Lacan No Estadio Do Espelho Hegeliano PDF
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Razão e Liberdade. Homenagem a Manuel José do Carmo Ferreira, CFUL, Lisboa, 2009, pp. 1443-1466.
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História da Filosofia e Filosofia Contemporânea zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
Já aos catorze anos, por volta de 1915, Lacan descobre a obra de Espi-
nosa: «Na parede do quarto, suspendeu um desenho que representava
plano da Ética, com flechas a cores. Esse acto de subversão, num mun
de pequenos comerciantes, teve, como efeito, arrastar o jovem Lacan par.:
uma afirmação do seu desejo, ante um pai que ele pensou sempre qu
tinha como única ambição de o ter a seu lado para desenvolver o comérri
das mostardas-é. Passado algum tempo, já possuidor de um vasto ho --
zonte cultural e bem inserido no meio médico, por volta de 1931, Lacar;
efectua, acerca da paranóia, uma síntese da clínica psiquiátrica, da teo -
freudiana e do denominado segundo surrealismo". Essa síntese assenta
num «brilhante conhecimento de filosofia - especialmente Espinosa, J
pers, Nietzsche, Husserl e Bergson" -, que lhe iria permitir elaborar a
tese de medicina acerca Da Psicose Paranóica em suas relações com a Person -FEDCBA
lid a d e ' (sobre o famoso caso Aimée), «que será também a sua grande o
da juventude», que veio a lume no Inverno de 1932 e fará do seu autor
4 Elisabeth Roudinesco, Jacques Lacan: esquisse d'une vie, histoire d'un svetéme -
pensée, Paris, Fayard. 1993,pp. 29-30.
5 Cf. ib., p. 55 ss. Com efeito, «neste momento da sua evolução, Lacan tom
8 Ib., p. 56.
9Nas páginas iniciais da referida obra encontram-se duas dedicatórias: uma em
grego, a M.T.B, Marie- Thérese Bergerot, sua amante quando era interno do hospital Sainte-
Anne, uma viúva austera quinze anos mais velha, com quem descobriu as obras de Platão
e fez várias viagens de estudo. A dedicatória, expressa em grego, significa: «Não me teria
tornado quem sou sem a sua assistência». A outra dedicatória é a seu irmão Marc-François
Lacan, "Beneditino da Congregação de França", com quem tinha a melhor relação e a
quem a recitar as suas lições em latim. Cf. E. Roudinesco, op. cit., pp. 86-87, 29.
ajudava
«Quilibet unius cujusque individui affectus ab affectu alterius tantum discrepat,
10
quanium esseniia unius ab essentia alterius differt». «Uma afecção qualquer de cada indivíduo
difere da afecção de um outro, tanto como a essência de um difere da essência do outro».
B. Espinosa, Ética demonstrada à maneira dos geómetras [1677], Parte II ["Da Origem e da
Natureza das Afecções"] Proposição LVII, tradução de Joaquim Ferreira Gomes, Coimbra,
Atlântida, 1952, p. 159.
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lançar sobre o caso que estudamos um olhar tão directo, tão nu, tão objec-
tivo quanto possível. Observamos a conduta de um organismo: e este
organismo vivo é de um ser humano Enquanto organismo vivo ele apre-
o
senta reacções vitais totais, que, o que quer que seja dos seus mecanismos
íntimos, têm um carácter dirigido para a harmonia do conjunto; enquanto
ser humano, uma proporção considerável dessas reacções tomam o seu
sentido em função do meio social que desempenha no desenvolvimento
do animal-homem uma função primordial. Essas funções vitais sociais,
que caracterizam, aos olhos da comunidade humana, directas relações de
compreensão, e que na representação do sujeito estão polarizadas entre o
ideal subjectivo do eu [moi] e o julgamento social do outro [autrui], são
essas mesmas que definimos como funções da personalidade»!". Deste
modo, os fenómenos de personalidade são especificamente humanos, isto
é, não se desenrolam na dimensão única de um automatismo instintual,
mas na dimensão plural de um comportamento desdobrado numa repre-
sentação, e, enquanto tais, adquirem sentido e funcionam num sistema
social submetido a leis específicas".
Deste modo, na óptica lacaniana, «a personalidade não é "paralela"
aos processos nevráxicos, nem mesmo somente ao conjunto dos processos
somáticos do indivíduo: ela é-o à totalidade constituída pelo indivíduo e pelo
seu meio próprio» E prossegue: «Uma tal concepção do "paralelismo" deve
o
ser reconhecida aliás como a única digna deste nome, se não se esquece
que está aí a sua forma primitiva e que ela foi expressa primeiramente
pela doutrina espinosiana. (o o o) Só esta concepção legítima de paralelismo
permite dar à intencionalidade do conhecimento este fundamento no real
que seria absurdo recusar-lhe em nome da ciência Somente ela permite o
16 n; p. 338.
17 u; p. 334.
18 B. Ogilvie, op. cii., p. 56.
19 B. Ogilvie, op. cii., p. 82.
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Sem esta inícíação", a obra de Lacan teria permanecido para sempre pri-
sioneira do saber psiquiátrico ou de uma apreensão académica dos con-
ceitos freudianos».
Além disso, quantos se davam conta nessa época da grandeza da
refundação husserliana e da orientação heideggeriana sentiam a necessi-
dade de remontar às fontes originais da «moderna ciência da experiência
da consciência», isto é, à obra de Hegel. Após a tentativa de Victor Cou-
sin de «adaptar um hegelianismo conforme à política da Restauração - e
portanto desembaraçada das suas noções fundamentais de racionalidade
absoluta e de negatividade -, o pensamento do filósofo alemão trilhou
um caminho no solo nacional de maneira clandestina ou marginal, seja
pelo ensino de universitários não conformistas como Lucien Herr, seja
pelo compromisso de autodidactas como Proudhon, seja pela voz de poe-
tas como Mallarmé ou Breton. E é bem na linha recta desta penetração
difusa que a situação francesa do hegelianismo tomou um andamento
radicalmente novo sob o impulso de [ean Wahl, Alexandre Koyré, Éric
Weil e Alexandre Kojeve, que foram os iniciadores, por trinta anos, de
uma «geração dos três H (Hegel, Husserl, Heidegger)»".
Da convivência com Kojeve", surgiu, em 1936, o projecto de escreve-
rem em conjunto um ensaio de confrontação interpretativa entre Hegel e
Freud": Lacan, na época, nada escreveu nesse sentido, mas, das 15 pági-
nas manuscritas por Kojeve, salienta-se «a passagem de uma filosofia do
26 Kojêve regeu o seu famoso seminário sobre a Fenomenologia do Espírito durante seis
anos, a partir de 1933, todas as segundas feiras, a partir das 19,30 horas, prolongando-se
em discussões no café Harcourt; a partir de 1934-35,e até 1936-37,Lacan esteve inscrito
nesse seminário na lista de "ouvintes assíduos" (Cf. E. Roudinesco, op. cii., p. 142). As
lições de Kojeve foram reunidas e publicadas depois da guerra por Raymond Queneau,
in A. Kojeve, Introduction à la lecture de Hegel: leçons sur la Phénoménologie de l'Esprit
professées de 1933 à 1939 à I'École des Hautes Études, réunies et publiées par Raymond Queneau,
Paris: Gallimard, 1962 (la edição, 1947).
27 O título previsto seria Hegel et Freud: essai FEDCBA
d 'u n e confrontation interprétative, que seria
dividido em três partes: la "Cenese de la conscience de soi", 2 a "L'origine de la folie", 3 a
"L'essence de la famille". Cf. E. Roudinesco, op. cii., pp. 147-148.
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Eu penso zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a uma filosofia do Eu desejo, efectuando uma cisão entre o eu [je],
lugar do pensamento ou do desejo, e o eu [moi], fonte de erro. Ora, Lacan
devia muito certamente, no decurso do trabalho em comum, ter por mis-
são completar esse texto situando a posição freudiana numa posição aná-
loga àquela pela qual Kojeve havia situado a posição de Descartes, depois
a posição de Hegel-", e que estarão presentes nos textos do psicanalista
redigidos entre 1936 e 1949, quando a teoria do estádio do espelho domina
o pensamento de Lacan.
28 lb., p. 149.
29 A partir do encontro com Lévi-Strauss, Lacan elaborou, na tematização do
inconsciente freudiano, a tríade Simbólico, Imaginário e Real. Tal como em Lévi-Strauss,
é pela instauração da ordem simbólica que se opera a passagem da existência meramente
natural à cultural; esta ordem é formalmente análoga à ordem da linguagem. A primazia
do significante, que Lacan sustém, resulta da passagem da natureza à cultura: a ordem
simbólica - a ordem da linguagem - não permite um acesso directo do sujeito a si
mesmo, mas sempre por uma relação mediada. O acesso ao simbólico depende sobretudo
da resolução do Édipo; aí, Lacan distingue dois momentos: a fase pré-edípica, que
corresponde à linguagem imaginária, e a fase edípica na sua resolução, que concerne já a
linguagem simbólica.
De facto, Lacan conheceu Lévi-Strauss num jantar oferecido por Koyré, donde
brotou uma profunda amizade. Após o estudo d' As estruturas elementares do parentesco
de Lévi-Strauss, Lacan repensa o complexo de Édipo, a proibição do incesto, como uma
função simbólica -: lei inconsciente da organização da cultura. Todo o sujeito se determina
na sua pertença a uma ordem simbólica; e, nesta categorização, o inconsciente freudiano
é repensado como cadeia de significantes. O "Nome do Pai" é o conceito onde a função
simbólica se torna lei, que é a proibição do incesto, processo descrito por Lacan através
dessa metáfora paterna. A criança inverte a situação: ela não é mais o único e exclusivo
objecto do desejo da mãe, o objecto que preenche a falta do Outro, o falo, mobilizando,
então, o seu desejo, como desejo de sujeito, orientando-se para objectos substitutos do
objecto perdido.
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imagem, mas descobre que nada há por detrás do espelho: este eu "reflec-
tindo-reflectido" não remete para qualquer objecto exterior; por fim, com-
preende que não somente o outro do espelho é uma imagem, mas que
essa imagem é a sua. A análise lacaniana torna compreensível a angústia
que surge na relação com a mãe, simples reflexo do seu próprio corpo, o
"outro" do espelho que nunca pode ser possuído.
Assim, o infans (o que ainda não fala), através dum semelhante (a
sua imagem, ou a da mãe, ou a de outro menino), estabelece uma relação
dual e imediata; é a fase do narcisismo primitivo; por outras palavras, a
criança confunde-se com a sua própria imagem-objecto, indistinção entre
sujeito e objecto, entre eu e tu; com efeito, a subjectividade implica sepa-
ração de termos e não identificação: «A assunção jubilatória - diz Lacan
- da imagem especular pelo ser ainda submergido na impotência motriz
e a dependência da amamentação que é o pequeno homem nesse estádio
infans, parecer-nos-á manifestar, desde então, numa situação exemplar, a
matriz simbólica onde o eu se precipita numa forma primordial, antes de
objectivar-se na dialéctica da identificação com o outro e de a linguagem
lhe restituir no universal a sua função de sujeitov". A criança percep-
ciona na imagem especular uma forma (Gestalt) em que antecipa - daí
o seu júbilo - uma unidade corporal que lhe falta: identifica-se com essa
imagem.
A relação dual e imaginária, como se manifesta no "estádio do espe-
lho" (entre os seis e os dezoito meses), identifica os dois elementos do
algo ritmo saussuriano; mas, na ordem imaginária não se dá uma distin-
ção entre significante e significado. «O que eu denominei o estádio do espe-
lho tem o interesse de manifestar o dinamismo afectivo por onde o sujeito
se identifica primordialmente com a Gestalt visual do seu próprio corpo:
ela é, por relação com a incoordenação ainda muito profunda da sua pró-
Paris, Seuil, 1966, p. 94. O texto foi apresentado inicialmente no XIV Congresso da FEDCB IP A
[International Psychoanalytical Association] em Marienbad, em 1936, em que Lacan
confrontou pela primeira vez a história do freudismo internacional; nesse congresso, Ernest
Jones cortou-lhe a palavra apenas com dez minutos de exposição; aborrecido, Lacan não
entrega o texto e parte para Berlim onde assiste aos Jogos Olímpicos, mas onde o triunfo
do nazismo provocou nele um sentimento de repugnância. O texto foi reescrito para o 1.0
Congresso Internacional de Psicanálise (Zurique, 1949)do pós-guerra, publicado na Révue
Française de Psychanalyse, n.? 4, 1949 (pp. 449-455)e será recolhido em Écrits (pp. 93-100).
Sobre o "estádio do espelho" segundo Lacan, cf, Acílio da Silva Estanqueiro Rocha,
Problemática do Estruturalismo: linguagem, estrutura, conhecimento, Lisboa, Instituto Nacional
de Investigação Científica, 1988,pp. 106-117.
Lacan no "Estádio do Espelho" Hegeliano I 1453zyxwvutsrqpo
Lacan enfatiza logo «a Phénoménologie de l'Esprii, obra acerca da qual voltaremos mais
adiante, de que [ean Hyppolite fez em 1939 uma excelente tradução em 2 volumes» (Cf. J.
Lacan, "Propos sur la Causalité Psychique", Écrits, p. 172, nota 1). E continua: «os leitores
franceses não poderão mais ignorar esta obra desde que [ean Hyppolite a pôs ao seu
alcance, e de maneira a satisfazer os mais exigentes, na sua tese que acaba de aparecer (... ),
e quando são publica das as notas do Curso que Alexandre Kojeve lhe [Hegel] consagrou
durante cinco anos nos Altos Estudos» (Ib., nota 2).
45 O próprio Lacan recolhe nos Écrits o texto intitulado "Commentaire sur la
Verneinung de Freud par [ean Hyppolite" (Apêndice I, pp. 879-887).
46 Cf. J. Lacan, "Introduction au commentaire de [ean Hyppolite sur la 'Verneinung'
Não é nossa intenção dar aqui conta das várias questões que levanta
uma confrontação da psicanálise lacaniana com a filosofia hegeliana, mas
o posicionamento de Lacan perante o Hegel da Fenomenologia do Espí-
rito, patentes na comunicação intitulada Subversão do Sujeito e Dtaléctica
do Desejo no Inconsciente Freudiano", proferida num Colóquio de Filoso-
[1960], in J. Lacan, Écrits, Paris, Seuil, 1966, pp. 793-827.Doravante, Subversion du sujet ...
Trata-se da comunicação que Lacan apresentou no Colóquio Filosófico Internacional
que se realizou em Royaumont (19 a 23 de Setembro de 1960), a convite de Jean Wahl,
o promotor do encontro. O tema central do Colóquio foi a Dialéctica. No Verão desse
ano, precisamente em Royaumont (10 a 13 de Julho), nas Jornadas Internacionais da FEDCBA SFP
Lacan no "Estádio do Espelho" Hegeliano I 1459zyxwvutsrqpo
fia, promovido por [ean Wahl". É o próprio Lacan, que, seis anos depois,
aquando da publicação dos Escritos, observa que a inserção da comuni-
cação de Royaumont, seguida da comunicação em Bonneval, se faz «a
fim de dar ao leitor a ideia do avanço em que sempre se manteve o nosso
ensino em relação ao que podíamos dele dar a conhecera". Com tal asser-
ção quer enfatizar que constitui, na época, o que de mais avançado havia
sobre o tema, assim como pôr em relevo um ensino que é simultanea-
mente progressivo e dinâmico.
Não estamos ante uma análise crítica da Fenomenologia do Espírito.
A asseverá-lo, aí estão as referências ao texto de Hegel, como tendo «o
interesse de apresentar-nos uma mediação propícia para situar o sujeito:
de uma relação com o saber»52;pretende-se esclarecer até que ponto a
questão do sujeito se compatibiliza com a subversão operada pela psi-
canálise. De facto, desenvolve-se no texto um diálogo tenso com Hegel,
a partir do que «o próprio Freud articula na sua doutrina, por constituir
um passo" copernicano" »53,a presentando diante dos seus ouvintes qua-
tro gráficos que parecem constituir literalmente as novas figuras do advir
do sujeito, substituindo as clássicas figuras do espírito da fenomenologia
hegeliana, em torno do desejo, da linguagem e do inconsciente".
Por duas vezes é citada a própria Fenomenologia do Espírito (pp. 793, 810), além de alguns
de seus termos chaves, Aufhebung (p. 795), Selbstbewusstsein (p. 798), Begierde (p. 802), saber
absoluto (pp. 798, 802), sujeito absoluto (p. 798), astúcia da razão (pp. 802, 810, 811 (bisl),
Mestre absoluto (p. 807,810 (bisl), consciência de si (p. 811), bem como a famosa passagem da
luta do Senhor e do Escravo (pp. 810-811).
55 Nas últimas páginas do texto da sua comunicação, Lacan mostra-nos o Sócrates
do Banquete na função de psicanalista que interpreta a transferência, no caso específico,
o desejo de Alcibíades, não à sua pessoa, mas ao seu verdadeiro destinatário, Ágaton.
Cf. J. Lacan, Suboersion du sujet, pp. 825-826. "É assim que ao mostrar o seu objecto como
castrado, Alcibíades se exibe como desejante, - a coisa não escapa a Sócrates =, para
um outro presente entre os assistentes, Ágaton, que Sócrates precursor da análise, e
também, seguro da sua tarefa neste belo mundo, não hesita em nomear como objecto da
transferência, propondo como interpretação o facto que muitos analistas ignoram ainda:
que o efeito amor-ódio na situação psicanalítica se encontra fora" (p. 825).
56 J. Lacan, Subversion du sujet ... FEDCBA
r pp. 793-794.
57 Como já foi acima dito, o nome de Hegel aparece inúmeras vezes, especialmente
na primeira parte da exposição, sendo apenas ultrapassado pelo de Freud. Por duas vezes
é citada a própria Fenomenologia do Espírito, bem como vários dos seus termos nucleares,
Aufhebung, Selbstbeiousstsein, Begierde, saber absoluto, sujeito absoluto, astúcia da razão, Mestre
absoluto, consciência de si, bem como a famosa passagem da luta do Senhor e do Escravo.
58 lb., p. 794.
Lacan no "Estádio do Espelho" Hegeliano I 1461zyxwvutsr
de seu estatuto, tal como ela se anuncia no último grito de sua fórmula,
lançada por Sartre: o desejo, paixão inútil»?',
S9 lb., p. 812.
60 Assim, afasta como improcedente a crítica que lhe foi dirigida por Jean Wahl:
«Importa dizer agora que se concebemos qual tipo de apoio buscámos em Hegel para
criticar uma degradação da psicanálise tão inepta que ela não encontra outro título
para o interesse senão a de ser hoje, é inadmissível que se nos impute ser logrado por
uma exaustão puramente dialéctica do ser, e que não poderíamos ter tal filósofo por
irresponsável quando ele autoriza esse mal entendido» FEDCBA
( ib ., p. 804).
61 n., p. 797.
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mas não pode existir como um saber que se saberia a si mesmo, pelo sim-
ples facto de que o homem é ser de desejo, mas num sentido diferente
do de Hegel: o desejo psicanalítico é algo da ordem do "ser", mas que se
encontra fora do lógico, que Lacan denomina objeto a 62• Por relação com o
sujeito, ele não deve ser mais procurado dentro de si mesmo: «um signifi-
cante é o que representa o sujeito para um outro significantev",
O aspecto dramático desta concepção é que a consciência nunca
conseguirá ultrapassar a consciência infeliz, prisioneira eterna de sua
cisão e de sua perda na alienação do Outro. Mais precisamente, a diver-
gência radical que Lacan apresenta entre a concepção hegeliana e a freu-
diana do sujeito, radica no Selbstbewusstein hegeliano: «Essa dialéctica é
convergente e vai à conjuntura definida como saber absoluto. Tal como
ela é deduzida, ela só pode ser a conjunção do simbólico com um real
do qual nada mais há a esperar. Que é isto senão um sujeito acabado
na sua identidade consigo mesmo? Ao que se lê, que esse sujeito está
já aí perfeito e que ele é a hipótese fundamental de todo esse processo.
Com efeito, ele é nomeado como sendo o seu substrato, ele se chama o
Selbstbewusstein, o ser de si consciente, todo-consciente-'". E continua:
«Oxalá fosse assim, mas a história da própria ciência, entenda-se a nossa
e desde que surgiu, se situarmos o seu primeiro nascimento nas mate-
máticas gregas, apresenta-se mais com desvios que satisfazem muito
pouco a esse imanentismo, e as teorias, que não nos deixemos enganar
sobre a questão pela reabsorção da teoria restrita na teoria generalizada,
não se ajustam de facto de modo nenhum segundo a dialéctica: tese,
antítese e síntese-'".
A esse sujeito é contraposto o que Lacan designa de «sujeito defi-
nido na sua articulação pelo sígníficantev=, «submissão do sujeito ao
signífícante-", «sujeito da enunciação-'", «sujeito do inconscientex'",
«puro sujeito do significante»?", «sujeito barrado»?', «desvanecimento
62 Para estas noções, cf. Acílio Silva Estanqueiro Rocha, Problemática do Estruturalismo,
op. cii., pp. 309-319.FEDCBA
63 Subversion du Sujet ... , p. 819.
64 Ib., p. 798.
65 Ib.
66 Ib., p. 805.
67 lb., p. 806.
68 lb., p. 800
69 lb., p. 816.
70 lb., p. 807.
71 lb., p. 821.
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72 Ib ., p. 824.
FEDCBA
73 p. 825.
Ib .,
74 pp. 809-810.
!b.,
75 O "para nós filósofos" que recorre ao longo da dramaturgia do texto, cujo actor
principal é a consciência, tem uma função análoga àquela exercida pelo Coro na tragédia
antiga. Ele é mais intérprete dos acontecimentos do que actor. Cf. G. Jarczyk e P.-J.
Labarriere, "Présentation", in G.W.F. Hegel, Phénoménologie de i'Esprit, Paris, Callimard,
1993,p. 2I.
76 J. Lacan, Subversion du sujet ... , pp. 810-811.
77 Não é por acaso que, na Fenomenologia do Espírito, Hegel prefere retomar o tema
do desejo não a partir do amor humano, como se dá nas obras de juventude, mas pela via
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« fiz e m o s a mola dinâmica da captura especular»
do confronto viril de duas consciências de si. Cf. Jean Hyppolite, Genese et structure de la
Phénoménologie de l'Esprit de Hegel, Paris, Aubier, 1946, p.lS8.
Lacan no "Estádio do Espelho" Hegeliano I 1465zyxwvutsrqpon
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