Formalismo Russo
Formalismo Russo
Formalismo Russo
NEW CRITICISM
Tanto num movimento como no outro, ainda que por perspectivas próprias e diferentes
entre si, é visível a base positivista que exige que as hipóteses de investigação de um determinado
objeto de estudo - a literatura, no caso - só se convertam em teses se a argumentação e a
exemplificação que as sustentam puderem ser empiricamente comprovadas e demonstradas.
Isso significa que tanto o Formalismo Russo como o New Criticism elegem o texto literário
como limite e objeto privilegiado de suas reflexões, considerando os demais campos aos quais o
texto literário se vincula como campos de investigação secundária e/ou suplementar.
Neste capítulo, vamos abordar essas duas tendências da teoria e crítica literárias, destacando alguns
de seus principais aspectos e contribuições para o estudo da literatura.
RANCO ]UNIOR
o FORMALISMO Russo
Entre 1914 e 1917, na Rússia, alguns estudantes fundaram o Círculo Linguístico de Moscou
(1914-15) e a Associação para o Estudo da Linguagem Poética (OPOIAZ - 1917), instituindo, com
isso, um campo para o desenvolvimento de estudos da língua e da literatura, livre dos compromissos
com a tradição acadêmica vigente na época e marcado pelo entusiasmo para com o cientificismo que
caracterizava a então emergente disciplina de Linguística na Rússia e, também, em outros núcleos
universitários europeus.
O Formalismo Russo desenvolveu-se contemporaneamente às pesquisas e inovações estéticas do
Futurismo Russo, que teve na poesia a sua ponta de lança de afirmação dos valores de vanguarda
modernista em arte. Seu contexto de eclosão está marcado por uma forte turbulência social ligada à
crise do regime czarista e à emergência da revolução russa, que projetava a utopia de uma sociedade
livre de classes sociais, capaz de abolir a propriedade privada e as limitações, estruturas e hierarquias
comprometidas coma velha ordem econômica, sociocultural e política - uma sociedade regulada
por um Estado democrático comprometido com os interesses coletivos da sociedade e regulado, em
suas ações, pela racionalidade e pela ciência. Revolução, igualdade, liberdade, sociedade sem classes,
democracia, participação ativa na construção da sociedade e da história não são meras palavras ou
ideias nesse contexto; são ideais que caracterizaram a ação de muitos dos que se comprometeram com
o objetivo de transformar a sociedade, de mudar a história.
Pode-se dizer que o período heroico de combate e afirmação dos valores, ideias e propostas
dos formalistas russos (1914-17 e 1923-25) coincidiu com o período heróico de afirmação das
utopias ligadas ao projeto de construção de uma sociedade comunista na - após a revolução de
1917 - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A ascensão de Josef Stálin ao poder
a partir de 1924, a consolidação do stalinismo e a extensão de seus efeitos a todas as instituições
da então URSS (1924-1953) significou, para os formalistas e, também, para toda a URSS, a
distorção e o dilaceramento de boa parte das utopias projetadas como ideais durante a fase heroica
anteriormente citada.
O Formalismo Russo pode ser, portanto, dividido em duas fases. A primeira compreende mais
precisamente os anos de 1917 a 1923, momento de afirmação agressiva das novas ideias em relação à
abordagem científica da literatura diante de uma tradição acadêmica conservadora e resistente; a segunda
compreende os anos de 1923-25 e 1930, período de radicalização dos conflitos entre os partidários de uma
abordagem sociológica da literatura (e ideologicamente comprometida com os ideais da revolução socialista
e, também, com determiriados interesses ligados ao exercício do poder pelo Estado) e os membros do grupo
formalista, que recusavam e/ou negavam certos princípios e pressupostos de tal abordagem sociológica. O
ano de 1930 marca, segundo Schnaiderman "a condenação pública e categórica do 'formalismo' [...] e
sua virtual interdição" (1976, p. xviii), tendo, como efeito, o abandono do país por alguns dos membros
do grupo e a limitação dos que permaneceram "a estudos literários em âmbito mais estreito, e que não·
implicassem em teorização" (1976, p. xviii).
Feito esse breve histórico, vamos nos deter em alguns dos princípios e conceitos teóricos
fundamentais do Formalismo Russo.
Segundo Eikhenbaum (1976), o Formalismo Russo marcou-se mais propriamente pela afirmação
de determinados princípios na abordagem da literatura do que pela proposição de um modelo
sistematizado de teoria de caráter dogmático. Nesse sentido, para os membros do grupo formalista,
a metodologia sempre ocupou posição secundária diante da literatura como objeto de estudo. Os
formalistas, segundo Eikhenbaum (1976), nunca hesitaram em transformar seus princípios e conceitos,
caso tal necessidade se impusesse, em razão do estudo de determinado texto ou problema literário. Isso
explica o fato de que, lidos em conjunto, os estudos formalistas apresentam certas nuances e
no que se refere à utilização de alguns mesmos princípios e conceitos teóricos na abordagem de textos
e problemas literários distintos.
116-TEORIA LITERÁRIA
FORMALISMO RUSSO E NEW CRITICISM
A filosofia, a sociologia, a psicologia etc., não poderiam servir de ponto de partida paraa
abordagem da obra literária. Ela poderia conter esta ou aquela filosofia, refletir esta ou aquela
opinião política, mas, do ponto de vista do estudo literário, o que importava era o prlom, ou
processo, isto é,o princípio da organização da obra como produto estético, jamais um fator
externo (SCHNAIDERMAN, 1976, p. ix).
Os formalistas preocupavam-se em investigar e explicar o que faz de determinada obra uma obra
literária. Nos termos de Jakobson:
E eis que para devolver a sensação de vida, para sentir os objetos, para provar que pedra é
pedra, existe o que se chama arte. O objetivo da arte é dar a sensação do objeto como visão
e não como reconhecimento; o procedimento da arte é o procedimento da singularização
dos objetos e o procedimento que consiste em obscurecer a forma, aumentar a dificuldade
e a duração da percepção; a arte é um meio de experimentar o devir do objeto, o que é já
"passado" não importa para a arte (CHKLOVSKI, 1976, p. 45).
i! r-------------~------------____,
'I Meio-dia na Sé
Alessandra P. Caramori
Ainda me lembro daquele beijo em plena praça central
da cidade quando os sinos da igreja anunciavam o N assas bocas unidas
meio-dia. Nossas línguas
Um sino
E dois badalos.
No primeiro texto, a referência ao beijo é direta e, portanto, como que transparente à leitura e
à compreensão de todo e qualquer leitor (embora a intensidade e o valor afetivo desse beijo sejam
diferentes para aqueles que o realizaram, como demonstra a autora do bilhete). No segundo texto,
a referência ao beijo torna-se opaca à leitura e à percepção do leitor, que tem de ler a existência de
um beijo na relação estabelecida entre as bocas unidas e o sino com dois badalos (metáfora do beijo
apaixonado, erótico, de língua). No primeiro texto, as funções referencial e emotiva OAKOBSON,
1984) são as mais importantes, e não há necessariamente destaque para a função poética; no segundo
texto dá-se o inverso: a função poética se destaca e subordina as demais.
Os procedimentos adotados pela autora do segundo texto - a "descrição" baseada numa gradação
'que vai do mais externo ao mais interno - tornam o referente (beijo) algo muito particular: (a)já no
título, que indica a posição exterior e tensa dos ponteiros do relógio passando, por sugestão, à indicação
da posição das línguas que "badalam"; ou (b) ria apresentação dos signos que compõem o beijo
(bocas; línguas), a escolha de uma metáfora (um sino, e dois badalos) para representar o movimento
e a intensidade das línguas e das emoções no beijo apaixonado; a ênfase onomatopaica conferida às
nasais [n], às linguodentais [d] e às bilabiais [b] que contribui para a percepção de uma cadência
relacionada com o caráter arrebatador da experiência do eu-lírico e afirma uma associação entre o
beijo e o bimbalhar dos sinos ao meio-dia. Tais procedimentos singularizam esse beijo, tornando-o
distinto de todos os demais beijos presentes em outros textos, sejam literários ou não. Esse processo
de singularização confere ao segundo texto uma densidade maior no que se refere à literariedade, e é
ele que, dando ênfase ao apelo estético do texto, universaliza a experiência ali registrada, tornando-a
artisticamente próxima da experiência de vida do leitor - o que não acontece com o primeiro texto. Por
tais razões, pode-se dizer que Meio-dia na Sé é um texto literário, enquanto que o outro texto é apenas
um bilhete trocado entre enamorados.
Os procedimentos de singularização visam, segundo Chk1ovsk:i,a "criar uma percepção particular
do objeto, criar uma visão e não o seu reconhecimento" (CHKLOVSKI, 1976, p. 50). Já o caráter
estético, da linguagem poética (artística) "é criado conscientemente para libertar a percepção do
automatismo; sua visão representa o objetivo do criador e ela é construída artificialmente de maneira
que a percepção se detenha nela e chegue ao máximo de sua força e duração" (CHKLOVSKl, 1976,
p. 50). O discurso poético é, para Chk1ovsk:i, um "discurso elaborado" (1976, p. 55) ao passo que o
discurso prosaico (cotidiano) é "ordinário, econômico, fácil" (1976, p. 55).
Concebendo a linguagem poética (artística) como fundamentalmente comprometida com a
desautomatização da percepção, o autor afirmará a existência de um estreito vínculo entre o procedimento
de singularização e o efeito de estranhamento. É porque causa um efeito de estranhamento que a arte
desautomatiza a percepção, dificultando-a e prolongando-a ao exigir do receptor uma atenção mais
intensa e demorada do que aquela conferida cotidianamente aos demais textos e mensagens.
Ao conceber a arte como algo marcado por um conjunto de procedimentos de singularização,
os formalistas russos contribuíram para um questionamento do modo como, até então, a crítica e a
historiografia literárias eram feitas.
A periodização literária canônica, que circunscreve autores e obras a determinados recortes
histórico-culturais e a determinadas escolas estéticas, organizados de modo sucessivo e linear, sofre,
a partir da noção de procedimento de singularização, um abalo. Pode-se, por exemplo, reescrever a
história da literatura a partir da identificação das séries literárias que tenham em comum um mesmo
conjunto de procedimentos dominantes.
118 - T EO R I A LITERÁRIA
~~4 F o R M A L , S M O R U S S O E N E W C R
Oo
, T , C , S M
Nesse sentido, a importância dada a distinções que se baseiam em valores extraliterários torna-se
secundária em relação ao valor das distinções calcadas em valores exclusivamerite literários. Certos
distanciamentos estabelecidos entre textos vinculados a escolas estéticas diversas tornam-se menos
importantes do que o reconhecimento de que, independentemente da vinculação ideológica a esta
ou àquela doutrina filosófica, política, religiosa etc., os textos podem ser reagrupados numa história
da literatura que privilegie o reconhecimento, neles, de procedimentos de construção comuns. Vale o
mesmo para uma redefinição da noção de gênero em literatura, tão complexa e marcada por contradições
como a própria literatura em decorrência da heterogeneidade dos saberes que tradicionalmente
sustentam a sua definição. .."c .. -0:-
A ênfase conferida ao estudo dos traços específicos do discurso literário pelos formalistasfezcom
que eles recusassem a distinção entre "forma" e "fundo" (forma x conteúdo) na abordagem crítica do
texto literário. Tal distinção, além de inadequada, dava origem a uma série de distorçôese preconceitos ~
no que se refere à abordagem crítica da literatura. Os formalistas estabeleceram um conceito deforma
que integra tanto os procedimentos e recursos construtivos da linguagem como a própria escolha dos
temas a serem tratados pelo artista, a partir do uso de tal ou qual recurso ou procedimento linguístico.
Isso equivale a dizer que, em arte e literatura, o assunto ou tema não pode ser dissociado do conjunto
de procedimentos construtivos queq constituem e o singularizam numa determinada obra, e vice-
versa.
Segundo Eikhenbaum, Chklovski demonstrou, num estudo sobre a teoria do enredo e do romance,
"a existência de procedimentos próprios para a composição e sua ligação com procedimentos estilísticos
gerais,baseando-se em exemplos muito diferentes: contos, novelas orientais, Dom Quixote de Cervantes,
Tolstoi, Tristram Shandy de Sterne" (EIKHENBAUM, 1976, p. 16).
A afirmação da existência de procedimentos próprios para a composição da trama narrativa
(enredo) possibilitou que os formalistas deslocassem a concepção da trama narrativa (enredo), que era
tradicionalmente concebida como combinação de vários motivos (unidades temáticas), para uma visão
que a concebe como combinação de elementos de elaboração.
Eikhenbaum (1976) destaca, ainda, nesse estudo de Chklovski, a importância da noção de motivação
para o estudo do romance e, acrescentaríamos nós, para o estudo da narrativa. A motivação pode ser
definida como a articulação, em um sistema marcado pela unidade estética, de motivos que constituem
a temática de uma obra. Segundo Eikhenbaum,
Chklovski (1976) define afábula como descrição dos acontecimentos de uma narrativa e a trama como
a elaboração desses acontecimentos e sua disposição numa narrativa. Correndo o risco de apresentar
uma definição redutora, podemos dizer que a fábula compreende a história contada em uma narrativa,
ao passo que a trama compreende o modo como tal história é construída e organizada sob a forma de
narrativa. A fábula é, portanto, "um material que serve à construção da trama" (CHKLOVSKI, 192L,,·- ..·
apud EIKHENBAUM, 1976, p. 22).
Tomachevski retoma em "Temática", ensaio escrito em 1925, as noções defábula, trama.ímotioo
e motivação, para investigar a relação entre a escolha do tema e a permanência, ao longo do tempo., ,-
do interesse por determinadas obras literárias. Segundo ele, o "tema apresenta uma certa unidade. É
constituído de pequenos elementos temáticos dispostos numa certa ordem" (TOMACHEVSKI,
1976, p. 172). Tais elementos que constituem o tema são os motivos, definidos como unidades temáticas
mínimas (TOMACHEVSKI, 1976, p. 177).
A noção de tema é uma noção sumária que une a matéria verbal da obra. A obra inteira pode
ter seu tema, ao mesmo tempo que cada parte da obra. A decomposição da obra consiste em
isolar suas partes caracterizadas por uma unidade temática específica. [...].
Através desta decomposição da obra em unidades temáticas, chegamos enfim às partes
indecompostas, até às pequenas partículas do material temático: "a noite caiu", "Raskolnikov
matou a velha", "o herói morreu", "uma carta chegou" etc. O tema desta parte indecomposta
chama-se um motivo. No fundo, cada proposição possui seu próprio motivo. [...].
Os motivos combinados entre si constituem o apoio temático da obra. Nesta perspectiva, a
fábula aparece como o conjunto dos motivos em uma sucessão cronológica de causa e efeito;
a trama aparece como o conjunto desses mesmos motivos, mas na sucessão em que surge
dentro da obra. No que concerne à fábula, pouco importa que o leitor tome conh'ecimento
de um acontecimento nesta ou naquela parte da obra e que este acontecimento lhe seja
comunicado diretamente pelo autor, através do escrito de um personagem ou através de
alusões marginais. Inversamente, só a apresentação dos motivos participa da trama. Um fato
qualquer não inventado pelo autor pode servir-lhe como fábula. A trama é uma construção
inteiramente artística (TOMACHEVSKI, 1976, p. 173-174).
Uma vez mais, note-se, o Formalismo diyerge de concepções características da tradição acadêmica
dos estudos literários dominantes nas primeiras décadas do século XX. O que explica a sobrevivência
de determinadas obras literárias ao longo do tempo e em contextos socioculturais e políticos distintos
não é a simples escolha do tema pelo autor ou sua suposta atualidade para o interesse do leitor, mas
o modo como tal tema é elaborado na construção da trama narrativa. Eis o que explica que, apesar de
apresentarem o(s) mesmo(s) tema(s), certas obras sobrevivam à passagem do tempo e à transplantação
para contextos culturais diversos dos que lhe deram origem, e outras morram no esquecimento. Se
a fábula é o material de que se alimenta a trama, é preciso estudar os procedimentos específicos de
composição da trama - o que, se não impõe, sugere uma revisão das bases tradicionais que sustentavam
a história e a teoria do romance e da narrativa.
Vejamos como Tomachevski define o conceito de motivação:
O sistema de motivos que constituem a temática de uma obra deve apresentar uma unidade
estética. Se os motivos ou o complexo de motivos não são suficientemente coordenados na
obra, se o leitor fica insatisfeito com as ligações entre esse complexo e a obra inteira, dizemos
que este complexo não se integra na obra. Se todas as partes da obra são mal coordenadas,
esta se dissolve.
Eis por que a introdução de todo motivo particular ou de cada conjunto de motivos deve ser
justificada (motivada). O sistema de procedimentos que justifica a introdução dos motivos
particulares e seus conjuntos chama-se "motivação" (TOMACHEVSKI, 1976, p. 184).
120 - T E O R I A LITERÁRIA
.' - - .~.-
FORMALISMO RUSSO E NEW.,CRITICI-SM
o material realista não representa em si uma construção artística e, para que ele venha a sê-
10, é necessário aplicar-lhe leis específicas de construção artística que, do ponto de vista da
realidade, serão sempre convenções (TOMACHEVSKI, 1976, p. 188).
A motivação estética exige que a introdução de motivos obedeça ao caráter estético da obra literária,
harmonizando-se com ele. A distinção entre o "verdadeiro" e o "verossímil" evidencia o fato de que
este último responde a uma adequação entre a motivação realista e a motivação estética. Segundo
Tomachevski,
Cada motivo real deve ser introduzido por uma certa forma da construção do relato e deve
beneficiar-se de um esclarecimento particular. A própria escolha dos temas realistas deve ser
justificada esteticamente.
As discussões entre as antigas e novas escolas literárias surgem a propósito da motivação
estética. A antiga corrente, tradicional, nega a existência do caráter estético das novas formas
literárias (TOMACHEVSKI, 1976, p. 190-191).
O autor pode atrair a simpatia para um personagem cujo caráter na vida real poderia provocar
no leitor um sentimento de repugnância e desgosto. A relação emocional com um herói
releva da construção estética e, apenas nas formas primitivas, coincidirá obrigatoriamente
com o código tradicional da moral e da vida social (TOMACHEVSKI, 1976, p. 195).
No que diz respeito à poesia, os formalistas russos efetuaram uma crítica à supervalorização da
métrica na tradição dos estudos acadêmicos. Opondo o ritmo ao metro, defenderam que o ritmo
é o elemento que constitui a unidade do verso e, a partir daí, propuseram uma teoria do verso que
o concebe como "uma forma ,particular do discurso, tendo suas próprias qualidades linguísticas
(sintáticas, léxicas e semânticas)" (EIKHENBAUM,_1976, p. 37-38).
Segundo Eikhenbaum, Ossip Brik demonstrou que
"O movimento rítmico é anterior ao verso. Não podemos compreender o ritmo a partir da linha
do verso; ao contrário, compreender-se-à o verso a partir do movimento rítmico" afirma Brik (1976,
p. 132). Isso, porque o ritmo preexiste ao verso, que nada mais é do que o registro das "marcas"
de um percurso rítmico realizado pelo poeta na construção do poema. Essa concepção desloca, no
estudo da poesia, o lugar e a importância atribuídos à divisão silábica que se presta à caracterização do
metro e às classificações da métrica. Ela afirma que o ritmo não pode ser reduzido à identificação das
sílabas acentuadas dispostas no verso, e, além disso, que a leitura dos versos não pode ser realizada de
modo isolado, pois, sendo o ritmo anterior ao verso, é ele quem determina o modo como os versos
devem ser lidos - o que explica, por exemplo, como determinados versos dispostos ao longo de um
poema mantêm a regularidade rítmica que domina o conjunto apesar de, se lidos isoladamente,
apresentarem alterações no que se refere à identificação das sílabas acentuadas (cesura).
Teoricamente, cada sílaba pode ser acentuada ou não, tudo depende do impulso rítmico. Por
isso, distinguir as fortes, as semifortes, as levemente fortes, as fracas etc., e tentar penetrar
assim, na diversidade do movimento rítmico, não poderia ser senão uma empresa estéril.
Tudo depende do ritmo do discurso poético que tem como consequência a distribuição em
linhas e sílabas.
Os experts tentam fixar a intensidade de cada sílaba e devem admitir que diferentes pronúncias
do verso levam a resultados diferentes. O permanente mal-entendido tem como única causa a
confusão que se fez entre impulso rítmico e verso pronto.
Se colocarmos de saída a primazia do movimento rítmico, o fato de que obtemos ao
curso de diferentes leituras resultados diferentes não terá nada de espantoso; não nos
surpreenderemos ao obter, no decorrer de leituras diferentes de um mesmo poema, uma
alternância diferente das unidades rítmicas (BRIK, 1976, p. 133).
Para se ter uma aproximação concreta dos problemas apontados por Brik (1976), basta, por exemplo,
que dois leitores façam leitura em voz alta do mesmo texto, pois o ritmo está ligado ao sentido, que,
por sua vez, está ligado ao contexto, à interpretação e ao discurso, fatores que desencadearão mudanças
nos pontos de pausa (CHACON, 1998, p. 24).
Para Brik, "o verso é um complexo necessariamente linguístico, mas que repousa sobre leis
partículares que não coincidem com as da língua falada" (BRIK, 1976, p. 139). Nesse sentido, há
dois erros a serem evitados quando do estudo da poesia: a) a redução do verso às questões linguísticas
122 - T E o R I A LITERÁRIA
FORMALISMO RUSSO E NEW CRITICISM
(sintáticas), que negligenciam o valor e a importância do som e do ritmo para a construção do poema;
b) a redução do verso ao domínio dos sons convencionais e das imagens rítmicas, desprezando o valor
e a importância da estrutura semântica para a construção do poema (tal como faziam os futuristas
russos em sua fase mais radical). O estudo da poesia deve equilibrar um e outro aspectos, pois o ritmo
e a sintaxe "não existem separadamente, mas aparecem simultaneamente, criam uma estrutura-rítmica-
e semântica específica, tão diferente tanto da língua falada quanto da sucessão transracional dos sons"
(BRIK, 1976, p. 138).
Além de Brik, Tomachevski contribuiu, ao escrever A uersificação russa (1942), para a construção
de uma teoria do' verso que o concebe como elemento constitutivo de um "discurso específico, onde
todos os elementos contribuem para o caráter poético" (EIKHENBAUM, 1976, p. 26).
o discurso poético é um discurso organizado quanto a seu efeito fônico. Mas,já que o efeito
fônico é um fenômeno complexo, só um de seus elementos sofre a canonização. Assim, na
métrica clássica, o elemento canonizado é representado pelos acentos que ela submeteu a uma
sucessão e regulou com leis [...] Mas é suficiente que a autoridade das formas tradicionais seja
abalada para que apareça com insistência este pensamento: a essência do verso não se combina
com seus traços primeiros, o verso vive também pelos traços secundários de seu efeito fônico;
ao lado do metro, existe o ritmo que é também aprcensívcl; pode-se escrever versos em que
só se observam estes traços secundários, o discurso permanece poético sem que se mantenha
o metro (TOMACHEVSKI, 1922 apud EIKHENBAUM, 1976, p. 26~27),
Os formalistas russos, por fim, efetuaram uma crítica ao modo como a questão da evolução
literária era tradicionalmente abordada. Partindo de uma concepção de forma como algo que resulta
da escolha de um tema e do conjunto de procedimentos que o singularizam como obra, os formalistas
reconhecerão a existência de um diálogo entre as formas literárias, já que, para eles, uma nova forma
sempre dialoga com as anteriores,justificando a sua emergência em razão do desgaste das formas que a .
precederam. Desse modo, a chamada "evolução literária" passa a ser abordada por um prismadialético,
que nega as bases a partir das quais ela era estudada pela história da literatura e, também, pela crítica
literária, vigentes até as duas primeiras décadas do século XX. Segundo Eikhenbaum,
Quando se fala da tradição ou da sucessão literária, imagina-se geralmente uma linha reta que
encadeia novas folhas de um certo ramo literário a seus mais velhos. Entretanto, as coisassão
muito mais complexas. Não é a linha direta que se prolonga, mas assiste-se antes a uma partida
que se organiza a partir de um certo ponto que se refuta [...] Toda sucessão literária é antes de
tudo um combate, é a destruição do todo já existente e a nova construção que se efetua a part.ir
dos antigos elementos (1YNIANOV; 1921 apud EIKHENBAUM, 1976, p. 33).
o NEW CRITICISM
o Ncw Criticism está longe de constituir um bloco homogêneo, abrigando tendências das
mais divergentes, embora todas revelem um ponto comum: a origem na contribuição crítica de
Sarnuel Taylor Coleridge, a partir de cuja Biographia literária (1817) reaparece como exigência
basilar a necessidade de se ler, cada vez mais exatamente, as "palavras da página", o que se
prestou até para pesquisas estatísticas sobre a freqüência de certas expressões e imagens em
determinado poeta. [... ] De acordo com a lição de Coleridgc, deve ser dispensada a mesma
atenção à estrutura do conjunto de palavras e à técnica de sua organização em estruturas
poéticas. Assim, a crítica literária passa a ser entendida como uma ciência autônoma que se
dedica ao estudo dessa técnica, sem qualquer preocupação com os elementos biográficos,
psicológicos ou históricos aUNQUElRA, 1989, p. 13).
124 - T E o R I A LITERÁRIA
FORMALISMO RUSSO E NEW·CRITICISM
Segundo Cohen (1983, p. 3), a designação Neu/ Criticism já fora empregada por Joel Spingarn
em 1910, mas passou a restringir-se a um grupo de críticos influenciados por John Crowe Ramson,
que, além de batizar oficialmente o movimento com a publicação do livro The New Crituism, em
1941,combatia por uma crítica concebida em bases profissionais, mais voltada para a abordagem dos
aspectostécnicos da poesia do que preocupada com a exibição de erudição histórica. Cohen considera
importante, também, o fato de o New Criticism ter se desenvolvido "no final dos anos 30, num
momento em que a crítica marxista, até então muito influente, encontrava-se desacreditada e posta de
lado" (COHEN, 1983, p. 4).
Lobo afirma que o New Criticism
marca, no contexto mundial, a passagem da crítica litcrãria pata o âmbito do meio universitário, o
que caracteriza a crítica "científica" ou metodológica e epistemológica do sécu!oXX ..,.isto é,.a.q1tcla ..
que segue um método e uma teoria do conhecimento - com a superação da crítica impressionista
ou intuitiva. Inaugura-se o ciclo de publicações sistemáticas de revistas universitãriasco professor
deixa de ser mero veiculador de ideias para tornar-se também pesquisador em equipe e escritor de
ideias(LOBO, 1998, p. 102).
Cohen aponta John Crowe Ramson, AllenTate e Cleanth Brooks como os principais nomes do
New Críticism, destacando, também, o importante papel de "colaboradores, colegas e outras figuras
que, sem pertencerem ao movimento, a ele se ligaram" (COHEN, 1983, p. 4): Robert Penn Warren,
Kenneth Burke, R. P. Blackmur, Austin Warren, W Stallman e William K. Wimsatt Jr. Dentre os
precursores e teóricos que forneceram aos new criticscontribuições significativas, destacam-se, segundo
Cohen (1983), T. E. Hulme, T. S. Eliot, Ezra Pound, I. A. Richards e William Empson.
Tomemos, para os fins deste capítulo, algumas das influentes ideias de Eliot QUNQUEIRA,
1989) sobre a criação e a crítica literárias. No ensaio "Tradição e talento individual", escrito em 1917 e
republicado em 1920 e 1932, Eliot:
a) contrapõe à tendência de valorizar um poeta a partir dos "aspectos de sua obra nos quais ele
menos se assemelha a qualquer outro" a leitura que, livre desse preconceito, descubra "que não
apenas o melhor mas também as passagens mais individuais de sua obra podem ser aquelas em
que os poetas mortos, seus ancestrais, revelam mais vigorosamente sua imortalidade" (ELIOT,
1917 In:JUNQUElRA, 1989, p.38);
b) defende que a apreciação crítica deve estruturar-se em bases comparativas que considerem o
talento individual em suas relações com a tradição da qual ele emerge, pois
nenhum poeta, nenhum artista, tem sua significação completa sozinho. Seu significado··e a
~.. apreciação que dele fazemos constituem a apreciação de sua relação com os poetas e os artistas
t mortos. Não se pode estimá-Io em si; é preciso situá-Io, para contraste e comparação, entre os
mortos. Entendo isso como um princípio de estética, não apenas histórica, mas no sentido crítico
(ELIOT, 1917 In:JUNQUEIRA, 1989, p. 39);
c) destaca o sentido histórico da tradição artística e literária, essencial tanto para a atividade de
criação como para a de crítica de arte, pois
o queocorrequando uma nova obra de arte aparece é, às vezes, o que ocorre simultaneamente
com relação a todas as obras de arte que a precedem. Os monumentos existentes formam
uma ordem ideal entre si, e esta só se modifica pelo aparecimento de uma nova (realmente
nova) obra entre eles. A ordem existente é completa antes que a nova obra apareça; para que
a ordem persista após a introdução da novidade, a totalidade da ordem existente deve ser [... ]
alterada: e desse modo as relações, proporções, valores de cada obra de arte rumo ao todo são
reajustados; aí reside a harmonia entre o antigo e o novo [...]. Neste sentido, em arte não
é absurdo que o passado deva ser modificado pelo presente tanto quanto o presente esteja
orientado pelo passado (ELIOT, 1917 In:JUNQUElRA, 1989, p. 39-40);
A mente do poeta [...] pode, parcial ou exclusivamente, atuar sobre a experiência do próprio
homem, mas, quanto mais perfeito for o artista, mais inteiramente separado estará nele
o homem' que sofre e a mente que cria; e com maior perfeição saberá a mente digerir e
transfigurar as paixões que lhe servem -de matéria-prima (ELIOT, 1917 In: JUNQUElRA,
1989, p. 43);
e) afirma que um poeta não deve ser avaliado senão por sua capacidade de produzir obras capazes
de suscitar no leitor os sentimentos e emoções que pode ou não ter experimentado em sua vida
particular, pois o
objetivo do. poeta não é descobrir novas emoções, mas utilizar as corriqueiras e, trabalhando-
as no elevado nível poético, exprimir sentimentos que não se encontram em absoluto nas
emoções como tais. E emoções que ele jamais experimentou servirão [...] tanto quanto as que
lhe são familiares (ELIOT, 1917 1n:JUNQUEIRA, 1989, p. 47).
A poesia, portanto, não consiste mima liberação das emoções ou numa expressão da personalidade
do poeta; ela consiste na capacidade deste para elaborar tais dados sob a forma de poema. Nesse sentido,
sugere, a crítica deve interessar-se pela poesia, e não pela vida individual do poeta' que a criou, já que
"a emoção da arte é impessoal" (ELIOT, 1917 In: ]UNQUE1RA, 1989, p. 48), produto do trabalho
efetuado com a linguagem e, portanto, construída artificialmente a partir do domínio de determinado
conjunto de técnicas de composição.
Tais ideias serão importantes para o desenvolvimento e a fundamentação das atividades do New
Criticism, já que elas afirmam uma ruptura para com os modelos oitocentistas de crítica literária,
até então fortemente calcados na exploração de dados extrínsecos ao próprio texto literário.
Segundo Teixeira, o conceito de corre/ato objetivo, teorizado por Eliot no ensaio "Hamlet and
his problerns", tem origem na concepção da poesia como o resultado de uma "apropriação pessoal
da tradição literária, em que a visão individual das coisas deve, essencialmente, se transformar em
sabedoria técnica" (TEIXE1RA, 1998, p. 34). Esse conceito terá enorme importância para o Neu/
Critícism e, também, para as demais linhas de crítica e teoria literárias.
Retomemos, aqui, o bilhete e o poema cujo referente é um beijo dado na praça central
de determinada cidade, que pode ser ou não São Paulo, dependendo do modo como se lê e
se interpreta o título "Meio-dia na Sé". No caso do bilhete, temos o registro de uma emoção
individual que funde amor e saudade na afirmação de uma experiência que não foi partilhada
pelo leitor. Naturalmente, não é impossível que o leitor compartilhe dessa experiência, mas, se
o fizer, isso se deverá ao fato de ser ele próprio o destinatário do bilhete ou de o tema rernetê-Io
à memória de fatos que lhe aconteceram. Num caso e no outro, não é propriamente o texto que
lhe propicia a experiência de uma emoção particular, mas sim uma experiência vinculada a um
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FORMALISMO RUSSO E NEW CRITICISM
evento que o inclua. Logo, é bastante possível que muitos leitores não venhamacompartilhar
dessa emoção, reconhecendo-a, pelo contrário, como algo que pertence exclusivamente à autora
do texto. No caso do poema, dá-se o contrário: a articulação dos elementos que o compõem cria
um efeito emocional que é experimentado pelo leitor no momento da leitura e; desse modo.iele
sente-se como que compartilhando com o eu-lírico o prazer e a intensidade da paixão amorosa
- trata-se, pois, de uma emoção estética. Note-se que, no caso do poema, o beijo não se reduz a
uma lembrança de um momento de amor-paixão, instalando-se, no horizonte da leitura e da
interpretação, também como algo que acontece num aqui-agora da experiência erótico-amorosa.
Ror suas características, podemos vincular o"poema "Meio-dia na Sé" a alguns dos traços
da poesia moderna e contemporânea brasileira, a saber: a utilização do verso livre e branco, a
abolição da pontuação, a concisão, a valorização do fragmento, a exploração dos aspectos plásticos
da disposição do texto no papel, característica da poesia concreta. Além disso, o poema também se
aproxima da forma haicai, introduzida no Brasil no século XIX e muito cultivada no século :XX,
por poetas como Guilherme de Almeida e Paulo Leminski. Se considerarmos o seu plano sonoro,
veremos que o poema apresenta 18 sílabas gramaticais e 17 sons (já que ocorre uma contração, no
plano da leitura em voz alta, entre a última sílaba de "sino" e o "E" que dá início ao último verso).
Ora, 17 é o número de sons que caracteriza o modelo do haicai tradicional. Além disso, "Meio-
dia na Sé" marca-se pela apreensão poética do sujeito lírico que enfatiza um instante singular da
experiência pretendendo anular, em seus efeitos, o tempo histórico - traço comum ao haicai. No
entanto, o poema apresenta diferenças em relação ao modelo tradicional do haicai, já que, como
os haicais de Guilherme de Almeida, tem título e, além disso, faz uso de quatro versosem"vez'
dos três que caracterizam o haicai tradicional. Observe-se, portanto, que "Meio-dia na.Sé=dialoga
com a tradição na qual se insere, valendo-se dela para constituir-se como obra nova.
O correlato objetivo da emoção estética é, no poema, o modo como a imagem do beijo apaixonado é
construída: por meio de 4 versos curtos que enfócam as bocas, privilegiando uma "descrição" que vai
do mais exterior (as bocas unidas) para o mais interior (a imagem das línguas entrelaçadas, construída
por meio da metáfora "um sino e dois badalos"). A isso, somam-se o título, que situa geográfica e
circunstancialmente o beijo, contribuindo para a afirmação de sua importância e de sua intensidade,
os efeitos sonoros que, por associação, criam uma onomatopeia e sugerem uma sinestesia na ideia de
que o beijo se realiza como uma experiência marcada por uma multiplicidade de elementos táteis e
sonoros tanto externos quanto internos - o que se evidencia na densidade metafórica dos dois últimos
versos, em que as bocas transformam-se num único sino composto por dois badalos (línguas), que,
por sugestão, fazem o corpo e os sentidos "badalarem" na paixão.
A metáfora do beijo afirmada nos dois últimos versos constitui-se no correlato objetivo do estado
passional do eu-lírico, que, por sua vez, é uma voz que se universaliza, não se reduzindo à pessoa
individual da autora do poema. Por fim, note-se que a própria forma gráfica que caracteriza a disposição
dos versos no poema cria, como na poesia concreta, a imagem de um sino com duas bocas "atravessado"
pela língua compartilhada:
A mais importante contribuição do New Criticism é a defesa do exercício de leitura e crítica de uma
obra com base no estudo minucioso de seus elementos internos, caracterizando o chamado close reading.
Nesse sentido, os novos críticos regem-se por um princípio metodológico semelhante àquele defendido
pelos formalístas russos, privilegiando o estudo das técnicas que atuam sobre a materialidade linguística
da obra em detrimento dos demais aspectos a ela associados e concebendo, portanto, a literatura como
um fenômeno autônomo, "livre das supostas relações determinantes da sociedade com o artista e deste
com o texto" (TEIXElRA, 1998, p. 34).
a) Um poema não existe por acaso, mas nasce de um intelecto. Não se deve, entretanto, "conceder
ao desígnio ou intenção [desse intelecto] o papel de um padrão pelo qual o crítico pode julgar
o valor da realização do poeta" (WIMSATT; BEARDSLEY, 1983, p. 87 - colchete nosso);
b) "Se o poeta teve êxito em realizá-lo, então o próprio poema mostrará o que ele tentava realizar.
E, se o poeta não foi bem-sucedido, então o poema não é uma prova adequada e o crítico deve
extrapolar o poema, na busca de evidenciar uma intenção que não se efetivou no poema"
(WIMSATT; BEARDSLEY, 1983, p. 87);
c) "Julgar um poema é como julgar um pudim ou uma máquina. Exige-se que ele funcione. Só
inferimos a intenção do artesão porque seu produto funciona. [...] A poesia é uma operação
do estilo pela qual um complexo de significado é apreendido de um só golpe. A poesia triunfa
porque tudo ou quase tudo que nela se diz ou se encontra implícito é relevante; o que não
importa foi excluído, como os caroços de um pudim ou os enguiços de uma máquina. A este
respeito, a poesia difere das mensagens práticas, que são bem sucedidas se e apenas se inferimos
corretamente sua intenção" (WIMSATT; BEARDSLEY, 1983, p. 87);
d) "O significado de um poema por certo pode ser pessoal [...] Mas até mesmo um poema lírico
curto é dramático, sendo a resposta de um falante (por mais abstrata que se lhe conceba) a uma
situação (por mais universal que seja). Devemos atribuir os pensamentos e atitudes do poema
de imediato aofalante dramático [eu-lírico - nota nossa] e, se de algum modo ao autor, apenas
por um ato de inferência biográfica" (WIMSATT; BEARDSLEY, 1983, p. 87-88);
e) "O poema não pertence ao crítico, nem ao autor (desliga-se do autor ao nascer e percorre
o mundo subtraindo-se ao poder ou ao controle do criador sobre ele). O poema pertence
ao público. Corporifica-se na linguagem, posse peculiar do público, e trata do ser humano,
objeto de conhecimento público. O que se diz sobre o poema é sujeito à mesma indagação
que qualquer afirmativa em linguística ou na ciência geral da psicologia" (WIMSATT;
BEARDSLEY, 1983, p. 88).
Afalácia da emoção resulta da ideia de que a análise de um poema se reduz à análise da
emoção que ele produz. A emoção suscitada na leitura é um efeito do poema, e não deve ser
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FORMALISMO RUSSO E NEW CRITICISM
A heresia da paráfrase consiste no equívoco de se tornar por análise crítica a mera "tradução" dotexto
literário em termos simples. Incorre-se na heresia da parcifrase quando se reduz a abordagem d~ texto à
decodificação de seu significado referencial. Embora eventualmente útil como recurso deconstrução <:i~
leitura crítica, a paráfrase não pode constituir-se em fim último desta, pois "o verdadeiro entendimento de
uma imagem não consiste na captação de seu significado lógico, e sim na percepção de sua configuração
estética,na fruição de seu valor expressivo" (TEIXElRA, 1998, p. 36).
Finalmente, deve-se evitar, também, conceber o texto literário como mero veículo de mensagens
morais, pedagógicas, religiosas, políticas ou como fonte de "sabedoria" prática. Fazer isso é reduzir a
apreciação da literatura à message-hunting (busca de mensagens ou "de ensinamentos"). Segundo Teixeira,
para a "perspectiva da 'nova crítica', a sabedoria da arte decorre, não da apreensão das mensagens, mas
do convívio desinteressado com as formas que engendra" (TEIXElRA, 1998, p. 37).
LIMITES DA TEORIA
Tanto o Formalismo Russo como o New Criticism privilegiam, em sua abordagem da literatura, a
e
materialidade do texto seus limites. São, portanto, correntes textualistas de teoria e críticaliterárias. '---e-
Essa ênfase, embora muito importante para o desenvolvimento da crítica e da teoria literárias noséculo
xx, tende a desconsiderar os aspectos ligados à recepção do texto.
Se compreendermos a leitura como o resultado de uma articulação entre a materialidade do texto ,-
(que projeta um conjunto de possibilidades de sentido) e a recepção (que se marca pela escolha, pela
seleção e pela ênfase em determinados sentidos em detrimento de outros, além de ser potencialmente
afetada pelos planos emocional e afetivo do receptor, bem como por sua memória individual e histórica),
identificaremos com clareza os limites tanto do Formalismo Russo como do New Criticism.
Para essas duas correntes de teoria e crítica literárias, a verdade do texto (seus possíveis sentidos)
prescinde do polo da recepção para afirmar-se. Sabemos hoje, a partir da contribuição das teorias da
recepção, que serão expostas no Capítulo 9, que a leitura não é construída com base exclusivamente
nos elementos que constituem a materialidade sígnica e estrutural do texto, seja este literário ou.não-
literário. A leitura crítica é o resultado de uma interação entre o texto e o leitor, e ela afirma uma
verdade possível (um sentido) a partir da articulação das informações de um e outro palas.
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