Karl Marx
Karl Marx
Karl Marx
Karl Marx
Como pareceria o mundo hoje, se Karl Marx tivesse realizado seu projeto
de vida original? É que o jovem Marx se considerava um porta nato, e alguns
produtos de suas inspirações poéticas chegaram até nós. Eles trazem títulos
altamente líricos, algo como "Canto dos elfos", "Canto dos gnomos" ou "Canto
das sereias", ou seja, trata-se de fúteis cantilenas mitológicas. Uma poesia
particularmente comovedora, ainda que profundamente triste, é intitulada
"Tragédia do destino". Vale citar algumas estrofes:
Devotada ao céu,
e flechas de fogo.
não é sem fundamento, pois as condições sob as quais Marx conduz seus
estudos são tudo menos ordeiras: ingressa em uma corporação e, se as
notícias sobre isso procedem, é ferido em um duelo. É encarcerado por
"perturbar a ordem com alarido noturno e bebedeira". É indiciado por "porte
Page 3 of 9
ilegal de arma". Acumula dívida sobre dívida. Não obstante, fica noivo de Jenny
von Westphalen, se bem que a nobre família da noiva só tenha aceito o zé-
ninguém com hesitação. Até seu pai o adverte sobre o "exagero e exaltação do
amor de uma índole poética" de ligar-se a uma mulher.
Após dois semestres, Marx continua seus estudos em Berlim, mas
também lá se evidencia que ele não é nenhum estudante modelar. Seu pai tem
razão em se queixar. "Desordem, divagação apática por todas as áreas do
saber, meditação indolente junto da sedenta lamparina de azeite;
embrutecimento erudito em robe de chambre em vez de embrutecimento junto
da caneca de cerveja, insociabilidade repugnante com menosprezo total pelas
boas maneiras", tudo isso ele censura no filho. Marx assiste apenas a poucas
aulas, e mesmo essas antes do âmbito da Filosofia e da História do que do
âmbito do Direito. Por semestres inteiros quase não freqüenta a universidade.
De qualquer modo ele se forma aos 23 anos com um trabalho sobre um tema
filosófico, em Jena, sem nem sequer ter estado lá por uma única hora. Mas
esses acontecimentos não o impressionam. Para ele mais importante é
pertencer ao "Clube do Doutor", uma agremiação de jovens discípulos de
Hegel, e lá discutir dia e noite. Seus amigos atestam que ele é um "arsenal de
pensamentos", uma "alma-danada de ideias". Ao mesmo tempo escreve "um
novo sistema metafísico fundamental". Naturalmente, quer se tornar professor;
mas desiste quando vê que seus amigos, os hegelianos de esquerda, quase
sem exceção naufragavam no governo reacionário.
Em vez disso, Marx torna-se redator no Jornal Renano, de tendência
liberal, publicado em Colônia. Essa atividade força-o a ocupar-se com
problemas concretos de natureza política e econômica. Ele redige a folha em
um espírito intrépido e liberal. Porém, recusa rudemente o comunismo, do qual
mais tarde deveria tornar-se o cabeça. Após breve tempo, contudo, tem de
suspender sua atividade de editor sob pressão policial. O jornal – "a meretriz do
Reno", como o rei prussiano havia por bem chamá-lo – deixa de ser publicado.
http://www2.unifap.br/borges
Depois de ter-se casado com sua noiva de longos anos, Marx dirigi-se
para Paris, onde edita juntamente com seu amigo Arnold Ruge os Anuários
Franco-Germânicos. Por um tempo vive juntamente com a família Ruge em
uma "comunidade comunista", que porém logo se desagregaria devido à
incompatibilidade de gênios. Em Paris, Marx entra em contato com Heine e
Page 4 of 9
com socialistas franceses. Mas também sua permanência nesta cidade não é
muito longa. A pedido do governo prussiano é expulso da França e estabelece-
se provisoriamente em Bruxelas, onde funda o primeiro partido comunista do
mundo (com 17 membros). Marx vai por pouco tempo para Londres, retornando
então durante a Revolução de 1848 – por ocasião da qual escreve O Manifesto
Comunista –, à França e à Alemanha a fim de promover seus planos
revolucionários. Em Colônia, funda o Novo Jornal Renano. Mas é novamente
expulso e vive até seus últimos dias, com apenas algumas interrupções para
breves viagens ao continente, em Londres. Porém, todos esses anos em Paris
e Bruxelas são cheios de contendas amargas e não particularmente tolerantes
conduzidas contra revolucionários dissidentes; há também um trabalho
intensivo em manuscritos filosóficos e econômicos, os quais em grande parte
só serão publicados após sua morte.
Em Londres, Marx vive em situações muito limitadas com uma família que
se multiplica com rapidez. Freqüentemente padecem necessidades. A
fundação de um jornal fracassa. Marx tem de levar a vida em grande parte por
meio de donativos, sobretudo de seu amigo Friedrich Engels. As condições de
moradia são na maioria das vezes catastróficas; ocasionalmente, até a mobília
é penhorada. Ocorre inclusive de Marx nem sequer poder sair de casa por sua
roupa ter sido penhorada. As doenças perseguem a família; apenas algumas
das crianças sobrevivem aos primeiros anos. Pressionado por dívidas, Marx
pensa em declarar bancarrota; apenas o fiel amigo Engels consegue impedir
esse ato extremo. A senhora Jenny desespera-se freqüentemente e deseja
para si e suas crianças antes a morte do que viver uma vida tão miserável.
Acresce que Marx se envolve em um caso amoroso com a empregada
doméstica, que não fica sem consequências e prejudica sensivelmente o clima
doméstico já afetado pela miséria financeira. Continuam também as
desavenças com os correligionários. Apesar de tudo, Marx trabalha
ferreamente, ainda que interrompido por períodos de inatividade causada por
http://www2.unifap.br/borges
entre muitas outras. Por que, então, o que Marx diz é tão estimulante? Como
se explica que seu pensamento tenha determinado tão amplamente o tempo
seguinte? Isso reside obviamente em que Marx não se detém no âmbito do
pensamento puro, mas que se põe a trabalhar decisivamente na transformação
da realidade: "Os filósofos têm apenas interpretado diversamente o mundo;
trata-se de modificá-lo."
Nessa intenção, Marx empreende uma crítica de seu tempo. Observa que
em seus dias a verdadeira essência do homem, sua liberdade e independência,
"a atividade livre e consciente", não se podem fazer valer. Por toda parte o
homem é tirado a si mesmo. Por toda parte perdeu as autênticas possibilidades
humanas de existência. Esse é o sentido daquilo que Marx chama de "auto-
alienação" do homem. Ela significa uma permanente "depreciação do mundo
do homem".
Também aqui Marx recorre às relações econômicas. A auto-alienação do
homem tem sua raiz em uma alienação do trabalhador do produto de seu
trabalho: este não pertence àquele para seu usufruto, mas ao empregador. O
produto do trabalho torna-se uma "mercadoria", isto é, uma coisa estranha ou
alheia ao trabalhador, que o coloca em posição de dependência, porque ele
precisa compará-la para poder subsistir. "O objeto que o trabalho produz, seu
produto, apresenta-se a ele como uma essência estranha, como um poder
independente do produtor." Da mesma forma também o trabalho se torna
"trabalho alienado": não a ele imposto de sua autoconservação; o trabalho
torna-se, em sentido próprio, "trabalho forçado". Esse desenvolvimento atinge
sua culminância no capitalismo, no qual o capital assume a função de um
poder separado dos homens.
A alienação do produto do trabalho conduz também a uma "alienação do
homem". Isso não vale apenas para a "luta de inimigos entre capitalista e
trabalhador". As relações interpessoais em geral perdem cada vez mais a sua
imediação. Elas são mediadas pelas mercadorias e pelo dinheiro, "a meretriz
http://www2.unifap.br/borges
Mas sobre como essa sociedade comunista deve ser, Marx não nos dá
nenhuma informação adicional.
P.S.: O texto servirá como elemento reflexivo para os acadêmicos da
UNIFAP, na matéria Filosofia da Educação, ministrada pelo Sociólogo e
Psicopedagogo João Nascimento Borges Filho, Docente efetivo desta IFES.