da crista ilíaca, ponto de maior circunferência.

Em relação à CP, recomenda-se que essa aferição seja realizada na base do pescoço, na altura da
cartilagem cricotireóidea, entretanto, em homens com proeminência, ela deverá ser aferida abaixo da
proeminência. Os pontos de corte mais utilizados para adultos são 37 cm para homens e 34 cm para
mulheres (SILVA; PRETTO; BORGES, 2015, BEN-NOUN; LAOR, 2003). Lima et al. (2018) determinaram
quais pontos de corte da CP correspondiam aos níveis de excesso de peso classificados por meio do
IMC em 323 indivíduos, com média de idade de 40,9 (±10,8) anos, sendo a maioria mulheres (81%).
Observou-se forte correlação da CP com o peso corpóreo e com a circunferência abdominal. Os pontos
de corte que melhor rastrearam adultos com sobrepeso, foram 37,9 cm para homens e 34,7 cm para
mulheres e, com obesidade, 40 cm para homens e 36,5 cm para mulheres. Ainda não existe um consenso
sobre qual valor de CP deve ser adotado, dada a heterogeneidade dos estudos, mas isso não invalida o
seu uso na prática clínica.

Para crianças e adolescentes, não existe uma padronização em relação à medida da circunferência
abdominal. Alguns autores preconizam aferições por faixa etária, considerando elevada a medida
superior ao percentil 90. Fatores como ausência de método padrão para essa aferição; falta de um padrão
internacional em decorrência da variação étnica; ausência de ponto de corte para risco cardiometabólico;
dificuldades práticas de aferição devido à necessidade de remoção de roupas, principalmente no inverno,
com ênfase psicológica nessa fase de vida; constituem importantes limitações. Tem-se sugerido,
como alternativa para verificação de SM em crianças e adolescentes, a CP. Essa medida tem grande
utilidade por representar outra possibilidade antropométrica para avaliação da SM e, também, devido
ao constrangimento em se despir comumente presente nessa faixa etária. A principal vantagem é a
praticidade tanto para o examinador quanto para o adolescente, visto que não sofre influência pelo
horário de avaliação (pré ou pós-prandial), sendo útil para o estudo de triagem e o uso em serviços de
saúde pública (ROCHA et al., 2010).

Um estudo conduzido em 36 adolescentes púberes com síndrome metabólica, entre 10 e 19 anos de


idade, assistidas regularmente em um ambulatório de saúde na adolescência, teve como objetivo avaliar
a correlação da CP com RI e componentes da SM. Observou-se correlação positiva entre a circunferência
do pescoço com as variáveis IMC, CA, RCEst e índice Homa para RI (Homa-IR). Os resultados apontam
que a CP constitui um instrumento útil para triagem de adolescentes, visto que se correlacionou com
importantes parâmetros de avaliação da SM (PARDO, CABRAL, HADDAD, 2019), além de estar melhor
relacionada ao risco cardiometabólico em comparação à gordura abdominal. O provável mecanismo de
ação envolve a maior liberação de AGL sistêmicos pelo pescoço do que pela região visceral, sugerindo
160
NUTRIÇÃO CLÍNICA

que o aumento da CP pode indicar o acúmulo de moléculas adiposas na parede das artérias carótidas,
o que favorece o desenvolvimento de DCV. A adiposidade nesse compartimento corpóreo tem sido
associada à RI, inflamação e disfunção endotelial, o que reforça a hipótese de que a gordura abdominal
pode não ser a principal fonte das concentrações circulantes de AGL (LIMA et al., 2018).

Deve-se avaliar o perfil metabólico e inflamatório por meio dos exames de glicemia de jejum, HbA1c,
lipidograma completo (colesterol total, HDL-c, colesterol lipoproteína de alta densidade, sigla em inglês
LDL-c e TG), função hepática, função renal, PCR, cortisol, ferritina, ácido úrico, microalbuminúria,
Homa‑IR, assim como analisar os níveis pressóricos, a dose de insulina, o uso de outras medicações e
as interações droga-nutriente. Segundo a I-DBDTSM (2005), a análise dos níveis elevados de LDL-c não
integra os critérios diagnósticos da SM, entretanto, frequentemente, os pacientes que possuem RI e SM
apresentam aumento de LDL-c que, por sua vez, possui um elevado potencial aterogênico.

Além da avaliação antropométrica, da composição corpórea e da análise bioquímica e metabólica,


a verificação do padrão de consumo de alimentos torna-se essencial. A anamnese alimentar deve
considerar os aspectos qualitativos e quantitativos dos alimentos, o número de refeições, os horários, a
presença de tabus, intolerâncias e/ou aversões alimentares.

Diversos instrumentos têm sido propostos para relacionar o plano alimentar com o estado nutricional,
tais como: recordatório de 24 horas – R24h, registro de ingestão alimentar e questionário de frequência
de consumo alimentar (QFCA). Para analisar o padrão de qualidade da dieta, o nutricionista pode aplicar
o índice de qualidade de dieta (IQD), por meio do qual se avalia a ingestão adequada de nutrientes, o
número de porções de carboidratos, frutas e hortaliças consumidos, a quantidade de gordura total,
colesterol, AGS, proteína, cálcio e sódio (VIEIRA et al., 2016).

A história pregressa de DM, HAS, diabetes gestacional (DMG), doença arterial coronariana, acidente
vascular encefálico, síndrome de ovários policísticos (SOP), doença hepática gordurosa não alcoólica,
hiperuricemia, entre outros, deve ser analisada (I-DBDTSM, 2005). Da mesma forma, o histórico familiar
de DCNT deve ser investigado, assim como outros fatores como escolaridade, condições de moradia,
renda, prática de atividade física, etilismo e tabagismo, que podem interferir direta ou indiretamente no
estado nutricional. O nutricionista deve estimular as mudanças comportamentais, incluindo a adesão
dietética associada à prática de atividade física (AF), a exclusão de etilismo, tabagismo e implementação
de atividades antiestresse.

A presença de sarcopenia na SM também deve ser avaliada, visto que a perda de massa muscular
representa uma redução na massa do tecido alvo responsivo à insulina, o que acarreta RI e, em
consequência, obesidade, HAS e SM. Existem evidências científicas de que o músculo desempenha um
papel crucial na redução da pressão arterial e na melhora da função hemodinâmica (CRUZ et al., 2018).

O nutricionista normalmente avalia os pacientes por meio de ferramentas subjetivas, aferições


antropométricas e fórmulas preditivas, uma vez que exames de imagem, como tomografia
computadorizada, ressonância magnética e absortometria radiológica de dupla energia, considerados
padrão-ouro na avaliação da adiposidade corpórea, possuem realização limitada e, principalmente, alto
custo, o que inviabiliza a utilização na prática clínica.
161
Unidade II

5.6.2 Abordagens terapêuticas na síndrome metabólica

O tratamento da síndrome metabólica está relacionado às intervenções para diminuir os fatores


de risco metabólico. Ele envolve as modificações do estilo de vida, o que inclui os hábitos alimentares
adequados, a prática regular de atividade física, as terapias alternativas direcionadas à redução do estresse
e da ansiedade, a abolição de hábitos tabagistas e etilistas, a adesão ao tratamento farmacológico e,
em alguns casos, a intervenção cirúrgica. A atuação da equipe multiprofissional merece destaque diante
da complexidade dessa síndrome, destacando-se o papel do nutricionista, professor de educação física,
farmacêutico, psicólogo, endocrinologista, cardiologista, entre outras especialidades.

5.6.2.1 Terapia nutricional na síndrome metabólica

A terapia nutricional na síndrome metabólica tem como objetivos educar o paciente para hábitos
alimentares saudáveis; promover a perda ponderal e a manutenção do peso adequado, com preservação
de massa magra; melhorar a resistência à ação da insulina; promover o controle metabólico, inflamatório
e pressórico; restaurar as funções orgânicas; prevenir o desenvolvimento de outras comorbidades; reduzir
os efeitos da hiperalimentação e das complicações relacionadas por meio de uma dieta hipocalórica;
evitar os déficits e os excessos de nutrientes; melhorar a saúde geral e a qualidade de vida; e reduzir o
risco de mortalidade.

Aporte energético

A estimativa das necessidades energéticas individuais é um dos primeiros passos para a definição do
plano dietoterápico (CARVALHO et al., 2018). Essa estimativa pode ser realizada por meio de equações
preditivas como a de Harris-Benedict, ou determinada por calorimetria indireta, e combinada com o
nível de atividade física ou, ainda, pela regra (ou fórmula) de bolso (kcal/kg de peso) (DIESTEL et al.,
2013), sendo a última mais utilizada em nutrição clínica.

Como a obesidade exerce diversos efeitos orgânicos negativos relacionados à RI, um dos principais
objetivos do tratamento dietoterápico é a perda de peso. Os benefícios desse resultado são maiores
mediante a perda sustentada de peso ou quando o peso ideal é atingido e mantido. Salienta-se que a
perda ponderal deve ser resultante da máxima diminuição de gordura corpórea e da mínima redução de
massa magra, o que representa sucesso na manutenção do peso perdido, implicando em menores riscos
de desnutrição e complicações clínicas (CROSSETTI; KIRSTEN, 2007).

Deve-se fornecer um plano alimentar com valor energético total (VET) adequado para a obtenção
e/ou manutenção de peso corpóreo desejável. Em obesos, preconiza-se uma dieta hipocalórica
(20 kcal a 25 kcal/kg peso atual/dia), com uma diminuição de 500 kcal a 1000 kcal do gasto energético
total (GET) diário previsto (ou da anamnese alimentar), com o intuito de promover perdas ponderais
entre 0,5 kg e 1,0 kg por semana. Entretanto, não se devem prescrever dietas com aporte energético
inferior a 800 kcal/dia (CROSSETTI; KIRSTEN, 2007, I-DBDTSM, 2005), visto que não são efetivas para
a diminuição do peso corpóreo, além de implicar em inadequações nutricionais e resultar em menor
redução de peso em comparação à dieta hipocalórica tradicional (STEEMBURGO et al., 2007).

162
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Estudos demonstram que a dieta hipocalórica, quando associada à perda ponderal sustentada,
promove melhora da função endotelial por meio de melhoria nos parâmetros metabólicos, inflamatórios,
hemodinâmicos e neurovasculares em indivíduos obesos (GHETTI; LATERZA, 2014), diminuição de massa
corpórea, %GC, IMC, massa magra, TG, colesterol total, LDL-c e colesterol lipoproteína de muito baixa
densidade (sigla em inglês, VLDL-c) em mulheres adultas com sobrepeso (VALLE et al., 2010), redução
do colesterol total, e LDL-C em crianças obesas dislipidêmicas e, quando associada à atividade física,
aumenta os níveis de HDL-c e melhora a composição corpórea com redução significativa da massa
gorda (PARENTE et al., 2006).

Observam-se mudanças adaptativas em indivíduos submetidos a dietas hipocalóricas em detrimento


da limitação do consumo energético, visto que à medida que esse consumo é restrito, diminui-se o
gasto energético, o que leva à redução da perda ponderal e, em consequência, às mudanças na
composição corpórea. Todos esses resultados ocorrem devido às seguintes alterações: diminuição da
taxa de metabolismo basal (TMB), redução da massa magra e do custo energético do movimento pela
diminuição das dimensões corpóreas, com consequente diminuição da oxidação lipídica (CROSSETTI;
KIRSTEN, 2007).

Os mecanismos que associam a dieta hipocalórica à melhora da função endotelial em obesos estão
ilustrados no fluxograma a seguir.

As recomendações de ingestão de calorias e macronutrientes estão sumarizadas no quadro posterior.

Dieta hipocalórica

Perda de peso > 5%

Balanço das adipocinas: ↑adiponectina, ↓leptina, ↓resistina

↓Resistência à insulina

↓Vasoconstritores endoteliais ↓Dislipidemia ↓Inflamação crônica subclínica

↓Hiperatividade simpática ↓Estresse oxidativo


↓Fatores de inibição de atividade
fibrinolítica, moléculas de adesão celular,
micropartículas de plaquetas e leucócitos
↓Constrição da musculatura lisa vascular ↑Óxido nítrico

Recuperação da função endotelial em obesos

Figura 18 – Dieta hipocalórica à melhora da função endotelial em obesos

163
Unidade II

Quadro 26 – Recomendações nutricionais para indivíduos com síndrome metabólica

Características Recomendação Observação


Suficiente para reduzir o peso em
VET Toda a avaliação deve ser individualizada
5% a 10% e prevenir a recuperação
O total de porções diárias desse grupo de alimentos oscila
em conformidade com o VET
5 Considerando, por exemplo, que 1 porção de CHO
corresponde a 1 fatia de pão de forma, ou ½ pão francês,
Carboidratos 50% a 60% do VET ou 1 escumadeira rasa de arroz ou de macarrão, ou 1 batata
média, ou ½ concha de feijão. Mulheres com IMC > 27 kg/m2
e sedentárias poderão receber apenas 6 porções/dia, ao
passo que homens eutróficos e ativos poderão ingerir até
11 porções/dia
Corresponde a: 2 porções pequenas de carne magra/dia,
que podem ser substituídas pelas leguminosas (soja,
grão-de-bico, feijões, lentilha, entre outros) e 2 a 3 porções
diárias de leite desnatado ou queijo magro
0,8 g a 1,0 g/kg peso atual/dia ou O consumo de peixes deve ser incentivado por sua riqueza
Proteínas em ácidos graxos n-3
15% do VET
Os ovos também podem ser utilizados como substitutos da
carne, respeitando o limite de 2 gemas/semana, em função
do teor colesterol
Excessos proteicos devem ser evitados
Devem ser evitados alimentos gordurosos (carnes gordas,
embutidos, laticínios integrais, frituras, gordura de coco,
Gordura total 25% a 35% do VET molhos, cremes e doces ricos em gordura e alimentos
refogados e temperados com excesso de óleo ou gordura)
Incluem os AGS (C8-C16) e os AGT
AGS < 10% do VET
Recomenda-se até 7% se LDL-c >100 mg/dL
Incluem os ácidos graxos ômega-3 os quais são encontrados
AGPI Até 10% do VET em peixes como salmão, sardinha, cavala e arenque
O azeite de oliva possui 77% de AGMI e seu consumo é
AGMI Até 20% do VET predominante na dieta Mediterrânea
Selecionar alimentos integrais ou minimamente processados
Fibras 20 a 30 g/dia com baixo IG
Alguns indivíduos com LDL-c >100 mg/dL podem se
Colesterol < 300 mg/dia beneficiar com uma ingestão diária de colesterol de
200 mg/dia
VET - Valor Energético Total. AGS – ácidos graxos saturados. AGPI – ácidos graxos poli-insaturados. AGMI – ácidos graxos
monoinsaturados. AGT – ácidos graxos trans. LDL-c – colesterol lipoproteína de baixa densidade.

Adaptado de: I-DBDTSM (2005).

Carboidratos

Em relação aos carboidratos, recomenda-se um plano alimentar contendo entre 50% e 60% do VET.
Devem-se priorizar os carboidratos complexos e restringir os carboidratos simples, entretanto, o açúcar
de mesa ou produtos contendo açúcar, incluindo fontes de frutose, podem ser considerados no
contexto de um plano alimentar saudável. A ingestão de hortaliças, leguminosas, grãos integrais e
frutas deve ser encorajada (I-DBDTSM, 2005). Alguns estudos confirmam a função protetora por meio

164
NUTRIÇÃO CLÍNICA

da ingestão de grãos integrais, incluindo associação negativa com a RI, menor prevalência de SM e
menor risco de mortalidade por DCV (STEEMBURGO et al., 2007).

Os açúcares contidos em refrigerantes, sucos artificiais, doces e outros alimentos adicionados de


xaropes, principalmente, com alta concentração de frutose de adição, podem contribuir para distúrbios
metabólicos, como hiperglicemia, hiperinsulinemia e RI (CROSSETTI; KIRSTEN, 2007). Já a frutose presente
naturalmente nos alimentos, como nas frutas, não deve ser excluída da alimentação; ao contrário, o seu
consumo deve ser incentivado pelo nutricionista de acordo com as recomendações.

Há escassez de evidências científicas para recomendar o uso de alimentos de baixo índice glicêmico (IG)
como estratégia primária no plano alimentar de indivíduos com SM. Apesar de as dietas com baixo IG
serem capazes de reduzir a glicemia pós-prandial e melhorar o perfil lipídico, a adesão dos indivíduos
em longo prazo não está bem estabelecida (I-DBDTSM, 2005).

Segundo Steemburgo et al. (2007), um estudo comprovou que a dieta mediterrânea comparada à
dieta recomendada pela American Heart Association (gordura total < 30% do VET) reduziu o número
de componentes da SM ao final de dois anos. Outro estudo demonstrou que a dieta DASH, quando
comparada a uma dieta controle e a uma dieta hipocalórica para perda de peso, foi mais efetiva na
melhora de todos os componentes da SM. A alteração na fonte de carboidratos, independentemente do
teor de fibras, foi capaz de alterar a resposta das células beta pancreáticas à glicose. A I-DBDTSM (2005)
recomenda para SM a dieta DASH associada a uma intervenção no estilo de vida, visto que é capaz de
aumentar a sensibilidade à insulina.

As principais características da dieta DASH e da dieta do mediterrâneo estão descritas no


quadro a seguir.

Quadro 27 – Características das dietas DASH e do mediterrâneo

Dieta DASH Dieta do mediterrâneo


Rica em frutas, hortaliças, cerais integrais, frutos secos,
leguminosas secas e frescas
Consumo de frutas, hortaliças e laticínios com pouca
gordura Consumo de produtos frescos da região, pouco
processados e sazonais
Ingestão de cereais integrais, frango, peixe e frutas
oleaginosas Consumo baixo a moderado de laticínios e, de preferência,
sob a forma de queijo e iogurte
Redução de carne vermelha, doces e bebidas com açúcar
Possui quantidades generosas de azeite de oliva (principal
Rica em potássio, cálcio, magnésio e fibras fonte de gordura)
Quantidades reduzidas de colesterol, gordura total e Consumo de peixes e oleaginosas; baixo consumo e
saturada pouco frequente de carnes vermelhas
Prioriza óleos vegetais insaturados, como azeite de oliva Ingestão moderada de vinho, de preferência, durante
as refeições

Lipídeos

Os lipídeos devem representar de 25% a 35% do VET da dieta, sendo que a qualidade lipídica
também deverá ser priorizada, visto que a ingestão lipídica é associada de forma inversa à
165
Unidade II

sensibilidade à insulina. Recomenda-se a seguinte distribuição: < 10% AGS; 15% AGMI; 5% a10%
AGPI; 1,1-1,6 g/dia de ácido linolênico e 0% AGT (FALUDI et al., 2017). Os AGT elevam o LDL-c,
os TG e diminuem o HDL-c, logo, o seu consumo está relacionado ao aumento do risco de DCV,
devendo ser totalmente excluídos da dieta.

Os AGT são encontrados principalmente em óleos e gorduras hidrogenadas, margarinas duras,


gorduras industriais presentes em sorvetes, chocolates, produtos de padaria, salgadinhos tipo chips,
molhos para saladas, maionese, cremes para sobremesas, óleos para fritura industrial e, em menor
quantidade, produtos lácteos e carnes bovinas e caprinas (I-DBDTSM, 2005).

Em situações clínicas como na hipertrigliceridemia ou quando o HDL-c for inferior ao desejável,


pode-se aumentar a quantidade de AGMI, reduzindo a oferta de carboidratos. Não se recomenda a
ingestão inferior a 15% do VET porque pode ocorrer redução do HDL-c e aumentar os níveis séricos
de glicose, insulina e triglicerídeos (I-DBDTSM, 2005).

Os AGPI ômega-3 são úteis no tratamento da hipertrigliceridemia grave em pessoas com DM2.
Nesse sentido, podem ser benéficos na síndrome metabólica. Recomenda-se o consumo semanal
de duas a três porções de peixe (I-DBDTSM, 2005). Deve-se atentar para a forma de preparo dos
alimentos, evitando ou, até mesmo, excluindo as preparações fritas.

Evidências científicas apontam que a substituição de AGS e AGT por AGPI é mais efetiva
na diminuição das concentrações séricas de colesterol e da morbimortalidade por DCV quando
comparada à redução do teor total de lipídeos da dieta. Deve-se estimular o consumo de óleos
vegetais (especialmente os de oliva e canola), de peixes e frutas oleaginosas, e a redução de
alimentos ricos em AGS e AGT (CIOLAC; GUIMARÃES, 2004).

Em relação ao consumo de alimentos ricos em colesterol, os níveis de LDL-c deverão ser


avaliados, pois se o indivíduo possuir LDL-c >100 mg/dL, recomenda-se no máximo 200 mg/dia de
colesterol. Caso contrário, a recomendação geral é de, no máximo, 300 mg/dia (I-DBDTSM, 2005).

O nutricionista deverá orientar o paciente quanto à forma de preparo dos alimentos, evitando (ou
excluindo) as preparações fritas, dando preferência aos grelhados, assados, cozidos no vapor ou até
mesmo crus, além dos efeitos e das fontes de AGS, AGT, AGMI, AGPI e colesterol.

Proteínas

As proteínas devem integrar 15% do VET ou 0,8 g a 1 g/kg de peso atual. Deve-se estimular a
ingestão de proteínas de alto valor biológico, principalmente os peixes (CROSSETTI; KIRSTEN, 2007,
I-DBDTSM, 2005), evitando-se as preparações fritas.

Carvalho et al. (2018) mencionam que dietas normoproteicas a hiperproteicas favorecem a perda
de peso corpóreo por meio do aumento da saciedade através da liberação de GLP1 e PYY, além da
termogênese induzida pela dieta. Efeitos positivos adicionais das dietas contendo de 1 a 2 g/kg/dia de

166
NUTRIÇÃO CLÍNICA

proteínas incluem maior adesão à dieta, redução da massa gorda, dos níveis séricos de triglicerídeos, da
pressão arterial, da glicemia e redução da HbA1c.

Cruz et al. (2018) chamam a atenção para a presença de sarcopenia na SM, em que uma alimentação
saudável associada à prática regular de atividade física é imprescindível para aumentar a massa muscular,
diminuir a massa gorda e o risco de lesão em órgãos-alvos. Ferreira e Salomon (2018) atentam para os
cuidados na oferta de uma dieta normoproteica (0,8 g/kg/dia) na vigência de sarcopenia em obesos,
componente da SM, devido à perda progressiva de massa muscular. Daí, a necessidade de um aporte
proteico maior, principalmente de aminoácidos de cadeia ramificada (AACR ou BCAA), no intuito de
evitar a degradação muscular e estimular a síntese proteica.

Fibras

Entende-se por fibras alimentares a parte não digerível do alimento de origem vegetal, a qual resiste
à digestão e absorção intestinal, sofrendo fermentação completa ou parcial no intestino grosso. As fibras
incluem os polissacarídeos, oligossacarídeos, a lignina, bem como substâncias inerentes às plantas, sendo
classificadas em solúveis e insolúveis (PAPATHANASOPOULOS; CAMILLERI, 2010, SOUZA; COUZZI, 2009).

As fibras solúveis se diluem em água formando géis viscosos, não são digeridas no intestino delgado
e são facilmente fermentadas pela microbiota do intestino grosso, são elas: pectinas, gomas, inulina,
mucilagens e polissacarídeos de armazenamento. Já as fibras insolúveis não são solúveis em água,
portanto, não formam géis, e sua fermentação é limitada, são elas: a celulose, a lignina e algumas
hemiceluloses. A maioria dos alimentos que possui fibras é constituída por um terço de fibras solúveis e
dois terços de fibras insolúveis (PAPATHANASOPOULOS; CAMILLERI, 2010, DAI; CHAU, 2007).

As fibras podem ser obtidas através da ingestão de alimentos-fonte ou por meio de suplementos
nutricionais, apresentam diversas funções orgânicas importantes (BERNAUD; RODRIGUES, 2013).

As fibras solúveis exercem os seguintes efeitos: aumento da saciedade e do tempo de esvaziamento


gástrico; aumento da excreção fecal de colesterol; redução no tempo de trânsito intestinal; melhor
tolerância à glicose (SOUZA; COUZZI, 2009), tornando mais lenta a absorção e a digestão da glicose,
o que altera os níveis de incretinas, além de aumentar a sensibilidade à insulina, com diminuição da
glicemia e/ou HbA1c (BERNAUD; RODRIGUES, 2013), sendo responsáveis pela maioria dos benefícios
cardiovasculares.

As fibras insolúveis, por sua vez, também promovem o aumento da saciedade, o que auxilia na
redução da ingestão energética (SOUZA; COUZZI, 2009). Efeitos importantes também são observados
por meio do aumento da ingestão tanto de fibras solúveis quanto insolúveis no controle e na prevenção
da HAS cujos prováveis mecanismos incluem a melhora da hiperinsulinemia e da RI, e a redução do peso
corpóreo (PAPATHANASOPOULOS; CAMILLERI, 2010). Logo, a ingestão de quantidades adequadas de
fibras auxilia na terapêutica da SM.

Os alimentos prebióticos como os frutooligossacarídeos (FOS) e a inulina são classificados como


alimentos funcionais e fibras alimentares solúveis. Eles possuem compostos bioativos capazes de exercer
167
Unidade II

efeitos metabólicos e/ou fisiológicos e/ou benéficos à saúde. Atuam por meio do equilíbrio da microbiota
intestinal devido aos seus efeitos bifidogênicos e possuem evidências de atuarem beneficamente nos
componentes da SM, em determinados tipos de câncer, na osteoporose, entre outras enfermidades.
Entre as principais fontes, destacam-se banana, alho, cebola, trigo, tomate, alho-poró, mel, alface,
beterraba, maçã, centeio, cevada, aspargos, alcachofra, chicória, bardana, triticale, batata yacon e aveia.
Recomenda-se a ingestão de 3 g/dia para promover o equilíbrio da microbiota intestinal e uma dose
mínima de 2,75 a 4 g/dia para efeito bifidogênico (FORTES; MUNIZ, 2009).

Em nutrição enteral, a inulina e os FOS podem estar presentes em várias formulações, tanto
isoladamente quanto integrando o mix de fibras, como exemplos: NeoFiber® (Nuteral), Nutrison Multi
Fiber® (Support), Peptamen Prebio® (Nestlé) e Nutri Fiber® (Nutrimed Industrial Ltda), entre outros.
Sugere-se, em nutrição enteral, de 5 a 10 g/dia de FOS para manutenção da microbiota normal e de
12,5 a 20 g/dia para efeito bifidogênico. O consumo igual ou superior a 30 g/dia deve ser evitado devido
aos efeitos adversos, tais como: pressão e ruídos intestinais elevados, diarreia e flatulência excessiva
(FORTES; MUNIZ, 2009).

As principais fontes de fibras insolúveis são vegetais e farelos (celulose), aveia, cevada, vagem,
abobrinha, maçã com casca, abacaxi, grãos integrais e oleaginosas (hemicelulose), e camada externa de
grãos de cereais e aipo (lignina). E, de fibras solúveis: extratos de sementes – alfarroba, semente de locusta;
exsudatos de plantas, algas, psyllium (gomas e mucilagens), frutas, hortaliças, batatas, açúcar de beterraba
(pectina), chicória, cebola, batata yacon, alho, banana, tupinambo (inulina e frutooligossacarídeos),
leguminosas, sementes, batata crua e cozida, banana-verde, grãos integrais, polidextrose (amido
resistente e maltodextrina resistentes) (BERNAUD; RODRIGUES, 2013).

Recomenda-se o consumo diário de fibras entre 20 g e 30 g sob a forma de frutas, hortaliças,


leguminosas e grãos integrais, pois fornecem minerais, vitaminas e outros nutrientes essenciais para
uma dieta saudável. Embora altas quantidades de fibras (50 g/dia) mostrem efeitos benéficos sobre o
controle metabólico, especialmente da glicose e dos lipídeos, a palatabilidade e os efeitos gastrintestinais
colaterais ainda permanecem desconhecidos. Logo, não devem ser orientadas (CROSSETTI; KIRSTEN,
2007, I-DBDTSM, 2005). Há evidências de que as fibras industrializadas são mais bem toleradas que as
fibras advindas dos alimentos (SBD, 2019).

Vitaminas e minerais

Para a dieta atingir as quantidades de vitaminas e sais minerais, o plano alimentar deve prover a
recomendação para o consumo diário de duas a quatro porções de frutas, sendo pelo menos uma rica
em vitamina C (frutas cítricas) e de três a cinco porções de hortaliças cruas e cozidas. Deve-se estimular
o consumo frequente de alimentos integrais (CROSSETTI; KIRSTEN, 2007, I-DBDTSM, 2005).

A vitamina C (ou ácido ascórbico) é o micronutriente mais associado às frutas e hortaliças. Ela possui
várias funções biológicas como produção de colágeno, auxílio na absorção de ferro inorgânico (ferro
não heme) e melhora do sistema imunitário. Alguns estudos associam a vitamina C à redução do risco
de aterosclerose e DCV devido à sua ação antioxidante (CIOLAC; GUIMARÃES, 2004). Entretanto, mais
estudos são necessários.
168
NUTRIÇÃO CLÍNICA

A vitamina E (alfa-tocoferol), presente nas oleaginosas, nos cereais integrais, nos óleos vegetais e
em algumas sementes, representa o melhor antioxidante lipofílico biológico na defesa contra efeitos
nocivos dos radicais livres. Estudos mostram que uma alta ingestão ou níveis plasmáticos elevados
de vitamina E estão associados à diminuição dos riscos de DCV por prevenir o desenvolvimento da
aterosclerose. A vitamina E encontra-se na estrutura da LDL-c e, de acordo com a hipótese oxidativa
da aterosclerose, um dos mecanismos pelos quais a vitamina E interfere na aterogênese é por meio da
inibição da oxidação da LDL-c. Porém, os estudos ainda são inconsistentes quanto ao papel da vitamina
E nas DCV (MARTINS et al., 2004).

O mineral (oligoelemento) selênio, encontrado na castanha-do-pará, no trigo, no arroz, na gema de


ovo, nas sementes de girassol, auxilia na neutralização do excesso de espécies reativas de oxigênio (EROs)
e da peroxidação lipídica – mecanismo envolvido na diminuição do estímulo para evitar a ativação da
cascata de citocinas pró-inflamatórias. Tendo em vista que a inflamação subclínica constitui uma das
facetas da SM, condutas de ação anti-inflamatória são fundamentais. Há evidências da associação entre
baixas concentrações de selênio e a ocorrência de aterosclerose e hiperhomocisteinemia. Mais estudos
sobre os efeitos antioxidantes do selênio na inflamação e na SM são necessários (VOLP et al., 2010).

Outros minerais como cálcio (leite e derivados, soja, tofu, sementes, hortaliças verde escuras),
potássio (banana, batata-doce, beterraba, água de coco) e magnésio (sementes, oleaginosas, frutas e
legumes) parecem reduzir o risco de HAS, DM2 e doença arterial coronariana, no entanto, ensaios clínicos
controlados e randomizados são necessários para comprovar os reais efeitos desses micronutrientes, os
mecanismos de ação e as doses recomendadas.

Sódio

O consumo de sal de cozinha deve ser limitado a 6 g/dia, sendo de 3 a 6 g/dia. A OMS recomenda
5 g/dia. Os alimentos processados como embutidos, conservas, enlatados e defumados devem ser
evitados. Temperos naturais como salsa, cebolinha e ervas aromáticas são recomendados em substituição
aos industrializados (CROSSETTI; KIRSTEN, 2007, I-DBDTSM, 2005).

Bebidas alcoólicas

Está bem elucidado na literatura que o aumento de gordura corpórea e visceral está relacionado
ao consumo frequente e moderado de bebidas alcóolicas, assim como pode resultar em ganho
ponderal em diferentes proporções. Isso porque o consumo moderado de álcool favorece um aumento
no armazenamento de gordura, o que resulta em ganho de peso, principalmente se os indivíduos
já possuírem sobrepeso ou obesidade. A intensidade desses efeitos está diretamente relacionada à
quantidade e frequência da ingestão alcoólica (VALÉRIO et al., 2016).

Há evidência de que a prática de binge alcoólico (ingestão de bebidas alcóolicas em maiores


quantidades em uma mesma ocasião) por adultos é considerada fator de risco para DCV. Na população
jovem, os estudos são escassos, entretanto, Adriano et al. (2013) encontraram associação entre a prática
de binge alcoólico e a síndrome metabólica entre jovens universitárias, como já constatada na população
adulta. Os autores observaram uma prevalência de SM igual a 5,6% e de binge alcoólico de 17,8% nessas
jovens universitárias, havendo associação entre ambos, com p = 0,003.

169
Unidade II

A bebida alcoólica promove descontrole metabólico, pois afeta os níveis glicêmicos por interferir
na ação da insulina, dos secretagogos de insulina e do glucagon, levando ao risco de hipoglicemia
e perda da consciência (SBD, 2019). Em quantidades iguais ou superiores a 30 g/dia, pode alterar o
equilíbrio da homeostase energética, independentemente do tipo de bebida consumida, o que provoca
um aumento do apetite e, em consequência, o ganho de peso corpóreo, podendo culminar com a
obesidade (VALÉRIO et al., 2016).

A Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD, 2019) recomenda que a ingestão diária de álcool seja
equivalente a, no máximo, uma dose (15 g) para mulheres e duas doses (30 g) para homens. Uma dose
(15 g em média de etanol) equivale a 150 mL de vinho (uma taça) ou 360 mL de cerveja (uma lata
pequena) ou 45 mL de destilados (uma dose com dosador-padrão).

5.6.2.2 Efeitos da atividade física na síndrome metabólica

A inatividade física e o baixo nível de condicionamento físico são importantes fatores de risco para
óbito prematuro, da mesma forma que o tabagismo, a dislipidemia e a HAS. Pesquisas epidemiológicas
têm comprovado forte relação entre a inatividade física e a presença de fatores de risco cardiovascular,
como DM, HAS, RI, dislipidemia e obesidade. Em contrapartida, a prática regular de AF auxilia na
prevenção e no tratamento de DCV, entre outras enfermidades (CIOLAC; GUIMARÃES, 2004).

Recomendam-se, no mínimo, 30 minutos/dia de atividade aeróbica de moderada intensidade, devido,


principalmente à diminuição do tecido adiposo visceral. A atividade aeróbica é capaz de melhorar a
homeostase da glicose, promovendo o transporte de glicose e a ação da insulina na musculatura em
exercício. Observa-se, também, melhora do perfil lipídico por meio do aumento do HDL-c e redução dos
TG (PENALVA, 2008).

Ebrahimof e Mirmiran (2013) mencionam que, ao relacionar os exercícios físicos com a SM, observam‑se
efeitos positivos por meio da perda de peso e redução da gordura abdominal. Entretanto, observou-se que
tanto os exercícios aeróbicos quanto os exercícios de resistência auxiliaram no tratamento da SM, o
que torna a atuação do professor de educação física fundamental.

5.6.2.3 Tratamento medicamentoso

Devido à complexidade da doença, o tratamento medicamentoso é direcionado aos componentes


alterados da SM. Até o momento, não existe nenhuma droga específica para o tratamento da SM. Nesse
sentido, as recomendações preconizadas nos guidelines, para cada fator de risco, devem ser seguidas
(PENALVA, 2008).

O nutricionista deverá analisar as medicações para averiguar as possíveis interações droga-nutriente.


Compete ao médico realizar a prescrição medicamentosa e ao farmacêutico proceder às orientações a
respeito do medicamento e do autocuidado para adesão ao tratamento. Daí, a importância da equipe
multiprofissional na assistência ao paciente com síndrome metabólica.

170
NUTRIÇÃO CLÍNICA

5.6.2.4 Tratamento cirúrgico

Na vigência de falha documentada de tratamento clínico e respeitando os critérios preconizados,


a cirurgia bariátrica e metabólica (CBM) pode ser indicada. Em um estudo com o intuito de avaliar os
efeitos da gastroplastia redutora com derivação intestinal em Y de Roux (GRDIYR) nos parâmetros
antropométricos, metabólicos, inflamatórios e de risco cardiovascular em pacientes com SM,
observou‑se aumento significativo do HDL-c, diminuição significativa de glicemia de jejum, triglicérides
e circunferência abdominal, além de alta prevalência de indivíduos que alcançaram o sucesso cirúrgico
por meio do percentual de perda do excesso de peso (%PEP) em dois anos de intervenção cirúrgica. As
autoras reforçam a necessidade de o paciente ser assistido por uma equipe multiprofissional e enfatizam
a atuação do nutricionista no pré e no pós-operatório de CBM (OLIVEIRA et al., 2017).

Exemplo de aplicação

Analise o caso clínico e responda a seguir.

T. L. A., 49 anos, sexo feminino, secretária, procurou o serviço de nutrição para tratar a descompensação
de diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Refere cefaleia esporádica e turvação visual. Informa que não consegue
perder peso, apesar de ter feito várias tentativas prévias, mesmo em uso de metformina e sulfonilureias,
conforme prescrito pelo médico. Relata que o seu pai é diabético, e a sua mãe, cardiopata; ambos
obesos. Refere ser tabagista (1 maço de cigarro por dia) e etilista aos finais de semana. A anamnese
alimentar revelou alto consumo de alimentos industrializados, de alta densidade energética e pobre em
fibras alimentares. Possui constipação crônica, baixa ingestão hídrica e não pratica atividade física há
mais de dois anos. Os dados obtidos durante a consulta revelaram:

Tabela 14

Peso atual Estatura GJ HbA1c


98 kg 160 cm 135 mg/dL 7,6%
CQ CC TG PA
98 cm 102 cm 155 mg/dL mmHg
CA CT HDL-c LDL-c
105 cm 195 mg/dL 32 mg/dL 163 mg/dL
GJ – glicemia em jejum. HbA1c – hemoglobina glicada. CQ – circunferência do quadril. CC – circunferência
da cintura. TG – triglicérides. PA – pressão arterial. CA – circunferência abdominal. CT – colesterol total.
HDL-c – lipoproteína de alta densidade. LDL-c – lipoproteína de baixa densidade.

Qual é o diagnóstico nutricional de T. L. A.? Justifique.

Resolução

T. L. A. possui diagnóstico de obesidade tanto pelo IMC (38,28 kg/m2), obesidade grau II, quanto pela
circunferência abdominal (105 cm), obesidade central. Além disso, possui componentes que a classificam
171
Unidade II

com síndrome metabólica, a saber: obesidade abdominal ≥ 80 cm; triglicérides ≥150 mg/dL; HDL-c < 50 cm
e glicemia de jejum ≥ 100 mmHg, além de hipertensão arterial sistêmica segundo IDF (2015).

Quais são os achados que justificam o diagnóstico de T. L. A.?

Resposta: os achados que justificam o diagnóstico nutricional de T. L. A. incluem o IMC, a circunferência


abdominal, os exames laboratoriais alterados, a anamnese alimentar, além dos antecedentes familiares
de obesidade.

Cite os fatores de risco para doenças cardiovasculares (DCV) apresentados por T. L. A.

Resposta: os fatores de risco apresentados por T. L. A. para DCV são hipertensão arterial sistêmica,
DM2, obesidade grau II, obesidade visceral, dislipidemia mista, hábitos alimentares inadequados em
termos qualitativos e quantitativos, antecedentes familiares, etilismo, tabagismo e sedentarismo.

Calcule os índices de Castelli e a razão TG/HDL-c. Explique os achados.

Resposta: pelos índices de Castelli I (CT/HDL-c), tem-se 6,09 (195/32) e Castelli II (LDL/HDL-c),
obtém-se 5,09 (163/32). A razão TG/HDL-c equivale a 4,84 (155/32). T. L. A possui risco para as doenças
cardiovasculares, pois as referências desses marcadores para o sexo feminino são: Índice de Castelli I:
≥ 4,4. Índice de Castelli II: ≥ 2,9. Razão TG/HDL-c > 3,8.

Quais são as características da dieta que T.L.A. deverá seguir?

Resposta: T. L. A. deverá seguir uma dieta hipocalórica (20 a 25 kcal/kg/dia); normoglicídica (50% a 60%
do VET), priorizando os carboidratos complexos e de baixo índice glicêmico; normoproteica (0,8 a 1,0 g/kg/dia);
normolipídica (30% do VET), com atenção especial na qualidade dos ácidos graxos (AGS < 10%; AGPI
até 10%; AGMI até 20%, AGT 0%), incluindo ômega 3; hipossódica; com 25 g/dia de fibras alimentares,
com ênfase nas solúveis; rica em alimentos laxantes e adequado aporte hídrico. As vitaminas e os sais
minerais deverão seguir as recomendações nutricionais e os exames laboratoriais deverão ser analisados
para averiguar a necessidade de suplementação. As características da dieta DASH auxiliarão no quadro
clínico da paciente devido aos seus resultados benéficos nas doenças cardiovasculares.

6 TERAPIA NUTRICIONAL NO DIABETES MELLITUS

O diabetes mellitus (DM) é um distúrbio metabólico que se caracteriza por uma hiperglicemia
crônica capaz de culminar com diversas complicações fisiológicas e, em consequência, elevar o risco
de desordens incapacitantes. Entre as diversas consequências de descompensação do DM, destacam-se
as agudas, que incluem cetoacidose diabética, coma diabético, infecções, perda da consciência, entre
outros; e as crônicas microvasculares (nefropatia, retinopatia e neuropatia diabética) e macrovasculares
(encefalopatia diabética, doença arterial coronariana, doença arterial periférica e pé diabético) (IDF, 2015).

172
NUTRIÇÃO CLÍNICA

O DM constitui um sério problema de saúde pública no Brasil e no mundo. A epidemia do DM


tipo 2, em especial, representa uma ameaça à saúde global, em detrimento do envelhecimento
populacional, do crescimento econômico, da urbanização acelerada, dos hábitos alimentares
inadequados, do estilo de vida sedentário (ESTRADA-RIEGA et al., 2019), da transição epidemiológica
e nutricional, do sobrepeso, da obesidade e maior sobrevida dos diabéticos devido às diversas
formas de tratamento. Nesse sentido, o DM é considerado uma das grandes epidemias mundiais
do século XXI.

A ausência de diagnóstico nos anos iniciais ao desenvolvimento do DM, devido aos indivíduos se
apresentarem oligossintomáticos ou assintomáticos, é bastante evidente. Logo, a falta de intervenção
adequada constitui um dos fatores que favorece a maior prevalência do DM e de suas comorbidades
incapacitantes (IDF, 2015), destacando-se o imprescindível papel da dieta. Torna-se, nesse sentido, crucial
a atuação do profissional nutricionista no aconselhamento, na prescrição dietoterápica, no seguimento
clínico e na monitorização constante de indivíduos diabéticos.

6.1 Abordagens clínicas do diabetes mellitus (DM)

O DM é uma doença metabólica caracterizada pelo aumento dos níveis de glicemia plasmática
em detrimento da ausência, deficiência e/ou resistência à ação da insulina – hormônio anabólico
envolvido no metabolismo dos macronutrientes (carboidratos, proteínas e lipídeos) (BORGES; CORREIA;
ALVAREZ‑LEITE, 2011). Ele pode ser classificado em três tipos: DM tipo 1 (DM1), DM tipo 2 (DM2) e DM
gestacional (DMG) (IDF, 2015). Além desses, existem ainda duas categorias: pré-diabetes (glicemia de jejum
alterada) e tolerância diminuída à glicose, ambas constituem fatores de risco para o desenvolvimento de
DM e doenças cardiovasculares – DCV (SBD, 2015).

O DM1 é responsável por 5% a 10% dos casos (MUNIZ; REIS, 2013). Ele constitui uma doença
autoimune caracterizada por uma desordem que culmina com a destruição das células beta-pancreáticas,
responsáveis pela síntese do hormônio insulina. Nessa situação, a hiperglicemia ocorre devido ao déficit
na secreção de insulina, progredindo para a ausência absoluta desse hormônio. Devido à ausência de
insulina, o organismo se torna incapaz de utilizar a glicose como fonte energética preferencial, o que
culmina com catabolismo orgânico acentuado, com hidrólise de proteínas e de lipídeos para utilização
como fonte energética. Em consequência, observa-se perda de peso corpóreo, comprometimento do
estado nutricional, o que pode culminar com desnutrição, hiperglicemia grave, cetose e, até mesmo,
coma (BORGES; CORREIA; ALVAREZ-LEITE, 2011). As principais manifestações clínicas do DM1 incluem
polidipsia, poliúria, perda ponderal involuntária (não explicada), hiperfagia e visão turva, podendo haver
cetoacidose e coma nas fases mais graves.

O DM2 é considerado o mais frequente problema de saúde pública entre os tipos de DM, sendo
responsável por 90% a 95% dos casos da doença. No DM2, a hiperglicemia ocorre devido à resistência
à ação da insulina e por deficiência na secreção desse hormônio (BORGES; CORREIA; ALVAREZ-LEITE,
2011). Na vigência de resistência dos tecidos periféricos à ação da insulina, estabelece-se um estado
de hiperinsulinismo, aumento do glucagon com estímulo à proteólise e à lipólise e, em consequência,
hiperglicemia. Contudo a cetose raramente ocorre, e o estado nutricional encontra-se na faixa de
eutrofia ou de sobrepeso/obesidade (BORGES; CORREIA; ALVAREZ-LEITE, 2011).
173
Unidade II

No DM2, os sintomas nem sempre são evidentes ou, até mesmo, podem estar ausentes, principalmente
nos idosos, uma vez que nessa fase de vida, sintomas como mialgia, fadiga, adinamia, estado confusional,
incontinência urinária e turvação visual são bastante comuns, podendo ser confundidos com sintomas
de outras enfermidades comuns nessa faixa etária. A complicação aguda mais prevalente no DM2 é o
coma hiperosmolar não cetótico, sendo que as infecções bacterianas e fúngicas podem representar
o primeiro sinal de descompensação glicêmica em todas as faixas etárias e nos diversos tipos de DM.

O DMG associa-se tanto à resistência insulínica quanto à redução da função das células
beta pancreáticas de maneira similar ao DM2. Ele representa cerca de 90% de todas as formas de
manifestação da doença na gestação e acomete entre 1% e 14% dos casos (MUNIZ; REIS, 2013).
É caracterizado por níveis de insulina insuficientes para atender às demandas na gestação, sendo definido
pelo DM diagnosticado no segundo ou terceiro trimestres gestacionais (ADA, 2014), com agravamento
da intolerância à glicose no terceiro trimestre de gestação (MUNIZ; REIS, 2013). A ocorrência anual de
DM1 na população de gestantes é de 0,1%, de DM2, de 2% a 3%, e de DMG, de até 12%, a depender do
critério usado para o diagnóstico e da população analisada.

O DM pré-gestacional tipo 1 ou 2 é mais grave, visto que seu efeito começa na fertilização e
implantação, o que afeta a organogênese, com elevado risco de aborto precoce, defeitos congênitos
graves e retardo no crescimento fetal. Além disso, as manifestações maternas são evidentes na vigência
de complicações como retinopatia e nefropatia. No DMG, há maior risco de seus conceptos evoluírem
com macrossomia e/ou hipoglicemia neonatal. Pode também ocorrer intolerância à glicose de grau
variado cujo diagnóstico pela primeira vez acontece ao longo da gestação, podendo ou não persistir
após o parto.

O aumento de hormônios contrarreguladores da insulina em detrimento do estresse fisiológico imposto


pela gestação, assim como fatores predeterminantes, como genéticos e/ou ambientais, estão envolvidos
na fisiopatologia do DMG. O lactogênico placentário é o principal hormônio relacionado à resistência
insulínica durante a gravidez, entretanto, há participação de outros hormônios hiperglicemiantes como
cortisol, estrógeno, progesterona e prolactina (MUNIZ; REIS, 2013). Esses hormônios agem antagonizando
diretamente a ação da insulina ou, de forma indireta, por meio da redução da sensibilidade à insulina
nas células, nos tecidos e/ou órgãos (REIS; SILVA; CALDERON, 2011).

Cabe ressaltar que o DM1 é mais prevalente na infância e na adolescência. Ele também pode ser
diagnosticado em adultos devido ao desenvolvimento de uma forma lentamente progressiva dessa
doença, denominada diabetes latente autoimune do adulto (em inglês, LADA). O DM2, por sua vez,
possui etiologia complexa e multifatorial, que envolve fatores genéticos e ambientais. Essa doença
acomete indivíduos a partir dos 40 anos de idade, porém pode acometer crianças e jovens. O DMG
geralmente ocorre na segunda metade da gravidez e acomete principalmente o ritmo de crescimento e
desenvolvimento do feto.

Os sintomas clássicos do DM são poliúria, polidipsia, polifagia e perda involuntária de peso (os “4 Ps”).
Alterações respiratórias como a hiperventilação, centrais (polidipsia, polifagia e letargia – incapacidade
de reagir e de expressar as emoções); sistêmicas (perda de peso), visuais (visão turva), urinárias (poliúria

174
NUTRIÇÃO CLÍNICA

e glicosúria) com hálito com odor cetônico, gástricas (náuseas, vômitos e dor abdominal) também são
bastante comuns (figura a seguir).

Visual:
visão turva

Central:
Respiratório: polidipsia
hiperventilação polifagia
letargia

Sinais e
sintomas
Sistêmico: do DM Hálito:
perda ponderal odor cetótico

Gástrico:
Urinário: náuseas,
poliúria vômitos, dor
glicosúria abdominal

DM: diabetes mellitus.

Figura 19 – Principais sinais e sintomas do diabetes mellitus

A equipe multiprofissional que assiste o paciente diabético deverá ficar atenta a alguns fatores
comumente presentes, como episódios recorrentes de cetoacidose diabética e/ou hiperglicemia e/ou
hipoglicemias; HbA1c sempre elevada, idas constantes ao banheiro, principalmente após as refeições;
episódios constantes de infecções; flutuações ponderais sem explicações clínicas; presença de
comorbidades psiquiátricas, como depressão, ansiedade e personalidade borderline; entre outros.

6.1.1 Diagnóstico, fatores de risco e complicações

O pré-diabetes consiste em um estágio intermediário no qual os níveis glicêmicos estão mais


elevados que a normalidade, mas não podem ser caracterizados como DM2. A identificação desse
estágio é de suma importância na prevenção de complicações agudas e redução dos riscos de
desenvolvimento do DM2 em longo prazo. Indivíduos que apresentam glicemia de jejum alterada,
com valores entre 100 e 125 mg/dL ou HbA1c entre 5,7% e 6,4% ou tolerância à glicose diminuída com
valores entre 140 e 199 mg/dL são classificados como pré-diabéticos (MOLZ et al., 2015).

O DM2 pode ocorrer em detrimento de modificações no estilo de vida, incluindo uma alimentação
de alta densidade energética e baixa (ou nenhuma) prática de atividade física. Esses fatores associados
ao sobrepeso e à obesidade parecem exercer papel preponderante no aparecimento dessa doença, além
de a suscetibilidade genética (SBD, 2015).

175
Unidade II

Já os principais fatores de risco para o desenvolvimento de DMG são idade superior a 25 anos,
obesidade ou ganho excessivo de peso corpóreo na gestação atual, deposição central excessiva de
gordura corpórea (obesidade visceral), história familiar de DM em parentes de primeiro grau, baixa
estatura (inferior a 150 centímetros), pernas curtas, grávidas que nasceram com baixo peso, crescimento
fetal excessivo, polidrâmnio, hipertensão arterial sistêmica ou pré-eclâmpsia na gestação atual,
antecedentes de abortos de repetição, de malformações congênitas fetais, de morte fetal ou neonatal,
de macrossomia ou de DMG.

Estudo conduzido por Santos et al. (2020) constatou que gestantes com três ou mais gestações
possuíam chance duas vezes maior para a ocorrência de DMG em comparação às primigestas; com idade
igual ou superior a 35 anos chance três vezes maior do que as mais jovens; gestantes com sobrepeso
possuíam chance 84% maior que as gestantes eutróficas. Após análise de regressão multivariada, os
fatores preditivos para DMG foram a idade materna e o sobrepeso no período pré-gestacional.

O diagnóstico de DM baseia-se, classicamente, na glicemia de jejum e no teste oral de tolerância à


glicose – TOTG. Devido à associação entre risco de retinopatia e pontos de corte de glicemia de jejum,
chegou-se ao valor de 126 mg/dL para glicemia de jejum e 200 mg/dL para TOTG. A HbA1c é um
marcador de hiperglicemia crônica que reflete a média dos níveis glicêmicos nos últimos dois a três
meses. Ela possui boa correlação com lesão microvascular e, em menor proporção, macrovascular, sendo
que valores de HbA1c ≥ 6,5% indicam diagnóstico de DM. HbA1c dispensa jejum para sua realização.
A HbA1c reflete a média glicêmica durante vários meses e possui forte valor preditivo para possíveis
complicações decorrentes do DM.

Os critérios diagnósticos para diabetes mellitus recomendados pela Associação Americana de


Diabetes (ADA) e pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) estão sumarizados na tabela seguinte.

Tabela 15 – Critérios diagnósticos para diabetes mellitus recomendados pela Associação


Americana de Diabetes (ADA) e pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD)

Glicemia de jejum Glicemia 2 horas após TOTG Hemoglobina


Exame (mg/dL) com 75g de glicose (mg/dL) glicada (%)
Normal < 100 < 140 < 5,7
Pré-diabetes 100-125 140-199 5,7-6,4
Diabetes ≥ 126 ≥ 200 ≥ 6,5
TOTG – teste oral de tolerância à glicose.

Adaptada de: SBD (2019).

Em crianças e adolescentes que não possuem os sintomas de descompensação metabólica típicos


do DM1, os mesmos critérios diagnósticos empregados para os adultos são adotados. Quando houver a
indicação de um TOTG, utiliza-se 1,75 g/kg de glicose (GROSS et al., 2002).

As complicações do DM são principalmente microvasculares e macrovasculares. Elas podem resultar


em retinopatia e cegueira, doença periodontal, nefropatia, neuropatia, doença cerebrocardiovascular
176
NUTRIÇÃO CLÍNICA

(IAM e AVC), doença arterial periférica (lesões de difícil cicatrização, infecções e parestesia – sensação
de dormência ou formigamento), além de disfunção sexual e incontinência urinária. Todas essas
complicações reduzem a qualidade de vida e aumentam o risco de mortalidade (figura a seguir), sendo
a DCV uma das principais causas de óbitos em pacientes com DM2. A retinopatia e a nefropatia são as
principais responsáveis pelo ingresso a programas de diálise e transplante e o pé diabético representa
importante causa de amputações de membros inferiores. Alterações no padrão metabólico também
são comuns em gestantes hiperglicêmicas ou portadoras de intolerância à glicose, destacando-se
incremento nos níveis de triglicérides, baixos níveis de HDL-c e valores elevados de IMC em comparação
a mulheres normoglicêmicas (MUNIZ; REIS, 2013).

Acidente vascular cerebral

Infarto do miocárdio Retinopatia e cegueira

Complicações do
diabetes mellitus

Doença renal Doença periodontal

Doenças arteriais periféricas, Disfunção sexual


infecções, parestesias Incontinência urinária

Figura 20 – Complicações microvasculares e macrovasculares do DM

Quando há controle glicêmico, observa-se uma redução de 40% na incidência de neuropatias,


33% de nefropatias, 25% complicações vasculares, 24% de catarata, 21% de cegueira e 16%
de infarto do miocárdio, entre outros benefícios. O controle do DM ocorre por meio de uma
alimentação adequada associada à prática de atividade física regular e da terapia farmacológica
(antidiabéticos orais e/ou insulinoterapia) que, em conjunto, vão promover um melhor controle
glicêmico (figura seguinte).

Insulinoterapia Alimentação

Farmacoterapia Exercício físico

Controle da glicemia

Figura 21 – Controle glicêmico em indivíduos diabéticos

177
Unidade II

Para o adequado controle glicêmico, é fundamental o automonitoramento da glicemia capilar pelos


diabéticos em insulinoterapia, principalmente aqueles com DM1. Entretanto, para os diabéticos em
uso somente de antidiabéticos orais, ainda não existe consenso na literatura, mas, independentemente
do tipo de DM, o nutricionista deve incentivar o autocuidado, uma vez que essa prática auxilia nas
mudanças comportamentais. Recomenda-se que as aferições glicêmicas sejam realizadas em jejum e
duas horas após o desjejum ou antes do almoço e duas horas após o almoço e antes do jantar e duas
horas após o jantar e ao deitar-se. Ocasionalmente, deve-se aferir a glicemia capilar na madrugada.
O nutricionista deve associar o registro alimentar de cada paciente com o mapa de controle glicêmico,
assim poderá identificar com maior acurácia os fatores promotores das alterações glicêmicas (aumento
ou redução) e, em consequência, intervir com mais eficiência. As metas glicêmicas para pessoas com
DM estão descritas a seguir.

Tabela 16 – Critérios laboratoriais para diagnóstico de normoglicemia, pré-diabetes e


diabetes mellitus adotados pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD)

Pré-diabetes ou risco Diabetes mellitus


  Normoglicemia aumentado para estabelecido
diabetes mellitus

Glicose em jejum
(mg/dL) < 100 ≥ 100 a <126* ≥ 126

Glicose 2h após
sobrecarga com
75 g de glicose < 140 ≥ 140 a < 200** ≥ 200
(mg/dL)

Glicose ao acaso ≥ 200 (com sintomas


(mg/dL) -- -- inequívocos de
hiperglicemia)

HgA1c (%) < 5,7 ≥ 5,7 e < 6,5

Positividade de qualquer
um dos parâmetros
confirma o diagnóstico
Organização Mundial de de diabetes. O método
Positividade de qualquer um
Observações Saúde utiliza valor de de HbA1c deve ser
dos parâmetros confirma o
corte de 110 mg/dL para o padronizado. Na
diagnóstico de pré-diabetes
normoglicemia em jejum ausência de sintomas de
hiperglicemia, é necessário
confirmar o diagnóstico
pela repetição de testes

HbA1c: hemoglobina glicada. *Categoria também conhecida como glicemia de jejum alterada. **Categoria
também conhecida como intolerância oral à glicose.

Adaptada de: SBD (2019).

178
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Tabela 17 – Metas de glicemia capilar para DM segundo sociedades científicas

Aferição ACOG ADA CDA IDF NICE

Em jejum (mg/dL) < 90 < 95 < 95 90-99 < 95

1 hora pós-prandial (mg/dL) < 140 < 140 < 140 < 140 < 140

2 horas pós-prandial (mg/dL) < 120 < 120 < 120 120-127 < 115
ACOG: Congresso Americano de Obstetras e Ginecologistas (American Congress of Obstetricians
and Gynecologists); ADA: Associação Americana de Diabetes (American Diabetes Association); CDA:
Associação Canadense de Diabetes (Canadian Diabetes Association); IDF: Federação Internacional de
Diabetes (International Diabetes Federation); NICE: Instituto Nacional de Excelência Clínica e de Saúde
(National Institute for Health and Care Excellence).

Adaptada de: SBD (2019).

Em relação às metas de controle glicêmico por tipo de paciente, considera-se uma glicemia entre
100 e 180 mg/dL para pacientes hospitalizados e próxima de 110 mg/dL para pacientes graves e críticos
(BORGES; CORREIA; ALVAREZ-LEITE, 2011), sendo que o cuidado com a síndrome da realimentação deverá
estar presente, visto que na vigência dessa síndrome, o descontrole glicêmico ocorrerá ou se agravará.

6.2 Tratamento farmacológico e não farmacológico do diabetes mellitus

O tratamento do DM1 deve ser implementado por meio da tríade: insulina/monitorização/educação


em diabetes, incluindo a educação alimentar e nutricional (EAN), a prática de atividade física e a
orientação para os pacientes e familiares (MUNIZ; REIS, 2013). Para pacientes com DM2 e DMG,
a integração dos antidiabéticos orais e, em alguns casos, insulinoterapia com a prática regular de
atividade física e a dietoterapia são medidas eficazes quando há boa adesão terapêutica.

6.2.1 Terapia farmacológica

Antidiabéticos orais

Os antidiabéticos orais representam a primeira escolha para o tratamento do DM não responsivo


a medidas não farmacológicas isoladas. Isso porque eles são capazes de promover um melhor
controle glicêmico, além da diminuição na incidência de complicações diversas e boa adesão devido
à simplicidade de prescrição e administração aos pacientes. Os fármacos são classificados de acordo
com o mecanismo de ação em:

• Secretagogos: estimulam as células beta pancreáticas e elevam a insulinemia (sulfonilureias


e metiglinidas).

• Sensibilizadores da ação insulínica: possuem ação periférica, com melhora da ação insulínica e
da captação celular de glicose (tiazolidinodionas).

179
Unidade II

• Redutores da gliconeogênese: diminuem os níveis séricos de glicose, principalmente, por meio


da diminuição de sua síntese hepática (biguanidinas).

• Redutores da velocidade de absorção de glicose: promovem o retardo da absorção de


carboidratos, com consequente redução da glicemia pós-prandial (inibidores das alfaglicosidases)
(LOPES et al., 2012).

Segundo a SBD (2019), os medicamentos que exercem efeito incretínico mediado pelos hormônios
GLP-1 (peptídio semelhante a glucagon 1, glucagon-like peptide-1) e GIP (peptídio inibidor gástrico,
gastric inhibitory polypeptide) são considerados peptídios insulinotrópicos dependentes de glicose. Eles
possuem a capacidade de elevar a secreção insulínica somente mediante o aumento glicêmico e também
regulam o aumento inadequado do glucagon pós-prandial comumente presente nos diabéticos. A SBD
classifica os antidiabéticos em quatro categorias:

• promotores do aumento da secreção de insulina (hipoglicemiantes);

• os que não elevam a secreção de insulina (anti-hiperglicemiantes);

• os que elevam a secreção de insulina de forma dependente da glicose e promovem a supressão


do glucagon;

• os promotores de glicosúria (sem relação com a secreção insulínica).

Os medicamentos indicados para pacientes com DM agem por meio de distintos mecanismos.
A acarbose, por exemplo, é um medicamento que retarda a absorção dos carboidratos, promovendo
a redução da hiperglicemia. As sulfonilureias, glinidas e agonistas de GLP-1 promovem a liberação
de insulina a partir das células beta do pâncreas e reduzem, consequentemente, a hiperglicemia.
A metformina é um antidiabético oral que age na redução hepática da produção de glicose e no
aumento da sensibilidade dos tecidos à insulina como o tecido muscular, promovendo o controle da
hiperglicemia. Esses medicamentos podem ser indicados em conjunto ou individualmente a depender
da avaliação médica.

Vale ressaltar que a prescrição medicamentosa é de responsabilidade exclusiva dos médicos,


cabendo ao nutricionista analisar os efeitos adversos que podem causar impacto negativo sobre o
estado nutricional. No quadro a seguir, estão descritos os principais fármacos utilizados na terapêutica
antidiabética, o mecanismo de ação, os efeitos adversos e a conduta nutricional.

180
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Quadro 28 – Fármacos utilizados na terapêutica antidiabética,


mecanismo de ação, efeito adverso e conduta nutricional

Categoria Medicamento Mecanismo de ação Efeito indesejado Conduta nutricional

Ação hipoglicemiante prolongada


Sulfonilureias durante o dia e queda de 1,5 a
Agentes que 2% da HbA1c Adequar a dieta ao estado nutricional;
aumentam a Ganho de peso e avaliar níveis glicêmicos (mapa em
secreção de Menor tempo de ação, cobrindo hipoglicemia  conjunto com registro alimentar);
insulina  Glinidas (ou principalmente o período reforçar as orientações nutricionais
metiglinidas) pós‑prandial, com queda de 1%
a 2% na HbA1c

Acarbose Reduz absorção de glicose.


Possui maior efeito na glicemia Restringir alimentos flatulentos
(inibidor da pós‑prandial (e, após, na glicemia de (na vigência de flatulência e dor
alfaglicosidase) jejum). Reduz HbA1c de 0,5 a 1% abdominal); ajustar aporte hídrico (na
vigência de diarreia); evitar líquidos
Efeito anti-hiperglicemiante. Flatulência, diarreia, e sólidos simultaneamente; chupar
Agentes Reduz produção hepática dor abdominal; gelo 30 minutos antes das refeições
que não de glicose e possui ação náusea, disgeusia, (náusea); avaliar níveis glicêmicos
Metformina deficiência de
aumentam a sensibilizadora periférica mais
vitamina B12,
(mapa em conjunto com registro
secreção de (biguanida) discreta. Reduz HbA1c em 1,5 retenção hídrica, alimentar); dosar periodicamente os
insulina a 2%. Liberação prolongada níveis de vitamina B12, principalmente
anemia, ganho de
(XR) causa menos efeitos nos pacientes tratados com
peso
gastrintestinais metformina, suplementar ferro, ácido
fólico e vitamina B12 se necessário;
Pioglitazona Sensibilizador de insulina, atua adequar a dieta ao estado nutricional;
(tiazolidinediona na resistência insulínica. Reduz reforçar as orientações nutricionais
ou glitazona) HbA1c em 1 a 1,4%

Gliptinas
(sitagliptina, Nova classe de antidiabéticos Restringir alimentos flatulentos (na
Efeitos raros
vildagliptina, orais cuja ação é a estabilização vigência de flatulência, dor e distensão
(nasofaringite,
do GLP-1 endógeno pela inibição abdominal e refluxo gastroesofágico),
saxagliptina, da enzima que o degrada, a DPP- cefaleia, edema,
irritantes gástricos (na vigência de
Agentes que linagliptina náusea e diarreia)
4. Reduz HbA1c em 0,6 a 0,8% gastrite e refluxo gastroesofágico),
aumentam alogliptina) estimulantes (cefaleia e refluxo),
a secreção gasosos (flatulência, eructação, refluxo,
de insulina Náusea, vômito, dor e distensão abdominal); ajustar
dependente diarreia, aporte hídrico (na vigência de diarreia,
de glicose e Agentes incretínicos em que constipação, boca constipação e edema); evitar líquidos
Exenatida, Exenatida é um mimético do seca, disgeusia, e sólidos simultaneamente; chupar
que diminuem liraglutida, GLP-1 e as quatro últimas são dispepsia, gastrite,
a secreção de gelo 30 minutos antes das refeições
lixisenatida, análogas do GLP-1. Promovem doença do refluxo (na vigência de náusea); avaliar níveis
glucagon dulaglutida; perda de peso associada a melhor gastroesofágico, glicêmicos (mapa em conjunto com
semaglutida controle glicêmico. Possível dor abdominal, registro alimentar); adequar a dieta
redução de risco cardiovascular flatulência, ao estado nutricional; reforçar as
eructação, distensão orientações nutricionais
abdominal

Impede a reabsorção de glicose


pela inibição das proteínas SGLT2
nos túbulos proximais dos rins Ajustar aporte hídrico; evitar líquidos
e sólidos simultaneamente; chupar
Agentes que Canagliflozina, Promove perda de peso de 2 a Náusea, constipação, gelo 30 minutos antes das refeições
3 kg e reduz a pressão arterial poliúria, noctúria, (náusea); avaliar níveis glicêmicos
promovem a empagliflozina; sistólica de 4 a 6 mmHg. infecção do trato (mapa em conjunto com registro
glicosúria dapagliflozina Apresenta ação diurética urinário alimentar); adequar a dieta ao estado
(glicosúria, natriurese) e pode nutricional; reforçar as orientações
levar a depleção de volume. nutricionais
Contra indicada na insuficiência
renal grave

181
Unidade II

Lembrete

Mesmo a prescrição medicamentosa sendo privativa do médico,


compete ao nutricionista analisar as interações nutricionais, assim como
os efeitos adversos para adequar o plano alimentar.

Insulinoterapia

A insulinoterapia indicada para DM1 e, em algumas situações, para DM2, apresenta efeitos
benéficos quando aliada à dietoterapia. Evidências apontam que esse tratamento é capaz de reduzir o
risco de retinopatia, bem como a sua progressão, o aparecimento e a progressão de microalbuminúria e
a redução da neuropatia. O esquema insulínico e as metas glicêmicas devem ser individualizados,
a depender de alguns fatores, como idade, nível socioeconômico e intelectual, hábitos e estilo de
vida, prática de atividade física, presença de comorbidades e história de hipoglicemias. Ele se divide
em tratamento insulínico convencional (uma a duas aplicações ao dia da insulina NPH associada
ou não à insulina regular ou ultrarrápida) ou intensivo (determina a insulinização por meio de basal-bolos
com múltiplas doses de insulina ao dia, de diferentes tempos de ação ou com sistema de infusão
contínua de insulina – bomba de insulina) (SBD, 2019).

Da mesma forma que os antidiabéticos orais, o esquema de insulina será realizado pelo médico,
cabendo ao nutricionista considerar o plano alimentar de acordo com as características de cada esquema.
Existem vários tipos de insulina disponíveis para o tratamento de DM, elas se diferenciam pelo tempo
que levam para começar a agir (início da ação), de acordo com a situação do dia em que elas são mais
eficientes (pico de ação) e pelo tempo em que ficam ativas no corpo (duração do efeito terapêutico). A
insulina humana (NPH e regular) utilizada no tratamento de DM atualmente é desenvolvida a partir de
DNA recombinante, sendo que a “regular” é idêntica à humana na sua estrutura. Já a NPH é associada
a duas substâncias (protamina e zinco) que promovem um efeito mais prolongado. As insulinas mais
modernas, chamadas de análogas (ou análogos de insulina), são produzidas a partir da insulina humana
e modificadas de modo a terem ação mais curta (Lispro – Humalog®, Aspart – NovoRapid® ou Glulisina
– Apidra®) ou ação mais prolongada (Glargina – Lantus®, Detemir – Levemir® e Degludeca – Tresiba®).

A insulina de longa duração, por exemplo, Glargina da Lantus®, possui um início de ação de 2 a 4 horas
após a administração e não apresenta pico de ação, tendo uma duração de 20 a 24 horas. Já a NPH possui
uma ação intermediária, tendo início de ação entre 2 e 4 horas após a administração, mas possui pico
de ação entre 4 e 10 horas e efeito terapêutico de 10 a 18 horas. A lispro da Humalog® inicia sua ação
com 5 a 15 minutos, possui pico de 0,5 a 2 horas e duração terapêutica de 3 a 5 horas (tabela seguinte).

O nutricionista deverá acompanhar o esquema insulínico de cada paciente, o plano alimentar, o


controle glicêmico e a prática de atividade física constantemente, além de realizar as alterações quando
necessário, bem como discutir os aspectos clínicos e nutricionais com a equipe multiprofissional.

182
NUTRIÇÃO CLÍNICA

A insulinoterapia oportuna ocorre quando o tratamento insulínico é instituído, assim que for constato
um acentuado descontrole glicêmico que exija uma intervenção terapêutica mais agressiva e intensiva.
Isso ocorre em DM2 descontrolados ou na vigência de ineficácia da terapia não farmacológica ou até
mesmo com uso de antidiabéticos orais ou, ainda, em situações como hiperglicemia grave associada a
cetonúria e cetonemia, entre outras condições clínicas.

Tabela 18 – Propriedades farmacocinéticas das insulinas e análogos

Tipo Início da ação Pico Efeito terapêutico


Longa duração
Glargina - 100 UI/mL (Lantus®) 2-4 h Não apresenta 20-24 h
Detemir (Levemir®) 1-3 h 6-8 h 18-22 h
Ação ultrarrápida
Glargina – 300 UI/mL (Toujeo®) 6h Não apresenta 36 h
Degludeca (Tresiba®) 21-41 h Não apresenta 42 h
Ação intermediária
Insulina NPH 2-4 h 4-10 h 10-18 h
Ação rápida
Insulina regular 0,5-1 h 2-3 h 5-8 h
Ação ultra-rápida
Asparte (Novorapid®) 5-15 min 0,5-2 h 3-5 h
Lispro (Humalog®) 5-15 min 0,5-2 h 3-5 h
Glulisina (Apidra®) 5-15 min 0,5-2 h 3-5 h
Pré-misturas
70% NPH+30% R (Humulin® 70/30) 0,5-1 h 3-12 h (duplo) 10-16 h
75% NPL+25% lispro (Humalog® Mix 25) 5-15 min 1-4 h (duplo) 10-16 h
50% NPL+50% lispro (Humalog® Mix 50) 5-15 min 1-4 h (duplo) 10-16 h
70% NPA+30% asparte (NovoMix® 70/30) 5-15 min 1-4 h (duplo) 10-16 h
NPH = protamina neutra hagedorn; NPL = protamina neutra lispro; NPA = protamina neutra asparte.

Fonte: SBD (2017).

6.2.2 Terapia não farmacológica

6.2.2.1 Atividade física

A prática de atividade física (AF) consiste numa estratégia de intervenção não farmacológica para
o adequado controle do DM, assim como de suas complicações. Ela representa qualquer movimento
corpóreo produzido pela musculatura esquelética que culmina em gasto energético acima do nível
de repouso. Para os diabéticos, observam-se mudanças agudas e crônicas da ação da insulina sobre o
metabolismo dos carboidratos por meio da prática de AF. Outros efeitos incluem menor risco de DCV,
aumento da autoestima e independência e redução do índice de óbito precoce por todas as causas
(LIMA et al., 2019).

183
Unidade II

O efeito da prática de atividade física sobre a ação da insulina em resposta a uma única sessão
de AF moderada é máximo até 24 horas após a sua realização, sendo diminuído de forma progressiva
até o alcance dos níveis basais em 72 horas depois do término da sessão de AF. Recomenda-se, para
potencializar a ação celular da insulina, pelo menos 30 minutos de AF aeróbia de intensidade moderada
a vigorosa em cinco dias por semana (150 minutos por semana) distribuída ao longo de, no mínimo, três
dias durante a semana, evitando dois dias consecutivos. Em complementação às atividades aeróbias,
recomenda-se a prática de exercícios resistidos (musculação) com intensidade moderada a vigorosa, no
mínimo, duas vezes na semana em dias não consecutivos (LIMA et al., 2019).

Estudos apontam que a prática regular de atividade física é capaz de diminuir os níveis de lipoproteína
de baixa densidade (LDL-c) e triglicerídeos, aumentar os níveis de lipoproteína de alta densidade (HDL-c),
retardar a progressão da intolerância à glicose, incrementar os receptores de insulina, promover a
manutenção do peso corpóreo e auxiliar no controle da obesidade e dos níveis séricos de glicose em
pacientes com DM. O aumento da ação de insulina nos tecidos corpóreos, a elevação da captação
da glicose pelo músculo, a captação da glicose nos períodos pós-sessão de exercícios, a redução da
glicemia e o aumento da sensibilidade celular à insulina constituem outros benefícios da prática de AF
(BOTTCHER, 2019).

A SBD (2019) recomenda a prática semanal de atividade física aeróbica moderada (caminhar rápido)
por 150 minutos, distribuída em no mínimo três sessões entre 10 e 75 minutos. A OMS, por sua vez,
recomenda aos diabéticos, a realização de AF pelo menos 30 minutos, com intensidade no mínimo
moderada na maioria dos dias da semana.

Durante a gravidez, recomenda-se a prática de AF três vezes por semana por cerca de 40 minutos.
O pulso da gestante não deve ultrapassar 140 batimentos por minuto (bpm). Corridas e exercícios que
demandem torções, viradas, pulos, paradas repentinas e arrancadas (raquetes, vôlei e basquete) são
contraindicados, visto que podem forçar os músculos, as articulações e os ligamentos. Bicicleta, natação
e caminhadas podem ser praticadas no 1º e 2º trimestres da gestação, sempre controlando a pressão
arterial. No 3.º trimestre, deve-se evitar exercícios em que as pernas sejam mais solicitadas, uma vez que
o fluxo sanguíneo se encontra reduzido nos membros inferiores. Em todas as situações, é imprescindível
tanto no pré quanto no pós-exercício, a adequação do plano alimentar e o automonitoramento da
glicemia e da cetonúria, haja vista a possibilidade de hiperglicemia, hipoglicemia e cetonúria relacionadas
à prática de AF (MUNIZ; REIS, 2013).

Compete ao nutricionista associar o plano alimentar à terapêutica medicamentosa e à prática de AF


dos indivíduos com DM. Salienta-se que o acompanhamento da AF deverá ser realizado pelo profissional
da educação física.

6.2.2.2 Abordagem nutricional no diabetes mellitus

A terapia nutricional em DM é de suma importância e representa um grande desafio dietoterápico


em detrimento da dificuldade de adesão ao plano alimentar apresentada pelos pacientes. Nesse
sentido, a EAN constitui um componente essencial para o sucesso no controle da glicemia e das demais
alterações metabólicas, visto que possibilita que a terapia nutricional prescrita pelo nutricionista seja
184
NUTRIÇÃO CLÍNICA

seguida de forma adequada e consciente, com repercussões positivas sobre o estado de saúde geral e,
em consequência, melhora da qualidade de vida.

O tratamento nutricional inclui a avaliação, o diagnóstico, a escolha e a implementação da terapêutica


nutricional adequada, além do aconselhamento sobre o tratamento geral da doença. O objetivo principal
da terapia nutricional, quer seja oral, enteral e/ou parenteral, é manter os níveis glicêmicos dentro da
normalidade, assim como um adequado estado nutricional (BORGES; CORREIA; ALVAREZ-LEITE, 2011).

6.2.2.2.1 Educação alimentar e nutricional em diabetes

O foco da conduta nutricional no DM é o próprio indivíduo, considerando todas as fases da vida, o


diagnóstico nutricional, os hábitos alimentares, os aspectos socioculturais, o perfil clínico-metabólico
e a utilização de fármacos (SBD, 2015). Para um adequado acompanhamento nutricional, no caso
de DM1, deve-se integrar insulina (ou análogos de insulina), dietoterapia e atividade física, sendo
que a terapia insulínica deve ser ajustada ao plano alimentar individualizado visando o adequado
controle metabólico (SBD, 2015, CANADIAN DIABETES ASSOCIATION, 2008). E, para o DM2, essas
medidas comportamentais também são indicadas; ou seja, a integração dos antidiabéticos orais e,
em alguns casos, insulinoterapia com a prática regular de atividade física e a dietoterapia. Logo, em
ambos os casos, deve-se associar farmacoterapia à dietoterapia, prática regular de atividade física e,
se necessário, psicoterapia.

O acompanhamento nutricional favorece o controle dos níveis glicêmicos, independentemente


do tipo de diabetes mellitus e do tempo de diagnóstico da doença, promovendo uma diminuição
de 1% a 2% nos níveis de HbA1c no DM1 e DM2. Quando o seguimento nutricional é associado a
outros cuidados (farmacoterapia, atividade física, psicoterapia, entre outros), os parâmetros clínicos e
metabólicos melhoram substancialmente. Indivíduos com DM devem ser estimulados a modificações do
estilo de vida por meio de programas educativos que se baseiam em perda moderada de peso corpóreo
(redução sustentada de 5% a 7% do peso inicial) e prática semanal de AF (150 minutos/semana) (SBD,
2019, SBD, 2015).

A abordagem nutricional deve apresentar um caráter mais subjetivo, de olhar comportamental, em


que o indivíduo se encontra no centro do cuidado; entretanto, não deve ser apenas uma abordagem
meramente prescritiva, havendo envolvimento do paciente (e de seus familiares) como parte ativa do
processo. Considera-se a disposição e a prontidão do paciente para as modificações necessárias, o que
possibilita adaptar as recomendações às preferências individuais por meio de uma tomada de decisão
conjunta (SBD, 2019).

Alguns determinantes, como o sentimento de privação alimentar por parte do paciente diabético e
a dificuldade de modificação dos hábitos alimentares, devem ser considerados na análise de adesão ao
tratamento dietoterápico. O nutricionista não deve adotar uma conduta severa de restrição alimentar,
visto que essa postura desestimula o paciente e favorece a descrença de que a mudança dos hábitos
alimentares vai melhorar a qualidade de vida (PONTIERI; BACHION, 2010).

185
Unidade II

A educação em saúde constitui a base para a prevenção e para o tratamento das doenças. É
capaz de gerar e/ou ampliar conhecimentos por meio de experiências e apoiada nos processos de
ensino‑aprendizagem por descoberta. Ela propicia o autoconhecimento e a autorreflexão, fazendo com
que o indivíduo se conscientize das suas responsabilidades e de seus atos, conduzindo à mudança de
comportamento (HAACK; FORTES, 2017).

A EAN constitui um campo de conhecimento e de prática, transdisciplinar, intersetorial e


multiprofissional que visa, de forma autônoma e voluntária, promover hábitos alimentares saudáveis.
É uma estratégia utilizada por nutricionistas no intuito de haver mudanças no comportamento dos
pacientes por meio de atividades em grupos operativos, oficinas, palestras, entre outros (LUZ; SALOMON;
FORTES, 2018). Entre os seus objetivos, destacam-se apoiar a tomada de decisão do paciente, orientar
o autogerenciamento e a resolução de problemas, proporcionar a colaboração ativa entre paciente e
nutricionista, bem como entre paciente e demais membros da equipe multiprofissional.

Logo, a EAN deve ser inserida no processo educativo, visto que a alimentação está relacionada
diretamente às questões psicossociais e culturais. O hábito alimentar saudável engloba diversas
características que perpassam os aspectos biopsicossociais, culturais, econômicos e estruturais (LUZ;
SALOMON; FORTES, 2018, HAACK; FORTES, 2017). Ela confere melhor qualidade de vida aos pacientes e
redução de custos institucionais (SBD, 2015).

Luz, Salomon e Fortes (2018) conduziram um ensaio clínico aberto para investigar os efeitos de uma
intervenção de EAN. Os recordatórios alimentares de 24 h e o índice de qualidade da dieta revisado
foram avaliados. Analisou-se o comportamento alimentar por meio dos quatro componentes do modelo
transteórico (estágios de mudança, estratégias de mudança, equilíbrio de decisões e autoeficácia). Após
a EAN, observou-se melhora significativa da qualidade da dieta e do comportamento alimentar para
o consumo de frutas, verduras e legumes, configurando-se como uma possibilidade efetiva de ação
educativa, principalmente porque a amostra foi composta apenas por idosos que possuem hábitos
alimentares muito arraigados.

A EAN para indivíduos diabéticos pode ser individualizada ou em grupo. Ela possibilita uma adesão
maior ao plano dietoterápico e sensibilização às necessidades nutricionais, facilita as escolhas conscientes
de alimentos saudáveis, propicia maior independência quanto às substituições alimentares, auxilia no
tratamento dos pacientes, favorece o controle metabólico adequado, reduz o risco de complicações
agudas e crônicas da doença. Porém, cabe ressaltar que a associação entre os grupos de educação
nutricional em DM e o atendimento individual pelo profissional nutricionista repercute positivamente
de forma mais precoce e sustentada no estado nutricional, no controle glicêmico e na prevenção de
complicações diversas, incluindo as micro e macrovasculares.

Como ferramenta de EAN para mulheres eutróficas com DMG, Demétrio (2010) apresentou
uma pirâmide alimentar dividida em quatro níveis. Os alimentos estão organizados em oito grupos
e porcionados conforme as necessidades energéticas específicas para o primeiro, segundo e terceiro
trimestres gestacionais (figura a seguir).

186
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Óleos e gorduras Açucares e doces


1º TG 2º e 3º TG 1º TG 2º e 3º TG
2 porções 2½ porções 1 porção 1 porção

Carnes e ovos Leguminosas


1º TG 2º e 3º TG 1º TG 2º e 3º TG
1½ porções1½ porções 1 porção 1 porção

Leite e derivados Frutas


1º TG 2º e 3º TG 1º TG 2º e 3º TG
3 porções 3 porções 4½ porções 4½ porções

Legumes e verduras
Cereais, raizes e tubérculos
1º TG 2º e 3º TG
5 porções 5 porções 1º TG 2º e 3º TG
5 porções 6½ porções

Legenda: (naturalmente presente ou adicionada)


Açúcar
Gordura
TG - Trimestre gestacional

Figura 22 – Pirâmide adaptada para gestantes eutróficas de 19 a 30 anos

6.2.2.2.2 Terapia nutricional no diabetes mellitus

Em pacientes ambulatoriais e internados no âmbito hospitalar e domiciliar, a terapia nutricional


é crucial para o controle do DM. A sistematização do cuidado de nutrição (SCN) inclui a triagem, a
avaliação e o diagnóstico nutricional, assim como a escolha e a implementação da dietoterapia adequada
e o aconselhamento sobre o tratamento geral da enfermidade. Os principais objetivos são manter os
níveis de glicemia e HbA1c dentro da normalidade ou próximos dela; manter o estado nutricional
adequado; manter os níveis adequados de lipídeos plasmáticos; manter a pressão arterial em níveis
aceitáveis; melhorar e acelerar a recuperação do paciente; treinar o paciente e familiares para o controle
da glicêmico e das complicações do DM (BORGES; CORREIA; ALVAREZ-LEITE, 2011), prevenir e tratar as
complicações inerentes a essa doença e as comorbidades a ela associadas (hipertensão, dislipidemia,
entre outras) em curto e longo prazos (SBD, 2015).

A avaliação antropométrica em gestantes deve ser realizada pela determinação do IMC


pré‑gestacional, visto que permite classificar o estado nutricional antes da concepção e identificar o
ganho de peso adequado, respeitando cada categoria de estado antropométrico pré-gestacional de
acordo com Institute of the Medicine – IOM. A curva de Atalah e as recomendações de ganho ponderal
segundo a tabela do IOM são bastante utilizadas no Brasil com o propósito de classificar o estado
nutricional de gestantes (MUNIZ; REIS, 2013). O objetivo principal da terapêutica nutricional no DMG
é fornecer o aporte energético e nutricional para o ganho de peso adequado na gestação, além de
promover a manutenção dos níveis glicêmicos com a ausência de cetonúria por meio do incentivo ao
consumo de alimentos saudáveis e ingestão de carboidratos. Logo, deve-se prover adequada nutrição
materno-fetal, promover o ganho de peso recomendado e manter o controle metabólico (MUNIZ; REIS,

187
Unidade II

2013) por meio do alcance da normoglicemia, além de prevenir os riscos metabólicos e cardiovasculares
maternos e fetais em médio e longo prazos (REIS; SILVA; CALDERON, 2011).

Os sinais e sintomas comumente presentes durante a gestação e que, na dependência de severidade


do quadro, podem interferir na ingestão dos alimentos e, portanto, no ganho de peso gestacional
devem ser considerados na avaliação clínica. Deve-se realizar o rastreamento de outras intercorrências
gestacionais por meio da avaliação bioquímica, dos sinais vitais e das medidas antropométricas,
incluindo hemoglobina e hematócrito, perfil lipídico, proteinúria, função hepática e renal; pressão
arterial, presença de edema e sinais sugestivos de carências nutricionais específicas, tais como, cegueira
noturna, bócio, palidez conjuntival, entre outros (PADILHA et al., 2010).

Estudos apontam que um plano alimentar mediterrâneo e de baixo aporte energético beneficia
pacientes com níveis glicêmicos alterados. Além de essa dieta ser utilizada no tratamento do DM, ela
também atua na prevenção do DM2 (SBD, 2019, DOMÉNECH et al., 2014, DUSSAILLANT et al., 2016,
MARTINS; CORREIA; LEMOS, 2014, SOFI et al., 2008). Entre os seus principais efeitos, destacam-se a
redução da obesidade visceral, a diminuição da resistência à insulina e do processo inflamatório
(figura a seguir).

Deposição de TG RI

Proteína, lácteos magros, frutos secos


Lácteos magros
Ômega 3 5. Hipertensão
1. Circunferência abdominal ulo Frutos (polifenóis)
M úsc

Obesidade AGL 4. Hiperglicemia


Pâncreas
Fíg Disfunção das células
ad beta apoptose
o
Cereais integrais, azeite, frutos secos

2. TG
VLDL
AGL – Ácidos Graxos Livres. TG – Triglicérides.
VLDL – Lipoproteína de Muito Baixa Densidade. Vinho
Azeite 3. HDL
HDL – Lipoproteína de Alta Densidade. RI – Resistência à Insulina.

Figura 23 – Principais efeitos da dieta mediterrânea no diabetes mellitus tipo 2

A dieta mediterrânea caracteriza-se pela escolha equilibrada de alimentos ricos em fibras alimentares,
substâncias antioxidantes e ácidos graxos monoinsaturados (AGMI) e poli-insaturados (AGPI), com
consequente redução do consumo de gordura animal (em especial, o colesterol) e com um equilíbrio
apropriado entre a ingestão calórica e o gasto energético. Observa-se uma abundância em alimentos
de origem vegetal, pouco refinados e sazonais (hortaliças, frutas, cereais, batatas, leguminosas, frutos
secos e sementes frescas), sendo o azeite de oliva o principal lipídeo de adição (MARTINS; CORREIA;
LEMOS, 2014).

188
NUTRIÇÃO CLÍNICA

As recomendações mais reconhecidas como adequadas na dieta mediterrânea são 55% a 60%
de carboidratos (80% complexos); 10% a 15% de proteína (60% de origem animal; particularmente
carne branca e peixe); 25% a 30% de lipídeos, dando preferência aos de origem vegetal. Além dessas
características, a dieta mediterrânea possui diversas substâncias bioativas, como o licopeno (tomate),
os compostos sulfurosos (alho e cebola), os indóis (couve e brócolis), os fitoquímicos (glucosinolatos,
ditioltionas e ubiquinona), os compostos polifenólicos (hidroxitirosol e ácido cafeico) e bioflavonoides
(quercetina, antocianinas, procianidinas e taninos), fornecidos pelo vinho ou pelo azeite, entre outros
produtos (MARTINS; CORREIA; LEMOS, 2014).

Saiba mais

Leia os artigos:

DOMÉNECH, M. et al. Mediterranean diet reduces 24-hour ambulatory


blood pressure, blood glucose, and lipids: one-year randomized, clinical
trial. Hypertension., v. 64, n. 1, p. 69-76, 2014.

DUSSAILLANT, C. et al. Evidencia actual sobre los beneficios de la


dieta mediterránea en salud. Rev. Méd. Chile, Santiago, v. 144, n. 8,
p. 1044-1052, 2016.

O plano alimentar de indivíduos com DM deve ser individualizado, adequado qualiquantitativamente


em nutrientes, com fracionamento aumentado e volume reduzido, de forma preventiva de complicações em
longo prazo e direcionada a manter os níveis glicêmicos aceitáveis tanto no jejum quanto nos períodos
pós-prandiais, bem como níveis de HbA1c de acordo com as metas glicêmicas preconizadas pela SBD
(2019). Embora haja fatores capazes de interferir na manutenção do estado nutricional do paciente
(aumento das necessidades nutricionais pelo estresse catabólico, utilização de fármacos que interferem
na glicemia e no controle glicêmico, e supressão do apetite induzida pelo DM), a terapia nutricional
segue as mesmas indicações dos pacientes não diabéticos. Deve-se evitar o fornecimento energético
excessivo, visto que a hiperalimentação pode resultar em descontrole dos níveis séricos de glicose
(BORGES; CORREIA; ALVAREZ-LEITE, 2011).

As recomendações de nutrientes para indivíduos diabéticos estão sumarizadas no quadro a seguir.

Quadro 29 – Recomendações nutricionais para indivíduos com diabetes mellitus

Nutriente Recomendação
VET De acordo com o estado nutricional
45% a 60% do VET; é possível usar padrões alimentares com
Carboidratos totais menor teor de carboidratos para DM2 de forma individualizada
e acompanhada por profissional especializado
Sacarose Até 10% do VET

189
Unidade II

Nutriente Recomendação
Frutose Não se recomenda adição nos alimentos
Fibra alimentar Mínimo 14g/1000kcal ou 20g/1.000 kcal para DM2
20% a 35% do VET; dar preferência para ácidos graxos
Gordura total monoinsaturados e poli-insaturados; limitar saturados em até
10% e isenta de trans
Colesterol* < 200 mg/dia
Proteína 15% a 20% do VET
Vitaminas e minerais Segue as recomendações dos não diabéticos
Sódio* Até 2 g
VET (valor energético total): considerar as necessidades individuais, utilizando parâmetros semelhantes
à população não diabética, em todas as faixas etárias.

Adaptado de: SBD (2015); SBD (2019).

O nutricionista deve avaliar as condições clínicas (hipertensão, dislipidemia, obesidade, síndrome


metabólica, entre outras), bioquímicas (Homa-IR, HgA1c, insulinemia, glicemia, ferro, ácido fólico,
vitamina B12, ferritina, entre outros) e antropométricas (eutrofia, sobrepeso, obesidade e desnutrição) do
indivíduo com DM; a presença de sintomas gastrintestinais (diarreia, vômitos, pirose, constipação, dor
abdominal etc.); os hábitos alimentares (aversões, tabus, intolerâncias, déficits nutricionais, entre outros
aspectos relevantes); o controle glicêmico (glicemia em jejum, pós-prandial e casual); a farmacoterapia
(antidiabéticos orais e/ou insulinoterapia), incluindo a interação droga-nutriente e os efeitos colaterais
que podem ter impacto sobre o estado nutricional; a prática de AF (tipo e frequência); as medidas
comportamentais, como a psicoterapia e a intervenção cirúrgica (pré e pós-operatório de cirurgia
metabólica para DM2) no intuito de prescrever e monitorar a conduta dietoterápica mais adequada a
cada paciente. O trabalho em equipe multiprofissional é imprescindível.

Aporte energético

Tanto a obesidade quanto a desnutrição são agravos nutricionais desfavoráveis pelas diversas
complicações clínicas e pelo risco aumentado de morbimortalidade. Em pacientes com sobrepeso ou
obesidade, recomenda-se uma redução energética diária de 500 a 1000 kcal (redução semanal de
0,5 kg a 1,0 kg), visto que a diminuição moderada de peso corpóreo e a restrição energética melhoram a
sensibilidade à insulina (CARVALHO et al., 2018), promovem a normalização glicêmica e insulinêmica,
a redução da suscetibilidade à trombose venosa, dos marcadores inflamatórios e de risco cardiovasculares
(COPPINI et al., 2011). Para o cálculo da necessidade energética desses indivíduos, pode-se utilizar a
fórmula (ou regra) de bolso entre 20 e 25 kcal/kg de peso atual (SINGER et al., 2019, BORGES; CORREIA;
ALVAREZ-LEITE, 2011).

Para crianças e adolescentes, a dieta deve ser equilibrada e com restrição energética orientada no
intuito de que a perda de peso ocorra de forma gradual, verificando-se melhora por meio do indicador
de resistência à insulina – Homa IR, com repercussão positiva no percentual de gordura corpórea e no
escore-Z IMC (SBD, 2019).

190
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Nas gestantes com DM, a terapia nutricional deve permitir o ganho de peso adequado e a
normalização dos níveis glicêmicos, devendo fazer parte dessa terapêutica a prática de AF, respeitando
as indicações e contraindicações obstétricas. Para as gestantes obesas, uma leve restrição calórica é
necessária, com aporte energético diário equivalente a 25 kcal/kg de peso atual. Gestantes eutróficas
devem ser orientadas a ingerir em torno de 30 kcal/kg/dia, e aquelas com baixo peso 35 kcal/kg/dia.
Nos 2º e 3º trimestres de gestação, deve-se adicionar diariamente 300 kcal. Recomenda-se a seguinte
distribuição do VET: 15% no desjejum, 10% na colação, 30% no almoço, 10% no lanche da tarde, 25%
no jantar e 10% na ceia (MUNIZ; REIS, 2013). A SBD (2019) enfatiza que o cálculo do aporte energético
de mulheres com DMG deve respeitar o IMC pré-gestacional ou aquele obtido no início do pré-natal.

De acordo com as recomendações do IOM (2009), para as mulheres eutróficas (IMC pré-gestacional
entre 18,5 e 24,9 kg/m2), preconizam-se as orientações nutricionais para ganho ponderal esperado ao
longo da gestação entre 11,5 kg e 16 kg. Para aquelas que iniciaram a gestação com excesso de peso
(IMC entre 25 e 29,9 kg/m2), o ganho ponderal na faixa de 7 kg a 11,5 kg deve ser considerado. E para as
gestantes com obesidade (IMC pré-gestacional ≥ 30 kg/m2), considera-se seguro o ganho de peso até o
final da gravidez entre 5 kg e 9 kg.

Para as gestantes que fazem uso de insulina à noite, o consumo da ceia tem grande relevância,
devendo conter 25 g de carboidratos complexos, além de proteínas ou lipídios, no intuito de evitar
hipoglicemia durante a madrugada. A dose inicial de insulina e sua relação com carboidrato deve ser
individualizada (SBD, 2017).

Embora haja fatores capazes de interferir na manutenção do estado nutricional de pessoas diabéticas
(aumento das necessidades nutricionais pelo estresse catabólico, utilização de fármacos que interferem
na glicemia e no controle glicêmico e supressão do apetite induzida pelo DM), a terapia nutricional
segue as mesmas indicações dos pacientes não diabéticos (BORGES; CORREIA; ALVAREZ-LEITE, 2011).
Destaca-se que, independentemente do tipo de DM, na dietoterapia instituída a esses indivíduos, o
VET nunca deve ser inferior a TMB. Muniz e Reis (2013) informam que dietas inferiores a 1.200 kcal/dia
(ou com restrição superior a 50% do metabolismo basal) não são recomendadas, uma vez que estão
relacionadas ao desenvolvimento de cetose.

Carboidratos

Recomenda-se, para indivíduos com DM, uma ingestão de carboidratos semelhante à definida para
a população geral, entre 45% e 60% do VET a depender dos objetivos e das metas individualizadas. Para
gestantes com DM, recomenda-se de 40% a 55% do VET proveniente de carboidratos (preferencialmente
carboidratos complexos e ricos em fibras alimentares, de baixo índice glicêmico) e o consumo mínimo diário
de 175 gramas (SBD, 2019). Os alimentos que contêm esses nutrientes constituem fontes importantes
de energia, fibras, vitaminas e sais minerais, além de melhorar a palatabilidade da dieta. A OMS não
recomenda concentrações diárias de carboidratos inferiores a 130 gramas, dada a contribuição desses
nutrientes para os diversos processos metabólicos e como substrato energético preferencial para o SNC.

O carboidrato exerce maior influência na variabilidade glicêmica pós-prandial entre todos os


nutrientes, sendo assim o tipo de carboidrato possui bastante relevância independentemente da
191
Unidade II

proporção. Quando ingeridos na forma de açúcares ou amido, possuem respostas distintas daqueles
consumidos com fibras, compostos bioativos, vitaminas, sais minerais e baixo teor lipídico. E, de acordo
com a forma de consumo, a resposta glicêmica pode ser mais lenta e menos exacerbada (SBD, 2017).
Priorizam-se, nesse sentido, os carboidratos provenientes dos alimentos integrais, das frutas, dos
vegetais e dos produtos lácteos com menor teor lipídico. A sacarose não necessita ser restrita e pode ser
incluída no total de carboidratos da dieta, respeitando o contexto da alimentação saudável (PADILHA
et al., 2010). Sugere-se que a ingestão de carboidratos ocorra através do consumo de legumes, frutas,
grãos integrais com alto teor de fibras e carga glicêmica reduzida, sendo preferível a outras fontes,
particularmente aquelas que contêm açúcares adicionados.

Aliada à conduta nutricional para o controle glicêmico, existe a possibilidade de associar carboidratos
simples como a sacarose no plano alimentar dos diabéticos, visto que a sacarose não aumenta mais a
glicemia do que outros carboidratos, quando ingerida em quantidades equivalentes. Logo, ela pode ser
introduzida em substituição a outros alimentos da refeição em proporções equivalentes. Como limite
máximo seguro para o consumo de sacarose na alimentação de indivíduos com DM, considera-se até
10% do VET (SBD, 2017). A OMS e as novas diretrizes da American Heart Association recomendam o
consumo diário máximo de 5% da ingestão total de energia proveniente dos açúcares adicionados.

Evidências sugerem que o consumo de frutose é capaz de promover acúmulo de adiposidade visceral,
resistência à insulina e DM2 (AEBERLI et al., 2013, SARTORELLI et al., 2009, MONTONEM et al., 2007). Os
açúcares de adição que possuem efeitos deletérios (hiperglicemia, hiperinsulinemia, alta carga glicêmica,
resistência à insulina etc.) são aqueles contidos em refrigerantes, sucos artificiais, doces e outros alimentos
adicionados de xaropes, principalmente devido à alta concentração de frutose. Já a frutose presente
naturalmente nos alimentos, como em frutas, não deve ser excluída da alimentação; ao contrário, o
seu consumo deve ser incentivado dentro do contexto de uma alimentação adequada. Entretanto, mais
estudos são necessários para comprovar os reais efeitos da frutose no desenvolvimento de DM2.

Outro cuidado indispensável a considerar na terapêutica do DM refere-se ao consumo de açúcares


ocultos presentes nos alimentos industrializados, principalmente nos alimentos ultraprocessados e nas
bebidas açucaradas por causa dos diversos problemas de saúde por eles ocasionados, como sobrepeso,
obesidade e cáries (SBD, 2019). As diretrizes internacionais sobre DM publicadas nos últimos anos
enfatizam a importância de incluir, como parte da alimentação diária, os cereais integrais devido aos
inúmeros benefícios metabólicos proporcionados por esses alimentos.

Em relação à carga glicêmica (CG) e ao índice glicêmico (IG), há diversas limitações na prática clínica,
estudos conflitantes e opiniões divergentes entre os especialistas. Observa-se que tanto a qualidade
quanto a quantidade de carboidratos consumidos afetam a resposta glicêmica de diversas maneiras,
a depender da forma de preparo, das combinações alimentares, entre outros. Entretanto, reduções
de HbA1c de 0,2% a 0,5% têm sido demonstradas em algumas pesquisas após a inclusão de dietas
com baixo IG.

A CG é uma medida de quantidade e qualidade dos carboidratos, ao passo que o IG se relaciona


somente à qualidade. O IG pode ser calculado a partir do aumento dos níveis séricos de glicose gerados
por 50 gramas de carboidratos disponíveis em um determinado alimento em comparação ao incremento
192
NUTRIÇÃO CLÍNICA

ocasionado por 50 gramas de um alimento referência (50 g pão branco) ou de 50 gramas de glicose.
Já a CG se refere à multiplicação do IG do alimento pelo total de carboidrato presente na porção do
alimento ingerido, dividido por 100. Logo, a CG permite a comparação das respostas glicêmicas de
porções ingeridas de distintos alimentos, sendo a aplicação da CG mais prática na escolha dos alimentos
e na prescrição dietoterápica (MOLZ et al., 2015).

Segundo Padilha et al. (2010), a quantidade de carboidrato por refeição é mais importante do que
a fonte ou o tipo deste. Dietas com baixo IG são capazes de reduzir a glicemia pós-prandial e o perfil
lipídico, entretanto a adesão a essas dietas em longo prazo não é bem esclarecida na literatura. O uso de
alimentos com baixo IG não encontra evidência suficiente como estratégia primária no plano alimentar
de indivíduos com DM.

Em uma metanálise de 18 estudos de coorte prospectiva, com uma amostra de 251.497 participantes,
conduzida por Shahdadian et al. (2019), não foi encontrada associação entre o IG ou a dieta, e a
mortalidade por todas as causas e DCV nos homens, entretanto uma associação positiva do IG com
a mortalidade por todas as causas em mulheres foi observada. A CG da dieta não foi associada à
mortalidade por todas as causas e nem à mortalidade por DCV. Segundo a SBD (2019), no intuito de
reduzir a resposta glicêmica da ingestão dietética, alimentos com alto IG podem ser substituídos por
alimentos de baixo IG, principalmente quando consumidos isoladamente.

Deve-se dar preferência ao consumo de alimentos de baixo IG no DMG porque tem-se associado à
redução da necessidade de indicação da insulina, assim como menor ganho de peso ao nascer. Outra
estratégia utilizada na gestação é a contagem de carboidratos por meio da lista de equivalentes ou da
contagem em gramas, conforme veremos adiante.

Em nutrição enteral, deve-se evitar a hiperalimentação na vigência de hiperglicemia, priorizando-se


as fórmulas especializadas para DM contendo menor proporção de carboidratos (33% a 40%) e maior
conteúdo de ácidos graxos e fibras (SBD, 2019).

A relação de alimentos com baixo, moderado e elevado índice glicêmico encontra-se sumarizada no
quadro a seguir.

Quadro 30 – Índice glicêmico (IG) dos alimentos

IG baixo (até 55) IG moderado (de 56 a 69) IG elevado (acima de 70)


Cenoura crua Ameixa Pão de forma e francês
Soja Ravioli carne Purê de batata e batata cozida
Aspargos Pão sírio Cream cracker®
Brócolis Damasco Pão branco de trigo
Repolho Suco de maçã Sorvete light
Couve-flor Espaguete branco Inhame
Pepino All Bran® Suco de laranja

193
Unidade II

IG baixo (até 55) IG moderado (de 56 a 69) IG elevado (acima de 70)


Salsão Pêssego fresco Kiwi
Berinjela Laranja Abóbora
Cogumelo Leite fermentado Waffles
Tomate Macarrão Chocolate
Abobrinha Capellini Bebidas isotônicas
Espinafre Passas Arroz branco
Couve Pão de centeio light Bolacha de água
Alface Biscoito de água Manga
Iogurte light Uva Banana
Amendoim Abacaxi Pipoca

Fonte: Haack; Fortes (2017, p. 170).

Dieta low carb (LC)

Define-se dieta reduzida em carboidrato como aquela que possui uma ingestão desse macronutriente
abaixo das diretrizes alimentares; ou seja, inferior a 45% do VET, podendo ser dividida em:

• Dieta moderada em carboidratos: de 26% a 45% da dose diária da ingestão alimentar.

• Dieta baixa em carboidrato: inferior a 26% do consumo total de energia ou menor que 130 g/dia
de carboidrato.

• Dieta muito baixa em carboidrato (dieta cetogênica): de 20 g a 50 g/dia de carboidrato


(HASHIMOTO et al., 2016).

Evidências científicas apontam que, entre as estratégias nutricionais para a diminuição de peso
corpóreo, a dieta com baixo teor em carboidratos se mostra eficaz, visto que pode promover uma
redução importante de gordura visceral, associada à diminuição da relação cintura/quadril, com
consequente redução do risco de DCV (ZINN; RUSH; JOHNSON, 2018, BONNIE et al., 2014). Entretanto,
existem hipóteses de que dietas com baixo teor em carboidratos são desprovidas de alguns nutrientes
importantes para as diversas reações metabólicas, podendo aumentar o risco de défictis nutricionais,
entre outros agravos à saúde (CHANG; BORER; LIN, 2017).

Nesse sentido, atenção especial deve ser dada ao uso da estratégia de dieta LC, visto que ela tem
atraído muitos seguidores nos últimos anos, com algumas evidências que a sugerem como dieta ideal
para o tratamento nutricional do DM. Além disso, a definição de uma dieta LC não é consistente.
Há estudos que a definem como uma dieta contendo menos que 45% de energia proveniente dos
carboidratos. Já a classificação aceita no Brasil é de 26% a 45%. Ressalta-se que existem controvérsias
em relação aos seus efeitos no organismo humano. Alguns estudos demonstraram melhora do controle

194
NUTRIÇÃO CLÍNICA

glicêmico e da sensibilidade à insulina, ao passo que outros não constataram diferença significativa no
controle glicêmico de indivíduos que receberam uma dieta LC em comparação com níveis mais elevados
de ingestão desse macronutriente. Dadas essas divergências, existe consenso que a monitoração da
quantidade de carboidratos das refeições deve ser considerada para melhorar os níveis glicêmicos
pós‑prandiais e que a adoção (ou não) de dietas restritas em carboidratos deve ser acompanhada por
um nutricionista que reforce ao paciente quais são as estratégias disponíveis e mais adequadas para
cada condição clínica (SBD, 2019).

Substitutos de açúcares (edulcorantes)

O uso indiscriminado de edulcorantes deve ser analisado criteriosamente pelo nutricionista quanto
aos riscos e tipos para correta indicação. A ADA não recomenda o uso de frutose como edulcorante
devido ao aumento de triglicerídeos, culminando com a hipertrigliceridemia e suas consequências. O
sorbitol pode predispor à síntese de litíase renal. Ele aumenta a excreção de minerais, principalmente
cálcio, logo, o seu uso na gestação deve ser analisado com cautela devido à espoliação de cálcio e
vitamina D.

O ciclamato de sódio foi associado ao incremento do número de absorção fetal, redução do peso de
embriões e passagem para o embrião intraútero. Foi proibido pela Food and Drug Administration (FDA)
devido ao seu poder carcinogênico, além de efeitos testiculares e genéticos em animais de laboratório.
Esteviosídios são adoçantes naturais, não calóricos, porém, devido à falta de dados sobre a sua
segurança são proibidos pela FDA e ADA. Não existem evidências de que a molécula do aspartame seja
transplacentária, sugerindo a inexistência de risco ao feto. A sacarina pode ser utilizada pela população
geral e por gestantes, visto que foi excluída da lista de substâncias carcinogênicas. Já a sucralose é um
edulcorante artificial obtido a partir da sacarose e tem seu uso recomendado para a população geral e
para gestantes segundo a ADA (MUNIZ; REIS, 2013). Logo, os edulcorantes permitidos para utilização
pela população geral, incluindo as gestantes, são acessulfame K, aspartame, sacarina e sucralose.

O consumo de alimentos diet e adoçantes à base de frutose, sorbitol, stévia e ciclamato deve
ser evitado. O uso moderado de edulcorantes é recomentado, visto que não há estudos conclusivos
conduzidos em seres humanos sobre sua segurança no período gestacional (SBD, 2019, REIS; SILVA;
CALDERON, 2011).

Fibras alimentares

Fibra alimentar é definida como a parte indigerível de alimentos de origem vegetal, resistente à
digestão e absorção intestinal, sofrendo fermentação completa ou parcial no intestino grosso. São
classificadas em solúveis (pectinas, gomas, inulina, mucilagens e polissacarídeos) e insolúveis (celulose,
hemicelulose e lignina) (DAI; CHAU, 2017). Determinados tipos de fibras são capazes de diminuir a
glicemia pós-prandial e a resposta insulínica, impedindo ou retardando o desenvolvimento de DM
(DALL’ALBA; AZEVEDO, 2010).

Dietas ricas em fibras alimentares têm sido recomendadas pelas diversas diretrizes no intuito de
promover uma alimentação adequada capaz de reduzir as doenças crônicas não transmissíveis e suas
195
Unidade II

comorbidades. Entre elas, destacam-se dieta do mediterrâneo, dieta DASH (Dietary Approaches to Stop
Hypertension) e dieta vegetariana (ECKEL et al., 2014).

As fibras alimentares apresentam efeitos benéficos sobre homeostase dos níveis séricos de glicose,
perfil lipídico, saciedade, peso corpóreo e fatores de risco para DCV. As fibras solúveis, por exemplo,
atuam por meio do atraso do esvaziamento gástrico e do trânsito do intestino delgado, da diminuição
da difusão de glicose e da acessibilidade da α-amilase ao seu substrato, impedindo o aumento da
glicose pós-prandial e da insulina, com consequente redução da HbA1c. Já as fibras insolúveis são
capazes de auxiliar na redução do peso corpóreo e/ou da circunferência abdominal, visto que promovem
a saciedade por meio de suas propriedades físicas intrínsecas, além de modular a função motora gástrica
e alterar a secreção de hormônios peptídeos intestinais (DALL’ALBA; AZEVEDO, 2010).

O conteúdo de fibras alimentares pode alterar o IG dos alimentos, havendo uma correlação inversa
entre o conteúdo de fibras e o IG dos alimentos em indivíduos hígidos. Os efeitos da ingestão de
alimentos ricos em carboidratos sobre a resistência periférica à insulina e o risco de desenvolvimento
do DM podem ser dependentes não apenas do IG, mas também do tipo de fibra alimentar presente na
dieta (DALL’ALBA; AZEVEDO, 2010).

A recomendação de fibras para pacientes diabéticos não difere daquela definida para a população
geral. Recomenda-se o consumo diário de pelo menos 25 g de fibras totais ou 14 g a cada 1.000 calorias
ingeridas no intuito de auxiliar na prevenção do desenvolvimento de doenças crônicas como o DM, ou
25 g/dia para mulheres e 38 g/dia para homens (ECKEL et al., 2014). As associações canadense e britânica
sugerem a ingestão diária mínima de 20 g/1.000 kcal, ao passo que a Sociedade Brasileira de Cardiologia
recomenda a ingestão diária de, no mínimo, 25 g para o controle lipídico e a prevenção de DCV. Para
mulheres com DMG, recomenda-se o consumo diário de 28 g de fibras (SBD, 2019).

Os alimentos prebióticos também são classificados como fibras solúveis, entretanto, até o momento,
não existe uma recomendação específica. Acredita-se que o consumo diário de, no mínimo, 4 g de
frutooligossacarídeos (FOS) ou inulina já atuaria na melhora da microbiota intestinal (SBD, 2019). Eles
podem ser naturalmente obtidos em alimentos como chicória, cebola, alho, alcachofra, aspargo, cevada,
centeio, grãos de soja, grão-de-bico, tremoço, banana, trigo, tomate, alho-poró, mel, alface, beterraba,
maçã, bardana, triticale e batata yacon (FORTES; MUNIZ, 2009).

Os prebióticos também podem ser utilizados como suplementos alimentares, incrementando


o conteúdo de fibras nos alimentos, sem interferir na viscosidade – característica fundamental para
sua aplicação em fórmulas enterais (FORTES; MUNIZ, 2009). Existem evidências de que as fibras
industrializadas são mais bem toleradas em comparação às fibras advindas dos alimentos (SBD, 2019).

Para evitar e corrigir a constipação intestinal, comumente presente no DMG, o nutricionista deve
estimular a oferta de fibras alimentares associada à ingestão hídrica adequada, considerando-se também
a indicação de alimentos probióticos. Salienta-se que, além da normalização das condições fecais de
constipação, estudos indicam que a suplementação com probióticos em mulheres com DMG auxilia no
controle glicêmico, de triglicérides e nas concentrações de VLDL-c.

196
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Proteínas

A recomendação proteica para indivíduos com DM e função renal preservada não difere daquela
sugerida para a população geral; ou seja, 1 a 1,5 g/kg de peso corporal/dia, o que representa entre
15% e 20% do VET. Essa recomendação também deve ser individualizada, considerando-se os aspectos
inerentes aos pacientes, como diagnóstico, necessidades de crescimento/desenvolvimento e controle
glicêmico (SBD, 2019). Em gestantes com DM, recomenda-se também de 15% a 20% do VET, porém com
um adicional diário de 10 g ou 1,1 g/kg de peso pré-gestacional, com a ingestão total recomendada de
71 g/dia (REIS; SILVA; CALDERON, 2009).

Durante o processo de redução ponderal em pacientes diabéticos com sobrepeso, obesidade e


função renal preservada, sugere-se uma ingestão proteica usual diária de 1,5 a 2 g/kg de peso corporal
(20% a 30% do VET). Em situações específicas envolvendo doença renal (albuminúria e/ou taxa de
filtração glomerular reduzida estimada), recomenda-se um aporte proteico diário de 0,8 g/kg de peso
corporal. Já nas terapias renais substitutivas, as recomendações nutricionais devem ser reajustadas
em detrimento das perdas durante os procedimentos, incluindo proteicas. Tanto a quantidade quanto
a qualidade proteica devem ser adequadas para atender às necessidades de aminoácidos essenciais
(SBD, 2019).

As fontes de aminoácidos essenciais devem ser priorizadas, entre elas, as carnes magras, a soja, os
laticínios desnatados, os queijos e iogurtes de baixo teor lipídico. O consumo de leguminosas, cereais
integrais e frutas oleaginosas também deve ser estimulado. Em pacientes com DM2, observam-se que os
aminoácidos estimulam a secreção de insulina, sem elevar a glicemia pós-prandial. Já em DM1, o efeito
da proteína na glicemia ainda não está elucidado (SBD, 2015).

Lipídeos

A associação entre DM e DCV está bem estabelecida na literatura. Indivíduos com DM possuem
o dobro do risco de óbito por causa cardiovascular em comparação à população geral e, ao sofrerem
algum evento coronariano, possuem maior risco de óbito quando comparados com aqueles sem a
doença (SIQUEIRA; ALMEIDA-PITITTO; FERREIRA, 2007).

O padrão alimentar de diabéticos também constitui um importante fator de risco para DCV,
destacando-se uma dieta com predomínio de ácidos graxos saturados (AGS) e trans (AGT), assim como
carboidrato simples. O mecanismo de ação envolve o aumento de LDL-c, resistência à insulina, pressão
arterial, estresse oxidativo, inflamação e redução dos níveis de HDL-c. Observa-se, nesse sentido, um
aumento do desenvolvimento de placa aterosclerótica e, em consequência, um incremento do risco de
mortalidade precoce (SBD, 2015).

Recomenda-se uma ingestão de gorduras totais entre 20% e 35% do VET, com especial atenção
em relação à qualidade lipídica, porém, sempre considerando as condições clínicas, o perfil lipídico e a
presença de fatores de risco cardiometabólico. Para mulheres com DMG, recomenda-se de 30% a 40%
de gorduras totais (SBD, 2019), com menos de 7% do total de lipídeos na forma de AGS e uma ingestão
diária de colesterol inferior a 200 mg (REIS; SILVA; CALDERON, 2009).
197
Unidade II

Preconiza-se a exclusão de alimentos fontes de AGT, a inclusão de AGMI e AGPI, assim como o
controle no consumo de AGS, priorizando o consumo de carnes magras, leite desnatado e consumo
mínimo de carnes processadas. Um aporte inferior a 10% do total de calorias provenientes dos AGS
deve ser considerado, assim como se deve excluir o consumo de AGT. O colesterol deve integrar o plano
alimentar com menos de 200 mg/dia, e o nutricionista deverá incentivar a sua restrição, respeitando o
limite máximo preconizado (SBD, 2019).

Carnes gordas, manteiga, óleos de coco e dendê, leite integral, bacon, torresmo, linguiça,
salame, presunto, salsicha e mortadela são fontes de AGS. Já a gordura vegetal hidrogenada, as
frituras, as tortas industrializadas, os bolos, os fast-foods, a pipoca de micro-ondas, o sorvete de
massa, os biscoitos salgados, recheados e do tipo waffer são fontes de AGT. As fontes de colesterol
são semelhantes às dos AGS, podendo ser encontrado em grandes quantidades nos crustáceos
(SBD, 2015).

O consumo de ácidos graxos ômega 3 (Ω-3), proveniente de fontes como peixes (ou por meio de
suplementos alimentares), mostra diminuição nos marcadores de riscos cardiovasculares, visto que pode
reduzir a resistência à insulina. Logo, o consumo semanal de duas ou mais porções de peixes, excetuado
em preparações fritas, deve ser recomendado. Recomenda-se 500 mg/dia de Ω-3 (EPA e DHA) para
prevenção primária e de 1 g/dia para prevenção secundária, sendo que outras quantidades podem ser
indicadas pelo nutricionista e/ou médico se necessário (SBD, 2015).

O padrão dietético DASH foi desenvolvido originalmente para redução dos níveis pressóricos
e tratamento de indivíduos hipertensos, entretanto, também tem demonstrado efeitos favoráveis
tanto no controle de DM quanto de síndrome metabólica e diminuição de eventos cardiovasculares
(BARAK et al., 2015). Ele apresenta efeitos positivos que envolvem diminuição da resistência à
insulina, dos marcadores inflamatórios, de estresse oxidativo, melhora do controle glicêmico e do
perfil lipídico e prevenção de macrossomia fetal (ASEMI et al., 2013). Preconiza-se o consumo de
frutas, vegetais, produtos lácteos desnatados, cereais integrais, peixes, aves e nozes, com menor
ingestão de carne vermelha, doces e açúcares. O seu consumo promove o aumento de nutrientes
como potássio, magnésio e cálcio, assim como de fibras alimentares, que contribuem para a
diminuição dos níveis pressóricos, menor risco de DCV e síndrome metabólica (BRESSAN; VIDIGAL,
2014, PIPER et al., 2012).

A dieta DASH consiste em um plano alimentar de baixo custo, flexível, equilibrado e sem
efeitos colaterais (PIPER et al., 2012). Entre os prováveis mecanismos capazes de explicar os efeitos
observados, destacam-se os benefícios relacionados à composição dos alimentos preconizados por
essa dieta, o que resulta em uma alimentação de baixo IG, rica em fibras alimentares e antioxidantes,
como as vitaminas C e A, e com alta ingestão de nitrato inorgânico. Assim, os efeitos protetores
incluem a alteração da capacidade antioxidante, da resposta inflamatória, da função hepática, da
coagulação, da natriurese e da função endotelial (SIERVO et al., 2015; ASEMI et al., 2013).

198
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Observação

A dieta do mediterrâneo e a dieta DASH são aquelas que melhor


representam as características do tipo de alimentação recomendada, visto
que possuem aumento da razão entre ácidos graxos monoinsaturados
e saturados, além de menor percentual de lipídios totais, agindo como
protetoras de eventos cardiovasculares, comumente presentes em diabéticos.

Vitaminas e minerais

A necessidade de vitaminas e minerais de indivíduos diabéticos é semelhante ao recomendado para


a população geral. No caso de gestantes com diabetes mellitus, essas necessidades são semelhantes ao
recomendado para gestantes não diabéticas (SBD, 2019). Uma dieta equilibrada e variada é suficiente
para ofertar as quantidades adequadas desses micronutrientes. O nutricionista deverá realizar uma
avaliação nutricional detalhada para identificar se há perdas excessivas na urina, redução da capacidade
intestinal de absorção e baixa ingestão alimentar, assim como analisar as interações entre drogas e
nutrientes. O uso prolongado de metformina, por exemplo, pode ocasionar déficits de ácido fólico
e vitamina B12, conforme descrito anteriormente, levando a neuropatia diabética.

Para atingir as necessidades diárias dos micronutrientes, recomenda-se a ingestão mínima de


2 a 4 porções de frutas, pelo menos uma rica em vitamina C, e de 3 a 5 porções de hortaliças
cruas e cozidas. Outras fontes importantes incluem as nozes, castanhas e sementes comestíveis.
O nutricionista também deve orientar o consumo variado (tipos e cores) dos vegetais, uma vez que
cada cor corresponde a um perfil nutricional específico. A suplementação polivitamínica e polimineral
pode ser necessária em alguns casos, como em idosos, gestantes, lactentes, vegetarianos restritos,
indivíduos em restrição energética ou de carboidratos (SBD, 2019) e no pré e pós-operatório de
cirurgia metabólica. O nutricionista não deve recomendar a ingestão de suplementos à base de ervas
no DM devido às possíveis interações medicamentosas.

Sódio

O consumo de sódio deve ser limitado a 2.000 mg/dia, equivalente a 5 g/dia de sal de cozinha.
Os indivíduos com DM devem evitar os produtos alimentícios ricos em cloreto de sódio (NaCl) e
em ingredientes fontes de sódio, como conservantes, corantes e acidulantes. Outros alimentos não
recomendados incluem embutidos, conservas, enlatados, defumados, salgados de pacote, macarrão
instantâneo, pipoca para micro-ondas, temperos em cubos ou sachê e molhos prontos.

As informações nutricionais nos rótulos dos produtos diet ou light também devem ser consultadas,
visto que podem conter teores elevados de sódio. Os indivíduos podem se beneficiar com a dieta DASH
por ela considerar a redução no consumo desse nutriente (SBD, 2015).

199
Unidade II

Saiba mais

A dieta DASH é uma recomendação alimentar desenvolvida para


diminuir os níveis pressóricos, sendo recomendada tanto para pacientes
hipertensos quanto diabéticos. Ela potencializa o efeito de orientações
nutricionais para perda de peso, entre outros objetivos, além de reduzir os
biomarcadores de risco cardiovascular.

Para aprofundar-se nesse tema, leia os artigos:

BRESSAN, J.; VIDIGAL, F. C. Dieta na abordagem terapêutica da síndrome


metabólica. Revista da Associação Brasileira de Nutrição, São Paulo, ano 6,
n. 1, p. 55-60, 2014.

ASEMI, Z. et al. A randomized controlled clinical trial investigating the


effect of DASH diet on insulin resistance, inflammation, and oxidative stress
in gestational diabetes. Nutrition, v. 29, n. 4, p. 619-624, 2013.

Bebidas alcoólicas

O nutricionista deve desencorajar o consumo de bebidas alcoólicas, independentemente do tipo de


DM, principalmente no DMG devido ao risco de hipoglicemia materna e da síndrome alcoólica fetal, cujas
consequências oscilam desde sequelas não aparentes até a restrição do crescimento fetal intrauterino e
lactente, com danos graves e irreversíveis. Além disso, as calorias oriundas de bebidas alcoólicas (1 g de
álcool = 7 kcal) são muito mais difíceis de ser metabolizadas pela mãe e pelo feto (PADILHA et al., 2010).

A bebida alcoólica afeta a alimentação e os níveis glicêmicos, com consequente descontrole do DM.
Ela interfere na ação da insulina, dos secretagogos de insulina e do hormônio glucagon, fazendo com
que o risco de hipoglicemia aumente substancialmente. Outros efeitos incluem a redução dos níveis
glicêmicos e da consciência de hipoglicemia.

Recomenda-se que a ingestão diária de álcool para indivíduos com DM seja limitada a uma dose (ou
menos) para mulheres e a duas doses (ou menos) para homens. Além disso, a bebida alcóolica deve ser
ingerida com fonte de carboidrato durante (ou antes) o consumo, com ajuste da dose de insulina ou dos
seus secretagogos. Na vigência de AF, em período noturno, a glicemia deverá ser monitorada durante a
noite e no dia seguinte (SBD, 2019).

Observação

1 dose = 150 mL de vinho (uma taça) ou 360 mL de cerveja (uma lata


pequena) ou 45 mL de destilados (uma dose com dosador-padrão), medida
equivalente a 15 g, em média, de etanol.
200
NUTRIÇÃO CLÍNICA

6.2.2.2.3 Estratégia da contagem de carboidratos

A contagem de carboidratos é uma estratégia nutricional utilizada para integrar o plano alimentar
do indivíduo diabético, sendo imprescindível para adesão terapêutica e melhora do controle metabólico.
Ela baseia-se na quantidade de carboidrato oferecida em cada refeição cuja principal vantagem é o
controle da dose de insulina de acordo com a ingestão alimentar, com consequente redução do risco de
hipoglicemia ou hiperglicemia pós-prandiais (LEAL et al., 2010).

A contagem de carboidratos tem como princípio o fato de que quase 100% dos carboidratos ingeridos
são convertidos em glicose em um tempo que pode oscilar de 15 minutos a 2 horas; ao passo que, no
caso das proteínas, a conversão é em torno de 50% entre 3 e 4 horas; e os lipídios em apenas 10% em,
cerca de, 5 horas ou mais (SBD, 2009), figura a seguir.

Resposta dos alimentos nos níveis glicêmicos


120%

100%

80%

60%

40%

20%

0%
Carboidratos (15min-2h) Proteínas (3-4h) Lipídeos (5h)

Figura 24 – Resposta dos carboidratos, proteínas e lipídeos na glicemia

Daí a importância da contagem de carboidratos, pois são os principais responsáveis pela glicemia
pós-prandial, visto que todos são praticamente convertidos em glicose. Assim, essa estratégia considera a
quantidade total de carboidratos consumidos por refeição, sendo que esse quantitativo deverá obedecer
às necessidades diárias de cada paciente (OLIVEIRA; COELHO, 2012).

O objetivo da contagem de carboidratos é proporcionar ao paciente uma melhor qualidade de vida.


Espera-se que o paciente tenha maior adesão ao plano alimentar, melhore o controle metabólico e evite
as possíveis complicações relacionadas ao DM. Salienta-se que para a implantação dessa estratégia
é fundamental que o paciente saiba ler, escrever e tenha noções de medidas caseiras. Além disso, o
paciente precisa estar motivado a receber as novas orientações nutricionais, disciplinado para aderir ao
novo tratamento e realizar a monitorização glicêmica no domicílio (OLIVEIRA; COELHO, 2012).

Para a aplicabilidade dessa estratégia, somam-se os gramas de carboidratos consumidos nas


refeições cuja informação pode ser obtida por meio das tabelas de alimentos disponibilizadas pela SBD
e rótulo dos alimentos industrializados. Após, ajusta-se a quantidade de insulina de acordo com o
que é consumido (bolus prandial) e com a leitura da glicemia antes das refeições. O método pode ser

201
Unidade II

utilizado por qualquer paciente com DM e, principalmente, por aqueles que fazem terapia intensiva
com múltiplas doses de insulina de ação rápida ou ultrarrápida e, também, em tratamento por meio de
bomba de infusão subcutânea contínua de insulina.

A lista de equivalentes e a contagem em gramas de carboidratos constituem os dois métodos mais


comumente utilizados (SBD, 2009).

No método de substituição, os alimentos são separados em grupos, sendo que em cada grupo
determina-se a quantidade média de carboidratos, o que possibilita a troca entre os alimentos fontes
desse nutriente. Estima-se que uma porção do grupo (cota ou escolha) seja equivalente a 15 g de
carboidratos. Os grupos que integram a pirâmide alimentar são à base das listas de substituições
de equivalentes de carboidratos, divididos em leite e derivados; verduras; frutas; amido; carne; gordura
e doces (COSTA, 2013).

Já no método da contagem por gramas, somam-se os carboidratos de cada refeição, obtendo-se os


valores por meio de tabelas de composição de alimentos e rótulos. Após a determinação do valor de
carboidrato, o paciente pode utilizar qualquer alimento de acordo com sua preferência e realizar a troca
de alimentos pela quantidade de carboidrato estipulada ou, ainda, aumentar o bolus de insulina da
refeição para cobrir a quantidade adicional de carboidrato consumido. O paciente precisa ser orientado
pelo nutricionista para proceder ao ajuste da dosagem de insulina de ação rápida para a utilização
desse método (COSTA et al., 2011). Segundo a SBD (2009), a contagem por gramas de carboidrato possui
informações mais precisas, uma vez que utiliza os alimentos pesados ou medidos, com tabelas e rótulos
como referência, entretanto, demanda maior trabalho em sua utilização.

O nutricionista deve ensinar aos pacientes com DM a estimarem o teor de carboidrato da refeição
por meio de tabelas, rótulos dos alimentos e lista de equivalentes de substituição. Para essa finalidade,
três fases podem ser adotadas no intuito de que o paciente tenha maior adesão ao tratamento e,
consequentemente, resultados melhores no controle metabólico. Na primeira fase, a classificação
do carboidrato e o seu peso na alimentação, bem como a identificação dos alimentos que contêm
esse nutriente, deve ser priorizada, introduzindo-se o conceito da contagem de carboidratos. Na
segunda fase, prioriza-se a relação entre alimentação, tratamento medicamentoso, atividade física e
monitoramento da glicemia para o controle do DM. Na terceira fase, o nutricionista deve orientar os
aspectos relacionados à ação da insulina sobre a quantidade de carboidrato que será consumido a cada
refeição (CUNHA, 2008).

A refeição é planejada de acordo com os hábitos alimentares de cada indivíduo, fracionando-a em


diversas refeições, adaptada aos esquemas de insulinização. Priorizam-se os carboidratos provenientes
de fontes como frutas, vegetais, grãos integrais, legumes e leite, sendo que o consumo de alimentos
contendo sacarose pode ser orientado, desde que o indivíduo com DM tenha treinamento adequado
(COSTA, 2013).

O primeiro passo para a elaboração do plano alimentar consiste no cálculo realizado pelo nutricionista
das necessidades energéticas diárias do paciente em conformidade com a anamnese. Após a determinação
do VET, a quantidade total de carboidratos a ser consumida por dia é calculada, fracionando-se o total
202
NUTRIÇÃO CLÍNICA

em refeições e considerando-se a rotina, os horários e a medicação do paciente. Assim, a quantidade de


carboidratos determinada por refeição é obtida.

Para estabelecer a razão carboidrato versus insulina, utilizam-se algumas regras, a saber: 1 UI de
insulina rápida ou ultrarrápida cobre 15 g ou uma substituição de carboidrato no caso de adultos;
e 1 UI para 20-30 g de carboidratos no caso específico de crianças e adolescente; ou a regra de 500,
onde se dividem 500 pela dose total de insulina/dia (SBD, 2009).

Um exemplo prático: a necessidade energética de um adulto calculada pelo nutricionista foi de


1600 kcal/dia. Considerando-se uma dieta normoglicídica (50% do VET), tem-se que 800 kcal/dia devem
ser provenientes apenas dos carboidratos. Como 1 g de carboidrato fornece 4 kcal, o quantitativo em
gramas desse nutriente para ser distribuído ao longo das refeições é de 200 g (800 ÷ 4). O nutricionista
deverá orientar o fracionamento (5 a 6 refeições) dos carboidratos ao longo do dia. Para calcular a
necessidade de insulina, divide-se a quantidade de carboidratos (g) por 15, visto que 1 UI de insulina
cobre 15 g de carboidratos. Logo, se o desjejum contribuir com 43 g de carboidratos (quadro seguinte),
2,86 UI de insulina; ou seja, 3UI são requeridas.

Quadro 31 – Exemplo de plano alimentar com a contagem de carboidratos

Exemplo de plano alimentar


Pão integral 2 fatias 26 g
Margarina 2 pontas de faca 0g
Desjejum
Leite desnatado c/ café 1 copo duplo 12 g
Açúcar 1 colher de chá 5g
Colação Maçã 1 unidade pequena 14 g
Arroz 6 colheres de sopa 36 g
Feijão 4 colheres de sopa 8g
Frango assado 1 Pedaço médio 0g
Almoço Beterraba 2 colheres de sopa 0g
Cenoura 2 colheres de sopa 0g
Alface 1 folha média 0g
Tomate 1 folha média 0g
Lanche da tarde Vitamina de leite com fruta 1 copo duplo 27 g
Arroz 6 colheres de sopa 36 g
Feijão 4 colheres de sopa 8g
Jantar Carne cozida 1 Pedaço médio 0g
Brócolis 2 colheres de sopa 0g
Abóbora 2 colheres de sopa 0g
Iogurte natural desnatado 1 copo duplo 14 g
Ceia
Banana maçã 2 colheres de sopa 14 g
Total de carboidrato 200 g

203
Unidade II

Em pacientes que possuem controle alimentar exclusivo e/ou em uso de antidiabético oral, o
nutricionista deve estimular a ingestão das mesmas quantidades de carboidratos por refeição, nos
mesmos horários.

Saiba mais

Algumas tabelas são úteis para identificação do IG e da CG, entre elas:

FOSTER-POWELL, K.; HOLT, S. H.; BRAND-MILLER, J. C: International


table of glycemic index and glycemic load values: 2002. Am. J. Clin. Nutr.,
v. 76, p. 5-56, 2002.

USP. Tabelas complementares – resposta glicêmica. São Paulo: USP,


2019. Disponível em: https://cutt.ly/Dbw1daR. Acesso em: 25 abr. 2021.

Na vigência de episódios de hipoglicemia, sugere-se o consumo de 15 g de carboidratos de rápida


absorção para adultos e crianças maiores. Para crianças pequenas, podem ser necessárias quantidades
menores, de 5 g a 10 g de carboidratos, para restabelecer os níveis normais de glicemia. Em termos
de equivalência, 15 g de carboidratos equivalem a água com 1 colher de sopa de açúcar ou 5 torrões,
4 a 6 unidades de jujuba, 1 sachê de glicose.

6.2.2.2.4 Terapia nutricional enteral e parenteral

Os suplementos nutricionais orais especializados no controle glicêmico possuem composição


nutricional semelhante ao das dietas enterais especializadas que contêm menor aporte de carboidratos
totais, com carboidratos de baixo IG e maior conteúdo de fibras alimentares capazes de modular o
metabolismo da glicose, com consequente redução da glicemia pós-prandial. Essas formulações
também apresentam maiores quantidades de AGMI capazes de melhorar o perfil lipídico, reduzir a
glicemia pós‑prandial, a necessidade de insulina, os episódios hipoglicêmicos e a variabilidade glicêmica.
Indica‑se o consumo diário de dois a três suplementos para obtenção dos efeitos almejados, sempre a
critério do nutricionista.

Em relação às indicações da terapia nutricional enteral (TNE) e parenteral (TNP) para os pacientes
diabéticos, devem ser consideradas as mesmas definidas para os demais pacientes sem a doença; nos
casos de risco nutricional (NRS 2002 ≥ 3 pontos) ou desnutrição grave, seguindo-se as diretrizes atuais
de terapia nutricional (SBD, 2019).

A TNE é indicada quando a via oral é contraindicada (ou insuficiente), mesmo mediante a utilização
de suplemento oral e com a função gastrintestinal preservada, quer seja de forma parcial ou integral. Já
a TNP é indicada quando 75% das necessidades nutricionais por via oral ou enteral não são atingidas,
após 5 a 7 dias com doença não crítica ou 3 a 7 dias com doença grave, e mediante a desnutrição proteica
grave e/ou hipoalbuminemia não responsiva à suplementação proteica oral ou enteral (SBD, 2019).

204
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Em se tratando de nutrição enteral, sugere-se o uso de fórmulas especializadas para DM; ou seja,
aquelas que apresentam menor proporção de carboidratos (33% a 40%) e maior conteúdo de AGMI,
AGPI e fibras. Essa indicação se faz necessária, visto que auxilia no controle glicêmico, na redução dos
níveis glicêmicos e da necessidade insulínica (SBD, 2019).

6.2.2.3 Cirurgia metabólica para DM2

A cirurgia metabólica (CM) representa um conjunto de intervenções realizadas no trato digestório


com o intuito de alcançar a melhora ou remissão do DM2 e comorbidades associadas em pacientes
obesos. Nos últimos anos, diversas pesquisas têm observado melhora no controle glicêmico,
redução das comorbidades e dos eventos cardiovasculares após a intervenção cirúrgica (CONSENSO
INTERSOCIETARIO, 2019).

A CM constitui uma boa opção terapêutica para diabéticos tipo 2 com obesidade grau I (IMC
entre 30 e 34,9 kg/m2) que não respondem ao tratamento convencional (dietoterapia, farmacoterapia,
psicoterapia e atividade física) por dois anos ou mais. Ela eleva a sobrevida e melhora a qualidade de
vida, além de reduzir ou eliminar o uso de fármacos em obesos diabéticos (SBCBM, 2017). Os critérios
básicos de seleção dos pacientes elegíveis a CM são pacientes com diagnóstico de DM2 com 2 anos
ou mais de evolução; idade igual ou inferior a 65 anos, exceto em condições especiais recomendadas
pelos médicos; HbA1c>8% por um ano mediante falha da terapia farmacológica isolada ou combinada;
indicação cirúrgica realizada por médico especialista em doenças endócrino-metabólicas, juntamente
com uma equipe cirúrgica devidamente constituída e treinada em CM; IMC entre 30-34,9 kg/m2;
circunferência da cintura >102 cm para homens e >88cm para mulheres; peptídeo C em jejum > 1 ng/dL;
e comprometimento e adesão à preparação e possibilidade de acompanhamento com a equipe
interdisciplinar (CONSENSO INTERSOCIETARIO, 2019).

Os principais mecanismos que explicam a perda de peso após a cirurgia metabólica estão relacionados
à restrição gástrica e à má absorção do intestino delgado. As diversas técnicas utilizadas se diferenciam
quanto ao volume residual do estômago e ao grau de má absorção produzido relacionado ao segmento
de intestino isolado (FLANEBAUM, 1999), porém, a mais utilizada é a gastroplastia com derivação
intestinal em Y de Roux – GDIYR (CONSENSO INTERSOCIETARIO, 2019).

A intervenção cirúrgica está relacionada à modulação da síntese de hormônios gastrintestinais que


desempenham funções relevantes na produção de insulina, com consequente efeito incretina (SBCBM,
2017). A secreção de incretinas promove a sensibilidade à insulina, culminando com o controle glicêmico
(RUBINO et al., 2004).

A remissão do DM2 pode ser parcial, completa ou prolongada. A remissão parcial ocorre quando
a hiperglicemia se encontra inferior aos limites do diagnóstico de DM (HbA1c < 6,5%, e glicemia em
jejum entre 100 mg/dL e 125 mg/dL), sem uso de terapêutica antidiabética, durante pelo menos um
ano. A remissão é completa quando a HbA1c é <6,0% e a glicemia em jejum é < 100 mg/dL, sem uso
de medicação antidiabética, durante pelo menos um ano. A remissão é prolongada na vigência de uma
remissão completa com uma duração de, pelo menos, cinco anos (NUNES et al., 2018).

205
Unidade II

O nutricionista deve identificar os possíveis déficits nutricionais antes da cirurgia metabólica,


incentivar a mudança de maus hábitos alimentares para práticas saudáveis e apropriá-los a uma nova
vida no pós-operatório. Entre as medidas comportamentais, destacam-se a boa mastigação, o consumo
de suplementos nutricionais, a escolha por alimentos proteicos e a priorização por alimentos de baixo
IG e de gordura (MARTINS; SIMÃO, 2017).

Estudo conduzido por Cohen et al. (2020) demonstrou regressão da albuminúria em 82% dos
pacientes que realizaram a cirurgia metabólica pela GDIYR, além do controle e da normalização de
HbA1c, colesterol, triglicérides e pressão arterial. Observou-se, também, redução depois de cinco vezes
das medicações, além da melhora da qualidade de vida.

6.2.2.3.1 Atenção nutricional no pré-operatório de cirurgia metabólica

O nutricionista deve proceder à avaliação nutricional completa, com a investigação da ingestão


alimentar habitual, da presença de sintomas gastrintestinais, do ganho ou perda de peso involuntários,
das possíveis alterações na capacidade funcional, nos compartimentos hídricos, proteicos e gordurosos,
assim como realizar a avaliação antropométrica, clínica e metabólica dos pacientes obesos com DM2
candidatos à cirurgia metabólica.

A perda de peso no pré-operatório é importante para otimizar os resultados da intervenção cirúrgica,


uma vez que possibilita a diminuição do volume hepático, facilita o acesso cirúrgico e reduz o risco de
complicações diversas. Com essa finalidade, o nutricionista deve prescrever uma dieta hipocalórica nas
duas a quatro semanas que antecedem a cirurgia, o que também favorecerá a manutenção de um
controle glicêmico adequado e a preservação da perda de massa magra (ALVES et al., 2019). Logo,
a dieta deverá ser fracionada em 5 a 6 refeições ao dia, além de possuir um adequado aporte de
proteínas, carboidratos complexos, fibras, AGMI e AGPI e exclusão de açúcares simples. A instituição de
suplementação nutricional pode ser necessária a depender do quadro clínico de cada paciente.

O paciente deverá ser atendido por uma equipe multiprofissional (nutricionistas, psicólogos,
psiquiatras, endocrinologistas, cirurgiões, entre outros) no pré-operatório, o que permitirá maior adesão
terapêutica no pré-operatório, com reflexos importantes no pós-operatório. O nutricionista deverá
explicar as implicações nutricionais decorrentes da cirurgia, a evolução dietética no pós-operatório,
a importância da adesão às medidas comportamentais, a necessidade de suplementos proteicos, de
vitaminas e/ou minerais no pós-operatório, assim como esclarecer as eventuais dúvidas dos pacientes.

6.2.2.3.2 Atenção nutricional no pós-operatório de cirurgia metabólica

No pós-operatório de cirurgia metabólica, a abordagem nutricional divide-se em três fases. A evolução


da dieta ocorre gradativamente e de acordo com a aceitação e/ou tolerância de cada paciente.
A consistência dos alimentos e o volume das refeições ocorrem paulatinamente ao longo de 1 a 3 meses.
No pós-operatório imediato ou primeiro dia de pós-operatório (1º DPO), inicia-se a dieta líquida de
prova (50 mL a 100 mL) e, na ausência de alterações gastrintestinais, entre outras queixas, evolui-se a
dieta para líquida completa e, assim, sucessivamente. A ingestão de água, em volumes reduzidos, deve
ser incentivada com o propósito de garantir uma hidratação adequada.
206
NUTRIÇÃO CLÍNICA

O quadro seguinte apresenta as características mais importantes das três fases da dieta no
pós‑operatório de cirurgia metabólica.

Quadro 32 – Principais características das dietas no pós-operatório de cirurgia metabólica

Dieta líquida Dieta sólida cremosa Dieta sólida


Características (1ª fase) (2ª fase) (3ª fase)

Período 2 semanas iniciais de PO 2 a 4 semanas de PO A partir de 2 meses de PO

Iogurte sólido, queijo fresco, Carne picada, almôndegas, ovos


Alimentos Leite, iogurte, sumo de purê de fruta, entre outros, na mexidos, esparregado de legumes, purês
permitidos fruta/néctar, sopa triturada consistência cremosa de fruta, purê de batata etc.
Volume e 100-150 mL em 8 refeições 150-200 mL em 8 refeições Individualizado
fracionamento diárias diárias

PTN: 1,1-1,5 g/kg peso PTN: 1,1-1,5 g/kg peso CHO: 30 g nas refeições principais e 15
referência/dia, podendo referência/dia, podendo chegar g nas intermédias (evitar hipoglicemia)
Principais
recomendações chegar a 2,1 g/kg/dia. a 2,1 g/kg/dia PTN: ingestão adequada e de AVB
CHO – mínimo de 130 g/dia CHO – mínimo de 130 g/dia Fibras: inclusão de alimentos fonte
Preparações batidas (leite Mastigar 10-15 vezes todos os
ou iogurte com fruta Progressão gradual na consistência
alimentos líquidos ou sólidos
Observações ou farinhas lácteas/não dos alimentos (cremosa – picada –
(duração mínima da refeição:
adicionais lácteas) nas refeições fragmentada – normal) e aumento do
20 minutos). Água: 15-30
intermédias e adicionados volume das refeições
minutos antes ou após refeição
carne, peixe ou ovo, à sopa.
1 dose/diária de SNO Atentar para necessidade de
Suplementação Atentar para necessidade de SNO
(hiperproteico) SNO
PO: pós-operatório. PTN: proteína. CHO: carboidrato. AVB: alto valor biológico. SNO: suplemento nutricional oral.

Adaptado de: Alves et al. (2019).

Caso o paciente não siga as orientações nutricionais e o plano dietoterápico prescrito pelo
nutricionista, poderá apresentar complicações, incluindo náuseas, vômitos, alterações da motilidade
intestinal, desidratação, síndrome de dumping, entre outros. Os sinais e sintomas mais frequentes que
podem ocorrer, principalmente, tardiamente são queda de cabelo, unhas quebradiças, anemia, astenia,
cansaço fácil, pele seca, parestesias dos membros inferiores e superiores e, em fases mais graves, declínio
cognitivo. O suplemento polivitamínico e polimineral deve assegurar, no mínimo, 2/3 das necessidades
nutricionais diárias (ALVES et al., 2019).

Algumas estratégias nutricionais para evitar a síndrome de dumping estão descritas a seguir:

• Fazer pequenas refeições ao dia, em maior frequência (5 a 6 vezes).

• Mastigar bem os alimentos (20 a 30 vezes).

• Limitar a quantidade de líquidos durante as refeições.

• Ingerir menos açúcares simples.

207
Unidade II

• Preferir consumir os carboidratos complexos.

• Dar preferência às fibras solúveis.

• Consumir uma quantidade moderada de lipídeos.

• Restringir alimentos sem lactose, se necessário.

• Dar preferência ao consumo de alimentos ricos em proteínas.

• Suplementos com fibras podem ser usados para evitar a hipoglicemia.

Logo, o acompanhamento nutricional no pós-operatório é muito importante, visto que o paciente


poderá sofrer modificações nos seus hábitos alimentares, com ingestão reduzida de alimentos e maior
tempo de mastigação, além de requerer suplementação proteica, polivitamínica e mineral. Será possível
identificar as situações de perda de peso insuficientes ou reganho do excesso de peso, bem como de
carências nutricionais derivadas da própria cirurgia (ROCHA, 2018).

As recomendações para a suplementação nutricional vitamínica e mineral estão descritas no


quadro seguinte.

Quadro 33 – Recomendações para a suplementação nutricional vitamínica e mineral

Vitaminas e minerais Suplementação Observações


Posologia dependente do polivitamínico/mineral
Polivitamínico e mineral 1-2/dia Após 6 meses, pode-se reduzir a dosagem
Proveniente do polivitamínico/mineral e da
Ferro 45-60 mg suplementação adicional
Cálcio 600 mg de citrato de cálcio Deve-se atingir 1200-1500 mg/dia
Vitamina D 3000 UI Titular para níveis terapêuticos
No caso de cirurgias mistas ou mal absortivas:
Suficiente para manter a
Vitamina B12 µg/d ou 1000 µg/sem sublingual;
concentração de vitamina B12 250-350
ou 1000 µg/mês ou 3000 µg/6 meses i.m.
Outros Se necessário Mediante avaliação de rotina
O multivitamínico deve fornecer a dose recomendada de ácido fólico, zinco, cobre, vitamina C e vitaminas
lipossolúveis (A, E, K).

Adaptado de: Alves et al. (2019).

O nutricionista poderá fazer as diversas adaptações alimentares relacionadas ao período


pós‑operatório de cirurgia metabólica para DM2. Apesar de os pacientes apresentarem uma evolução
mais rápida que aqueles submetidos à cirurgia bariátrica com IMC≥ 40kg/m2, algumas sugestões de dieta
no pós-operatório, descritas no capítulo “Terapia nutricional na obesidade e no pré e pós-operatório de
cirurgia bariátrica e metabólica”, podem ser consideradas.

208
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Algumas orientações nutricionais para indivíduos diabéticos estão descritas a seguir, conforme
Haack e Fortes (2017).

• Fazer as refeições em um ambiente tranquilo.

• Mastigar bem os alimentos e comer devagar para saborear cada colherada.

• Realizar várias refeições ao longo do dia, em pequenas quantidades.

• Ingerir de 8 a 10 copos de água por dia.

• Usar óleo vegetal (soja, milho, canola, girassol etc.) em pequenas quantidades, em substituição à
gordura animal (toucinho e banha).

• Evitar frituras e alimentos gordurosos. Preferir alimentos crus, quando não for possível, cozidos,
grelhados e assados.

• Dar preferência às carnes magras e retire a pele de frango, o couro de peixes e a gordura visível
das carnes vermelhas.

• Evitar “beliscar” entre as refeições, pois isso poderá interferir no controle da glicemia.

• Preferir adoçantes que não contenham sódio (sal) em sua composição, tais como sacarina sódica
e ciclamato de sódio. Ler sempre os rótulos dos produtos.

• Usar chás, refrescos, café e leite ao natural, ou seja, sem açúcar, caso não seja possível usar adoçantes.

• Usar os alimentos diet com moderação.

• Utilizar as massas (macarrão, farinhas, angu etc.) e o vegetal C (batatas, mandioca, cará) em
substituição ao arroz.

• Preferir consumir primeiramente a salada, com azeite de oliva extravirgem, para, posteriormente,
ingerir os outros alimentos.

• Utilizar nas refeições os alimentos ricos em fibras – feijão, vegetais e legumes crus, frutas com
casca e bagaço, cereais integrais (arroz, pão e aveia).

• Não consumir: açúcar branco, açúcar mascavo, rapadura, caldo de cana, pudins, tortas, balas,
refrigerantes, mel, melado, doces, bombons, sorvetes, picolés, achocolatados e chocolates,
balas, pirulitos, leite condensado, produtos enlatados, engarrafados ou ensacados que contenham
açúcar, biscoitos doces e recheados, molhos industrializados entre outros.

209
Unidade II

Exemplo de aplicação

Analise o caso clínico e responda a seguir:

L. B., 65 anos de idade, sexo masculino, aposentado, portador de diabetes mellitus tipo 2 (DM2) foi
internado na clínica médica de um hospital público por descompensação glicêmica. Após a avaliação
nutricional, o paciente foi identificado com índice de massa corporal (IMC) de 23,5 kg/m2. De acordo
com a adequação da circunferência do braço (CB), apresentava uma desnutrição leve, a adequação
da circunferência muscular do braço (CMB) também revelou uma desnutrição leve e a dobra cutânea
tricipital (DCT) identificou eutrofia.

Segundo a ectoscopia, L. B. não apresentava sinais visíveis de depleção de tecido adiposo subcutâneo,
porém, com leve depleção de massa muscular, sem edema, ascite, entre outros sinais visíveis de déficits
nutricionais. Referiu apetite aumentado, episódios esporádicos de diarreia, sem outras alterações. Os
exames laboratoriais revelaram ausência de alterações eletrolíticas (sódio, potássio, magnésio e cloro),
sem comprometimento renal (ureia e creatinina normais), com albumina de 2,8g/dL, sem alterações
nos valores hematimétricos e pressóricos, ferritina acima dos parâmetros de normalidade, lipídeos
plasmáticos sem alterações, excetuado triglicérides (180 mg/dL).

Com base no exposto, como deve ser a conduta dietoterápica? Explique.

Resolução

L. B. deverá ser acompanhado pelo nutricionista desde a admissão até a alta hospitalar, havendo a
necessidade de seguimento nutricional contínuo, visto que é diabético, além de idoso.

De acordo com o IMC, L. B. é eutrófico tanto pela classificação da OMS quanto de Lipschitz.
Possui reserva adiposa, apesar de leve depleção muscular que pode ser inerente ao próprio processo
de envelhecimento. A via de alimentação indicada é a oral, contendo as seguintes características:
normocalórica (25 a 30 kcal/kg/dia); hipo a normoglicídica (45% a 60% do VET), com ênfase nos
carboidratos complexos e de baixo índice glicêmico; hiperproteica (15% a 20% do VET); hipo a
normolipídica (20% a 30% do VET), podendo chegar a 35%, sempre priorizando os ácidos graxos
monoinsaturados e poli-insaturados, fontes de EPA e DHA (também para auxiliar na redução de
triglicérides), além de restringir os ácidos graxos saturados e excluir os ácidos graxos trans. As fibras
alimentares (20 g/1000 kcal/dia) também são utilizadas, principalmente as solúveis, para auxílio da
modulação metabólica; entretanto, se o paciente ainda apresentar diarreia, as fibras insolúveis são
mais indicadas, assim como o uso de probióticos. A ingestão fluida de 1 mL/kcal também é indicada,
devendo o aporte ser aumentado na vigência de diarreia. Os episódios esporádicos de diarreia e o
apetite aumentado são consequentes da alteração dos níveis glicêmicos. Os exames alterados de
albumina e ferritina estão relacionados ao processo inflamatório de agudização da doença.

210
NUTRIÇÃO CLÍNICA

6.3 Terapia nutricional nas doenças tireoidianas

As alterações da glândula tireoide, hipotireoidismo e hipertireoidismo provocam diversas repercussões


orgânicas, visto que essa glândula atua na função de órgãos importantes como coração, cérebro, fígado e
rins por meio dos hormônios tireoidianos (HTs), T4 – tiroxina e T3 – tri iodotinonina (GOLDFEDER, 2014,
OLIVEIRA; MALDONADO, 2014).

A glândula tireoide também interfere no crescimento e desenvolvimento de crianças e adolescentes,


na regulação dos ciclos menstruais, na fertilidade, no peso corpóreo, na memória, na concentração, no
humor e no controle emocional, tornando-se essencial o seu adequado funcionamento para garantia da
homeostase orgânica (NUNES, 2003).

A atuação mais importante dos HTs consiste na estimulação metabólica, visto que interferem no
metabolismo das proteínas, dos lipídeos e dos carboidratos, assim como no consumo de oxigênio e na
produção de calor (MEZZOMO; NADAL, 2016).

Para que a síntese e função dos HTs ocorram adequadamente alguns micronutrientes são
imprescindíveis, destacando-se iodo, selênio, zinco cobre, ferro, as vitaminas A e D. Algumas substâncias
oriundas da ingestão de alimentos são capazes de influenciar negativamente no funcionamento da
glândula tireoide, tais como os glicosinolatos, o glúten, as isoflavonas e os flavonoides (MEZZOMO;
NADAL, 2016; GOLDFEDER, 2014).

Diante do exposto, torna-se evidente que a atuação do nutricionista nas afecções tireoidianas é
de suma importância, visto que a maioria das alterações metabólicas e nutricionais pode ser revertida
após o adequado tratamento. Para isso, o nutricionista precisa entender a ação dos diversos nutrientes
e outras substâncias que interferem na relação nutrição e tireoide.

6.3.1 Afecções tireoidianas: hipotireoidismo e hipertireoidismo

6.3.1.1 Hipotireoidismo

O hipotiroidismo é caracterizado por uma deficiência, severa ou moderada, na síntese de HTs


pela glândula tireoide para suprir as funções orgânicas normais. A sua forma mais prevalente é o
hipotireoidismo primário. Este, por sua vez, é causado principalmente pela autodestruição da glândula,
mas também pode ser ocasionado por doença hipotalâmica (hipotireoidismo terciário) ou hipofisária
(hipotireoidismo secundário); denominado de hipotireoidismo central (MEZZOMO; NADAL, 2016,
OLIVEIRA; MALDONADO, 2014, NOGUEIRA et al., 2011).

A deficiência nutricional de iodo constitui a principal causa de hipotiroidismo primário, sendo a


tireoidite autoimune (DAT) ou tireoidite de Hashimoto a manifestação clínica mais comum. Observa‑se,
nessa situação, uma alteração da imunidade mediada pelas células T, o que provoca a destruição
do tecido tireoidiano e o comprometimento da função glandular. O cretinismo endêmico também é
ocasionado pelo consumo inadequado de iodo, assim como o bócio (MEZZOMO; NADAL, 2016, KAWICKA;
REGULSKA-ILOW; REGULSKA-ILOW, 2015).
211
Unidade II

O excesso leve e moderado de iodo (220 µg por 24 horas – mediana de iodo urinário) está associado
à ocorrência mais frequente de hipotireoidismo, principalmente em idosos. O mecanismo exato ainda
não está elucidado na literatura (LIONTIRIS; MAZOKOPAKI, 2017). Sendo assim, tanto o déficit quanto o
excesso de iodo são causas de hipotiroidismo primário (BRENTA et al., 2013).

Em alguns casos, a remoção cirúrgica da glândula ou a terapia de radiação da tireoide se faz


necessária, o que representa outra causa bastante comum dessa afecção tireoidiana. O uso de fármacos
capazes de danificar a glândula e os defeitos genéticos que alteram os HTs também se destaca como
causas do hipotireoidismo (MEZZOMO; NADAL, 2016), como lítio, químicos bociogênicos naturais e
sintéticos, inibidores da tirosina-quinase, interleucina-2 (IL-2) ou interferon-α (IFN-α), entre outros
(BRENTA et al., 2013).

A DAT é a causa mais prevalente do hipotiroidismo. Pode também ser consequente da terapêutica
do hipertiroidismo com cirurgia, radiação com 131-I ou após a utilização de fármacos antitireoidianos.
Outras formas de tireoidite (pós-parto, subaguda, silenciosa ou induzida por citocinas) também podem
ocasionar hipotireoidismo permanente ou transitório (BRENTA et al., 2013).

Entre os pacientes que sofrem de DAT, observa-se uma deficiência de diversos nutrientes, como iodo,
ferro, zinco, cobre, magnésio, potássio, vitaminas do complexo B, vitamina C e vitaminas lipossolúveis (A e D)
(IHNATOWICZ et al., 2020, KAWICKA; REGULSKA-ILOW; REGULSKA-ILOW, 2015).

Observa-se, no hipotireoidismo, redução na taxa de consumo de oxigênio e produção de calor, o


que culmina com uma diminuição na taxa de metabolismo basal (TMB) e, em consequência, ganho de
peso corpóreo, mesmo mediante a inapetência (MEZZOMO; NADAL, 2016). A obesidade é um achado
comum nos pacientes com hipotireoidismo (LIMA, 2007), assim como as suas comorbidades, o que
inclui as dislipidemias, a hipertensão arterial sistêmica, o diabetes mellitus, entre outras. Segundo
Cabral et al. (2009), o hipotireoidismo está associado a maior incidência de doenças cardiovasculares
(DCV) e maior mortalidade.

As manifestações clínicas do hipotireoidismo incluem fadiga, bradicardia, reflexo aquileu lentificado,


rouquidão, sensibilidade ao frio, pele fria, grossa e seca, fraqueza muscular, constipação, letargia,
fala lenta, diminuição da sudorese, edema de pálpebras, facial e periférico, cabelo seco e sem brilho,
palidez de pele, perda de cabelo, dispneia, anorexia, nervosismo, menorragia, surdez, palpitações,
abafamento de bulhas cardíacas, dor precordial, baixa acuidade visual, reprodução comprometida
e memória prejudicada (BRENTA et al., 2013).

Observam-se, na cavidade oral, alterações na formação de dentina, hipoplasia do esmalte, mordida


aberta, atresia maxilar ou mandibular, atraso na erupção dentária e no desenvolvimento radicular,
hipodesenvolvimento da mandíbula, prognatismo maxilar, diastemas, aumento da susceptibilidade à
cárie, doença periodontal e gengivite, hipossalivação, disgeusia, macroglossia e atraso na cicatrização
de feridas (KUBO et al., 2018).

A anemia perniciosa, principalmente de origem autoimune, é outro tipo de anemia associada ao


hipotiroidismo primário, devendo ser considerada no rastreamento da função tiroidiana. Além disso, o
212
NUTRIÇÃO CLÍNICA

hipotiroidismo é uma causa reconhecida de dislipidemia secundária, sendo recomendado que qualquer
indivíduo com LDL-c > 160 mg/dL seja rastreado para essa doença (BRENTA et al., 2013).

As principais manifestações clínicas do hipotireoidismo estão ilustradas na figura seguinte.

Cansaço e fadiga Sonolência Pressão alta

Bradicardia Perda de concentração


e memória

Pele seca Intolerância ao frio

Déficit de audição Constipação

Menstruação Aumento do volume


irregular da tireoide

Ganho de peso Unhas quebradiças Depressão

Figura 25 – Principais manifestações clínicas do hipotireoidismo

Na vigência de achados clínicos e alta probabilidade de hipotiroidismo, indica-se a mensuração


de hormônio estimulante da tireoide (TSH) e T4 livre, assim como a determinação de autoanticorpo
antiperoxidase (ATPO) para definição da presença de autoimunidade tireoidiana no hipotiroidismo
primário (NOGUEIRA et al., 2011).

O hipotireoidismo subclínico (ou doença tireoidiana mínima) ocorre quando os níveis de T4 e T3 estão
dentro dos valores de referência e o TSH encontra-se elevado, entretanto, há ausência na literatura do
nível de TSH específico para o seu diagnóstico. Essa situação pode sinalizar o início de uma falência
da glândula tireoide, principalmente por causa autoimune, bem como ocorrer de forma assintomática
(NOGUEIRA et al., 2011).

Para o tratamento farmacológico do hipotireoidismo, as drogas disponíveis são levotiroxina sódica


(L-T4) e triiodotironina (T3). A absorção do L-T4 é mais rápida e abrange o jejuno e íleo superior, com
pico entre 2 e 4 horas após a sua ingestão. A absorção intestinal da levotiroxina é potencializada com
baixo pH gástrico e em jejum, porém, pode estar reduzida na ausência de jejum. Logo, recomenda-se
que a ingestão da L-T4 ocorra durante o jejum matutino de 30 minutos.

6.3.1.2 Hipertireoidismo

O hipertireoidismo, ao contrário do hipotireoidismo, caracteriza-se pelo excesso de hormônios


tireoidianos, sendo a doença de Graves a sua forma mais comum (60%-80%) caracterizada pela presença
de bócio difuso, tireotoxicose, oftalmopatia infiltrativa e, ocasionalmente, dermopatia infiltrativa
(mixedema pré-tibial) (MAIA; VAISMAN, 2006, ANDRADE, 2001).

213
Unidade II

A doença de Graves é uma doença autoimune também conhecida como doença de Basedow-Graves
ou ainda como bócio difuso tóxico. Ela afeta principalmente as mulheres (5-10:1) entre 40 e 60 anos de
idade e possui como característica principal um sistema imunitário que faz com que a glândula tireoide
se torne hiperativa (NEVES et al., 2008, ANDRADE, 2001).

Outras causas de hipertireoidismo incluem bócio multinodular; tireoidite subaguda; tireoidite


linfocítica; tireoidite pós-parto e ingestão excessiva de HTs como terapêutica de hipotireoidismo ou
como componente de outras medicações (por exemplo, “fórmulas” para emagrecimento).

Observam-se, no hipertireoidismo, sintomas como intolerância ao calor, sudorese, fraqueza


muscular, diarreia, taquicardia, distúrbios psíquicos, tremores nas mãos e exoftalmia (KUBO et al., 2018).
Ansiedade, nervosismo, irritabilidade, fadiga, bócio, insônia, palpitação, taquiarritmias atriais, pele
quente e sedosa, pressão arterial divergente, hiperreflexia, retração palpebral, alterações menstruais,
infertilidade, hiperfagia e hiperdefecação também são comuns em pacientes com hipertireoidismo
(MAIA; VAISMAN, 2006).

Outras alterações incluem as disfunções no metabolismo ósseo, caracterizadas pelas atividades


osteoblástica e osteoclástica elevadas, com consequente aumento da reabsorção óssea. A esfoliação
precoce e acelerada dos dentes decíduos e a erupção prematura dos dentes permanentes é comum em
crianças com hipertireoidismo (KUBO et al., 2018). Alterações comportamentais são mais frequentes
em crianças em comparação aos adultos, como irritabilidade, nervosismo, alteração de conduta,
intranquilidade e redução do rendimento escolar. Observa-se, também, aumento da idade estatural
e da maturação esquelética em mais da metade dos pacientes, sem repercussão na estatura final.
Transtornos oculares estão presentes na maioria dos casos, entretanto, com menor gravidade que nos
adultos (SANDRINI et al., 2001).

Devido à elevada TMB, pacientes com hipertireoidismo comumente apresentam a perda de peso
involuntária, mesmo mediante uma ingestão energética aumentada. Essa perda de peso ocorre à custa
de gordura e proteínas, sendo a depleção de massa magra bastante evidente, principalmente, devido
à redução na síntese proteica, ao aumento na sua degradação, ou a uma combinação dos dois fatores
(KUBO et al., 2018, SANTOS et al., 2002). Apenas 10% dos jovens podem apresentar ganho de peso
devido ao aumento do apetite e ingestão energética superior às necessidades nutricionais.

O hipertireoidismo também altera o metabolismo mineral e conduz à hiperfosfatemia devido,


principalmente, ao aumento da reabsorção óssea, o que culmina com hipercalcemia, hipoparatireoidismo
e aumento da reabsorção tubular de fósforo. As alterações ósseas mais comuns são osteodistrofia fibrosa,
osteoporose e osteomalácia (RIBEIRO et al., 2003).

O diagnóstico do hipertireoidismo, na maioria dos casos, se baseia nos achados de história clínica
e exame físico. Na presença de T3 e T4 total e T4 livre aumentados, associados a valores suprimidos de
TSH, confirma-se o diagnóstico (SANDRINI et al., 2001). O hipertireoidismo subclínico consiste numa
alteração tireoidiana em que os níveis de T3 e T4 estão normais e o nível de TSH está abaixo do valor de
referência, porém, o paciente é assintomático.

214
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Atualmente, três abordagens terapêuticas são utilizadas: drogas antitireoidianas, cirurgia e iodo
radioativo (131I). A remoção cirúrgica de parte da tireoide e a administração de medicamentos que
bloqueiam a captação do iodo (Propiltiouracil e Metimazol) também constituem outras formas de
tratamento. Entretanto, ressalta-se que a remoção cirúrgica e a iodoterapia podem levar o paciente
a um quadro clínico de hipotireoidismo, tornando-se imprescindível a reposição hormonal (SANTOS
et al., 2012).

O quadro seguinte descreve as principais manifestações clínicas do hipertireoidismo e da


doença de Graves.

Quadro 34 – Manifestações clínicas de hipertireoidismo e doença de Graves

Manifestações de hipertireoidismo
Hiperatividade, irritabilidade Taquicardia sinusal, fibrilação auricular
Insônia, palpitações, prurido Tremor fino, hipercinesia, hiperreflexia
Intolerância ao calor, hipersudorese Eritema palmar, onicólise
Fadiga, fraqueza, dispneia Queda de cabelo
Aumento do trânsito intestinal Fraqueza muscular
Sede, poliuria, perda da libido Insuficiência cardíaca congestiva
Perda de peso, aumento do apetite Coreia, paralisia periódica
Oligomenorreia ou amenorreia Psicose
Manifestações da doença de Graves
Bócio difuso Dor ou pressão retrobulbar, quemose
Dermopatia localizada Retração palpebral, edema periorbitário
Hiperplasia linfoide Exoftalmia, queratite de exposição
Acropatia tireoidiana Disfunção muscular extraocular
Oftalmopatia Neuropatia ótica

Adaptado de: Neves et al. (2008).

6.3.2 Terapia nutricional no hipotireoidismo e hipertireoidismo

6.3.2.1 Intervenção nutricional no hipotireoidismo

A terapia nutricional no hipotireoidismo tem como objetivos promover a perda de peso, com
preservação da massa magra (sobrepeso e obesidade) e/ou manter o peso corpóreo adequado; corrigir
as carências nutricionais como, por exemplo, a anemia ferropriva (ferro), perniciosa (vitamina B12) e
megaloblástica (ácido fólico e vitamina B12); prevenir e/ou corrigir as alterações lipídicas comumente
presentes nesses pacientes; ou seja, as dislipidemias; prevenir as doenças coronarianas; promover o
equilíbrio do trato gastrintestinal, incluindo a correção da constipação; tratar o estado inflamatório;
favorecer a adequada atividade da glândula tireoidiana e melhorar a qualidade de vida.

215
Unidade II

No hipotireoidismo, a taxa metabólica de repouso (TMR) diminui devido à redução da função


da tireoide e, em consequência, os indivíduos cursam com ganho ponderal resultante do consumo
energético excessivo. Logo, o VET deve ser adequado para promover a perda de peso e/ou a manutenção
do peso adequado, considerando-se o estilo de vida, incluindo a prática regular de atividade física
(IHNATOWICZ, 2020). Observa-se uma TMB 15% a 40% mais lenta, principalmente no paciente que não
está sendo tratado (ESCOTT-STUMP, 2011).

Em crianças, observa-se uma ingestão energética insuficiente que, por sua vez, intensifica a
deficiência de iodo, com danos à glândula tireoide. No entanto, em pacientes com doença de Hashimoto
e desnutrição proteico-energética, os níveis elevados de TSH podem ser mais frequentes do que em
pacientes bem nutridos, o que resulta da adaptação natural do corpo em resposta à deficiência de
proteína e energia (IHNATOWICZ, 2020).

O aporte energético deve ser suficiente para a obtenção e/ou manutenção de um peso corpóreo
adequado (LEÃO; GOMES, 2014), sendo que o nutricionista poderá utilizar a fórmula (ou regra) de
bolso. Para perda de peso, recomenda-se de 20 a 25 kcal/kg/dia e, para manutenção ponderal, entre
25 e 30 kcal/kg/dia.

Para elevar a termogênese induzida pela dieta, recomenda-se uma dieta normoproteica (0,8 a 1,0 g/kg/dia)
a hiperproteica (1,1 a 1,5 g/kg/dia) (LEÃO; GOMES, 2014). Além disso, a tirosina integra a estrutura
química dos HTs, o que comprova a importante participação da proteína para adequado funcionamento
da glândula tireoide.

Em relação aos carboidratos, a dieta pode ser normoglicídica (50% a 60% do VET) e normolipídica
(30% do VET), com atenção especial à qualidade lipídica, priorizando-se os ácidos graxos monoinsaturados
e poli-insaturados, com exclusão dos ácidos graxos trans e restrição dos ácidos graxos saturados.

O hipotireoidismo pode ocasionar alterações gastrintestinais, destacando-se a constipação intestinal,


o que reforça atenção especial em relação ao aporte fluido e à ingestão adequada de fibras alimentares
(IHNATOWICZ, 2020, MORAIS; MAFFEI, 2000) e de alimentos laxantes.

O uso de alimentos laxantes se torna crucial para tratar a constipação intestinal, destacando-se
abacaxi, ameixa, alface, agrião, quiabo, cenoura crua, beterraba crua, mamão, laranja, cereais integrais
etc. (LEÃO; GOMES, 2014).

A ingestão de fibra alimentar continua sendo imprescindível na prevenção e no tratamento da


constipação. Destaca-se, nesse sentido, a fibra insolúvel que, como a fibra solúvel, também possui
um papel fundamental na prevenção de outras enfermidades, tanto do tubo digestório quanto extra
digestório. O psyllium, a goma guar e a pectina são constituídas praticamente de fibra solúvel, ao passo
que o farelo de trigo contém predomínio de fibra insolúvel (MORAIS; MAFFEI, 2000). Recomenda-se o
consumo mínimo de 25 g/dia de fibra alimentar.

Evidências apontam que o uso de aveia contendo uma quantidade apreciável de fibra solúvel,
particularmente, de beta-glucana, também seria útil para influenciar os diversos parâmetros metabólicos,
216
NUTRIÇÃO CLÍNICA

como regulação do metabolismo da glicose, melhora da sensibilidade à insulina, controle dos lipídeos
plasmáticos, modulação da microbiota intestinal, entre outros efeitos benéficos (IHNATOWICZ, 2020).

Boilesen et al. (2017) descrevem alguns estudos que abordam o papel da ingestão de água para o
tratamento da constipação. Adultos constipados que consumiam 2000 mL/dia de água apresentaram
aumento significativo na frequência evacuatória e redução no uso de laxantes. Em idosos constipados,
constatou-se uma associação entre maior consumo de líquidos e fibra alimentar com melhora da
obstipação, bem como menor necessidade do uso de laxantes. Entretanto, nessa situação, não foi possível
discriminar se o efeito positivo ocorreu devido ao maior consumo de líquidos ou de fibra alimentar ou
ao efeito sinérgico dessas duas intervenções nutricionais. Em crianças e adolescentes, observou-se que
o menor consumo de água está associado ao maior risco de constipação intestinal. Leão e Gomes (2014)
recomendam uma ingestão fluida diária de 1000 mL a 2000 mL.

O iodo é imprescindível para a manutenção das funções orgânicas, o que inclui o adequado
funcionamento da glândula tireoide. Em gestantes, o iodo auxilia no desenvolvimento do sistema nervoso
fetal, aumentado a demanda desse nutriente por mulheres grávidas em 30% (IHNATOWICZ, 2020,
VELASCO; BATH; RAYMAN, 2018). É essencial para a iodação dos resíduos de tirosina e síntese de T4 e T3.

O iodo está amplamente distribuído na natureza tanto em substâncias orgânicas quanto inorgânicas,
porém em quantidades muito reduzidas. O nível de iodo na água reflete o teor de iodo das rochas,
dos solos e das plantas comestíveis, logo, a única fonte de iodo para os humanos é a alimentação
(MEZZOMO; NADAL, 2016). As principais fontes, além do sal iodado, incluem os frutos do mar (ostras,
moluscos, mariscos e peixes de água salgada), o leite e seus derivados (desde que oriundos de animais
que tenham pastado em solos ricos em iodo ou alimentados com rações que contenham o nutriente), a
castanha do Brasil, o pão e os vegetais oriundos de solos ricos em iodo.

Observação

Pacientes com hipotireoidismo que estão seguindo uma dieta


hipossódica por mais de dois meses devem receber outras fontes de iodo
no intuito de prevenir uma possível carência desse mineral.

O déficit de iodo ocasiona bócio e a sua excessiva ingestão pode enfraquecer a função tireoidiana e
promover o efeito Wolff-Chaikoff (diminuição de HTs devido à elevada ingestão de iodo). Esse fenômeno
ocorre pela redução da função tireoidiana em resposta à absorção de grande quantidade de iodo após
sua ingestão. Posteriormente, a síntese de T4 e T3 se normaliza no decorrer de diversos dias, porém, em
determinados pacientes, isso não ocorre, culminando com hipotireoidismo persistente (IHNATOWICZ,
2020, GOLDFEDER, 2014).

A recomendação de iodo é de 150 µg/dia para adultos, 220 µg/dia para gestantes e 290 µg/dia
para lactantes. A OMS recomenda, no mínimo, 75 µg de iodo ao dia, o que corresponde a 10 g de sal
iodado (MEZZOMO; NADAL, 2016). Mulheres grávidas devem consumir 250 μg de iodo por dia, enquanto
crianças com mais de 12 anos de idade e adultos, 150 μg/dia de iodo (IHNATOWICZ, 2020, LIONTIRIS;
217
Unidade II

MAZOKOPAKI, 2017). O problema da deficiência de iodo em muitos países foi solucionado por meio de
programas de sal iodado (SI), e hoje em dia cerca de dois terços da população mundial (71%) usa SI
(LIONTIRIS; MAZOKOPAKI, 2017).

O iodo em excesso possui toxidade celular, podendo ocasionar danos e apoptose ou necrose. Isso
se deve ao possível efeito de oxidação do iodo, assim como o estresse oxidativo, o que pode levar à
destruição progressiva e atrofia do tecido. Os efeitos excessivos e tóxicos do iodo provocam danos
à tireoide e estimula os processos autoimunes. Entretanto, esse efeito é inibido pela adequada ingestão
de selênio (IHNATOWICZ, 2020).

Lembrete

Em pacientes com hipotireoidismo, uma dieta precária em iodo,


30 a 50 μg/dia por 7 a 14 dias, deve ser prescrita pelo nutricionista antes de
o paciente realizar a terapia com iodo radioativo (131I).

O selênio desempenha um papel crucial na regulação da função tireoidiana e da homeostase de


HTs. Ele atua por meio da ação de selenoproteínas, em que se incorpora como selenocisteína e, por
último, protege a glândula tireoidiana dos danos ocasionados pela excessiva exposição de iodeto
(STUSS; MICHALSKA-KASICZAK; SEWERYNEK, 2017, MEZZOMO; NADAL, 2016).

O selênio é imprescindível para os mecanismos antioxidantes, para o sistema imunitário, além


de participar ativamente da homeostase da glândula tireoide. Para a enzima 5’D hepática converter
a T4 em T3r (T3 reverso) ou em T3 ativo, necessita-se de selênio. Se há deficiência de selênio, a
atividade das deiodinases será prejudicada (LIONTIRIS; MAZOKOPAKI, 2017, MEZZOMO; NADAL,
2016). O selênio também bloqueia a secreção de citocinas inflamatórias. O cogumelo Agaricus
é uma fonte de selênio, glutationa e vitamina D, assim como peixes oleosos e frutos do mar
(IHNATOWICZ, 2020).

Antes do início da suplementação de selênio, torna-se obrigatória a normalização do


fornecimento de iodo nas regiões com deficiência grave desse nutriente associada à deficiência de
selênio no intuito de impedir o desenvolvimento do hipotireoidismo (MEZZOMO; NADAL, 2016).

A ingestão de 300 µg/dia de selênio pode ter efeito tóxico sobre o fator de crescimento
semelhante à insulina (IGF-1), bem como na síntese de HTs. Entre os principais efeitos adversos,
destacam-se anorexia, diarreia, depressão, hemorragia hepática, necrose renal, cegueira, ataxia,
distúrbios respiratórios, dermatite e deficiências no sistema nervoso central. A quantidade de
selênio recomendada para adultos é de 55 µg/dia. Já para gestantes e lactantes de 60 e 70 µg/dia,
respectivamente (MEZZOMO; NADAL, 2016). O UL é de 400 µg/dia (INSTITUTE OF MEDICINE OF THE
NATIONAL ACADEMIES PRESS, 2006).

As principais fontes de selênio são as carnes, os pescados (atum e sardinha, principalmente),


frutos do mar e a castanha do Brasil. A concentração de selênio nas castanhas oscila de acordo
218
NUTRIÇÃO CLÍNICA

com a capacidade de absorção da árvore e a composição do solo. A concentração média de selênio


em uma unidade média de castanha do Brasil é de 27,4 µg; logo, o consumo de duas unidades
diárias é suficiente para alcançar as recomendações. O feijão-preto e a farinha de trigo integral
também possuem quantidades apreciáveis de selênio (MEZZOMO; NADAL, 2016).

O ferro é um nutriente necessário à síntese dos HTs, sua deficiência bloqueia a atividade da
enzima peroxidase tireoidiana (TPO), para a qual o ferro é fundamental. Como resultado, ocorre
uma redução na síntese de HTs, bem como um aumento no nível de TSH e no volume da glândula.
A anemia ferropriva pode aumentar o risco de surgimento da doença tireoidiana, e a adequação
da ingestão do ferro, na presença de deficiência, é capaz de melhorar substancialmente o
funcionamento tireoidiano (IHNATOWICZ, 2020).

A deficiência de ferro é encontrada frequentemente no hipotireoidismo de Hashimoto,


evoluindo para anemia ferropriva associada à doença celíaca que ocorre de forma concomitante,
o que leva a má absorção de outros minerais (IHNATOWICZ, 2020). Os alimentos mais ricos em
ferro heme são de origem animal como carnes vermelhas e mariscos; de ferro não heme, nozes,
feijões e hortaliças. Na presença de zinco, a biodisponibilidade de ferro é reduzida e, na presença
de vitamina C, elevada. Por meio de uma alimentação variada e equilibrada, facilmente se atingem
as recomendações nutricionais de ferro.

O cobre atua como elemento ativo redox na manutenção da atividade tireoidiana e na regulação
do metabolismo lipídico, sendo primordial na síntese de fosfolipídios para a estimulação do TSH
que, por sua vez, estimula a síntese de tirotropina segregada pela adeno-hipófise. Ele estimula a
síntese de T4, impede a sua absorção excessiva e pode agir como antioxidante e pró-oxidante.

A ingestão recomendada de cobre para adultos é de 900 μg/dia e para gestantes e lactantes,
1000/1300 μg/dia. O UL para adultos é de 10000 μg/dia. Mariscos, vísceras e carnes são alimentos
fonte de cobre, além de grãos de cereais e leguminosas. Na presença de ferro, a biodisponibilidade de
cobre é diminuída. Entretanto, as recomendações nutricionais de cobre são pequenas e facilmente
supridas por uma alimentação diversificada e equilibrada.

O zinco está envolvido na síntese de HTs, e sua deficiência culmina com distúrbios da glândula
tireoide, assim como aumento dos anticorpos contra antígenos da tireoide. Na vigência da
deficiência de zinco, os pacientes com hipotireoidismo podem apresentar perda de cabelo, que
será corrigida após normalização do status de zinco. Indivíduos com níveis de zinco eritrocitário
inferior a 12 mg/L podem reverter esse quadro. As principais fontes são sementes de abóbora,
sementes de linhaça, cereais integrais, como pão integral, painço e trigo sarraceno (IHNATOWICZ,
2020), carnes, e pescados, castanhas e nozes. A recomendação de zinco é de 15 mg/dia (MEZZOMO;
NADAL, 2016).

A deficiência de magnésio está associada a um maior risco de muitas doenças e sua progressão.
Ele possui atividade anti-inflamatória, incluindo redução do nível de proteína C reativa (PCR) e o
nível de anticorpos contra tireoglobulina. A deficiência de magnésio aumenta o risco de desenvolver

219
Unidade II

a doença de Hashimoto e, em pacientes, pode exacerbar os sintomas da doença como resultado de


distúrbios do sistema imunitário (IHNATOWICZ, 2020).

O cloro compete com o iodo, interferindo na sua absorção. Os pacientes com hipotireoidismo
precisam ter especial atenção, por exemplo, em alimentos contendo sucralose, visto que possui três
átomos de cloro em sua estrutura.

Outros nutrientes que competem com o iodo são o flúor e o bromo, uma vez que possuem
as mesmas vias de absorção. Logo, a absorção de mais flúor e de mais bromo representa menos
absorção de iodo, o que pode comprometer o funcionamento adequado da glândula tireoide.

Os pacientes precisam evitar alimentos e outros produtos contendo flúor (uso diário e constante
de água fluoretada, creme dental contendo flúor etc.) e bromo (usado em padarias com o objetivo de
deixar o pão mais aerado). Enfim, todos esses nutrientes, flúor, bromo e cloro, podem ser absorvidos
pelo organismo em preferência ao iodo, o que prejudica a absorção e, em consequência, altera o
processo metabólico.

A vitamina A é essencial na síntese de tireoglobulina e na captação de iodo pela glândula


tireoidiana. O hipotireoidismo pode ser ocasionado por uma alimentação com precária quantidade
de vitamina A e iodo. A ingestão recomendada de vitamina A é de 700 µg/dia e 900 µg/dia para as
mulheres e para os homens, respectivamente, sendo que essas necessidades aumentam no período
gestacional e na lactação. O UL para adultos é de 3000 µg/dia. A vitamina A está presente em óleo
de fígado de bacalhau, cereais fortificados, gema de ovo, fígado de animais, leite e produtos lácteos
(IHNATOWICZ, 2020).

A deficiência de vitamina D predomina em indivíduos com doença autoimune tireoidiana,


culminando com um risco elevado para a disfunção tireoidiana. A ingestão recomendada é de 5 μg/dia
e 10 μg/dia para adultos entre 20 e 50 anos e para adultos com idade superior a 50 anos,
respectivamente. O UL para adultos é de 100 μg/dia. As fontes alimentares de vitamina D incluem
óleo de fígado de bacalhau, salmão, gema de ovo, peixes e moluscos, manteiga, margarinas, leite e
produtos lácteos e cereais fortificados (IHNATOWICZ, 2020).

A soja tem gerado grande preocupação em relação à função da glândula tireoide. Há evidência
de que pacientes com hipotireoidismo subclínico possuem risco três vezes maior de desenvolver
hipotireoidismo mediante a suplementação de 16 mg/dia de fitoestrógenos da soja (MEZZOMO;
NADAL, 2016).

Observou-se também que bebês alimentados com fórmula de soja apresentaram altos níveis de
TSH em comparação àqueles alimentados com fórmula isenta de soja. Além disso, constatou-se o
desenvolvimento de bócio em bebês alimentados com fórmula à base de soja e posterior regressão por
meio de substituição da fórmula para o leite de vaca ou dietas suplementadas com iodo (MEZZOMO;
NADAL, 2016).

220
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Alguns estudiosos apontam que as isoflavonas da soja atuam como agentes antitireoidianos por
meio da inibição da TPO, entretanto outros pesquisadores acreditam que as isoflavonas não exercem
esse efeito, mas alguma outra substância presente na soja. Cabe ressaltar que o consumo de soja
após a ingestão de L-tiroxina reduz a absorção do medicamento, o que prejudica o tratamento do
hipotireoidismo. Os efeitos antitireoidianos da soja parecem ser minimizados com uma ingestão
adequada de iodo (GOLDFEDER, 2014).

Os flavonoides podem interferir no metabolismo dos HTs in vitro por meio da redução das
concentrações séricas de T4 e inibição da conversão de T4 para T3 e da depuração metabólica de T3r pelo
selênio. O inibidor mais ativo da atividade da 5’D é a luteína (flavonoide natural), sendo que a quercetina
e a miricetina também possuem atividade inibitória in vitro (GOLDFEDER, 2014).

Catequinas e flavonoides são substâncias encontradas abundantemente no chá verde (catequinas


e flavonoide) e reduzem as atividades de TPO, da 5’D e dos níveis de T3 e T4, juntamente com aumento
de TSH (MEZZOMO; NADAL, 2016). Recomenda-se muita cautela em relação ao uso de chá verde por
indivíduos com hipotireoidismo, principalmente devido à sua utilização indiscriminada para obtenção
da perda de peso (efeito termogênico).

Pacientes com hipotireoidismo devem, obrigatoriamente, submeter à cocção as brássicas (repolho,


couve, nabo, couve-de-bruxelas, couve-flor, aipim, brócolis, soja), pois aumentam os efeitos colaterais
dos medicamentos antitireoidianos e contêm substâncias bociogênicas que bloqueiam a captação de
iodo pela glândula tireoidiana (GOLDFEDER, 2014, LEÃO; GOMES, 2014). Cuidado especial deve ser
dispendido ao uso constante e indiscriminado de suco verde por esses pacientes.

Lembrete

As brássicas (cruas) são fontes de glicosinolatos que interagem


com mirosinase, enzima que catalisa a formação do tiocianato e
isotiocianato. Estes competem com iodeto, prejudicando a síntese de HTs.
A solução é a cocção.

A intolerância à lactose está presente em cerca de 76% dos pacientes com hipotireoidismo.
Pacientes em uso de levotiroxina precisam de cuidado adicional, visto que a intolerância à lactose reduz
a biodisponibilidade da droga e impõe o uso de altas doses (IHNATOWICZ, 2020).

O glúten possui associação com as doenças autoimunes, incluindo tireoidite de Hashimoto. Existem
reações cruzadas entre gliadina e antígenos da tireoide. Logo, a doença celíaca entre os pacientes com
tireoidite de Hashimoto é cerca de 10 vezes mais frequente do que na população saudável. Se houver
suspeita de doença celíaca, um teste diagnóstico deve ser realizado sob a direção de um médico antes
de o nutricionista prescrever a dieta sem glúten para não implicar em resultados falsos negativos
(IHNATOWICZ, 2020). Uma vez comprovada a doença celíaca, o nutricionista deverá prescrever a dieta
isenta de glúten e proceder às orientações necessárias.

221
Unidade II

6.3.2.2 Intervenção nutricional no hipertireoidismo

A terapia nutricional no hipertireoidismo tem como objetivos promover a adequação do peso


corpóreo; prevenir e/ou tratar as complicações específicas da doença, incluindo a perda de peso
involuntária e a desmineralização óssea; repor as reservas de glicogênio; corrigir a anemia nutricional
e o balanço nitrogenado negativo; repor as perdas oriundas de diarreia, diaforese e aumento da
frequência respiratória; monitorar a intolerância à gordura e a esteatorreia; promover a restrição de
sódio e líquidos na presença de exoftalmia; favorecer a adequada atividade da glândula tireoidiana e
melhorar a qualidade de vida.

As necessidades energéticas de pacientes com hipertireoidismo podem estar elevadas entre 10% e
30% (casos mais brandos) até 50% e 60% (ESCOTT-STUMP, 2011). Recomenda-se uma dieta hipercalórica
(30 a 40 kcal/kg/dia) para contemplar as necessidades energéticas e promover o ganho de peso corpóreo
(LEÃO; GOMES, 2014).

O excesso de carboidratos, principalmente de açúcares simples, deve ser evitado, visto que está
implicado no surgimento de hipertrigliceridemia (LEÃO; GOMES, 2014). Logo, torna-se prudente uma
oferta de 50% a 60% do VET da dieta proveniente de carboidratos.

Indica-se uma hiperproteica, entre 1,1 e 1,75 g/kg/dia (LEÃO; GOMES, 2014, ESCOTT-STUMP, 2011)
para correção do balanço nitrogenado negativo, comumente presente nesses pacientes. A tirosina é um
aminoácido integrante da estrutura química dos HTs, o que também enfatiza a participação primordial
da proteína para o adequado funcionamento da tireoide.

A ingestão fluida diária entre 3 e 4 litros é necessária para repor as perdas provenientes da diaforese
e diarreia, salvo se contraindicado (por exemplo, enfermidades renais e/ou cardíacas) (LEÃO; GOMES,
2014, ESCOTT-STUMP, 2011).

Devem-se priorizar as fontes alimentares naturais dos seguintes micronutrientes: cálcio e vitamina
D (evitar ou corrigir as desordens ósseas, como osteoporose); ferro (evitar e/ou corrigir a anemia
ferropriva); vitaminas A e C (precursoras do colágeno e antioxidantes), sendo que o ácido ascórbico
também auxilia na melhor absorção do ferro não heme; fibra solúvel (prevenir e/ou tratar a diarreia e
reduzir os triglicérides plasmáticos); vitaminas B1, B2 e B3 (favorecem a oxidação dos nutrientes na oferta
de energia) (LEÃO; GOMES, 2014), além de vitaminas B6 e B12.

A dieta deve conter 950 mL/dia de leite (ou equivalente) para suprir as necessidades de cálcio,
fósforo e vitamina D. Além disso, sugere-se suplementar a dieta com polivitamínico/polimineral para
níveis adequados de vitaminas do complexo B, vitaminas A e C, sempre monitorando o conteúdo de
iodo (ESCOTT-STUMP, 2011).

O excesso de sal e alimentos ricos em sódio deve ser evitado, principalmente na vigência de mixedema
e exoftalmia pela retenção de fluidos (LEÃO; GOMES, 2014). O iodo deve ser sempre monitorado em
qualquer alimento e suplemento utilizado, visto que o consumo crônico (> 500 µg/L) desse nutriente
pode ocasionar diversos efeitos adversos (ESCOTT-STUMP, 2011).
222
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Devem-se evitar (ou excluir) alimentos contendo cafeína porque agravam a excitabilidade e o
nervosismo (ESCOTT-STUMP, 2011), bem como alimentos ricos em fibras insolúveis e bebidas alcóolicas
(LEÃO; GOMES, 2014).

Pacientes com hipertireoidismo devem, obrigatoriamente, submeter à cocção repolho, couve, nabo,
couve-de-bruxelas, couve-flor, aipim, brócolis, soja, amendoim. Esses alimentos são considerados
bociogênicos naturais crus, pois aumentam os efeitos colaterais dos medicamentos antitireoidianos. A
cocção é capaz de eliminar esse efeito por inativação das substâncias bociogênicas (LEÃO; GOMES, 2014,
ESCOTT-STUMP, 2011).

As recomendações nutricionais para uma dieta pobre em iodo estão descritas no quadro seguinte.

Quadro 35 – Recomendações para dieta pobre em iodo

Alimentos Permitidos Não permitidos


Sal iodado, batata frita
Sal Sal não iodado industrializada, salgadinhos
Peixes e frutos Peixes, frutos do mar, algas, camarão,
Peixes de água doce
do mar ostras e mariscos
Leite, sorvete, queijo, requeijão, iogurte, leite
Laticínios Leite em pó desnatado, margarina sem sal de soja, tofu
Carne defumada, carne de sol, caldo de carne,
Carnes Carnes frescas, com moderação presunto, embutidos, bacon
Ovos e molhos Clara de ovo, óleo, azeite, vinagre Gema de ovo, maionese, molho de soja
Frutas frescas e sucos, frutas secas sem sal Frutas enlatadas ou em calda,
Frutas (amendoim, nozes, castanhas) frutas secas salgadas
Alface, batata sem casca, beterraba, brócolis,
Vegetais cebola, cogumelo fresco, couve, ervilha, Enlatados, agrião, aipo, couve-de-bruxelas
espinafre, pepino, tomate, repolho
Pães caseiros preparados com sal sem iodo, Pães industrializados, pizza, cereais
Pães, massas, arroz, feijão, milho in natura e farinha, todos
cereais e grãos preparados com sal sem iodo industrializados, feijão vermelho

Doces com gema de ovo, chocolate e leite,


Doces Açúcar, geleia, mel e bala (exceto as vermelhas) sorvetes, pudins
Bebidas Água, café de filtro e sucos naturais Café solúvel, bebidas lácteas, leite em pó

Adaptado de: Goldfeder (2014).

Exemplo de aplicação

Analise o caso clínico e responda a seguir.

D. M. R., sexo feminino, 49 anos de idade, procurou o endocrinologista com queixa de cansaço,
sonolência excessiva, aumento involuntário de ganho ponderal nos últimos anos (apresenta-se com
obesidade grau I), raciocínio lento, dores articulares e constipação crônica. Além disso, referiu unhas e
cabelos ásperos, secos e com falhas. Após investigação clínica, foi diagnosticada com hipotireoidismo.

223
Unidade II

Como deve ser a dieta ofertada a D. M. R. em termos calóricos e proteicos?

Resolução

Resposta: a dieta deverá ser hipocalórica (20 a 25 kcal/kg) e hiperproteica (1,1 a 1,75 g/kg).

Quais alimentos deverão ser considerados de acordo com o quadro clínico de D. M. R.?

Resposta: os alimentos deverão conter um aporte apreciável de proteínas de alto valor biológico (AVB);
ricos em ferro heme e não heme e de fontes que auxiliam na absorção do ferro não heme (vitamina C);
fontes de fibras alimentares (principalmente solúveis) e alimentos laxantes; ricos em vitaminas do
complexo B, especialmente B9 e B12; além de cálcio e vitamina D. Os carboidratos simples devem ser
restritos, com priorização dos carboidratos complexos; os ácidos graxos saturados e trans, assim como
os alimentos ricos em colesterol devem ser evitados; com priorização dos ácidos graxos insaturados
(AGMI e AGPI). Deve-se também reduzir os alimentos ricos em sódio (sal de cozinha). O aporte fluido
deve ser adequado e incentivado. A dieta DASH poderá ser preconizada dada a sua riqueza nutricional
e os seus benefícios orgânicos.

Quais são os principais cuidados nutricionais no hipotireoidismo, considerando os alimentos/nutrientes


que auxiliam e prejudicam o funcionamento adequado da glândula tireoide?

Resposta: os nutrientes que auxiliam o funcionamento adequado da glândula tireoide incluem: iodo,
selênio, vitamina A, vitamina D, zinco, cálcio, ferro, magnésio, manganês e vitaminas do complexo B
(tiamina, riboflavina, ácido fólico etc.). Entre os alimentos que prejudicam o funcionamento da glândula
tireoide, destacam-se: chá verde, produtos contendo sucralose, soja, glúten e brássicas. Os nutrientes
que competem com o iodo e, em consequência, podem prejudicar o funcionamento da glândula são
flúor, cloro e bromo.

224
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Resumo
Com o processo de industrialização e urbanização, observam-se diversas
alterações no estilo de vida da população e, em consequência, elevada
prevalência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), o que inclui,
hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, dislipidemias, síndrome
metabólica e doenças tireoidianas.

Todos os pacientes acometidos por esses agravos à saúde, se não tratados


de forma adequada, precoce e oportuna, tornam-se potenciais candidatos
a diversas complicações clínicas, como insuficiência cardíaca congestiva,
infarto agudo do miocárdio, além dos piores índices prognósticos de
gravidade e risco elevado de morbimortalidade.

A maioria dessas doenças, principalmente as cardiovasculares, pode ser


prevenida por meio do abandono de fatores de risco modificáveis, como
tabagismo, etilismo, sedentarismo e, principalmente, dietas inadequadas;
ou seja, rica em ácidos graxos saturados, colesterol, açúcares simples,
alimentos ultraprocessados, com elevados teores de sódio e pobre em
frutas, verduras, legumes, fibras, entre outros alimentos protetores.

A dieta é capaz de modular as diversas reações orgânicas. Alguns


nutrientes como iodo, selênio, ferro, zinco, cobre, magnésio, vitaminas A e D
auxiliam no adequado funcionamento da glândula tireoide. Da mesma
forma, evidências científicas apontam os benefícios cardiometabólicos de
uma dieta rica em fibras, grãos integrais, legumes, frutas, vegetais, nozes,
azeite de oliva, peixes, produtos lácteos com baixo teor lipídico, pobre em
gorduras saturadas, gorduras totais, colesterol, açúcares simples, restrita
em sódio e contendo quantidades apreciáveis de ácidos graxos insaturados.
Destacam-se, nesse sentido, as dietas DASH e mediterrânea.

O nutricionista procederá à intervenção nutricional específica


para cada paciente, visando o restabelecimento clínico-nutricional e,
em consequência, a melhoria da qualidade de vida e redução do risco
de morbimortalidade. É o profissional que possui papel de destaque
tanto na prevenção quanto no tratamento de indivíduos acometidos
pelas mais diversificadas situações e complexidades clínicas. Para
isso, o nutricionista precisa entender a ação dos diversos nutrientes
que interferem na homeostase orgânica; a interação dos nutrientes com os
medicamentos; as recomendações energéticas e nutricionais específicas para
cada enfermidade; a terapia nutricional para cada fase clínica (aguda
e crônica) e o tipo de intervenção (pré e pós‑operatório), entre outras
peculiaridades inerentes ao paciente, visando estabelecer a melhor
conduta dietoterápica.
225
Unidade II

Exercícios

Questão 1. (Enade 2016, adaptada) Leia o texto a seguir.

“A Síndrome Metabólica (SM) é um transtorno multifatorial que envolve fatores de risco cardiovasculares
relacionados à deposição central de gordura e à resistência à insulina. Nesses casos, a abordagem
terapêutica conjunta de várias comorbidades no mesmo indivíduo é complexa. As primeiras orientações
devem visar à intervenção no estilo de vida do paciente, à correção das anormalidades metabólicas e ao
incentivo à prática de atividade física regular. O acompanhamento do paciente por um nutricionista é
fundamental no tratamento da SM, para elaboração de um plano alimentar adequado e personalizado”.

Disponível em: www.diabetes.org.br. Acesso em: 30 jul. 2016 (com adaptações).

Considerando as informações apresentadas e as recomendações da I Diretriz Brasileira de Síndrome


Metabólica, avalie as afirmativas.

I – A ingestão diária de proteínas para pacientes com SM deve ser de 1,2 a 2 g/kg de peso atual, e a
de fibras de 20 a 30 g diárias, priorizando as fibras solúveis para melhor controle metabólico.

II – Uma alimentação rica em frutas, vegetais e grãos integrais e pobre em gorduras saturadas
contribui para um melhor controle da SM e constitui fator indispensável ao tratamento e à prevenção
de suas complicações.

III – A dieta do paciente deve estar direcionada para a perda de peso e da gordura visceral, com os
objetivos de normalização dos níveis da pressão arterial e de correção das dislipidemias e da hiperglicemia.

IV – O valor calórico total da dieta deve ser calculado para que se atinja a meta de peso definida,
considerando-se que uma redução de 5% a 10% do peso está associada à melhoria dos níveis da pressão
arterial e do controle metabólico.

É correto apenas o que se afirma em:

A) I e II.

B) I e IV.

C) II e III.

D) I, III e IV.

E) II, III e IV.

Resposta correta: alternativa E.

226
NUTRIÇÃO CLÍNICA

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: de acordo com a I Diretriz brasileira de síndrome metabólica, é recomendada a ingestão


de 0,8 a 1 g/kg de peso atual de proteínas e de 20 a 30 g/dia de fibras.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: a alimentação rica em hortaliças, leguminosas, grãos integrais, frutas e a diminuição de


alimentos ricos em gorduras saturadas contribuem para o tratamento da síndrome metabólica.

III e IV – Afirmativas corretas.

Justificativa: o plano alimentar saudável individualizado é fundamental no tratamento da síndrome


metabólica e deve prever redução de peso de 5 a 10% de peso corporal inicial. O valor calórico total deve
ser calculado para a obtenção do peso corporal desejável. A perda de peso e de gordura visceral ajuda a
normalizar a pressão arterial e a corrigir a dislipidemia e a hiperglicemia.

Questão 2. Leia o texto a seguir.

“O hipotireoidismo é definido como um estado clínico resultante da deficiência de hormônios da


glândula tireoide.

O hipotireoidismo é responsável por várias alterações corporais, que podem induzir doenças crônicas
não transmissíveis (DCNT) como obesidade, dislipidemias e até mesmo algumas neoplasias. Ressalta-se,
no entanto, que a dieta é um dos fatores de risco para o surgimento e o agravamento do hipotireoidismo”.

MEZZOMO, T. R.; NADAL, J. Efeito dos nutrientes e substâncias alimentares na função


tireoidiana e no hipotireoidismo. Demetra, v. 11, n. 2, p. 427-443, 2016 (adaptado).
Disponível em: https://cutt.ly/vbw6Zrr. Acesso em: 26 out. 2020.

Com base no texto e nos seus conhecimentos, avalie as afirmativas.

I – Uma das causas do hipotireoidismo primário é a deficiência dietética de iodo, elemento essencial
para a síntese dos hormônios tireoidianos e para o desenvolvimento do sistema nervoso central.

II – As manifestações clínicas do hipotireoidismo incluem o bócio (aumento do volume da tireoide),


ganho de peso e fadiga.

III – No Brasil, há obrigatoriedade de adição de iodo no sal de cozinha. Outras fontes alimentares
são os frutos do mar, leite e derivados (se oriundos de animais que pastaram em solos ricos em iodo ou
alimentados com rações que contenham o ingrediente).

IV – Outros minerais relacionados à homeostase da glândula tireoide são o selênio e o zinco.


227
Unidade II

É correto o que se afirma em:

A) I e II, apenas.
B) I e IV, apenas.
C) II e III, apenas.
D) I, III e IV, apenas.
E) I, II, III e IV.

Resposta correta: alternativa E.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: o hipotireoidismo é definido como um estado clínico resultante de quantidade insuficiente


ou da ausência de hormônios tireoidianos. No hipotireoidismo primário, há incapacidade parcial ou
total da glândula tireoide em produzir os hormônios tireoidianos. A deficiência dietética de iodo
é uma das causas de hipotireoidismo primário. Outra possível causa é a tireoidite autoimune
(ou tireoidite de Hashimoto), em que há destruição do tecido tireoidiano pelo sistema imune e
comprometimento da função glandular.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: a diminuição dos hormônios tireoidianos pode acarretar aumento da taxa metabólica
basal, aumento do peso, aumento do volume da tireoide, sonolência, fadiga, cansaço, perda de concentração.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: a Lei n. 6150/1974 tornou obrigatória a iodação do sal destinado ao consumo humano.
As principais fontes alimentares são o sal iodado, os frutos do mar (ostras, moluscos, peixes de água
salgada), leite e derivados (oriundos de animais que pastaram em solos ricos em iodo ou alimentados
com rações com o nutriente) e vegetais (oriundos de solos ricos em iodo).

IV – Afirmativa correta.

Justificativa: o selênio participa do metabolismo periférico dos hormônios tireoidianos. A tireoide


normal expressa selenocisteínas (glutationa peroxidase), que protegem a tireoide de danos de
radicais livres.

A deficiência de zinco é uma causa de hipotireoidismo subclínico. O zinco aumenta a atividade da


deiodinase II, responsável por catalisar a conversão de T4 em T3.

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